Aquando - Baker Tilly

Transcrição

Aquando - Baker Tilly
Entrevista
Tiago Almeida Veloso, da Baker Tilly, está otimista
A reforma do IRC vai ter um impacto
positivo nas empresas portuguesas
As medidas previstas na reforma
do IRC vão afetar positivamente
as empresas portuguesas, independentemente da sua dimensão. Ainda assim, é natural que as grandes
empresas e os grupos de empresas
consigam retirar benefícios mais expressivos da nova legislação, face às
pequenas e médias empresas. Se tudo
correr como previsto, as empresas
nacionais poderão tornar-se das mais
competitivas de toda a Europa, na
perspetiva de Tiago Almeida Veloso,
“partner” da Baker Tilly. O Governo
terá responsabilidades acrescidas em
todo este processo, bem como todos
os responsáveis políticos.
Contabilidade & Empresas –
Como carateriza, em termos gerais, a reforma de IRC apresentada
pelo Governo?
Tiago Almeida Veloso – A médio prazo, a taxa de IRC pode vir
a descer até 17%, dependendo da
evolução da situação económica e
financeira do país. Se à redução da
taxa nominal de IRC se acrescentar
a intenção de eliminar as derramas
municipal e estadual, as empresas
portuguesas ficarão sujeitas a uma
das taxas mais competitivas de imposto sobre os lucros no contexto
europeu. No espaço de cinco anos, a
taxa nominal agregada pode baixar
de 31,5% para 17%. Foi também
reintroduzido um escalão de IRC
com taxa reduzida. Esta será de 17%
sobre os primeiros 15 mil euros de
matéria coletável. Esta medida visa
beneficiar as pequenas empresas,
Se tudo acontecer como o previsto, é muito possível que, a nível fiscal, as empresas nacionais
se tornem das mais competitivas da União Europeia, na perspetiva de Tiago Almeida Veloso.
significando, na prática, que, se a
matéria coletável de uma empresa
se fixar dentro daquele escalão, a
respetiva taxa efetiva de IRC será de
17% (mais derrama municipal), antecipando-se para essas empresas a
redução das taxas nominais daquele
imposto, que apenas se verificará no
longo prazo para as restantes empresas. Em termos absolutos, a criação
deste escalão reduzido de IRC permitirá poupar menos de mil euros.
Ainda assim, a reforma poderá significar uma redução substancial do
IRC a pagar pelas PME.
C&E – E quanto às empresas
de maiores dimensões, o que se vai
passar?
TAV – A criação de uma nova
taxa da derrama estadual de 7% e
o alargamento dos respetivos escalões irão compensar, no curto prazo,
a descida da taxa nominal do IRC.
No curto prazo – analisando exclusivamente as taxas nominais –, da reforma poderá não decorrer a redução
do IRC a pagar por essas empresas.
Contudo, numa visão integrada da
reforma, e considerando os regimes
fiscais vantajosos que serão introduzidos, as grandes empresas e os
grupos poderão melhorar a sua eficiência fiscal. Não terão, por exemplo, necessidade de adotar estruturas
societárias complexas ou geograficamente dispersas, com o propósito
de maximizar a eficiência fiscal das
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Entrevista
suas operações, podendo obter uma
redução direta dos custos associados
a essas estruturas.
C&E – Significa que serão introduzidos sistemas fiscais vantajosos…
TAV – Destaco o regime de
“participation exemption”, em linha com os regimes fiscais europeus
mais vantajosos nesta matéria. Só se
condena o facto de se ter duplicado
(de 12 para 24 meses) o prazo mínimo de detenção das participações
sociais para aceder ao regime, antes
da publicação da lei que introduziu
a reforma. Neste contexto, assistimos à oportunidade de os grupos
poderem promover a simplificação
das suas estruturas societárias, considerando que a isenção nas mais-valias na alienação de participações
sociais será alargada a qualquer sociedade comercial, mesmo sem a
forma jurídica de SGPS. Por outro
lado, o alargamento do regime da
eliminação da dupla tributação dos
dividendos recebidos de subsidiárias situadas noutros estados, para
além daquelas localizadas na UE,
permitirá também, em certa medida, a simplificação das estruturas
societárias dos grupos portugueses.
Esta medida pode ter um impacto expressivo no financiamento da
economia, através do repatriamento
de lucros gerados no estrangeiro.
C&E – Mas o repatriamento
dos lucros implica uma maior intervenção do Estado?
TAV – Competirá ao Estado
português a difícil tarefa de promover a renegociação dos acordos de
dupla tributação com aqueles estados onde o investimento nacional
é mais relevante, com o propósito
de os mesmos preverem taxas de re-
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tenção na fonte mais competitivas
sobre a repatriação dos lucros. Com
a reforma elimina-se o imposto em
Portugal, porém, na maioria dos
casos, sofrem-se retenções na fonte
de imposto no país de origem dos
dividendos. Essas taxas de retenção
na fonte são reduzidas ao abrigo
dos acordos, mas Portugal nunca
foi muito agressivo na negociação
desses acordos, pelo que se estabeleceram taxas de retenção sobre dividendos elevadas. Compreende-se
esta situação porque o nosso país
sempre negociou os acordos numa
perspetiva de salvaguardar a sua
base tributária, relativamente aos
rendimentos cá obtidos por entidades não residentes. Com a crescente
presença das empresas portuguesas
no estrangeiro, Portugal deve negociar com os estados taxas de retenção na fonte de imposto reduzidas
ou mesmo isenções de imposto.
Patentes e direitos de
propriedade industrial
C&E – Que está previsto em
sede das patentes e direitos de propriedade industrial?
TAV – O novo regime fiscal das
patentes e dos direitos de propriedade industrial permitirá que os mesmos se mantenham no nosso país,
gerando cá o respetivo rendimento,
ao contrário do que se verificava,
com a criação no estrangeiro de sociedades especialmente vocacionadas
para a detenção e gestão deste tipo de
ativos dentro dos grupos. A medida é
complementada pelo alargamento da
dedutibilidade da amortização fiscal
de determinados ativos intangíveis.
Esta medida também pode favorecer
a entrada em Portugal de rendimentos gerados no estrangeiro, podendo
ter um impacto muito positivo no fi-
nanciamento da economia nacional.
No sentido inverso, o alargamento
da isenção de retenção na fonte de
IRC sobre os lucros pagos a investidores estrangeiros pelas empresas
portuguesas pode potenciar o investimento estrangeiro na economia nacional, eliminando-se um entrave à
remuneração do investidor.
C&E – A tributação autónoma,
pelo contrário, terá um impacto
negativo, no âmbito da reforma?
TAV – A efetiva redução do
imposto a pagar pelas empresas
portuguesas será condicionada por
um aumento significativo da tributação autónoma. A descida da taxa
do IRC é contraposta com a subida
radical das taxas de tributação autónoma sobre viaturas ligeiras de
passageiros que, nos veículos com
um valor de aquisição igual ou superior a 35 mil euros, pode ascender a 45%. Há cinco anos, a taxa
normal da tributação autónoma
que incidia sobre as despesas com
viaturas era de 5%. Esta medida só
pode ser compreendida num cenário em que as autoridades fiscais se
desresponsabilizam pela fiscalização
das empresas. Esta seria uma reação
à utilização generalizada para efeitos
pessoais das viaturas das empresas
pelos trabalhadores, enquanto complemento remuneratório. Acontece
que o CIRS já estabelece há mais de
uma década regras precisas sobre a
tributação desses complementos remuneratórios, que não foram objeto de alteração com esta reforma do
IRC ou com o OE. Se as viaturas
em questão são, de facto, utilizadas
na esfera pessoal dos trabalhadores
ou sócios/acionistas, já existiam
mecanismos legais ao dispor das
autoridades fiscais para tributar essa
utilização.
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Entrevista
Redução do limite de
dedução dos encargos com
financiamentos “fora de tempo”
C&E – Que lhe parece a medida que contempla a redução do limite de dedução dos encargos com
financiamentos?
TAV – A redução do limite abstrato de dedução dos encargos com
financiamentos de três para um milhão de euros também não terá sido
introduzida no momento apropriado,
numa fase em que as empresas portuguesas se encontram tão dependentes
de capital alheio para a sua sobrevivência. Este limite até poderá funcionar como um entrave fiscal ao investimento produtivo, inviabilizando os
projetos que, de outra forma, seriam
financeiramente viáveis. Em Portugal,
a proporção de empresas que conseguem recorrer exclusivamente a capitais próprios para financiar o investimento produtivo é muito reduzida.
Pelo lado positivo, destaque para o
alargamento do prazo de dedução de
prejuízos fiscais e do PEC para 12 períodos de tributação, ao invés dos atuais cinco e quatro períodos. Por outro
lado, o crédito de imposto por dupla
tributação internacional volta a poder
ser utilizado em períodos de tributação
posteriores – cinco – para além daquele em que é gerado. O alargamento
destes prazos permite às empresas desenvolver a sua atividade num quadro
de continuidade, contudo, fica aquém
das demais economias europeias. Em
Espanha, o período máximo para deduzir prejuízos fiscais é de 18 anos, não
existindo limite temporal nas economias de maior peso, como Alemanha,
Reino Unido e França.
C&E – Qual a sua opinião relativamente ao regime simplificado?
TAV – A sua reintrodução é posi-
Benefícios
A reforma será potencialmente
benéfica para o tecido empresarial,
reduzindo-se, de um modo geral,
o imposto a pagar pelas empresas
nacionais
tiva, mas questiona-se a razão de ter
sido, em primeira instância, suspenso,
depois revogado, para ser reintroduzido em moldes similares. É altura de se
pensar em criar um verdadeiro regime
simplificado transversal, abrangendo
tanto o IRC como o IVA. Não sendo
possível admitir que uma sociedade
comercial possa existir sem contabilidade organizada, pode-se, porém, admitir a introdução de um regime fiscal
com base na preparação de uma contabilidade simplificada – mais do que as
atuais normas simplificadas permitem
– por parte das micro e pequenas empresas, reduzindo os respetivos custos
administrativos. Aquando da transposição para a legislação nacional da
nova diretiva da União Europeia sobre
Contabilidade, em princípio a vigorar
em 2016, será o momento apropriado
para esse regime ser introduzido. Mais
uma vez, estaremos a reformar o que
já foi reformado.
Medidas positivas acessórias
C&E – Que outras medidas
positivas encontra no diploma?
TAV – Outra medida muito positiva da reforma do IRC é a eliminação de algumas obrigações acessórias
e a simplificação de outras. É, de facto, relevante a simplificação do processo de aplicação em Portugal dos
acordos de dupla tributação. A possibilidade de as entidades não residentes fazerem prova da sua residência
fiscal através dos certificados emitidos nos estados de residência, ao
invés da certificação dos formulários
RFI, liberta as empresas nacionais de
um conjunto de constrangimentos
sentidos no passado.
No OE foi introduzido um benefício fiscal ao reinvestimento dos
lucros e das reservas que permitirá às
PME beneficiarem de uma dedução
à coleta do IRC de um valor até 10%
dos lucros retidos e aplicados na
aquisição de ativos. Os investimentos
têm de ser concretizados num prazo
de dois anos. O montante máximo
dos lucros retidos e reinvestidos será
de cinco milhões de euros, por período de tributação, encontrando-se
a dedução limitada a 25% da coleta
do IRC do período. Por outro lado,
ainda no âmbito do Orçamento do
Estado, destaque para o alargamento
da vigência do SIFIDE II até ao período de tributação de 2020.
C&E – Em termos mais gerais,
o que conclui desta reforma?
TAV – A reforma será potencialmente benéfica para o tecido empresarial, reduzindo-se, de um modo
geral, o imposto a pagar pelas empresas nacionais, potenciando-se o
investimento externo na economia,
a redução dos custos de estrutura
dos grupos portugueses e o repatriamento de lucros e rendimentos do
exterior, o que potenciará o financiamento da economia. No entanto,
para que a reforma fiscal possa produzir os seus efeitos benéficos precisa
de contar com um apoio e compromisso políticos alargados e prolongados no tempo. As alterações que
venham a ser introduzidas ao Código do IRC têm de apresentar uma
relevância reduzida, evitando-se a
instabilidade legislativa e sempre no
sentido da simplificação progressiva
dos regimes fiscais e a eliminação das
obrigações declarativas e acessórias a
cumprir pelas empresas.
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