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OBSERVATÓRIO DAS METRÓPOLES SECRETARIA DO PLANEJAMENTO E GESTÃO FUNDAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICA Siegfried Emanuel Heuser ISBN 978-85-7173-077-9 GESTÃO METROPOLITANA NO CANADÁ Ricardo Brinco Porto Alegre, 2008 GOVERNO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL SECRETARIA DO PLANEJAMENTO E GESTÃO Secretário: Mateus Affonso Bandeira DIRETORIA Presidente: Adelar Fochezatto Diretor Técnico: Octavio Augusto Camargo Conceição Diretor Administrativo: Nóra Angela Gundlach Kraemer CENTROS Estudos Econômicos e Sociais: Sônia Unikowski Teruchkin Pesquisa de Emprego e Desemprego: Roberto da Silva Wiltgen Informações Estatísticas: Adalberto Alves Maia Neto Informática: Luciano Zanuz Editoração: Valesca Casa Nova Nonnig Recursos: Alfredo Crestani B858 Brinco, Ricardo, 1947Gestão metropolitna no Canadá / Ricardo Brinco. Porto Alegre: FEE, 2008. 185p. : il. ISBN: 978-85-7173-077-9 1. Planejamento urbano – Canadá 2. Planejamento metropolitano – Canadá II. Título III. Fundação de Economia e Estatística Siegfried Samuel Heuser CDU 711.5(71) CIP Naila Touguinha Lomando CRB-10/711 Desenho da capa: Ricardo Brinco Tiragem: 500 exemplares Toda correspondência para esta publicação deverá ser endereçada à: FUNDAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICA Siegfried Emanuel Heuser (FEE) Rua Duque de Caxias, 1691 — Porto Alegre, RS — CEP 90010-283 Fone: (51)3216-9049 — Fax: (51)3255-0006 E-mail: [email protected] www.fee.rs.gov.br Qualquer parte desta obra poderá ser reproduzida, desde que citada a fonte. Este livro é um desdobramentro da sublinha Sistematização das Experiências dos Modelos Institucionais de Gestão Metropolitana, do projeto Observatório das Metrópoles: Território, Coesão Social e Governança Democrática, que conta com o apoio do Programa do Milênio, 2005-2008 – Edital MCT/ CNPq 01/2005. O projeto é coordenado pelo Doutor Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro (IPPUR-UFRJ). O autor agradece aos colegas do Núcleo de Estudos Regionais e Urbanos (NERU-FEE) e, em especial, a José Antonio Fialho Alonso, a leitura do texto e seus comentários. Ring the bells that still can ring Forget your perfect offering There is a crack in everything That’s how the light gets in. Leonard Cohen SUMÁRIO LISTA DE SIGLAS .................................................................................. 11 LISTA DE TABELAS E FIGURAS .......................................................... 13 APRESENTAÇÃO .................................................................................. 15 INTRODUÇÃO ........................................................................................ 19 1 1.1 1.2 1.3 1.4 1.5 1.6 1.7 2 2.1 2.2 2.3 2.4 2.4.1 2.5 2.6 2.7 2.7.1 2.7.2 2.7.3 2.7.4 2.7.5 2.8 2.8.1 FATOS BÁSICOS QUE AFETAM A VIDA DOS GOVERNOS LOCAIS NO CANADÁ .................................................................... Tendências demográficas no Canadá ........................................ O sistema político vigente no Canadá ........................................ As estruturas político-territoriais ................................................. A organização municipal canadense .......................................... A autonomia fiscal das municipalidades ..................................... Como funcionam as municipalidades canadenses ..................... O mecanismo das fusões de municipalidades como uma especificidade canadense .......................................................... A CIDADE DE TORONTO E A ÁREA DA GRANDE TORONTO (GREATER TORONTO AREA – GTA) ....................................... A Província de Ontário ................................................................ Toronto e suas relações de dependência com o Governo Provincial ......................................................................................... A Cidade de Toronto e sua dinâmica econômica ........................ Toronto e sua dinâmica populacional .......................................... A relevância dos fluxos migratórios ............................................ O processo de ocupação da área metropolitana ........................ A formação da Toronto Metropolitana (Metro Toronto) ................ A formação da megacidade de Toronto ...................................... Os preliminares e as razões da fusão ........................................ Resistências opostas à fusão ..................................................... Vantagens e custos adicionais associados à fusão .................... Transferência de atividades e de encargos quando da fusão ..... Um novo plano para a Cidade de Toronto .................................. A área da Grande Toronto .......................................................... O planejamento regional na GTA ............................................... 25 25 26 27 30 35 37 39 43 43 45 47 50 52 53 56 62 63 66 67 71 74 76 77 8 2.8.2 2.8.3 2.8.3.1 2.8.3.2 2.8.3.3 2.8.4 2.9 A situação dos transportes na GTA ............................................ Sistemas públicos de transporte na GTA .................................... O sistema GO Transit ................................................................. O sistema de metrô .................................................................... Outros sistemas de transporte público ....................................... O papel da agência metropolitana de transportes ...................... A Cidade de Toronto e o futuro da GTA ...................................... 80 83 83 83 84 85 86 3 A CIDADE DE MONTREAL E A COMUNIDADE METROPOLITANA DE MONTREAL (COMMUNAUTÉ MÉTROPOLITAINE DE MONTRÉAL – CMM) ................................................................. 89 3.1 3.1.1 3.2 3.3 3.3.1 3.3.2 3.4 3.5 A Província de Quebec ............................................................... O movimento separatista de Quebec ......................................... A Cidade de Montreal ................................................................. A população de Montreal e a da Grande Montreal ..................... O papel dos fluxos migratórios ................................................... Montreal, uma cidade bilíngüe .................................................... Estrutura e dinâmica socioeconômica de Montreal .................... Os trabalhos das comissões e a questão da governança metropolitana em Montreal .................................................................. 3.6 A Comunidade Urbana de Montreal (Communauté Urbaine de Montréal - CUM) ......................................................................... 3.7 A reforma municipal de 2001 ...................................................... 3.7.1 A fusão e a nova Cidade de Montreal ......................................... 3.7.2 O episódio da “desfusão” de municipalidades ............................ 3.8 O Conselho da Aglomeração de Montreal .................................. 3.9 A Comunidade Metropolitana de Montreal (Communauté Métropolitaine de Montréal) ................................................................. 3.10 A situação dos transportes ......................................................... 3.10.1 O metrô ...................................................................................... 3.10.2 Transportes e governança .......................................................... 3.10.3 O plano de transportes da Cidade de Montreal .......................... 3.11 O planejamento territorial em Montreal ....................................... 4 4.1 4.2 4.3 89 91 92 99 101 103 104 108 109 111 113 116 118 121 126 128 128 129 132 A CIDADE DE VANCOUVER E O DISTRITO REGIONAL GRANDE VANCOUVER (GREATER VANCOUVER REGIONAL DISTRICT – GVRD) ................................................................... 133 A Província da Colúmbia Britânica ............................................. A Cidade de Vancouver e o Distrito Regional da Grande Vancouver O formato institucional do Distrito Regional da Grande Vancouver 133 135 141 9 4.3.1 4.3.2 4.4 4.5 4.6 4.7 4.8 4.9 Os antecedentes do Distrito Regional da Grande Vancouver ..... As funções institucionais do Distrito Regional da Grande Vancouver .............................................................................................. O sistema de transportes e o Distrito Regional da Grande Vancouver .............................................................................................. O Conselho de Diretores do Distrito Regional da Grande Vancouver .............................................................................................. O planejamento regional na Grande Vancouver ......................... Suburbanização versus crescimento concentrado na Grande Vancouver .................................................................................. O desempenho econômico da Grande Vancouver ..................... O desempenho institucional do Distrito Regional da Grande Vancouver .................................................................................. 141 143 144 150 151 154 157 158 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................... 163 REFERÊNCIAS ....................................................................................... 173 LISTA DE SIGLAS ALR AMT CMA CMM CUM FCM GTA GTSB GTTA GVRD LRV NAFTA PQ Translink TTC VLT Agricultural Land Reserve Agence Métropolitaine de Transport Census Metropolitan Area Communauté Métropolitaine de Montréal Communauté Urbaine de Montréal Federation of Canadian Municipalities Greater Toronto Area Greater Toronto Service Board Greater Toronto Transit Authority Greater Vancouver Regional District Light Rail Vehicle North American Free Trade Agreement Partido Québecois Greater Vancouver Transportation Authority Toronto Transit Commission Veículo Leve sobre Trilhos LISTA DE TABELAS E FIGURAS Tabela 1 População da Cidade de Toronto, da Toronto Metropolitana e da Área da Grande Toronto e participação percentual da população da Cidade de Toronto na da Toronto Metropolitana e da Toronto Metropolitana na da Área da Grande Toronto – 19412006 ......................................................................................... Tabela 2 População da Cidade de Montreal, da Aglomeração de Montreal e da Grande Montreal e participação percentual da população da Aglomeração de Montreal na da Grande Montreal – 19412006 ......................................................................................... Tabela 3 População da Cidade de Vancouver e do GVRD e participação percentual da população de Vancouver na do GVRD – 1941-2006 ................................................................................ Mapa 1 Mapa do Canadá ..................................................................... Mapa 2 A Província de Ontário ............................................................ Mapa 3 A nova Cidade de Toronto ....................................................... Mapa 4 A Área da Grande Toronto ...................................................... Mapa 5 A província de Quebec ............................................................ Mapa 6 A Cidade de Montreal .............................................................. Mapa 7 A Comunidade Urbana de Montreal ........................................ Mapa 8 A Comunidade Metropolitana de Montreal .............................. Mapa 9 A Província da Colúmbia Britânica .......................................... Mapa 10 O Distrito Regional da Grande Vancouver .............................. Figura 1 A paisagem da região central de Toronto ................................ Figura 2 Vista do centro de negócios de Montreal ................................ Figura 3 Montreal em um dia de inverno ............................................... Figura 4 A Montreal subterrânea ........................................................... Figura 5 A linha do horizonte da Cidade de Vancouver ........................ 51 100 135 29 44 63 77 90 93 110 122 134 136 61 94 96 97 139 APRESENTAÇÃO O leitor tem em suas mãos um livro de grande atualidade, que coloca a questão da governança nas cidades, mais especificamente nas cidades globais, em tempos de crescente integração internacional. São nele analisadas as transformações por que passam os modelos de organização das Cidades de Toronto, Montreal e Vancouver, sendo também avaliado o funcionamento dos novos mecanismos e instrumentos de gestão urbana. A originalidade deste livro reside, sem dúvida, na problemática escolhida, centrada no estudo da organização e da gestão das cidades e das regiões urbanas (ou das cidades-região, como gosta de afirmar Alan Scott (Scott, 2001), na atual etapa do processo de globalização, quando — em função das novas tecnologias da informação e das comunicações e da crescente integração econômica, social e política — se está produzindo o ressurgimento das cidades. Todavia o trabalho adquire uma relevância particular, pelo fato de estudar as mudanças organizacionais e de gestão em três cidades canadenses cujas instituições se vêm transformando à medida que se integram ao grupo das cidades globais (Toronto, como uma major world city; Montreal, como uma minor world city; e Vancouver, com algumas evidências de formação de uma world city1). O exame de formas tão diferentes de governança proporciona, de fato, uma informação em primeira mão sobre as mudanças organizacionais e institucionais em curso, o que torna o livro, em minha opinião, particularmente atraente. Nesses termos, representa um esforço singular para identificar os novos fatos e as novas realidades da organização e da gestão metropolitanas. A formação das cidades globais está associada a mudanças do modelo de produção (Vazquez Barquero, 2005), que envolvem atividades industriais de alta tecnologia e intensivas em conhecimento, serviços avançados (como os de marketing, de assistência técnica ou financeira), bem como atividades produtoras de bens e serviços culturais e de ciência e tecnologia, além das novas atividades ligadas ao lazer e ao turismo urbanos. O surgimento e o desenvolvimento da economia do conhecimento, da cultura e do lazer vêm acompanhados da ocupação do espaço periférico e regional (Hall, 1997). Decorre daí um amplo leque de situações, como a construção de moradias nas áreas de influência das cidades para satisfazer demandas tão heterogêneas como as dos profissionais de altos salários e as dos trabalhadores mal pagos, que convivem com a globalização, bem como a “deslocalização” das atividades industriais, dos serviços de consumo e dos serviços públicos e a dos próprios escritórios centrais das grandes empresas. O crescente processo de urbanização articula-se tendo como base um poderoso sistema de transportes e de comunicações, o qual facilita as relações entre as empresas, favorece a 1 Conforme a classificação realizada, em 1999, pelo GaWC Study Group, do Departamento de Geografia da Universidade de Loughborough. 16 estruturação física do território e estimula a concentração da população e das atividades produtivas. É argumentado no livro que esse processo de transformações econômica, social e urbana — que surge em decorrência de decisões tomadas pelos atores econômicos, sociais e políticos — coloca novas demandas para os serviços públicos, bem como introduz a necessidade de coordenação das decisões públicas e privadas de investimento, em especial aquelas tomadas no quadro das políticas urbanas. Trata-se de uma tarefa que pressupõe novas formas de governança, capazes de favorecer a cooperação entre os atores e a coordenação horizontal e vertical entre as agências executivas e as administrações, as quais, conforme demonstram os casos analisados nesse livro, tendem a reproduzir-se de forma diferenciada de cidade para cidade. Ricardo Brinco está certo ao centrar a discussão sobre a nova realidade institucional tomando como base o estudo do que está sucedendo nas cidades globais do Canadá, porquanto as mesmas representam um laboratório privilegiado das transformações organizacionais em curso. Por um lado, impõe-se conhecer a nova realidade e os novos fatos, sempre que se queira entender, em todas as suas dimensões, a evolução e as transformações das organizações e das instituições. E é o Canadá que oferece, com efeito, as melhores condições para.tanto, já que se trata de um País crescentemente urbanizado, cujas cidades-região formam verdadeiros motores do desenvolvimento e estão integradas no sistema internacional, o que explica as grandes transformações e mudanças por que passam seus modelos de organização e gestão. Além disso, suas políticas urbanas e suas formas de organização e de gestão estiveram marcadas, nos últimos 50 anos, por um caráter francamente inovador. Como assinalou John Friedmann, na conferência que realizou em Vancouver, em 2006 (Friedmann, 2006), existem, na atualidade, duas estratégias distintas no campo das políticas urbanas. A visão dominante entende que as cidades interessadas em atrair o capital internacional, no intuito de se tornarem mais competitivas em escala global, não têm outra alternativa senão a de oferecer uma estrutura tributária favorável às empresas, assim como investir em uma arquitetura atrativa, implantar grandes infra-estruturas, realizar grandes eventos esportivos — de que as olimpíadas são um exemplo maior — e organizar feiras comerciais de grande porte. Segundo a visão competitiva, portanto, a política urbana das cidades globais estaria condicionada pelo objetivo de estimular a atração dos investimentos estrangeiros. Existe, no entanto, uma outra estratégia, a qual aposta na idéia de que — sem deixar de lado a questão do posicionamento competitivo — os escassos recursos existentes deveriam ser aplicados na criação das condições para o desenvolvimento de longo prazo. Tal estratégia teria como objetivos: privilegiar as iniciativas que redundem no desenvolvimento dos recursos humanos e na qualidade de vida, impulsionar a criatividade e o talento próprios a cada cidade-região, estimular as atividades e a participação da sociedade civil; conservar o patrimônio histórico e cultural, proteger o meio ambiente, e potencializar a qualidade das infra-estruturas urbanas. 17 A argumentação desenvolvida no livro sustenta que o modelo de organização e de gestão acompanha a estratégia de política urbana escolhida. Quando as cidades — como ocorre no caso de Toronto — adotam uma estratégia competitiva em nível global, tendem a desenvolver formas de organização mais concentradas, limitando a autonomia das municipalidades integrantes da cidade-região. Ao contrário, quando as cidades-região optam por uma estratégia que prioriza o desenvolvimento de suas capacidades endógenas — como demonstra o caso de Vancouver —, resulta mais eficiente utilizar um modelo descentralizado, que tira bom proveito da organização flexível proporcionada por diferentes níveis de governo e de gestão. O autor introduz uma importante nuança ao assinalar que, se bem as cidades-região se orientem no sentido de manter sua posição competitiva no contexto dos desafios colocados pela globalização, suas estratégias e suas formas de organização e de gestão estão condicionadas por circunstâncias próprias a cada uma delas. Assim, a geografia e os modos anteriores de ocupação do espaço fazem com que as alterações no território e na densidade demográfica se produzam necessariamente no interior das estruturas urbanas já existentes. Além disso, o modelo de organização e de gestão não depende só da forma específica adotada para conciliar os interesses locais como também do conjunto de normas e de regras — a exemplo da Constituição e das leis do País — que regulam as competências e as responsabilidades de cada um dos níveis de governo. A transformação das organizações e as mudanças institucionais observadas respondem, assim, a demandas geradas no interior da própria sociedade, ainda que seja preciso ter presente que se trata de um processo social complexo e de longa maturação, que é sobredeterminado pela cultura e pelas normas de cada país e, inclusive, de cada cidade (North, 1990). Quais são os fatores que condicionam o funcionamento do modelo de organização e de gestão urbana nas cidades globais do Canadá? No livro, é assinalado que um papel importante reverte à identidade e aos fatores culturais, bem como às normas e regras que regulam as relações econômicas, sociais e políticas. De tal forma, a estabilidade do modelo de Vancouver está associada à existência de uma forte identidade regional e ao fato de os atores locais e a população compartilharem uma mesma visão e cultura políticas, ao passo que a instabilidade do modelo de Montreal teria suas raízes nos conflitos, de natureza cultural e lingüística, existentes no seio das diferentes comunidades locais e, portanto, na falta de entendimento acerca dos objetivos e dos destinos da cidade-região. Por seu turno, as dificuldades enfrentadas pelo modelo organizacional de Toronto seriam explicadas pelo fato de as normas e regras existentes dificultarem a criação de uma agência estratégica de planejamento de coordenação que conte com o necessário grau de autonomia política para levar a cabo as ações capazes de sustentar sua posição competitiva. O autor realiza sua análise, que busca compreender as novas instituições que governam as cidades, mantendo um olhar latino-americano, ciente que é dos grandes desafios institucionais com que se defrontam as cidades globais da América Latina, como a Cidade do México, São Paulo, Santiago ou Buenos 18 Aires, mas também conhecedor da criatividade e da capacidade inovadora que marcam cidades como Porto Alegre ou Curitiba. Além dos seus conhecimentos sobre a realidade urbana internacional, fruto dos trabalhos que desenvolve na Fundação de Economia e Estatística, incorpora, no estudo sobre as novas instituições e formas de organização das cidades globais, os aportes proporcionados por especialistas e estudiosos canadenses. Trata-se, em suma, de um livro que discute a problemática da gestão urbana e metropolitana nas cidades-região, com base em uma pesquisa abrangente sobre a nova realidade institucional associada às cidades globais canadenses. Está redigido em uma linguagem direta e acessível, facilitando a leitura e a compreensão do texto por parte de um público amplo, mas é também capaz de estimular o interesse dos especialistas, dos políticos e de todos aqueles que se ocupam das questões ligadas às políticas de desenvolvimento urbano nos espaços globalizados. Antonio Vázquez Barquero* Madri, 31 de maio de 2008. * Professor Catedrático de Desenvolvimento Regional e Local da Universidade Autônoma de Madri. Tem inúmeros artigos e livros escritos sobre o tema, entre os quais Desenvolvimento Endógeno em Tempos de Globalização, Porto Alegre: co-edição FEE/UFRGS, 2001. 19 INTRODUÇÃO A existência de instituições de caráter metropolitano com atribuições de gestão nas grandes aglomerações não constitui, propriamente, um fenômeno inusitado ou inovador. De fato, foram numerosas e das mais diversas ordens as experiências surgidas no decurso do século XX em âmbito internacional que, como resposta a um ambiente de crescimento urbano acelerado, tiveram alguma relação com o tema da gestão na escala metropolitana. Ainda assim, desde os anos 90, a temática parece ter recobrado um novo fôlego, apresentando-se como uma ampla pauta de discussões em torno das reformas institucionais vistas como convenientes, senão indispensáveis, para dar condições de sustentabilidade às grandes metrópoles. É variado o leque de propostas possíveis de serem consideradas para fins de organização político-administrativa das áreas metropolitanas. Essa é uma questão bastante controvertida, capaz de despertar o debate apaixonado entre os representantes de várias correntes e que se configura como um tema especialmente rico na literatura acadêmica. As diversas concepções e abordagens encontradas pressupõem, como não poderia deixar de ser, visões distintas de sociedade e posturas ideológicas não necessariamente conciliáveis, o que explica a ausência de consenso constatada. Analistas e políticos da América do Norte (com destaque para o Canadá) e da Europa Ocidental têm grande relevância nesse debate. Eles respondem pela incorporação de um elemento novo ao mesmo, qual seja, o da ligação entre reforma institucional em âmbito metropolitano e poder de competição das cidades em um cenário de ampla globalização. Em especial, a fragmentação institucional determinada pela existência de várias municipalidades autônomas em uma mesma aglomeração passou a ser vista, por muitos, como um ônus — senão um elemento estrutural altamente restritivo — no ambiente de competitividade global. Este é, dentre outros, um dos fatores que têm figurado com destaque na gênese de muitos dos processos de reestruturação institucional que se propõem a criar as condições para o estabelecimento de regiões metropolitanas competitivas. Em última análise, o que está em jogo são temas associados ao binômio território e governança, envolvendo coordenação e planejamento na escala metropolitana, cooperação intermunicipal ou inter-regional, governo metropolitano e, até mesmo, simples exercícios de marketing visando consolidar e vender a imagem das modernas metrópoles. Todos esses são elementos que, em muitos casos, passaram a estar diretamente associados ao crescimento econômico, à busca de uma carreira de sucesso para cidades e regiões e à afirmação das suas condições gerais de competitividade, sobretudo no caso daquelas com maior representatividade no cenário internacional. Tanto isso é verdade que o discurso embasando muitas das políticas recentes que objetivam lhes dar sustentação fala em “Criar cidades competitivas”, “Crescer mantendo o foco nas economias do conhecimento” ou, ainda, “Formar regiões urbanas empresariais”. 20 Nos dias de hoje, efetivamente, o elemento que estaria diferenciando as metrópoles seria a capacidade de as mesmas se posicionarem de forma competitiva e de, assim, ascenderem na hierarquia do sistema urbano global. Com isso, as preocupações que animam a governança metropolitana passaram a estar menos centradas em aspectos muito valorizados até há pouco tempo atrás, tais como a redução das desigualdades regionais e uma eficiente prestação de serviços públicos. Em contrapartida, ganharam força muitos dos elementos da agenda econômica, entendidos como aqueles capazes de promover as condições de competitividade e de valorizar, por essa via, os ativos socioeconômicos territorialmente localizados. O fato é que a contínua expansão urbana tem levado à ocupação de regiões cada vez mais amplas, determinando uma crescente dificuldade de os espaços urbanos funcionais coincidirem com os espaços institucionais. Na prática, a marcante descentralização das populações e de muitas atividades produtivas para áreas externas ao núcleo central das aglomerações, a ascensão política dessas áreas, o fenômeno dos movimentos pendulares e a quase-banalização do fenômeno dos territórios polinucleados trouxeram para o primeiro plano o problema da adequação das fronteiras político-administrativas existentes. Face a um padrão de ocupação territorial extremamente ampliado e muito fragmentado do ponto de vista político-administrativo, as exigências básicas que se colocam estão muito relacionadas à capacidade de coordenação do desenvolvimento metropolitano, ou seja, passam pela existência de instâncias regulatórias nos níveis local e regional, constituam elas governos formais, ou não. O contexto de fragmentação político-administrativa, característico de muitos territórios por força dos numerosos governos locais ali atuantes, dificulta o encaminhamento de soluções de conjunto para vários problemas que os afligem, das quais é um exemplo marcante a degradação do meio ambiente. No caso dos impactos ambientais, com efeito, são notórios os benefícios associados a um padrão mais rígido de cooperação intermunicipal, bastando ter presente que os efeitos nocivos que acompanham a expansão metropolitana não estão, evidentemente, circunscritos às fronteiras legais, sendo corriqueiro, ao contrário, seu extravasamento para o espaço geográfico imediato e para mais além. O que se coloca, na verdade, é a inadequação dos tradicionais mecanismos institucionais de gestão face às profundas mudanças afetando o espaço geográfico, econômico e social. Ou ainda, trata-se de como proceder para ajustar fronteiras administrativas que não mais conseguem refletir os atributos territoriais e funcionais de áreas metropolitanas tão complexas. São traços fundamentais desse processo de metropolização, portanto, o grande número de instâncias locais de governo e o fraco — ou até mesmo inexistente — envolvimento de instituições de regulação que tenham jurisdição sobre territórios assim vastos e marcados por uma tão rápida expansão e mutação. As dificuldades encontradas nesse domínio não causam propriamente espécie, uma vez que as estruturas de governança e de gestão — e o conjunto de instituições que lhe dão apoio — evoluem, sabidamente, de forma muito lenta no tocante à sua capacidade de adaptação. É a rigidez das atuais fron- 21 teiras políticas que coloca entraves difíceis de serem superados, ainda mais se se considerar que, com freqüência, os intentos nesse domínio contrariam muitos interesses locais. O problema é de como alcançar alguma coerência nas intervenções propostas, dado o vasto elenco de situações conflitantes que podem surgir. É por isso que qualquer arranjo que se pretenda viável precisa, inevitavelmente, considerar a articulação entre os diversos níveis de governo atuantes em uma aglomeração, bem como ser capaz de mobilizar todos os atores envolvidos na questão metropolitana. O fato é que, para além das situações mais contrastantes no teor das propostas — a do modelo metropolitano ou consolidado e a do modelo local ou descentralizado —, são variadas as alternativas possíveis. No caso do modelo consolidado, há governos e agências relativamente fortes agindo em âmbito metropolitano. Já na hipótese do modelo descentralizado, os governos locais seguem tendo autonomia e jurisdição sobre seus territórios e comandam seus próprios negócios, podendo haver, ou não, alguma forma de governo ou de autoridade de escopo regional. O modelo descentralizado, segundo seus proponentes, favoreceria, assim, os princípios da democracia local, ao assegurar maior representatividade política, legitimidade e autonomia às comunidades locais. Possibilitaria também manter níveis diferenciados de prestação de serviços no conjunto da área metropolitana, bem como distintos regimes de tributação. Isso materializa-se no conhecido paradigma da “escolha pública”, pelo qual as pessoas teriam a possibilidade de votar “com seus pés”, ao terem a alternativa de mudar-se para outra jurisdição político-administrativa que lhes ofereça uma cesta de bens e serviços mais de seu agrado e a preços mais convenientes. Já seus críticos argumentam que as estruturas político-administrativas fragmentadas levam a uma série de ineficiências. Os governos locais não teriam condições de aproveitar-se das economias de escala, e haveria o problema das externalidades negativas geradas por decisões assumidas localmente e que seriam repassadas aos territórios do entorno. Outro traço negativo procederia da convivência, em uma mesma região, de municipalidades ricas, com elevada capacidade de arrecadação, bem equipadas e com bons níveis de atendimento de serviços, e de municipalidades pobres, dispondo de poucos recursos e funcionando com um padrão insatisfatório de serviços. Outro elemento problemático associado à presença de muitos governos locais residiria na convivência das várias e diferentes disposições regulamentando o uso do solo, materializando-se em distintos códigos de construção e de zoneamento e levando a um padrão construtivo muito desigual no conjunto do território metropolitano. O modelo consolidado, por seu turno, permitiria minimizar esse problema, pelo menos em tese, posto que seria mais eficiente ao possibilitar uma melhor repartição dos recursos e uma mais igualitária distribuição dos serviços públicos, das infra-estruturas e dos equipamentos públicos, para não se falar da padronização viabilizada em termos das normas regulatórias do desenvolvimento urbano. Ou seja, nesse aspecto, o “modelo metropolitano” seria mais justo do ponto de vista social, ao proporcionar uma alocação mais eqüitativa das receitas públicas. 22 Os críticos do modelo centralizado e favoráveis ao descentralizado, por seu turno, argumentam que as estruturas de abrangência metropolitana têm tendência a se tornarem altamente burocratizadas e pouco flexíveis, além de se revelarem mais onerosas em seu funcionamento. A competição — vista como saudável — entre distintas unidades administrativas também resultaria prejudicada. Argumentam ainda que, mesmo prescindindo da atuação de governos metropolitanos formalmente constituídos, existe sempre a alternativa de beneficiar-se dos aportes proporcionados por alguma forma institucionalizada de coordenação regional e de prestação de serviços básicos. Isso poderia ser viabilizado através de acordos voluntários intermunicipais e também recorrendo a agências capacitadas a operarem no conjunto da aglomeração. Haveria, dessa forma, a possibilidade de fornecer serviços a distintas municipalidades, sem alteração das fronteiras municipais existentes, tirando também proveito das economias de escala e aumentando a eficiência do sistema municipal em seu todo. Ainda outras formas de intervenção no âmbito dos territórios metropolitanos podem consistir na simples anexação das áreas suburbanizadas por parte da cidade central ou mesmo na total fusão das municipalidades envolvidas. Podem também passar pela instalação de autoridades ou agências multifuncionais, exercendo funções de planejamento e de coordenação, ou prestando serviços variados e que, sob certas circunstâncias, podem ter sua atuação confundida com a de governos “de fato”. Em outras situações, a opção favorecida pode privilegiar o funcionamento de agências com funções específicas, capazes de, por exemplo, tratar do abastecimento de água ou de gerenciar os serviços de transporte de natureza metropolitana. Outras propostas remetem a arranjos que fogem ao estabelecimento de instâncias formais de governo, adotando formas de cooperação e de gestão voluntárias, via formação de consórcios, por exemplo, o que pressupõe o envolvimento dos governos locais e/ou de outros agentes públicos e privados. Todas essas questões formam um grande pano de fundo para o estudo aqui empreendido, que se propõe a examinar os traços principais da gestão metropolitana no Canadá, procedendo-se, para tanto, à análise de algumas situações específicas ali encontradas. Mais precisamente, o foco está direcionado para as principais áreas metropolitanas do País, quais sejam, Toronto, Montreal e Vancouver, que constituem experiências muito marcantes e contrastantes de exemplos de governo regional de cunho metropolitano (aqui tomados no sentido amplo da expressão) e refletem, acuradamente, a riqueza e as múltiplas facetas do que seria o “modelo canadense” nesse domínio. Na verdade, o Canadá tem uma longa trajetória de convivência com arranjos institucionais de várias ordens na esfera metropolitana, ainda que, deve ser dito, se constate o predomínio de um padrão de estruturas consolidadas de gestão. Estas são resultantes, via de regra, da aplicação de reformas institucionais baseadas na fusão de municipalidades, uma decorrência da clara preferência demonstrada pelos governos provinciais quanto a esse tipo de prática agressiva de reorganização territorial. A diversidade e a riqueza dessas experiências é, nesse sentido, o reflexo 23 do domínio político que as províncias exercem sobre a instância local, por conta das especificidades do sistema federativo canadense. Em tal contexto, praticamente todas as grandes áreas metropolitanas do País contam com alguma forma de arranjo institucional de âmbito regional, via de regra estabelecido de cima para baixo. Nos três situações aqui consideradas, os governos provinciais foram, precisamente, os gestores da montagem de instâncias de governo ou de agências prestadoras de serviços com atuação na área metropolitana. Na seqüência, foram também responsáveis por muitos dos empecilhos colocados em seu caminho ou, até mesmo, por ações desestruturadoras que afetaram os poderes ou a autonomia das organizações precedentemente implantadas. De qualquer forma, o certo é que suas ações contribuíram, com maior ou menor êxito, para a montagem de mecanismos em condições de disciplinar e influenciar o crescimento das regiões sob sua jurisdição e, assim, beneficiar a qualidade de vida de seus residentes. Os três casos remetem a formações metropolitanas extremamente dinâmicas e complexas em seus aspectos socioeconômicos e institucionais e refletem circunstâncias específicas de cada cidade-região. Cada uma delas é efetivamente marcada por sua própria geografia, sua identidade, sua trajetória histórica e sua lógica interna de funcionamento. Todas enfrentaram, e continuam enfrentando, grandes transformações socioeconômicas, em meio a processos, muitas vezes, traumáticos que abalaram suas interdependências internas e seus relacionamentos externos. Foram confrontadas, da mesma forma, a enormes desafios para controlar seu crescimento, e duas delas (Toronto e Montreal) viram-se recentemente afetadas por reformas político-administrativas que desfizeram arranjos institucionais de governança que, mesmo se desatualizados em função da rapidez e da amplitude das mudanças intervenientes, representavam experiências relativamente bem-sucedidas. As análises realizadas sobre as principais metrópoles canadenses não seguem um esquema rigidamente uniforme, ainda que mantenham tópicos em comum. Entre esses, incluem-se a apresentação da província onde se localiza a área metropolitana, a dinâmica populacional que anima a cidade principal e a aglomeração em seu conjunto, a sua formação socioeconômica, as características do processo de ocupação do território, do planejamento territorial adotado e do seu sistema de transportes. No tocante aos tópicos mais especificamente ligados aos aspectos institucionais da gestão, a abordagem adotada privilegia particularidades e detalhes de cada um dos casos examinados, os quais configuram, com certeza, contextos muito diferenciados e contrastantes. Essa é a temática desenvolvida nos Capítulos 2, 3, e 4. O Capítulo 1, por sua vez, propõe-se a apresentar alguns elementos básicos para ajudar a entender o contexto em que, no Canadá, se movimentam os governos locais. 1 FATOS BÁSICOS QUE AFETAM A VIDA DOS GOVERNOS LOCAIS NO CANADÁ 1.1 Tendências demográficas no Canadá O Canadá, com seus 9.984.870km2 de território, desponta como o segundo país do mundo em extensão, seguindo a Rússia e precedendo a China e os Estados Unidos. É, de fato, uma nação marcada por vastidões continentais e relativamente pouco povoada, a ponto de, com uma população de 31.612.897 habitantes em 20062, ocupar apenas a 36a. posição, em termos demográficos, no cenário internacional. Sua dinâmica populacional não é, efetivamente, das mais fortes, bastando dizer que o País cresceu a uma taxa geométrica média de 0,98% a.a. entre 1991 e 2006,3 uma evolução condicionada pelas reduzidas taxas de natalidade e pela contribuição de importantes fluxos imigratórios. O crescimento vegetativo da população canadense — uma condição determinada pelo número de nascimentos menos o de mortes — mostra-se, de fato, em franco recuo: de um acréscimo de 210.500 habitantes em 1990-91 passou para 108.500 em 2005-06. Por um lado, isso se explica por uma taxa de natalidade relativamente estável nos últimos anos, mas que se situa em um patamar baixo, da ordem de 1,53 filho por mulher em 2004. A explicação para isso está em que a mulher canadense vem sistematicamente postergando a idade de concepção do primeiro filho (na média, 29,7 anos em 2004), o que acaba determinando a formação de famílias com um número menor de crianças.4 Com isso, o grupo dos mais jovens (19 anos e menos) está perdendo terreno, representando 24% dos canadenses em 2006, quando formavam 37% em 1946. Vem aumentando, por outro lado, o peso relativo do grupo dos idosos (65 anos e mais), que já constituíam 13% da população em 2006 (contra 7% em 1946). Ou seja, a população canadense está envelhecendo rapidamente, beneficiada que é por uma das mais altas expectativas de vida encontrada entre os países industrializados (Statistics Canada, 2007a). Nesse contexto, é decisiva a contribuição dos estrangeiros que se radicam no Canadá para garantir o aumento de sua população. Observa-se, por exemplo, que nada menos do que dois terços da variação populacional registrada no período 2001-06 se deve à migração internacional líquida (Statistics Canada, 2 Todos os dados populacionais, exceto quando referida outra fonte, procedem de Statistics Canada (http://www.statcan.ca), o órgão oficial que responde pelas estatísticas nacionais do Canadá. Deve ser observado que os Censos são ali realizados de cinco em cinco anos, correspondendo a 2006, 2001, 1996, etc. 3 É verdade que a dinâmica populacional canadense está conforme aos padrões das economias industrializadas, tendo sido, inclusive, a que melhor desempenho teve entre os países do chamado G8 (Canadá, França, Itália, Alemanha, Reino Unido, Japão, Estados Unidos e Rússia) quanto à taxa de crescimento no período 2001-06. 4 Veja-se, a propósito, que é muito maior a taxa de fertilidade das mulheres imigrantes, a qual foi da ordem de 3,1 filhos entre 1996 e 2001 (Statistics Canada, 2007a). 26 2007b), com a maior parte (mais de 70%) dos imigrantes tendo-se domiciliado em uma das três grandes áreas metropolitanas: Toronto, Montreal e Vancouver. Uma característica básica da população canadense é a sua distribuição muito concentrada nas grandes cidades e áreas metropolitanas, definindo, assim, um padrão de ocupação fortemente urbanizado, com mais de 80% dos residentes encontrando-se, em 2006, em zonas classificadas como urbanas. Além disso, a maior parte dos habitantes vive em um espaço relativamente circunscrito do território meridional, a ponto de as duas maiores províncias — Ontário e Quebec — responderem por 62,34% do total da população em 2006. Ao mesmo tempo, sua porção setentrional é quase deserta, com os três territórios ali situados formando 39,34% das terras e reunindo tão-somente 101.310 moradores, ou seja, contribuem com meros 0,32% para a formação da população total. O sistema urbano canadense está evoluindo, na verdade, para uma formação marcadamente metropolitana. A dinâmica mais forte do crescimento populacional ocorre, efetivamente, nas suas maiores regiões urbanas. Assim, de 2001 a 2006, 86,64% do aumento do número de residentes deu-se nas chamadas Áreas Metropolitanas Censitárias (Census Metropolitan Areas (CMAs5)), 64,54% verificou-se nas seis maiores CMAs e 46,36% ocorreu, apenas, nas três maiores. Veja-se também como o próprio número de CMAs cresceu no período, passando de 27 para 33. Já em termos do contingente total de residentes, constata-se que, em 2006, 68,04% dos canadenses viviam nas 33 CMAs do País, 44,63% estavam nas seis maiores e 34,37% residiam nas três principais. São as seguintes, por ordem de grandeza, as seis maiores CMAs, todas reunindo mais de um milhão de pessoas: Toronto, Montreal, Vancouver, Ottawa-Gatineau, Calgary e Hamilton. 1.2 O sistema político vigente no Canadá O moderno Canadá foi criado pelo Ato Constitucional de 1867, que o integrou ao império britânico como um Estado dotado de autodeterminação. Nesse arranjo institucional, o Parlamento do Reino Unido continuou mantendo seus poderes legislativos no Canadá. Note-se que o processo de autonomização em relação ao Parlamento da antiga potência colonizadora foi muito gradual, sendo que o poder de legislar deste último só foi eliminado em 1931. Foi preciso esperar, todavia, o ano de 1949 para que o Parlamento do Reino Unido aprovasse um novo ato constitucional, estendendo ao Parlamento canadense o poder de realizar emendas constitucionais, Ainda assim, para a validação de determinados tipos de emendas, continuou sendo imprescindível a intervenção do Parlamento britânico, situação que só veio a ser alterada 5 Uma CMA é conceituada pela Statistics Canada como sendo formada por uma área reunindo uma ou mais municipalidades adjacentes, que conta com um núcleo central de, pelo menos, 50.000 habitantes e cuja população total é de, no mínimo, 100.000 residentes. Para serem incluídas em uma CMA, as municipalidades adjacentes precisam demonstrar ter um certo grau de integração com o núcleo central. 27 pelo Ato Constitucional de 1982, que terminou com toda dependência legal do Canadá em relação ao Parlamento do Reino Unido. O modelo seguido na montagem do sistema político canadense foi o do Reino Unido, com o estabelecimento de um parlamento bicameral (Senado e House of Commons) e a figura de um governador-geral, que perfaz as funções constitucionais da Coroa britânica em solo canadense. Ou seja, o Canadá é uma democracia parlamentar e uma monarquia constitucional, sendo dotado de um sistema federal de governo parlamentar. A rainha Elisabete II é a chefe de Estado e a soberana do Canadá e é dela que emana todo poder Executivo, Judiciário e Legislativo, conforme expresso na Constituição emendada de 1982. Foram, portanto, mantidos seus poderes constitucionais enquanto monarca do Canadá, uma função que é totalmente separada, todavia, daquela que lhe compete como monarca do Reino Unido. A rainha tem um representante legal em cada província, o Governador-Geral (Lieutenant-Governor). Existe também um cargo equivalente nos territórios, ainda que seja preenchido por indicação do Governo Federal. O monarca é representado por um vice-rei, o Governador Geral, que tem os poderes para exercer quase todos os deveres constitucionais da soberana. Na prática, o gabinete é o único a ter os poderes executivos. O gabinete é chefiado pelo Primeiro Ministro, que atua, por convenção, como chefe de Estado. De forma a garantir a estabilidade do governo, o Governador-Geral procede normalmente à indicação do líder do partido com maioria na House of Commons. É o Primeiro Ministro que define a composição do gabinete, e o Governador-Geral, também por convenção, respeita a escolha assim feita. (Wikipedia, 2008). O chefe de governo de cada província ou território é chamado de Premier e é, normalmente, um cargo ocupado pelo presidente do partido que reúne o maior número de representantes e/ou de aliados na Assembléia. Apesar de ser possível estabelecer, grosso modo, uma correspondência com o posto de governador em uma federação de estados como a brasileira, a função é ali desempenhada por um membro do Legislativo, que não é eleito diretamente para o exercício do cargo administrativo. A nomeação do Premier passa, de modo formal, pelo Governador Geral, que atua como representante da Coroa e do Governo Federal em cada província, sendo praxe que este referende simplesmente o nome indicado pelo Legislativo. É o Premier que forma o gabinete provincial, ao qual compete a administração dos negócios da província. 1.3 As estruturas político-territoriais O Canadá constitui uma federação com três níveis de governo, a saber, o Federal, o das províncias e territórios e os governos locais, sendo os governos municipais a forma mais representativa destes últimos. Os governos mu- 28 nicipais são governos locais criados pela província, para cuidar das questões que podem ser tratadas em âmbito local, com os diversos tipos urbanos podendo ser, nessa ordem de grandeza, cidades, towns e villages. Outras formas de arranjos têm um caráter rural, podendo constituir municipalidades rurais, distritos, parishes e townships, enquanto outras formam governos regionais e metropolitanos, que servem às maiores áreas urbanas. Os governos regionais constituem entidades criadas pelas províncias, reunindo várias municipalidades sob uma única estrutura política e administrativa. O propósito de tais governos regionais é, via de regra, o de prover mais eficientemente as funções municipais de alcance ampliado e assim, ao agregar diversas municipalidades, o de criar uma base suficientemente ampla para assegurar a prestação de serviços ou a realização de obras de infra-estrutura. Em alguns casos, os governos regionais gozam de uma certa autonomia com relação às municipalidades sob sua jurisdição, enquanto, em outros, há dirigentes municipais que assumem a gestão direta do órgão regional. (Mapleleafweb.com, 2007). Há 10 províncias, três territórios e cerca de 3.700 governos municipais no Canadá.6 Existe ainda um certo número de governos aborígenes, que, sob determinados aspectos. desfrutam de um status parecido ao dos governos provinciais. É preciso observar que a cobertura do território canadense pelas municipalidades não é completa, estando as mesmas especialmente representadas nas áreas populosas, ao mesmo tempo em que vastas extensões territoriais permanecem não municipalizadas.7 Algumas dessas áreas formam distritos e podem ter um status de quase-municipalidades. A divisão de poderes no Canadá é definida pelo já referido Ato Constitucional de 1867, também conhecido como o British-North American Act e pelas emendas incorporadas no Ato Constitucional de 1982. A seção 91 especifica os poderes e a legislação acordados à esfera federal; e a seção 92, aqueles outorgados para o nível provincial. Isso significa que há duas jurisdições de autoridade, uma delas materializada no Parlamento canadense, e a outra, nas 10 Assembléias Legislativas provinciais, cada uma das quais tendo soberania sobre áreas específicas de atuação. As atribuições do Governo Federal, centralizadas na instituição do Parla6 7 Mais especificamente, havia 3.731 municipalidades no Canadá, em março de 2003 (Collin; Lévaillée, 2003, p. 8). “A jurisdição das municipalidade estende-se apenas sobre uma parte do território canadense. Há, com efeito, vastos territórios que não estão organizados na forma de municipalidades. Nesses casos, usualmente, é o governo provincial que administra, de forma direta, os serviços públicos locais. (Isso sem considerar os territórios das reservas indígenas, que estão sob a jurisdição direta e exclusiva do Governo Federal). Assim, por exemplo, havia 154 municipalidades na Colúmbia Britânica, em março de 2003, as quais cobriam apenas uma pequena porção do seu território, ou seja, cerca de 2%. A maior parte do espaço é dito não municipalizado.” (Collin; Léveillée, 2003, p. 8). 29 mento e na figura do Primeiro Ministro, referem-se à manutenção da “paz, da ordem e do bom governo” no conjunto do País, sendo sua a responsabilidade pelas leis que regem a imigração, o seguro-desemprego, o comércio, a defesa nacional, a política externa, as questões aborígenes e a legislação sobre a criminalidade, dentre outras. Já as províncias contam com poderes para tratar dos assuntos regionais e locais, como a educação, a saúde, os serviços sociais, a justiça e os próprios governos municipais. Algumas responsabilidades são compartilhadas entre o Governo Federal e as províncias, sendo esse o caso das questões relativas à imigração, ao transporte, a rodovias, à agricultura e aos fundos de pensão. As municipalidades, ainda que constando da Carta Constitucional apenas como uma das responsabilidades das províncias, respondem por uma gama extensa dos serviços prestados, como os de polícia, bombeiros, vias públicas, trânsito, água, esgoto, cultura, recreação e planejamento. Mapa 1 Mapa do Canadá FONTE: Disponível em: <http://www.arikah.net>. Acesso em: 05 mar. 2008. 30 A diferença entre a administração de uma província e a de um território reside em que a primeira dispõe de maior poder e autoridade, os quais foram recebidos diretamente da Coroa, ao passo que os territórios têm seu mandato outorgado pelo Governo Federal. As províncias canadenses são em número de 10: Alberta, Colúmbia Britânica, Manitoba, New Brunswick, Newfounland e Labrador, Nova Scotia, Ontário, Prince Edward Island, Quebec e Saskatchewn. Por sua vez, os três territórios têm a designação de Northwest Territories, Nunavui e Yukon. 1.4 A organização municipal canadense A montagem da organização municipal, tal como existe hoje no Canadá, remonta à primeira metade do século XIX, com o primeiro arranjo municipal tendo sido constituído no que então se chamava de Canadá Oeste (correspondente à atual Província de Ontário). As demais províncias seguiram o exemplo, de tal forma que o sistema foi sendo criado ao mesmo tempo em que se formava a própria Federação canadense. As divisões de poderes e de responsabilidades entre os níveis de governo foram formalizadas nos termos definidos pelo já citado Ato Constitucional de 1867 — época em que a Federação tinha apenas quatro províncias —, que foi “modernizado” pelo Ato Constitucional de 1982. Segundo os termos da Constituição do País, as municipalidades não gozam de um estatuto legal próprio, ou seja, não têm assegurados direitos constitucionais.8 Assim, enquanto as províncias derivam seus poderes diretamente da Constituição, o que lhes garante sua autonomia, as municipalidades têm seus poderes decorrentes da lei provincial. Todo seu ordenamento institucional é, portanto, obra da legislação própria às províncias, que as cria, extingue, estabelece as regras de seu funcionamento, define seu elenco de poderes e responsabilidades, bem como estabelece suas fontes de receita e a maneira como devem realizar seus gastos. Na verdade, são poucos os poderes exercidos pelas municipalidades que não podem ser reescritos ou mesmo prescritos ao bel prazer das províncias. Ou seja, suas funções e poderes são apenas aqueles explicitamente definidos e delegados pelos governos provinciais, estando basicamente atrelados a seu funcionamento como provedoras de serviços públicos. Alguns desses poderes são de natureza mandatória; e outros, de natureza permissiva. Não há, assim, nenhuma legislação regendo a vida local que tenha sido elaborada pelos poderes políticos locais, sendo que todo o arcabouço 8 “O Ato Constitucional de 1867 estabelece os parâmetros que definem as atuais relações entre os governos provinciais e as municipalidades. A seção 92 do referido ato define os poderes exclusivos das legislaturas provinciais em 16 áreas, sendo que a seção 92(8) concede ao Legislativo de cada província a responsabilidade única de fazer as leis que se aplicam às instituições municipais. Na medida que os governos locais são legalmente subordinados aos governos das províncias, toda a autoridade e as receitas financeiras a que podem aspirar são as explicitamente conferidas pela legislação provincial.” (Dewing; Young, 2006). 31 jurídico correspondente procede da atividade legislativa da província. Essa limitada autonomia de que gozam as municipalidades coloca, naturalmente, algumas incertezas em termos da sua legitimidade democrática, já que precisam prestar contas tanto à esfera provincial como ao seu próprio eleitorado. Essa observação tem sua pertinência, posto que, em algumas situações, as municipalidades acabam praticamente funcionando como agências administrativas da Província. É por tudo isso que, nos termos da fórmula largamente consagrada, as municipalidades são definidas como sendo “criaturas da província”. Isso também resulta em um “sistema municipal” que não é uniforme em todo País — ainda que mantenha muitos traços em comum —, sendo sua diversidade o resultado dos regimes diferenciados implantados em cada uma das províncias. Ou seja, cada uma trabalha com um determinado conjunto de instituições municipais, o qual diverge levemente do adotado pelas demais.9 Qualquer poder municipal pode ser alterado pelos votos do Legislativo da província. Ainda que algumas cidades disponham de uma legislação separada definindo suas jurisdições, a maior parte das municipalidades recebe seus poderes através de um ato municipal da província, aplicável a todas elas. As províncias podem modificar suas fronteiras ou os seus poderes, assim como seus recursos financeiros e têm, até mesmo, a capacidade de extinguir municipalidades. Da mesma forma, o ato de solicitar empréstimos pressupõe, via de regra, a aprovação prévia de um comitê nomeado pela província. Inclusive, as próprias atividades municipais corriqueiras decorrem de uma delegação de responsabilidades feita pelas províncias. (Dewing;Young, 2006). Todo debate constitucional no Canadá, dá-se entre o Governo Federal e os das províncias, com algum envolvimento ocasional por parte das comunidades aborígenes, que têm demonstrado interesse em obter seu reconhecimento constitucional. A ausência das cidades nesse campo de discussões é tanto mais notável se se considerar que o Canadá é, fundamentalmente, um país urbano. Com efeito, a grande maioria dos canadenses vive, na atualidade, em zonas urbanas, e os principais problemas encontrados nessas áreas 9 “As municipalidades canadenses são criadas por leis provinciais. Estas são leis gerais, que definem o que as mesmas podem fazer, como são administradas e quais as fontes de receita de que se podem beneficiar. Elas determinam igualmente o regime eleitoral municipal e enquadram aspectos específicos da organização municipal, como a fiscalidade, a organização territorial ou o planejamento urbano e regional. Em Québec, por exemplo, há mais de 40 leis desse tipo [...] Está-se diante de um emaranhado complexo de legislações, não sendo fácil traçar o perfil dos direitos e obrigações próprios às municipalidades. Ainda a título de exemplo, vale observar que, no caso da Província de Ontário, as estimativas são de que haja 150 leis regulando o regime municipal.” (Collin; Léveillée, 2003, p. 4). 32 deixaram há muito de se constituírem em assuntos de abrangência meramente local ou municipal. E o que está em jogo não é apenas o fato de as cidades abrigarem grandes contingentes populacionais, mas também o de que elas se tornaram uma fonte imprescindível de empregos e de riquezas para a nação como um todo, respondendo, assim, por uma parte altamente relevante do desempenho econômico nacional. Há um grande número de assuntos constitucionais cujo debate e encaminhamento se dá entre o Governo Federal e os das províncias, deixando de fora as cidades. Os governos provinciais, por seu turno, pouco conhecem das cidades e demonstram pequeno interesse pelas mesmas. Não é ali que reside sua base eleitoral. As eleições provinciais raramente se desenvolvem focando questões essenciais para as cidades. As negociações que os dirigentes das províncias estabelecem com o Governo Federal quase nunca envolvem temas específicos às mesmas. (The Maytree Foundation, 1999). O fato é que os governos das províncias têm se aferrado tenazmente à manutenção dos dispositivos constitucionais que lhes asseguram controle absoluto sobre a vida das municipalidades e, dessa forma, opõem resistência a qualquer intento de alteração do status quo. As próprias municipalidades, por sua vez, têm demonstrado pouco empenho na busca por seu reconhecimento constitucional. Seus interesses efetivos parecem estar focados muito mais em encontrar soluções para seus graves problemas financeiros, além de procurar limitar o controle exercido pelas províncias, através de uma maior valorização do poder municipal e de uma autonomia que se traduza em maior flexibilidade no exercício de suas competências.10 Nesse contexto, tudo indica que estão mesmo dispostas a buscar alternativas fora do campo constitucional.11 Ainda assim, têm havido intentos ocasionais visando promover o reconhecimento constitucional das municipa10 11 “Essa é, obviamente, uma situação que decorre do fato de as legislaturas provinciais se mostrarem ciosas de suas prerrogativas. É também, no entanto, resultante da visão que as municipalidades têm de si próprias. Assim, nos últimos anos, tomou força um movimento visando promover uma descentralização em favor das municipalidades e, inclusive, favorecer a adoção de uma carta de autonomia local. No que se refere a suas reivindicações concretas, todavia, é preciso constatar que as municipalidades insistem muito mais em aspectos ligados a tecnicidades fiscais e regulamentares, em medidas capazes de simplificar a gestão administrativa ou, ainda, na questão dos repasses financeiros setoriais oriundos dos governos de nível superior. Em síntese, elas se mostram muito mais preocupadas em afirmar-se no seu papel de administradores locais do que em lutar por sua autodeterminação.” (Collin; Léveillée, 2003, p. 5). “Desde a promulgação do Ato Constitucional de 1982, parece ter desaparecido das discussões a demanda por um status constitucional para os governos locais. As municipalidades não chegaram a colocar essa questão, para surpresa de muitos observadores, em nenhuma das sessões promovidas pelos vários comitês parlamentares que atuaram no acordo de Meech Lake de 1987.” (Dewing; Young, 2006). 33 lidades,12 de que é exemplo a atuação da própria Federação Canadense de Municipalidades (FCM) — Federation of Canadian Municipalities —, que forma uma associação voluntária de municipalidades, reunindo mais de 1.600 associados, e que se intitula “A voz nacional dos governos municipais desde 1901”. A FCM propôs uma emenda constitucional, em 1991, redefinindo o papel das municipalidades. Tal proposição não encontrou, na época, acolhida nem junto aos governos provinciais, nem ao Governo Federal. As perspectivas nesse sentido permanecem pouco favoráveis e configuram, na melhor das hipóteses, uma agenda de longo prazo (Dewing; Young, 2006). Ainda que o reconhecimento constitucional continue sendo um objetivo, as municipalidades parecem ter adotado, nas atuais condições definidas pela Constituição, uma abordagem mais flexível e diversificada. É possível que, de uma certa forma, isso esteja relacionado à relutância demonstrada pelo Governo Federal e pelos provinciais em reabrirem as negociações constitucionais. As municipalidades optaram, em vez disso, por fazer lobby junto ao Governo Federal, buscando um maior apoio fiscal, e junto aos governos provinciais, procurando introduzir mudanças no relacionamento províncias-municipalidades (Dewing; Young, 2006).13 Outro aspecto importante a destacar relaciona-se ao fato de a legislação de cada província tratar indiferentemente todos as municipalidades a que se aplica, não importando seu tamanho ou particularidades. Isto é, são exatamente as mesmas leis que regem a vida de uma pequena ou de uma grande cidade. São legislações generalistas, que estabelecem o arcabouço institucional em que se movimentam todos os tipos de municipalidades e, destarte, se mostram pouco adaptadas às necessidades daquelas de maior porte. É por razões como essas que muitas cidades têm preferido lutar pela obtenção da chamada City Charter, um estatuto individualizado concedido pelos governos provinciais, capaz de proporcionar maior flexibilidade às administrações municipais. O estatuto especifica determinados aspectos da lei geral que rege as municipalidades de uma dada província e concede algum tratamento diferenciado. Note-se que a obtenção de tal estatuto não dá nenhuma garan- 12 13 “É tempo de mudança. É chegada a hora de as cidades promoverem a alteração dos arranjos constitucionais no Canadá. É tempo de acabar com o diálogo exclusivo entre o Governo Federal e os das províncias acerca de quem vai gastar os dólares arrecadados via impostos. E é hora de conversar sobre qual é o nível de governo mais apto para definir as políticas e para assegurar a prestação dos serviços.” (The Maytree Foundation, 1999). “Essa tomada de posição pressupõe uma intervenção federal mais significativa nos assuntos urbanos e, por tal via, nas questões municipais. É assim, de uma certa forma, que está sendo posto em xeque o estado das relações intergovernamentais e começa a ser questionada a ordem constitucional canadense. Mas é também uma chamada a uma revisão fundamental da natureza e do papel das municipalidades, um questionamento da ordem municipal herdada da metade do século XIX.” (Collin; Lévaillée, 2003, p. 40). 34 tia do ponto de vista de uma maior autonomia financeira, uma vez que, ao mesmo tempo em que a legislação concede o poder de impor novos impostos e taxas incidindo sobre muitas atividades, costuma vir acompanhada de uma listagem de exclusões, que retira muito do poder arrecadador dos tributos assim regulamentados. As relações diretas entre as municipalidades e o Governo Federal, por sua vez, quase não se fazem presentes e, em existindo, envolvem obrigatoriamente a figura dos governos provinciais, ocorrendo dentro de acordos de cooperação tripartites. Em boa medida, isso é uma decorrência do fato de a Constituição canadense impedir, praticamente, a transferência direta de recursos do Governo Federal para as municipalidades. As Províncias têm, sistematicamente, oferecido resistência a qualquer forma de envolvimento direto e formal do Governo Federal com seu nível de governo subordinado, ainda que este venha canalizando — através de acordos Governo Federal/governos provinciais — muitos recursos financeiros para assegurar os serviços prestados pelas municipalidades. As províncias, em especial, têm se oposto ao estabelecimento de qualquer agência ou departamento federal que tenha jurisdição para tratar específica e diretamente com os governos municipais. Exceto pelos pagamentos efetuados pelo Governo Federal a título de Imposto Sobre a Propriedade (Property Tax), os fundos federais são praticamente todos direcionados através de acordos mantidos entre o nível federal e o das províncias (Dewing; Young, 2006). Deve ser observado que, tradicionalmente, era muito pequeno o interesse manifestado pelo Governo Federal em relação aos assuntos de natureza urbana. Foi só mais recentemente, com as mudanças intervenientes na ordem econômica e social que repercutiram nas grandes cidades — por exemplo, a assinatura do North American Free Trade Agreement (NAFTA), a cada vez maior importância das imigrações, a crise dos transportes urbanos e o problema habitacional, dentre outros —, que tal posição começou a ser reformulada.14 14 “A segunda razão pela qual o Governo Federal deveria interessar-se pelas cidades canadenses decorre do fato de as mesmas estarem enfrentando sérios obstáculos para manter sua competitividade econômica no continente norte-americano, para não dizer no contexto internacional [...] Os investimentos em infra-estrutura — sistema viário, transporte público, água e esgoto — estão muito aquém do que seria indispensável para manter o crescimento econômico. Há necessidade de canalizar recursos para o mundo das artes e para os equipamentos culturais, de forma a atrair as ‘classes criativas’. O número de pobres e dos sem-teto mostrase em expansão, não obstante o crescimento econômico registrado nos últimos tempos. O contínuo processo de ocupação da periferia das grandes cidades, por outro lado, tem-se traduzido não apenas em maiores níveis de congestionamento nas estradas, como também em piores índices de poluição e em custos mais elevados no fornecimento dos serviços municipais.” (Slack; Bird, 2006). 35 1.5 A autonomia fiscal das municipalidades As municipalidades canadenses gozam de uma relativa autonomia fiscal e financeira. Note-se, todavia, que essa autonomia é controlada de forma bastante rígida pelos governos provinciais, que são também os que definem o elenco dos poderes de taxação aplicáveis em nível local. Na prática, isso resulta em um conjunto bem delimitado de fontes fiscais, basicamente aquelas representadas pela arrecadação de taxas diversas e do Imposto Sobre a Propriedade. Este último incide sobre imóveis e terrenos, sendo sua cobrança proporcional ao valor de mercado estimado das propriedades, ficando a avaliação desse valor normalmente a cargo das próprias municipalidades. Ainda outras formas de arrecadação incluem a emissão de licenças variadas, abrangendo os licenciamentos para edificação de imóveis e os alvarás para funcionamento dos negócios. Em alguns casos, é também permitida a cobrança de taxas incidindo sobre as vendas de produtos ou sobre o consumo de determinados tipos de serviços. Há ainda a considerar os recursos financeiros provenientes da cobrança por serviços prestados, como, por exemplo, as tarifas do transporte público. No geral, cerca de 85% dos recursos financeiros com que podem contar as municipalidades canadenses têm origem local, ao mesmo tempo em que são largamente predominantes aqueles associados ao Imposto Sobre a Propriedade, representando usualmente mais de 50% das receitas. Essa é uma circunstância que acaba onerando sobremaneira as finanças locais, posto que, como se sabe, se trata de um tributo cujo comportamento não mantém correspondência com o crescimento da economia ou com a evolução da taxa de inflação. Outra fonte de receitas das municipalidades é constituída pelas transferências de recursos realizadas pelas províncias, um item que sempre pesou de forma favorável na formação das finanças municipais, mas que, nos últimos tempos, decresceu significativamente em termos do volume de recursos aportados. Além disso, seu grande inconveniente é o de serem repassadas de forma “casada” quanto à maneira como devem ser despendidas pelas municipalidades, estando, por exemplo, comprometidas com a manutenção de escolas ou com a realização de determinados serviços sociais. É bem limitada, portanto, a autonomia das municipalidades para aplicar os recursos recebidos via transferências, já que os gastos realizados devem se enquadrar nos termos definidos pela esfera provincial. Observe-se, além disso, que a crise fiscal dos anos 90 fez o Governo Federal e especialmente os provinciais se retirarem de muitas áreas dos serviços públicos que os mesmos assumiam tradicionalmente, com a responsabilidade por tais atividades sendo repassada aos governos locais. Isso correspondeu, na prática, a uma forma de penalização das municipalidades, um verdadeiro download de encargos, que se traduziu em custos adicionais assumidos localmente e que atingiram um conjunto diversificado de setores, a exemplo dos serviços de manutenção de estradas, construção de moradias, operação de portos, serviços de polícia e de justiça, dentre outros. Deve ser observado que a transferência de responsabilidades assim realizada não foi 36 necessariamente acompanhada do repasse de recursos financeiros adequados para assumir os encargos adicionais gerados. Com suas receitas limitadas, em grande medida, à cobrança do Imposto Sobre a Propriedade, os governos locais passaram a conviver com um quadro financeiro deveras problemático.15 As dificuldades financeiras com que se depara uma boa parte das municipalidades canadenses são ainda agravadas pela circunstância de que elas precisam trabalhar em condições de equilíbrio orçamentário, estando proibidas de operar em situação de déficit, salvo dentro de margens muitos estreitas. Além disso, conforme já referido, precisam obter a autorização prévia das autoridades provinciais para contraírem empréstimos. A título de compensação, se assim pode ser dito, as municipalidades desfrutam da certeza de que não irão à falência, na medida em que todos os compromissos assumidos têm, em última hipótese, a cobertura do Tesouro da província. De qualquer forma, são generalizadas as queixas a respeito da insuficiência dos meios financeiros necessários para fazer face aos numerosos problemas que as afligem, sendo esse um discurso que é comum a praticamente todas as municipalidades, não importando seu tamanho ou sua localização no território canadense. É claro que, no caso das grandes cidades, as reclamações têm conotações adicionais, uma vez que as mesmas se sentem especialmente injustiçadas pelo tratamento que lhes é impingido. [Argumentam] ser muito pequena sua participação nos benefícios econômicos gerados em seus próprios territórios e que são forçadas a operarem em um meio político que enfraquece suas capacidades competitivas, Os prefeitos dos maiores centros urbanos afirmam que as cidades nos Estados Unidos e na Europa são bem mais competitivas do que as congêneres canadenses, já que recebem maior apoio de seus governos centrais. A performance sofrível das cidades canadenses seria, em boa medida, uma decorrência da camisa-de-força institucional em que se encontram colocadas. Elas não têm suficientes fontes locais de receita ou carecem do apoio financeiro indispensável para realizarem os inves15 “Infelizmente para as municipalidades, o ‘milagre canadense’ [refere-se ao sucesso do saneamento financeiro dos anos 90] foi realizado, em grande medida, com a transferência dos déficits dos Governos Federal e provinciais para os que estão no final da cadeia fiscal: os governos locais. Isso foi alcançado de várias maneiras, consistindo uma delas no puro e simples repasse de determinados serviços às municipalidades. Em outros casos, os governos provinciais reduziram o montante das transferências financeiras e, ainda em outros, cortaram suas próprias despesas diretas em áreas que impactavam fortemente as localidades. São exemplos dessa práticas a diminuição dos auxílios concedidos pelo Governo Federal para a acomodação dos imigrantes e a redução dos gastos com educação promovida por vários governos provinciais. Nessas situações, muitos governos locais não tiveram outra opção senão a de assumirem novos encargos para fazer face ao ‘vazio’ deixado pela retirada de cena dos demais níveis de governo.” (Slack; Bird, 2006). 37 timentos exigidos. Não dispõem, igualmente, da necessária flexibilidade para experimentarem suas próprias soluções criativas. Em síntese, seriam excessivamente controladas. (Collin; Tomàs, 2004, p. 33). 1.6 Como funcionam as municipalidades canadenses As municipalidades são dirigidas, via de regra, por um conselho municipal constituído através de eleições, sendo o mesmo integrado pelo Prefeito e por conselheiros. O Prefeito é eleito por todos os eleitores de uma municipalidade, ao passo que a eleição dos conselheiros municipais se dá com base no distrito eleitoral. Tal disposição eleitoral, todavia, pode variar conforme a legislação específica de cada província ou de acordo com a dimensão do núcleo urbano, havendo alguns casos, por exemplo, em que os conselheiros são igualmente designados pelo conjunto dos eleitores. Quanto ao tamanho dos conselhos municipais, sua composição é variável, tendo relação com o número total de habitantes da municipalidade. Em geral, os conselhos não são muito grandes, tendo entre 5 e 15 integrantes, além da participação do próprio Prefeito, existindo uma representação numérica mais significativa apenas no caso das grandes cidades. Os conselhos municipais são formados por representantes políticos, normalmente chamados de conselheiros, que detêm tanto funções legislativas (o poder de criar leis) como executivas (a capacidade de implementá-las). No seu papel legislativo, respondem pelas preparação e promulgação dos dispositivos legais que vão reger a vida dos residentes locais. No seu papel executivo, os conselhos devem zelar pelo cumprimento dos dispositivos legais, bem como supervisionar o dia-a-dia do funcionamento do governo local. Diferem, nesse aspecto, dos níveis superiores de governo (federal e provinciais), em que as responsabilidades legislativas e executivas estão mais nitidamente demarcadas conforme uma ou outra estrutura política. (Mapleleafweb.com, 2007). Os conselhos municipais atuam, basicamente, como agências de desenvolvimento local, ocupando-se de questões relativas à infra-estrutura física local, redes de água e esgoto, estradas locais e serviços básicos, como polícia e bombeiros. Tem havido um esforço permanente no sentido de profissionalizar os governos locais e de centralizar os controles administrativos. Em certas municipalidades, são dadas plenas responsabilidades administrativas a um único comitê gestor, que atua sob a supervisão política do conselho municipal. Em outras situações, particularmente no das maiores comunidades, a função do controle executivo é delegada a um comitê formado por 38 membros do próprio conselho. Em qualquer hipótese, o objetivo perseguido é o de “aliviar” os conselheiros de seu envolvimento com as tarefas do dia-adia, ao mesmo tempo em que se busca o estabelecimento de controles administrativos mais rígidos. É também importante chamar atenção para o fato de a vida política canadense em âmbito municipal ter um caráter francamente não partidário. De fato, usualmente, inexistem partidos políticos que funcionam nesse nível e os candidatos procuram manter distância em relação a partidos que atuam no cenário provincial e federal.16 Isso se materializa na ausência de associação entre candidatos e partidos políticos na cédula de votação. Normalmente, é mal vista a declaração de filiação político-partidária, uma vez que, assim é considerado, não cabe à municipalidade tratar das grandes questões de sociedade, devendo a mesma ocupar-se, isso sim, dos serviços públicos locais. Mesmo no caso de o candidato a prefeito ou a conselheiro municipal ter alguma identificação notória com algum partido político provincial ou federal, ele jamais fará campanha evocando uma tal filiação. (Collin; Léveillée, 2003, p. 27). Essa ausência de atuação de partidos políticos formais no cenário municipal traz conseqüências para o funcionamento dos governos urbanos no Canadá. Assim, por exemplo, as decisões adotadas no seio dos conselhos municipais seguem normalmente a via do consenso ou da votação por maioria e não têm, forçosamente, identificação ou coerência com alguma plataforma partidária ou mesmo com uma orientação programática de ordem mais ampla. O próprio Prefeito equivale a apenas um voto no conselho municipal e exerce um controle limitado sobre as estruturas administrativas e as políticas seguidas em nível municipal, o que significa dizer que seu poder formal é bastante limitado (OECD, 2001). O papel de liderança que se espera de um prefeito nem sempre encontra, nesse cenário, as melhores condições para sua afirmação, precisando o mesmo trabalhar em conjunto com o conselho municipal, com as várias comissões do conselho e, em muitas grandes cidades, também com um comitê executivo. Ainda que circunscrito, todavia, não se trata de um poder menor, 16 “É verdade que são criados partidos políticos em âmbito municipal. Mas, mesmo nas grandes cidades, eles se constituem usualmente em torno de alguma candidatura a prefeito, dando origem a coalizões circunstanciais, que podem subsistir no decurso de algumas eleições. Salvo raras exceções, esses partidos ou coalizões políticas tomam o maior cuidado em não se identificarem com as correntes políticas atuantes em nível provincial ou federal [...] É certo que os membros e candidatos de um determinado partido local podem pertencer a formações políticas que operam nacionalmente ou na Província [...] Nas grandes cidades, todavia, é relativamente comum observar-se a constituição de partidos que se apresentam como típicos produtos municipais, sem filiação partidária de outro nível.” (Collin; Lévaillée, 2003, p. 27). 39 posto que o prefeito é o primeiro magistrado e o primeiro administrador da cidade. É ele que responde, em última análise, pelo planejamento das atividades, pelo funcionamento da máquina administrativa, pela elaboração do orçamento e pelas indicações de nomes que vão integrar os principais postos da função pública municipal.17 Mesmo sendo, conforme já visto, decisiva a influência exercida pelos governos provinciais sobre a vida administrativa local, a verdade é que os prefeitos e os conselheiros municipais desfrutam de uma indiscutível legitimidade política, que lhes é atribuída pelas urnas. Os poderes provinciais precisam, em última análise, também compor com uma tal realidade. Em suma, o exercício do poder de tutelagem não é absoluto, nem aplicado de forma permanente. Se é certo que, em determinadas ocasiões (como no caso das importantes operações de reagrupamento de municipalidades ocorridas nos últimos anos), eles não hesitam em fazer valer sua autoridade para impor seus pontos de vista, via de regra, os governos provinciais evitam o confronto direto com a esfera municipal [...] (Collin; Lévaillée, 2003, p. 36). 1.7 O mecanismo das fusões de municipalidades como uma especificidade canadense O problema da fragmentação do território em numerosas unidades administrativas, em particular no caso das principais aglomerações urbanas, vem sendo objeto de debates há muito tempo no Canadá, mais precisamente desde o final dos anos 50 do século passado. A discussão envolve, em última análise, a conveniência18 de proceder-se a reagrupamentos de municipalidades, de forma a criar unidades político-administrativas de maior porte. É por se identificarem com uma interpretação desse tipo que muitos governos pro- 17 18 “Enfim, no plano simbólico, é o Prefeito que projeta a imagem da municipalidade junto aos cidadãos, ao público externo, às instâncias governamentais superiores e aos interlocutores no cenário externo. Em resumo, o Prefeito goza de grande visibilidade política, o que lhe dá uma boa margem de manobras e de influência.” (Collin; Lévaillée, 2003, p. 34). “Existe, entre muitos, a presunção de que os governos locais resultariam fortalecidos pela fusão das atuais municipalidades, que formariam unidades maiores, dotadas de administrações com responsabilidades ampliadas. Isso implicaria eliminar a maior parte dos governos locais (senão todos), redesenhando, assim, as fronteiras municipais e colocando os subúrbios e as cidadessatélite sob controle dos conselhos municipais. Nas áreas rurais, há também grandes regiões que poderiam ser unificadas. Contudo, as províncias não têm muito interesse na criação de governos locais que com elas possam rivalizar em poder e prestígio. Com isso, a tendência prevalecente tem sido a de fazer ajustes de natureza mais limitada em termos das fronteiras e das funções envolvidas, com o que muitos governos locais acabam sendo preservados nesse momento de grandes transformações da ordem socioeconômica.“ (Magnusson, 2007). 40 vinciais têm envidado esforços no sentido de promover as fusões e, assim, reduzir o número total de municipalidades. A adoção de tais medidas vem surtindo algum efeito, ainda que de forma relativamente gradual e com resultados variáveis segundo as distintas províncias. A manifesta preferência pela promoção de reformas da ordem municipal baseadas no mecanismo das fusões define, em realidade, um traço muito específico do que poderia ser chamado de modelo canadense de governança metropolitana. São ali, de fato, comuns as reorganizações promovidas pelas autoridades provinciais nas áreas metropolitanas e que resultam no reagrupamento de municipalidades locais, dando origem, por vezes, à formação de megacidades. Da mesma forma, podem resultar na extinção de arranjos institucionais precedentemente existentes e que envolvem agências ou governos regionais. Em alguns casos, esse tipo de medida chega a receber o apoio dos administradores das cidades centrais e, em outros, enfrenta uma oposição generalizada em âmbito local. As políticas aplicadas pelos governos provinciais nas áreas metropolitanas — em especial as fusões de municipalidades — estão embasadas, especialmente, em quatro tipos de argumentos, que são retomados, de forma mais ou menos semelhante, pelos responsáveis pela implantação dessas reformas (Collin; Tomàs, 2004, p. 24-27). Em primeiro lugar, a questão mais ampla remete ao entendimento de que haveria um número excessivo de municipalidades nas áreas metropolitanas, determinando uma fragmentação, vista como inadequada, das estruturas de governo nesse nível. As conseqüências seriam de três ordens: falta de uma perspectiva política de âmbito metropolitano, surgimento de conflitos entre os diversos governos locais e problemas na adequada prestação de serviços de natureza metropolitana. Um segundo tipo de argumento remete à necessidade de as áreas metropolitanas disporem de efetiva capacidade, em termos institucionais, para criar as melhores condições ao crescimento econômico e à expansão do produto e da renda em seus territórios. Ou seja, remete ao desígnio de aproveitar plenamente o potencial econômico ali existente e assegurar, assim, uma posição competitiva no seio das economias nacional e global. Apesar de essa ser uma tese controversa e de não haver comprovação da suposta relação unívoca entre um território administrativamente não fragmentado e uma economia regional próspera (não seria nem uma condição necessária, nem uma condição suficiente), os objetivos de natureza declaradamente econômica têm figurado com destaque na pauta das reorganizações municipais ocorridas no Canadá. Um terceiro fator está centrado na idéia de que a fragmentação do território em numerosas estruturas municipais atuaria no sentido de elevar os custos de produção e de prestação dos serviços no âmbito metropolitano. Isso ocorreria porque as unidades administrativas locais não teriam, em muitos casos, condições de se beneficiar das economias de escala. A criação de uma só unidade administrativa no território elevaria as condições gerais de eficiência e eficácia, reduzindo custos e evitando desperdícios, bem como 41 acabando com a duplicidade de estruturas e de instituições.19 Mais ainda, uma melhor distribuição dos custos por todo o território da área metropolitana serviria para aliviar a carga fiscal das cidades centrais, o que parece ter constituído, precisamente, uma questão-chave em grande parte das reformas municipais empreendidas no Canadá. Enfim, um quarto elemento agindo na base dos movimentos de fusão de municípios estaria ligado a aspectos que proporcionam as condições para o estabelecimento de um desenvolvimento sustentável, bem como para a realização dos objetivos de controle do uso do solo. Tem sido grande, efetivamente, a ênfase posta pelas autoridades dos níveis superiores de governo na imperiosidade de limitar-se a expansão descontrolada de cunho suburbano, grande consumidora de espaço. O reagrupamento das unidades administrativas, nesse caso, favoreceria a adoção de um enfoque coordenado em termos das políticas visando controlar a ocupação urbana e proteger o meio ambiente na escala metropolitana. Esse é efetivamente um dos problemas críticos enfrentados pelo planejamento urbano e regional nesse país, Ao questões pertinentes têm relação com o forte crescimento urbano registrado em algumas cidades e com o extravasamento das áreas ocupadas para muito além das fronteiras administrativas das cidades centrais das aglomerações. Em boa medida, um tal padrão de ocupação territorial ampliado responde ao modelo de sociedade que orbita em torno do automóvel. É verdade que, comparativamente aos Estados Unidos, o Canadá se caracteriza por apresentar um padrão de uso do solo de estilo mais propriamente europeu, com uma presença atuante do transporte público e a preservação da vitalidade de suas áreas urbanas mais centrais. Ainda assim, são pesados os investimentos que precisam ser realizados para a montagem e a manutenção das infra-estruturas nas áreas periféricas, sendo essa uma fonte básica de comprometimento de orçamentos municipais relativamente inelásticos, como são os das cidades canadenses, contribuindo, assim, para a generalização das crises fiscais nessa esfera de governo. Essas e outras questões que marcam a vida dos governos locais no Canadá são retomadas de forma ampliada nos capítulos seguintes, privilegiando-se a realização de estudos de casos de caráter abrangente sobre Toronto, Montreal e Vancouver, que formam, precisamente, as três maiores áreas metropolitanas do Canadá. 19 “O debate acerca das vantagens econômicas das fusões e do tamanho ótimo das municipalidades é muito antigo. Qualquer revisão envolvendo estudos e dados empíricos sobre a questão dos governos locais fragmentados versus governos locais consolidados traz resultados contraditórios, conforme os diferentes autores e escolas invocadas. Para os defensores da teoria da escolha pública (public choice school), as estruturas fusionadas estão associadas a maiores gastos, ao passo que os que apóiam as fusões acreditam no oposto. Outro ponto a considerar refere-se aos custos de transação incorridos quando das fusões municipais, que costumam ser, via de regra, superiores aos previstos.” (Collin; Tomàs, 2004, p. 27). 2 A CIDADE DE TORONTO E A ÁREA DA GRANDE TORONTO (GREATER TORONTO AREA – GTA) 2.1 A Província de Ontário Ontário estende-se por 1.076.395km2 e é a segunda maior província do Canadá, contribuindo com 10,78% para a formação de seu território. Forma uma vasta região, que vai do Lago Eire, ao sul, até a fronteira com a Província de Manitoba e a borda da baía de Hudson, ao norte. As águas são ali uma presença recorrente, com os numerosos rios e lagos ocupando 15% do total da área provincial. Destaca-se especialmente por acolher o sistema dos Grandes Lagos, composto pelos Lagos Superior, Michigan, Hiron, Eyre, Ontário e Saint Clair. Todos eles — exceto o Michigan — são compartilhados com os Estados Unidos, o que já dá uma idéia da extensão das fronteiras comuns entre os dois países que se localizam em terras de Ontário. A região dos lagos, conhecida como a Planície dos Grandes Lagos, é extremamente fértil, dispondo de algumas das melhores terras do Canadá, que são destinadas ao cultivo de diversos tipos de alimentos. A Província tem, igualmente, abundantes áreas ocupadas por florestas, as quais recobrem mais de 50% das terras. É um território rico em recursos minerais, despontando como o segundo maior fabricante mundial de níquel e um grande produtor de ouro, cobre, zinco, platina, paládio, cobalto e prata. Enquanto a porção norte da Província concentra a maior parte das jazidas de minerais metálicos, a parte sul distingue-se pela oferta de minerais não metálicos, como fósforo, cal, carbonato de cálcio e materiais em geral para a indústria da construção. Ontário sempre foi a província manufatureira por excelência do Canadá e ainda hoje contribui com mais da metade de seu PIB industrial. A exploração de suas vastas riquezas naturais, as vantagens, em termos de acessibilidade, proporcionadas por um bem estruturado sistema de transportes20 e a proximidade dos mercados e centros manufatureiros dos Estados Unidos — em especial, o pólo automobilístico de Detroit — foram alguns dos fatores que colaboraram para sua transformação na principal região econômica do País. Na formação do produto regional, o Setor Primário responde por 1,5%; o Secundário, por 27,5%; e o Terciário, por 71,0% do PIB. A manufatura, mais especificamente, emprega 1,1 milhão de pessoas e contribui com 22,0% do produto regional. No Terciário, por sua vez, a participação dos serviços comunitários e pessoais é de 23,0%; a dos serviços financeiros e imobiliários chega a 22,0%; e a dos comércios atacadista e varejista, a 15,0% (Wikipedia, 2007a). 20 A Província conta com 72.000km de vias públicas, 13.350km de ferrovias — representando um quarto da malha ferroviária canadense — e tem o principal centro aeroportuário do Canadá, o aeroporto internacional situado em Mississauga (Wikipedia, 2007a). 44 É a província mais populosa, com seus 12.160.282 habitantes equivalendo a 38,47% da população do País em 2006, o que representava um ganho de 1,53% em relação à mesma participação de 1991. A intensidade da sua dinâmica populacional fica também evidenciada na comparação entre as taxas de crescimento da Província e as do País ao longo do período 1991-06, da ordem de 1,25% e 0,98% a.a. respectivamente. Isso transparece igualmente no aumento da sua densidade demográfica, que evoluiu de 9,37 hab/ km2 para 11,30 hab/km2 no decurso do período considerado, um indicador a ser contraposto aos 3,17 hab/km2 que caracterizavam o Canadá como um todo em 2006. Deve ser observado que os fluxos de imigrantes, tanto provenientes de outras regiões do País como do estrangeiro, tiveram historicamente, e ainda hoje têm, um papel decisivo na formação da população regional. Mapa 2 A Província de Ontário FONTE: Disponível em:<http:www.mapquest.com>. Acesso em: 28 ago. 2007. 45 Não surpreende, portanto, que seja a Província mais urbanizada do Canadá, com 85,12% de residentes urbanos em 2006. Tem especial significado na configuração de seu tecido urbano a conurbação localizada no centrosul, conhecida como Greater Golden Horseshoe. Forma uma região altamente ocupada e industrializada, disposta na extremidade oeste do Lago Ontário, e que acolhe, dentre outras, a aglomeração (Census Metropolitan Area) de Saint Catharines-Niagara (390.317 habitantes em 2006), a de Hamilton (692.911 habitantes) e a própria aglomeração de Toronto. É também no território de Ontário que está situada Ottawa, a capital do Canadá, que fica na extremidade leste da Província. Deve ser observado que, no caso canadense, a capital não tem o status de distrito federal — como soe ocorrer em muitos países —, constituindo uma municipalidade igual às demais. A área metropolitana de Ottawa-Gatineau forma o segundo maior centro populacional regional e contava com 846.802 habitantes em 2006. 2.2 Toronto e suas relações de dependência com o Governo Provincial Ainda que Toronto ocupe uma posição primordial no contexto canadense, o fato é que, como todas as demais cidades do País, mantém uma relação de dependência com o Governo Provincial nos assuntos de sua própria vida municipal. Isso decorre dos arranjos institucionais vigentes, que atribuem um papel subordinado aos governos municipais. Conforme já visto, de acordo com os poderes constitucionais de que são investidos, as províncias gozam de um impressionante poder unilateral, que lhes permite, por exemplo, criar e reestruturar uma municipalidade, promover fusões envolvendo distintas municipalidades e conceder fundos ou negar sua aprovação. De fato, no Canadá, as municipalidades — e, portanto, as cidades — são de responsabilidade constitucional e administrativa de cada província. É isso que explica o forte papel intervencionista freqüentemente assumido pelas províncias no seu trato com os governos locais, em uma demonstração inequívoca do controle que exercem sobre os mesmos. E é essa também a razão pela qual os prefeitos têm uma posição relativamente enfraquecida no sistema canadense de poder. No caso de Ontário, a legislação que regula os poderes municipais está contida na chamada Lei Municipal (Municipal Act), tendo uma nova versão da mesma sido editada em 1o de janeiro de 2003. Segundo tal lei, compõem as funções básicas das municipalidades a prestação de serviços a seus residentes, a administração dos ativos públicos e a promoção das condições econômicas, sociais e de meio ambiente, bem como a participação em programas e iniciativas encabeçadas pela Província. Os poderes que, para tanto, lhes são concedidos permitem-lhes firmar contratos, adquirir bens e serviços, ter a posse de propriedades e de ativos e deles dispor, contratar e exonerar funcionários, delegar responsabilidades, prestar serviços e cobrar por sua execução. Mesmo sendo essa uma versão da Lei Municipal um pouco mais flexível do que a das edições anteriores, concedendo uma autono- 46 mia relativa às administrações municipais, ainda é basicamente de natureza restritiva (Slack; Bourne; Gertler, 2003, p. 19). A atual lei da Cidade de Toronto (City of Toronto Act) está modelada no Municipal Act e é normativa por natureza. Ou seja, detalha o que a Cidade pode fazer [...] Se algo não é especificamente referido na lei, a Cidade somente pode fazê-lo com o consentimento da província. Via de regra, tal autorização não é difícil de ser obtida, já que, por exemplo, temas como definir os limites de velocidade nas vias urbanas costumam ser encarados como assuntos de rotina, motivo pelo qual o processo se torna expedito. (Broadbent, 2005, p. 5). Uma proposição que vem sendo amplamente discutida e que traria perspectivas positivas no encaminhamento de uma solução para muitos dos problemas hoje enfrentados reside na concessão, por parte do Governo de Ontário, do chamado “Estatuto da Cidade” (City Charter). Essa é uma peça de legislação já disponibilizada para algumas poucas cidades canadenses e que permitiria a Toronto desfrutar de mais amplos poderes sobre a forma como arrecada suas receitas e como administra seus serviços, bem como no tocante ao tipo de relações que lhe é facultado manter com outros níveis de governo e com o setor privado em geral. Na verdade, o que está aqui em jogo é a questão de o Governo Municipal dispor de uma maior autonomia fiscal e legislativa. Com essa renegociação do City of Toronto Act, que redefiniria as relações entre a Cidade e a Província, esta última abriria mão de muitas das prerrogativas de intervenção com que conta na atualidade, sinalizando, assim, o que poderia constituir um novo modelo canadense para a gestão das grandes metrópoles (Broadbent, 2005, p. 5). A idéia nesse campo é a de que a lei passaria a ser menos prescritiva e mais permissiva, ainda que continuando a referir especificamente o que não pode ser feito em nível local. Ficaria, assim, preservada a instância de jurisdição própria da Província, mas a Cidade estaria liberada para atuar em todas as demais áreas. Esse é um encaminhamento visto por muitos observadores como bem mais factível do que aquele que implicaria mudanças na ordem constitucional, as quais resultariam no reconhecimento dos governos municipais como um terceiro nível, per se, de governo. Ou seja, a discussão do Estatuto da Cidade insere-se em uma perspectiva mais ampla, que remete ao debate, atualmente em curso, sobre os rumos da gestão e da governança urbanas no Canadá. No caso de Toronto, a matéria tem se mostrado altamente polêmica e longe de ser consensual, havendo, todavia, um ponto comum que perpassa todas as propostas, qual seja, o de que teria chegado a hora de redefinir efetivamente as relações entre a Cidade e a Província. Não há, igualmente, consenso no tocante à abrangência espacial que deveria ter esse estatuto, porquanto já são muitos os que estimam não ser mais possível ignorar a realidade socioeconômica representada por essa imen- 47 sa cidade-região, sendo necessário buscar uma solução que não fique circunscrita aos limites atuais da Cidade de Toronto. É o reconhecimento das implicações associadas ao desenvolvimento dessa mancha urbana espalhada sobre um vasto território, dessa prevalência indiscutível das questões metropolitanas, que alimenta, na atualidade, muitos dos debates nesse domínio. 2.3 A Cidade de Toronto e sua dinâmica econômica Toronto foi fundada em 1834 e é a capital provincial desde 1867. Está localizada na parte sul da Província, ocupando a margem noroeste do Lago Ontário. Estende-se sobre um grande planalto, entrecortado por numerosos vales. É a maior cidade do Canadá, ficando no centro de uma região altamente urbanizada, mas que apresenta ainda muitas terras naturais e conta com inúmeros parques, que formam extensas áreas protegidas. Sua posição geográfica privilegiada na extremidade sul da península de Ontário possibilita-lhe manter fortes relações com um vasto território. Assim, domina uma região industrial e agrícola, muito povoada, ao sul da Província e tem uma zona de influência que alcança todo o território canadense disposto na bacia superior dos Grandes Lagos e ainda se estende mais além, enquanto, na parte inferior dos lagos, sua influência adentra o território dos Estados Unidos. O início da industrialização da Cidade data dos anos 70 e 80 do século XIX, tendo ocorrido com base na implantação e no rápido desenvolvimento de plantas produtoras de equipamentos agrícolas e de vestuário, bem como de usinas de fundição. De uma pequena aglomeração com apenas 30.000 habitantes em 1851 passou para 150.000 já em 1891. Os anos 20 do século passado registraram uma nova grande onda de expansão, com o crescimento já se espraiando para a região situada no entorno de um centro urbano que tinha, então, 500.000 residentes, motivando, assim, o surgimento de novas municipalidades. A recessão dos anos 30 deixou igualmente suas marcas, a ponto de a Cidade só conseguir ingressar em um nova fase de crescimento com a eclosão da Segunda Guerra Mundial. Essa teve um efeito altamente impactante na sua economia urbana, com o favorecimento da indústria eletrônica, da aviação e do segmento de máquinas de precisão. A região urbana ultrapassou um milhão de habitantes em 1951 e, desde então, consolidou-se como um dos centros mais dinâmicos do território canadense e do continente norte-americano. Essa preponderância materializa-se, nos dias de hoje, no peso decisivo que tem na economia do País, sendo sua contribuição, nesse aspecto, inclusive superior à de muitas províncias. Não é por acaso que a chamada Área da Grande Toronto — que representava cerca de 11,0% do PIB canadense em 2005 — tem uma significância ainda mais primordial para a Província de Ontário, formando quase a metade de seu PIB e constituindo, nessa condição, o seu principal ativo econômico (City of Toronto, [s.d]a). É também o maior centro empregador do País, respondendo por cerca de um décimo dos empregos 48 gerados no Canadá e por um quinto daqueles de Ontário (The Toronto Board of Trade, 2002, p. 6). Dentre os fatores que historicamente estabeleceram as bases para que a Área da Grande Toronto pudesse assumir um papel tão expressivo, cabe destacar o acordo Canadá-Estados Unidos de 1953, relativo à indústria automobilística. Em época mais recente, a referência inescapável remete ao acordo de liberalização econômica entre ambos os países, gestionado a partir de 1988 e assinado em 1991. Foi ele que, efetivamente, imprimiu um novo formato ao relacionamento comercial entre Estados Unidos e Canadá, o qual resultou fortalecido com a adesão do México, em 1992. A entrada em vigor oficial do NAFTA em 1o de janeiro de 1994 forçosamente teve uma grande influência na economia de Ontário e, é claro, na da própria Toronto. No curto prazo, registraram-se efeitos perversos particularmente impactantes, por conta da reestruturação econômica induzida, e que levaram o setor manufatureiro de Ontário a cortar 20% de seus efetivos entre 1989 e 1993, sendo a GTA, então, atingida em cheio (Eberts; Norclife, 2005, p. 33).21 A recessão que afetou a Cidade e sua região, nessa época, só foi superada após estar muito avançado o processo de reconversão das atividades econômicas, deixando uma carga de seqüelas associadas às mudanças estruturais de cunho tecnológico e organizacional implantadas. Consolidou-se, dessa forma, o declínio do emprego industrial, em especial nos postos de trabalho da velha Cidade de Toronto, bem como se registrou uma correlata inflexão positiva favorecendo o setor serviços.22 A manufatura recuperou-se oportunamente na região, senão em termos do emprego — já que se tratava de uma jobless recovery —, pelo menos no tocante à produção, permanecendo como um dos setores dinâmicos em nível regional. Isso deu-se, deve ser salientado, com sua passagem a um patamar mais elevado de tecnologia e de conhecimentos incorporados aos processos produtivos. Ou seja, na atualidade, estão ali em operação indústrias altamente inovadoras, em condições de competir no mercado continental e, até mesmo, no globalizado. É preciso observar que os movimentos iniciais de uma reconversão desse porte já podiam ser antevistos nos anos 80 e acompanha21 22 “O Canadá e Toronto foram muito afetados pelo NAFTA e pelo resultante incremento da integração continental. Na verdade, o tratado teve repercussões maiores para a economia de Toronto do que para qualquer outra cidade canadense, pelo fato de ali estar sediado o grosso da estrutura manufatureira do País. Com efeito, esse foi um movimento que, historicamente, respondeu ao investimento direto estrangeiro em plantas de propriedade dos Estados Unidos no Canadá e que impactou diretamente a manufatura canadense quando da racionalização da produção que se seguiu à implantação do Acordo de Livre Comércio e do NAFTA.” (Eberts; Norclife, 2005, p. 36).mia.” (Eberts; Norclife, 2005, p. 39). “Encontramos, na nova economia de Toronto, um conjunto extremamente variado e flexível de padrões de trabalho associados a negócios e serviços de natureza muita diversificada, bem como as mais recentes e inovadoras indústrias de manufaturas. O sucesso da Cidade, em anos recentes, deve-se, por um lado, à integração continental e à acessibilidade que oferece em relação aos Estados Unidos e, por outro, à rápida expansão que caracteriza a nova economia.” (Eberts; Norclife, 2005, p. 39). 49 ram a crescente internacionalização da economia canadense. Em termos espaciais, traduziram-se no deslocamento do principal vetor regional de crescimento para as áreas externas da metrópole, em detrimento da dinâmica anterior, que privilegiava seu núcleo central. Mais ainda, por decorrência da desigual recuperação econômica que caracterizou a década dos 90, acabaram sendo reforçadas as desigualdades socioeconômicas no interior da região, o que afetou tanto as novas áreas de crescimento da periferia, como as já tradicionais e mais ricas da cidade.23 No contexto mais amplo, cabe observar que Toronto conseguiu sair-se bastante bem nesse cenário de profundas transformações da ordem econômica. Com efeito, tornou-se a capital das grandes corporações nacionais e internacionais de negócios — que ali passaram a manter seus principais endereços no País —, em uma escala não igualada por nenhuma outra metrópole canadense. É o caso, precisamente, das grandes plantas montadoras de automóveis que estão implantadas no território da Grande Toronto, como a da General Motors, da Ford e da Daimler-Chrysler. Há ainda uma planta da Honda, que, mesmo estando situada um pouco além de suas fronteiras, é obviamente parte integrante da economia metropolitana, por conta das intensas relações que mantém com o amplo e diversificado setor fornecedor de autopeças e com os prestadores de serviços que operam na GTA. Nesse caso, nunca é demais ressaltar a significância do mercado dos Estados Unidos como destino privilegiado de grande parte da produção que é disponibilizada pelas montadoras canadenses de veículos (Gertler, 2000, p. 3). A economia metropolitana está também muito bem representada nos setores produtores de equipamentos ligados à tecnologia da informação, contando com uma ampla e variada gama de fabricantes de sistemas de telecomunicações e de computadores, bem como de desenvolvedores dos softwares neles incorporados, além de plantas de semicondutores digitais dedicados. É, da mesma forma, muito forte seu envolvimento com a fabricação de bens de capital e de máquinas-ferramenta de precisão. Destaca-se ainda como o principal centro canadense no domínio das ciências biomédicas e da biotecnologia. É igualmente o centro financeiro por excelência do Canadá e o terceiro maior da América do Norte, tendo sobrepujado Montreal nesse domínio. Deve ser observado que, para tal desfecho, teve também influência a migração de uma parte da população e dos negócios de Montreal para Toronto, em um movimento que respondeu à promulgação das leis relativas ao uso da língua 23 “Não obstante o atual boom da construção de condomínios e da expansão dos empregos na área central, que foram puxados pela (instável) dinâmica expansionista dos mercados financeiros, ainda podem ser sentidos os efeitos da depressão e das profundas reduções impostas aos programas mantidos por todos os níveis de governo. Enquanto a região mais externa da Grande Toronto se recuperou relativamente rápido da depressão, a Toronto Metropolitana não registrou nenhum crescimento dos empregos até 1996. Os níveis de desemprego e de pobreza na Cidade de Toronto mantêm-se em um patamar bem superior ao do final dos anos 80. Na verdade, a pobreza segue sendo uma realidade, e o número dos sem-teto aumentou ao longo desta última fase de crescimento, em conseqüência dos cortes introduzidos nos programas provinciais e federais de moradia e nas políticas de bem-estar social, bem como em decorrência dos baixos salários praticados pelo setor serviços.” (Kipfer, 2000, p. 31). 50 francesa em Quebec. Para dar uma idéia da dimensão assumida por Toronto no mundo dos serviços financeiros, basta dizer que os cinco maiores bancos canadenses e 80% dos bancos estrangeiros em operação no País mantêm ali sua sede, o mesmo ocorrendo com 60% das principais companhias seguradoras (City of Toronto, [s.d.]b). Ainda com relação aos segmentos que têm especial presença no Terciário local, cabe referir a indústria cultural, a mídia em geral e o mundo da publicidade, que formam um cluster de atividades intimamente relacionadas. Os mesmos estão muito concentrados na área mais central da Cidade e suas atividades envolvem a televisão, o vídeo, o cinema, a multimídia, as gravadoras, as editoras, os museus, os shows musicais e as artes em geral (Gertler, 2000, p. 5). É por conta, dentre outros fatores, de um elenco tão rico de atrativos e de potencialidades que os governos locais e o da própria Província assumiram, há já algum tempo, uma política agressiva, que busca vender a imagem de uma Toronto altamente competitiva no mundo dos negócios globalizados e a de um destino privilegiado para os fluxos de turistas.24 2.4 Toronto e sua dinâmica populacional Após registrar uma rápida evolução demográfica no início do século XX, Toronto passou a crescer a uma taxa próxima a 1% até os anos 40. Nessa época, a Cidade congregava a maior parte da população da região, sendo rodeada por alguns subúrbios que atuavam como cidades-dormitório. Esses, não obstante formarem municipalidades independentes, representavam áreas funcionalmente integradas à economia da Cidade. Deve ser observado que, em 1941, a cidade contava com 667.000 residentes, enquanto os subúrbios tinham apenas 242.000. Uma década depois, os moradores dos subúrbios já haviam duplicado seu número (Robinson; Schwartz, 1999, p. 1) e não pararam mais de crescer, passando a constituir o grande vetor de expansão populacional. A partir daí, o padrão de crescimento regional viu-se profundamente alterado, com os números da Cidade de Toronto registrando apenas ligeiras oscilações, inclusive para menos. Isso é tão verdadeiro que, em se fazendo a comparação entre os dados de 1996 (653.700 habitantes) e os de 1941 (667.500 mil habitantes), verifica-se que houve até uma leve redução no tamanho da Cidade. Isso se reflete, naturalmente, em uma perda de sua participação no total de habitantes do que constituía então a Toronto Metropolitana (um território que englobava a própria Cidade de To24 “Não está ainda claro se a globalização vai criar condições para que o Canadá possa atuar com mais autonomia. É, com freqüência, observado que a globalização coloca uma cidade em condições de interagir de forma direta com outras cidades, passando por cima dos governos de nível superior [...] Uma análise mais fina da Província de Ontário mostraria que o Governo Provincial já assumiu efetivamente a agenda da globalização, não tanto no intuito de facilitar as coisas para cidades como Toronto, mas muito mais para transformar a Província como um todo em uma região altamente competitiva da América do Norte.” (Milroy, 1999, p. 22). 51 ronto e mais 12 municipalidades circunvizinhas), que decresceu de 34,1% para 27,4% no período 1971-96. Tabela 1 População da Cidade de Toronto, da Toronto Metropolitana e da Área da Grande Toronto e participação percentual da população da Cidade de Toronto na da Toronto Metropolitana e da Toronto Metropolitana na da Área da Grande Toronto — 1941-2006 ANOS 1941 1951 1961 1971 1981 1991 1996 2001 2006 ÁREA DA TORONTO CIDADE DE TORONTO METROPOLITANA GRANDE TORONTO (1 000hab.) (1 000hab.) (1 000hab.) (B) (A) (C) 1 036,8 667,5 1 379,4 ... 675,5 2 120,2 ... 672,4 2 922,9 2 089,7 712,8 3 416,7 2 137,4 612,3 4 235,8 2 275,8 635,4 4 628,9 2 385,8 653,8 5 100,0 (1)2 481,5 5 556,0 (1)2 503,3 PARTICIPAÇÃO PERCENTUAL A/B ... ... 34,1 28,6 27,9 27,4 - B/C ... ... 71,5 62,6 53,7 51,5 (2) 48,7 (2) 45,1 FONTE: Statistics Canada (dados censitários); Wikipedia, 2007b. (1) Pós-fusão de municipalidades. (2) Refere-se a A/C. Ao mesmo tempo, a Toronto Metropolitana foi perdendo força populacional no contexto da área metropolitana de Toronto, a chamada Área da Grande Toronto25, posto que os moradores foram, cada vez mais, se direcionando para além de suas fronteiras e para fora de seu controle. Observe-se, efetivamente, que seu peso relativo decresceu sistematicamente, tendo passado de 71,5% em 1971 para 45,1% em 2006, já tomando como referencial, nesse último ano, a nova cidade de Toronto, que emergiu da fusão de municipalidades realizada em 1997. Em 2006, portanto, bem mais da metade da população metropolitana vivia fora do núcleo mais antigo de povoamento. Uma tal dinâmica ocorre porque o território central vem crescendo mais lentamente do que as regiões circunvizinhas, tanto em função de perdas de população para outras áreas da própria GTA como por conta de movimentos migratórios intra-provinciais. 25 Deve-se ter presente que a Grande Toronto não coincide com a CMA de Toronto, sendo maior em área, população e número de municipalidades integrantes. Assim, por exemplo, a população da CMA era de 5.113.100 habitantes em 2006. 52 As expectativas são de que se mantenham, no futuro próximo, as altas taxas de crescimento demográfico que caracterizam a área metropolitana, em especial de seu espaço de ocupação mais externo, para o que deve seguir pesando a opção preferencial dos novos fluxos migratórios de ali fixarem moradia. Isso funcionou muito bem no passado e assim continua acontecendo. Notase que, em relação ao total de expansão demográfica verificada na GTA, entre 1996 e 2001, nada menos do que 69% corresponderam à imigração estrangeira, enquanto a mesma relação era de 43% no caso da Província de Ontário (Office of Economic Policy, [s.d.]). Esse movimento prosseguiu entre 2001 e 2006, com a participação dos estrangeiros no total dos habitantes aumentando de 43,7% para 45,7%. O próprio crescimento vegetativo da população residente de origem estrangeira, que tem uma forte representação do pessoal mais jovem, vem também fazendo sua parte nesse processo. Com a atuação conjunta desses dois fatores de expansão demográfica, espera-se que a Grande Toronto venha a acolher mais três milhões de pessoas nos próximos 30 anos, o que apenas confirmaria sua posição como a área metropolitana de maior dinamismo populacional do Canadá (Regional Centres of Expertise, [s.d.]). 2.4.1 A relevância dos fluxos migratórios É de há muito tempo que as correntes migratórias desempenham um papel determinante no contexto canadense. Em épocas mais recentes, seu destino privilegiado esteve associado às principais áreas metropolitanas, que vêm acolhendo a maior parte dos estrangeiros que chegam ao País.26 Na realidade, nos dias de hoje, são os imigrantes que formam o componente mais forte do crescimento populacional, bem como do incremento da forçade-trabalho, com repercussões positivas quanto à diversidade e à vitalidade aportadas ao quotidiano de vida canadense. É claro que há igualmente uma contrapartida mais desafiadora ligada a esse fato e que é medida pelas dificuldades de assimilação de vastos contingentes populacionais advindos de contextos culturais e econômicos tão diversos.27 Apenas para tangenciar o problema, basta pensar nos encargos decorrentes da demanda adicional que precisa ser assumida pelos sistemas de saúde, escolar, habitacional e de seguridade social, para não se falar das dificuldades de assimilação impostas 26 27 “Em grande medida, isso pode ser atribuído ao fato de a imigração internacional ter-se transformado na força dinâmica do crescimento populacional no Canadá e de os níveis de fertilidade terem caído, nos últimos 30 anos, abaixo do ponto de equilíbrio. Os novos imigrantes tendem a procurar as principais áreas metropolitanas, onde esperam contar com o apoio das suas comunidades étnicas e beneficiar-se dos serviços sociais, ao mesmo tempo em que desfrutam de melhores oportunidades econômicas.” (Neal, 2003, p. 3). “A imigração do pós-guerra e o multiculturalismo oficial modificaram dramaticamente o cenário euro-centrado da área metropolitana de Toronto [...] No mínimo, as necessidades e preferências sociais, profissionais e de moradia da nova população são diferentes daquelas que ali já estavam instaladas, sendo também grande a diversidade, em termos das necessidades e preferências, que marca o universo dos próprios imigrantes.” (Lo; Zhixi, 2005, p. 25). 53 ao próprios mercados de trabalho. De qualquer forma, essa é uma situação que só se tornou possível graças à política oficial multicultural hoje vigente no Canadá e que garante direitos iguais perante a lei, independentemente de raça, etnia, religião ou cor das pessoas. Seja na área central, seja nos subúrbios, a ocupação promovida pelos imigrantes transformou, e ainda segue transformando, o cenário urbano. Há muitos enclaves em Toronto, alguns de natureza meramente habitacional, outros envolvendo atividades comerciais. Os enclaves étnicos não constituem um fenômeno novo, nem estão associados a qualquer grupo em particular. Sua proliferação, todavia, decorre dos padrões de imigração vigentes nos últimos 30 anos. (Lo; Zhixi, 2005, p. 25). Toronto tem-se constituído, de fato, em um tradicional ponto focal para os imigrantes, o que explica a diversidade étnica e racial ali encontrada, que a torna uma das cidades mais multiculturais do mundo. Verifica-se, assim, que são ali faladas, de forma corrente, mais de 100 línguas e dialetos e que um terço de seus moradores não tem o inglês como língua materna. Tal situação reflete acuradamente os efeitos das intensas correntes migratórias originárias do Sudeste Asiático, do Caribe e da América Latina, que passaram a se fixar na região a partir dos anos 80, substituindo aqueles procedentes da Europa e da própria América do Norte, que, até então, eram preponderantes.28 A simples menção de alguns indicadores nesse domínio serve para dar uma idéia da dimensão assumida pelo fenômeno em nível local. Assim, em 2006, 47,6% da população da Grande Toronto eram nascidos no estrangeiro, o que equivalia a quase dois milhões e meio de pessoas, enquanto o mesmo percentual era de 20,6% para o Canadá. No caso da Cidade de Toronto, segundo o censo de 2001, o grupo das primeiras minorias étnicas era liderado pelos chineses (10,6% dos residentes), seguido pelos sul-asiáticos (10,3%) e filipinos (3,5%). Compreende-se, portanto, como o chinês se tornou a terceira língua mais falada no Canadá e a segunda em Toronto (Lo; Zhixi, 2005, p. 20; City of Toronto, [s.d.]b). 2.5 O processo de ocupação da área metropolitana A primeira metade do século XX esteve marcada por um forte crescimento populacional e industrial em Toronto e em parte do território que viria a 28 “Até a metade do século XX, Toronto constituía uma cidade altamente respeitável, de ascendência, valores e tradição britânicas. Em 1931, por exemplo, 81% de sua população eram descendentes de cidadãos nascidos na Grã-Bretanha. Desde então, declinou enormemente a proporção de residentes dizendo-se de origem étnica britânica [...] Era de 60% em 1971 e caiu para 38% em 2001.” (Lo; Zhixi, 2005, p. 18). 54 formar sua área metropolitana. Já na segunda metade, o impulso demográfico perdeu vitalidade na Cidade, em consonância com o deslocamento do vetor populacional para as municipalidades de seu entorno, as quais — mesmo sendo legalmente autônomas — eram parte integrante dessa economia urbana ampliada. Em boa medida, o processo tomou essa forma porque não havia suficientes terrenos livres para ocupação no interior da própria Cidade, o que forçou um povoamento de cunho suburbano. Daí as grandes necessidades surgidas em termos da demanda de infra-estrutura e de prestação de serviços comunitários nesses espaços de urbanização mais tardia. Nessa fase inicial de ocupação da periferia, pelo fato de o padrão de ocupação estar principalmente associado à presença de numerosas propriedades residenciais e de poucos estabelecimentos comerciais e manufatureiros, era também limitada a base passível de tributação e, em decorrência, mostravam-se escassos os recursos de caixa disponíveis para efetuar os investimentos necessários. Já na Cidade de Toronto, em contrapartida, havia uma rica base tributável, formada por importantes ativos industriais e residenciais, capazes de gerar um excedente que pôde ser transferido para cobrir as necessidades dessa periferia emergente (The Office of Legislative Services, 2006). Se considerado o padrão histórico de ocupação desse território, verificase, na verdade, o desenvolvimento de três regiões diferenciadas, cada uma delas complementando a atual formação física e social que marca a metrópole de Toronto. Um primeiro desses espaços corresponde à área mais central, marcado especialmente pela paisagem urbana que data de antes de 1930. Esse é um território caracterizado por densidades relativamente altas, por usos mistos do solo, pela presença de extensas zonas comerciais (as chamadas retail strips)29 e por uma atuação significativa do transporte público. Abrange, basicamente, a velha Cidade de Toronto e os subúrbios adjacentes formados antes da Segunda Guerra Mundial. Corresponde a uma área que reúne cerca de 900.000 pessoas e é muito representativa da elite e das classes profissionais, ainda que abrigue também muitos moradores pobres (Bourne, [s.d.], p. 3). É também ali que estão localizados inúmeros teatros, cinemas, hotéis, restaurantes, lojas, museus, etc., o que a qualifica sobremaneira para acolher a indústria do entretenimento e do turismo. Constitui uma região ocupada por grandes torres de escritórios e que formam o Distrito Central de Negócios. É ali que estão sediadas as grandes corporações internacionais e os maiores bancos, formando a ponta-de-lança dos negócios canadenses no mundo globalizado. Sua linha do horizonte é definida por uma massa uniforme de prédios altos, sendo visualmente dominada pela Torre CN — com seus 553,33m e 181 andares —, que foi, desde 1976 e durante 30 anos, a mais elevada estrutura livre do mundo. Outro traço marcante dessa área central é representado pelo Sistema PATH, uma designação que se aplica a uma extensa (27km) rede subterrânea 29 As retail strips são agrupamentos vizinhos de lojas comerciais que estão instaladas em prédios separados (não formam um shopping center) e que são interligadas por caminhos de pedestres. Cada retail strip atende a um tipo específico de clientes. 55 de ruas para pedestres e que conecta 1.200 lojas e restaurantes, 50 torres de escritórios, cinco estações de metrô, uma estação ferroviária, seis grandes hotéis e vários centros de lazer (City of Toronto, [s.d.]b).30 Uma segunda região é formada pelo anel de subúrbios edificados no pósguerra, mais especificamente nos anos 50 e 60, e que se caracteriza por menores densidades de ocupação, grandes conjuntos de moradias individuais, shoppings centers e velhos parques industriais —muitos dos quais em desaparição31 —, sendo bem servida pelo transporte público, ainda que se mostre também intensamente dependente dos automóveis circulando em vias expressas. Esse território corresponde, basicamente, aos subúrbios da ex-Toronto Metropolitana — aqueles que foram objeto de fusão quando da constituição da megacidade de Toronto, a saber, East York, Etobicoke, North York e York — e alguns outros mais antigos, situados além de suas fronteiras. Vivem ali cerca de 1,6 milhão de pessoas, formando uma população socialmente tão diversa quanto à encontrada na região central, ainda que o contingente dos mais pobres esteja em expansão (Bourne, [s.d.], p. 3). Enfim, uma terceira região é constituída pelos subúrbios construídos após 1970, que se estendem além das fronteiras da Toronto Metropolitana e formam quatro municipalidades regionais (Halton, Peel, York Region e Durham). Caracteriza-se por densidades de ocupação bem mais baixas e por um número expressivo de estabelecimentos comerciais e industriais, sendo também ali usuais os blocos homogêneos de residências e os shoppings centers à disposição das classes mais ricas. É um território que já concentra uma parte expressiva do setor manufatureiro de Toronto e que vem preferencialmente recebendo as novas plantas industriais e os grandes complexos de escritórios (Bourne, [s.d.], p. 3).32 Vive ali uma população de cerca de 2,5 milhões de pessoas, em uma área que representa dois terços do espaço da Grande Toronto e que tem se caracterizado por receber 80% do crescimento demográfico da área metropolitana. Representa, de fato, a região que mais rapidamente se expandiu desde, pelo menos, a segunda metade dos anos 90, o que levou à perda de 30 31 32 “No inverno, quando o frio vento norte sopra ao longo da Bay Street, os que trabalham no centro da Cidade se refugiam em um mundo subterrâneo, onde existe uma rede de lojas e de passagens para pedestres com muitos quilômetros de extensão. Mais de 100.000 empregados circulam diariamente nas torres de escritórios ali localizadas.” (Eberts; Norclife, 2005, p. 31). “Numerosos parques industriais estiveram implantados nos subúrbios mais antigos por mais de um século e, em alguns casos, desde a Segunda Guerra Mundial. As velhas indústrias, a exemplo dos grandes abatedouros de gado e dos complexos processadores de carne, praticamente desapareceram e foram substituídas por conjuntos residenciais ou por grandes lojas de varejo.” (Eberts; Norclife, 2005, p. 32). “As indústrias que se instalam nos subúrbios mais externos são basicamente grandes consumidoras de espaço e incluem plantas de montagem de veículos automotores, grandes armazéns e depósitos, parques temáticos, espaços para shows, firmas de transporte e de logística, grandes lojas comerciais, plantas produtoras de materiais para a indústria da construção, montadoras de computadores e fabricantes de autopeças, de produtos eletrônicos e de eletrodomésticos.” (Eberts; Norclife, 2005, p. 32). 56 muitas terras agricultáveis no decurso de seu processo de conversão para fins residenciais, comerciais e industriais (Eberts; Norclife, 2005, p. 33). É um território bem servido por uma extensa rede de vias expressas e que não prima pelo atendimento por sistemas de transporte público, o que, combinado com as longas distâncias a percorrer, determina uma nítida preferência pelo automóvel nos deslocamentos quotidianos.33 Esta é, de fato, uma paisagem pós-moderna, uma eclética mistura de usos, funções e estilos de edificações. Embora seja cada vez mais diversificada em termos sociais e étnicos, em grande parte por conta da imigração, está se tornando mais rica do que os antigos subúrbios. Seus quatro governos regionais vêem a si próprios, de forma crescente, como jurisdições autônomas e não propriamente como cidades periféricas, pelo que não se sentem concernidos pelos problemas sociais que afligem a velha cidade e seus subúrbios. (Bourne, [s.d.], p. 3).34 2.6 A formação da Toronto Metropolitana (Metro Toronto) A Província de Ontário promulgou, em 2 de abril de 1953, o ato de criação da Toronto Metropolitana, também conhecida sob a designação de Metro Toron33 34 “Na porção sul de Ontário, no início da era da Toronto Metropolitana, o sistema de transportes foi concebido tendo em conta a existência de duas regiões. No interior da área metropolitana, a responsabilidade pelos transportes ficou repartida entre o Governo Regional e o Provincial, exceto nas questões relativas ao transporte publico, de responsabilidade da esfera regional. Na região circunvizinha, vista como uma economia separada, esse papel revertia ao governo da província, às associações regionais e aos governos locais. Uma tal divisão de responsabilidades fazia com que, no conjunto da região conhecida como GTA, houvesse graves problemas nos deslocamentos, ao mesmo tempo em que ficavam comprometidas as condições de acessibilidade imperantes na própria Cidade. Em decorrência, os preços da terra nas áreas externas à Cidade mostravamse sensivelmente mais baixos. Essa situação só viria a mudar com a construção de vias expressas no território circunvizinho à Toronto Metropolitana, com o que foram reduzidas as barreiras à movimentação de bens e de indivíduos.” (Robinson; Schwartz, 2000, p. 4). “Para os que encaram a antiga zona central da Cidade e seus subúrbios como uma história de sucesso — graças a suas formas compactas, altas densidades, boas instalações para os pedestres, uso privilegiado do transporte público e pela primeira experiência de um governo metropolitano que compartilhou recursos e redistribuiu custos e benefícios —, o anel externo de subúrbios aparece como um desastre social e de planejamento [...] O transporte público é ali quase inexistente, as ruas são feitas para os carros e não para os pedestres, há longas distâncias a vencer, os serviços sociais são exigidos ao extremo pela rápida expansão demográfica, e há ausência de associação entre os locais de moradia e os de emprego [...] Para os que vivem no anel externo, por sua vez, a velha cidade é vista como um território poluído, congestionado, inseguro e, com freqüência, considerado muito feio. Os novos subúrbios contam com um estoque de moradias de boa qualidade, bairros e instalações comunitárias bem projetadas, uma base de empregos em rápida expansão e oferecem um acesso facilitado aos locais de trabalho, de compra e de lazer, pelo menos para aqueles que circulam em automóvel.” (Bourne. [s.d.], p. 3). 57 to. A medida, que entrou em vigor em janeiro do ano seguinte, fez surgir um sistema federado de governo na região e constituiu uma tentativa de dar uma resposta institucional ao crescimento suburbano verificado no imediato pós-guerra. Os poderes e as responsabilidades então estabelecidos eram os mais amplos que qualquer instância municipal jamais tivera no Canadá, sendo esse o primeiro exemplo, na América do Norte, de estabelecimento de um governo metropolitano com abrangência sobre uma cidade e seus arredores. Ainda em 1953 e precedendo o ato de criação da Metro Toronto, as autoridades da municipalidade de Toronto haviam solicitado à Província que promovesse a fusão da Cidade com seus subúrbios, em um processo que envolveria outras 12 municipalidades do entorno. Na época, as instâncias locais opuseram-se vigorosamente à proposta, já que teriam sua autonomia e a própria existência comprometidas. O pedido de fusão acabou sendo desconsiderado pela Governo de Ontário, que preferiu optar pela montagem de uma estrutura baseada em uma federação de municipalidades independentes. A solução implementada em 1954 levou, efetivamente, ao estabelecimento de um sistema governamental com dois níveis (two-tier system), formando uma federação que reunia a Cidade de Toronto e seus subúrbios.35 A autoridade metropolitana assim constituída gozou, durante muito tempo, de uma representatividade apenas indireta, situação que foi alterada após 1988, quando passaram a ser escolhidos, por eleição direta, os conselheiros representantes da cidade central e das áreas suburbanas, sendo o Presidente do Conselho escolhido entre seus pares (Goldsmith, 2002, p. 11). O nível superior era representado por um governo com jurisdição sobre o conjunto da área metropolitana. O nível inferior, por seu turno, abarcava 13 municipalidades — inclusive a de Toronto —, as quais seguiram elegendo seus próprios conselhos municipais, ainda que estes passassem a ter suas responsabilidades reduzidas. Em 1967, o Governo Provincial decidiu promover uma fusão envolvendo as 13 municipalidades, reduzindo seu número para apenas seis. De acordo com a estrutura definida para a Toronto Metropolitana, a prestação dos serviços ficou repartida entre os dois níveis de governo. Coube à municipalidade da Toronto Metropolitana a tarefa de ocupar-se daqueles de natureza mais abrangente, a exemplo, dentre outros, do fornecimento de água, tratamento do esgoto e do lixo recolhido, controle de tráfego nas vias expres- 35 “Um governo metropolitano com dois níveis foi estabelecido, quase por acaso, no início dos anos 50 na região. O centro urbano densificado havia feito a proposição de anexar as municipalidades circunvizinhas, de forma a acomodar o crescimento verificado após a Segunda Guerra Mundial. As áreas do entorno — ainda ocupadas, basicamente, por terras agrícolas e por alguns povoados e pequenas cidades — fizeram objeções à proposta de serem engolidas pela cidade grande. Foi encontrado um compromisso, pelo qual os governos locais seriam colocados sob a égide de uma estrutura regional, na forma de uma federação, sendo que a riqueza da Cidade deveria fornecer a base financeira indispensável para financiar a montagem da infra-estrutura capaz de garantir o desenvolvimento urbano de toda região. Os governos locais seguiriam existindo e conservariam muitos de seus poderes, mas passariam a atuar em conjunto nos assuntos de natureza regional.” (Sewell, 2005, p. 30). 58 sas e radiais, construção de moradias, administração dos parques regionais e escolas públicas e contratação de empréstimos. Basicamente, foram repassadas ao governo supramunicipal aquelas atividades que podiam ser beneficiadas pelos efeitos positivos advindos das economias de escala. As tarefas de planejamento de âmbito regional foram também identificadas como sendo tipicamente da alçada metropolitana. Como já havia, nessa época, a consciência de que era mister levar em conta o problema do extravasamento da influência da metrópole para além das fronteiras legais que haviam sido definidas, foi fixado — para fins de planejamento — um território de abrangência bem mais amplo, o qual cobria, basicamente, a área hoje conhecida como Grande Toronto. Mais tarde, quando da criação das outras quatro municipalidades regionais localizadas no entorno da Metro Toronto, houve um retrocesso nesse domínio, com a área de planejamento sendo reduzida e passando a coincidir com a das próprias fronteiras da Toronto Metropolitana. Uma preocupação análoga parece ter norteado as questões envolvendo os serviços de transporte e o planejamento do uso do solo na região, tendo-se partido da premissa de que os desdobramentos nesse domínio não estavam subordinados aos limites das municipalidades e de que os problemas existentes poderiam ser mais facilmente enfrentados por uma autoridade com uma abrangência territorial ampliada de atuação. Foi isso que induziu, certamente, a transferência da responsabilidade sobre os sistemas de transporte público para o nível metropolitano de governo. Essa passagem não foi, todavia, absoluta, permanecendo o sistema de trens de subúrbio — conhecido como GO Transit — em mãos da instância governamental da Província, o mesmo ocorrendo com o controle de algumas rodovias regionais que penetram a zona central da cidade. Já as municipalidades do nível inferior de governo mantiveram uma ampla autonomia com respeito ao atendimento das necessidades de cunho local, como, por exemplo, as questões relacionadas às vias públicas, iluminação pública, serviço de bombeiros, distribuição da água, assistência social, centros comunitários, serviço de ambulâncias, cobrança dos impostos, polícia, parques locais e planejamento em nível local. A idéia era a de que, assim como a instância metropolitana se ocuparia dos assuntos extravasando as fronteiras municipais e asseguraria um nível de serviços uniforme para toda a região, a instância inferior teria as melhores condições de dar respostas efetivas em assuntos tipicamente locais. Constituiria o nível de governo capaz de, por sua proximidade, aportar a melhor interlocução com os residentes, uma condição difícil de ser sustentada por uma administração à distância, como seria a metropolitana. Os dois níveis de governo compartilhavam, na prática, responsabilidades sobre assuntos relacionados, por exemplo, a parques, vias públicas, controle de tráfego, água e esgoto, moradias de baixo custo, remoção da neve e limpeza das calçadas. Além disso, é preciso observar que o elenco de atribuições próprias a cada esfera foi sendo alterado ao longo da vida da Toronto Metropolitana, predominando o movimento de passagem das mesmas para o nível superior. Esse foi o caso, dentre outras, das funções de polícia, controle de tráfego, serviços de ambulância e do lixo recolhido. Quando a Metro Toronto 59 foi extinta (em 31.12.97), 70% dos gastos realizados na execução dos serviços, na região, eram feitos na escala metropolitana (The Office of Legislative Services, 2006, p. 6-7). A verdade é que o ajuste institucional então idealizado para Toronto deu origem a uma das experiências mais exitosas da América do Norte, sendo usualmente referida como um caso exemplar de governo metropolitano. Essa avaliação é normalmente feita em função dos resultados alcançados quando da equalização dos níveis dos serviços em toda a região e por conta das realizações no campo do planejamento territorial, para não se falar dos aspectos de preservação das especificidades em nível local. Ou seja, a Metro Toronto representou uma fórmula bem aceita durante boa parte de seus 44 anos de existência, permitindo conjugar uma grande autonomia na abordagem dos problemas locais com o tratamento, na devida escala metropolitana, de muitas questões regionais.36 Mais do que qualquer outra coisa, foi o sistema baseado em dois níveis de governo que proporcionou a Toronto sua reputação de astro internacional, assegurando que os subúrbios tivessem uma voz própria e que o ponto de vista regional não sobrepujasse os interesses locais, como ocorreu em tantas outras localidades. (Sewell, 2005, p. 31). Como outro aspecto positivo dessa experiência, pode-se lembrar o fato de ela ter assumido a tarefa de implantar um sistema de metrô já no início dos anos 50, à época em que outras cidades da América do Norte estavam inteiramente dedicadas à construção de vias expressas. O mesmo vale para a circunstância de — não obstante o elevado crescimento populacional registrado (que fez com que a metrópole passasse de 700.000 para mais de 2 milhões de habitantes em pouco mais de 20 anos) — ter sido possível disponibilizar 36 “Há uma infinidade de textos produzidos sobre o sistema de governo com dois níveis da Toronto Metropolitana e que o referenciam como um sucesso. Entre as razões para tanto apontadas, figura a de que possibilitou transferir a riqueza da Cidade, canalizando-a para a estruturação dos serviços indispensáveis nos subúrbios, justamente em uma ocasião em que os mesmos não dispunham das condições financeiras para assegurá-los. Permitiu também coordenar as ações envolvendo o planejamento do uso do solo e a realização das principais obras de infraestrutura em toda a região. Com isso, foi possível administrar o crescimento, com as municipalidades tendo o compromisso de prestarem os serviços locais que eram capazes de assumir e com seus governos respondendo localmente perante o eleitorado.” (The Office of Legislative Services, 2006, p. 7). “Não obstante as muitas semelhanças com outras cidades de seu tempo, Toronto tornou-se um modelo de governo metropolitano no continente, admirada até mesmo por urbanistas europeus. Entre políticos, jornalistas e acadêmicos, passou a ser conhecida como a cidade que trabalha [...] Toronto, uma história bem-sucedida e mundialmente reconhecida, representou um compromisso territorial entre a área central da cidade e as municipalidades suburbanas, tendo em vista padronizar os serviços oferecidos e assegurar sua implantação em toda a área metropolitana.” (Kipfer, 2000, p. 29). 60 uma estrutura física e um conjunto de serviços de alta qualidade em toda a região, bem como manter um programa bem-sucedido de realizações na esfera social (Bourne, 2005, p. 131). Isso tornou-se possível, em grande medida, pela política tributária então seguida, a qual esteve basicamente apoiada no Imposto Sobre a Propriedade, a principal fonte de arrecadação municipal. O tributo era cobrado com base em uma alíquota uniforme em toda região, variando apenas em função do tipo de propriedade. A participação de cada municipalidade na arrecadação global era uma função do tamanho de sua base tributável, que estava associada ao número de propriedades e a seu valor. Do total de recursos assim obtidos, cerca da metade revertia ao governo metropolitano, permanecendo o restante no nível local (Slack, 2004, p. 30). A combinação de um Imposto Sobre a Propriedade, de natureza uniforme, com uma política de gastos e de prestação de serviços de abrangência metropolitana foi um fator particularmente decisivo para assegurar o encaminhamento de recursos das comunidades mais ricas para as mais pobres. O tipo de desenvolvimento então favorecido permitiu igualmente preservar a área central da Cidade como o principal centro comercial e cultural da região, ao mesmo tempo em que incentivou o desenvolvimento de centros secundários de atividade comercial e de média densidade de ocupação populacional na periferia. Ou seja, no tocante à ocupação suburbana, não foi mantido o denso padrão de edificação que caracterizava a região central, privilegiando-se a edificação de torres de apartamentos em meio a áreas verdes, bem como fazendo uma opção pelas residências individuais. A experiência relativamente bem-sucedida da Toronto Metropolitana foi, assim, capaz de criar as condições para a fase de rápido crescimento que se prolongou até finais dos anos 80, quando começou a se configurar uma situação similar à já observada em 1954 e que havia levado, precisamente, à formação da Metro Toronto. Voltou a impor-se, então, obviamente que em escala ampliada, o problema da existência de um núcleo central desenvolvido, que não dispunha de espaços livres adicionais para ocupação, cercado por subúrbios autônomos competindo pelos mesmos investimentos (Bow, [s.d.]). Ou seja, a estrutura institucional idealizada para a região havia perdido sua força enquanto instância de governo regional, já que uma parte expressiva da expansão suburbana passara a dar-se fora de suas fronteiras, em um processo de crescimento, muitas vezes, descontrolado e oneroso do ponto de vista social e do meio ambiente. Já como reflexo dessas circunstâncias, foram oportunamente instalados na região outros quatro governos de segundo nível (as chamadas municipalidades regionais) pelo Governo de Ontário. Isso ocorreu mais precisamente entre os anos de 1971 e 1974, sendo que todos ficavam no entorno da Metro Toronto: York Region, Durham, Peel e Halton. Estes governos regionais foram estabelecidos à imagem da Metro Toronto, sendo-lhes repassadas responsabilidades similares em termos da prestação dos serviços. Foi-lhes, da mesma forma, concedida a autoridade para assumir as tarefas de planejamento no interior de suas fronteiras. 61 Figura 1 A paisagem da região central de Toronto FONTE: Disponível em:<http://www.stanford.edu>. Acesso em: 20 ago. 2007. Durante 25 anos, a região da Grande Toronto foi governada por cinco governos regionais independentes, não havendo nenhuma agência com responsabilidade sobre o conjunto da região. Como resultado, foram criados cinco diferentes sistemas de planejamento regional, cada um deles dispondo de seu próprio plano estratégico, suas regulamentações e suas visões de futuro. (Bourne, 2005, p. 133). Deve ser observado que, quanto mais se aproximava o final do século XX, menos as fronteiras originais da Toronto metropolitana — definidas em 1953 e nunca reajustadas — refletiam a realidade socioeconômica do conjunto da área metropolitana. Para tanto, muito colaborou o rápido crescimento que caracterizou a evolução, no decurso dos anos 70, das novas municipalidades surgidas no entorno da Metro Toronto. O sistema de trem de subúrbios (o chamado GO Transit System), implantado pelo Governo Provincial em 1967, teve muito a ver com tal desempenho, criando as condições objetivas para que muitas das comunidades então emergentes se transformassem em subúrbios-dormitório da Cidade de Toronto. A situação chegou a tal ponto que, em 1996 e um ano antes da fusão que haveria de por fim à existência da 62 Toronto Metropolitana, a participação desta última no total de habitantes da GTA estava reduzida a 51,5%. Com isso, estavam reeditados muitos dos impasses e pressões associadas à fragmentação política que haviam caracterizado Toronto e sua região no passado e que motivaram a criação de seu primeiro (e único) governo metropolitano. 2.7 A formação da megacidade de Toronto As discussões acerca da reforma radical que iria afetar a estrutura governamental da região de Toronto tiveram início em outubro de 1996, quando os seis prefeitos das municipalidades atingidas foram informados, pela primeira vez, das intenções do Governo Provincial nesse domínio. Na ocasião, tiveram de contentar-se com um comunicado sem maiores detalhamentos a respeito do conteúdo do projeto de lei (Bill 103, the City of Toronto Act) que seria enviado ao Legislativo, o que ocorreu em 17 de dezembro do mesmo ano. A fase preparatória da mudança prolongou-se até fins de 1997, quando foi promulgada a legislação pertinente. Na fundamentação que acompanhava o projeto de lei, as justificativas para a fusão eram colocadas em termos econômico-financeiros, com a nova cidade devendo funcionar como um instrumento de desenvolvimento da Província como um todo (Milroy, 1999, p. 6). Durante a fase de passagem de uma estrutura para outra, foi constituída uma equipe de transição integrada por seis membros, a qual foi dissolvida ao final de 1998. A nova Cidade de Toronto foi oficialmente instituída em 1o de janeiro de 1998. Era resultante da fusão das seis municipalidades federadas (Toronto, North York, Scarborough, Etobicoke, York e East York) e de um nível regional de governo, a municipalidade da Toronto Metropolitana. A medida determinou a formação do quinto maior governo do Canadá, posicionado apenas após os das Províncias de Ontário, Quebec, Colúmbia Britânica e Alberta. Também conhecida como a megacidade de Toronto, a aglomeração passou a ser dirigida por um único prefeito, escolhido por sufrágio direto. Nessa ocasião, as quatro outras municipalidades regionais existentes na área metropolitana (Halton, Peel, York Region e Durham) não foram afetadas pela reforma. Na fase precedente à fusão, havia 106 conselheiros eleitos nas diversas municipalidades. Na nova cidade, esse número baixou para 58 (57 conselheiros e o Prefeito) e, nas eleições municipais de 2000, para 44 conselheiros (Roda McInnis Contractor, 2000). Juntamente com o Prefeito, esses conselheiros integram o city council, que tem uma área de atuação sobre toda a Cidade. A eleição do Prefeito é, conforme já referido, de natureza majoritária, enquanto a dos conselheiros ocorre em um dos 44 distritos eleitorais, valendo o mandato por um período de três anos. Ou seja, o Prefeito é escolhido pelos votos de toda cidade, e os conselheiros, por um distrito eleitoral representando aproximadamente 55 mil pessoas. Além do city council, há ainda quatro conselhos comunitários, que se ocupam de questões locais. Podem igualmente fazer recomendações de ordem mais ampla, ainda que a decisão final permaneça sempre em mãos da instância superior (The Office of Legislative Services, 2006). 63 Mapa 3 A nova Cidade de Toronto FONTE: Disponível em: <http://www.Jahomaps.com>. Acesso em: 28 ago. 2007. 2.7.1 Os preliminares e as razões da fusão Para se entender como foi possível chegar a uma situação dessas, é preciso ter presente, antes de mais nada, o fato de que um novo governo provincial havia sido eleito pouco antes em Ontário. Na ocasião, ascendeu ao poder o Partido Conservador, vencedor das eleições com base em um programa eleitoral intitulado a Revolução do Senso Comum (Common Sense Revolution). Nos termos do referido programa, “[...] o déficit de Ontário seria zerado, os vagabundos que vivem da assistência social seriam forçados a trabalhar, empregos seriam criados pelo setor privado, o governo desnecessário seria eliminado e os impostos seriam reduzidos” (Schuler, 2002). Tratava-se, como pode ser observado, de uma declaração de fidelidade à clássica tríade: redução do tamanho do Estado, diminuição da carga fiscal e corte do déficit fiscal. Constata-se que, nessa época, a região já havia sido objeto de numerosos estudos, tendo como propósito realizar uma avaliação das condições e perspectivas locais em termos da governança urbana. A maior parte dos diag- 64 nósticos então efetuados não chegava a apontar a existência de maiores limitações no funcionamento da Toronto Metropolitana, sendo, todavia, a ênfase posta nas vantagens que adviriam do tratamento, na escala de um território mais amplo, de problemas como os da coordenação dos sistemas de transporte, do abastecimento de água e do destino do lixo recolhido. Nenhum desses estudos sequer cogitava a necessidade de formar-se uma megacidade na região. Todos compartilhavam, no entanto, a preocupação de incorporar, em sua visão de trabalho, a realidade territorial da Toronto Metropolitana e de suas zonas adjacentes, ou seja, levavam em conta o fenômeno da Greater Toronto Area. Para tanto, consideravam essencial a possibilidade de contar com a atuação de um órgão governamental dotado de uma jurisdição abrangente, capaz de enfrentar os grandes desafios colocados pela administração dos serviços na escala regional. Esse também era o posicionamento do chamado grupo de trabalho Who Does What? (Quem Faz o Que?), constituído pelo Governo da Província, em 1996, com a missão de propor um novo arranjo institucional para a região. Mais concretamente, a demanda colocada envolvia a proposição de estratégias políticas que dessem uma continuidade aos cenários alternativos de desenvolvimento constantes do documento GTA 2001: O Desafio Para o Nosso Futuro Urbano, que havia sido elaborado em 1991 (Bourne, 2005, p. 134). Da mesma forma, era atribuição do grupo de trabalho apresentar uma proposta de encaminhamento institucional para o problema dos complicados relacionamentos envolvendo a Província de Ontário e suas municipalidades. O relatório do grupo de trabalho foi publicado ainda em 1996 e alertava para a absoluta conveniência de instituir uma nova autoridade metropolitana, que tivesse ingerência legal sobre o conjunto da GTA, isto é, sobre a Toronto Metropolitana e as regiões circunvizinhas de Harris, Peel, York Region e Durham. A fusão de municipalidades, mesmo sendo vista como uma alternativa a considerar, não era objeto de qualquer encaminhamento específico. As recomendações feitas apontavam, isso sim, para o estabelecimento de um governo regional com dois níveis. Os então existentes níveis superiores de governo da Metro Toronto e das quatro outras municipalidades regionais já referidas seriam absorvidos por uma nova instância metropolitana, mantendose a existência dos governos de nível local (Young, 2005, p. 10). Nada disso parece ter pesado, todavia, na hora de ser tomada a decisão que levaria à supressão dos vários governos locais e do governo metropolitano, bem como à fusão dos dois níveis de governo, fazendo surgir, em seu lugar, uma nova e única municipalidade.37 37 “Um dos maiores equívocos da experiência de Toronto reside no pressuposto adotado pelo Governo da Província de que a economia da Cidade e a da área adjacente constituem entidades distintas. Elas formam, na realidade, uma economia integrada. A primeira fornece os serviços bancários, legais e de contabilidade às empresas, bem como os serviços culturais e educacionais para toda a região urbana e para a própria Província. A área urbana mais externa, por sua vez, oferece não apenas a moradia, como também a indústria, os comércios varejista e atacadista e os demais negócios para o conjunto da região.” (Robinson; Schwartz, 1998, p. 12). 65 Nenhum estudo propusera a eliminação das seis cidades da Toronto Metropolitana, nem foram os cidadãos consultados a respeito. A legislação que levaria à fusão das cidades surgiu em pleno momento de discussões, recomendando a reconfiguração da instância regional e sem que o Governo da Província apresentasse quaisquer evidências capazes de demonstrar que esse era um bom plano. Não havia igualmente certezas a respeito das economias que poderiam ser assim realizadas, nem a proposta previa um encaminhamento para os já identificados problemas da Área da Grande Toronto, a qual constituía, de fato, a região urbana mais carente de soluções. (Milroy, 1999, p. 6). A bem da verdade, é preciso dizer que o encaminhamento dado à região de Toronto não representava um evento isolado, estando inserida em um movimento mais amplo de fusões, então em curso no âmbito da Província de Ontário, que tinha como objetivo declarado a redução das despesas do setor público. Como resultado, das 800 municipalidades existentes em Ontário, em 1996, restavam apenas 445 ao final do processo (The Office of Legislative Services, 2006, p. 8). Isso posto, é preciso enfatizar o quão pouco foi dito pelas autoridades governamentais provinciais acerca das razões efetivas da fusão. O que houve, isso sim, foram manifestações de altos funcionários, como a do então Ministro dos Assuntos Municipais e da Habitação da Província de Ontário, afirmando que a criação de uma só Toronto traria benefícios generalizados para residentes e contribuintes e para os negócios em geral. Seria possível, dessa forma, diminuir a duplicidade e a sobreposição que caracterizavam muitas atividades, racionalizando-as e tornando os governos locais mais eficientes e responsáveis (Robinson; Schwartz, 1998, p. 3). Não existe teoria ou literatura que explique por que o Governo Harris criou a megacidade. Não há precedentes de um governo orientado para o mercado (neoliberal) usar sua autoridade, à revelia dos resultados dos referendos locais, para estabelecer um imenso governo municipal onde antes existiam vários pequenos governos federados. Há duas possíveis explicações para um comportamento governamental tão peculiar. A primeira relaciona-se com circunstâncias próprias ao Governo de Ontário e à política dos anos 1996-97. Durante a campanha eleitoral de 1995, o líder conservador Mike Harris fez afirmações no sentido de que o Governo Regional da Toronto Metropolitana, na sua forma de então, deveria ter um fim. Uma explicação complementar é a de que o Governo Harris encarava a fusão como uma forma de reduzir o poder político de seus 66 adversários, de tendências esquerdistas, que operavam dentro do conselho da velha Cidade de Toronto. (Sancton, 1999, p. 195).38 Especula-se, da mesma forma, que o governo da Província teria o receio de que, em um ambiente de globalização, a cidade estivesse perdendo sua atratividade para os novos investimentos.39 Isso o teria levado a estabelecer uma associação entre o futuro da economia de Toronto e o seu funcionamento dentro de um contexto territorial ampliado, o qual, segundo uma opinião generalizada entre os especialistas, só poderia ser o da Área da Grande Toronto. Só que, contrariando todas as indicações nesse sentido, foi feita a escolha da formação de uma megacidade no espaço bem menos abrangente, correspondente à antiga Metro Toronto (Clarkson, 2000). 2.7.2 Resistências opostas à fusão Foi extremamente ativa a resistência oposta à criação da nova cidade de Toronto, tanto por parte da população em geral como dos políticos locais, ensejando, inclusive, muitas disputas em âmbito legal.40 “A oposição tomou muitas formas, com dezenas de encontros e manifestações sendo realizados em cada uma das seis cidades afetadas. Cinco dos seis respectivos prefeitos pronunciaram-se incansavelmente contra a fusão, inclusive aquele que seria eleito, mais tarde, o primeiro prefeito da megacidade” (Milroy, 1999, p. 8). 38 39 40 “Essa solução tinha também a vantagem política de atacar de frente a coalizão progressista que estava no poder desde os anos 50 na Prefeitura de Toronto, e de integrar, no seio da nova estrutura municipal, os políticos dos subúrbios conservadores.” (Jouve; Négrier, [s.d.]). “O argumento é de que o Governo de Ontário optou por adotar uma política para a qual havia pouco ou nenhum apoio na sociedade — e que acabaria despertando uma feroz oposição — , com base na premissa absolutamente falsa de que Toronto (como uma cidade global e não como uma municipalidade) se tornaria ‘maior, mais forte e mais presente’, se ampliasse suas fronteiras e absorvesse as municipalidades vizinhas. Ora, a mais simples análise feita por qualquer especialista de negócios a respeito de Toronto como uma cidade global, por mais elementar que fosse, haveria de levar em conta, forçosamente, essas mesmas municipalidades.” (Sancton, 2003, p. 13). “Os solicitantes argumentaram que o projeto de lei era um equívoco em termos da perspectiva histórica, das experiências, da ética, da lógica, da evidência acadêmica, das práticas de políticas públicas e das convenções sobre o respeito às consultas populares, tudo isso sem nenhum efeito prático. É possível que tenham provado seu ponto de vista em todos esses domínios, só que isso de nada lhes serviu, face ao peso do Ato Constitucional. Em um caso como esse, é a primazia da lei que impera. Não é demais lembrar que havia ocorrido uma verdadeira revolução em Ontário, em 1953, quando das discussões envolvendo a criação da Toronto Metropolitana. Na audiência do Ontario Municipal Board, seu presidente havia colocado todo o peso de seu julgamento na função democrática das cidades, ao dizer que estava negando o pedido de Toronto de incorporar as cidades vizinhas. Desde então, qualquer reestruturação em nível local tinha estado sempre associada à realização de estudos e a considerações de ordem política. Mas, em 1997, o Primeiro-Ministro Harris reverteu a situação, pondo a ênfase na prestação dos serviços, sem qualquer estudo e à revelia da opinião dos cidadãos.” (Milroy, 1999, p. 21). 67 A opinião dos residentes acerca da conveniência de realizar-se a fusão ficou claramente expressa nos referendos então realizados, com os resultados apontando uma formal rejeição à proposta. Tais referendos tiveram lugar em março de 1997, sob os auspícios de cada uma das municipalidades integrantes da Metro Toronto, com a participação voluntária de 36% dos eleitores inscritos, sendo que de 70% a 81% dos votantes se manifestaram contrários ao arranjo institucional proposto (Slack, 2000). As autoridades de Ontário optaram simplesmente por ignorar a opinião expressa nas urnas, o que não causa espécie, se se considerar que, conforme a legislação provincial que rege a matéria, os referendos não têm força de lei e servem apenas para aferir o estado de espírito da opinião pública. Nada foi capaz de dissuadir o Governo Provincial de prosseguir em seu intento, o que resultou na imposição de uma nova estrutura governamental a uma população que obviamente não a desejava. A rejeição mais forte procedeu das municipalidades atingidas, dos partidos de oposição, das organizações de defesa dos interesses dos cidadãos e, inclusive, de membros do próprio partido ao qual pertencia o Premier de Ontário. Formou-se, então, uma ativa frente de oposição, liderada por um ex-prefeito de Toronto. Os principais argumentos dos oposicionistas estavam centrados nos riscos de perda da identidade local e nas previsíveis dificuldades de acesso a um governo centralizado nos moldes propostos. Havia ainda a questão de que os residentes das demais municipalidades temiam o aumento das despesas com que teriam de arcar, via aumento da carga tributária, de forma a seguirem desfrutando dos serviços que atendiam suas necessidades sociais, de transporte, etc. e que, até o momento, eram subsidiados pelo Governo da Província ou eram internalizados pela Cidade de Toronto.41 2.7.3 Vantagens e custos adicionais associados à fusão As grandes cidades têm, reconhecidamente, algumas vantagens, quando se trata de implementar serviços que exigem a realização de pesados investimentos, mas que se beneficiam de ganhos de escala. Ou seja, em função do maior tamanho da população a servir, são mais favoráveis as condições de repartir os gastos de capital fixo incorridos e de trabalhar, assim, com custos unitários de produção mais baixos. Há, todavia, outros tipos de serviços que, ao contrário, estão associados a uma curva ascendente de custos unitários, à medida que cresce a escala produtiva, o exemplo mais notório sendo o dos processos que incorporam intensamente o fator trabalho. Nessas 41 “A oposição ao projeto de lei [...] foi imediata. Os gritos de indignação — especialmente notáveis em se tratando de uma cidade que se leva tão a sério — procederam tanto dos ricos como dos pobres e tanto da esquerda como da direita. Os protestos podiam ser ouvidos em qualquer uma das 20 ou mais reuniões de discussão que foram mantidas semanalmente, ao longo de três meses, ou podiam ser vistos na miríade de cartazes ostentando o ‘vote não à megacidade’ que estiveram expostos nas fachadas das residências e dos negócios.” (The Canadian Encyclopedia, 2006). 68 condições, coexistem estruturas de produção caracterizadas por custos unitários decrescentes com outras marcadas por custos unitários crescentes, sendo que a primeira dessas situações afeta apenas uma parcela relativamente restrita — e bem específica — dos serviços urbanos. É por razões como essas que a literatura, nesse campo, não costuma se referir à fusão de municipalidades como um processo redutor de custos, sinalizando, ao contrário, para o seu papel na elevação dos mesmos (Schwartz, 2003, p. 1). É claro que há outros motivos capazes de servir de fundamento às fusões, mesmo quando suas vantagens não podem ser percebidas no nível dos custos. Esse seria o caso ao serem criadas condições mais favoráveis para coordenar e financiar a execução de serviços que, por princípio, não têm seu usufruto circunscrito aos limites municipais. Assim, por exemplo, os moradores de uma jurisdição que trabalham em outra e ali fazem uso de seus serviços estão, muito provavelmente, se apropiando de benefícios pelos quais não respondem do ponto de vista financeiro, já que não pagam, via de regra, muitos dos tributos locais. Em uma situação dessas, a ampliação das fronteiras resultante de uma fusão teria também repercussões favoráveis nesse sentido, ao propiciar uma repartição mais justa dos encargos associados à prestação dos serviços. Outra circunstância positiva estaria associada às melhores condições potencialmente criadas para promover a integração entre os sistema de transportes e o planejamento do uso do solo, o que sempre é algo complicado de ser viabilizado quando há o envolvimento de diversas jurisdições autônomas. Ainda outro argumento usualmente lembrado, ao se abordar a questão das fusões, remete às vantagens, para o novo governo constituído, de poder trabalhar com uma base tributária ampliada. No caso de Toronto, a diminuição de custos que deveria se seguir à fusão de municipalidades da região era, conforme já referido, o principal motivo alegado para a formação da nova cidade. O argumento constituía uma falácia, e, passados os primeiros tempos da reforma, ficou claramente evidenciado que os mesmos não só não iriam cair, como haveriam mesmo de aumentar, apenas para manter os níveis de serviços preexistentes à reforma. Na prática, portanto, foi efetivamente muito elevado o preço pago, ao ser promovida a fusão dos vários governos envolvidos. Deve ser também levado em conta que a maior parte dos serviços em que haveria possibilidade de benefícios de ganhos de escala já havia sido repassada ao nível superior de governo, representado pela Metro Toronto. De fato, tais serviços — que foram considerados nos cálculos realizados para avaliar as economias advindas da fusão — já se encontravam precedentemente consolidados sob a égide do Governo Metropolitano e eram de sua única responsabilidade. Dito de outra forma, o argumento econômico com que pretendiam justificar a reestruturação efetuada perdeu grande parte de sua força, ao considerar-se que muitos dos alegados benefícios associados à minimização de custos já haviam sido internalizados no momento da fusão. Deve ser observado, assim, que os programas e serviços efetivamente afetados pela fusão representavam apenas 27% dos US$ 5,5 bilhões do orçamento operacional bruto da nova cidade ao início de 1998 e estavam associa- 69 dos, dentre outros, aos serviços de parques, às atividades recreativas e aos bombeiros. O restante do orçamento considerado para efeitos de cálculo estava principalmente relacionado a questões próprias ao transporte público, à polícia e aos serviços sociais, áreas que foram pouco afetadas, de forma direta, pela reforma (Roda McInnis Contractor, 2000). Segundo os termos dos comunicados oficiais divulgados pelo Governo de Ontário, a redução de custos da administração pública que deveria se seguir à instauração de um único governo regional geraria economias da ordem de US$ 270 milhões ao ano, uma vez encerrada a fase de transição que ajustaria a nova estrutura. Desse total, pouco mais de 30% resultariam da substituição dos sete governos por um único, e o restante procederia da aplicação de “modernas técnicas de gestão” não especificadas (Robinson; Schwartz, 1998, p. 4-5). Isso tudo seria tornado possível, portanto, pelas mudanças introduzidas na gestão governamental e pelo enxugamento dos vários quadros de funcionários. Seria realizado, com efeito, o corte de um grande número de departamentos governamentais, com a concomitante redução da mão-de-obra envolvida e a alienação dos espaços de escritório ocupados pelas administrações públicas desativadas, devendo ainda ser considerada a consolidação dos vários sistemas de informação anteriormente em uso. Não foi feita, na ocasião, nenhuma menção às novas necessidades que, inevitavelmente, haveriam de se colocar por conta dos investimentos de capital, parecendo valer o pressuposto de que todo custo adicional advindo da fusão já estaria contemplado no orçamento estabelecido. Na prática, a redução de custos efetivamente alcançada foi da ordem de US$ 280 a US$ 300 milhões no acumulado de 1998 a 2000. Por outro lado, também no acumulado até este último ano, a cidade incorreu em custos de transição da ordem de US$ 250 milhões com as atividades de integração e consolidação de serviços anteriormente espalhados pelos municípios (Schwartz, [s.d.], p. 3-4). Os custos de transição, como se sabe, caracterizamse por não ter continuidade, sendo realizados uma só vez. Nesse caso, dentre outras coisas, envolveram a padronização dos sistemas de informática, a aquisição de novos uniformes para os bombeiros e outros agentes públicos e a troca das placas informativas e de sinalização. Estavam igualmente aí inclusas as despesas trabalhistas incorridas com a demissão de funcionários. Nessa conta, é preciso ainda acrescentar a concessão de um auxílio, pelo Governo de Ontário e a fundo perdido, de US$ 45 milhões e de um empréstimo de cerca de US$ 180 milhões à nova Cidade (Schwartz, 2003, p. 4; Roda McInnis Contractor, 2000). Os relatórios oficiais sobre a redução de custos apresentados pela administração da Cidade indicam ter sido alcançados os objetivos definidos nesse domínio. Todavia, em nenhuma das análises realizadas, aparecem referências ao importante problema da equalização dos salários praticados nas distintas administrações municipais (The Office of Legislative Services, 2006, p. 10). Ora, as despesas com pessoal constituem um elemento primordial no conjunto de gastos das municipalidades. Para efetivar as economias pretendidas, foi preciso realizar cortes pro- 70 fundos nessa área, com a supressão de postos por motivos de vacâncias declaradas, aposentadorias, saídas voluntárias e programadas. Apenas no quesito dos cargos executivos extintos nas administrações municipais, foram afetadas 60% das vagas existentes. No total, 2.700 postos de trabalho foram eliminados entre 1998 e 2002. No mesmo período, a cidade foi forçada a contratar outras 3.600 pessoas para garantir a prestação dos serviços na região objeto da fusão, resultando daí um saldo líquido de 900 empregos adicionais. É o que explica o fato de a conta de salários ter aumentado, e não diminuído, uma vez instalada a nova administração (Schwartz, 2003, p. 4). Na verdade, houve enormes dificuldades para a consolidação das distintas burocracias atuantes nas seis municipalidades, cada uma delas marcada por peculiaridades. Todas contavam com um quadro próprio de pessoal, com um plano específico de salários e de benefícios, o que se traduzia no pagamento de valores diferenciados para a realização de tarefas assemelhadas. Na hora de proceder à indispensável equalização dos salários recebidos pelos vários quadros funcionais, a medida precisou ser efetivada nos níveis mais elevados prevalecentes nas municipalidades, anulando, dessa forma, quaisquer economias pretendidas com base no corte de funcionários.42 Já no âmbito dos serviços prestados, por sua vez, a equiparação não pôde se efetivar em seu patamar mais alto, como seria o desejável, por conta do quadro de restrições orçamentárias com que se viu confrontada a administração da nova cidade. Em vez disso, a harmonização possível levou a que o padrão de alguns serviços fosse melhorado em algumas regiões e piorado em outras. As tarifas também não puderam ser igualadas por cima, tendo prevalecido os valores médios em relação aos que estavam em vigor na fase anterior à fusão (Schwartz, 2003, p. 5).43 42 43 “O maior custo em uma fusão procede da equalização dos salários. Assim, por exemplo, tínhamos seis corpos de bombeiros em Toronto, bem como seis chefes de bombeiros. Na presente situação, há bombeiros que trabalhavam anteriormente em uma das seis diferentes municipalidades e que — sendo agora funcionários da mesma municipalidade — executam serviços idênticos e querem receber salários iguais. E é natural que não queiram perceber o valor mais baixo pago antes da fusão. Desejam, ao contrário, equiparar-se ao nível da municipalidade que melhor remunerava. Isso faz com que a harmonização dos níveis salariais se dê no patamar mais elevado.” (The Office of Legislative Services, 2006, p. 10). “A equalização dos serviços municipais, em especial daqueles com maior impacto no quesito dos custos — tais como os de coleta de lixo, remoção da neve e atividades recreativas — foi iniciada no segundo ano após a fusão. Não foi uma tarefa simples, tendo em conta o contexto orçamentário restritivo e a necessidade de proceder a ajustes envolvendo a melhoria dos serviços em uma dada região e a redução dos mesmos em outra ou, ainda, a elevação das tarifas em uma terceira. Havia uma pressão constante no sentido de deslocar os serviços para o seu nível mais alto, o que levou a um aumento generalizado dos custos.” (Roda McInnis Contractor, 2000). “Um aspecto positivo resultante da fusão está ligado ao fato de a mesma ter possibilitado a algumas municipalidades da Toronto Metropolitana — e especialmente à Cidade de York — oferecer um padrão melhor de serviços a seus residentes do que seria possível se contasse apenas com seus próprios recursos. Isso decorre da equalização dos níveis dos serviços em toda a região, os quais tenderam a melhorar em algumas municipalidades e a piorar em outras [...] O aspecto negativo dessa equalização está em que algumas comunidades se viram forçadas a pagar por serviços que não desejavam. Por outro lado, foi-lhes negado o acesso a serviços que poderiam ter e pelos quais estariam dispostos a pagar, caso tivessem controle sobre seus próprios orçamentos.” (Schwartz, 2003, p. 17). 71 Durante uma fusão, é comum ocorrer que os níveis dos serviços sejam equalizados com base na municipalidade de melhor padrão. Dessa forma, por exemplo, se uma delas recolhe o lixo uma vez por semana e uma outra o faz duas vezes, então todo mundo quer que a coleta seja efetuada duas vezes por semana, o que acaba sendo muito oneroso. No caso de Toronto, isso até que não ocorreu assim, já que não havia recursos financeiros suficientes para bancar tal proposta. A equalização dos serviços resultou, certamente, em um aumento dos gastos, mas em menor medida do que poderia ser esperado no contexto típico de uma fusão. (The Office of Legislative Services, 2006, p. 9). 2.7.4 Transferência de atividades e de encargos quando da fusão Ao mesmo tempo em que procedeu à fusão de municipalidades, o Governo de Ontário estabeleceu um programa de transferência de atividades e de encargos que, até então, vinha assumindo. Ou seja, aproveitando o ensejo da reforma, fez um download de custos para os governos locais. A intenção de promover um rearranjo desse gênero já havia sido anunciada em janeiro de 1997, no contexto do chamado Programa de Realinhamento dos Serviços Locais. A medida respondia a promessas de campanha do Partido Conservador, que se comprometera a reduzir a incidência do Imposto de Renda arrecadado pelo Governo Provincial e de rediscutir a distribuição das responsabilidades entre a Província e as municipalidades no tocante à prestação de serviços. Essa passagem de encargos ao nível inferior de governo reverteu uma tendência histórica até ali predominante, que era a de a administração provincial bancar o financiamento de uma série de atividades realizadas no âmbito local. Na ocasião, os argumentos oficiais enfatizavam a circunstância de que a reforma seria neutra do ponto de vista das receitas municipais, já que a Província se propunha a assumir, como contrapartida, os gastos com educação, até então de responsabilidade local. Com o repasse de muitos dos serviços e em decorrência das despesas para os governos municipais, a Província esperava cortar fundo seus próprios gastos, criando, assim, condições para enfrentar a esperada redução de receitas que se seguiria à baixa da arrecadação do Imposto de Renda. E foi efetivamente isso que, em grande medida, ocorreu no âmbito do Governo Provincial, passando este a conviver, inclusive, com superávits orçamentários.44 44 “Tendo em conta o período de prosperidade econômica vivido pelo Governo de Ontário, torna-se difícil justificar a crise fiscal em que Toronto se encontra mergulhada. É como se a Província estivesse mais interessada em aumentar suas próprias receitas e superávits do que em auxiliar a Cidade na prestação dos serviços indispensáveis e na manutenção de sua infra-estrutura. Toronto está, obviamente, sufocada pela mão pesada do Governo de Ontário.” (Teschner, [s.d.], p. 5). 72 Algo semelhante deveria acontecer na esfera dos governos locais, que seriam beneficiados por uma esperada redução de custos interveniente no período pós-fusão. Com isso e conforme declarações das autoridades provinciais da época, havia expectativas de que, em um período de três anos, seria possível reduzir, de forma generalizada, os recursos financeiros recolhidos a título do Imposto Sobre a Propriedade. Ora, na prática, não foi isso que aconteceu. Deve ter-se presente que, desde 1969, o estabelecimento do valor dos imóveis para fins de cobrança do Imposto Sobre a Propriedade deixara de ser uma prerrogativa das municipalidades, passando a ser da alçada das autoridades de Ontário. Em 1997 e coincidindo com a reforma institucional promovida, foi editada uma lei revisando essa sistemática, de forma que o valor efetivo de mercado dos imóveis passou a ser a referência para a cobrança do tributo. Dessa reavaliação, resultou uma elevação abrupta e muito expressiva dos valores a pagar, que chegaram mesmo a dobrar no caso de alguns contribuintes de baixa renda e dos aposentados. Seguiram-se generalizados protestos e uma ativa oposição por parte dos residentes em geral, pelo que a lei sofreu modificações, e tudo seguiu mais ou menos como era anteriormente (Robinson; Schwartz, 1998, p. 7). A mesma revisão para maior deu-se no caso do imposto sobre as propriedades comerciais e industriais, o qual também aumentou de forma substancial na ocasião e teve um grande impacto, especialmente sobre as pequenas empresas.45 Face à intensidade da reação suscitada, o Governo Provincial comprometeu-se a fixar limites estritos para os aumentos futuros de impostos.46 Ora, com a transferência de encargos sendo decidida de forma unilateral pela Província, Toronto viu-se confrontada com o desafio de precisar assumir uma gama adicional e variada de serviços, inclusive na área dos transportes e da construção de moradias de cunho social. Mais precisamente, o Governo de Ontário continuou tendo a prerrogativa de fixar os padrões a serem seguidos na realização dessas atividades,47 cabendo à municipalidade a tarefa de executá-los e de assumir os respectivos custos. Nesse esquema, teve pouca importância o fato de a Cidade dispor, ou não, dos fundos para tanto indispensáveis, criando-se uma situação que levaria forçosamente ao comprometimento de seu orçamento e à progressiva deterioração, em maior ou menor grau, da infra-estrutura local e dos padrões dos serviços oferecidos. 45 46 47 “Quase a metade das firmas comerciais de Toronto descobriu que seus impostos se elevariam em 100% ou mais. Não é assim surpreendente que os protestos tenham sido enérgicos e persistentes.” (Robinson; Schwartz, 1998, p. 8). “Além disso, na medida em que Toronto já ocupa o segundo lugar entre as grandes cidades da América do Norte no relativo ao Imposto Sobre a Propriedade incidindo sobre o setor de negócios, não existe grande margem de manobra para elevar as respectivas alíquotas, sob pena de afugentar os investidores.” (The Toronto Board of Trade, 2002, p. 5). “Levando em conta o fato de que os programas executados pelas municipalidades estão sujeitos aos padrões definidos pelo Governo de Ontário, constata-se que, no caso de Toronto, a Cidade não teria um controle efetivo sobre cerca de 40% de seu orçamento operacional. “ (Teschner, [s.d.], p. 5). 73 Suas fontes de arrecadação e de financiamento, por outro lado, continuaram praticamente as mesmas. Na verdade, em Toronto, tal como ocorre no restante do Canadá, os recursos financeiros com que os governos locais podem contar mantêm uma grande dependência em relação à cobrança do Imposto Sobre a Propriedade que incide sobre os imóveis residenciais, de comércio e industriais. Ainda que constituindo uma fonte estável de receitas, sua evolução não acompanha o crescimento da economia, visto que está associada a uma base de tributação inelástica e não é capaz, assim, de garantir um fluxo consistente de recursos. No caso de Toronto, esse tipo de aporte financeiro representa cerca de 40% das receitas locais,48 outros 20% correspondem à cobrança de taxas e tarifas diversas, e ainda outros 22%, a transferências de várias ordens originárias dos Governos Provincial (principalmente) e Federal (The Office of Legislative Services, 2006, p. 3). Deve também ser observado que as transferências sofreram igualmente uma forte diminuição. Assim, por exemplo, foram reduzidos os recursos que a Província alocava na construção de moradias populares, ao mesmo tempo em que se procedeu à transferência, para a esfera local, da responsabilidade pela execução da tarefa. Toronto, que não dispunha dos fundos para tanto necessários, viu-se impossibilitada de investir na expansão do estoque de habitações de caráter social, pelo que houve uma elevação do valor dos aluguéis49, e muitos necessitados viraram “sem-teto” (Schuler, 2002). No conjunto, os novos encargos repassados à Cidade contribuíram para a eclosão de uma grave crise, até hoje não resolvida e que ameaça tornar insustentável sua posição financeira de médio e longo prazos, a menos, naturalmente, que recursos de outra natureza lhe sejam aportados. Os problemas financeiros da Cidade estão diretamente relacionados ao processo das fusões e à transferência de responsabilidades que se seguiu. O fato de as despesas constantes no seu orçamento operacional terem excedido, nos orçamentos de 1998, 1999, 2000, 2001 e 2002 e no programado para 2003, as receitas obtidas com o Imposto Sobre a Propriedade e com as tarifas cobradas dos usuários evidencia claramente que a Cidade não é autosuficiente do ponto de vista das suas finanças. (Schwartz, 2003, p. 10). Ao mesmo tempo, está muito difundida a idéia de que a contribuição de Toronto aos governos de nível superior — e ao Canadá como um todo —, supera em muito o montante dos recursos que lhe são transferidos. Assim, por exemplo, estima-se que, no ano 2000, o Governo Federal tenha arrecada48 49 “As cidades canadenses têm praticamente a metade de suas receitas associadas à arrecadação do Imposto Sobre a Propriedade, sendo de 15% a mesma participação nos Estados Unidos e de cerca de 5% na Europa.” (Broadbent, 2005, p. 7). “Os aluguéis vêm subindo muito acima da inflação. O preço de um apartamento de um quarto em Toronto aumentou mais de 600% desde 1997.” (The Toronto Board of Trade, 2002, p. 12). 74 do em torno de US$ 7 bilhões a mais do que ali investiu, sendo de US$ 1,3 bilhão a quantia equivalente para o Governo da Província (The Toronto Board of Trade, 2002, p. 4). Por outro lado, a Província controla a sua capacidade de endividamento, zelando para que sejam tomados empréstimos apenas para atender a despesas de capital e não para cobrir déficits operacionais. Mais precisamente, é o Ontario Municipal Act que impede as municipalidades de buscarem financiamentos no mercado de capitais para fazer face a seus déficits operacionais correntes.50 Mesmo nessas condições, os empréstimos já contraídos formam um montante muito expressivo, tendo alcançado US$ 1,25 bilhão em 2001 e crescido 20% desde 1998, com o pagamento dos respectivos juros começando a pesar nas finanças municipais (The Toronto Board of Trade, 2002, p. 15). Nesse contexto, não é surpreendente o consenso hoje estabelecido quanto à necessidade de Toronto diversificar, com urgência, suas fontes de financiamento, de ter melhor controle sobre suas próprias receitas e de reverter sua dependência em relação às transferências originárias das outras esferas de governo. Na verdade, não parece haver outra alternativa, bastando considerar a atual rigidez de estrutura de gastos e a certeza de sua expansão futura. A Cidade constitui um dos principais centros econômicos do Canadá e, para ser bem-sucedida no contexto do modelo de crescimento adotado, precisa mostrar-se altamente competitiva, para seguir atraindo investimentos produtivos e mão-de-obra especializada. Nesse sentido, depende da eficiência de sua infra-estrutura física de apoio e de seus sistemas de comunicação e de transporte, bem como de toda uma gama de serviços capazes de garantir uma boa qualidade de vida a seus residentes. Além disso, como constitui também um pólo privilegiado de atração de mão-de-obra — tanto estrangeira, como nacional —, coloca-se uma cobrança permanente no sentido de que precisa oferecer soluções de curto prazo para os problemas de integração social das famílias e de sua acomodação no território. 2.7.5 Um novo plano para a Cidade de Toronto Um novo plano oficial para Toronto foi aprovado ao final de 2002, sendo seus objetivos os de esboçar um cenário para a cidade do futuro, identificar áreas privilegiadas de desenvolvimento e definir prioridades para os programas 50 “O Governo da Província cria os governos locais e estabelece suas fronteiras geográficas. Determina quais as despesas que ficam a cargo dos mesmos e fixa os padrões a serem mantidos no fornecimento de grande parte dos serviços, sendo que o Imposto sobre a Propriedade e as taxas sobre serviços formam, basicamente, as receitas possíveis. Ao mesmo tempo, obriga as municipalidades a manterem em equilíbrio seus orçamentos operacionais. Em outras palavras, não lhes permite contrair empréstimos para cobrir seus gastos operacionais. Somente podem fazê-lo para atender a despesas de capital e, ainda assim, a legislação da Província coloca limites quanto aos montantes levantados à guisa de empréstimo.” (The Office of Legislative Services, 2006, p. 3-4). 75 de investimento previstos.51 O mesmo foi amplamente discutido e chegou a ser considerado por alguns como um documento progressista, capaz de sinalizar os caminhos para conter a expansão suburbana e promover a melhoria da qualidade de vida de seus moradores. A visão de cidade ali idealizada reflete, todavia, as propostas de trabalho de muitos planejadores urbanos, arquitetos e empreendedores, que viveram o início de suas carreiras durante as reformas dos anos 70 e que, desde então, se tornaram expoentes em suas áreas. Nesse sentido, os ideais de planejamento que dão substância ao documento têm suas raízes na indústria da construção e nos valores que marcam o moderno e refinado urbanismo característico da área central da cidade. Uma das facetas mais notórias desse tipo de orientação urbanística é visível nas estratégias de revitalização praticadas em alguns dos bairros mais pobres dessa área e que se tornaram a fronteira mais recente da gentrificação (Kipfer, 2000, p. 28-34). O plano para a Cidade de Toronto procura determinar as condições necessárias para que um novo contingente de 500.000 a 1.000.000 pessoas se junte à população local nos próximos 20 a 30 anos. Como o território já se encontra amplamente ocupado, resta a alternativa de investir pesado na densificação e revitalização do ambiente urbano. Com isso, seria possível sustar o contínuo comprometimento de terras agricultáveis, que ocorre na fronteira da ocupação metropolitana. Seria igualmente factível fazer um uso mais eficiente da infraestrutura urbana já instalada, reduzindo, assim, os investimentos necessários para replicá-la em outras áreas, bem como oferecer serviços de melhor qualidade no entorno dos locais onde as pessoas residem e trabalham, propiciando uma melhoria da qualidade geral de vida (Young, 2005, p. 10). O documento faz a identificação das áreas consideradas apropriadas à implantação de grandes projetos de desenvolvimento urbano, mais especificamente, dos locais que poderiam acolher de 200.000 a 400.000 novas moradias. Haveria, no entanto, necessidade de promover alterações nos atuais padrões de regulação, de modo a facilitar a vinda dos capitais necessários. O que está aqui em jogo, afinal de contas, é a flexibilização — ou o afrouxamento — das regulamentações em vigor como um atrativo para garantir a instalação de megaprojetos, de forma a dar sustentação ao processo de densificação em larga escala e, por tabela, projetar a imagem dessa cidade global idealizada.52 51 52 “Havia o desejo de fortalecer a posição de Toronto no que é visto como uma competição global entre cidades pelo sucesso econômico. O sentimento era o de que um novo plano oficial poderia contribuir para criar um ambiente de regulação capaz de tornar Toronto, no contexto de uma cidade global, uma praça atrativa para os investidores e um local adequado para se viver.” (Young, 2005, p. 10). “Outras orientações do plano de Toronto pretendem tornar mais simples e flexível o processo de planejamento. Um elemento-chave dessa estratégia passa pela substituição das medidas relativamente rígidas que regulamentam as edificações por uma abordagem mais flexível e por um outro entendimento do que seria o ‘bom planejamento’. Densidade e altura são trocadas, enquanto critérios de edificação, por considerações de ordem estética. O plano sustenta que uma boa construção é aquela que ‘é bonita’ e que ‘combina bem’ com os arredores. De fato, os avanços foram tamanhos nesse domínio que muitos chegam a celebrar os edifícios extremamente altos como um sinal de sofisticação urbana, o que representa uma mudança substancial em relação ao discurso de 20 ou 30 anos atrás, que favorecia as construções de menor altura.” (Young, 2005, p. 11). 76 A idéia central que anima o novo planejamento metropolitano é empresarial. Decorre daí que o discurso dos anos 70 é retomado como um gesto de retórica. Na verdade, o centro da nova linguagem de planejamento está posto na renovação e no reinvestimento, revelando a extrema significância da competitividade e do espírito empresarial que impregnam os discursos atuais. A visão que os planejadores urbanos reformistas têm do novo planejamento é a de que este leva a uma mudança do paradigma marcado pelas práticas centradas nos bairros [...] Com isso, seriam facilitadas as mudanças em larga escala a serem processadas em sítios bem determinados, a exemplo da zona do cais[53], das áreas das antigas vias férreas e dos grandes armazéns, da antiga base militar e de alguns terrenos baldios [...] As questões de ordem social e ecológica são dissociadas, dessa forma, do processo de expansão imobiliária que tomou conta da Cidade a partir da metade dos anos 90. (Kipfer, 2000, p. 33). 2.8 A Área da Grande Toronto A GTA não constitui uma esfera de governo regional, aplicando-se a designação tão-somente a um vasto território que ocupa a porção meridional da Província de Ontário e que funciona como uma só região em termos econômicos e sociais. Estende-se por uma superfície de 7.111km2 e acolhe uma população superior a 5,5 milhões de habitantes. Dá origem ao quinto maior aglomerado urbano da América do Norte, seguindo-se às cidades do México, Nova Iorque, Los Angeles e Chicago. Coexistem ali a municipalidade de Toronto — que forma um governo com um nível — e quatro municipalidades regionais — que formam governos com dois níveis e que, em conjunto, reúnem outras 24 municipalidades. Essas municipalidades regionais não foram afetadas quando da criação da megacidade de Toronto e têm autonomia para definirem suas próprias estratégias de desenvolvimento. Não existe, também, nenhuma forma de atuação integrada por parte das instâncias locais no tocante à realização de obras de infra-estrutura ou à prestação de serviços no âmbito da GTA. 53 “Em novembro de 1999, Toronto [...] anunciou o que se poderia tornar um projeto multimilionário para a zona do cais. O projeto propõe que as áreas públicas sejam usadas para a implantação de parques e de praias e que os empreendedores tenham a permissão de construir aquários, espaços para festivais ou complexos de condomínios [...] Esse espetacular projeto de planejamento marca a reaproximação entre as políticas neoconservadoras do Governo da Província, já prevalecentes nos subúrbios externos, e a emergente visão de planejamento neoliberal aplicada na área central da nova Cidade de Toronto.“ (Kipfer, 2000, p. 34). 77 Mapa 4 A Área da Grande Toronto FONTE: Disponível em:<http://www.greatertoronto.org>. Acesso em: 28 ago. 2007. 2.8.1 O planejamento regional na GTA Um dos principais problemas existentes na Área da Grande Toronto relaciona-se, efetivamente, à ausência de planejamento e de coordenação no tocante aos serviços prestados na região. Esse é um tópico especialmente crítico, porquanto remete à ausência de uma instância de intervenção capaz de atuar regionalmente, o único exemplo nesse sentido sendo o da mal-sucedida experiência da Greater Toronto Service Board (GTSB). Com efeito, em janeiro de 1999 e coincidindo, portanto, com a implantação da megacidade de Toronto, foi criada a GTSB, sempre por iniciativa do Governo Provincial. Deveria ser uma agência destinada a operar os sistemas de trens de subúrbio e de ônibus da GO Transit e realizar a coordenação das atividades no campo do planejamento, do transporte público, da água e do esgoto que estão a cargo de cada um dos cinco governos regionais que operam na GTA. A idéia era conceder-lhe um conjunto de atribuições limitadas, 78 mas suficientes para que pudesse intervir no processo de tomada de decisões em escala metropolitana. Seria também de sua alçada a concepção de uma estratégia de crescimento aplicável a toda a aglomeração. Essa agência não formaria, todavia, outro nível de governo, não lhe sendo igualmente atribuída autoridade para arrecadar tributos. Foi ainda definido que sua administração ficaria a cargo de um conselho de representantes, com cada uma das municipalidades tendo direito a um assento. A GTSB não chegou a se consolidar, e, ao ser feita oficialmente a avaliação de suas competências ao início de 2001, ficaram evidenciados seus problemas de carência de real poder político. Na ocasião, foi tomada a decisão de fortalecer e ampliar seu papel, de forma tal que tivesse prerrogativas efetivas para se responsabilizar pela estratégia de crescimento da GTA. Foi igualmente definido que seria instalada uma outra agência, especificamente voltada ao problema dos transportes na aglomeração, a qual ficaria encarregada das complexas relações entre sistemas de transporte, congestionamento do sistema viário e papel estruturante do transporte público. Não obstante as aparentes boas intenções demonstradas, ao final do mesmo ano e em uma decisão surpreendente, o Governo de Ontário optou por extinguir sumariamente a GTSB (Strategic & Corporate Policy Division, 2004, p. 8-9). Desde então, a cooperação entre as municipalidades da região nas questões de interesse comum — a exemplo do suprimento de água, tratamento e destinação do lixo recolhido e de outros dejetos e integração dos sistemas de transporte público — vem sendo feita como sempre se fez, ou seja, de maneira informal e sem o referencial de um horizonte programado de médio e longo prazos. A inexistência de uma autoridade respondendo pelo planejamento regional não equivale a dizer que a região tenha ficado sem ser planejada durante esse período. Há toda uma complexa rede de legislações cobrindo as áreas da construção e da ocupação urbana em cada municipalidade. O crescimento é, na verdade, estritamente regulamentado, com base em diretivas de zoneamento, plantas de localização, planos municipais e planos estratégicos oficiais. Nesse sentido, Toronto é cuidadosamente planejada. O ponto que permanece a descoberto é o da ausência de qualquer plano ou cenário com abrangência regional. (Bourne, 2005, p. 133). O fato é que continuam se fazendo sentir fortes pressões em favor do aparelhamento de um sistema de planejamento que leve em conta o fator regional na GTA, sendo que o próprio Governo da Província não se mostra infenso à adoção de medidas com um tal caráter. No entanto, ainda que a promoção do “diálogo intermunicipal” possa fazer parte da agenda de trabalho governamental e tenha mesmo se materializado no intento frustrado de instituição da GTSB, suas preocupações nessa área não evoluíram a ponto de 79 assimilar a idéia de um governo metropolitano forte. Essa é uma atitude até certo ponto compreensível, bastando considerar-se que a instauração de uma instância política regional dessa natureza, legítima representante de toda GTA, seria capaz de fazer sombra ao próprio poder da Administração Provincial (Rothblatt, 1998). Enquanto não toma forma a idéia de um arranjo institucional de caráter metropolitano permanente no âmbito da GTA, o Governo de Ontário vem procurando atuar de forma mais pontual, assimilando as inquietações despertadas pela ocupação suburbana e procurando formas de contê-la, ao mesmo tempo em que busca reforçar a densidade de ocupação nas áreas já urbanizadas. Pelo menos, declaradamente, esse era o espírito que animava as reformas de 2005, as quais envolviam um pacote bastante amplo de medidas, relativas a leis de regulação do uso do solo e de investimentos em infra-estrutura. Estava também ali contemplado o estabelecimento de um cinturão verde, com 325km de extensão, previsto para servir como um muro de contenção à urbanização periférica. A efetividade de tal medida tem sido posta em dúvida, porquanto os limites desse cinturão não são muito rígidos, permanecendo em aberto a possibilidade de serem ocupadas terras marcadas para preservação, contanto que uma área similar em tamanho seja destinada em outro local. Além disso, o aludido cinturão está posicionado muito além das fronteiras que hoje definem o território da Grande Toronto, com o que permaneceriam ainda 170.000ha disponíveis para uma possível apropriação urbana, o que formaria um estoque de terras suficiente para 20 a 30 anos de ocupação (Lorinc, 2005). Há também a intenção manifesta de investir nos sistemas de transporte público, com as propostas passando pela formação de novas redes de Veículos Leves sobre Trilhos - VLT (Light Rail Veichiles - LRV), pela instauração de faixas de circulação nas rodovias reservadas para veículos privados rodando com mais de um ocupante, bem como pela ampliação dos recursos aplicados nos sistemas administrados pela GO Transit. Tudo isso faz parte de uma estratégia de antiurbanização da periferia — delineada pelo Partido Liberal, que ganhou o controle do poder na Província —, a qual ficou conhecida pelo nome de Places to Growth Act. O principal objetivo ali declarado é o de preservar as terras agrícolas e de melhorar a qualidade do ar na região. Como, simultaneamente, existe a intenção de o Governo Provincial construir duas novas auto-estradas cruzando esse território — o que lhe daria melhor acessibilidade, valorizaria suas terras e facilitaria sobremaneira a vida de empreendedores e especuladores —, fica a dúvida a respeito dos reais desígnios perseguidos. Deve ser ainda observado que a efetivação dessas propostas implica fazer com que o Governo Provincial assuma o papel de quase governo regional em uma vasta área, bem maior do que a da GTA, que é conhecida como o Greater Golden Horseshoe. Nesse caso, haveria uma nítida transferência do que seriam as competências de planejamento da esfera local para a provincial (Lorinc, 2005). 80 Há ainda muitas incertezas acerca das projeções de crescimento para a região e uma grande resistência política oposta pelos governos locais e por grupos privados em relação a essa forma de planejamento (centralizado) vinda de “cima para baixo”. Mais ainda [...] o Governo não conta com os meios financeiros indispensáveis para realizar os investimentos de infra-estrutura capazes de conduzir o desenvolvimento urbano nos rumos desejados. O que deve ocorrer é que, no lugar de um grande plano, surjam políticas e planos isolados — um exemplo sendo o da legislação que cria o cinturão verde —, a serem introduzidos de forma gradual e no decurso de um longo período. (Bourne, 2005, p. 136). 2.8.2 A situação dos transportes na GTA O problema dos congestionamentos é bastante grave em Toronto, com o grande número de viagens pendulares realizadas contribuindo de forma decisiva para a situação de baixa fluidez que marca os fluxos de tráfego nas vias principais da região, isso para não se falar da sensível deterioração imposta às suas condições ambientais. Há estimativas indicando que 70% da rede de vias expressas se mostram congestionadas nas horas de pico. A situação já é bastante crítica e estaria afetando a competitividade econômica da GTA de tal forma que, apenas para o setor dos negócios e por conta das más condições de circulação nas vias públicas, são contabilizadas perdas acumuladas anuais da ordem de US$ 1,8 bilhão (Levy, 2005, p. 4 e 17). A preferência pelo uso do transporte privado encontra-se na gênese dessa problemática, bastando dizer que cerca de 70% das viagens diárias realizadas na região, por motivo de ida e volta do trabalho, estão associadas ao uso do automóvel. Tendo em conta o dinamismo que tem caracterizado localmente a evolução da população e do emprego e o exacerbado movimento de ocupação das zonas mais externas da área metropolitana, as expectativas são de que a dependência em relação à utilização do veículo individual siga aumentando.54 Essa é uma tendência que se fortaleceu em tempos mais recentes e que coloca em xeque os esforços feitos no sentido de preservar o transporte público e seu papel relevante no cenário metropolitano e de impor algum tipo de controle à presença desmesurada do automóvel. No total, são 17 os sistemas de transporte público que operam na Área da Grande Toronto, sendo um deles constituído pela GO Transit, dois outros são de responsabilidade de governos de primeiro nível, e os 14 restantes, da alçada dos governos locais das municipalidades. O maior desses sistemas é 54 Até o ano 2021, as projeções apontam uma expansão na região da ordem de 65% no número de viagens em automóvel (Greater Toronto Area Travel Demand Management Program, [s.d.]). 81 o gerido pela Toronto Transit Commission (TTC), que presta seus serviços no perímetro da Cidade de Toronto (Tomalty; Bur, 2003). Deve ser observado que as administrações de Toronto sempre demonstraram um significativo nível de envolvimento com o transporte coletivo, a ponto de a cidade contar hoje com o segundo maior sistema de transporte público da América do Norte, após o de Nova Iorque. Com isso, foi possível manter uma participação bastante expressiva dos modos públicos no total das viagens realizadas, mesmo se considerados os padrões vigentes em outras cidades do Continente.55 Assim, é de 24% o peso relativo do transporte coletivo na área da Cidade de Toronto e de 15% no restante da GTA. No global, tem-se que 70% das viagens são realizadas em automóvel, 20% por transporte público e 10% por outros meios, basicamente o veículo de duas rodas ou o deslocamento a pé (Newman, [s.d.]). O comprometimento com o transporte público evidenciava-se já na decisão de implantar o sistema de metrô no início dos anos 50 e nos investimentos posteriores, que viabilizaram as obras de expansão das linhas de transporte de massa. Pode também ser identificado no evento que levou ao abandono do projeto de construção de uma via expressa, em favor da introdução de uma nova linha de metrô (a chamada linha Spandina). A própria Administração Provincial abraçou também a questão do transporte coletivo já nos primórdios da formação da área metropolitana, ao implantar os sistemas de trens de subúrbio e de ônibus regionais. A solução da Toronto Metropolitana funcionou bem durante quatro décadas, mas passou a sofrer cada vez maiores restrições à medida que o crescimento metropolitano se acelerou. A pressão populacional aumentou, as terras tornaram-se escassas, e os preços dispararam, colocando restrições a seu uso e tendo conseqüências para os aluguéis, o que forçou a adoção de padrões mais rígidos de zoneamento. Em conseqüência, elevaram-se os preços das moradias e dos imóveis comerciais. Por volta de 1980, tornaram-se mais efetivos os controles sobre a utilização do veículos automotores, mais especificamente de caminhões e de veículos utilitários, já como resposta ao agravamento dos níveis de congestionamento. A construção de rodovias pelo Governo da Província nas áreas externas à Toronto 55 “Toronto é menos dominada pelo automóvel, sendo, com certeza, um belo exemplo de desenvolvimento orientado para o transporte público. De 1960 a 1990, houve uma expansão de 127% no uso do transporte coletivo, na Toronto Metropolitana, chegando-se a um total anual de 350 viagens per capita, o que está dentro dos padrões europeus nesse domínio [...] Até mesmo na Grande Toronto, que abrange os subúrbios de baixa densidade, que têm grande dependência do veículo privado, o número de viagens per capita realizadas por transporte público é de 210, sendo esse o indicador mais expressivo encontrado na América do Norte e cerca de 35% maior do que o verificado na área metropolitana de Nova Iorque, o segundo melhor resultado.” (Newman, [s.d.]) 82 Metropolitana funcionou como uma válvula de escape, abrindo um estoque de terras de baixa densidade e pouco valorizadas para o uso urbano [...] Um terceiro estágio foi marcado pela fusão que criou a cidade de Toronto e pelo aumento da ocupação urbana na GTA. O virtual corte do programa provincial de construção de rodovias na região externa à Toronto Metropolitana contribuiu, por sua vez, para o agravamento das situações de congestionamento nesses espaços. (Robinson; Schwartz, 2000, p. 12). A não-consideração da região economicamente polarizada por Toronto representou, ao longo desse processo, um fator que sempre pesou de forma negativa no encaminhamento de soluções para os desafios colocados no campo dos transportes. Foi assim que, na época da Toronto Metropolitana, as questões de transporte no interior da região eram da alçada tanto do Governo Provincial como da instância regional. Já no restante do território da GTA, ou seja, em sua área mais externa, a atribuição revertia à Província e a cada um dos governos regionais envolvidos. Na atualidade, não há mais como escapar dessa realidade que remete a um só espaço econômico, a ser forçosamente assim considerado também sob a ótica dos fluxos de transporte. Outro elemento importante para compreender a presente situação do transporte público na GTA está associado aos problemas de escassez de investimentos, o que tem prejudicado o desempenho dos sistemas. Ocorre que, na fase anterior à reforma que fez surgir a nova Cidade de Toronto, os custos decorrentes eram bancados pelo Governo Provincial e pelas municipalidades, sendo que estas últimas encontravam os recursos necessários na cobrança de tarifas e em outras fontes. A Província, por seu turno, responsabilizava-se pelos investimentos de capital — os relativos tanto ao sistema de metrô como aos sistemas de transporte público de superfície —, bem como assumia os subsídios operacionais embutidos em vários programas associados. Após 1998, uma parte significativa dessas despesas foi transferida às municipalidades, inclusive — ainda que de forma não definitiva — no que se refere ao sistema operado pela GO Transit. Da mesma forma, passaram à esfera local os gastos de capital e as despesas operacionais associadas às rodovias regionais, o mesmo valendo, em grande medida, para os serviços das barcas e os aeroportos. Um parte dos encargos transferidos às municipalidades deveria ser financiado pela cobrança de tarifas, e uma outra ficaria por conta das receitas adicionais que seriam obtidas com o Imposto Sobre a Propriedade. Ocorre que tanto as tarifas foram mantidas em níveis muito baixos, muitas vezes nem chegando a cobrir os custos marginais incorridos, como os governos locais não tiveram condições de elevar o Imposto Sobre a Propriedade, conforme inicialmente pretendido. Não conseguindo resolver a equação do setor de transporte pelo lado das receitas, restou a alternativa de comprimir as despesas, o que explica a escassez de recursos com que o sistema passou a conviver nos últimos tempos e o decorrente comprometimento da qualidade dos serviços prestados à população (Robinson; Schwartz, 1999, p. 5 e 9). 83 2.8.3 Sistemas públicos de transporte na GTA 2.8.3.1 O sistema GO Transit A GO Transit é uma empresa criada pelo Governo de Ontário e que opera o sistema interregional de transporte de passageiros de ônibus e de trens na Área da Grande Toronto, servindo, inclusive, à vizinha cidade de Hamilton.56 Das viagens quotidianas realizadas sob seus auspícios, 84% são feitas por via ferroviária, e 16%, por via rodoviária (Wikipedia, 2006a). Representa, portanto, uma alternativa bastante eficiente ao automóvel nos deslocamentos de longa distância e por motivos de ida e volta do trabalho, com especial destaque para as vantagens oferecidas pelo sistema de trens de subúrbio. É a GO Transit que garante a ligação entre os subúrbios da área metropolitana e a sua região central, estando, assim, muito mais a serviço da própria Cidade de Toronto — que forma o destino final da maior parte dos passageiros transportados57 — do que da região em seu conjunto. Isso se reflete igualmente na composição de seu conselho de administração, em que os representantes de Toronto contam com a metade dos votos dos conselheiros (Robinson; Schwartz, 1999, p. 6). A GO Transit data de 1967, tendo surgido, portanto, em pleno período de existência da Metro Toronto. Foi financiada integralmente pelo Governo de Ontário até 1998, quando essa atribuição foi repassada às municipalidades que integram a GTA. Isso coincidiu com a criação da GTSB, momento em que a Administração Provincial cortou o apoio financeiro dado à GO Transit e passou a concentrar os recursos em um vasto programa de implantação de vias expressas. Depois de fechar a GTSB, a Província voltou a investir na GO Transit e colocou-a sob a administração da Greater Toronto Transit Authority (GTTA). 2.8.3.2 O sistema de metrô Os planos iniciais para a implantação de um sistema de transporte rápido de passageiros por via subterrânea em Toronto remontam a 1911. Não foram então levados avante tanto por causa da Primeira Guerra Mundial, como porque a Cidade ainda não alcançara um tamanho capaz de dar viabilidade econômica às operações de um transporte de massa desse tipo. A proposta do metrô de Toronto só haveria mesmo de começar a tomar forma em 1949 — com a Cidade tendo, à época, cerca de 700.000 habitantes —, quando foi aberto o primeiro canteiro de obras. Seria preciso, no entanto, esperar até 1964 para a inaugura56 57 “Os trens e ônibus da GO Transit atendem a uma população de seis milhões de pessoas, cobrindo uma área de 8.000km2, que se irradia do centro de Toronto até Hamilton [...] É responsável pela conexão com os sistemas de transporte público de cada municipalidade da GTA, inclusive com o da Toronto Transit Commission.” (Wikipedia, 2006a). “Pelo menos 96% das viagens em trem acabam na Union Station — que está localizada no centro de Toronto — ou dela partem, enquanto 70% das realizadas em ônibus se dirigem à Cidade ou dela saem.” (Wikipedia, 2006a). 84 ção da primeira linha, que tinha uma extensão de 7,4km (Levy, 2005, p. 55-57). Existindo há mais de 50 anos, o metrô de Toronto conta atualmente com 70km de linhas, é servido por 72 estações e transporta mais de um milhão de passageiros diariamente. É visto como um sistema bastante bem sucedido, principalmente por conta da alta integração que mantém com os demais modos de transporte, os ônibus e os bondes. É isso que explica, em boa medida, a significância do sistema de transporte público em Toronto, que, em conjunto, movimenta aproximadamente 450 milhões de passageiros por ano, um total que só é superado, na América do Norte, pelas Cidades do México, Nova Iorque e Chicago, centros urbanos de porte consideravelmente superior (Levy, 2005, p. 58-59). Mesmo assim, uma limitação local desse modo de transporte público procede do fato de ter sido concebido para transportar passageiros na área mais central de Toronto. Ora, como já visto, o sentido do movimento de ocupação territorial está voltado, cada vez mais, para a região mais externa da GTA, o que coloca problemas de viabilidade, pelo lado da demanda, às iniciativas de expansão do sistema local de metrô. Nesse aspecto, seria preciso que as intenções de densificar a região central de Toronto se concretizassem para tornar a medida factível. 2.8.3.3 Outros sistemas de transporte público Há um sistema de bondes e de Veículos Leves sobre Trilhos que serve à Cidade de Toronto, com suas linhas estando concentradas nos eixos de maior demanda. Tendo em conta os elevados custos de implantação de novas linhas de metrô ou mesmo de prolongamento das já em operação, vem sendo considerada a possibilidade de converter as atuais linhas de bondes em linhas operadas por VLT. Há, todavia, um problema na generalização de tal encaminhamento, uma vez que são poucas as grandes vias hoje servidas por linhas de bondes que comportariam o corredor exclusivo ou semi-exclusivo necessário à operação de um sistema desse tipo. Os veículos VLT são complementados por um sistema alimentador de ônibus. No caso de Toronto, porém, mais do que se limitar a uma função alimentadora, os coletivos foram também utilizados para atender a um território bem mais amplo do que o demarcado pelos limites físicos da Cidade, com muitas linhas subutilizadas chegando a áreas que, até não muito tempo atrás, se mostravam escassamente povoadas. Observe-se que o recurso de fazer uso do transporte público para viabilizar uma ocupação periférica não constitui um propósito incomum em Toronto, replicando o que o Governo de Ontário fizera, nos anos 60, ao iniciar o serviço de trens de subúrbios. Na atualidade, muitas dessas linhas de ônibus estão saturadas, por conta do intenso crescimento populacional verificado na periferia. Além do problema das altas densidades demográficas ali encontradas, é grande a dependência local em relação ao uso do transporte público, uma circunstância explicável, em 85 grande medida, pelas condições de renda próprias a seus residentes.58 As viagens costumam ser longas e alongam de forma significativa a jornada de trabalho. Seria preciso, em caráter de urgência, promover melhorias de qualidade nos serviços oferecidos, algo não tão óbvio de ser alcançado com base unicamente no uso de equipamentos convencionais como os ônibus (Levy, 2005, p. 54). 2.8.4 O papel da agência metropolitana de transportes É evidente o problema de falta de coordenação das várias instâncias governamentais envolvidas com a questão dos transportes na região. A própria implantação da Toronto Transit Commission (TTC), criada para se ocupar do sistema de transporte público da Toronto Metropolitana, respondeu a uma tal inquietação. Há uma crescente aceitação na GTA, bem como em outras áreas metropolitanas, da conveniência de dispor-se de uma única agência, dotada de um mandato abrangente para toda região urbanizada, que seria capaz de planejar, financiar e garantir um sistema de transporte mais eficiente, bem como um maior controle do uso do solo. Tal entendimento decorre, em grande medida, das experiências que a GTA teve, nos últimos 15 a 20 anos, com uma atividade de planejamento fragmentada e comprometida pela escassez de recursos financeiros. Em termos do sistema de transportes, as conseqüências são visíveis no declínio da participação dos modos públicos, na oferta insuficiente de transporte proporcionada pelo sistema de trens de subúrbio, na proliferação de subúrbios dependentes do automóvel e no aumento significativo dos níveis de congestionamento nas vias públicas. Isso afeta, em especial, as regiões servidas pelos atuais modos públicos de transporte (exceção feita ao sistema GO Transit), que se mostram incapazes de oferecer serviços competitivos comparativamente aos proporcionados pelo veículo privado nos quesitos comodidade e cobertura da área atendida. (Neal, 2003, p. 9). Assimilando a gravidade da situação, o Governo de Ontário criou a Greater Toronto Transportation Authority em 2006, que corresponde precisamente ao conceito de uma agência que tem a função de proceder à integração de todos os sistemas de transporte público da região. A idéia norteadora é a de fazer 58 “A responsabilidade direta por essa situação deve ser atribuída a decisões desastradas de planejamento tomadas durante os anos 50, 60 e 70, ostensivamente adotadas para reduzir ou evitar a excessiva concentração na região central. Com isso, houve uma grande aglomeração de residentes de baixa renda (inclusive de muitos imigrantes) em enclaves isolados e onde já vivia uma população mais abastada [...]” (Levy, 2005, p. 54). 86 com que os usuários transitem entre os vários modos de transporte regionais com base no pagamento de uma só tarifa e usando um cartão tarifário59. Sua abrangência de atuação ultrapassa a área da GTA, estendendo-se até Hamilton, uma cidade situada a sudoeste de Toronto. As funções previstas para a GTTA são, basicamente, as de: promover a integração tarifária com base no uso de um único cartão, administrar o sistema GO Transit, ocupar-se do planejamento dos sistemas de transporte público, coordenar as tarifas e os serviços de transporte prestados em nível municipal e regional e preparar um plano anual de investimentos para o setor de transportes (Governement of Ontario, [s.d.]). Persistem, entretanto, as dúvidas quanto à sua real capacidade de assumir tais encargos, na medida em que a GTTA não recebeu os poderes amplos de que necessitaria para enfrentar o desafio de exercer a coordenação de todos os sistemas de transporte da aglomeração.60 Da mesma forma, para propor soluções de natureza mais ampla e que se mostrem capazes de oferecer alternativas para enfrentar o grave problema dos congestionamentos na região, seria também preciso que a agência tivesse condições efetivas de influenciar as decisões no campo das inter-relações entre sistema de transporte e uso do solo. Ora, isso é algo muito improvável de acontecer no presente modelo da GTTA, na medida em que os parâmetros legais que foram definidos a condicionam a se ajustar aos planos oficiais de cada municipalidade. Ainda outro elemento limitador reside na não especificação das fontes de recursos com que a agência poderá trabalhar, tendo a lei de criação facultado-lhe a prerrogativa de contrair empréstimos, sem detalhar como os mesmos devem ser ressarcidos (Chamber of CommerceOntario, 2006, p. 2 e 5). 2.9 A cidade de Toronto e o futuro da GTA Uma opinião bastante generalizada, na atualidade, a respeito da megacidade de Toronto é a de ela que representa uma alternativa ineficiente, no sentido de que seu governo é grande demais para ser capaz de responder às necessidades locais, ao mesmo tempo em que se revela muito pequeno para enfrentar os imensos desafios socioeconômicos colocados pela Grande 59 60 “O cartão tarifário deve funcionar de modo similar a um cartão de crédito ou telefônico. Os usuários procederão à sua leitura ao entrar e ao sair do sistema de transporte público, com o cálculo da distância viajada, a identificação dos modos utilizados e o preço a pagar sendo determinados pelo sistema tarifário da GTTA. O total calculado será abatido dos créditos do cartão, e o mesmo poderá ser recarregado nos guichês das estações ferroviárias e de ônibus, em lojas e em postos de venda, por telefone e pela internet.” (Government of Ontario, [s.d.]). “Não há nenhum mecanismo, na atual legislação, que habilite a GTTA a tratar a questão das prioridades entre os vários sistemas de transporte público que competem entre si. A GTTA conta apenas com seu ‘poder de persuasão’ [...] Está claramente especificado que a GTTA tem poderes para administrar, operar e financiar qualquer sistema de transporte público local ou outro serviço de transporte dentro (ou fora) da área regional de transporte, desde que o faça de comum acordo com as municipalidades servidas pelo referido sistema ou serviço.” (Chamber of Commerce-Ontario, 2006, p. 3). 87 Toronto.61 Este último aspecto remete a questões de âmbito regional, como as referentes às complicadas inter-relações entre planejamento do uso do solo e sistemas de transporte, as quais se dão em um território que, manifestamente, excede os limites da Cidade de Toronto. Entre as grandes temáticas identificadas, e para as quais o atual modelo de gestão não traz soluções, estão arroladas as dos recorrentes congestionamentos verificados no sistema viário, a da carência de recursos para aplicação em programas de bem-estar social, a dos elevados custos associados à prestação dos serviços urbanos e à da conseqüente necessidade de manter as tarifas em níveis elevados (Robinson; Schwartz, 2000). As perdas de recursos decorrentes do corte das transferências provinciais e o repasse de novos encargos representaram, efetivamente, uma combinação altamente nociva para as finanças da Cidade, a qual não foi capaz, entre outras coisas, de investir na ampliação do estoque de moradias públicas ou de modernizar o sistema de transporte público. Na verdade, a atual estrutura/modelo de governança não é vista como uma alternativa viável no longo prazo, ainda mais considerando as atuais condições de “saúde” financeira que a acompanha. Melhorar a capacidade fiscal de Toronto constitui um objetivo adequado no longo prazo. Todavia, a manutenção do status quo em matéria de governança de pouco servirá para dissipar a impressão e as preocupações existentes de que a Cidade é incapaz de fazer frente não só aos atuais desafios, mas de assumir outros. Assim sendo, para realizar a transição de Toronto para um novo modelo de finanças públicas, há necessidade de transformar a atual estrutura de governança, de modo que esta tenha uma correspondência no nível da capacidade fiscal existente e que responda às necessidades do sexto maior governo do Canadá. Tal mudança precisará estar centrada tanto nos aspectos básicos do modelo de governança da cidade como em seu processo de tomada de decisões. (The Toronto Board of Trade, 2002, p. 21).62 61 62 “Foi criado um governo que é, ao mesmo tempo, muito grande e muito pequeno. Considera-se que a megacidade é muito grande, na medida em que forma, em função da área abrangida e nos termos da experiência canadense, um governo na escala regional e não um governo local capaz de se ocupar das minúcias de um quotidiano urbano. E é muito pequeno, porque a região que está exigindo os cuidados de uma abordagem coordenada pressupõe, na verdade, o recorte territorial da GTA ou de alguma aproximação espacial da mesma.” (Milroy, 1999, p. 6). “A estrutura de governo de nossa preferência para a região de Toronto [...] remete a um governo regional com dois níveis, escolhido via eleições. O nível superior poderia abranger toda a GTA ou estar circunscrito à sua parte mais urbanizada (atual e futura). Conforme as recomendações feitas tanto pelo GTA Task Force como pelo Who Does What Panel, haveria a necessidade de realizar algumas fusões no nível inferior, de forma a assegurar que as municipalidades sejam viáveis em termos financeiros e capazes de prestar eficientemente seus serviços. Além das atuais fontes de receitas disponíveis em nível municipal, a agência regional deveria poder beneficiar-se dos tributos incidindo sobre os combustíveis e a hotelaria [...] Os níveis inferiores continuariam a apropriar-se do imposto sobre as propriedades, das taxas sobre os serviços e de outras fontes de receitas locais já existentes.” (Slack; Bourne; Gertler, 2003). 3 A CIDADE DE MONTREAL E A COMUNIDADE METROPOLITANA DE MONTREAL (COMMUNAUTÉ MÉTROPOLITAINE DE MONTRÉAL – CMM) 3.1 A Província de Quebec Quebec forma a maior província canadense em superfície, só perdendo para o Território de Nunavut. Com seus 1.542.056km2, ocupa 15,44% da área total do País. Mantém fronteiras terrestres com as Províncias de Ontário, New Brunswick e Newfoundland e com quatro estados dos Estados Unidos, quais sejam, Maine, New Hampshire, Vermont e Nova Iorque. É também a segunda província mais populosa, tendo o censo de 2006 contabilizado ali a presença de 7.546.131 residentes, o equivalente a 23,87% do total de habitantes. Sua variação populacional ao longo do período 199106 foi bastante fraca, com a população crescendo a uma taxa menor do que a do Canadá: 0,60% a.a. e 0,98% a.a. respectivamente. No período mais recente (2001 a 2006), a dinâmica demográfica recebeu um pequeno impulso, com a taxa anual passando a ser de 0,84%, basicamente em decorrência de um maior afluxo de imigrantes internacionais e das menores perdas registradas nas trocas migratórias com outras províncias. É um território de ocupação muito rarefeita, com uma densidade da ordem de 4,89 hab/km2, devendo ser ressaltado que a maior parte da população está concentrada ao sul, no vale do rio Saint Lawrence. É ali que estão situadas Quebec City, a capital administrativa da Província, e Montreal, sua maior cidade, sendo de 275km a distância existente entre os dois centros urbanos e de meros 72km a que separa Montreal da fronteira com o País vizinho. É também uma das regiões agrícolas por excelência do Canadá, com seus solos férteis servindo à produção de uma ampla variedade de frutas e de vegetais e à criação de gado. Deve ser observado que Quebec contribui com cerca de 13% da produção agrícola canadense. As regiões central e norte da Província, por outro lado, são escassamente ocupadas. A região norte, em especial, destaca-se por sua dotação excepcional de recursos naturais e pela profusão de lagos, rios e florestas coníferas. Os setores industriais de maior peso no âmbito da Província são o manufatureiro, o de geração de energia elétrica e o de mineração. O setor manufatureiro é, de fato, extremamente importante em Quebec e representa um quarto da manufatura canadense. Apenas cinco grupos de indústrias respondem por 65% de todos os estabelecimentos fabris e por mais de 50% dos empregos manufatureiros: têxtil e vestuário, produtos alimentares e bebidas, 90 produtos metalúrgicos, papel e papelão e madeira e seus derivados63. É também o maior produtor de eletricidade do Canadá, respondendo por 30% da energia gerada (The Canadian Encyclopedia, 2007). Quebec, antigamente chamado de Canadá e ocupando, então, um território muito maior, fazia parte do império francês até a Guerra dos Sete Anos, quando foi conquistado pelas tropas inglesas. A passagem formal da colônia francesa na América do Norte para o domínio inglês deu-se em 1763, com a assinatura do Tratado de Paris. Mapa 5 A Província de Quebec FONTE: Disponível em:<http://atlas.nrcan.gc.ca>. Acesso em: 20 mar. 2008. 63 “A indústria de papel e papelão de Quebec integra o grupo dos 10 maiores produtores mundiais e é a segunda maior exportadora de papel de imprensa do Canadá. Mais de 23.000 trabalhadores estão empregados no setor e produzem cerca de 42% de todo o papel fabricado no País. Madeira, polpa de papel e papel de imprensa formam 20% das exportações de Quebec, 80% das quais são direcionadas aos Estados Unidos.” (The Canadian Encyclopedia, 2007). 91 3.1.1 O movimento separatista de Quebec A vida política no Quebec foi dominada pelos conservadores entre 1944 e 1960, os quais contaram, para tanto, com o forte apoio da Igreja Católica. Na continuidade, os liberais ascenderam ao poder e promoveram a chamada Quite Revolution. Essa é uma designação que se aplica a um período de grandes mudanças na vida social e política, com o fim da soberania anglo-saxônica no cenário econômico, a nacionalização das hidrelétricas (criação da HydroQuébec), a perda de influência da Igreja Católica e o surgimento do movimento buscando a soberania de Quebec, sob a liderança de René Lévesque. Lévesque e seu Partido Québecois (PQ) participaram das eleições de 1970 e 1973, com um programa eleitoral que se propunha a separar Quebec do restante do Canadá. Em ambas as ocasiões, não conseguiram formar uma maioria na Assembléia Provincial, condição indispensável para fazer avançar o projeto. Tirando as lições dos insucessos registrados, o discurso separatista foi abrandado, passando a falar-se de associação soberana e não mais de separação total. Nos novos termos da proposta, Quebec passaria a gozar de independência na maior parte dos assuntos de natureza governamental, mas seguiria atrelado à Federação em outros domínios, como, por exemplo, ao continuar usando a mesma moeda. Em 1976, Lévesque e seu partido tomaram o poder na província e, em 1980, colocaram formalmente a questão da soberania no centro dos debates, mediante a realização de um referendo. Na ocasião, o plano para uma Província de Quebec independente foi rejeitado por 60% dos eleitores.64 (Wikipedia, 2007c). O PQ voltou ao poder em 1981, e, no ano seguinte, a Assembléia de Quebec recusou-se a assinar o Ato Institucional de 1982, pelo qual foram introduzidas emendas na Constituição do Canadá. Segundo o teor de uma parte das mesmas, Quebec passava a ser reconhecida pelo Parlamento Nacional como formando uma “sociedade diferenciada”65, por conta de sua língua e cultura, sendo-lhe também concedido o poder de veto em emendas constitucionais. Tais mudanças foram consideradas como insuficientes pelos independentistas, posto que não iriam ao fundo do problema. Mesmo sem contar com a assinatura das autoridades de Quebec no documento, a nova Constituição foi aprovada pelo Parlamento do Reino Unido e entrou em vigor. Em 1994, o PQ conquistou mais uma vez o governo e, em 1995, realizou novo referendo sobre a questão da soberania. Dessa vez, a medida foi rejeitada por escassa margem (50,6% apoiaram o não, e 49,4%, o sim), com a 64 65 “As pesquisas demonstraram que a maioria dos québecois de origem inglesa e os imigrantes votaram contra, enquanto os de origem francesa dividiram-se meio a meio, com os mais velhos mostrando-se menos inclinados a votar pelo sim, e os mais jovens declarando-se mais favoráveis.” (Wikipedia, 2007c). “Para muitos canadenses, Quebec é simplesmente uma das 10 províncias do País. Mesmo assim, são poucos os que se atrevem a negar o fato de que ela não constitui uma província como as demais. Quebec acumula 380 anos de história, ao longo dos quais a língua, a religião e a política moldaram uma sociedade que é única na América do Norte.” (The Canadian Encyclopedia, 2007). 92 maioria dos québecois de origem francesa votando a favor da proposta de associação soberana. Na seqüência, o programa separatista foi fortemente abalado por dois eventos. O primeiro estava relacionado a uma decisão, de 1998, da Suprema Corte do Canadá, pela qual Quebec ficava impedido de, por iniciativa própria, fazer secessão; e o segundo decorreu do fato de o Partido Québecois ter perdido a maioria — e, portanto, o poder — nas eleições realizadas no mesmo ano. Depois disso, a proposta perdeu força, a ponto de sondagens realizadas em 1999 revelarem que apenas 4% dos eleitores continuavam se declarando favoráveis ao movimento secessionista (Easy Expat Montréal, 2003). 3.2 A Cidade de Montreal A Cidade de Montreal fica na parte sudoeste da Província de Quebec, ocupando a ilha situada na confluência dos rios Saint Lawrence e Ottawa. Trata-se da ilha de Montreal, a maior entre as muitas ilhas e ilhotas que formam o arquipélago de Hochelaga e que se estende sobre uma superfície de 499,2km2 (Ville de Montréal, 2007a). Montreal está localizada em uma ampla e fértil planície, que conta com um impressionante sistema lacustre (três lagos) e fluvial (cinco rios). A Cidade deve seu surgimento e desenvolvimento precisamente à posição estratégica que ocupa no centro desse vasto sistema hidrográfico, que banha toda a porção leste do continente norte-americano. Na parte sul da ilha, a presença de turbulentas corredeiras — conhecidas como as Rapides de Lachine — atuou tradicionalmente como uma barreira à navegação no rio Saint Lawrence, impedindo o prosseguimento da viagem rio acima.66 Foi só com a construção do Canal Lachine, no século XIX, e, mais tarde, com a abertura do Saint Lawrence Seaway, nos anos 50 do século passado, que se tornou possível contornar as limitações físicas naturais da região, pelo uso do sistema de canais, que possibilita aos navios procedentes do Oceano Atlântico o ingresso nos Grandes Lagos.67 66 67 “O rio Saint Lawrence [...] facilita a penetração no vasto continente norte-americano, estendendo-se do Oceano Atlântico até os Grandes Lagos, onde, a 3.000km no interior das terras, está sua nascente. Na altura da Cidade de Montreal, as corredeiras Lachine impediam a navegação rio acima. Isso haveria de fazer a fortuna da Cidade durante cerca de dois séculos, assegurando-lhe a condição de portal de entrada de um vasto território.” (Germain, 1997). “O rio Saint Lawrence sempre colocou problemas à navegação, em especial à montante, nas proximidades da ilha de Montreal e das Rapides de Lachine. Os franceses foram os primeiros a ali construírem um canal. Depois vieram os ingleses [...] que implantaram um canal mais largo. A conclusão desse projeto em 1824 — que ficou conhecido pelo nome de Canal Lachine — não evitou, todavia, que Nova Iorque se tornasse a principal porta de entrada da América do Norte, sobretudo após a abertura do Canal Erie em 1825. O sistema de canais foi sendo constantemente aprimorado entre 1824 e 1954, até ser inaugurado o Saint Lawrence Seaway neste último ano. Conforme alguns observadores previam [...] a ligação direta entre os Grandes Lagos e o Atlântico passou a desviar carga do porto de Montreal, sendo vista por muitos como uma das razões principais do declínio econômico que marcou a Cidade a partir dos anos 60.” (The Canadian Encyclopedia, 2007). 93 Montreal é umas das cidades mais antigas da América do Norte, tendo sido fundada pelos franceses em 1642. Na ocasião, foi criada como um projeto missionário, sendo obra dos membros da Sociedade Nossa Senhora de Montreal para a Conversão dos Ameríndios da Nova França. Os interesses comerciais dos colonizadores impuseram-se rapidamente, e o núcleo passou a desenvolver-se como um entreposto colonial voltado à comercialização de peles e de madeira. Permaneceria durante longo tempo, todavia, como um centro urbano de pouco significado, uma situação que perdurou até a conquista da Nova França pelos exércitos da Grã-Bretanha em 1760 (Germain, 1997). Mapa 6 A Cidade de Montreal FONTE: Disponível em: <http://www.mapsofworld.com>. Acesso em: 03 jan. 2008. 94 Foi a intensificação dos movimentos de migração, nos anos seguintes, que proveu o impulso necessário à expansão demográfica da Cidade, com os ingleses e seus descendentes tornando-se o grupo majoritário por volta de 1830, uma condição que manteriam até 1865. Daí em diante, os residentes de origem francesa retomaram a primazia numérica para não mais a perderem. Esses foram anos marcados por numerosos confrontos e revoltas, colocando frente a frente ingleses e franceses. Os patriotas franceses acabaram levando a pior na disputa pelo poder e, após 1840, precisaram acomodar-se a um contexto que refletia a vitória política dos residentes anglófonos (The Canadian Encyclopedia, 2007). Ao lado dos canadenses de origem inglesa e francesa, foram-se estabelecendo levas de escoceses, irlandeses e norte-americanos, formando essa metrópole de muitas culturas, que tem na sua condição de cidade bilíngüe um dos traços mais peculiares. A clivagem lingüística teria sua contrapartida no âmbito do território. Desde o início, a proximidade intercultural tomaria a forma de uma segmentação geográfica e institucional. Os anglófonos estavam majoritariamente localizados a oeste do boulevard Saint-Laurent, enquanto os francófonos se posicionavam, em sua maioria, à sua esquerda. As igrejas e os templos polarizavam territórios separados. (Germain, 1997). Figura 2 Vista do centro de negócios de Montreal FONTE: Disponível em: <http://www.dam.brown.edu>. Acesso em: 03 jan. 2008. 95 O desenvolvimento de Montreal e de seus subúrbios deu-se de forma rápida entre 1850 e 1914, com a população já chegando a meio milhão de habitantes ao final do período. As fronteiras da Cidade foram sendo progressivamente ultrapassadas, e os subúrbios acabaram envolvidos nesse movimento, conforme dão conta as 23 anexações de centros urbanos da periferia ocorridas entre 1883 e 1918. O fortalecimento do parque industrial local e o aumento da oferta de empregos que se seguiu atuaram no sentido de incentivar os moradores do campo a buscarem as benesses da vida urbana. Nessa ocasião, os fluxos migratórios direcionados a Montreal eram basicamente constituídos por indivíduos de ascendência francófona, o que fez a balança demográfica pender em definitivo para o lado dos canadenses franceses. Uma outra fase de intenso dinamismo seguiu-se ao final da Primeira Guerra Mundial, com o fortalecimento das atividades industriais e do movimento que fez crescer as finanças, o comércio e os transportes em âmbito local. A crise de 1929 e a Grande Depressão seriam, por sua vez, elementos altamente perturbadores e impeditivos no cenário econômico e social da região. Ainda assim, por volta de 1931, a Cidade e seus subúrbios já tinham mais de um milhão de residentes. No entanto, seria preciso esperar pelos impactos dinamizadores provocados pela Segunda Guerra Mundial sobre as atividades em geral para o reencontro da Cidade com seus indicadores de prosperidade, com reflexos na retomada da produção e no aumento do total de empregos. Essa nova fase de crescimento haveria de atravessar as décadas de 50 a 70, deixando suas marcas tanto no desenvolvimento dos subúrbios como no da cidade central (The Canadian Encyclopedia, 2007).68 As políticas urbanas seguidas nos anos 50 caracterizavamse pelo laissez-faire. Foi só com a chegada de Jean Drapeau à prefeitura de Montreal, em 1954, que os grandes projetos urbanos fizeram sua aparição. A Exposição Universal de 1957 e os vastos programas de infra-estrutura empreendidos em sua gestão (incluindo o metrô), além dos trabalhos associados aos Jogos Olímpicos de 1976, coincidiram com os tempos de maior dinamismo da Cidade. Surgiram igualmente numerosas torres de escritório por volta de 1969, transformando a fisionomia da área central. A metrópole de então era, visivelmente, uma cidade aberta aos promotores. Essas práticas urbanas levaram à demolição de numerosos prédios e fizeram com que desaparecessem elementos fundamentais do patrimônio urbano. (Dansereau, [s.d.]). 68 “Após a Segunda Guerra Mundial, o processo de suburbanização avançou celeremente para fora da ilha de Montreal. É assim que a coroa norte (inclusive a île Jésus) e a coroa sul passaram a reunir mais de 27% da população metropolitana em 1971, quando contavam com apenas 15% por ocasião do recenseamento de 1951. Essa ocupação urbana foi acompanhada por um aumento da fragmentação municipal, a qual — tal como havia ocorrido quando da passagem para o século XX — se consolidou pela criação de novas comunidades municipais e, principalmente, pela transformação de municipalidades rurais em municipalidades urbanas.” (Collin, 2001, p. 13). 96 Figura 3 Montreal em um dia de inverno FONTE: Disponível em: <http://www.arikah.net>. Acesso em: 03 jan. 2008. Nessa época, o projeto modernista de Montreal desenvolvia-se essencialmente em torno da construção de um centro financeiro, ao estilo dos Central Business Districts (CBDs) encontrados nos Estados Unidos. Promovia-se também a ampliação das ruas e a abertura de novas avenidas, no conhecido processo de acomodação forçada do traçado urbano à invasão automobilística. As infra-estruturas de grande porte surgem no coração de Montreal. São vistas como indispensáveis para viabilizar o acesso aos locais de trabalho, dispersos pelo território metropolitano. Dessa forma, as rodovias e o metrô aparecem, nessa nova configuração urbana, como partícipes do bom funcionamento da Cidade. (Paulhiac; Kaufmann, 2006, p. 62). Foi também a época em que a Cidade descobriu as potencialidades de utilização do subsolo, conforme dá testemunho a inauguração da cidade subterrânea em 1962. Essa surgiu como uma alternativa aos rigores e às intempéries dos invernos de Montreal, quando as baixas temperaturas69, as abun69 A temperatura média no mês de janeiro é de -10,4oC, tendo o recorde negativo sido atingido em 15 de janeiro de 1957, quando os termômetros alcançaram -37,8oC (Ville de Montréal, 2007a). 97 dantes e regulares nevascas e os fortes ventos tornam problemático o quotidiano das atividades humanas a céu aberto. Assim, no decurso de um inverno típico, costumam cair cerca de 2,14m de neve, o que explica os altos custos incorridos pela administração pública com os trabalhos de retirada desse material das ruas e sua acomodação em outros locais. A cidade no subsolo foi a saída que Montreal encontrou (a exemplo de Toronto) para contornar o problema do frio extremo de seus invernos e do calor úmido de seus verões. Com o êxito do empreendimento, foram sendo construídos outros espaços subterrâneos ao longo dos anos, formando um vasto complexo, que abriga cerca de 31,5km de passagens, de praças e de caminhos climatizados e que dão acesso às principais instalações e construções do centro urbano, sem a necessidade de expor-se ao clima predominante ao ar livre. É dessa forma que estão conectados muitos dos grandes magazines, edifícios públicos e estações de metrô da Cidade.70 Figura 4 A Montreal subterrânea FONTE: Disponível em: http://www.picasaweb.google.com. Acesso em: 03 jan. 2008. 70 “É a maneira pela qual estão ligadas 10 estações de metrô, duas estações ferroviárias, duas estações rodoviárias regionais, 62 complexos imobiliários, sete grandes hotéis, 1.615 residências, 200 restaurantes, 37 salas de cinema e de exposição, duas universidades, um colégio, 10.000 vagas de estacionamento público e 178 saídas dando acesso à rua.” (Ville de Montreal, 2007a). 98 Ainda que a urbanização tenha tomado conta de um território que se estende muito além da ilha de Montreal, o fato é que a cidade central continua tendo um papel decisivo no cenário regional. Montreal é uma metrópole cuja organização do espaço urbano segue basicamente um traçado monocêntrico, contando com corredores de desenvolvimento dispostos, grosso modo, no formato de estrela e sendo que seus braços se cruzam no centro da aglomeração ou para ele convergem [...] Isso se reflete no peso muito expressivo que a Cidade de Montreal tem no contexto de sua região. De maneira geral, o ritmo da desconcentração de empregos deu-se de forma mais lenta do que o da população, fazendo com que uma boa parte das ocupações e dos equipamentos comerciais continuassem localizados na zona central da aglomeração. (Paulhiac; Kaufmann, 2006, p. 55).71 Montreal já foi a capital do Canadá e sua mais importante cidade até ser suplantada por Toronto. De fato, constituiu a metrópole econômica número um no período entre a metade do século XIX e o fim dos anos 30, mas já não tinha mais a liderança do setor financeiro ao final da Segunda Guerra Mundial e foi igualmente perdendo a do setor industrial ao longo da década de 50. Teve, assim, de suportar a perda de seu status como a principal metrópole do Canadá e enfrentar as agruras impostas por uma longa fase de reestruturação econômica. As fragilidades da economia de Montreal contribuíram para o declínio da Cidade, em especial em função das vulnerabilidades de seu velho setor industrial, coincidentemente com o deslocamento do centro de crescimento regional para a região dos Grandes Lagos e para o oeste do País. (Fontan et al., 1999, p. 204). Toronto acabou efetivamente levando a melhor na competição instaurada entre ambas as metrópoles, sendo que muitos estimam ter sido tal desenlace influenciado pelo clima de insegurança e de incertezas políticas instaurado em Quebec, por conta dos movimentos de autonomia e/ou de independência e pelo fato de Montreal ter sido declarada uma cidade francó- 71 “A área metropolitana de Montreal está passando por uma fase de descentralização dos empregos no sentido do centro para os subúrbios. Mas o núcleo principal, em especial a área central de Montreal, mantém-se como o coração da economia metropolitana, detendo 69% de todos os empregos.” (Communauté Métropolitaine de Montreal, 2005, p. 40). 99 fona.72 O fato é que, após ascender ao Governo da Província, o Partido Québecois fez aprovar, em 1977, uma legislação que dava primazia ao francês como a língua oficial de Quebec, e nesse idioma deveriam ser realizados os negócios e conduzidas as atividades culturais. Da mesma forma, toda sinalização pública oficial passou a ser feita, prioritariamente, em francês. Tais medidas somaram-se a uma legislação anterior, datada de 1969, que estabelecia a exigência de priorizar uma educação francesa para a maior parte das crianças cursando as escolas da Província. A imposição da cultura e da língua francófonas produziram seus efeitos no sentido de incentivar a migração de numerosos grupos econômicos e residentes de fala inglesa para Toronto e outras províncias do oeste canadense.73 Essa é uma idéia particularmente cara aos “federalistas” de Quebec, que associam as agruras econômicas de Montreal e a perda de posição para Toronto à tomada do poder pelos “independentistas“ na segunda metade do século XX. Para estes últimos, no entanto, as causas estariam na abertura da via marítima representada pelo canal Saint Laurent e em determinadas políticas seguidas na esfera federal, que teriam privilegiado o desenvolvimento da capital de Ontário. 3.3 A população de Montreal e a da Grande Montreal Com seus 1.620.693 habitantes, Montreal é o centro de um território extremamente dinâmico, que forma a segunda maior área metropolitana do Canadá e que reunia 3.635.600 pessoas em 2006. Isso significa que a Cidade participava com menos da metade (44,58%) da população da Grande Montreal, enquanto a Aglomeração de Montreal (que engloba todos os residentes da ilha de Montreal) representava pouco mais da metade (51,01%). Já a Grande Montreal, por sua vez, contribuía com quase a metade (48,18%) dos habitantes de Quebec. 72 73 “O Partido Québecois, formado, em 1970, por nacionalistas canadenses de ascendência francesa e sob a liderança de René Lévesque, ganhou o controle do Parlamento da Província de Quebec em 1976. O novo governo desencadeou uma série de reformas de natureza lingüística e cultural, através das quais foi desencorajado o uso do inglês como língua oficial.” (Easy Expat Montréal, 2003). “A partir de finais da década de 60, Montreal cresceu muito mais lentamente do que nos decênios precedentes. A ascensão de Toronto como a metrópole inconteste do Canadá levou à transferência de centenas de sedes empresariais, em um processo que se acelerou durante os anos 60 e 70 e que foi alimentado, em boa medida, pelos temores de muitos anglófonos com as mudanças no ambiente político e lingüístico. Essa perda só foi parcialmente compensada pela vertiginosa expansão das grandes corporações, de propriedade de empresários francófonos, ou daquelas criadas pelo governo de Quebec.” (The Canadian Encyclopedia, 2007). 100 Tabela 2 População da Cidade de Montreal, da Aglomeração de Montreal e da Grande Montreal e participação percentual da população da Aglomeração de Montreal na da Grande Montreal — 1941-2006 ANOS 1941 1951 1961 1971 1981 1991 2001 2006 GRANDE PARTICIPAÇÃO CIDADE DE AGLOMERAÇÃO MONTREAL DE MONTREAL MONTREAL(1) PERCENTUAL (1 000hab.) (1 000hab.) (1 000hab.) (B) (A/B) (A) 1 150,0 97,11 1 116,8 903,0 1 539,0 86,37 1 329,2 1 036,5 2 216,0 78,87 1 747,7 1 257,5 71,42 2 743,0 1 959,1 1 214,5 62,24 2 828,0 1 760.1 1 018,6 3 209.0 56,57 1 815,2 1 017,7 3 451,0 52,53 1 812,7 (2)1 812,7 3 635,6 51,01 1 854,4 (3)1 620,7 FONTE: Statistics Canada (dados censitários); Ville de Montréal, 2007a; Ville de Montréal, 2007d; Demographia, [s.d.] (1) Corresponde à CMA de Montreal. (2) Pós-fusão de municipalidades. (3) “Pós-”desfusão” parcial de municipalidades. Analisando-se a série evolutiva demográfica da Cidade de Montreal, verifica-se que os anos de 1941 a 1961 representaram um período de rápido crescimento (1,67% a.a.). O ano de 1971 já é revelador do quadro de estagnação que haveria de se instaurar, com o total da população acusando até uma pequena perda em relação ao da década anterior, uma situação que se agravaria nas decênios seguintes até 1991. Ainda que o dado de 2001 pareça demonstrar uma recuperação do ponto de vista demográfico, o fato é que o salto então registrado (variação de 78,12% entre 1991 e 2001) é, basicamente, o resultado de um mera alteração de fronteiras administrativas. Ou seja, a territorialidade da Montreal de 1991 não é a mesma daquela de 2001, por obra das fusões então realizadas e que incorporaram área e população à Cidade. Uma observação da mesma ordem deve ser feita em relação ao dado de 2006, só que atuando em sentido inverso. Com efeito, a variação negativa de 10,59%, que afetou a população entre 2001 e 2006, é uma decorrência do processo de “desfusão” envolvendo 15 das municipalidades da ilha de Montreal que haviam sido incorporadas durante a reforma municipal de 2001. Isto é, explica-se, mais uma vez, por alteração da territorialidade de Montreal, que redundou em perdas de área e de residentes anteriormente alocados na Cidade. A população das 15 municipalidades reconstituídas era de 233.749 pes- 101 soas em 2006, o que significa dizer que a Aglomeração de Montreal — ou seja, considerando-se a ilha de Montreal em sua totalidade — tinha, então, 1.854.442 residentes. O fato é que a evolução demográfica de Montreal tem sido marcada por um fraco dinamismo, ainda mais se comparado ao comportamento de outras metrópoles canadenses. Essa é uma situação que decorre de uma baixa e declinante taxa de fecundidade natural (que diminuiu pela metade nos últimos 40 anos) — e está associada a uma população que vem envelhecendo rapidamente —, algo só parcialmente compensado pelo concurso dos fluxos migratórios internacionais, que respondem por mais da metade do crescimento populacional da área. O problema é que estes últimos vinham se mantendo em patamares relativamente baixos e estavam até declinando, tendo apenas voltado a crescer nos anos mais recentes (OECD Observer, 2004, p. 53). Não obstante, continua sendo uma característica da área metropolitana de Montreal a de contar com um núcleo principal de grande porte, que tem uma presença regional muito expressiva. Ou seja, a população ainda está muito concentrada na parte central da ilha de Montreal, onde se encontram as maiores densidades populacionais. Vê-se que, efetivamente, a Cidade de Montreal é predominante no contexto da área metropolitana, com os dois centros urbanos seguintes em tamanho populacional sendo Laval (368.700 habitantes) e Longueuil (229.300 habitantes). Os três juntos formavam 61,03% da população da área metropolitana em 2006, sendo as demais municipalidades de pequeno porte, e a maioria tendo menos de 15.000 residentes. É claro que, como o dinamismo demográfico da aglomeração de Montreal é claramente inferior ao do restante do território metropolitano, são explicáveis as perdas de participação registradas ao longo do processo. Assim, de 1971 a 2006, o peso relativo da Aglomeração passou de 71,42% para 51,01%, ainda que deva ser chamada atenção para a atenuação desse movimento no período mais recente, com a situação tendendo para uma certa estabilização da sua participação no contexto populacional metropolitano. 3.3.1 O papel dos fluxos migratórios O crescimento demográfico de Montreal e de sua região muito deve aos imigrantes, seja os de origem interna, seja os de procedência externa. No passado, os períodos de mais rápida expansão populacional coincidiram com os grandes movimentos de migração doméstica, tanto de canadenses de origem inglesa, que abandonaram o meio rural e vieram para a Cidade, como de canadenses franceses, que chegaram em número ainda superior. No caso da imigração internacional, esta foi basicamente constituída, até os anos 70, por antigos residentes de países europeus. Assim, em 1961 e relativamente a Quebec como um todo, os imigrantes nascidos na Europa totalizavam 83% da população de origem estrangeira, participação essa que, com a mudança do perfil migratório, já caíra para 48,6% 30 anos depois (Germain, 1997). 102 Os anos 70 constituíram, para o Canadá e outros países marcados por grandes levas migratórias, um período de grandes transformações na composição das mesmas, dominadas, daí para diante, por naturais de países não europeus e pelo ingresso de um grande número de pessoas originárias de países em desenvolvimento. Quebec não foi exceção à regra, ainda que o Governo Provincial tenha procurado favorecer a imigração procedente de países com um passado colonial francês (Vietnã, Haiti, países do norte da África e do Extremo Oriente) e de cultura latina (América do Sul e Central), buscando, assim, criar condições facilitadoras da integração dos recém-chegados à cultura francófona. Desde o final dos anos 80, a imigração proveniente do Leste Asiático assumiu grande relevância, alimentada pela passagem de Hong Kong ao controle da China em 1997, bem como em função da prioridade acordada — no Canadá e em Quebec — às políticas imigratórias beneficiando os estrangeiros que chegam ao País com condições financeiras para abrir seus próprios negócios. (Germain, 1997).74 A Cidade de Montreal acolheu, sozinha, 70% dos imigrantes de Quebec em 2001, sendo que os mesmos formavam, então, 28% de seus residentes e 18% no caso da população metropolitana. Foram as zonas mais centrais da Cidade que receberam as levas principais de imigrantes, o que elevou a presença relativa dos grupos populacionais mais jovens nesse território (Fondation du Grand Montréal, 2006). Tal observação deve ser, entretanto, nuançada, de forma a melhor refletir a situação criada em anos mais recentes, com a crescente preferência registrada em favor de outras regiões de Quebec como destino dos imigrantes. Deve ser salientado que essa é uma circunstância que também denota, em uma certa medida, os esforços realizados pelo Governo Provincial no sentido de encorajar a instalação dos recém-chegados fora da zona de Montreal. Para tanto, têm sido repassados recursos financeiros às municipalidades das regiões para onde se desejam direcionar os fluxos, sendo que Montreal — ainda que continue efetivamente acolhendo um grande número de imigrantes — resulta, é óbvio, prejudicada por esse critério de partilha das transferências governamentais. De qualquer forma, é preciso ter presente que o volume de fluxos imigratórios aqui registrados é bem menos significativo do que os que vêm contribuindo para o crescimento demográfico de outras áreas do Canadá, o que caracteriza Montreal como um pólo de atração secundário para os imigrantes internacio74 “Os imigrantes que viviam em Quebec (ou seja, sobretudo em Montreal) tinham um perfil socioeconômico superior ao dos canadenses nativos, considerando-se status na profissão, nível educacional, emprego e renda. Um estudo de Gary Caldwell mostra que, já em 1981, a renda pessoal média dos imigrantes excedia a dos francófonos nascidos em Quebec, da mesma forma que os mesmos tinham maior sucesso sociocupacional, mesmo que um terço deles estivesse residindo no Canadá há menos de 10 anos.” (Germain, 1997). 103 nais. Isso fica bem evidenciado, ao considerar-se que, entre 1994 e 1999, a Cidade recebeu quatro vezes menos estrangeiros do que Toronto e duas vezes menos do que Vancouver (Paulhiac; Kaufmann, 2006, p. 70). 3.3.2 Montreal, uma cidade bilíngüe Montreal apresenta-se como a segunda maior cidade francófona do mundo, ainda que Kinshasa e Abidjan (capitais da República Democrática do Congo e da Costa do Marfim respectivamente) — ambas metrópoles de ex-colônias francesas — tenham uma população superior. Na verdade, Montreal é, declaradamente, uma cidade francófona, devendo ser também lembrado que o francês é uma das duas línguas oficiais do Canadá. O fato é que, em 1977, o Partido Québecois fez aprovar o Estatuto da Língua Francesa (Bill 101), pelo qual o francês passou a ser a língua oficial de Quebec no trato dos assuntos de competência governamental da Província. No caso das municipalidades que desejam funcionar de forma bilíngüe, esse é um direito concedido apenas no caso de a metade de seus residentes terem origem anglófona. De qualquer forma, a oferta de serviços públicos em inglês não é obrigatória, ficando na dependência da boa vontade do administrador. Isso está na origem das recorrentes reclamações que as municipalidades anglófonas endereçam ao Conselho da Aglomeração de Montreal — um organismo que se ocupa de toda a região metropolitana —, tendo em conta que os serviços prestados não têm, na maioria das vezes, um caráter bilíngüe. Assinalam que o francês é a língua predominante nas comunicações, documentos, reuniões de trabalho e audiências públicas realizadas, em detrimento do inglês, quando uma parte da população prefere ou se sente mais à vontade falando este último idioma. No caso, como Montreal se vangloria de ser uma cidade bilíngüe, argumentam que seus residentes têm a justa expectativa de serem atendidos na língua de sua preferência (Clément, 2006). A maior parte dos habitantes de Montreal têm, pelo menos, conhecimentos práticos das duas línguas principais ali faladas e, no caso dos alófonos75, estes costumam adotar uma das duas como sua segunda língua. Vê-se, assim, que cerca de 53% dos indivíduos que vivem na Cidade de Montreal são bilíngües em francês e inglês, 29% falam apenas o francês, e 13%, só o inglês, estando estes últimos radicados, basicamente, na porção oeste da ilha de Montreal. Na verdade, conforme os dados do censo de 2001, a cidade contava com uma maioria francófona (53%) e expressivas comunidades anglófonas (18%) e alófonas (29%). Os mesmos dados para a área metropolitana indicavam uma participação relativa ainda maior dos que têm o francês como língua materna (68,8%), sendo de 12,3% os que se declaravam de língua e cultura inglesas e de 18,9% os que não tinham nem o francês, nem o inglês como sua língua de berço (Un photographe à Montréal, [s.d.]; Ebabylone, [s.d.]) 75 Diz-se dos indivíduos cuja língua materna não é a das comunidades onde residem. 104 Não é surpreendente, portanto, que um dos mais sérios problemas afetando o futuro desse território — que pretende “[...] mobilizar recursos e construir alianças e associações nos planos social, econômico e político, de forma a fortalecer a visibilidade da Grande Montreal no cenário mundial” (Collin; Dagenais; Poitras, 2003) — seja o de padecer das agruras de uma identidade fragmentada. Os reflexos dessa situação aparecem nitidamente nas inúmeras reivindicações pela preservação das especificidades lingüísticas, sociais e culturais dos habitantes dessa metrópole, bem como de suas instituições. Este último aspecto, aliás, ficou perfeitamente explicitado na feroz oposição manifestada pelas localidades de subúrbio, quando do processo de integração forçada à Cidade de Montreal em 2001. No decorrer dos últimos 20 anos, a região de Montreal tem estado dividida entre suas múltiplas identidades. Representantes eleitos dos subúrbios e residentes de fora da ilha de Montreal têm defendido uma identidade social e cultural diferenciada, sob o argumento de que seu estilo de vida e as realizações de suas comunidades os separam das dos habitantes de Montreal. Assim, os prefeitos da margem norte afirmaram, em 2000, que seu território estava localizado na área suburbana da Grande Montreal, mas não em sua área urbana, tornando-o algo completamente separado do processo urbano da Cidade. (Collin; Dagenais; Poitras, 2003). 3.4 Estrutura e dinâmica socioeconômica de Montreal O epíteto usualmente associado a Montreal e sua área metropolitana é o de constituírem o motor econômico do Quebec, o que, aliás, fica facilmente comprovado ao se examinarem alguns indicadores básicos. Assim, em 2003, a região ocupava um contingente de 1,8 milhão de pessoas, o que equivalia a 49% de total de empregos da província, sendo que Montreal, sozinha, respondia por 68% dos ocupados da área metropolitana.76 Esta última representava também 52% do valor adicionado da manufatura no Quebec, 70% de suas plantas industriais de alta tecnologia, 55% das exportações dirigidas ao exterior e 90% dos seus gastos totais com pesquisa e desenvolvimento (Communauté Métropolitaine de Montréal, 2005, p. 33). Sua significância econômica evidencia-se igualmente quando considerado o País como um todo, bastando dizer que, em 2002, a área metropolitana de Montreal tinha uma 76 “Observe-se que essa participação era de mais de 85% em 1971, o que revela — não obstante o papel ainda preponderante desempenhado por Montreal na criação dos empregos metropolitanos — o relativo processo de esvaziamento que afetou a Cidade. Esse movimento coincidiu com o longo processo de reestruturação industrial e a preferência pela abertura dos novos empregos na periferia. A situação, nesse aspecto, mostra-se, há já algum tempo, relativamente estabilizada, indicando que um novo equilíbrio teria sido atingido.” (Ville de Montréal, [s.d.]b). 105 participação de 9,8% no PIB canadense, enquanto a Cidade de Montreal contribuía com 70% do PIB da sua área metropolitana (OECD Observer, 2003, p. 2; Ville de Montréal, [s.d.]b). É claro que, não obstante sua posição econômica predominante, o fato de a Cidade não ser a capital administrativa da Província, tende naturalmente a enfraquecer sua influência política. Montreal também destaca-se por ter o principal porto do Canadá – um ponto de transbordo privilegiado para os bens manufaturados e bens de capital, petróleo e para os grãos em geral –, o qual garante a ligação com os grandes centros industriais da região dos Grandes Lagos. É igualmente um importante nó da rede ferroviária canadense e conta com dois aeroportos de porte internacional. Não obstante Montreal constituir uma economia altamente diversificada, com um setor industrial há muito tempo consolidado, a preponderância incontestável é a do setor Terciário. Este contribui, efetivamente, com 84% dos empregos totais, enquanto os postos da Indústria respondem por apenas 14% do mercado de trabalho (Dansereau, [s.d.]). Montreal é, efetivamente, um centro de serviços excepcional, com destaque para o seu setor financeiro. É ali que estão concentradas as sedes de muitos grandes bancos, das instituições financeiras e das companhias de seguros, dos bancos de investimento e das firmas de corretagem. Além disso, é usual que empresas sediadas em Toronto mantenham um escritório em Montreal, com vistas a atender a região leste do país. Há igualmente um grande número de empresas atuando na área dos transportes e das comunicações. É, da mesma forma, um grande centro produtor de filmes e de programas para televisão, constituindo uma opção muito concorrida para a realização das filmagens. É sede de diversos festivais de cinema e de música, que contribuem para dinamizar sua economia, sendo também o local onde surgiu o Cirque du Soleil, uma das maiores e mais conhecidas empresas de entretenimento do mundo. Já em termos da indústria local, os gêneros do têxtil e do vestuário têm grande expressividade, ainda que venham perdendo terreno, seguindo-se os de alimentação, bebidas e tabaco. São igualmente representativos, na estrutura manufatureira local, os segmentos associados à indústria química e aos derivados do petróleo. Uma observação pertinente no cenário metropolitano é a da perda de importância relativa da base manufatureira tradicional. Ao mesmo tempo, como contraponto, destaca-se o comportamento altamente dinâmico que tem marcado, desde o início dos anos 90, a evolução de segmentos modernos, como a indústria aeroespacial77 (quarta maior produtora mundial), as telecomunicações, 77 “A maior parte da produção da indústria aeronáutica canadense é realizada no território da Montreal metropolitana por empresas como a Bombardier Canadair, Pratt & Whitney Canada, Bell Helicopter, CAE e por um grande número de pequenas firmas [...] A posição estratégica de Montreal e o know-how local acumulado na área do transporte e da aeronáutica contribuíram também para que organizações internacionais, como a International Civil Aviation Organization e a International Air Transport Association, ali se instalassem.” (The Canadian Encyclopedia, 2007). 106 a farmacêutica, a eletrônica, a biotecnologia e a informática. O grande número de centros e laboratórios de pesquisa operando em áreas avançadas da economia do saber – resultado dos investimentos realizados em P&D pelas grandes companhias –, tem certamente muito a ver com os sucessos alcançados por esse modelo assentado nas novas tecnologias. Ou seja, tal como ocorreu em outras grandes metrópoles da América do Norte, houve aqui uma profunda mudança da estrutura econômica, com uma clara reconversão de atividades para os setores de tecnologia avançada. Veja-se assim que, em 2001, os empregos nesses setores já formavam mais de 24% do total de ocupados no setor manufatureiro, uma expansão muito significativa se considerados os 11% de participação verificados em 1981 (Ville de Montréal, [s.d.]b). Uma transformação desse porte afetando a estrutura produtiva somente poderia ser levada avante, todavia, com muitos sacrifícios e numerosas baixas.78 Assim, enquanto a municipalidade de Montreal perdia população e enfrentava o problema da explosão das taxas de desemprego, as municipalidades da periferia da área metropolitana cresciam acolhendo as novas residências da classe média, os escritórios e as indústrias de alta tecnologia (Fontan et al, 1999, p. 205).79 A crise provocou um retardo, do ponto de vista econômico, relativamente à evolução que marcou outras cidades canadenses, como Toronto e Vancouver. Desde 1997, no entanto, a situação econômica de Montreal vem melhorando. Tal fato reflete-se, por exemplo, na grande expansão do número de empregos criados, o que fez com que a taxa de desemprego recuasse de 12% para 8,5% no período 1997-06, um resultado, todavia, ainda superior ao da média canadense (Fondation du Grande Montréal, 2006). Foi só com as oportunidades abertas pela crescente integração internacional — em especial as viabilizadas pelo NAFTA —,80 que a região conseguiu 78 79 80 “A economia de Montreal foi intensamente afetada pela profunda reestruturação industrial que atingiu grande parte dos antigos centros manufatureiros da América do Norte e da Europa. Suas antigas firmas, de baixa qualificação e produtoras de bens de consumo destinados ao mercado interno, não tinham condições de competir em âmbito internacional. Foram muitas as que tiveram de fechar as portas, tendo as sobreviventes procurado acomodar-se em nichos de mercado atendidos por uma produção altamente automatizada. A cidade foi especialmente atingida pelas depressões dos anos 80 e 90, tendo o desemprego se ampliado, então, de forma dramática. Tal situação foi apenas compensada, de forma parcial, pela instalação das modernas empresas associadas à nova economia.” (The Canadian Encyclopedia, 2007). “Desde o pós-guerra, o desenvolvimento da aglomeração vem-se fazendo no formato de mancha de óleo, sob o impulso de dinâmicas de desconcentração e descentralização da população e das atividades, no sentido do centro para a periferia. Uma primeira conseqüência desse tipo de ocupação urbana reflete-se na perda de população e de empregos no centro da aglomeração e no surgimento de novas zonas urbanizadas na periferia. Outra conseqüência está relacionada à redução das densidades residenciais e às transformações operadas na tipologia residencial.” (Paulhiac; Kaufmann, 2006, p. 55). “A economia de Montreal cresceu inicialmente sob a proteção de tarifas elevadas, sendo que muitas de suas indústrias vendiam basicamente para o mercado interno. Com a assinatura do Tratado de Livre Comércio Estados Unidos-Canadá e, depois, do NAFTA, a política baseada no atendimento do mercado doméstico tornou-se obsoleta, e a indústria manufatureira passou a privilegiar os mercados externos. De 1990 a 1995, a parte dos produtos manufaturados pulou de 26% para 43% das exportações da área metropolitana de Montreal. Nessa época, foram as áreas metropolitanas de Montreal e de Toronto as que mais se abriram ao comércio exterior.” (Communauté Métropolitaine de Montréal, 2005, p. 39). 107 ingressar em uma nova fase dinâmica de sua economia. Isso se refletiu na composição de suas vendas externas e no crescente volume exportado pelos setores de alta tecnologia, o qual cresceu 15% entre 1991 e 2000, uma variação quatro vezes superior à do PIB metropolitano no mesmo período. É de notar-se também que os Estados Unidos aparecem como o destino privilegiado de uma parte significativa dessas exportações, com o destaque ficando por conta dos aviões, suas peças e componentes, peças para trens e equipamentos de telecomunicações. Apesar do dinamismo que caracterizou a retomada, persiste reconhecidamente um ponto fraco na economia local, que está associado à menor produtividade média de seus trabalhadores. Na origem dessa questão da baixa produtividade, estariam os seus piores índices de escolaridade, sobretudo nas faixas de educação superior. Comparativamente a Toronto e a Vancouver, Montreal contabiliza, de fato, um número um pouco menor de diplomados universitários: 21% de sua população tinham curso superior, enquanto a mesma participação era de 24% em Toronto e de 23% em Vancouver (OECD Observer, 2003, p. 2).81 Pelo lado dos fatores positivos, a região conta com um elemento-chave de competitividade, qual seja, o tamanho de sua força de trabalho. Ocorre, entretanto, que as baixas taxas de natalidade e o envelhecimento de seus residentes82 operam no sentido de reduzir o total da população ativa. Os fluxos migratórios internacionais têm sido tradicionalmente usados para compensar o pequeno crescimento demográfico local, a ponto de representarem mais da metade da expansão demográfica total observada na região. Ainda assim, a participação dos imigrantes internacionais (18% da população total) é inferior à verificada em outras áreas metropolitanas canadenses, o que seria um indicativo da existência de margem de manobra para fortalecer a entrada de tais fluxos no futuro. Há mesmo uma proposta em discussão que aponta o interesse de privilegiar, com vistas a melhorar a qualificação da mão-de-obra local, o ingresso de imigrantes com maior nível de formação educacional.83 Deve ser observado que, nas circunstâncias prevalecentes, 33% dos imigrantes radicados em Montreal têm diploma universitário, contra 47% em Vancouver e 49% em Toronto (OECD Observer, 2003, p. 3). 81 82 83 “A baixa produtividade estaria também relacionada aos insuficientes investimentos realizados em equipamentos e aos poucos recursos aplicados em programas de P&D pelas plantas de pequeno e médio portes, que formam uma parte importante do parque industrial local.” (OECD Observer, 2003, p. 2). “O envelhecimento da população vem-se verificando há uma dezena de anos, tendo a idade média aumentado em três anos. Além disso, deve ser observado que é o estrato dos com mais de 75 anos que mais vem crescendo.“ (Fondation du Grand Montréal, 2006). “Em um contexto de baixa expansão demográfica e de envelhecimento da população, a aceleração do crescimento econômico de Montreal é essencialmente dependente de um forte aumento da produtividade, em estreita ligação com a capacidade de suas empresas, em todos os setores, serem capazes de adquirir e assimilar as novas tecnologias, com base em um maior esforço de formação e de desenvolvimento de capital humano e com o apoio de uma política de imigração vigorosa e direcionada.” (Ville de Montréal, [s.d.]b). 108 Essa questão dos índices de escolaridade mais baixos contrasta singularmente com a posição destacada de Montreal no campo da educação superior. Com efeito, a região conta com ativos educacionais significativos, porquanto é sede de quatro grandes universidades, sendo duas anglófonas e duas francófonas. Com seus 175.000 estudantes, aparece como o segundo maior centro universitário da América do Norte, seguindo-se a Boston nesse aspecto (Fondation du Grand Montréal, 2006). Outro entrave local é o representado pelos altos níveis de pobreza prevalecentes, superiores às médias canadenses, com o agravante de o fosso separando os mais ricos dos mais pobres estar se alargando. Assim, em 2003, o contingente de indivíduos vivendo em famílias de baixa renda chegava a meio milhão, o pior escore entre as grandes cidades canadenses (Fondation du Grand Montréal, 2006). 3.5 Os trabalhos das comissões e a questão da governança metropolitana em Montreal O tema da governança metropolitana não é propriamente novo na região, visto que, já em 1921, havia sido criada a Corporação da Montreal Metropolitana pelo Governo da Província, a qual tinha, todavia, pouco poder de intervenção no âmbito do desenvolvimento metropolitano.84 Com a grande expansão suburbana registrada após a Segunda Guerra Mundial, voltou a colocarse o interesse pelo tema metropolitano e, em 1952, foi formada a Comissão de Estudo dos Problemas Metropolitanos de Montreal, com a missão de debruçar-se sobre a questão das relações entre a ocupação urbana da periferia e o sistema de transportes. Em seu relatório final, divulgado em 1955, aparecia o indicativo de criação de um organismo metropolitano para tratar dos serviços intermunicipais. Seguiu-se, em 1958, a chamada comissão Croteau (Comitê de Recomendações para a Criação de um Organismo Metropolitano), que igualmente se pronunciou pela formação de uma corporação destinada a atuar na Grande Montreal e que deveria abarcar toda a ilha de Montreal, a Île Jésus e as oito municipalidades da margem sul. Em 1959, e por influência das autoridades da Província, surgiu a Corporação da Montreal Metropolitana. A atuação desse organismo não teve igualmente maiores desdobramentos práticos, porquanto 84 “De fato, foi a partir de 1910 que o tema da reestruturação das instituições locais na região de Montreal e, mais especificamente, o da criação de um nível intermediário de intervenção no âmbito da região urbana — senão o do próprio estabelecimento de um governo metropolitano — passou a ocupar um lugar de destaque no debate político municipal [...] Numerosos políticos locais (da cidade central e dos subúrbios), círculos reformistas e a imprensa escrita manifestaram-se a favor de a cidade principal e as municipalidades do seu entorno serem reunidas sob a égide de um organismo metropolitano, capaz de responsabilizar-se pelo fornecimento de determinados serviços municipais, de forma a garantir o desenvolvimento da aglomeração e a harmonização das relações intermunicipais.” (Collin, 2001, p. 6). 109 não foi bem aceito nem pela cidade central, que rejeitava o fato de ser-lhe atribuído um peso político igual ao das cidades suburbanas, nem por estas últimas, que não aceitavam abrir mão de sua autonomia (Fischer; Wolte, 2000; Fontan et al, 1999, p. 208). Foi instituído, no início da década dos 80, um grupo de trabalho conhecido como a comissão Pichette, que tinha, mais uma vez, a missão de rever os grandes problemas da metrópole. Em seu relatório, foram assinaladas a carência de uma estrutura de planificação integrada na região, os desperdícios a que levava a ocupação desenfreada da periferia e a desigual qualidade que caracterizava os serviços e as infra-estruturas encontradas nas diversas partes do território metropolitano. Como encaminhamento pratico, propunha a criação de um conselho regional, o qual ficaria encarregado de governar a cidade-região. Seguiram-se alguns outros estudos e proposições de reorganização territorial, o mais conhecido sendo o da Comissão Bédard, cujo objetivo era analisar a questão das finanças e dos impostos locais. Suas proposições foram igualmente mal acolhidas pelas municipalidades concernidas.85 Em 1996, o Governo Provincial criou o cargo de ministro para a área metropolitana de Montreal. Entre suas atribuições, estava a de formar uma comissão voltada ao estudo do desenvolvimento metropolitano. Resultou daí a chamada comissão Bernard, encarregada de propor alternativas para os reagrupamentos municipais considerados desejáveis na região de Montreal. Seu relatório foi publicado em 2000 e serviu de base para a reforma municipal de 2001. 3.6 A Comunidade Urbana de Montreal (Communauté Urbaine de Montréal - CUM) A CUM foi criada em 1970 pelo Governo de Quebec, no bojo de um movimento que instituiu outras comunidades urbanas na província, e manteve-se ativa até 2001. A área de abrangência de sua atuação estava circunscrita às municipalidades da chamada Aglomeração de Montreal, ou seja, às localizadas na ilha de Montreal. Representava uma instância com dois níveis de governo: o da própria comunidade e o formado pelas 28 municipalidades integrantes. Era dirigida por um presidente, um conselho e um comitê executivo. 85 “As municipalidades reagiram imediatamente ao relatório [...] Os prefeitos das Cidades de Montreal e Quebec foram menos diretos em suas reações. Ainda assim, concordaram com seus colegas, ao rejeitarem as proposições relativas à eleição direta e à concessão do poder de taxação a um segundo nível de governo. Aceitaram, por outro lado, o diagnóstico da comissão nos aspectos da fragmentação metropolitana, da ineficiência das estratégias de desenvolvimento econômico e das desigualdades na repartição dos gastos públicos no território da área metropolitana.” (Quesnel, [s.d]). 110 Mapa 7 A Comunidade Urbana de Montreal FONTE: Disponível em: <http://www.johomaps.com>. Acesso em: 03 jan. 2008. As atribuições que lhe foram concedidas eram bastante limitadas, estando basicamente voltadas à coordenação, à racionalização e à busca de uma repartição mais justa dos encargos associados à prestação de serviços básicos no território da ilha de Montreal. Isso envolvia, sobretudo, as funções de polícia, o transporte público, a proteção ao meio ambiente e o planejamento urbano e regional, competências certamente insuficientes para a tarefa de influir de forma mais incisiva no desenvolvimento do território. Em âmbito local, por sua vez, as autoridades respondiam pelos serviços de bombeiros, tratamento e distribuição de água, sistema de esgotos, coleta do lixo, trânsito, zoneamento e código de obras, dentre outros itens. O financiamento das atividades a cargo da CUM era feito por meio de quotas-partes pagas pelas municipalidades. A Comunidade Urbana de Montreal operou durante 31 anos, sendo geralmente encarada como uma força positiva no desenvolvimento da região. 86 86 “Não evoluiu, todavia, no sentido de um governo metropolitano formal, mal conseguindo funcionar como uma agência multifuncional de serviços. Em vez disso, o Governo de Quebec ampliou seu próprio controle sobre muitos serviços e infra-estruturas existentes nos subúrbios, enquanto limitava sua atuação na ilha de Montreal.” (Bourne, 1999). 111 A CUM aparece, antes de mais nada, como uma agência de serviços. Mas tem igualmente algumas atribuições no domínio do planejamento regional, o que apenas seria assumido bem mais tarde e de forma muito tímida. Sendo coerente com as soluções propostas ou adotadas no passado, não havia espaço para formar um nível autônomo de governo regional. A delimitação de suas competências parece, todavia, ter sido feita com base na exclusão das atribuições consideradas próprias do nível municipal, evitando-se, assim, a dupla jurisdição de atuação em certas áreas. A criação da CUM permitiu, na verdade, retomar a idéia de uma dualidade administrativa [...] (Collin, 2001, p. 15). Por volta de 1990, já eram bastante fortes as críticas feitas à atuação da CUM, com os subúrbios contestando seu papel e tendo se instalado um ambiente de grande tensão política entre Montreal e as cidades da periferia, muitas das quais integradas por maiorias anglófonas.87 Além disso, o território efetivamente urbanizado já ultrapassava em muito os limites do espaço legal definido para a Comunidade Urbana de Montreal (que cobria, então, menos de dois terços da área metropolitana), sendo que praticamente a metade da população da região já vivia fora de suas fronteiras. Na ocasião, eram também numerosos os problemas comuns ao território que estavam exigindo uma abordagem de natureza regional, podendo se referir dentre eles “a gestão das águas e das margens do arquipélago de Montreal, o problema do lixo, o equilíbrio entre as atividades agrícolas e a urbanização, as redes de transporte, as escolhas entre o transporte coletivo e o automóvel, o desenvolvimento econômico face à globalização e as grandes decisões quanto aos equipamentos públicos” (Montréal Métropole, [s.d.]). 3.7 A reforma municipal de 2001 Quebec caracteriza-se por ter muitas municipalidades. Na verdade, con- 87 “O declínio da Cidade de Montreal enfraqueceu sua posição não apenas face à Toronto, mas também em relação à sua própria periferia. Nos anos 70, a Cidade dominava o conselho da CUM, mas tal situação era contestada pelos representantes dos subúrbios. O crescimento econômico e o demográfico experimentados pelas cidades suburbanas levaram-nas a buscar maior poder político. Além disso, a posição financeira de Montreal estava se tornando crítica. Com a saída da classe média, a deterioração do estoque de moradias e o fechamento de muitas fábricas, a base fiscal da Cidade foi sendo erodida. Ao mesmo tempo, suas despesas continuaram crescendo, comprometidas que estavam com os altos custos de manutenção das infra-estruturas e com a prestação dos serviços [...] Contribuíam, para tanto, a concentração de pobres no interior de suas fronteiras e o fato de os residentes nos subúrbios — que não pagam tributos em Montreal — para ali se dirigirem a fim de trabalhar e usufruir de suas vantagens.” (Fontan et al, 1999, p. 207). 112 ta com o maior número entre todas as Províncias do Canadá, e esse total decresceu de forma relativamente lenta ao longo dos anos.88 Vê-se, assim, que havia 1.433 municipalidades em 1995 (Collin; Tomàs, 2004, p. 19) e 1.300 no ano 2000 (Soucy, 2002). Mesmo após as fusões realizadas no início do novo século, o total manteve-se elevado, chegando a 1.139 municipalidades em 2006 (Ministère des Affaires Municipales et Régions-Québec, [s.d.]), razão pela qual o mapa municipal de Quebec manteve-se como um dos mais fragmentados no cenário canadense. É de notar-se que a maior parte (85%) das unidades administrativas locais são de pequeno porte, reunindo menos de 5.000 habitantes (Soucy, 2002). Pede-se dizer que são de quatro ordens os motivos que embasaram o processo de fusão de municipalidades levado a cabo na Província de Quebec e que impactou em cheio a região de Montreal. O primeiro deles remete à reorganização dos serviços públicos e à diminuição dos gastos públicos per capita, por conta dos benefícios esperados em função das hipotéticas economias de escala daí decorrentes. Essa é uma perspectiva que, como se sabe, não é confirmada nem pela literatura especializada, nem pelas experiências concretas conhecidas. Um segundo fator associa-se à esperada redução da carga fiscal suportada pelos residentes da antiga cidade de Montreal, bem como das disparidades fiscais constatadas entre as várias municipalidades. Ou seja, a idéia era alcançar uma maior eqüidade fiscal no universo das unidades administrativas que seriam objeto da fusão, graças à generalização de um sistema único de tributos. “Na medida em que a única forma de tributação municipal existente é aquela baseada no valor das propriedades e tendo em conta que a mesma nunca foi posta em questão em Montreal, o mecanismo das fusões aparenta ser a solução mais pertinente para alcançar a eqüidade fiscal.” (Séchet, 2006). Um terceiro elemento remete às novas condições estabelecidas com a reforma municipal, as quais deveriam permitir melhorias na coordenação das políticas públicas seguidas no conjunto do território afetado pelas fusões. Tal circunstância, nesse caso, não era muito óbvia, na medida em que muitos dos serviços impactados já estavam, há mais tempo, generalizados no âmbito da ilha de Montreal. Enfim, um quarto elemento explicativo procede da crença de que “[...] ao colocar-se um fim na concorrência improdutiva entre municipalidades vizinhas e ao se estabelecer uma única instância capaz de se impor no cenário interna88 “A reestruturação municipal em Quebec esteve, durante décadas, no centro de intensos debates, sem que daí decorressem maiores mudanças institucionais nos planos rural e urbano. Uma estratégia de adesão voluntária às fusões foi incentivada pelo Governo da Província durante os anos 60. Esse tipo de abordagem não foi acompanhada por incentivos fiscais e não trouxe resultados significativos em termos da redução do total de municipalidades. Durante os anos 70, um tratamento caso a caso do problema, sempre por iniciativa do Governo Provincial, fez esse número declinar de 1.600 para 1.500 [...]” (Quesnel, [s.d.]). 113 cional, as fusões aumentam o potencial econômico e social da aglomeração urbana ou da região” (Gouvernement du Québec, [s.d.]). 3.7.1 A fusão e a nova Cidade de Montreal Foi em 1999 que o Governo Provincial de Quebec começou a preparar a legislação que haveria de pautar um vasto programa de reestruturação dos governos locais e levar à realização de um grande número de fusões. Em 2001, a lei regulando tal processo de fusões foi aprovada, afetando a organização das mais importantes cidades da Província. No caso de Quebec City, que forma a segunda maior área metropolitana da Província de Quebec, os resultados materializaram-se na criação de uma comunidade metropolitana integrada por 26 municipalidades e reunindo 715.500 residentes, a qual passou a ter existência legal em 1o de janeiro de 2002. Já no caso da região de Montreal, foi implantada a Comunidade Metropolitana de Montreal, reunindo 63 municipalidades, a qual começou a operar em 1 o de janeiro de 2001. Foram, ao mesmo tempo, criadas duas megacidades — Montreal e Longueuil —, as quais seguiram, assim, o exemplo anterior da Cidade de Laval, que já havia passado por um processo de fusões semelhante. A megacidade de Montreal foi resultante, portanto, dessa enorme reestruturação institucional que consolidou todas as municipalidades localizadas na ilha de Montreal, as quais, até então, integravam a Comunidade Urbana de Montreal. O processo de fusão atingiu 28 municipalidades — de forma impositiva e contra a vontade manifesta da maioria dentre elas, em especial as de ascendência anglófona situadas na parte oeste da ilha —, que foram incorporadas à Cidade e transformadas em arrondissements. Surgia, assim, uma nova organização política, capitaneada por um único prefeito (em lugar dos 28 anteriores) e dotada de uma estrutura administrativa descentralizada, baseada nos referidos arrondissements, os quais mantinham uma certa correspondência com as antigas municipalidades. O arrondissement corresponde a uma instância de representação que, na intenção declarada do legislador, estaria mais próxima do cidadão. Foi instituída para preservar peculiaridades locais e para permitir que alguns tipos de serviço (ditos de proximidade) seguissem sendo geridos no nível da comunidade. Dispõe, todavia, de limitada autonomia e conta com poucos recursos orçamentários. Deve ser observado que a oposição ao processo de fusão levou a fortes reações por parte de algumas municipalidades suburbanas incorporadas, que realizaram referendos em suas respectivas jurisdições para aferir o estado de espírito da opinião pública, tendo os resultados revelado uma total oposição à medida. Diversos processos judiciais foram instaurados contra o Governo Provincial, em uma tentativa de barrar a implantação da medida. Os prefeitos das municipalidades atingidas, e mais especialmente os de origem anglófona, interpretaram a reforma como um atentado à sua autonomia e a seus direitos 114 fundamentais.89 De fato, a mobilização empreendida foi essencialmente obra das municipalidade ricas da ilha de Montreal, um tradicional reduto do Partido Liberal. Na ocasião, posicionaram-se essas municipalidades como um grupo social que se recusava a demonstrar solidariedade em relação a uma municipalidade de Montreal majoritariamente francófona e que concentrava bolsões de pobreza urbana. Inserida à força em uma administração municipal de Montreal controlada pelos francófonos, a comunidade anglófona passou a exercer pressões sobre o Partido Liberal para que o mesmo se comprometesse, por ocasião da campanha eleitoral provincial de 2003, a voltar atrás no episódio das fusões (Jouve; Négrier, [s.d.], p. 7 e 8). Não obstante a intensidade das reações registradas, o comitê nomeado para realizar a transição completou seus trabalhos, e a nova megacidade foi instalada. Para um tal desenlace, muito contribuiu a atuação do Prefeito da cidade de Montreal, Pierre Bourque, que assumiu a antiga idéia “De uma ilha, uma cidade”. Nesse sentido, batalhou arduamente em favor da fusões, e sua atuação acabou influenciando fortemente a decisão final bancada pelo Governo Provincial.90 São esses os termos em que se exprimiu, com relação à megacidade de Montreal, o relator da proposta que embasou a reforma municipal de 2001. 89 90 “Foram, sobretudo, as municipalidades dos subúrbio da ilha de Montreal e sua instância de representação — a Conferência dos Prefeitos dos Subúrbios de Montreal — que procuraram levar o governo a recuar em seu projeto de fusões ou de reagrupamentos na ilha de Montreal e de implantação da megacidade. Em um primeiro momento, os prefeitos objetaram ao governo que não compartilhavam de seu ponto de vista em matéria de reorganização municipal. Em um segundo ìnstante, face à recusa oposta pelo Ministro de Estado dos Assuntos Municipais e da Metrópole, não hesitaram em mobilizar seus concidadãos, fazendo-os assinarem petições destinadas a forçar o Governo Provincial e seu Primeiro Ministro a reverem suas posições. Em um terceiro momento, 19 prefeitos levaram a causa aos tribunais. Depois de serem derrotados na Corte Superior, em junho de 2001, mais da metade dentre eles se mostrava disposta a apelar da decisão.” (Hamel, 2001). “Há um ponto que deve ficar bem claro. O próprio Bourque não estava respondendo a nenhuma força da sociedade (nem do mundo dos negócios, nem de qualquer outra instância) que estivesse levando à fusão, já que não havia nenhum movimento nesse sentido. Sob muitos aspectos, o sucesso de Bourque na implantação de sua política pode ser visto como o maior feito já alcançado por um prefeito de uma cidade canadense.” (Sancton, 2003). “Durante muito tempo hostil ao princípio de ‘uma ilha, uma cidade’, o Primeiro Ministro acabou usando, paradoxalmente, todo seu peso político para impor uma solução que reconhecia o lugar especial ocupado por Montreal no sistema urbano do Quebec e do Canadá. Ele parece ter adquirido a convicção de que as elites de Montreal deveriam ser as únicas a ter o controle sobre as grandes diretrizes da Cidade. Em outras palavras, aceitou a idéia da existência de uma sociedade bastante diferenciada em Montreal, levando o raciocínio tão longe a ponto de reconhecer implicitamente que o ‘bom perímetro’ de gestão da Cidade seria aquele que obrigaria as comunidades anglófonas e francófonas a trabalharem em conjunto.” (Faure, 2003, p. 373). 115 Recomendo, portanto, a criação de uma nova cidade, cujo território será o da Comunidade Urbana de Montreal. Ela será dirigida por um prefeito e terá 64 conselheiros, eleitos via sufrágio universal, e será, eventualmente, chamada de a Cidade de Montreal. Enfatizo que, qualquer que seja o nome que lhe venha a ser dado, não representará a continuidade da atual Montreal, constituindo uma nova cidade e, nesse sentido, gozando de outra personalidade do ponto de vista jurídico (Bernard, 2000, p. 7). Deve ser observado que, no caso de Montreal, eram numerosos os documentos existentes apontando a conveniência de realizar-se uma reforma municipal. É verdade que Quebec tem uma longa tradição nesse exercício de consolidar municipalidades como uma alternativa para melhorar as condições de desempenho fiscal. Isso é explicável, na medida em que o território é ali percebido, sobretudo, como um espaço de performance econômica, uma situação posta em xeque pela guerra fiscal mantida entre as municipalidades, que seria uma das razões impeditivas da formação de pólos econômicos fortes. 91 A nova cidade é dirigida por um prefeito e um conselho municipal, cujos membros são eleitos, por um período de quatro anos, por sufrágio universal de todos os eleitores qualificados. Os prefeitos dos arrondissements são igualmente escolhidos pelos votos de seus residentes. O Conselho Municipal constitui a instância maior de decisões da cidade, sendo integrado por 45 representantes eleitos, incluindo-se o Prefeito de Montreal, e pelos prefeitos dos 19 arrondissements, o que dá um total de 64 membros. Sua jurisdição estendese a todos os serviços locais prestados, à segurança pública, ao meio ambiente, ao urbanismo e à concessão de determinados programas de subvenção de recursos. Tem igualmente poderes para supervisionar e aprovar decisões tomadas na esfera dos conselhos dos arrondissements O Conselho Municipal conta com um braço operacional, o Conselho Executivo, formado por 11 membros e pelo Prefeito de Montreal. É ele que viabiliza o exercício das diversas competências que revertem ao Conselho Municipal, que se ocupa da preparação dos documentos de variadas naturezas — como o orçamento municipal e as normas municipais — a serem submetidos à aprovação dos conselheiros. Cabe-lhe, da mesma forma, preparar contratos, responsabilizar-se pela gestão dos recursos humanos e financeiros e cuidar dos prédios públicos (Ebabylone, [s.d.]). 91 “No campo do desenvolvimento econômico, havia um argumento justificando a fusão de determinadas municipalidades, qual seja, o de que a competição entre as mesmas era improdutiva e representava uma má alocação do dinheiro público. As municipalidades de Quebec são fortemente dependentes das receitas tributárias, e a prática de competir no campo da concessão de créditos e de outras vantagens fiscais, com vistas a atrair empresas para seu território, vinha sendo encarada, há muito tempo, como um grave problema. O Livro Branco do Governo de Quebec, onde estão consignadas as orientações seguidas na reorganização territorial de 2001, qualificava a situação de concorrência estéril e maléfica ao desenvolvimento econômico.” (Chapain; Rivard, 2005). 116 Os arrondissements dispõem de seus próprios conselhos, que trabalham com orçamentos individualizados e se ocupam dos serviços de natureza local, tendo ingerência sobre as normas urbanísticas, sistema viário, prevenção de incêndios, parques, cultura e recreação, desenvolvimento comunitário, habitação e recolhimento do lixo, dentre outros itens. Podem também fazer recomendações ao Conselho Municipal, em especial quanto a matérias orçamentárias. Não têm, todavia, qualquer poder de taxação, ainda que lhes seja facultado solicitar a cobrança de tributos para financiar alguns tipos de serviços. Sua composição é variável, sendo integrados pelo prefeito do arrondissement e por um grupo de, no mínimo, cinco pessoas entre membros do Conselho Municipal e conselheiros dos arrondissements. No total, o número de conselheiros de arrondissement chega a 40. 3.7.2 O episódio da “desfusão” de municipalidades O processo de fusão que levou à criação da nova Cidade de Montreal foi efetivado, como já se viu, contra a vontade manifesta de uma boa parte das municipalidades da região, em especial daquelas de maioria anglófona. Na contramão do processo anterior que havia levado à fusão, e atendendo uma promessa de campanha do novo governo liberal eleito92, foi feita uma nova proposta de consulta aos cidadãos, envolvendo alterações na organização territorial. A forma para tanto adotada foi, mais uma vez, a do referendo, o qual ocorreu em junho de 2004, com a participação de 22 das comunidades que haviam sido objeto de fusão em 2001. O direito de realizar o referendo foi concedido unicamente às municipalidades que conseguiram reunir o número mínimo legal de assinaturas para tanto exigidas.93 Os cidadãos foram questionados sobre se desejavam permanecer na nova Cidade de Montreal, resultante do processo de fusões de 2001, ou se desejavam retornar ao status precedente, ou seja, se gostariam de reconstituir suas municipalidades de origem. Das 22 municipalidades consultadas, 15 optaram pela “desfusão”, o que lhes permitiu retomar a condição de unidades administrativas autônomas a partir de 1o de janeiro de 2006. A “desfusão” atendeu basicamente às reivindicações das municipalidades anglófonas da ilha de 92 93 “Por ocasião das eleições provinciais de 2003, o Partido Québecois cedeu lugar ao Partido Liberal Québecois. Este último havia se comprometido, quando da campanha eleitoral, a voltar atrás em relação à Lei no 170, que tratava da reorganização institucional das grandes cidades, o que foi feito através da Lei no 9, a qual previa a realização de referendos nas antigas municipalidades que haviam sido objeto de fusão.” (Lefèvre, 2004). “O processo de “desfusão” teve duas fases. Assim, era preciso ter reunido, em maio de 2004, as assinaturas de, no mínimo, 10% dos cidadãos pertencentes a uma antiga municipalidade para passar à segunda fase do processo, qual seja, a do referendo. Para aprovar a “desfusão” no referendo de junho, era necessário que, pelo menos, 35% dos cidadãos eleitores votassem a favor da medida. Esta barreira impediu que um número ainda maior de municipalidades aderisse ao movimento.” (Collin;Tomàs, 2004). 117 Montreal.94 Com isso, ficou sacramentado o que muitos interpretaram como o desmonte da megacidade de Montreal. O Conselho Regional de Desenvolvimento da Ilha de Montreal teme que a adoção do Projeto de Lei no 9 venha a fragilizar, por muitos anos, o desenvolvimento de Montreal [...] Todo o tempo em que a região estará ocupada em desfazer o que havia sido feito e em refazer o que havia sido desfeito não trará nenhum benefício ao desenvolvimento econômico, social e cultural da Cidade. (CRDIM, 2003). Deve ser observado, no entanto, que esse retorno ao formato administrativo precedente não se deu de forma plena no que se refere aos poderes anteriormente desfrutados pelas municipalidades reconstituídas. De fato, juntamente com a Cidade de Montreal, elas passaram a integrar o Conselho da Aglomeração, uma nova instância criada para gerir determinadas funções (bombeiros, polícia, desenvolvimento econômico, dentre outras) no território delimitado pela ilha de Montreal. A mudança foi conduzida por um comitê de transição, que se empenhou em implementar as determinações especificadas na lei. Ao tecer considerações sobre o novo Conselho da Aglomeração e a nova organização municipal, um alto funcionário do comitê de transição fez um comentário irônico ao observar que, em teoria, poderia dar certo, o que não constituía propriamente um aval entusiasmado. O esforço de remontar a cidade, após esta ter sido consolidada em 2001 e novamente desmembrada de forma parcial em 2004, aparecia como algo fútil. (Vengroff; Whelan, 2005). Outra decorrência da “desfusão” foi, certamente, a de levar a uma certa contestação do recém criado Conselho da Aglomeração, na medida em que sua legitimidade foi indiretamente posta em xeque. Isso é compreensível, bastando ter presente que se trata de um órgão dirigido pelo Prefeito de Montreal, 94 Conforme as palavras de um prefeito, “[...] as congratulações estão na ordem do dia para os cidadãos de Sonneville. Desde 1o de janeiro de 2007, temos nossa cidade de volta. Isso quer dizer que voltamos a ter controle local sobre a maior parte dos elementos que fazem de Sonneville uma comunidade única e tão maravilhosa. Isso abrange a recreação e a cultura (parques, piscinas, pistas de skate, quadras de tênis, etc.), estradas, rede local de água, tratamento local dos esgotos, zoneamento e planejamento urbano, coleta e tratamento do lixo e remoção da neve.” (Village de Sonneville, 2007). “Nos dois casos, a clivagem lingüística superpõe-se à clivagem econômica, dando o verdadeiro sentido do movimento sececionista em Montreal: identidade de classe e identidade lingüística somaram-se para, sob a alegação do respeito à democracia local e da busca da eficiência na administração municipal, levar à secessão.” (Jouve; Négrier, [s.d.], p. 17). 118 o qual havia se empenhado pessoalmente em uma ativa campanha contra a “desfusão” e que, naquele momento, saía derrotado do episódio.95 3.8 O Conselho da Aglomeração de Montreal Esse Conselho representa a instância política de âmbito supramunicipal que tem jurisdição no território da ilha de Montreal e que passou a operar em 1o de janeiro de 2006, coincidindo sua criação com o processo de “desfusão” das municipalidades. É formado por representantes eleitos de Montreal e das 15 cidades reconstituídas, sendo sua atribuição a de prestar serviços a toda a população da ilha de Montreal. Seu presidente é, automaticamente, o Prefeito de Montreal, o qual tem o poder de designar outros 15 integrantes escolhidos entre os titulares eleitos do Conselho Municipal da Cidade de Montreal. A composição do Conselho da Aglomeração é completada pelos 15 prefeitos das municipalidades que foram objeto da “desfusão”, sendo que duas delas têm um membro comum e uma outra conta com um representante suplementar. No total, portanto, o conselho é integrado por 31 membros. A representatividade e o poder de voto da Cidade de Montreal é de 87,3%, sendo proporcional ao peso demográfico que a mesma tem na aglomeração. As municipalidades reconstituídas repartem entre si os 12,7% restantes, igualmente levando em conta sua participação na população regional. Por conta desse mecanismo, que associa poder de voto e significância demográfica, a Cidade de Montreal acaba tendo controle absoluto no âmbito do Conselho. O fato de a designação dos membros do Conselho da Aglomeração reverter ao Prefeito de Montreal, bem como o de ser altamente improvável que sua escolha, para o exercício da função, venha a recair sobre adversários políticos, leva, em última análise, à concentração de poderes em suas mãos.96 Deve-se acrescentar que os conselheiros têm seus mandatos associados aos respectivos conselhos municipais de cada municipalidade, sendo estes últimos que definem as grandes orientações e as linhas a serem defendidas por seus representantes. Os poderes do Conselho da Aglomeração estendem-se, conforme já observado, aos serviços de natureza comum prestados à população regional, como polícia, transporte público, produção de água potável, tratamento do 95 96 “Mesmo que a nova Cidade de Montreal não vá desaparecer por força da “desfusão” [...] o fato é que ela não poderá mais desempenhar um papel de liderança, já que seu prefeito ficou igualmente fragilizado.” (Lefèvre, 2004). “Admitindo que os cidadãos das 15 municipalidades da ilha de Montreal que optaram pela “desfusão” tenham tomado tal decisão com pleno conhecimento de causa, não lhes cabe, em princípio, reclamar agora do autoritarismo da Lei no 9, que pretendia ser um elemento de pressão para mantê-los atrelados à megacidade. Quanto aos cidadãos das cidades anteriormente existentes e que não aderiram ao mecanismo da “desfusão”, eles somente estarão representados no Conselho da Aglomeração se elegerem conselheiros do mesmo partido do prefeito. Idêntico raciocínio aplica-se aos nove arrondissements da antiga Cidade de Montreal.” (Cliche, 2004). 119 lixo e dos esgotos, administração do sistema de vias arteriais, controle da poluição do ar, moradia popular, controle de incêndios, manutenção das infraestruturas, planejamento territorial e desenvolvimento econômico. No cumprimento de suas tarefas, o Conselho tem competência para impor regulamentações, autorizar despesas e cobrar taxas no âmbito da ilha de Montreal. É, portanto, o conjunto dos contribuintes da ilha que custeia os serviços executados sob os auspícios do Conselho da Aglomeração, inclusive aqueles que residem nas cidades reconstituídas, os quais devem, portanto, assumir uma parte das despesas.comuns incorridas. Na verdade, o que existe é um sistema de taxação em dois níveis. Enquanto os contribuintes de Montreal pagam uma única conta, aqueles das cidades recompostas recebem duas faturas, uma emitida pelo Conselho da Aglomeração e a outra pelo conselho municipal da localidade onde residem, o que reflete bem a divisão de autoridade hoje imperante (Roy, 2007). Com a criação do Conselho da Aglomeração de Montreal e a inclusão, no mesmo, das municipalidades reconstituídas, havia a pretensão de mantêlas atreladas aos destinos da megacidade e copartícipes nas decisões de cunho regional. Na prática, todavia, e sobretudo após o episódio de “desfusão” das 15 municipalidades da periferia, o Conselho aparece, cada vez mais, como um local de desencontros, em vez de funcionar como um lugar de congregação.97 Mais recentemente, foi agregada uma instância suplementar ao Conselho da Aglomeração, na figura de um secretariado da aglomeração. Essa nova estrutura é integrada por três prefeitos, representando a Cidade de Montreal, as cidades que foram objeto da “desfusão” e o Conselho da Aglomeração. Suas atribuições declaradas são as de agilizar a circulação de informações, de examinar qualquer assunto de interesse regional e de fazer recomendações ao Conselho da Aglomeração. Essa estrutura não tem poderes de decisão, mas tem a capacidade de orientar as discussões nas reuniões do Conselho da Aglomeração. Pode também pedir pareceres, encomendar estudos e solicitar à Cidade de Montreal, que dispõe da necessária capacitação técnica em seu quadro de funcionários, a realização de análises específicas. (Lévesque, 2007). Pretendendo ser uma resposta às críticas emanadas das municipalidades da periferia, que se consideram alijadas dos verdadeiros processos de decisão, o secretariado foi criado com a idéia de gozar de autonomia em relação à Cidade de Montreal. Nesse sentido, a medida agradou aos prefeitos das 97 “O orçamento de 2006 da metrópole foi aprovado a tempo, não sem antes suscitar 32 pedidos de vistas por parte das municipalidades da periferia. Estas têm se recusado a participar das sessões do Conselho da Aglomeração, onde afirmam não gozar da menor influência.” (Ralliement Longueuil, 2007). 120 municipalidades reconstituídas, ao passo que foi rejeitado pelas autoridades da Cidade de Montreal. Tal posicionamento é compreensível, bastando considerar que estas últimas vinham, na realidade, propugnando a extinção do Conselho da Aglomeração e a inserção dos prefeitos representantes das municipalidades reconstituídas no Conselho Municipal de Montreal, de forma a constituí-lo como o único fórum onde seriam tratados os assuntos de interesse comum.98 Paralelamente à inclusão da estrutura administrativa do secretariado, foi ampliada a composição do próprio Conselho da Aglomeração, com o número de integrantes passando de 31 para 80, englobando agora todos os prefeitos da aglomeração de Montreal, inclusive os dos arrondissements. Com isso, a Cidade de Montreal passou a ter assimilados os 64 membros de seu Conselho Municipal, além do próprio Prefeito. As cidades reconstituídas, por sua vez, seguem dispondo de apenas 12,7% do total de votos, mas passam a ter a possibilidade de, eventualmente, juntarem forças com os conselheiros representantes da oposição da Cidade de Montreal. Ainda visando atender a reivindicações das municipalidades da periferia, foi também estabelecido um comitê de arbitragem para ocupar-se da revisão da lista de equipamentos, das infra-estruturas e das atividades consideradas como sendo de interesse regional e, destarte, que devem ter seu financiamento ou custeio rateados entre todos os contribuintes da região.99 Tal decisão, na verdade, reflete a situação instalada após o episódio da “desfusão”, em que o Conselho da Aglomeração tem sido uma fonte de permanente descontentamento para as municipalidades reconstituídas em 2006, que argumentam carecer de poder para influenciar as decisões tomadas nesse nível. A forma encontrada pelo Governo Provincial para tentar contornar o impasse foi a do encaminhamento de uma lei pelo qual as municipalidades passam a ter maior autonomia na forma de dispor de seus recursos orçamentários. Do mesmo modo, foi feita uma alteração no rol dos serviços cujo custeio é compartilhado entre a Cidade de Montreal e os subúrbios, o que, naturalmente, enfraquece a posição da primeira no seio do Conselho. Como forma compensatória a Montreal, a referida lei também amplia a base tributária da Cidade, concedendo-lhe um maior poder de taxação em 98 99 “A Cidade de Montreal pronunciou-se praticamente em uníssono [...] ao demandar a abolição do Conselho da Aglomeração em sua forma atual e recomendar ao Governo de Quebec que considerasse a formação de um ‘conselho municipal ampliado’, em que os prefeitos das cidades reconstituídas reencontrariam os conselheiros municipais de Montreal. ‘Basta, já chega’, disse o Prefeito Gérald Tremblay. ‘É preciso pôr um fim nesse debate sobre as estruturas e voltar a ocupar-se do desenvolvimento integrado de Montreal.’” (Beauchemin, 2007). “A tomada de posição em favor das cidades reconstituídas fica ainda mais evidente, quando se considera a segunda parte do projeto de lei, que se reporta ao estabelecimento de um comitê de arbitragem encarregado de rever a lista dos equipamentos coletivos e a composição da rede arterial de vias públicas da aglomeração. O que está aqui em jogo é muito importante. Basta que se determine, por exemplo, que o jardim botânico não forma mais um equipamento coletivo da aglomeração para que Montreal tenha de arcar com 100% de seu custeio.” (Descôteaux, 2007). 121 seu território. Basicamente, fica autorizada a cobrança de impostos e taxas incidindo sobre cinemas, restaurantes, espetáculos e estacionamentos. Isso atende a uma antiga reivindicação da Cidade, que vinha buscando diversificar suas fontes de arrecadação, hoje fortemente focada no Imposto sobre a Propriedade e que forma a parte principal de suas receitas. Mesmo nessas condições, a medida foi mal recebida pelas autoridades locais, que estimam ser injusto promover a elevação da carga tributária suportada pelos cidadãos da cidade central, enquanto é “aliviada” a dos residentes nos municípios da periferia. Nos termos colocados pelo prefeito da cidade, “[...] o governo cedeu às pressões exercidas por 200.000 pessoas, que viraram as costas a Montreal, às custas de 1,6 milhão de pessoas que deram seu voto de confiança à nossa cidade” (CBC News, 2007). 3.9 A Comunidade Metropolitana de Montreal (Communauté Métropolitaine de Montréal) A Comunidade Metropolitana de Montreal foi criada por lei da Assembléia de Quebec em 16 de junho de 2000 e passou a operar em 1o de janeiro de 2001. Nas palavras do mandatário governamental que preparou a proposta de reforma municipal de 2001, “[...] o que poderíamos chamar de a Grande Montreal passou a existir no plano da governança governamental” (Bernard, 2000, p. 4)100. Trata-se, na verdade, de um organismo supramunicipal, uma agência de planejamento regional, que tem um mandato de gestão metropolitana em vários domínios e que deve se ocupar dos problemas causados pela expansão da área funcional de Montreal para além das fronteiras administrativas tradicionais. Quando de sua criação, tinha 63 municipalidades sob sua jurisdição, número este elevado para 82 desde 1o de janeiro de 2006 (Ville de Montréal, [s.d.]a). Essas municipalidades estão agrupadas em cinco regiões: Aglomeração de Montréal, Aglomeração de Longueuil, a Cidade de Laval, a coroa norte e a coroa sul. A CMM tinha 3,6 milhões de habitantes no ano de 2006, distribuídos em uma superfície de 4.360 km2, 58% dos quais são compostos por áreas agrícolas e 12% por cursos d’água (Communauté Métropolitaine de Montréal, 2005). Sua jurisdição corresponde, praticamente, à Área Censitária Metropolitana de Montreal. 100 “A idéia de trabalhar com uma visão de conjunto aplicada ao desenvolvimento de um grande território metropolitano foi retomada inúmeras vezes ao longo dos últimos 20 anos. Inspirando-se nos relatórios publicados durante esse período, o Governo de Quebec encarregou Louis Bernand de formar, no ano de 2000, um comitê integrado por representantes eleitos da região de Montreal. Ao término de seus trabalhos, foi sugerida a criação de uma nova estrutura metropolitana.” (Communauté Métropolitaine de Montréal, [s.d.]). 122 Mapa 8 A Comunidade Metropolitana de Montreal FONTE: Disponível em: http://www.mapygon.com. Acesso em: 3 out. 2008 A reforma de 2001 levou, como já visto, à fusão das 28 municipalidades da Comunidade Urbana de Montreal, resultando na formação de uma única municipalidade, a qual deu origem à nova Cidade de Montreal. Da mesma forma, promoveu a fusão de outras oito municipalidades da área metropolitana, que formaram a nova Cidade de Longueuil. Uma outra grande cidade desse território é Laval, que resultou de uma fusão datada de 1965 e que envolveu 14 municipalidades localizadas na segunda ilha mais importante do arquipélago, a Île Jésus. É em torno desses três pólos — que representam cerca de 75% da população metropolitana — que a CMM está estruturada.101 101 “Além disso, a Ministra Harel, encarregada da reforma, apostou nas economias de escala e em uma governança urbana aperfeiçoada ao reagrupar as 28 municipalidades da ilha de Montreal em uma só cidade. Decidiu também aglutinar as municipalidades da margem sul ao redor de Longueuil, sob o pretexto da necessidade de criar um terceiro pólo no interior do conjunto do sistema regional, de modo a servir de contrapeso a Montreal e Laval.” (Hamel, 2001). 123 A dinâmica dessa reforma, todavia, foi totalmente alterada depois que o Governo Provincial decidiu associá-la a uma operação de envergadura como a da fusão de municipalidades. Na prática, o problema da gestão metropolitana foi, para todos os efeitos, colocado em segundo plano, tendo sido a fusão de municipalidades que se transformou no eixo fundamental da reorganização municipal, a partir da prioridade posta na realização do sonho secular de fazer da ilha de Montreal uma só cidade e de criar, na margem sul, uma nova Laval. (Collin, 2001, p. 21). A instância metropolitana tem atribuições nas áreas de coordenação, de planejamento e de financiamento. Responde por funções estratégicas na área metropolitana, quais sejam, desenvolvimento econômico, planejamento territorial, infra-estrutura, habitação popular, transporte público, meio ambiente, tratamento da água, coleta do lixo, cultura e recreação. A idéia era a de que sua abrangência territorial lhe deveria garantir as condições necessárias para implementar e dar coerência às políticas que extravasavam as fronteiras municipais, direcionando os investimentos para onde fossem mais proveitosos ao conjunto do território. Tendo em conta, portanto, o espírito das preocupações governamentais à época, é razoável considerar que sua criação tinha, muito mais, um caráter de complementaridade a um dos objetivos perseguidos pelas fusões municipais, qual seja, o de melhorar a coordenação das políticas territoriais na região.102 Deve ser salientado, entretanto, que a CMM tem escasso poder executivo e uma pequena representatividade, o que tem dificultado sobremaneira o cumprimento de sua missão. Uma faceta dessa institucionalização light fica visível na forma de representação indireta própria à CMM. Isso é 102 “A criação de uma instância de planejamento e de cooperação em escala regional não representou a questão central dessa reforma. O governo apostou, antes de mais nada, no reagrupamento ou na reorganização municipal. Ao propor a redução do número de municipalidades, através do mecanismo das fusões forçadas, tanto na ilha de Montreal como na margem sul, o Governo retomou a idéia da modernização do sistema municipal, tal como proposta nos anos 60. Por essa razão, a perspectiva de criar uma sinergia na escala da região metropolitana e de definir processos de planejamento regional foi relegada a um segundo plano, mesmo estando previsto que a CMM deveria assumir diversos processos de planejamento e de cooperação em âmbito regional.” (Hamel, 2001). “A implantação da CMM em 2001 foi uma resposta à dinâmica espacial e econômica na área de Montreal, sobretudo em função da expansão das zonas de migrações quotidianas e da dispersão do mercado de trabalho no território. A CMM representa o nível regional, constituindo algo mais light do que um sistema de governo com dois níveis. Ou seja, responde apenas por um grupo selecionado de assuntos, para o que conta com pouca ou nenhuma representatividade, funcionando na base dos acordos de cooperação municipal [...] De qualquer forma, ainda que a idéia da governança municipal em Montreal remonte aos anos 20, a CMM constitui a primeira tentativa de harmonizar a integração funcional com a esfera das decisões políticas.” (OECD Observer, 2004, p. 95). 124 compreensível, tendo em conta o papel limitado que a mesma desempenha como organismo de coordenação e de planejamento regional. Ainda que o conselho da CMM seja composto por membros das municipalidade integrantes, ele não responde politicamente ante a população. Uma grande desvantagem sua, portanto, é a de lhe faltar visibilidade direta e, assim, apoio político. Muitos dos membros do Conselho da Aglomeração mostramse, com freqüência, relutantes em participar da cultura política metropolitana. Como sua legitimidade tem raízes no eleitorado local, mostram-se mais inclinados a colocar as prioridades de sua região acima dos compromissos metropolitanos. Caso se espere que a CMM venha a reforçar suas responsabilidades no campo do financiamento e tornar-se, no futuro, um provedor de serviços regionais, será preciso encontrar formas melhores de legitimidade e de representação popular. Nesse aspecto, a existência de um prefeito e de um parlamento metropolitano diretamente eleitos — como acontece em Stuttgart e na Greater London Authority — poderia ser lembrada como um exemplo pertinente. (OECD Observer, 2004, p. 97). Na realidade, o problema da efetividade da instância política regional, quando justaposta à influência das instâncias políticas locais, coloca-se com tanta acüidade em Montreal como em qualquer outra das metrópoles canadenses. De fato, é natural que os representantes eleitos em nível local busquem defender, em primeiro lugar, os interesses das suas comunidades, e isso representa uma situação dificilmente contornável. O mesmo vale para a dificuldade de, nessas condições, desenvolver e consolidar uma verdadeira visão de conjunto, válida em âmbito regional, que possa ser sustentada por esse tipo de organismo metropolitano. Em última análise, o que está em jogo é a circunstância de como dispor de agências regionais que, tendo ou não competência executiva, gozem de autonomia de decisão face às instâncias locais intervenientes. Os atores locais encaram o organismo regional como uma ameaça à sua autonomia e independência, mesmo quando dele são partes integrantes. Isso costuma ocorrer com mais forte razão no caso de serem representantes de uma municipalidade que é vizinha a uma cidade de grande porte [...] E, no caso de terem a menor parcela de poder capaz de bloquear a tomada de decisões no âmbito desse organismo (na circunstância, por exemplo, da exigência de unanimidade ou do exercício do poder de veto), mostram-se dispostos a exercê-la sem o menor pudor.” (Arbour, [s.d.]a).103 125 A CMM não tem poder de taxação104, o que significa dizer que não dispõe de recursos próprios. Suas receitas são constituídas por transferências originárias das municipalidades, que formam aproximadamente 75% de seu orçamento, e por subvenções da Província, que perfazem os 25% restantes. É preciso observar que se trata de uma instituição que funciona com um orçamento pequeno, a maior parte do qual (75%) é consumido por apenas dois itens de seu elenco de atribuições: habitação popular e infra-estrutura. Essa é uma condição que, indiscutivelmente, ajuda a compreender por que costuma ser definida como uma instituição frágil, ainda mais se comparada ao poder de fogo que marca uma megacidade como Montreal (Lefèvre, 2004). Muitos analistas preocuparam-se em criticar abertamente a reforma, julgando-a tímida em suas orientações estratégicas (o nível metropolitano permanecendo subsidiário), medrosa no plano fiscal (sem alterações no poder de taxação), imprecisa em matéria de transferência de competências (falta de clareza na repartição das atribuições entre os três poderes) e ambígua em seus princípios democráticos. Nessas condições, a idéia da oportunidade perdida é a mais freqüentemente lembrada. (Faure, 2003, p. 376). Uma circunstância adicional, não contemplada pela reforma municipal de 2001, refere-se à permanência de outros recortes institucionais que se sobrepõem ao território da CMM. Com efeito, há cinco regiões administrativas sob a responsabilidade de dois ministérios do Governo Provincial e cuja área de atuação coincide, parcial ou totalmente, com a da Comunidade Metropolitana de Montreal. O mesmo pode ser dito das chamadas Regional County Municipalities, que formam estruturas supramunicipais, reunindo municipalidades de uma determinada área e das quais existem 14 agrupamentos que, de forma total ou parcial, também se sobrepõem ao território da CMM. O fato de várias agências governamentais e entidades supramunicipais terem competência para atuar no mesmo espaço do território metropolitano — sem, todavia, terem presente a realidade funcional da região de Montreal — contribui 103 104 “É extremamente difícil, para um representante local, opor-se aos interesses de sua comunidade. Por exemplo, a gestão de uma determinada infra-estrutura instalada em uma municipalidade (como um parque industrial) pela instância regional (o Conselho da Aglomeração, no caso) pode não ser bem vista pelos atores locais, que identificam uma perda de autonomia e de independência nessa transferência de responsabilidades. E esse sentimento é tanto mais forte quanto mais clara é a percepção da pequena influência que podem exercer nas decisões tomadas no seio do organismo regional, em razão de seu pouco peso demográfico.” (Arbour, [s.d.]b). “Além disso, no futuro, a consolidação da CMM como um fornecedor de serviços em escala regional vai exigir a revisão de seus mecanismos de financiamento, incluindo-se aí a possibilidade de cobrança de um tributo de âmbito municipal”. (OECD Observer, 2004, p. 17). 126 naturalmente para agravar os problemas de divisão de responsabilidades entre os diversos atores que ali interagem.105 3.10 A situação dos transportes O sistema de transporte coletivo da Cidade de Montreal é bem desenvolvido, com 33% dos usuários declarando, em 2002, fazer uso desse modo de transporte, enquanto 56,8% utilizavam o automóvel (sendo 4,3% como passageiros), 8,2% preferiam a marcha a pé, e 2%, a bicicleta (Ebabylone, [s.d.]). Na verdade, Montreal é uma das poucas cidades da América do Norte em que os modos públicos conseguiram manter uma posição proeminente, tendo uma participação que, mesmo se mostrando em declínio e acompanhando, assim, uma tendência mundial, se encontra próxima dos níveis europeus. O fato é que, também ali, a ocupação suburbana e a realização de um número crescente de viagens por automóvel estão colocando na ordem do dia, cada vez mais, os conhecidos problemas de congestionamento no sistema viário, com o aumento generalizado dos tempos de viagem e das emissões de poluentes na atmosfera. Mais ainda, no caso de Montreal, há o componente adicional representado por sua insularidade, a qual estabelece um desafio crucial para os sistemas de transporte que operam na região. Com efeito, estão ali em funcionamento 19 túneis e pontes, a serem obrigatoriamente cruzados pelos veículos que chegam à ilha ou que dela saem, configurando uma das questões maiores do sistema de transporte local. As pontes e os túneis que conectam a ilha de Montreal aos subúrbios do norte e do sul não mais conseguem atender à demanda de forma adequada. Além disso, o aumento das viagens em automóvel ultrapassa em muito a capacidade financeira dos governos para investir no sistema rodoviário [...] Ao mesmo tempo, as empresas de transporte público estão subcapitalizadas, o que resulta na piora dos serviços oferecidos e na elevação das tarifas, com impactos visíveis em termos da redução da clientela dos modos públicos. (Transport Canada, [s.d.]). A carência de recursos financeiros para realizar os investimentos requeridos pelos sistemas públicos está, efetivamente, colocando em risco as reco105 “Um dos principais obstáculos que se coloca ao recentemente criado organismo metropolitano, no sentido de contar com condições efetivas para cumprir seu mandato, está relacionado à estrutura institucional da região metropolitana. A boa governança metropolitana em Montreal resultará, provavelmente, prejudicada pela confusa definição de competências em vigor e pela falta de harmonização entre os diferentes territórios cobertos pelas várias estruturas institucionais regionais.” (OECD Observer, 2003, p. 4). 127 nhecidas conquistas passadas de Montreal nesse domínio, que formam uma experiência modelar no contexto da América do Norte. A Cidade conta, de fato, com uma bem-estruturada rede de ônibus e opera com um valioso sistema de metrô, enquanto a área metropolitana, por sua vez, é atendida por uma rede de trens de subúrbio composta por cinco linhas. No tocante às políticas públicas a serem privilegiadas, há um claro posicionamento das autoridades em favor do fortalecimento e da renovação dos modos públicos, definindo uma estratégia que vem sendo defendida desde o ano 2000. A idéia seria a de ter maior controle sobre as viagens realizadas e sobre o próprio processo de ocupação do território, procurando tirar proveito dos efeitos estruturadores dos transportes em comum. Nesse caso, em particular, as condições reunidas parecem ser bastante propícias ao êxito de uma proposta desse tipo, considerando-se a elevada densidade de ocupação existente no núcleo central, a forte centralidade que o caracteriza e o fato de ter avançado relativamente pouco o processo de descentralização dos empregos, dos equipamentos e das infra-estruturas para a periferia. É claro que o baixo nível dos investimentos e a pouca disposição efetiva de canalizar maciçamente recursos para modos pouco rentáveis se revelam conflitantes com o desejo manifesto de direcionar as escolhas modais para os transportes públicos (Paulhiac; Kaufmann, 2006, p. 62, 77 e 78). Ao nível do discurso, as palavras do Prefeito de Montreal sintetizam bem as intenções de “disponibilizar os meios para criar uma cidade para todos, onde o espaço urbano esteja organizado para responder, prioritariamente, às necessidades das pessoas e não as dos veículos privados” (Ville de Montréal, 2006). Para tanto, a Cidade planeja reduzir a dependência do automóvel, apostando na utilização mais plena do transporte em comum e dos modos ativos. Os modos ativos incluem a bicicleta e, em especial, a marcha a pé106, a serem favorecidos em função das qualidades que oferecem em matéria de urbanismo e de qualidade de vida.107 O incentivo aos pedestres estende-se, assim, igualmente aos ciclistas, que podem fazer uso de uma bem desenvolvida rede de ciclovias, implantada sobretudo nos anos 80, que conta com 400km de extensão. É por razões como essa que Montreal é vista como uma cidade feita sob medida para a utilização da bicicleta, uma realidade de que dão testemunho os 500.000 ciclistas que, ao menos uma vez por semana, saem às ruas e os 140.000 que a adotaram como seu modo preferencial de transporte. Veja-se também que, para facilitar seu uso integrado, as bicicletas podem ser transportadas, fora dos horários de pico, na parte frontal das composições metroviárias (Ville de Montréal, [s.d.]b). 106 107 “Montreal reconhece a prioridade do pedestre no espaço urbano e, ao mesmo tempo, afirma a necessidade de adotar comportamentos que garantam sua segurança, bem como a dos modos de transporte ativos.” (Ville de Montréal, 2007b). “De forma a levar em conta as necessidades específicas dos pedestres e criar condições favoráveis à marcha a pé, será preciso: priorizar o pedestre quando do planejamento e da organização dos espaços de domínio público; incentivar a criação de unidades de vizinhança densificadas e multifuncionais; e revalorizar o papel social da rua como suporte natural da vida de bairro.” (Ville de Montréal, 2006). 128 3.10.1 O metrô Montreal conta com os serviços de um metrô construído inteiramente em via subterrânea, uma circunstância imposta pelos rigores do inverno local. A inauguração da.primeira linha remonta a 1966, um ano antes da Exposição Universal realizada na Cidade. Na atualidade, estão em funcionamento quatro linhas, sendo que a última foi inaugurada em 1989. O metrô de Montreal opera com 69,2km de vias e com 68 estações, transportando 700.000 passageiros/ ano. Sua construção seguiu a tecnologia francesa, o que explica o sistema de rodagem inteiramente pneumático. Seus serviços atendem sobretudo à zona mais central da Cidade e têm uma influência indireta também sobre os espaços metropolitanos, via sistema de integração com os ônibus urbanos. De qualquer forma, já existe o reconhecimento explícito do metrô como constituindo um equipamento de transporte metropolitano. Isso ficou evidenciado no acordo estabelecido entre representantes da Comunidade Metropolitana de Montreal e do Ministério dos Transportes, segundo o qual o déficit operacional do metrô previsto para o período 2007-11 deverá ser “metropolizado”. Na prática, isso significa que Montreal vai assumir 67% dos custos incorridos, revertendo 20% às demais municipalidades, e o restante sendo coberto por uma subvenção governamental da Província (Ville de Montréal, 2007b). 3.10.2 Transportes e governança A Comunidade Metropolitana de Montreal tem a atribuição de planejar, coordenar e financiar o transporte público no que este tem de caráter metropolitano. Tem igualmente o poder de aprovar ou introduzir mudanças no plano estratégico metropolitano de transportes elaborado pela Agência Metropolitana de Transportes (Agence Métropolitaine de Transport – AMT), bem como de pronunciar-se sobre as tarifas propostas pela Agência. É também de sua responsabilidade a aprovação dos planos estratégicos de desenvolvimento dos transportes públicos de autoria de outros órgãos que operam em seu território (Communauté Métropolitaine de Montréal, [s.d.]). O fato é que, não obstante as atribuições recebidas, a CMM não tem condições plenas para o exercício dessa função, tendo em conta a atuação do Ministério dos Transportes e de seu órgão executivo, a AMT, que é quem responde efetivamente pela gestão do sistema de transporte público em âmbito metropolitano. O governo de Quebec criou recentemente a CMM, um governo regional voltado para o planejamento do uso do solo e que opera no mesmo espaço geográfico da AMT. A CMM não é, todavia, responsável pelo planejamento dos transportes e a legislação que a criou não lhe concedeu um mandato formal para promover a coordenação das estratégias de uso do solo e de controle do crescimento 129 com aquelas definidas pela AMT para o transporte público. Da mesma forma, a AMT manteve seus poderes quanto ao transporte coletivo metropolitano e não tem a obrigação formal de colaborar com a CMM. (Kar, [s.d.]). A AMT é uma agência da esfera governamental da Província, criada, em 1996, com a missão de ocupar-se das atividades de coordenação, planejamento e gestão dos serviços de transporte coletivo na região de Montreal. Preocupa-se, em especial, com a melhoria das condições das viagens realizadas nos modos públicos de transporte, inclusive no tocante à maior integração entre as diversas redes de transporte em comum. Suas atribuições abarcam o financiamento e o gerenciamento do sistema metropolitano de trens de subúrbio, do sistema de metrô, do sistema de ônibus metropolitanos e de toda a infra-estrutura de interesse metropolitano (estacionamentos park-and-ride, corredores exclusivos de circulação e terminais de ônibus). Deve ainda prestar assistência às autoridades locais que mantêm serviços de ônibus no território metropolitano, o que não é uma tarefa das mais fáceis, considerando-se que existem 22 organismos locais operando com sistemas de transporte coletivo. A AMT é, na realidade, mais do que um simples órgão de coordenação, posto que tem poderes e capacidade de financiamento para definir e implantar as estratégias que orientam o desenvolvimento do transporte em comum na escala metropolitana e, assim, influenciar as políticas de ocupação do solo. No cumprimento dessa tarefa, não está sujeita à aprovação formal das municipalidades sob sua área de atuação108, ainda que adote, na prática, um sistema de consultas às autoridades locais. Na verdade, a AMT só precisa prestar contas ao Ministério dos Transportes da Província, que é, aliás, quem nomeia os membros integrantes do seu conselho administrativo (Kar, [s.d.]). Suas fontes de receita são variadas, abarcando a taxa sobre combustíveis, as taxas de registro dos veículos, os repasses de recursos por parte das municipalidades servidas pelos trens de subúrbio, as receitas das vendas de passagens para os usuários do sistema de transporte de subúrbio e dos passes de integração, bem como as transferências governamentais do Governo Provincial. Conta ainda com um fundo de imobilizações para fins de manutenção e construção de infra-estruturas (Kar, [s.d.]) 3.10.3 O plano de transportes da Cidade de Montreal As grandes linhas que marcam o plano de transportes da Cidade de Montreal incorporam o objetivo ambicioso de investir pesadamente nos modos alternativos ao automóvel, a saber, o transporte em comum, o próprio veículo privado quando utilizado por mais de um ocupante, e os modos ativos, como a 108 “A AMT tem jurisdição sobre um território que abrange não apenas a ilha de Montreal e a île Jésus, como também as coroas norte e sul, ainda que esse espaço corresponda apenas, aproximadamente, à Área Censitária Metropolitana de Montreal.” (Collin, 2001, p. 19). 130 marcha a pé e a bicicleta. A administração da demanda dos transportes também integra esse pacote, com a adequação da oferta de transportes devendo atuar no sentido de reforçar os principais pólos existentes no território, limitando, assim, a ocupação desenfreada da periferia. 109 Nossas escolhas individuais e coletivas devem, daqui para diante, integrar outras dimensões fundamentais, como a proteção ao meio ambiente, a qualidade do ar e da vida, a tranqüilidade e o “bom clima” dos bairros onde vivemos, a segurança e a saúde dos cidadãos, a eficiência e o conforto dos equipamentos públicos, a eqüidade social e as grandes decisões sobre os montantes de recursos financeiros a investir. (Ville de Montréal, 2007b). A estratégia contemplada pelo plano é muito diversificada, incluindo: a modernização dos equipamentos e do material rodante do metrô, bem como o prolongamento da linha que atende ao leste da Cidade; a implantação de uma rede de bondes na área mais central da aglomeração; o estabelecimento de vias exclusivas de circulação em alguns grandes eixos selecionados, a serem utilizados por ônibus articulados ou por trolleybus;110 a ampliação da rede de ciclovias, cuja extensão deve alcançar 800km; a promoção da revisão do plano de urbanismo, no sentido de impor limites máximos aos espaços de estacionamento permitidos na cidade;111 a consolidação das zonas de pedestres existentes no centro da Cidade e nos bairros centrais; a revisão de questões envolvendo a governança nesse território, porquanto é considerado excessivo o número de organismos públicos e privados com ingerência nesse domínio; a garantia de que os grandes projetos imobiliários incorporem o problema 109 110 111 “O conceito de organização preconizado por Montreal em seu plano de transportes apóia-se em um mais intensivo e estratégico uso do solo, ao favorecer a melhor utilização das infraestruturas de transporte coletivo via densificação e diversificação das atividades que impactam a rede de transportes públicos existente ou prevista [...] Daqui para.diante, Montreal vai se assegurar de que os projetos propostos conduzam a uma maior densidade de ocupação do solo e que estejam marcados por uma mistura de funções urbanas [...] Com isso, será possível diminuir a demanda de viagens motorizadas, encorajando aquelas realizadas pelos demais modos.” (Ville de Montréal, 2007b). “A estratégia apóia-se também na introdução de uma moderna rede de bondes e de uma rede de serviço rápido por ônibus, que constituem modos de capacidade intermediária. Esses novos modos não apenas devem oferecer outras opções de transporte aos usuários, como vão aumentar a eficiência do conjunto do sistema, graças ao caráter de complementaridade que oferecem aos sistemas de metrô e de ônibus convencionais. Além do mais, representam um tipo de projeto que garante um atendimento eficiente aos territórios servidos, a um custo inferior ao que caracterizaria uma expansão do sistema de metrô.” (Ville de Montréal, 2007c). “É preciso gerenciar o estacionamento como um instrumento estratégico para.reduzir a utilização do automóvel na Cidade. As cidades adaptaram-se às restrições impostas por seu uso, não sendo Montreal, há já algumas décadas, exceção à regra. Nesse contexto, as funções de circulação e de estacionamento — por princípio, grandes consumidoras de espaço — passaram rapidamente a ser vistas como algo dado, como um direito adquirido. A Cidade tem a intenção de reverter tal tendência.” (Ville de Montréal, 2007b). 131 do gerenciamento das viagens em todas as suas dimensões, pelo que sua aprovação deve ficar condicionada à efetiva disponibilidade de atendimento pelos modos públicos de transporte; e a adoção de medidas que facilitem a vida dos que optam pelos modos ativos de transporte (Ville de Montréal, 2007b). Deve ser também observado que a Cidade de Montreal, conforme disposto no plano de urbanismo em vigor, pretende construir de 60.000 a 75.000 novas residências até 2014, 30% das quais devem ter um caráter social. Esse é um programa que objetiva oferecer uma habitação adequada a pessoas de baixa renda, que encontram, normalmente, dificuldades para encontrar seu espaço no mercado imobiliário tradicional. O fato é que, até recentemente, os aluguéis eram baratos na Cidade, por conta do elevado estoque de moradias disponíveis. A situação, todavia, mudou completamente, a ponto de falar-se hoje em crise habitacional. Os apartamentos vagos tornaram-se raros, e o valor dos aluguéis disparou, em especial nas áreas centrais. Mesmo com o custo médio de uma moradia sendo ainda menor do que o observado em outras cidades canadenses (como Toronto e Ottawa por exemplo), há a circunstância agravante representada pelo elevado número de famílias locatárias existentes na Cidade. Do total de famílias nessa condição, 36% comprometem 30% ou mais de sua renda apenas com o item moradia, o que as caracteriza como vivendo abaixo da linha de pobreza (Fondation du Grand Montréal, 2006). A ilha de Montreal é, de longe, a maior bacia de locatários da área metropolitana, agrupando 75% das famílias assim caracterizadas. Ora, em função dos altos preços dos imóveis e dos aluguéis na área central, uma boa parte dos locatários — em especial o pessoal mais jovem — que gostaria de se livrar dos encargos locatícios e adquirir uma propriedade é forçada a dirigir-se à periferia, onde os preços dos imóveis se mostram mais acessíveis, definindo uma situação que as autoridades de Montreal consideram indesejável (Ville de Montréal, [s.d.]c). Os programas [de moradia] atendem a um elenco variado de indivíduos, em especial de pessoas solitárias, de famílias numerosas, de pessoas idosas, de recém-chegados e de mães chefes de família, que têm dificuldades para encontrar uma residência adequada em função de sua baixa solvência financeira [...] Por outro lado, as residências devem estar bem localizadas, a uma distância razoável dos empregos e do transporte público: uma habitação a preços abordáveis somente o é verdadeiramente se sua localização não implicar custos elevados de transporte. (Ville de Montréal, [s.d.]c).112 112 “A existência de uma variedade de moradias atendendo às necessidades dos cidadãos com diversas faixas de renda constitui uma parte integrante da abordagem do desenvolvimento sustentável. O vasto território ocupado pela área metropolitana de Montreal levou a uma forte separação entre locais de residência e locais de trabalho, com repercussões nos deslocamentos quotidianos dos trabalhadores [...] Aproximar os locais de residência aos de emprego contribui para reduzir o tempo perdido nas viagens, o congestionamento urbano e os impactos negativos ao meio ambiente.” (Ville de Montréal, [s.d.]c). 132 3.11 O planejamento territorial em Montreal É usual encontrar-se, na documentação produzida sobre a região de Montreal, o estabelecimento de uma relação direta entre a lógica e a realidade da competição econômica no cenário mundial e a boa performance das cidades atrelada à ótica do território, vista como prejudicada pela fragmentação municipal. Nesses termos, para chegar ao desenvolvimento sustentável, Montreal precisaria, forçosamente, incorporar uma visão de gestão metropolitana a suas aspirações de sucesso em âmbito internacional.113 E esse é, precisamente, um dos objetivos declarados do Plano de Desenvolvimento Econômico da Comunidade Metropolitana de Montreal adotado em 2005. Intitulado Rumo ao Mundo: por uma Região Metropolitana de Montreal Competitiva (Cap Sur le Monde: pour une Région Métropolitaine de Montréal Compétitive), o plano busca fortalecer a competitividade e a atratividade de Montreal no contexto das áreas metropolitanas da América do Norte e do mundo. Na atual economia globalizada, as municipalidades de uma mesma região não mais competem umas com as outras. A competição econômica dá-se entre as principais regiões metropolitanas. Em conseqüência, cabe à CMM fazer duas coisas: entender claramente em que consiste a capacidade de competição internacional e preparar uma estratégia de desenvolvimento econômico que seja capaz de enfrentar, com sucesso, os desafios da globalização e de, assim, posicioná-la favoravelmente nesse embate. (Communauté Métropolitaine de Montréal, 2005, p. 11). Deve ser observado que, conforme bem argumentado por Sancton (2003), ainda que a globalização possa ser a causa de profundas transformações nas características físicas e econômicas das áreas metropolitanas e, eventualmente, leve à necessidade de formulação de novos arranjos governamentais, a verdade é que tal fato não difere fundamentalmente das tentativas anteriores de adequação das estruturas municipais às mudanças nos padrões de urbanização. Da mesma forma, os argumentos em favor da internalização das externalidades proporcionadas por um governo metropolitano, a partir da fusão de municipalidades, já são velhos conhecidos, não tendo nada a ver especificamente com a globalização.114 113 114 “A concorrência estéril entre as municipalidades de uma mesma aglomeração, a multiplicidade de atores que se expressam em vozes discordantes e a falta de uma visão de conjunto por parte das coletividades servem apenas para reduzir a capacidade competitiva das cidades de Quebec nos mercados internacionais. É preciso criar condições ótimas de desenvolvimento econômico para a formação de pólos socioeconômicos que tenham uma dimensão capaz de se impor no cenário mundial.” (Soucy, 2002) “Sob muitos aspectos, é simplesmente um absurdo considerar que a globalização está diretamente relacionada à fusão municipal. Por definição, a globalização é generalizada. Não tem um impacto direto sobre a estrutura das instituições governamentais, havendo mudanças semelhantes ocorrendo em outros lugares [...] Usar o argumento da globalização para explicar a fusão não faz nenhum sentido. Não há, na verdade, conexão entre a organização municipal de um área metropolitana e sua posição na hierarquia das cidades globais.” (Sancton, 2003). 133 4 A CIDADE DE VANVOUVER E O DISTRITO REGIONAL DA GRANDE VANCOUVER (GREATER VANCOUVER REGIONAL DISTRICT – GVRD) 4.1 A Província da Colúmbia Britânica A Colúmbia Britânica é, dentre as províncias canadenses, a que está posicionada mais a oeste, sendo a única voltada para o Oceano Pacífico. Tem uma área de 944.735km2, ocupando 9,46% da superfície total do Canadá. Forma uma das regiões mais montanhosas da América do Norte e diferenciase especialmente pela riqueza de seus recursos naturais, com o destaque ficando por conta das florestas, dos minerais e dos hidrocarbonetos. A estrutura da economia regional reflete o peso dos setores tradicionais que formam a velha base produtiva assentada na exploração dos recursos naturais e que vêm passando por um processo de esvaziamento de sua significância econômica. Ainda assim, as atividades madeireiras continuam tendo uma importância primordial, a ponto de terem representado 16% do PIB da Província e 35% das suas exportações em 2004 (Consulat Général de France à Vancouver, 2006, p. 5). As atividades ligadas à pesca já foram mais relevantes, estando, hoje, em declínio. A exploração mineral — outrora de grande significado — enfrenta dificuldades e só voltou a crescer, mais recentemente, por obra do aumento da demanda originária da Ásia. Essa é uma reativação que decorre, portanto, dos fortes laços econômicos que se estabeleceram com a transformação da Colúmbia Britânica na porta de entrada para os residentes dos países asiáticos da orla do Pacífico. A província contava com 4.113.487 habitantes em 2006, contribuindo com 13,01% da população do Canadá. A taxa de crescimento demográfico regional é relativamente elevada para os padrões canadenses, tendo sido de 1,52% a.a., entre os anos de 1991 e 2006, contraposta à de 0,98% a.a. observada no País como um todo, no mesmo período. Já em termos de densidade populacional desse território, verifica-se ser a mesma bastante baixa (4,35 hab/km2 em 2006), ainda que levemente superior à média canadense (3,17 hab/km2).115 Trata-se, na verdade, de uma região pouco ocupada, mas que é marcada pela presença de grandes contingentes populacionais em alguns centros urbanos. Os movimentos de população na Colúmbia Britânica estiveram sempre muito atrelados ao comportamento dos fluxos de entrada de estrangeiros. Com efeito, a região foi, tradicionalmente, o destino de importantes massas migra115 Para fins comparativos, assinala-se que a densidade demográfica do Brasil era de 21,93 hab/ km2 em 2006 (IBGE, [s.d]). 134 tórias, o que explica o fato de a maior parte de seus atuais habitantes serem descendentes dos europeus que lá se fixaram a partir de fins do século XIX. Os ingleses constituíam a maioria entre os imigrantes de origem britânica que ingressaram nessa época, mas escoceses e irlandeses também se fizeram presentes. Entre outras comunidades que contribuíram para a formação da população local, encontram-se especialmente os alemães, os italianos, os gregos, os holandeses, os escandinavos e os ucranianos. Em período mais recente, após os anos 80, os fluxos imigratórios voltaram a intensificar-se, sendo agora provenientes da Ásia, em particular de Hong Kong, China Continental, Taiwan, Índia e Paquistão. Esses movimentos de população ainda são bastante ativos na atualidade, bastando dizer que, apenas no ano de 2004, a Província acolheu 37.000 estrangeiros, correspondendo a 15,7% do total de imigrantes que ingressaram no Canadá, nesse ano (Consulat Général de France à Vancouver, 2006, p. 7 e 9). A sede do Governo Provincial da Colúmbia Britânica fica em Victoria, uma cidade que tinha 78.659 habitantes em 2006 e que está situada na ilha de Vancouver. Mapa 9 A Província da Colúmbia Britânica FONTE: Disponível em:<http://travel.yahoo.com>. Acesso em: 12 dez. 2006. 135 4.2 A Cidade de Vancouver e o Distrito Regional da Grande Vancouver A população de Vancouver era de 578.041 habitantes em 2006, o que a tornava a principal cidade da Província e a terceira maior do País, seguindo-se a Toronto e Montreal. Sua área metropolitana – conhecida pelo nome de Distrito Regional da Grande Vancouver e que corresponde à Vancouver Census Metropolitan Area – estende-se por um território de 2.878,52km2 (considerandose apenas a superfície de terras), sendo que 26% do mesmo estavam urbanizados em 2001 (Regional Transportation Commission, [s.d.]). O GVRD é a terceira maior área metropolitana do Canadá e tinha 2.116.581 habitantes em 2006, o que significa dizer que mais da metade dos residentes da Província (51,45%) vivia nessa aglomeração. Além do mais, nota-se que seu peso relativo vem aumentando no total da população provincial, tendo registrado um acréscimo percentual de 3,14% desde 1971. Inversamente, está em queda a participação percentual do principal pólo — a Cidade de Vancouver — na sua área metropolitana, que decresceu 12,08% entre 1971 e 2006, sendo de 27,31% neste último ano. As respectivas taxas de crescimento refletem esses movimentos demográficos diferenciados, com a Grande Vancouver expandindo-se a 1,93% a.a., entre os anos de 1971 e 2006, e a Cidade de Vancouver, a 0,87%. Com isso, um contingente de um milhão de pessoas somou-se à população residente da Grande Vancouver, fazendo-a dobrar de tamanho e destacando-a como uma das de mais rápido crescimento entre as áreas metropolitanas caTabela 3 População da cidade de Vancouver e do GVRD e participação percentual da população de Vancouver na do GVRD – 1941-2006 ANOS 1941 1951 1961 1971 1981 1991 1996 2001 2006 VANCOUVER (1 000hab.) (A) 275,3 344,8 384,5 426,3 413,6 471,8 514,0 545,7 578,0 GVRD (1 000hab.) (B) 409,3 586,2 826,8 1 082,3 1 268,2 1 602,5 1 831,7 1 987,0 2 116,6 FONTE: Statistics Canada (dados censitários). PARTICIPAÇÃO PERCENTUAL (A /B) 67,26 58,82 46,50 39,39 32,61 29,44 28,06 27,46 27,31 136 nadenses. Nos anos mais recentes, a dinâmica demográfica da área metropolitana viu-se um pouco enfraquecida, com a taxa de crescimento anual caindo para 1,27% entre 2001 e 2006. As outras municipalidades importantes dessa aglomeração são Surrey (394.976 habitantes em 2006), Burnaby (202.799 habitantes), Richmond (174.461 habitantes) e Coquitlam (114.565 habitantes) (Statistics Canada, 2007c). Mapa 10 O Distrito Regional da Grande Vancouver FONTE: Disponível em:<http://www.frostcloud.com>. Acesso em: 23 jan. 2008. Conforme já observado no caso da Província como um todo, o concurso dos fluxos imigratórios foi determinante também na formação demográfica da Cidade de Vancouver, a ponto de o censo de 2001 revelar que 37,5% dos seus residentes tinham origem estrangeira. A participação dos asiáticos, e a dos chineses em particular, é muito marcante, não só na própria Cidade de Vancouver (6,9%) como principalmente no âmbito de sua área metropolitana, onde perfaziam 34% do total de habitantes. Em termos absolutos, e conforme os resultados do censo de 2006, isso se traduziu em um ingresso médio de 25.000 novos imigrantes a cada ano, no período entre 2001 e 2006 (Statistics Canada, 2007c). 137 As relações privilegiadas mantidas com a Ásia tendem a refletir-se na vida econômica da metrópole, que sofre forte influência dos asiáticos, que atuam nos mais variados setores, fazendo dela uma das cidades canadenses que menos depende economicamente dos Estados Unidos (Ebabylone, 2006). Paradoxalmente, com sua localização no extremo sudoeste do Canadá, Vancouver dista somente 38km da fronteira com os Estados Unidos. Cabe também referir a contribuição, na formação demográfica do GVRD, dos residentes de origem aborígene, cuja presença continua sendo significativa nos dias atuais (cerca de 2,7% do total de habitantes segundo o censo de 2001). Eles formam as chamadas coletividades das “Primeiras Nações” (First Nations), vivendo concentrados em reservas indígenas, ou de forma disseminada no território. A Grande Vancouver localiza-se na borda do Pacífico, estando separada do oceano pelo estreito de Geórgia, um corpo d’água confinado entre a ilha de Vancouver e o continente. Compõe um sítio fisiográfico privilegiado, que tem sido o destino tradicional de numerosos fluxos turísticos, atraídos que são pelas belezas naturais de um território que ostenta, como grande vitrine, o oceano, as montanhas, os rios e os lagos. Também pesam favoravelmente nesse sentido um clima bastante ameno pelos padrões canadenses e a qualidade de vida oferecida por Vancouver, considerada uma das melhores cidades do mundo para se viver.116 A região forma o centro econômico da Colúmbia Britânica, contribuindo com mais de 50% do PIB e do emprego regionais. Outro indicador significativo dessa primazia reside no fato de 90% das grandes companhias instaladas na Província terem ali sua sede (GVRD, 2002, p. 11). A Cidade de Vancouver, mais especificamente, deriva sua principal fonte de renda do comércio internacional, posto que funciona como o principal pólo portuário e o segundo maior centro aeroportuário do Canadá, além de constituir o término da ferrovia transcontinental. Destaca-se ainda como centro financeiro e por abrigar tradicionalmente as matrizes de numerosas empresas da área de mineração e de produtos florestais. Em época mais recente, empreendeu um bem-sucedido movimento de diversificação econômica, com as atividades ligadas aos serviços ganhando maior representatividade.117 116 117 De acordo com o ranking do The Economist Inteligence Unit, Vancouver despontava como a primeira cidade em qualidade de vida em um conjunto de 127 cidades globais selecionadas (Slack, 2004, p. 48). “Considerando-se o desenvolvimento das atividades produtivas na Vancouver metropolitana, verifica-se que há uma crescente dicotomia entre o Lower Midland e o restante da Província. A maior parte da economia da Colúmbia Britânica é de natureza extrativa, com grande dependência da exploração madeireira, da mineração e da pesca e uma limitada inserção industrial. A base produtiva do Lower Midland, por sua vez, está cada vez mais orientada para o serviços, com forte presença dos serviços pessoais e dos que servem às empresas, além do turismo e de uma rede de distribuição de bens e serviços que cobre toda a Província. Graças à sua importante população de origem estrangeira, a uma economia regional crescentemente interdependente e voltada para o exterior e à sua posição estratégica enquanto porto do Pacífico, Vancouver tornou-se uma cidade internacional, ao mesmo tempo em que a economia da Província, por seu turno, ficou ainda mais internacionalizada.” (Smith, 2004, p. 8). 138 Vem-se afirmando também como pólo de desenvolvimento de novas tecnologias, com ênfase nas áreas de software e de biotecnologia. Deve ser observado que, em grande medida, os bons resultados alcançados nesse domínio têm muito a ver com a ativa política de apoio à pesquisa e ao desenvolvimento industrial praticada pelo Governo Provincial no campo da alta tecnologia. Também o cinema conquistou seu lugar de destaque na estrutura produtiva da Cidade, a ponto de Vancouver ter-se tornado, depois de Los Angeles e Nova Iorque, o terceiro pólo de produção cinematográfica da América do Norte. O sucesso alcançado nessa área está intimamente associado à variedade e à beleza dos cenários próprios da Colúmbia Britânica, mas também muito se deve aos atrativos de uma estrutura de custos de produção, em âmbito local, muito mais favorável do que a encontrada nas locações feitas nos Estados Unidos. Esta é, todavia, uma atividade largamente tributária dos grandes estúdios norte-americanos, sendo freqüente o caso de produções realizadas em regime de subcontratação (Consulat Général de France à Vancouver, 2006, p. 27). Para dar uma idéia das proporções assumidas pelo fenômeno, veja-se que cerca de 10% dos filmes de Hollywood são, na atualidade, rodados em Vancouver, enquanto muitos seriados da televisão norte-americana são ali filmados de forma exclusiva (Ebabylone, 2006).118 Vancouver está agendada para receber os Jogos Olímpicos de Inverno de 2010, um evento que deverá ter, assim se espera, um impacto altamente dinâmico em sua economia, bem como trazer o reconhecimento internacional de seu potencial nesse mundo de cidades expostas à globalização. Algo semelhante já ocorreu em 1986, quando ela foi sede de uma exposição internacional (a ‘86 World Expo), cujos estímulos dinamizadores se prolongaram por vários anos. É dessa ocasião que data, por exemplo, a primeira linha do Skytrain, o sistema de metrô de Vancouver, além de vários outros equipamentos urbanos, hotéis e centros de eventos (Lévesque, 2004). Os efeitos indutores dos Jogos Olímpicos de Inverno, em conjunto com os de outros, de menor porte, também já programados, devem contribuir, por outro lado, para exacerbar um dos problemas críticos com que a Cidade já convive, qual seja, o do crescimento urbano desenfreado de sua zona central. Vê-se, assim, que, entre 1991 e 2004, houve um aumento da ordem de 62% no número de pessoas ali residentes. Ora, por força das características topográficas do sítio onde se localiza Vancouver (espremida que está entre o estreito de Geórgia, o rio Fraser e as montanhas), é limitado o espaço disponível para ocupação urbana. Por uma opção explícita dos planejadores e administradores locais, tomada já ao final dos anos 50 e início dos 60, foi incentivada a edificação de torres de moradia no coração da Cidade (mais especificamente, no West End Downtown). É o que explica a formação dessa cidade com118 Em 2005, foram produzidos 211 filmes na Colúmbia Britânica, 148 dos quais para a televisão. Isso acarretou despesas globais da ordem de US$ 1,68 bilhão, 60,5% das quais foram realizadas na Columbia Britânica. A propósito, ver http:<//www.gvrd.bc.ca>. Acesso em: 02 jun. 2006. 139 pacta, com um grande número de edifícios altos e um padrão de ocupação extremamente densificado em seu centro histórico, que se traduz na maior densidade do Canadá e na terceira da América do Norte, após Nova Iorque e São Francisco (Wikipedia, 2006b). A linha do horizonte da Cidade de Vancouver reflete a maciça presença dos arranha-céus em seu centro urbano. sendo ali usuais os prédios com alturas variando entre 90m e 130m, o que equivale, grosso modo, a imóveis com 20 a 30 pavimentos (Figura 5). Figura 5 A linha do horizonte da Cidade de Vancouver FONTE: Disponível em:<http:// www.jonpatch.ca>. Acesso em: 02 abr. 2008. Deve ser dito que esse padrão de edificação resultou da observância à legislação que disciplina a altura máxima dos edifícios, fixada em 450 pés (138m), e que pretendia manter desimpedida a visão das montanhas por trás da Cidade. As normas que regulam essa matéria datam basicamente de 1989 e 1990 e fixam corredores na área central, onde existem limites, em termos de altura, a serem respeitados na edificação dos prédios. Ainda que, durante muitos anos, tenha sido possível preservar a vista das montanhas, criou-se um grupo de pressão local muito atuante na crítica aos limites de 140 altura, com base na argumentação de que a linha do horizonte de Vancouver é por demais uniforme e desprovida de atrativos visuais. Conforme os defensores dessa tese, a solução seria promover a implantação de alguns edifícios especialmente elevados, de forma a romper a platitude do cenário urbano e, assim, refletir a imagem de uma Vancouver contemporânea. As pressões dos interesses imobiliários, nesse sentido, foram bem-sucedidas e levaram à realização de um estudo, em 1997, versando precisamente sobre a linha do horizonte de Vancouver. Foi ali assimilada a proposta de que era preciso “valorizá-la”, sendo feitas recomendações no sentido de liberar, em alguns sítios selecionados, a construção de prédios excedendo os limites legais de altura até então vigentes. As recomendações do estudo foram aprovadas e implementadas, já existindo, hoje, vários arranha-céus construídos e outros em construção segundo as novas normas, com o mais alto tendo 194m e 61 andares (Wikipedia, 2006b). Os efeitos cumulativos de um tal padrão de ocupação urbana devem agravar ainda mais o problema das disparidades sociais nessa cidade, que também é conhecida por seus contrastes. Ora, Vancouver é considerada, notoriamente, o local mais caro do Canadá para se morar. Com a febre de construção de novas torres de moradia que se instalou desde o final dos anos 90 e o afluxo contínuo de novos residentes, tem se mantido aquecida a demanda por moradias, fazendo os preços dos imóveis e dos aluguéis dispararem e tornando cada vez menos viável a sobrevivência da população mais pobre nesse território.119 Mas que tipo de comunidade resultará daí? O novo centro urbano não é tão sociável como parece. Há dois tipos de espaços em emergência: as ruas cheias de vida e também os apartamentos das torres, que se assemelham a castelos medievais, planando acima dos camponeses que ficam na praça lá embaixo. Elas formam condomínios fechados verticais (gated communities in the sky), cada vez mais equipados com engenhosas barreiras destinadas a manter afastados os intrusos. (Delany, 2004). Observa-se que Vancouver já era conhecida por possuir uma das áreas mais pobres de todo Canadá, o Downtown Eastside, que é um dos bairros mais antigos da Cidade, localizando-se em pleno centro histórico e sendo notável por sua arquitetura e pela diversidade de etnias e condição social de seus moradores. Na atualidade, forma um espaço urbano bastante degradado, que abriga uma população de baixa renda e que foi, em anos mais recentes, tomado por alguns dos piores problemas enfrentados pelas grandes cida- 119 “Um grande boom de construção de edificações no centro da Cidade, ainda em pleno andamento, teve início no final dos anos 90, em grande parte financiado pelos volumosos capitais trazidos por imigrantes vindos de Hong Kong antes da passagem desse território ao controle chinês. Isso determinou uma valorização imobiliária da ordem de 10% a 15% a.a.” (Wikipedia, 2006b). 141 des: pobreza, drogas, AIDS (os mais altos índices de infecção por HIV da América do Norte), hepatite C, roubos, assassinatos, prostituição, falta de moradias condizentes e ausência de empregos (City of Vancouver. [s.d.]).120 Está atualmente em curso um programa de revitalização do Downtown Eastside, que pretende restaurar as condições de vida na área. Os esforços estão sendo especialmente dirigidos no sentido de buscar soluções de longo prazo para os problemas de saúde e de segurança comunitária, de moradia e de reativação econômica. No caso dos drogados, em particular, o conceito adotado é o da redução dos danos (harm reduction), baseado na proposta de que é preciso encarar a situação dos viciados como um problema de saúde pública. Daí o sentido dos programas de entrega de agulhas descartáveis para os toxicômanos, em troca das infectadas, e da disponibilização de locais onde os mesmos podem injetar as doses em condições seguras e sob a supervisão de pessoal qualificado. A aceitação desse tipo de abordagem não é, todavia, pacífica, o que tem levado o programa a avançar muito lentamente (Dewolf, 2004). Um risco das estratégias de revitalização ou de renovação urbana é o da gentrificação que costuma acompanhá-las e que se traduz na mudança da composição social da área renovada, decorrendo daí a expulsão dos moradores mais pobres e sua substituição por outros de maior renda. No caso específico do Downtown Eastside, isso não parece estar ainda ocorrendo de forma generalizada, mesmo que haja áreas específicas onde o fenômeno já foi detectado (Vancouver’s Downtown Eastside Gentrification & GIS, [s.d.]). 4.3 O formato institucional do Distrito Regional da Grande Vancouver 4.3.1 Os antecedentes do Distrito Regional da Grande Vancouver Conforme já visto, são as províncias que têm, por força da Constituição, autoridade sobre as municipalidades no tocante à determinação das normas de sua criação e das funções que as mesmas podem exercer. O Governo Federal também tem envolvimentos, de natureza indireta, em nível local, prestando assistência localizada às municipalidades, ainda que raramente o faça no contexto de programas de cunho mais abrangente e coordenado. O fato é que as províncias encaram as municipalidades como “feudos” seus e costumam ressentir-se da ingerência federal nessa área. 120 “Trata-se de uma mudança drástica. Em um momento, está-se rodeado por estudantes coreanos de aparência saudável na Seymour Street, comendo kimbob [comida coreana de aparência semelhante ao sushi japonês] e fish cake [um tipo de bolinho de peixe]; alguns quarteirões adiante, dá-se de cara com um drogado esquelético inalando crack na Hastings Street. Este é o Downtown Eastside, um inegável desmentido à cidade próspera que Vancouver pretende ser. Aqui há mais de 5.000 drogados. Dormem nos hotéis residenciais que se alinham ao longo da Hastings Street e ficam perambulando pelas calçadas e becos.” (Dewolf, 2004). 142 É também da esfera de atribuições das províncias a criação de organismos regionais, sendo que, na Colúmbia Britânica, a modalidade adotada assumiu a forma de distrito regional. Basicamente, essa é uma estrutura de governança que busca incentivar a cooperação entre as comunidades, de maneira tal que as mesmas possam se beneficiar das vantagens decorrentes da administração conjunta na prestação de determinados serviços básicos. O sistema de 27 distritos regionais implantado na Colúmbia Britânica data da metade dos anos 60. Tal como idealizado, o distrito regional deveria “[...] servir de agência regional para as atividades e os serviços governamentais descentralizados, formar o quadro geral para a cooperação intermunicipal e territorial e fornecer os serviços municipais para a população dos territórios não municipalizados” (Collin e Léveillée, 2003).121 No caso específico do Distrito Regional da Grande Vancouver, seu território coincide, conforme já visto, com o definido pela Área Metropolitana Censitária de Vancouver (Vancouver Census Metropolitan Area). Forma uma organização política composta por 21 municipalidades, dotadas de seus próprios governos municipais, e pelo chamado Distrito Eleitoral A, um espaço não organizado como municipalidade. A região abriga ainda algumas reservas indígenas, que não estão sujeitas a nenhuma municipalidade ou ao Distrito Regional. O GVRD forma uma associação de municipalidades, cujo fim último reside no estabelecimento de condições favoráveis à realização dos interesses comuns de seus membros. É uma instância essencialmente funcional, que opera na base de consensos envolvendo coalizações entre municipalidades. Faz parte do sistema municipal e, mesmo não constituindo um nível intermediário de governo – ou seja, não forma um governo metropolitano –, dispõe de um mandato metropolitano, o que lhe confere status de agência prestadora de serviços no âmbito da região. Dado um tal arranjo, é grande a autonomia desfrutada pelas municipalidades, sendo as decisões no seio do GVRD tomadas sempre por consenso. Isso significa dizer que todas as alterações e ampliações envolvendo os serviços sob a responsabilidade do GVRD precisam passar previamente pelo crivo e pela aceitação das municipalidades-membros. Deve ser dito que uma estrutura organizacional desse tipo aparece como uma clara exceção dentro do modelo canadense de gestão metropolitana, que tende ao formato da megametrópole e onde é corriqueiro o fenômeno das fusões. Nesse contexto, a Grande Vancouver desponta como a única funcionando com base em uma estrutura de colaboração regional que não incluiu, e não tem previsões nesse sentido, as fusões de municipalidades. Observa-se que as primeiras experiências no campo da gestão metropolitana, na região, datam do início do século XX, quando foi formado o Greater Vancouver Sewerage and Drainage District (1913). Essa agência de âmbito metropolitano, responsável pela administração do sistema de esgotos sanitá121 “O distrito regional é uma estrutura de governança criada para coordenar o fornecimento de serviços em uma dada região. Suas funções básicas são [...] as de assegurar um fórum para a cooperação intermunicipal e criar condições para a governança regional [...] O distrito regional foi concebido como uma instituição flexível, capaz de auxiliar as municipalidades a pensar e a atuar de forma conjunta, levando em conta o fator regional.” (McFarlane, 2001, p. 7). 143 rios e pluviais da região, foi seguida de outras, como o Greater Vancouver Water District (1926), que assumiu os serviços de abastecimento de água. Na verdade, a fórmula foi tão bem-sucedida que nada menos do que 17 dessas agências chegaram a operar na área metropolitana. Era muito ampla a abrangência de sua atuação, estendendo-se por áreas como educação, teatros, policiamento, habitação popular e parques e recreação, dentre outras. Os opositores dessa forma descentralizada de atuação argumentavam que a decorrente fragmentação institucional e a dependência criada em relação a uma plêiade de agências e comissões se contrapunham ao alegado ganho de eficiência obtido na realização dos serviços. Da mesma forma, a pouca transparência marcando a prestação de contas desses órgãos acabava inibindo as condições de avaliação do custo real de fornecimento dos serviços (Brunet-Jailly, 2004). 4.3.2 As funções institucionais do Distrito Regional da Grande Vancouver A implantação do Grande Distrito Regional de Vancouver remonta a 1967 e deve-se diretamente à iniciativa do Governo Provincial. Sua criação obedeceu o princípio amplo de estabelecer as condições para planejar e orientar o desenvolvimento em um contexto metropolitano, sendo-lhe atribuída uma esfera de atuação abrangente e muito diversificada. Basicamente, compete-lhe assegurar o fornecimento de serviços básicos de natureza regional, ou seja, não local: tratamento e fornecimento de água potável; tratamento do esgoto e águas pluviais; recebimento do lixo recolhido e sua reciclagem; formulação e implementação de normas relativas à qualidade do ar; monitoramento e manutenção da qualidade do ar; administração dos parques regionais122; elaboração de planos de desenvolvimento regional; oferta de moradias de aluguel barato; administração do sistema telefônico de emergência (o chamado 911); assessoria às municipalidades em matéria de relações de trabalho; e estabelecimento de políticas no campo do transporte regional (GVRD, 2003, p. 3). No cumprimento de suas atribuições, o GVRD incorporou muitos dos já aludidos organismos préexistentes que prestavam serviços à região. Na prática, funciona como uma agência “guarda-chuva”, exercendo o controle sobre órgãos juridicamente independentes e que atuam em áreas bem específicas: água potável, esgoto, habitação e sistema de transportes. Não obstante sua autonomia, esses organismos têm muitos elementos em comum e, inclusive, compartilham os mesmos membros em seus respectivos conselhos dirigentes. Devem igualmente, pelo menos em tese, ter como referencial de seus trabalhos uma mesma visão do desenvolvimento regional, a qual está expressa nos planos estratégicos propostos pelo GVRD. 122 Há 26 parques regionais e greenways sob a jurisdição do GRVD, além de várias reservas naturais (Wikipedia, 2006c). Os greenways formam uma rede de vias implantadas no campo e nas cidades, que é usada para os deslocamentos a pé, de bicicleta ou a cavalo, servindo, portanto, para um uso estritamente não motorizado. 144 Os serviços prestados pela instância metropolitana têm sua contrapartida no pagamento de quotas-partes, a cargo das municipalidades beneficiadas, que arrecadam recursos para pagá-las através da cobrança de tributos municipais. A quota-parte municipal de cada serviço é rateada com base na aplicação de um indicador, que é função do número de propriedades existentes em cada municipalidade e de seu valor imobiliário (o chamado property assessment base). A exceção é o transporte público, que também passou ao controle do GVRD e que foge à regra da contribuição financeira proveniente dos governos municipais, já que seu financiamento é assegurado pela cobrança direta de vários impostos e taxas. No caso da água, compete à instância municipal sua distribuição final às unidades familiares, comerciais e industriais. Os encargos do GVRD são os de garantir o fornecimento da água tratada aos sistemas de abastecimento administrados localmente. Deve ser observado que nem todas as 21 municipalidades integram a rede de água do GVRD (no caso, há apenas 17 participantes), com as não-aderentes prestando o serviço de alguma outra forma a seus residentes (GVRD, 2003, p. 13). Essa é uma situação perfeitamente regular, na medida em que não existe um mandato regional obrigatório, podendo as municipalidades exercerem – em função de acertos locais – o direito de fazer uso, ou não, dos serviços oferecidos pelo distrito regional. Em se tratando do esgoto, por sua vez, o GVRD responsabiliza-se pela operação e pela manutenção das grandes redes coletoras e das estações de bombeamento, bem como pela operação das plantas de tratamento. Em relação a este último aspecto, é interessante acrescentar que existe uma forte preocupação local para reduzir os impactos negativos ao meio ambiente que surgem no decorrer do processo. A idéia é de avançar no sentido do beneficiamento do material coletado, deixando para trás a sistemática anteriormente adotada de despejar os dejetos resultantes das águas tratadas no oceano. Para tanto, foi desenvolvido – e vem sendo progressivamente implantado desde 1998 – um procedimento técnico envolvendo a seleção, o tratamento e a reciclagem dos nutrientes e da matéria orgânica encontrados nos dejetos. O material resultante compõe os chamados biodejetos e tem serventia como fertilizante ou condicionador de solos (GVRD, 2003, p. 20). 4.4 O sistema de transportes e o Distrito Regional da Grande Vancouver O sistema de transporte público na Grande Vancouver esteve, durante muito tempo, em mãos das autoridades provinciais, tendo passado para a alçada do GVRD em 1998. Esse foi o ano em que surgiu a Translink (Greater Vancouver Transportation Authority), uma agência criada pelo GVRD e pelo parlamento da Província com a finalidade de gerenciar o sistema de transporte regional. Suas atribuições são as mais amplas, tendo a seu encargo o sistema de ônibus, o serviço de barcos para pedestres e ciclistas (Seabus), o sistema de 145 metrô (Skytrain) e o serviço de trens suburbanos (Commuter Rail West Coast Express). Tem também jurisdição sobre as principais pontes e vias da região, excetuadas aquelas que são administradas pelo Governo Provincial. Está igualmente a seu encargo a elaboração dos planos de transporte para a região e a administração dos serviços prestados por companhias subsidiárias e por outras contratadas. O Skytrain forma uma divisão separada dentro da Translink, cabendolhe a operação do sistema de metrô automatizado de Vancouver, cujas concepção e implantação foram de responsabilidade do Governo Provincial. São duas as linhas em funcionamento, sendo que a primeira (a Expo Line) entrou em operação em 1986 e tem uma extensão de 28,6km, com as composições deslocando-se em via subterrânea apenas ao longo de um pequeno trecho de 1,3km. A segunda linha, a Millenium Line, tem 21,0km, e entrou parcialmente em serviço em 2002, passando a funcionar integralmente somente em 2006. Possui, da mesma forma, apenas um curto trajeto (800m) em via subterrânea (UrbanRail.Net, 2006). O metrô de Vancouver encontrase atualmente em fase de ampliação, estando previstas duas novas linhas, uma com 19,5km e a outra com 11,0km. A expectativa é a de que ambas estejam finalizadas a tempo de servirem aos jogos olímpicos de inverno de 2010 (Railway Technology, 2006). Os investimentos realizados no metrô de Vancouver fazem parte da estratégia de fortalecer o uso do sistema de transporte público na região. Essa estratégia envolve também o incentivo aos deslocamentos a pé e de bicicleta, devendo ser salientada, nesse sentido, a existência de uma rede de ciclovias123. Contempla, da mesma forma, o propósito de exercer um maior controle sobre a expansão da malha viária, uma medida que faz parte da política mais ampla de buscar reduzir a dependência do automóvel enquanto modo de transporte privilegiado. Isso corresponde à iniciativa da Translink de tentar influenciar as opções modais, tendo em conta preocupações de ordem ambiental, de controle sobre a expansão da ocupação urbana e de preservação das condições gerais de acessibilidade na região metropolitana (GVRD, 2002, p. 60). Os ônibus formam a espinha dorsal do sistema de transporte público da área metropolitana. Os investimentos no sistema vêm sendo diferidos, não tendo se verificado a ampliação necessária da frota de veículos para acompanhar o crescimento da demanda. Por outro lado, observa-se que “[...] o dinheiro público foi aplicado na expansão do Skytrain, que absorve mais de 30% do orçamento de transporte na região, mas transporta apenas 15% dos passageiros. Foram também feitos pesados investimentos no sistema viário [...]” (Tomalty, 2002, p. 13). A rede viária regional tem uma extensão de 12.000km, comportando 15 pontes e um túnel. Ainda que haja várias vias expressas na área metropolitana, não há nenhuma implantada dentro do perímetro de Vancouver, o que é 123 Há cerca de 100km de ciclovias implantadas na área de Vancouver, sendo que apenas 5,4km são de vias exclusivas (Scott, [s.d.]), o que é considerado pouco, se se considerar a situação de outras metrópoles canadenses. Nenhuma dessas vias cruza a área central da Cidade. 146 uma decorrência tanto das imposições do sítio geográfico onde está a Cidade — condicionado pela presença do oceano, de montanhas, rios, planícies alagáveis e terras agricultáveis — como das regulamentações municipais incidentes nesse domínio. Observa-se que é o governo da Cidade, e não o da Província, que responde pelos investimentos na rede viária, tendo os residentes de Vancouver sempre se recusado a pagar pela construção de freeways. Em um dia de semana típico, cerca de 74% das viagens na Grande Vancouver são realizadas em automóvel, 13% a pé, 11% em transporte público e 2% de bicicleta [...] No decurso da última década, a participação do transporte público no total das viagens permaneceu estável nas horas de pico, no entorno dos 11%, ficando a distância média percorrida em 14km. Essa relativa estabilidade contrasta com os congestionamentos sempre maiores registrados nas principais vias e pontes. [São marcas da presente situação], os tempos alongados de viagem (ainda que as distâncias percorridas permaneçam as mesmas), o aumento no número de veículos — agora ocorrendo a uma taxa maior do que a do crescimento da população — e os níveis crescentes dos principais poluentes emitidos pelos veículos, em especial, os gases responsáveis pelo efeito estufa e o fino material particulado. (GVRD, 2002, p. 59). O total de veículos registrados no GVRD chegou a 1,347 milhão em janeiro de 2006, representando um acréscimo de 26,5% em relação à mesma situação de 1996. Isso equivale a dizer que, a cada ano, um total de 29.000 novos veículos se juntou à frota em circulação no território metropolitano, o que representou a inclusão de 79 novos veículos a cada dia (GVRD, 2006). Não é de surpreender, portanto, que os objetivos de reduzir a dependência do automóvel na região não tenham sido bem-sucedidos, mantendo-se praticamente os índices de participação do transporte público no entorno dos 11% que já eram registrados por volta de 1975, quando foi formulado o The Liveable Region 1976-1986, que fixava metas para a contenção do automóvel enquanto modo privilegiado de transporte metropolitano. Nota-se que, também aqui, são os automóveis e caminhões que contribuem sobremaneira para o comprometimento das condições ambientais, constituindo os mesmos a principal fonte emissora dos gases do efeito estufa. É verdade que a qualidade do ar na região apresentou alguns avanços nas últimas décadas, em boa medida por força da aplicação dos programas locais de melhoria da qualidade do ar.124 A menor presença de poluentes e de material 124 “A qualidade do ar na região é considerada boa na maior parte do tempo. Configura uma situação sensivelmente melhor do que a verificada nos anos 80, não obstante o crescimento populacional e a intensificação das atividades econômicas registradas desde então. Em 1994, o GVRD tornou-se a primeira região no Canadá a adotar um plano de gestão da qualidade do ar. Era ali prevista uma redução de 38% — até o ano 2000 e relativamente aos níveis de 1985 — das emissões provindas dos automóveis e das fontes industriais [...] A meta não só foi alcançada, como chegou a ser superada, com as emissões diminuindo 40%.” (GVRD, 2003, p. 24). 147 particulado na atmosfera reflete também, por outro lado, a maior eficiência dos motores atuais que equipam os automóveis e os avanços técnicos incorporados aos combustíveis. Observa-se que compete à própria Translink a responsabilidade de aplicar o programa de qualidade do ar na Grande Vancouver, o qual é conhecido como AirCare Program. A atuação da Translink na administração do sistema de transportes regionais tem encontrado limites125, em boa medida por conta de restrições de ordem orçamentária, e isso não obstante a relativa autonomia financeira de que goza a agência. De fato, uma parcela dos recursos provenientes da taxa incidente sobre a gasolina – e cuja cobrança é da alçada do Governo da Província – entra na composição de suas receitas. Outras fontes financeiras são representadas por tarifas, taxas de estacionamento e aquelas incidentes sobre veículos automotores, bem como pelos recursos provenientes da cobrança do pedágio. No caso dessas duas últimas fontes, não foi possível implementá-las na prática, em função da falta de apoio do Governo Provincial na sua arrecadação. Da mesma forma, vem declinando a contribuição do Governo da Província nos custos de implantação do sistema metroviário local: já foi de 100%, deveria passar a 60% e ficou efetivamente em menos de 20%. Ou seja, ainda que tenha sido concedida à Translink uma boa base financeira, é restrita a autonomia de que goza para buscar outras fontes de recursos e, assim, ajustar seu orçamento a suas efetivas necessidades (Regional Transportation Commission, [s.d.]). É por conta, portanto, de seus compromissos financeiros e de suas restrições orçamentárias que a agência vem enfrentando sérias dificuldades, a ponto de haver projeções apontando — mantidas as atuais condições — a possibilidade de ocorrência de déficits anuais da ordem de US$ 170 milhões por volta do ano 2010 (Regional Transportation Commission, [s.d.]). Cabe ainda destacar o fato notável representado por esse arranjo financeiro atribuído à Translink, qual seja, o de que lhe foi delegada — mesmo sendo uma empresa subsidiária — a capacidade de arrecadar taxas, uma atribuição que não se estende ao próprio Distrito Regional da Grande Vancouver.126 Nesse sentido, como foi bem observado, “[...] em razão de sua íntima ligação com a agência Translink, o GVRD assemelha-se cada vez mais a um governo regional à distância” (Groupe de Travail de Vancouver, [s.d.]). 125 126 “Apesar dos grandes investimentos realizados no sistema de transportes de Vancouver, a região não conseguiu cumprir as metas e prioridades definidas nesse campo, assim como esteve longe de atingir seus objetivos de longo prazo no tocante aos ganhos de participação do transporte público. Entre os principais aspectos que contribuíram para tal situação estão: a ausência de um fluxo financeiro estável e em volume suficiente; o pouco progresso alcançado na implementação de medidas para alterar os padrões da demanda de transporte; e o crescimento espacialmente disperso dos empregos no setor dos negócios, favorecendo localizações e densidades que tornam problemático ou ineficiente o atendimento mediante o transporte coletivo.” (GVRD, 2002, p. 59). Tal esquema financeiro foi aprovado mediante o estabelecimento de algumas condições: todo recurso arrecadado deve ser aplicado na melhoria do sistema de transporte; motoristas de veículos particulares e usuários do transporte público devem ser beneficiados em iguais proporções; e deve haver sempre preferência por um esquema de cobrança em que motoristas e usuários paguem efetivamente pelos serviços utilizados (Tomalty e Bur, 2003). 148 Ainda no capítulo das limitações que condicionam o desempenho da Translink, verifica-se que a agência não tem pleno controle sobre os grandes projetos de investimento na área do transporte público, nem sobre os recursos canalizados para a rede viária administrada pelo Governo Provincial. Isso é uma decorrência do fato de existirem, além da esfera metropolitana, outros três níveis de governo — federal, provincial e municipal — com ingerência no domínio dos transportes da Grande Vancouver (Tomalty; Bur, 2003).127 A situação, nesse aspecto, torna-se especialmente conflitante, quando se constata que a estratégia seguida pelas autoridades provinciais no enfrentamento dos problemas de circulação da região passa pela realização de grandes projetos de infra-estrutura. Mais especificamente, há planos de investir valores da ordem de US$ 3,3 bilhões na expansão viária, em um prazo de sete anos. A justificativa é a necessidade de criar condições para que a Colúmbia Britânica possa acolher os grandes contingentes de novos residentes esperados nos próximos anos e fazer frente aos impactos decorrentes da intensificação do comércio com os países da Ásia (Kennedy, 2006). Os argumentos favoráveis também ressaltam que, na hipótese de nada ser feito nesse sentido, resultariam agravadas as condições de congestionamentos na região,128 com reflexos nos tempos de viagem, que aumentariam entre 15% e 30% até o ano 2011 e entre 35% e 85% até 2031 (Ward, 2005). Os críticos dessa opção rodoviária, por sua vez, enfatizam as conseqüências nefastas que daí podem advir para a Grande Vancouver, por suas implicações no estímulo ao ingresso de um número cada vez maior de veículos nas zonas urbanas.129 Da mesma forma, salientam seus potenciais efeitos danosos para o controle da expansão urbana e para as estratégias seguidas nos planos de desenvolvimento do GVRD. 127 128 129 “Outro fator explicativo reside na falta de coordenação entre o uso do solo e o planejamento dos transportes na região. Tal planejamento não fazia parte das funções delegadas ao GVRD quando de sua criação em 1967. O Governo da Província manteve o controle sobre os gastos de capital e sobre o planejamento da infra-estrutura. Sob a administração provincial, o transporte na região padeceu não apenas de um financiamento cronicamente inadequado face à necessidade de melhorias no transporte público, como foi condicionado pela tomada de decisões que não foram necessariamente motivadas pelo desejo de dar suporte aos objetivos de ordenamento do crescimento regional. Por exemplo, a decisão de 1970 de construir o Skytrain foi tomada de forma unilateral pela Província, assim como o foi a escolha da tecnologia adotada e do percurso seguido. As motivações da Província estavam então associadas à Expo 86, à criação de empregos e à busca do financiamento federal. As objeções do GVRD foram ignoradas.” (Tomalty, 2002, p. 20). “As principais vias encontram-se, na maior parte do tempo, no limite de sua capacidade. As pontes formam pontos de estrangulamento durante as horas de pico, provocando longas demoras e deixando os usuários frustados. Um estudo recente do GVRD mostrou que as horas de pico, na região, se prolongam por todo dia [...]” (Scott, [s.d.]). “O líder do Partido Verde da Província, Adriane Carr, disse que o Projeto Gateway abre inteiramente as portas para a entrada de mais carros e caminhões. Basta olhar para a Califórnia para perceber que atacar os congestionamentos de tráfego via aumento da capacidade viária é a mesma coisa que procurar resolver os problemas de obesidade afrouxando o cinto.” (Kennedy, 2006). 149 A proposta faz parte do chamado Gateway Program e envolve principalmente a duplicação de uma ponte (Port Mann Bridge) e o aumento do número de pistas da auto-estrada que dá acesso à Cidade de Vancouver (a TransCanada Highway). Representa uma questão especialmente controvertida, na medida em que as comunidades da área metropolitana têm visões diferenciadas a respeito da conveniência das obras. De fato, algumas encaram esse tipo de solução como servindo apenas para agravar os problemas associados ao fenômeno das migrações quotidianas e para incentivar o tráfego de passagem, pelo que se juntam ao partido dos anti-Gateway Program. Já outras comunidades consideram que os tempos passados em congestionamentos são perniciosos tanto para a vida das pessoas como para a produtividade da economia, pelo que endossam integralmente os planos de expansão viária do Governo Provincial. Constata-se que essas posições antagônicas — que refletem verdadeiras opções de sociedade — acabam repercutindo nos resultados das eleições municipais. Mais adiante, vão influenciar a composição dos comitês dirigentes da Translink e do GVRD, que — levando em conta os interesses de suas próprias comunidades — podem, assim, demonstrar maior ou menor receptividade às propostas de contenção do transporte privado que têm sido tradicionalmente adotadas nos planos estratégicos regionais e que buscam levar em conta o impacto, na estruturação do espaço, das decisões tomadas no campo dos transportes.130 A agência de transportes carece também de poderes no tocante ao planejamento do uso do solo, já que essa é uma atribuição do GVRD, a quem cabe fixar as grandes diretrizes em seu plano estratégico de crescimento regional. É certo que a Translink consegue exercer alguma influência nesse domínio, de forma a buscar integrar e coordenar as funções de planejamento de transportes e uso do solo com base nos acordos operacionais que mantém com o GVRD. O fato de alguns dos membros de seu Conselho de Diretores ocuparem também posições no Conselho de Diretores do GVRD colabora certamente nesse sentido. O conselho que dirige a Translink é formado por 15 membros, sendo 12 deles prefeitos e conselheiros representantes das comunidades regionais. Esses membros são indicados pelo Conselho de Diretores do GVRD, que também aprova o orçamento anual da agência de transportes (GVRD, 2003, p. 31). O preenchimento das demais vagas é uma prerrogativa das autoridades provinciais, que se têm abstido de exercer esse direito desde dezembro de 2000, quando seus três representantes abandonaram o conselho por conta de alegados conflitos de interesses entre sua posição como representantes 130 “Uma vez que a Translink não pode incorrer em déficits, seus diretores votaram a favor de postergar por dois anos a abertura da nova linha de metrô denominada Evergreen, bem como adiaram a aquisição de novos vagões metroviários. Ainda assim, prosseguiram com os planos de implantação de um vasto projeto rodoviário, uma vez que os diretores representantes dos subúrbios conseguiram derrotar os representantes de Vancouver e de Barnaby, apoiando o programa Gateway da Província, no valor de US$ 3,3 bilhões [...]” (Regional Transportation Commission, s.d). 150 do Legislativo da Província e como diretores da Translink (Regional Transportation Commission, [s.d.]). 4.5 O Conselho de Diretores do Distrito Regional da Grande Vancouver O corpo diretivo do GVRD é constituído por um conselho de diretores e conta com um presidente e um vice-presidente, eleitos anualmente entre seus pares. O número total de conselheiros não é fixo, ficando no entorno dos 35 membros. Essa era, precisamente, a composição do conselho em 2003, representando 21 municipalidades, uma área eleitoral e uma municipalidade com participação limitada aos assuntos do serviço de parques. Os membros diretores do conselho não são eleitos de forma direta, sendo indicados pelos conselhos municipais (municipality councils) —, esses, sim, formados através de escrutínio direto —, para cumprir o mandato de um ano, podendo ser reconduzidos. A exceção é o diretor representante do Distrito Eleitoral A, que é eleito diretamente por um prazo de três anos. Cada diretor representante de uma municipalidade conta com um voto para cada 20.000 habitantes, com um máximo de cinco votos por diretor. Deve ser observado que os procedimentos adotados na formação do Conselho de Diretores do GVRD acabam não sendo os mais propícios à renovação de quadros, contribuindo, assim, para formar grupos relativamente fechados. Como os conselheiros municipais têm a chance de concorrer a cada três anos e como nem todos os conselhos municipais mudam a cada eleição, sua composição permanece relativamente estável no tempo [...] O grau de isolamento entre a rede e a comunidade é também grande. A relativa estabilidade da rede [...] sugere que existe um limitado fluxo de novas idéias procedentes da comunidade que penetram a rede. Além disso, a estrutura de governança do GVRD, baseada no consenso, faz com que as novas idéias aceitas pela rede tendam a refletir-se apenas em mudanças marginais. (Graham, 2005, p. 23). O conselho do GVRD é assessorado por um sistema de comitês (Standing Committees), cuja função é dar apoio no exame e na revisão das matérias tratadas e nas questões relacionadas à prestação dos serviços e à formulação de políticas. No total, são 11 os comitês desse tipo, com atribuições que abarcam todas as áreas de atuação da agência metropolitana. Os Standing Committees, por sua vez, valem-se da colaboração de outros comitês (Advisory Committees) para o estudo de assuntos específicos. É o presidente do Conselho de Diretores do GVRD que forma os comitês e nomeia seus membros, sendo os mesmos escolhidos entre os prefeitos e os conselheiros das municipalidades do distrito regional. Há ainda um serviço de secretariado, que 151 se encarrega das tarefas correntes e faz recomendações no tocante a programas, diretivas, políticas e projetos (GVRD, 2003, p. 8). Existem também comitês de assessoramento em âmbito municipal (Municipal Advisory Committees), integrados basicamente por quadros das municipalidades e do próprio GVRD e que colaboram nos trabalhos do Conselho de Diretores, bem como emprestam seu apoio aos Standing Committees. Há ainda comitês públicos de assessoramento (Public Advisory Committees), de cuja composição fazem parte indivíduos que representam interesses específicos, ou que são experts em alguma matéria e que assessoram igualmente os trabalhos do Conselho de Diretores (GVRD, 2003, p. 8). Por fim, a comunidade em geral é também instada a manifestar-se e a envolver-se nos trabalhos do GVRD, para o que são realizadas periódicas apresentações e seminários de discussão, conferências e programas educacionais, de forma a buscar alcançar legitimidade junto às comunidades locais. 4.6 O planejamento regional na Grande Vancouver As primeiras providências no sentido de tentar ordenar o desenvolvimento do território onde se localiza a metrópole de Vancouver foram motivadas pelo intenso movimento de ocupação suburbana que se registrou após a Segunda Guerra Mundial. Assim, em 1949, foi formado o Lower Midland Regional Planning Board, que era uma agência cuja jurisdição de atuação se estendia por uma vasta área da Colúmbia Britânica e que produziu um primeiro plano de desenvolvimento regional em 1966. Essa agência foi dissolvida em 1967, quando da institucionalização da figura dos distritos regionais pelo Governo da Província. O GVRD, por sua vez, preparou um primeiro plano estratégico já na metade dos anos 70, com o objetivo de buscar influenciar o padrão de crescimento da região de Vancouver. Chamado de The Liveable Region 1976-1986, o mesmo contemplava cinco áreas de atuação — uso do solo, transporte, população, emprego e habitação —, sendo que os dois primeiros tópicos ganharam especial destaque a partir de 1980, por ocasião de uma reorientação de prioridades então decidida (Dodson; Gleeson, 2002, p. 13). Desde o início, o mote do processo de planificação regional adotado pelo GVRD foi o do desenvolvimento durável ou sustentável: “[...] nossos objetivos são os de criar uma estrutura e um plano de ação para a Grande Vancouver que estejam baseados no conceito de sustentabilidade, englobando a prosperidade econômica, o bem-estar da comunidade e a integridade do meio ambiente” (GVRD, 2003, p. 4). Deve ser observado que o encargo de preparar e aplicar o plano de desenvolvimento regional por parte do distrito regional manteve-se até 1983, quando, por decisão do Governo Provincial da Colúmbia Britânica, foi suprimida a autoridade dos distritos regionais na área do planejamento, bem como o estatuto que dava sustentação legal aos planos regionais. Essa medida unilateral, que redundou na perda da função formal de planejamento por parte do 152 GVRD, foi tomada em uma época de mudanças no Governo da Província, com a ascensão de um gabinete provincial de posições mais conservadoras, e coincidiu com uma fase de atritos no relacionamento entre ambas as instâncias (Rothblatt, 1998, p. 6). Nessa ocasião, o órgão metropolitano ficou reduzido ao papel básico de prestador de serviços, com o seu plano de desenvolvimento regional passando a ter caráter meramente recomendatório. Como os problemas colocados pela expansão urbana da área de Vancouver se agravaram, o GVRD viu-se compelido a reconsiderar seu envolvimento com as atividades do desenvolvimento regional, independentemente da salvaguarda representada pelos processos estatutários da Província. Com o passar do tempo, a Província acabou também voltando atrás em sua posição a esse respeito, e, em 1995, foram restabelecidos os dispositivos legais disciplinando as competências regionais na área do planejamento.131 Ao retomar suas incursões nesse campo, o GVRD lançou um outro plano estratégico de ação em 1987. Denominado Construindo Nosso Futuro (Creating our Future: Steps to a More Liveable Region), o plano visava estabelecer diretrizes capazes de disciplinar e manter as condições de vida da Grande Vancouver, contemplando uma série de questões que vinham se colocando de forma premente, por conta especialmente do rápido crescimento populacional verificado nesse território e das ameaças potenciais à qualidade de vida e à integridade do meio ambiente. Deve ser observado que a noção de liveability132 representou sempre um conceito básico incorporado ao processo de planejamento local, já estando presente no Liveable Region Strategy 1976-86. O Construindo Nosso Futuro foi oficialmente adotado pelo Conselho de Diretores do GRVD em 1990 (Dodson; Gleeson, 2002, p. 14). O Construindo Nosso Futuro, em especial, permitiu chegar a uma indispensável visão de como preservar as condições de liveability na região, ao abordar questões relativas à qualidade do meio ambiente, ao controle do crescimento e à gestão dos transportes, bem como atendeu à preocupação de como agir para responder aos desafios colocados no campo socioeconômico. (GVRD, 1996, p. 8). 131 132 “O decreto (Growth Strategies Act) constituiu uma tentativa de fortalecer as instituições de planejamento regional. Ele obrigava as municipalidades a considerarem os planos regionais em seus próprios planos oficiais, bem como exigia que os investimentos públicos e outras decisões tomadas pela província tivessem uma correspondência no nível dos planos regionais. Em troca, os planos regionais passaram a ter de incorporar os objetivos da província nos tópicos referentes ao processo de ocupação das áreas periféricas, à minimização do uso do automóvel e à proteção das áreas sensíveis do ponto de vista do meio ambiente.” (Tomalty, 2002, p. 7). O conceito de liveability está associado a uma ampla agenda de atividades, que visa criar espaços em que as pessoas se sintam bem para viver e trabalhar. Remete a melhorias físicas no meio ambiente e a melhorias na qualidade do ar e da água, à existência de boas escolas e hospitais, à presença de um eficiente sistema de transporte público e à conservação dos recursos naturais, dentre outros aspectos. 153 A implementação da liveable region teve o mérito de retomar a questão do indispensável espírito de colaboração a ser praticado pelas municipalidades da região. Para motivar o envolvimento das autoridades e da comunidade em geral, foram realizadas numerosas consultas populares, complementadas por palestras, workshops, relatórios e documentos técnicos enfocando as opções de crescimento regional possíveis para a Grande Vancouver. Em 1996, o GVRD atualizou seu plano estratégico regional – The Livable Region Strategic Plan –, objetivando sempre orientar o crescimento da área sob sua influência e tendo como pressuposto a necessidade da estrita colaboração entre as diversas agências envolvidas.133 [O plano] enfatizava a preservação das qualidades do espaço e das paisagens incomparáveis que formam a Grande Vancouver e colocava limites geográficos à expansão urbana. O plano pretendia aproveitar os benefícios do crescimento, tais como a prosperidade econômica, a diversidade e os melhores padrões de vida, enquanto minimizaria seu potencial negativo, como o congestionamento, a degradação ambiental e a piora da qualidade de vida. (Role of the GVRD, [s.d.]). Eram em número de quatro as estratégias ali contempladas. A primeira tratava da proteção às áreas verdes, uma riqueza natural de Vancouver, ameaçadas pelo crescimento urbano descontrolado. A segunda focava a necessidade do desenvolvimento de comunidades “mais concentradas”, capazes de assegurar a oferta de um leque amplo e diversificado de oportunidades e serviços. [As pessoas] teriam, assim, condições de viver, trabalhar e desfrutar do lazer em relativa proximidade, sem a necessidade de viajar grandes distâncias. O objetivo seria o de criar uma rede bem equilibrada, com centros distribuídos em toda a região e capazes de proporcionar melhor acesso aos serviços, à cultura e à recreação, bem como aos domicílios e a empregos que estariam disponíveis no seio da própria comunidade (Role of the GVRD, [s.d.]). A terceira estratégia visava igualmente promover um crescimento que pudesse se dar de forma concentrada nas principais municipalidades. Isso seria buscado através de um desenvolvimento residencial de alta e média densidades na região já ocupada, preferencialmente a novas expansões nas áreas periféricas. A quarta estratégia, enfim, visava diversificar as escolhas modais de transporte, promovendo soluções que alterassem os hábitos de viagem e tivessem repercussões na demanda de transportes. Daí a ênfase 133 “As expectativas do GVRD são de implementar seu plano estratégico através da manutenção do processo consensual e colaboracionista em vigor nos governos local, provincial e federal.” (Rothblatt, 1998). 154 posta no transporte público, na bicicleta, na caminhada e no car pooling134, como formas de restringir o uso exacerbado do automóvel com um só ocupante (Role of the GVRD, [s.d.]). Em 2001, mais uma vez, foi procedida a readequação do plano estratégico da Grande Vancouver, decidindo o GVRD colocar a tese do desenvolvimento sustentável como o parâmetro norteador dessa revisão. O principal objetivo então definido foi o de buscar criar as condições para o estabelecimento de uma região viável, “[...] à luz do entendimento de que havia sido insuficiente a ênfase colocada nas questões sociais e econômicas e que mesmo as questões ecológicas haviam sido abordadas de modo pouco coerente [...]” (Groupe de Travail de Vancouver, [s.d.]). 4.7 Suburbanização versus crescimento concentrado na Grande Vancouver A Colúmbia Britânica tem aprovada, desde 1974, uma legislação de proteção às terras agrícolas, a qual dá base ao chamado programa de Reserva de Terras Agrícolas, também conhecido pela siga ALR (Agricultural Land Reserve). Como seu nome indica, esse programa foi montado com a função explícita de criar condições para preservar os solos particularmente aptos à produção de alimentos. No que se refere à Grande Vancouver, os resultados de sua aplicação foram bastante proveitosos e ajudaram a proteger as terras do Fraser Valley, consideradas as mais férteis da região. Na verdade, sua produtividade é tamanha que, representando apenas 2% do total de terras agricultáveis da Província, elas geram 25% do seu produto agrícola (Tomalty, 2002, p. 17). Um efeito não visado do programa de Reserva de Terras Agrícolas deuse por conta do estabelecimento de uma linha de fronteira na periferia, a qual, indiretamente, serviu como mecanismo de contenção à expansão indiscriminada de cunho suburbano na metrópole de Vancouver. A relevância desse fato é amplamente reconhecida, sendo citada amiúde como um dos grandes feitos do planejamento regional. Foi isso que, mais do que qualquer outra coisa, fez com que as pessoas se fixassem na idéia de que precisamos construir de forma inteligente (build smart). É porque não há como simplesmente continuar avançando em direção à periferia que impusemos a nós mesmos um limite urbano ao quanto podemos nos suburbanizar. (Beers, 2005). Não obstante seus méritos, uma medida com tamanhas implicações territoriais haveria forçosamente de também ter seus opositores, donde o senti134 O car pooling (carona solidária) refere-se à realização de viagens compartilhadas, em automóvel próprio ou de empresas, e que envolvem duas ou mais pessoas. 155 do das pressões exercidas aqui e ali visando enfraquecer a aplicação do programa ALR. Deve ser observado que, mais recentemente, o próprio Governo Provincial introduziu alterações no mesmo, de forma a aumentar o controle local sobre as decisões relativas ao uso do solo, o que provocou inquietações no tocante a eventuais perdas de terras agrícolas pela intensificação da ocupação urbana em algumas comunidades da periferia metropolitana (Murray, 2002). O crescimento e a descentralização ocorridas na região, ao longo das últimas décadas, deram origem a conflitos sem precedentes envolvendo o uso da terra. As idéias sobre desenvolvimento foram influenciadas por um forte sentimento de adesão pública ao espetacular sítio natural onde se encontra a Cidade, marcado pelos seus picos montanhosos e suas vistas do oceano. As preocupações com as perdas provocadas no habitat e o comprometimento das áreas recreativas e de preservação fortaleceram o espírito público de oposição à urbanização voltada à ocupação de áreas facilmente degradáveis ou de áreas verdes muito valorizadas, como as terras úmidas e as encostas de montanhas. (Tomalty, 2002, p. 5). As posições assumidas pelos residentes e políticos locais em favor da preservação das condições ambientais e a tomada de consciência de que os avanços nesse campo estão intimamente associados aos rumos do processo de ocupação urbana na região tiveram seus reflexos no âmbito do GVRD. Na prática, isso implicou afastar-se de muitas das tendências territoriais estabelecidas desde os anos 60, que favoreciam a ocupação das áreas da periferia sob condições tais que a implantação das moradias precedia em muito a instalação das atividades geradoras de empregos, sendo esse o principal fato determinante do fenômeno das migrações quotidianas. Assim, o já citado plano estratégico de 1996 (Livable Region Strategic Plan) incorporou a preocupação com as perdas de terras no Fraser River Valley, para o que fixou limites ao crescimento urbano na região, definiu uma zona verde e propôs medidas de proteção às bacias hidrográficas. Conforme já foi visto, o plano previa também o fortalecimento de alguns centros regionais, que serviriam para garantir uma ocupação residencial mais densificada, aliada a uma maior disponibilidade de empregos no Terciário (comércio de atacado e varejo e negócios em geral), facilmente acessíveis via sistema de transporte público regional. A idéia, portanto, era a de concentrar os acréscimos populacionais em certas localidades. Esses centros servem como uma alternativa para os tradicionais movimentos de migração quotidiana à zona central de Vancouver, realizados pelas famílias que moram nos subúrbios, e constituem uma maneira efetiva de acomodar o crescimento urbano e de descentralizar os empregos dentro da região. (Oberlander, 2005). 156 A Grande Vancouver tem sido apontada como um exemplo bem-sucedido de planejamento territorial.135 É um caso em que as políticas aplicadas se revelaram eficazes no controle dos movimentos de ocupação da periferia, o que foi facilitado pela implantação da proposta de crescimento concentrado em áreas já densificadas. Os dados disponíveis parecem corroborar essa realidade, verificando-se que, de 1986 a 2001, a participação dos residentes morando em comunidades compactas (compact neighborhoods) — definidas como as que contavam com 12 pessoas ou mais por acre – passou de 46% para 62%. Por sua vez, a percentagem daqueles residindo em comunidades altamente compactas — consideradas como sendo as de 40 habitantes ou mais por acre – evoluiu de 6% para 11%. Não obstante os resultados globais positivos, nem todas as municipalidades foram igualmente exitosas no intento de direcionar o crescimento para as comunidades compactas (Northwest Environment..., 2002, p. 5). Esse quadro, todavia, tende a ser relativizado por alguns analistas, que argumentam existir um problema nas metas de controle do crescimento fixadas para a região, vistas como pouco ambiciosas, quando contrapostas à intensidade do movimento histórico de ocupação suburbana. Além disso, tais metas são objeto de recorrentes ajustes, visando aproximá-las da realidade,136 o que acaba diluindo os impactos do modelo de crescimento concentrado. Assim, os efeitos práticos da aplicação do tão cortejado modelo de crescimento concentrado não seriam muito diferentes daqueles que resultariam se observadas as tendências de crescimento já estabelecidas e que são consideradas indesejáveis para o futuro da região. O estudo sugere que a atual estrutura de planejamento regional, assentada na parceria entre os governos municipal e regional, serviu muito bem à região enquanto se tratava de buscar apoio à idéia de que era necessário ordenar o crescimento, estabelecendo, para tanto, uma devida estratégia de controle. Há sérias dúvidas, no entanto, a respeito da capacidade de esse sistema conseguir fixar metas ambiciosas nesse domínio e de implementá-las, tendo em conta as forças sociais que buscam preservar 135 136 “De fato, a região de Vancouver é unanimemente reconhecida como um território que conta com planos e políticas muito progressistas de controle do crescimento. O objetivo sempre renovado de conter a ocupação territorial espraiada tem sido uma das principais e mais consistentes motivações desse admirável trabalho de planejamento. Com isso, seriam preservadas as características ecológicas da região e reduzido o uso do automóvel, diminuindose a poluição na atmosfera e mantendo-se a qualidade de vida. São poucas as grandes áreas metropolitanas na América do Norte que podem reivindicar uma visão de planejamento tão abrangente e permanente.” (Tomalty, 2002, p. 4). “Desde a adoção do Livable Region Strategic Plan, em 1996, os planejadores do GVRD foram informalmente modificando as metas de controle do crescimento à luz das tendências de expansão da população e do emprego na região e da sua avaliação relativamente à capacidade dos municípios de acatarem tais limites de crescimento. Essas metas modificadas não fazem parte dos planos oficiais para a região, mas são usadas pelos planejadores, ao adaptarem suas expectativas às realidades regionais em transformação.” (Tomalty, 2002, p. 11). 157 as tendências estabelecidas pelo business-as-usual na região. (Tomalty, 2002, p. 3). Um conceito interessante introduzido no plano estratégico de 1996 referese à criação da chamada zona verde, que corresponde a áreas vistas como tendo especial valor ecológico ou social e que precisam ser protegidas da urbanização. A idéia subjacente a essa proposta era a de que os espaços assim abrangidos deveriam ser mantidos permanentemente no estado seminatural. A zona verde engloba terras agricultáveis da Reserva de Terras Agrícolas, parques públicos, áreas sensíveis do ponto de vista do meio ambiente e que são protegidas pelas legislações federal, provincial ou municipal e outras demarcadas pelas próprias municipalidades. Dada uma tal amplitude de interesses envolvidos, a manutenção de um plano dessa ordem pressupõe forçosamente o trabalho conjunto de um número elevado de agências governamentais.137 Mesmo nessas condições, verifica-se que foi possível preservar grandes extensões de território sob os auspícios da zona verde. Uma possível explicação é a de que ainda existiria forte potencial de crescimento para a região em áreas não comprometidas, o que equivale a dizer que a zona verde não teria sido ainda testada. Nesse caso, a pergunta que se coloca é o que ocorrerá, quando, no futuro, o movimento de expansão chegar aos limites definidos pela zona verde e se intensificar a oposição aos movimentos de densificação de áreas urbanas já ocupadas? Por enquanto, o conceito goza da mais ampla aceitação pública, e, como há ainda muita terra desocupada, as municipalidades e os empreendedores não parecem preocupados em colocá-lo em xeque (Tomalty, 2002, p. 3 e 21). 4.8 O desempenho econômico da Grande Vancouver A evolução da economia da Colúmbia Britânica caracterizou-se, em tempos mais recentes, por uma perda de dinamismo comparativamente a seu comportamento em décadas passadas. Isso se refletiu na taxa de expansão do seu PIB ao longo da década 1995-05, que ficou um pouco abaixo da taxa de crescimento da economia canadense: 3,0% a.a. contra 3,3% a.a. respectivamente (BC Stats, 2006). No que se refere à Grande Vancouver, verificase que a aglomeração vem conseguindo manter uma performance no campo econômico superior à demonstrada pelo restante da Província. Ainda assim, e principalmente na segunda metade dos anos 90, os resultados obtidos deixaram a desejar em comparação com a dinâmica que marcou a 137 “O grande número de governos envolvidos faz com que os vários elementos da zona verde gozem de diferentes níveis de proteção. O GVRD é proprietário de algumas áreas (por exemplo, as terras úmidas ao norte da região, de onde provém a água potável, e de alguns parques regionais). Exceto por essa forma de controle direto, ele não dispõe de nenhum outro poder especial para administrar a zona verde. Basicamente, depende do trabalho de outras agências governamentais e de organizações privadas para proteger a integridade da zona, limitando-se a exercer o papel de coordenador das informações.” (Tomalty, 2002, p. 16). 158 evolução das demais cidades-regiões do Canadá (Graham, 2005, p. 2).138 Entre as razões aventadas para explicar tal desempenho, figura a de que seu território estaria precisamente carente de uma estratégia de desenvolvimento. Em relação à fase anterior a 1990, é sempre possível argumentar que nenhuma estratégia de desenvolvimento se fazia necessária, posto que a região sempre soube crescer e prosperar, permanecendo a Grande Vancouver como um lugar pleno de atrativos para viver e morar. A preocupação atual parece ser a de como conciliar crescimento e qualidade de vida na região (Graham, 2005, p. 2). Esse é um ponto de vista não universalmente compartilhado, na medida em que a Grande Vancouver, mesmo não contando com uma estratégia de crescimento econômico, parece ainda se posicionar favoravelmente como pólo de atração para novos imigrantes e novos negócios, o que pode ser atribuído à qualidade de vida que continua oferecendo. O padrão de forte imigração reforça a tese de que a Grande Vancouver deve estar ainda fazendo as coisas direito. Isso leva ao decorrente argumento de que não necessitaria de uma estratégia de desenvolvimento econômico, posto que continua se portando bem nas atuais condições [...] Já para outros observadores, o argumento da qualidade de vida não é mais suficiente e não permitiria ignorar a necessidade de investir pesado na tarefa de montar uma estratégia de desenvolvimento para a região [...] Caso tenhamos a pretensão de concorrer na moderna economia global, é vital reforçar as interações dinâmicas entre o mundo dos negócios, o governo e a comunidade local. (Graham, 2005, p. 45). O grande empecilho para os avanços nesse domínio parece residir na esfera da própria agência metropolitana, que tem se mostrado avessa aos desígnios de uma agenda explicitamente econômica, e isso não obstante a manifestação inequívoca do Governo da Província no sentido da sua exigibilidade em qualquer documento que o mesmo venha a apoiar a título de estratégia de desenvolvimento regional (Graham, 2005, p. 9). Essa posição do GVRD reflete a já comentada recusa das municipalidades em repassarem ao nível superior suas atribuições nessa área, o que se traduz no acolhimento desfavorável às propostas feitas nesse sentido, nas reuniões mantidas pelo Conselho de Diretores. 4.9 O desempenho institucional do Distrito Regional da Grande Vancouver Já foi aqui observado que a formação do Distrito Regional da Grande 138 “O que fica evidenciado é um quadro de baixa performance no contexto canadense, com o GVRD ficando para trás comparativamente ao desempenho das principais regiões urbanas no relativo aos investimentos produtivos, criação de empregos e aumento da renda. Em suma, não há por que ser complacente em relação à prosperidade futura da região de Vancouver.”(Business Council of British Columbia, [s.d.], p. 3). 159 Vancouver deu-se, de forma impositiva, a mando do Governo Provincial da Columbia Britânica. Mesmo configurando uma iniciativa tomada de cima para baixo, uma apreciação preliminar a respeito de seus êxitos tenderia a assinalar que são muitas as condições favoráveis que foram criadas para o trabalho em conjunto das municipalidades envolvidas.139 Com efeito, desde cedo, e em diversas áreas, foi possível operar com um certo nível de consenso, para o que muito colaborou a tradição democrática imperante na região, bem como o clima de ativismo e participação política que marcam sua história (BrunetJailly, 2004). Uma manifestação inequívoca da convergência de atitudes que pôde ser alcançada em muitos momentos se expressa, por exemplo, na esfera do planejamento regional, conforme dão testemunho os vários planos estratégicos de crescimento regional aprovados desde 1976. É verdade que as relações entre o distrito regional e as municipalidades envolvidas e entre estas últimas nem sempre assumem feições amistosas, podendo chegar ao confronto. Apenas para exemplificar, cita-se o caso do debate instaurado quando da proposta de aproveitamento, para fins industriais, de terras desocupadas na Cidade de Vancouver. Essa era uma proposição defendida por membros do GVRD que buscavam atrair empreendimentos industriais capazes de gerar novos empregos em âmbito regional, enquanto as autoridades da Cidade tendiam a encarar essas áreas como espaços de preservação para futuro uso residencial (Smith, 1995). Em qualquer circunstância, a operacionalidade desse mecanismo baseado no diálogo é tanto mais surpreendente e meritória, se se considerar que o Distrito Regional de Vancouver carece de autoridade formal para impor o entendimento e a colaboração entre as unidades administrativas independentes. Ao contrário, o GVRD representa precisamente o exemplo lembrado quando são evocadas as vantagens da cooperação voluntária140 aplicada a uma estrutura de governo com dois níveis (two tier structure). Em uma estrutura com dois níveis, a camada superior é representada por alguma forma de governo regional, e a inferior, pelas instâncias locais. O nível superior encarrega-se de prover aqueles serviços que podem se beneficiar dos 139 140 “No caso de Vancouver, a decisão de criar o GVRD, em 1967, constituiu um passo decisivo. Foi a Província que montou toda a estrutura necessária para viabilizar a cooperação em matéria de água, esgoto e esgoto pluvial e, mais adiante, em questões de planejamento regional. Estava perfeitamente claro para o então Ministro dos Assuntos Metropolitanos, Dan Campbell, que os distritos regionais não haviam sido concebidos como um quarto nível de governo, implicando uma consolidação de natureza funcional e não política. No entanto, desde então, o GVRD viu seu mandato ser fortalecido e seu orçamento ampliado. Seu ativismo também é notável e muito tem contribuído para os êxitos alcançados e as iniciativas tomadas em matéria de políticas [...] Fica evidente que a legitimidade do GVRD não procede apenas do fato de ser uma criatura do Leviatã provincial.” (Brunet-Jailly, 2004). “A cooperação voluntária tem sido descrita como a que implica a menor reestruturação governamental, pressupondo um organismo com abrangência territorial e de atuação baseada na colaboração entre unidades de governo local já presentes na aglomeração, sem ter um status institucional permanente e independente [...] A cooperação voluntária é usual sempre que a autonomia local é altamente valorizada: as municipalidades podem manter sua independência, ao mesmo tempo em que tiram proveito dos benefícios da cooperação.” (Slack, 2004, p. 12). 160 efeitos positivos proporcionados pelas economias de escala e externalidades, enquanto o nível inferior se ocupa daqueles de âmbito puramente local. Os modelos com dois níveis ofereceriam, potencialmente, grandes vantagens, pelos fatos de mais facilmente prestarem contas de sua atuação, terem maior eficiência e serem melhor sucedidos quanto à participação local. Seus críticos argumentam que são maiores os custos incorridos, em função do desperdício e da duplicação na oferta de serviços, os quais são assegurados por dois níveis de governo. Além disso, seriam marcados por uma menor transparência e pareceriam mais confusos aos olhos dos contribuintes, que têm dificuldades para distinguir quem responde por quais serviços. (Slack, 2004, p. 8). No caso da Grande Vancouver, a aplicação desse modelo determinou o surgimento de uma modalidade de governança muito própria dentro do contexto canadense, que tem seu grande trunfo na preservação da autonomia e da identidade locais. Mesmo assim, o GVRD conseguiu adquirir, no decurso do processo, suficiente poder e legitimidade, habilitando-se, assim, para a tarefa de tentar influenciar o processo de crescimento da região como um todo. Portanto, ainda que não remeta a uma forma de governo eleita, de abrangência supraterritorial, deve ser visto como um caso representativo no mundo da governança metropolitana, que tira sua força precisamente da colaboração voluntária estabelecida entre as administrações locais. Essa é, aliás, sua atribuição de origem, porquanto o GVRD foi criado com a finalidade explícita de induzir à cooperação regional, passando ao largo de qualquer intento de montar uma estrutura de governo supramunicipal. Suas maiores diferenças com relação a uma forma efetiva de governo metropolitano estão em que este último pressupõe alguma modalidade de representação política (ou seja, envolve eleições), tem capacidade para fixar e cobrar tributos e goza de autonomia e autoridade para ofertar diretamente ou responder pela coordenação do fornecimento de uma gama variada de serviços de âmbito regional. No relativo às desvantagens do modelo adotado na Grande Vancouver, verifica-se que o mesmo traz em si algumas limitações intrínsecas. Com efeito, na medida em que o princípio favorecido é o da associação voluntária e sendo o Conselho de Diretores do distrito regional composto por membros representantes de cada municipalidade — e que, por conseguinte, prestam contas em nível local —, há uma óbvia dificuldade em trabalhar-se com uma visão eminentemente regional.141 Na prática, muito do que é aprovado e leva141 Um exemplo expressivo é o do Prefeito de Richmond, que, em janeiro de 1996, escreveu uma carta de protesto contra uma medida adotada pelo GVRD, a qual, em seu entendimento, prejudicava sua municipalidade. O bizarro nessa história é que ele a endereçou para si mesmo enquanto membro do Conselho de Diretores do GVRD (Graham, 2005, p. 8). 161 do adiante no âmbito do distrito regional assim ocorre porque também é do interesse local. Todo o demais precisa passar pelo crivo dos acertos consensuais, podendo, ou não, ser bem acolhido. A esfera regional não está, portanto, necessariamente contemplada na instância das decisões locais e, na outra ponta, não há ninguém que fale pela região. Com isso, coloca-se, compreensivelmente, um problema de autoridade para aprovar e implementar determinadas políticas. Nesse sentido, o modelo de Vancouver deixa a desejar frente a um verdadeiro governo regional, que conte com plenos poderes para cumprir seu mandato (Mcfarlane, 2001; Slack, 2004).142 Enquanto alguns acreditam que o fato de não ter de prestar contas contribui para que os políticos de nível regional assumam mais facilmente posições controvertidas e tratem os assuntos levando em conta seus méritos próprios, outros consideram que o nível regional forma apenas um fórum, no qual as municipalidades competem, ou se dedicam ao negócio dos interesses municipais. O que fica claro é que uma instituição que está baseada em um modelo consensual depende fortemente das habilidades e personalidades de seus participantes. O êxito do GVRD em conseguir aprovação para seus planos tende, conseqüentemente, a variar muito em função da composição do seu Conselho de Diretores. (Graham, 2005, p. 8). Uma situação que explicita muito claramente os limites desse arranjo colaborativo entre municipalidades envolve as questões relativas ao desenvolvimento econômico regional, uma área indiscutivelmente crítica para os destinos da região e na qual existe pouca cooperação. Daí os inconvenientes provocados por decisões com conseqüências no plano econômico e que são tomadas, muitas vezes, de forma autônoma pelas municipalidades, que preferem instaurar a disputa com seus vizinhos, em vez de buscarem alternativas conjun- 142 “A falta de um mandato explícito de planificação integrada para a região como um todo em matéria de política social, de meio ambiente e na esfera econômica implica que determinadas atividades correm o risco de serem descartadas ou encaradas, por algumas municipalidades, como não sendo plenamente legítimas. Elas entendem, por exemplo, que os serviços sociais e o sistema de saúde configuram atribuições típicas da província [...]” (Groupe de Travail de Vancouver, [s.d.]) “Uma conclusão evidente é que o modelo de construção do consenso em termos do planejamento regional e do controle do crescimento não é tão efetivo como alguns autores deixam transparecer. A principal virtude do mesmo parece ser a sua capacidade de minimizar as situações de conflito aberto entre os vários atores que atuam no terreno do planejamento regional. Mas, na medida em que o modelo propicia um mecanismo para o acordo sem oferecer uma alternativa para a obrigatoriedade, tende a produzir declarações políticas ambiciosas que, com freqüência, não são acompanhadas por ações concretas ou pela realização dos objetivos [...] O fato de os atores terem consciência de que a região pode apenas exercer uma pressão moral faz com que as ambiciosas metas de planejamento se diluam à medida que o processo avança.” (Tomalty, 2002, p. 24). 162 tas capazes de inseri-las no contexto mundial de concorrência (Mcfarlane, 2001; Groupe de Travail de Vancouver, [s.d.]). Ora, na prática, o que existe é um só território metropolitano — e uma só realidade econômica, altamente interdependente em nível regional —, que ignora as fronteiras colocadas pelas múltiplas jurisdições locais. É assim que se comportam os fluxos de pessoas, de bens e mercadorias, de capitais e de informações, que obviamente desconsideram as barreiras desse tipo e circulam livremente pelo território. É por conta do acúmulo de problemas desse gênero que alguns acreditam que os limites do modelo de Vancouver já foram alcançados e que os melhores momentos dessa experiência estão no passado.143 Levando a idéia mais adiante, falam da conveniência de repensar a atual estrutura de governança, tendo em conta a necessidade de uma reforma da qual possa emergir uma nova e politicamente fortalecida agência para tratar da Vancouver metropolitana144. Deve ser observado, aliás, que uma medida dessa ordem não está totalmente fora das preocupações locais, tendo já sido sugerida em 1998, no relatório Making Local Accountability Work in British Columbia. Segundo os termos do mesmo, foi recomendada a criação de uma agência metropolitana (seria a Greater Vancouver Authority), que funcionaria atrelada à assembléia de representantes diretamente eleitos e que seria conduzida por um prefeito também escolhido por voto universal na região (Smith, 2004, p. 21). 143 144 “A região da Grande Vancouver representa o maior imbroglio político do País: 21 conselhos municipais eleitos localmente, que indicam seus próprios membros para formarem um conselho regional que trata de água, esgoto, lixo e de alguns parques; uma agência independente que cuida do transporte público e que é dirigida por um conselho que não é eleito; três corporações independentes e controladas pelo Governo Federal que se ocupam das atividades portuárias; nenhum conselho regional de turismo; nenhum corpo policial ou de bombeiros de âmbito regional; uma autêntica salada de frutas no que se refere a controles locais, regionais e provinciais sobre rodovias e pontes; um plano regional e de uso do solo que é ignorado por muitas municipalidades e que não é respeitado pelo conselho regional, em função da falta de apoio por parte da Província. Ninguém é eleito para pensar prioritariamente na região.” (Graham, 2005). “A questão que se coloca aqui não é a de saber de onde viemos — a de uma experiência largamente positiva em termos de política, de governança e de relações intergovernamentais —, mas a de conhecer para onde vamos — um futuro certamente cada vez mais incerto —, à medida que as estruturas regionais da Colúmbia Britânica assumem crescentes responsabilidades. Não se trata de rejeitar os últimos 50 anos de planejamento regional e de governança. Para mais além, coloca-se o problema de saber se as realizações da segunda metade do último século podem prolongar-se pelo século XXI [...] Os cidadãos do GVRD questionam-se a respeito de quem responde pela tomada de decisões cada vez mais importantes e onerosas no campo do transporte e da infra-estrutura, bem como nos assuntos de polícia, e, no futuro, quase certamente nos de tributação [...]” (Smith, 2004, p. 15). 163 CONSIDERAÇÕES FINAIS O Canadá tem, nas vastidões continentais e na ocupação rarefeita do território, duas de suas marcas registradas, sendo, ao mesmo tempo, um País altamente urbanizado, com uma população cada vez mais concentrada nas grandes metrópoles. Esse é um dos traços básicos da urbanização canadense, caracterizada precisamente pelo forte crescimento de suas áreas metropolitanas e pela preponderante dimensão econômica e populacional por elas assumida. O fato de, em 2006, 68,04% dos seus habitantes viverem nas 33 áreas metropolitanas censitárias do País, de 44,63% residirem nas seis principais e de 34,37% se concentrarem nas três maiores ilustra bem o quanto o processo está ali avançado. É cabível, portanto, falar de um sistema urbano que está evoluindo para uma formação marcadamente metropolitana. As áreas metropolitanas do Canadá vêm passando, há já bastante tempo, por um processo de descentralização da população e das atividades econômicas, em benefício das regiões externas de seus territórios, o que tem contribuído para fortalecer a influência política dessas últimas. A sistemática de ocupação dos espaços periféricos das grandes metrópoles do Canadá não tem nada de propriamente inusitado, já ocorrendo desde as décadas iniciais do século XX. Na verdade, sempre foram grandes as dificuldades para exercer algum tipo de controle sobre a expansão de cunho suburbano, mesmo no caso daquelas aglomerações que, como Toronto, já contavam, desde cedo, com uma forma de governo metropolitano. É verdade que a importância demográfica e econômica das cidades centrais no contexto das áreas metropolitanas canadenses segue sendo muito expressiva, o que as aproxima mais, nesse aspecto, das suas congêneres européias do que das norte-americanas. Todavia, o movimento tendencial aponta, impreterivelmente, no sentido do deslocamento da ocupação urbana e das atividades para as áreas periféricas, inclusive para além das fronteiras definidas como de jurisdição das instâncias metropolitanas existentes. Isso é uma fonte de problemas para as mesmas, na medida em .que o território legal sob sua responsabilidade não sofre ajustes para se acomodar aos novos espaços urbanizados, mesmo sendo o planejamento de âmbito metropolitano uma das atribuições intrínsecas desse tipo de agências. Essa é uma limitação comumente encontrada, que se reflete na não-coincidência entre a jurisdição formal da instância metropolitana constituída e a extensão efetiva do território urbanizado, podendo tal situação verificar-se já quando de sua criação, ou se evidenciar na continuidade do processo. A ocupação das periferias metropolitanas atua também de forma a agravar as disputas entre as cidades centrais e os subúrbios nos aspectos de aplicação dos recursos públicos e da distribuição dos serviços e dos equipamentos de âmbito regional. O fato é que a busca por mais recursos financeiros e por uma maior autonomia na sua aplicação vem se afirmando, crescentemente, como uma bandeira dos governos locais no Canadá, sejam eles administrados pelas cidades centrais, sejam pelas municipalidades das periferias. 164 A existência de um grande número de municipalidades nas áreas metropolitanas configura outro elemento decisivo e cheio de implicações no cenário urbano canadense. Os governos provinciais costumam interpretar o fato de maneira negativa e têm incluído, sistematicamente, propostas de reagrupamento de municipalidades em sua agenda política. Estabelecem também uma associação direta entre as condições de competitividade das maiores aglomerações no contexto da globalização e o caráter nocivo que seria resultante de uma tal fragmentação político-administrativa. Esse é, aliás, um dos temas freqüentemente invocados para justificar o processo de fusões imposto às municipalidades e a preferência pela formação de megacidades. Ainda que não haja respaldo — nem teórico, nem prático — para estabelecer uma relação desse tipo entre fusões municipais e inserção competitiva no mundo globalizado, o fato é que essa tem sido uma importante força motivadora atuante no cenário canadense. Nesse contexto, as propostas visando reduzir o número de municipalidades e as próprias dificuldades e limitações associadas à implementação de medidas dessa ordem têm consumido uma parte substancial dos esforços exigidos pelas reformas municipais empreendidas. Não é de surpreender, portanto, que as questões relativas à montagem e à implementação propriamente dita das estruturas de governança ou de gestão na escala metropolitana tenham assumido, por vezes, uma importância secundária. O poder de vida e morte detido pelos governos provinciais sobre as municipalidades canadenses constitui outro elemento crucial a ser salientado. De fato, conforme foi exaustivamente observado, as municipalidades não têm direitos constitucionais assegurados, sendo suas funções e poderes apenas aqueles explicitamente definidos e delegados pelos governos provinciais. É o que explica e dá sustentação legal ao comportamento fortemente intervencionista praticado pelas Províncias no seu trato com as instâncias municipais. Via de regra, as soluções institucionais adotadas implicaram reformas agressivas no âmbito da organização territorial, promovidas não obstante a pequena mobilização das forças favoráveis às mesmas. Mesmo tendo em conta as circunstâncias políticas específicas que favoreceram tais práticas, é notável constatar a facilidade com que as mesmas puderam ser levadas avante pelos ocupantes dos aparelhos de Estado provinciais. Mais ainda, é interessante chamar atenção para o fato de que, apesar das orientações políticas próprias a cada governo — por exemplo, de cunho conservador no caso de Ontário e social-democrata no de Quebec —, as reformas empreendidas estiveram calcadas no mesmo tipo de abordagem forçada das fusões, apoiando-se em esquemas impostos de cima para baixo. Nas duas situações, registraram-se protestos e oposições generalizados, que não foram levados em conta. Além disso, em ambas, foi também invocado, como uma forte justificativa para as reorganizações territoriais, o argumento da redução das despesas públicas. Na verdade, seria até possível falar-se aqui de um caso de contágio, na medida em que o Governo de Quebec esteve visivelmente motivado pelo exemplo de Ontário, ao conceber sua própria estratégia municipal de intervenção. 165 Como cada província é soberana na formatação da sua “reforma municipal”, resulta daí um outro elemento fundamental no contexto canadense, qual seja, o da convivência de regimes municipais bastante diferenciados e próprios a cada uma delas. É o que explica a variedade de arranjos institucionais para a gestão e de instrumentos de planejamento encontrados nas áreas metropolitanas, bem como dos fatores influenciando seu sucesso ou fracasso, que, afinal de contas, fazem do Canadá um laboratório privilegiado nesse domínio. As três áreas metropolitanas aqui analisadas são reveladoras das especificidades do “modelo” canadense, que prima precisamente pelo caráter da diversidade. Foram escolhidas porque configuram casos exemplares e diferenciados, que, em grau maior ou menor, remetem a experiências exitosas no domínio da gestão e do planejamento metropolitanos. Representam também situações extremamente bem documentadas, havendo um sem-número de estudos e de planos realizados ao longo das últimas décadas que estiveram focados nas mesmas. São casos altamente significativos e decisivos para os destinos do Canadá, bastando considerar que as três maiores áreas metropolitanas representam quase 40% da sua população e contribuem com praticamente um terço do PIB do País. Além disso, formam regiões que foram profundamente afetadas pelas transformações estruturais da base econômica ocorridas nas últimas décadas, as quais tiveram desdobramentos determinantes no plano territorial. Dos três exemplos considerados, o de Vancouver é o que mais foge à regra, no sentido de que se estrutura em torno de um modelo institucional assentado na cooperação voluntária das municipalidades integrantes, as quais interagem no seio de uma agência dotada de poderes relativamente circunscritos e voltada à prestação de serviços básicos de natureza metropolitana. Funciona, na verdade, como uma agência guarda-chuva, exercendo o controle sobre outros organismos juridicamente independentes e que atuam em áreas específicas. Seus encargos e responsabilidades são, todavia, menos amplos do que os que têm ou já tiveram as instâncias similares de Toronto e Montreal. Forma também uma estrutura institucional politicamente mais difusa, porquanto sua lógica de funcionamento não se apóia no uso de poderes coercitivos. De qualquer forma, a operacionalidade alcançada por esse mecanismo baseado no diálogo é tanto mais surpreendente se se considerar que o GVRD carece de autoridade formal para impor o entendimento e a colaboração entre seus membros. A longa tradição democrática existente na região e o clima de ativismo e de participação política que marcam sua história explicam, em uma boa medida, as condições favoráveis ali encontradas para o trabalho em conjunto das municipalidades envolvidas. Ainda assim, aparece como uma alternativa muito interessante no mundo da governança e do planejamento metropolitanos, e, dentre os três casos examinados, é claramente o que se mostra mais estável e menos sujeito às mudanças avassaladoras que têm afligido os demais. O fato de constituir uma 166 experiência que já perdura por mais de 40 anos e ainda não estar esgotada é, sem dúvida, revelador de suas qualidades. Está associado a um tipo de arranjo institucional que foge ao mecanismo das fusões de municipalidades, tão comuns no contexto canadense e que se mostra muito mais tolerante em relação às especificidades locais. Representa, na prática, uma solução eficiente, sempre que consegue incorporar os acordos e os consensos no seu quotidiano de trabalho e encontra seus limites quando os parceiros irmanados descobrem que seus objetivos não são tão facilmente conciliáveis. O efeitos de sua atuação, mesmo com tais limitações, têm sido bastante positivos em escala regional. Uma das razões para tanto pode ser atribuída ao fato de a agência regional ter ingerência sobre praticamente toda a área metropolitana funcional, o que se traduz na coincidência do território coberto pelo Distrito Regional da Grande Vancouver com o da Área Metropolitana de Vancouver. Além disso, é favorecida pelo fato de ser aquela que mais se aproxima de uma verdadeira região geográfica e de caracterizar-se por ter uma identidade regional razoavelmente assumida. Uma explicação para esse fato reside, talvez, nas ameaças colocadas pelo desenvolvimento metropolitano descontrolado, que traz os riscos de uma séria degradação ambiental a um território privilegiado do ponto de vista de seus recursos e das belezas naturais. Nesse sentido, das três áreas metropolitanas consideradas, é a que mais tem presente a idéia de um “destino regional comum”, ponto esse que o GVRD vem tentando incorporar em seus planos de desenvolvimento sustentável. O que está em jogo, em última análise, é a possibilidade de trabalhar-se com uma visão estratégica para a região, permanecendo a questão de saber se o “modelo do consenso” tem suficiente capacidade regulatória para se contrapor às forças econômicas que operam na região e agem em escala global. Esse é um aspecto que permanece em aberto, não sendo de descartar a idéia de que, no futuro, a região venha a ser obrigada a assumir os termos de uma abordagem mais rigidamente institucionalizada no trato dos problemas de gestão e de planejamento metropolitano. Por enquanto, Vancouver continua portando-se bem do ponto de vista econômico, segue sendo um destino privilegiado de atração para as levas de imigrantes e confirma ser uma metrópole ímpar pela qualidade de vida que oferece, um sinal de que suas vantagens comparativas ainda pesam favoravelmente. Já no caso de Toronto, a avaliação a ser feita tem um caráter mais nuançado, na medida em que — não obstante a Toronto Metropolitana ter sido um exemplo de intervenção governamental —, o conceito da Área da Grande Toronto apenas agora começa a tomar forma mais definida. De fato, conforme foi visto, a instalação do primeiro governo metropolitano da América do Norte foi precoce, datando do início da segunda metade do século XX. Funcionou em condições bastante exitosas durante 44 anos, tendo sido bem-sucedido nas tarefas ligadas ao planejamento regional e à equalização dos serviços prestados no conjunto da região. A política tarifária então seguida, combinada com uma estrutura de gastos e de prestação de serviços de abrangência metropolitana, foi decisiva na transferência de recursos das comunidades mais ricas para as mais pobres. 167 A Metro Toronto funcionava como um governo com dois níveis, possibilitando, assim, repartir a execução dos serviços entre a municipalidade metropolitana e os municípios federados, preservando-se muito da autonomia local. É verdade que, ao longo de sua existência, o modelo foi ficando mais centralizado, do que são exemplos a alteração do conjunto de atribuições próprias a cada esfera, com sua passagem ao nível superior, e a própria redução do número de municipalidades federadas, que passou de 13 para seis. Ainda assim, representou uma experiência considerada muito satisfatória, que foi capaz de garantir as condições necessárias para o rápido crescimento da metrópole até o final dos anos 80. O problema é que, à medida que a aglomeração se expandia, se verificava uma crescente inadequação entre a área de cobertura da Metro Toronto e a realidade socioeconômica da área metropolitana. Ao consolidarem uma estrutura de poder regional fragmentada – composta pela Metro Toronto e por outros quatro governos regionais — as autoridades provinciais abriram mão da possibilidade de estabelecer uma única instância com responsabilidades sobre o conjunto da região. E esse era, precisamente, um dos pontos críticos identificados na maior parte dos diagnósticos e estudos então realizados, os quais assinalavam as vantagens que adviriam do tratamento dos problemas em escala regional. A solução encaminhada, que passou pela implantação da megacidade de Toronto e pela manutenção dos demais governos regionais, frustrou as expectativas dos que viam como indispensável a criação de um órgão governamental que tivesse jurisdição sobre o território da Toronto Metropolitana e de suas áreas adjacentes. Ou seja, o recorte territorial privilegiado pela reforma de 1998 foi muito circunscrito, quando todas as avaliações da época já apontavam a Área da Grande Toronto como o verdadeiro espaço a considerar. É certo que a oposição provocada pela supressão da Toronto metropolitana e pela consolidação das municipalidades sob sua jurisdição em uma única municipalidade tendeu a se atenuar com o tempo, passando a impor-se a realidade da nova Cidade de Toronto. Todavia, a passagem de encargos do Governo Provincial para o Governo Municipal que acompanhou sua criação — somada à redução das transferências financeiras procedentes de outros níveis de governo e a manutenção das mesmas fontes de arrecadação fiscal — contribuiu para que a crise financeira se instalasse, pondo em risco o futuro da Cidade e o da região por ela comandada. O problema das más condições financeiras vivenciado por Toronto é mais um elemento — e não dos menores — a revelar as insuficiências do atual modelo de governança metropolitana encontrado na região. A verdade é que a Área da Grande Toronto corresponde apenas à designação de um vasto território, não remetendo a nenhuma forma de governo ou de instância representativa metropolitana. Cada um dos cinco governos regionais ali representados faz a sua parte, havendo apenas algumas atividades de cooperação conjunta que se dão de maneira informal e na ausência de qualquer visão na escala regional. O fato de o Governo Provincial estar realizando intervenções de cunho setorial e pontual é, claramente, insuficiente para organizar (e, muito menos, conter) a ocupação suburbana e não elimina 168 a necessidade de dispor de alguma instância de planejamento e de coordenação agindo no âmbito de todo território. É por isso que, não obstante todos os traumas e sacrifícios que acompanharam a mais recente reforma municipal imposta pelo Governo Provincial, a solução institucional para a Grande Toronto ainda está longe de ser alcançada. O caso de Montreal é um pouco semelhante, na medida em que o entendimento em torno de um destino regional comum envolvendo a cidade central e as municipalidades suburbanas ainda está por ser construído. A situação é difícil nesse aspecto, já que, efetivamente, a urbanização tomou conta de um território que se estende muito além da própria ilha de Montreal, ainda que tenha se mantido a forte presença demográfica e econômica regional da cidade principal. A transformação da estrutura produtiva, com a perda de importância dos setores tradicionais e a ascensão dos segmentos modernos alavancados pelas novas tecnologias, teve desdobramentos significativos no território, com o fortalecimento das municipalidades da periferia. Estas reivindicam — assim como o fazem especialmente muitos dos subúrbios da própria ilha de Montreal — identidades políticas e lingüísticas diferenciadas, o que explica o fato de não se sentirem comprometidas com a temática da solidariedade regional. As fortes clivagens de natureza política e lingüística identificadas na região têm, efetivamente, sua parte de responsabilidade na formação de um tal quadro. Para indicar o quão significativas as mesmas podem ser, basta considerar o insólito episódio representado pela fusão e posterior “desfusão” de municipalidades. No primeiro momento, a reforma municipal empreendida resultou na implantação de uma instância de âmbito regional, a Comunidade Metropolitana de Montreal, e da megacidade de Montreal. Entre as várias razões que motivaram a criação dessa última, vale lembrar a referência de que ela formaria o “bom perímetro” para administrar a cidade, já que forçaria as comunidades francófonas e anglófonas a trabalharem em conjunto. No segundo momento, entretanto, viu-se que as reações negativas às medidas e as pressões exercidas pelas municipalidades anglófonas foram capazes de reverter a situação, do que resultou a inusitada “desfusão” de municipalidades e o retorno, praticamente, ao arranjo institucional anteriormente vigente. Mesmo que a CMM seja, efetivamente, o organismo encarregado de prover as tarefas de coordenação e de planejamento de âmbito metropolitano, ela carece da necessária representatividade política, do poder executivo e dos recursos financeiros para cumprir tal missão. Muitas das municipalidades sob sua jurisdição — mesmo sendo partes integrantes desse arranjo institucional — nela não se identificam e tendem a encará-la, muito mais, como uma ameaça à sua autonomia e independência. Outra circunstância que não favorece o cumprimento do mandato de gestão metropolitana atribuído ao organismo supramunicipal relaciona-se ao grande número de municipalidades sob sua jurisdição, as quais se agrupam em cinco regiões, sendo a Aglomeração de Montreal apenas uma delas. A situação, nesse aspecto, é deveras problemática, devendo-se ter presente que 169 não foi nem mesmo possível chegar a uma solução institucional eficiente para um território muito mais reduzido, qual seja, o da ilha de Montreal. As vicissitudes enfrentadas pelo Conselho da Aglomeração e o recorrente descontentamento manifestado pelas municipalidades da região são elementos inequívocos que ilustram as dificuldades de se trabalhar com uma visão de conjunto na própria ilha, uma limitação que se amplifica, ao considerar-se a Área Metropolitana de Montreal como um todo. Um último aspecto a ser aqui referenciado remete à questão dos transportes urbanos, um tópico que foi bastante privilegiado nas análises aqui realizadas. As razões para tanto são muito óbvias, bastando que se considere a relevância assumida e o desafio que representam as questões de mobilidade e de acessibilidade nas modernas metrópoles. Além disso, formam um tópico muito pertinente, já que, para ter sucesso nas atividades de planejamento e de coordenação dos transportes na escala metropolitana, é mister contar com alguma estrutura de gestão atuante nesse nível. As metrópoles canadenses não são exceção à regra, e os três casos aqui considerados assim o demonstram. De maneira geral, verifica-se que as principais áreas metropolitanas do País padecem dos problemas típicos associados às sociedades dependentes do automóvel. Congestionamentos viários generalizados, deterioração das condições ambientais, altos níveis de poluição, ocupação suburbana desenfreada, comprometimento de recursos financeiros escassos com os pesados investimentos na rede viária e perdas de participação relativa dos transportes públicos são alguns dos traços corriqueiros ali encontrados. Mesmo nessas condições, é preciso chamar atenção para o papel relevante desempenhado pelos sistemas de transporte coletivo nas cidades canadenses, o que as aproxima sobremaneira do contexto que caracteriza suas congêneres européias. Toronto é um exemplo dessa situação, bastando considerar que a Cidade conta com o segundo maior sistema de transporte público da América do Norte, posicionando-se logo após o de Nova Iorque. A própria área metropolitana também é muito bem servida pelos sistemas de ônibus regionais e de trens de subúrbio. Não obstante o histórico comprometimento das autoridades com o transporte público na região, há uma clara preferência pelo uso do transporte privado, fenômeno também associado ao movimento de ocupação das áreas mais externas da metrópole. São várias as instâncias com poder de decisão que atuam no domínio dos transportes, na região, estando envolvidos o Governo Provincial, os governos regionais e as municipalidades. É muito evidente a falta de coordenação entre as várias autoridades governamentais intervenientes nesse domínio, o que fundamentou precisamente a recente criação da GTTA, a empresa de transportes da Grande Toronto. A implantação de uma agência de transportes com mandato abrangente para toda a região é um fato deveras relevante (ainda mais se se considerar que, na atualidade, inexiste um governo ou uma estrutura de gestão metropolitana), mas suas atribuições e competências precisarão ser ainda muito ampliadas, para que possa enfrentar o desafio de coordenar os sistemas de transporte da aglomeração. 170 O sistema de transporte coletivo de Montreal é igualmente bem desenvolvido, mas também padece do desgaste induzido pela realização de um número crescente das viagens em automóvel. Na verdade, tem havido insuficiência de recursos financeiros para garantir os investimentos necessários nos modos públicos de transporte, o que coloca em risco conquistas históricas, que fizeram de Montreal uma experiência modelar no contexto da América do Norte. Há, todavia, a assinalar o claro posicionamento das autoridades em favor do fortalecimento e da renovação dos sistemas coletivos de transporte como uma alternativa ao automóvel, uma medida associada à estratégia de controlar a ocupação do território através dos efeitos estruturadores dos modos públicos de transporte. Cabe à Comunidade Metropolitana de Montreal as atribuições explícitas de planejamento e de coordenação no âmbito dos transportes na região. Entretanto, suas limitações são igualmente visíveis nesse domínio, e a CMM não tem condições para o pleno exercício de suas responsabilidades. É a Agência Metropolitana de Transportes, um organismo do Ministério dos Transportes de Quebec, que responde efetivamente pela gestão do sistema de transportes públicos na Grande Montreal. Na verdade, mais do que um simples órgão de coordenação, a AMT goza de poderes e tem capacidade de financiamento para, no território metropolitano, definir as estratégias seguidas nesse domínio. Ainda que Montreal conte com uma agência dotada de poderes regulatórios suficientes para tratar da questão dos transportes metropolitanos, o elemento perturbador nesse arranjo é o de que essa agência não precisa prestar contas à CMM. Ao examinar-se o caso da Grande Vancouver, por fim, verifica-se que as autoridades provinciais repassaram as responsabilidades pelo sistema de transporte público ao órgão metropolitano. Na verdade, isso se deu de forma indireta, já que é a Translink — uma agência funcionalmente ligada ao GVRD — que tem a seu cargo o gerenciamento do sistema de transportes na região. Grandes restrições de ordem orçamentária têm limitado, entretanto, a efetividade de sua atuação, ao mesmo tempo em que escapam a seu controle os investimentos realizados, pelo Governo da Província, nos sistemas de transporte público e na rede viária regionais. Essa é, certamente, uma situação pouco confortável para a instância metropolitana, bastando considerar que seus intentos de fortalecer os modos públicos de transporte são contraarrestados pela clara preferência das autoridades provinciais em realizar grandes projetos de infra-estrutura viária. ◆◆◆ São as grandes aglomerações as responsáveis pelas principais dinâmicas demográficas e socioeconômicas que, na atualidade, condicionam o desenvolvimento dos territórios, permitindo, assim, que as mesmas sigam acumulando população, riqueza e poder. Essa é uma situação deveras universalizada, ainda que sejam muitas as variações observadas, de país para país, no tocante à intensidade e às implicações do fenômeno, dependendo 171 dos diferentes estágios de desenvolvimento alcançados, da formação socioeconômica, da história política e do corpo das instituições que marcam cada um deles. Sem querer cair em generalizações simplistas, o fato é que há uma clara tendência à metropolização, a qual, inclusive, se fortaleceu nos anos mais recentes. Isso transparece na constituição de espaços urbanos de ocupação extremamente densa e onde se estabelecem fluxos e relações intensas entre um núcleo central e as áreas suburbanas e periurbanas, e onde são, portanto, decisivas as inter-relações e as interdependências criadas na escala da aglomeração. A atuação de numerosos governos locais nesses espaços é outra característica marcante desse tipo de configuração, o que redunda em dificuldades de formulação de uma estratégia comum de intervenção para territórios institucionalmente fragmentados e que enfrentam, destarte, problemas de governabilidade. A questão, nesse aspecto, é a de como conjugar políticas e arranjos institucionais capazes de garantir formas de gestão conjunta para as mesmas em condições de salvaguarda da autonomia municipal ou, mesmo, de transferência de competências e de poderes para uma instância de nível superior. Não é de estranhar, nessas condições, que o tema da gestão metropolitana seja de absoluta atualidade e pleno de desdobramentos em seu plano teórico e no leque de suas alternativas práticas. Um estudo de casos, como o aqui realizado e focado na experiência canadense, é altamente revelador de muitos desses aspectos. Sua comparabilidade com outras grandes cidades mundiais — e, especialmente, com as brasileiras — não é, obviamente, algo fácil de ser realizado, e nem os ensinamentos tirados são necessariamente transferíveis. Afinal de contas, ainda que o processo de metropolização comporte em si traços similares e comuns a muitas aglomerações, há determinantes e especificidades históricas em cada situação que garantem uma quase unicidade para os contextos locais. Ainda assim, o olhar curioso e inquisitivo lançado sobre outras experiências, políticas e ações implementadas pode representar uma fonte de insights valiosos enquanto subsídios para tratar dos desafios colocados pela tarefa de gerir as grandes metrópoles. É sabido que, no contexto das políticas públicas brasileiras, os temas de natureza metropolitana estiveram praticamente desaparecidos durante muito tempo. Não só a União abriu mão, em um passado recente, das intervenções nos níveis local e regional como a própria questão metropolitana foi escamoteada das grandes discussões e das reformas dos marcos regulatórios que influenciaram os destinos da sociedade brasileira nas últimas décadas. Não é surpreendente, nessas condições, que a legislação urbana existente ignore praticamente tudo o que se relaciona ao quadro institucional e às políticas que, de forma explícita, remetem à dimensão metropolitana. A Constituição Federal de 1988 delegou aos estados a competência para criar e institucionalizar regiões metropolitanas. O novo pacto federal então forjado apoiou-se fundamentalmente nos aspectos de descentralização e democratrização, consagrando o princípio constitucional da autonomia municipal, estendida ao campo político-administrativo e ao da fiscalidade. Tal situa- 172 ção é completamente destoante, portanto, da verificada no caso das municipalidades canadenses, porquanto os municípios brasileiros não são obra da legislação estadual e formam um ente que tem a salvaguarda das mais amplas garantias constitucionais. Por força do regime federativo brasileiro, que enseja uma complexa divisão de poderes entre três níveis de governo, os problemas de articulação das relações intergovernamentais nos espaços metropolitanos revelam-se sobremaneira difíceis de equacionar. Isso não favorece — senão impede simplesmente — as iniciativas que contemplam os interesses metropolitanos, ao mesmo tempo em que não incentiva as formas de planejamento e de execução de serviços de natureza compartilhada nesses espaços. As experiências de gestão metropolitana refletem tais condicionantes, do que dão testemunho a quase inexistência de arranjos institucionais formais e a pouca expressividade dos acordos de cooperação voluntária. O problema todo reside em como induzir esferas governamentais relativamente autônomas, mas intimamente relacionadas, a se articularem de forma a tratar das questões em comum. Não é o caso, certamente, de se imaginar, para o formato institucional das regiões metropolitanas do País, um modelo único, adaptável a todas as territorialidades,. Os exemplos canadenses, que primam precisamente pela diversidade nas abordagens do tema, demonstram que há margens de manobra possíveis nesse aspecto. Da mesma forma, não obstante o distanciamento dessas experiências internacionais em relação ao contexto brasileiro, fica evidenciado que as mesmas apontam, muitas vezes, alternativas interessantes, que deveriam ser examinadas na busca por propostas consistentes para o tratamento de nossas regiões metropolitanas. 173 REFERÊNCIAS ARBOUR, Alain. Agglomération et régions: une même problématique. [s.d.]a. Disponível em: <http://politiqueregionale.blogspot.com>. Acesso em: 10 ago. 2007. ______. Agglomération et régions: une solution. [s.d.]b. Disponível em: <http://politiqueregionale.blogspot.com>. Acesso em: 10 ago. 2007. BC STATS. 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