Territórios Urbanos e Políticas Culturais

Transcrição

Territórios Urbanos e Políticas Culturais
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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
Naomar Monteiro de Almeida Filho
Reitor
FACULDADE DE ARQUITETURA
Antonio Heliodorio Lima Sampaio
Diretor
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO
Eloísa Petti Pinheiro
Coordenadora
CADERNOS PPG-AU/FAUFBA
Número Especial
Territórios Urbanos e Políticas Culturais
Ana Fernandes
Paola Berenstein Jacques
Editoras
Damile Menezes (apoio)
Francisco de Assis da Costa
Paola Berenstein Jacques (coordenação)
Núcleo de Apoio à Produção Editorial - NAPE
Beneficiário de auxílio financeiro CAPES – Brasil
Programa de Cooperação Universitária CAPES/COFECUB
Projeto nº 440/04 (Biênio inicial 2004-2005, renovável para 2006-2007)
CAPES - Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
COFECUB - Comité Français d’Évaluation de la Coopération Universitaire avec le Brésil
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Ano II – número especial – 2004
COFECUB
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Francisco de Assis da Costa
Capa
Alana Gonçalves de Carvalho
Projeto Gráfico e Editoração
Editora da Universidade Federal da Bahia
Apoio Editorial
Biblioteca Central – UFBA
Cadernos PPG-AU/FAUFBA / Universidade Federal da Bahia. Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo. - Ano 2, número especial, (2004) - Ana Fernandes, Paola Berenstein
Jacques (Org.). - Salvador : PPG-AU/FAUFBA, 2004v. : il.
110 p.
Semestral.
ISSN 1679-6861.
1. Arquitetura – Literatura científica – Salvador (BA). 2. Urbanismo Literatura científica – Salvador (BA). 3. Universidade Federal da Bahia – Pós-Graduação.
I. Universidade Federal da Bahia. Faculdade de Arquitetura.
CDU – 72(813.8)
CDD – 720.098142
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SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO
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PROJETO DE PESQUISA
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EQUIPE
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ARTIGOS
Paola Berenstein Jacques
ESPETACULARIZAÇÃO URBANA CONTEMPORÂNEA
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Lilian Fessler Vaz
A “CULTURALIZAÇÃO” DO PLANEJAMENTO E DA CIDADE
novos modelos?
31
Marcia Sant’Anna
A CIDADE-ATRAÇÃO
Patrimônio e valorização de áreas centrais no Brasil dos anos 90
43
Carmem Beatriz Silveira
O ENFOQUE URBANÍSTICO-CULTURAL NO PLANEJAMENTO
A PARTIR DA DÉCADA DE 1980
os projetos de “Revitalização Urbana” na cidade do Rio De Janeiro
59
Marcia Noronha dos Santos Ferran
ATUANDO NA MARGEM
Projetos culturais participativos nos suburbios do rio e de Paris
73
Ana Clara Torres Ribeiro
ORIENTE NEGADO
cultura, mercado e lugar
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APRESENTAÇÃO
Esse número especial dos Cadernos do PPG-AU/FAUFBA marca o início do acordo de
cooperação universitária CAPES/COFECUB, centrado na questão “Territórios Urbanos
e Políticas Culturais”. Reúne, assim, uma versão resumida do projeto que lastreia o
trabalho conjunto de professores, pesquisadores e estudantes de pós-graduação do
Brasil e da França, e textos já produzidos por seus participantes brasileiros, que
enfocam diferentes abordagens e situações empíricas do tema/objeto de interesse.
Por um lado, comparece a crítica aos processos contemporâneos de espetacularização
das cidades, seja nos modos de intervenção, seja no próprio âmbito do planejamento,
do urbanismo e da preservação. Paola Berenstein Jacques percorre algumas idéias
de não-cidade – cidades-museu ou cidades-genéricas – para, contrapondo-se a elas,
propor estratégias de contra-espetacularização, através do popular e do espaço público vivificado. Lilian Fessler Vaz historia o processo de redução dos horizontes do
planejamento urbano a sua vertente menos incerta do projeto urbano, constatando a
crise do moderno e se interrogando sobre o papel do marketing, da imagem e das
chamadas identidades locais.
De outro lado, experiências concretas em cidades brasileiras e francesas são analisadas, possibilitando um mergulho empírico na “produção cultural” de nossas
cidades hoje. Márcia Sant’Anna nos faz percorrer as políticas patrimoniais dos
anos 1990 em três áreas centrais brasileiras (Salvador, Rio de Janeiro e São Paulo), analisando tanto o papel das diferentes instâncias institucionais por elas responsáveis, como os processos de deslocamento dos centros na dinâmica urbana
contemporânea, o lugar dos diferentes usos do território – turismo, cultura, habitação, negócios – na reproposição de centros ou ainda o esvaziamento do próprio
conceito de patrimônio na produção da chamada cidade-atração. A força dos homens lentos e a experiência cotidiana são os pontos de partida da análise que faz
Carmen B. Silveira sobre projetos de requalificação no Rio de Janeiro, caminho por
ela vislumbrado enquanto possibilidade de confluência entre revitalização urbana e
desenvolvimento urbano. A experiência das Lonas Culturais no Rio de Janeiro e das
Friches Culturelles em Aubervilliers, abordada por Márcia N. S. Ferran, traz à luz
interessantes experiências de produção de novos territórios de ação artístico-cultural e de exploração de novas possibilidades de alteridade nessa produção.
Por fim, reinvindicando a reinvenção do mercado, através dos signos de solidariedade, sociabilidade e sabedoria, Ana Clara Torres Ribeiro nos defronta com alternativas ao perverso processo de globalização, de forma a que os vínculos entre
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espaço público, cultura, natureza, linguagem e mercado possam plenamente se
manifestar, expandindo as fronteiras da vida coletiva e espontânea dos espaços
urbanos e fazendo emergir “oportunidades criativas, insubordinadas e disruptivas.”
Crítica, experiência e utopia nos parecem caminhos indispensáveis à constituição
de outros territórios urbanos…
Ana Fernandes
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PROJETO
DE PESQUISA
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TERRITÓRIOS URBANOS E
POLÍTICAS CULTURAIS
Programa de Cooperação Universitária CAPES-COFECUB
Biênio 2004/2005
O projeto Territórios urbanos e políticas culturais representa a consolidação, e
também um novo desdobramento, de uma colaboração já existente entre professores-pesquisadores brasileiros (PPG-AU/UFBA, IPPUR e PROURB/UFRJ) e franceses (CNRS, Universidade de Paris e Universidade de Bordeaux) na área de ensino e
pesquisa. A nova proposta - que parte do intercâmbio já iniciado - visa ampliar o
escopo dos trabalhos, dar sistemática a essa cooperação interinstitutional (nacional e internacionalmente) e também envolver um número maior de pesquisadores,
entre professores doutores e doutorandos, atuando sobretudo no aperfeiçoamento
docente e na formação de alunos da pós-graduação. A parceria entre UFBA e UFRJ
também permite que os laços de cooperação acadêmica entre os programas de
pós-graduação nacionais envolvidos (PPG-AU em Salvador, IPPUR e PROURB no Rio
de Janeiro) se desenvolvam.
Pretendemos explorar várias dimensões do campo das relações entre urbanismo e
cultura, entre elas o papel que a cultura vem desempenhando nos processos de
revitalização urbana, e, em particular, analisar as políticas culturais, as suas relações com os planos, projetos e as políticas urbanas, e suas consequências sociais.
Para melhor explorar o campo de relações entre urbanismo e cultura, nos centraremos
nas recentes transformações que colocam as cidades contemporâneas no contexto
da “espetacularização” e da “culturalização” urbana. A partir de uma abordagem
interdisciplinar e crítica, nos indagamos principalmente sobre alternativas de inclusão para se tentar escapar da gentrificação (expulsão da população de baixa renda)
geralmente resultante desses processos urbanos.
A interface entre políticas urbanas e políticas culturais parece estar dominada hoje
pelos processos de “revitalização“ urbana nos quais a cultura é usada como estratégia principal, em que se destacam equipamentos culturais monumentais em primorosos espaços públicos. Potencializados por eficiente marketing, tornam-se casos espetaculares e paradigmáticos. Decorrentes deste uso primordialmente
econômico da cultura, seus efeitos já vem sendo criticados. Outras experiências de
natureza participativa buscam corrigir desigualdades e democratizar o acesso às
oportunidades culturais. A provisão da cultura para as populações excluídas se
tornou um desafio fundamental nas políticas culturais e urbanas. É este campo que
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nos propomos a investigar. Visamos o conhecimento do universo contemporâneo
do uso prioritariamente social da cultura nas políticas urbanas, suas dimensões
teóricas e empíricas, seus impasses, conflitos e limites.
Nos anos 1990 os processos urbanos foram progressivamente induzidos pela
competitividade entre as cidades. Através de novos planos estratégicos passou-se
a oferecer não somente melhores condições de acessibilidade, comunicação, segurança e educação - recuperando edifícios e áreas abandonadas, ampliando a
oferta de espaços públicos - mas também a enfatizar os aspectos culturais e simbólicos. O lugar, a sua imagem e a sua “identidade“ se tornaram fundamentais.
Como a especificidade e a dita identidade de cada povo se encontram fortemente
ancoradas na imagem e na cultura local, é principalmente através da cultura que as
cidades podem se individualizar, acentuando essas identidades, ou seja, marcando
seu lugar no panorama mundial. Por isso, privilegia-se nas políticas e projetos urbanos recentes revelar, reforçar ou criar a imagem, ou identidade, de cada cidade.
Podemos acrescentar que mais do que a própria cidade material, o que se vende
hoje é sobretudo a imagem de marca da cidade. Este é um dos fatores que fazem
a cultura se destacar como estratégia principal dos projetos urbanos, e a ênfase
das políticas urbanas recair sobre as políticas culturais.
O contexto da “espetacularização” e da “culturalização” da cidade é indissociável
das estratégias de “revitalização“ urbana que buscam prover a cidade de uma nova
imagem de marca que lhe garanta um lugar no novo mapa das redes internacionais. Pode-se destacar neste enfoque, a contribuição dos equipamentos culturais e
de suas arquiteturas, cada vez mais visados pela mídia e pela indústria do turismo.
Estes passam assim a ser as principais "âncoras" de megaprojetos urbanos que se
inserem nos novos planos estratégicos. O que poderia ser classificado como uma
"culturalização" ou "musealização" (proliferação dos museus nas cidades) urbana
contemporânea. Por outro lado, o que significa a atual “patrimonialização” ou
“museificação” (transformação das cidades em museus) urbana? Essas mega- intervenções muitas vezes se iniciam por uma patrimonialização das próprias cidades, também tendo em vista uma revitalização urbana que possibilitaria uma efetiva
inserção destas cidades dentro de uma competitiva rede global de cidades ditas
culturais, ou seja, turísticas.
A união cada vez mais freqüente entre os interesses da indústria turístico-cultural e
interesses político-urbanos estariam delineando uma específica “gestão urbanocultural” que transforma a própria cidade em espetáculo (no sentido debordiano) a
ser consumido. Esta forma espetacular de cultura tem sido responsável por grandes transformações urbanas. Tudo isto seria em parte explicado pela crescente
necessidade de visibilidade da cultura que segundo Henri-Pierre Jeudy (1999) al-
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cança seu ápice nos dias atuais: “Uma experiência cultural que não é tornada
visível não existe. Esta visibilidade responde a uma necessidade de legitimação das
ações empreendidas. Não se trata somente de conquistar um público mas de
engendrar os efeitos de difusão que permitem prosseguir a ação de lhe conferir
uma figura de exemplaridade”.
As políticas culturais participam cada vez mais na transformação das cidades. O
que parece predominar nas intervenções espaciais, tanto nas criações artísticas
quanto nas criações arquitetônicas, em relação as finalidades dessas políticas culturais, são as questões de "território" e de "laços sociais". Os projetos públicos,
encomendados a arquitetos, artistas, urbanistas ou paisagistas, estão cada vez
mais relacionados à reabilitação de áreas abandonadas, e implicam na conjunção
de uma dimensão patrimonial à um projeto contemporâneo, ou seja, implicam em
fenômenos de atualização e de presentificação da cidade historicamente construída
e vivida.
O primeiro objetivo específico de nossa pesquisa é de estudar a relação entre o
trabalho dos arquitetos e artistas na reestruturação de territórios urbanos e das
articulações políticas e culturais que legitimam as escolhas e as finalidades de uma
"política urbana". Além da pura conservação patrimonial há uma intenção de pensar o futuro da cidade em termos de uma "estética urbana". O artista ou o arquiteto
são chamados para propor projetos que não interfiram na configuração já existente
de um território urbano, mas que, entretanto, devem representar "nossa época"
para as gerações futuras. A articulação entre políticas urbanas e culturais precisa
ser investigada, incluindo os arranjos institucionais que têm permitido tal articulação, e os interesses envolvidos. A ação a ser investigada não deve se restringir à
dos políticos, arquitetos, artistas ou urbanistas, já que a articulação entre políticas
urbanas e políticas culturais envolve mudanças nas reinvindicações sociais e no seu
atendimento pelo poder público.
É nesse âmbito que a categoria “projeto“ será problematizada como epicentro
empírico e teórico-analítico da pesquisa, ou seja, analisaremos a passagem, e
uma possível inversão, entre as políticas urbanas e culturais e os projetos propriamente ditos. Trata-se de uma temática que depende de análises do poder nas
esferas de concepção e da execução de intervenções urbanas. No centro de todo
projeto de intervenção urbana, se coloca a questão do tratamento das potencialidades
dos territórios da cidade e de sua história. Nosso segundo objetivo específico
será de analisar a gestão contemporânea da simbologia dos signos culturais urbanos. Essa gestão é somente patrimonial? Como aparecem os nossos símbolos?
Essa transformação simbólica de territórios urbanos pode estar associada â forma
de apropriação destes pelos atores sociais. Além da transformação dos símbolos
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culturais, uma simbologia pré-existente, negada, também deve ser considerada.
Nesta direção, a categoria "territórios urbanos" deve ser assumida, além da categoria "projeto", como fio condutor do debate transdisciplinar, na medida em que esta
é mais abrangente e aberta e, assim, permite e estimula a análise dos sujeitos
sociais que se apropriam desses territórios.
Dentro do questionamento sobre a reestruturação das cidades contemporâneas, e
do papel que exercem nesses processos as "políticas urbanas", nosso terceiro
objetivo específico será estudar quais são essas modalidades políticas e culturais que permitem que esses territórios urbanos se transformem, tanto no plano
territorial quanto no plano da vida social e cultural. Se trata de analisar como essas
operações de urbanismo conseguem ou não dar uma nova configuração cultural
aos territórios urbanos, segundo os critérios de avaliação necessários e suas formas de aplicação, e também os próprios limites da gestão urbana, mas partindo da
hipótese de que o critério cultural é o predominante.
Dentro da questão geopolítica da organização de patrimônios internacionais, e do
papel que estes patrimônios têm nas políticas tanto culturais quanto urbanas; um
exemplo empírico desse projeto de pesquisa será de estudar as modalidades políticas e culturais - segundo que critérios de avaliação e suas aplicações, segundo
que imposições de gestão urbana e suas implicações - que fazem com que uma
cidade possa ganhar, por exemplo, um estatuto de “patrimônio da humanidade“. A
temática do patrimônio cultural urbano se subordina ao tema maior da atual articulação entre políticas urbanas e políticas culturais, sendo ela importante a ser observada, sobretudo dentro de uma análise comparativa.
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Coordenação Brasileira
Paola Berenstein Jacques (PPG-AU/FAUFBA)
Coordenação Francesa
Henri-Pierre Jeudy (CNRS-Paris/ Université de Paris I)
Participantes Brasil professores doutores Ana Clara Torres Ribeiro (IPPUR/UFRJ)
Ana Fernandes (PPG-AU/FAUFBA)
Lilian Fessler Vaz (PROURB/FAU/UFRJ)
doutorandos
Adriana Mattos de Caula (PPG-AU/FAUFBA)
Adriana Nascimento (IPPUR/UFRJ)
Carmen B. Silveira (IPPUR/UFRJ)
Fabiana Gobbo (PROURB/FAU/UFRJ)
José Clewton do Nascimento (PPG-AU/FAUFBA)
Luiz Fernando Janot (PROURB/FAU/UFRJ)
Marcia Sant’Anna (PPG-AU/FAUFBA)
Thais B. Portela (IPPUR/UFRJ/co-orient.PPG-AU/FAUFBA)
Participantes França
professores doutores
Anne Cauquelin (Université de Paris X-Nanterre/Université de Picardie)
Maité Clavel (Université de Paris X-Nanterre)
Patrick Baudry (Université de Bordeaux III)
doutorandos
André Luiz Bernardi da Silva (Université de Paris I-Sorbonne)
Aurélie Chene (Université de Bordeaux III)
Dominique Trouche (Université de Bordeaux III)
Emmanuel Villeminot (Université de Paris I- Sorbonne)
Ilaria Brocchini (Université de Paris I-Sorbonne)
Laurent Gitton (Université de Bordeaux III)
Marcia Ferran (Université de Paris I-Sorbonne/co-orient. PPG-AU/FAUFBA)
Nathalie Claude (Université de Bordeaux III)
Séverine Florent (Université de Bordeaux III)
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Paola Berenstein Jacques
ESPETACULARIZAÇÃO
URBANA CONTEMPORÂNEA
A crise da noção de cidade se torna visível hoje principalmente através das idéias de
“não-cidade”: seja por congelamento - cidade-museu e patrimonialização desenfreada - seja por
difusão - cidade genérica e urbanização generalizada. Procuramos mostrar que essas duas
correntes do pensamento urbano contemporâneo, apesar de aparentemente antagônicas, tendem a um resultado bem semelhante: a “espetacularização” das cidades contemporâneas.
O atual momento de crise da noção de cidade se torna visível principalmente através das idéias de “não-cidade”: seja por congelamento - cidade-museu e
patrimonialização desenfreada - seja por difusão - cidade genérica e urbanização
generalizada. Essas duas correntes do pensamento urbano contemporâneo, apesar de aparentemente antagônicas, tendem a um resultado bem semelhante e que
pode ser chamado de “espetacularização” das cidades contemporâneas.
A corrente mais conservadora, pós-modernista tardia ou neo-culturalista, radicaliza
a preocupação pós-moderna com as culturas pré-existentes, e preconiza a
petrificação ou o pastiche do espaço urbano, principalmente de centros históricos,
provocando uma museificação e patrimonialização, e também o surgimento da
cidade-parque-temático e de uma disneylandização urbana, exemplos típicos da
cidade-espetáculo1. A corrente dita progressista, neo-modernista, retoma alguns
princípios modernistas - sem a mesma preocupação social ou utopia dos primeiros
modernos - principalmente a idéia de Tabula Rasa, e faz a apologia da grande
escala (XL2) e dos espaços urbanos caóticos, geralmente periféricos ou de cidades
da periferia mundial: junkspaces, cidades genéricas, cidades-shoppings ou espaços terminais do capitalismo selvagem, que também são mostrados de uma forma
totalmente espetacular3.
Essa quase esquizofrenia dos discursos contemporâneos sobre a cidade vem surgindo muitas vezes simultaneamente em uma mesma cidade, com propostas
preservacionistas para os centros históricos, que se tornam receptáculos de turistas, e com a construção de novos bairros ex-nihilo nas áreas de expansão periféricas, que se tornam produtos para a especulação imobiliária. Muitas vezes os atores
e patrocinadores destas propostas também são os mesmos, assim como é semelhante a não-participação da população em suas formulações, e a gentrificação4
das áreas como resultado, demonstrando que as duas correntes antagônicas são
faces de uma mesma moeda: a mercantilização espetacular das cidades.
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De fato, nas políticas e nos projetos urbanos contemporâneos, principalmente dentro
da lógica do planejamento estratégico, existe uma clara intenção de se produzir
uma imagem singular de cidade. Essa imagem, seja ela forjada ou não, seria fruto
de uma cultura própria, da dita identidade de uma cidade. O que se vende hoje
internacionalmente é, sobretudo, a imagem de marca da cidade e, paradoxalmente, essas imagens de marca de cidades distintas, com culturas distintas, se parecem cada vez mais. Haveria então uma imagem de cidade padrão internacional?
Um consenso global sobre uma cidade modelo? Ou estaríamos diante de um tipo
de “internacionalismo do particularismo”?5
Neste novo processo urbano do mundo globalizado a cultura vem se destacando
como estratégia principal da revitalização urbana pois esses particularismos culturais geram slogans que podem marcar um lugar singular no competitivo mercado
internacional, onde cidades do mundo todo disputam turistas e investimentos estrangeiros6. Essa contradição - as imagens de cidades, a princípio fruto de culturas
distintas, que curiosamente acabam se parecendo cada vez mais entre si - pode
ser explicada: cada vez mais essas cidades precisam seguir um modelo internacional extremamente homogenizador, imposto pelos financiadores multinacionais dos
grandes projetos de revitalização urbana. Este modelo visa basicamente o turista
internacional - e não o habitante local - e exige um certo padrão mundial, um
espaço urbano tipo, padronizado. Como já ocorre com os espaços padronizados
das cadeias dos grandes hotéis internacionais, ou ainda dos aeroportos, das redes
de fast food, dos shopping centers, dos parques temáticos ou dos condomínios
fechados, que também fazem com que as grandes cidades mundiais se pareçam
cada vez mais, como se formassem todas uma única imagem: paisagens urbanas
idênticas, ou talvez mesmo, como diz Rem Koolhaas, genéricas7. No centro das cidades consideradas históricas, o que ocorre talvez seja ainda mais
inquietante, uma vez que essas áreas a princípio deveriam preservar a memória
cultural de um lugar, de uma população e muitas vezes de toda uma nação. O
modelo de gestão patrimonial mundial, por exemplo, segue a mesma lógica de
homogeneização: ao preservar áreas históricas, de forte importância cultural local,
utiliza normas de intervenção internacionais que não são pensadas nem adaptadas
de acordo com as singularidades locais. Assim, esse modelo acaba tornando todas
essas áreas - em diferentes países de culturas das mais diversas - cada vez mais
semelhantes entre si. É um processo de “museificação” urbana em escala global8,
os turistas visitam o mundo todo como se visitassem um grande e único museu.
A memória da cultura local – que deveria ser preservada - se perde, e em seu lugar
são criados grandes cenários para turistas. Na maior parte das vezes, a própria
população local, responsável e guardiã das tradições culturais, é expulsa do local
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da intervenção, pelo processo de gentrificação. Nas periferias ricas isso não chega
a ocorrer, uma vez que estas áreas já são projetadas dentro de uma idéia de
segregação social, e ainda oferecem um nível de vigilância total, também dentro de
um padrão internacional de segurança, que serve também como justificativa para
um amplo processo de privatização de espaços públicos, o que vem ocorrendo de
forma sistemática na maioria das áreas de expansão das cidades contemporâneas. São condomínios fechados, praças de alimentação e corredores de shoppingcenters em profusão9.
O processo contemporâneo de espetacularização das cidades é indissociável dessas estratégias de marketing urbano, ditas de revitalização, que buscam construir
uma nova imagem para a cidade que lhe garanta um lugar na nova geopolítica das
redes internacionais. As maiores vedetes são os grandes equipamentos culturais,
franquias de museus e suas arquiteturas monumentais - cada vez mais espetaculares
e visados pela indústria do turismo – que passam a ser as principais âncoras de
megaprojetos urbanos. Na nova lógica de consumo cultural urbano, a cultura passou a ser concebida como uma “cultura-econômica”, nem mais um produto industrializado como no início da indústria cultural, mas sim como uma simples imagem
de marca, ou grife de entretenimento, a ser consumida rapidamente. Com relação
às cidades, o que ocorre não é muito diferente. A competição é acirrada e as
municipalidades se empenham para melhor vender a imagem de marca, ou logotipo,
da sua cidade, privilegiando basicamente o marketing e o turismo, através de seu
maior chamariz: o espetáculo.
No aforisma 34 do livro clássico de Guy Debord A sociedade do espetáculo de
1967, já está anunciado: “O espetáculo é o capital em tal grau de acumulação que
se torna imagem”. Teríamos três momentos que poderíamos chamar de
espetacularização urbana: o inicial, de embelezamento ou modernização das cidades, em que se começa a moldar as imagens urbanas modernas; em seguida se
começa a vendê-las como simulacros, - o caso de Las Vegas estudado por Venturi
é clássico; e hoje o que se vende é a imagem de marca da cidade e, mais do que
isso, consultorias internacionais de marketing urbano que visam criar novas imagens de marca de cidades que utilizam a cultura como fachada tanto para a especulação imobiliária quanto para a propaganda política.
A IS (Internacional Situacionista) — grupo de artistas, pensadores e ativistas —
lutava contra o espetáculo, a cultura espetacular e a espetacularização em geral,
ou seja, contra a não-participação, a alienação e a passividade da sociedade. O
principal antídoto situacionista contra o espetáculo seria o seu oposto: a participação ativa dos indivíduos em todos os campos da vida social, principalmente no da
cultura. O interesse dos situacionistas pelas questões urbanas foi uma conseqüên-
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cia da importância dada por estes ao meio urbano como terreno de ação, de produção de novas formas de intervenção e de luta contra a monotonia da vida cotidiana moderna10.
A irônica crítica urbana situacionista parece ser ainda tão atual exatamente por ter
visado, dentro do contexto dos anos 1950-196011 na Europa, combater o que
seriam os primórdios dessa nova espetacularização urbana contemporânea. A importância hoje do pensamento situacionista sobre a cidade estaria exatamente na
enorme força crítica que ainda emana dessas idéias. Como parte integrante, importante e central, de uma crítica situacionista bem mais vasta — artística, social,
cultural e, sobretudo, política — está a problemática urbana e, principalmente,
uma crítica à própria disciplina que surge da modernização das cidades: o urbanismo. As doutrinas, teorias e fundamentos básicos do urbanismo foram questionados e criticados de forma radical pelos situacionistas desde os anos 1950.12
Diante do aparente consenso sobre a cidade contemporânea, diante do que pode
ser chamado de “cidade do pensamento único”13, uma crítica pertinente talvez seja
mais urgente no cenário atual do que novos modelos, paradigmas ou mesmo propostas urbanas. O pensamento urbano situacionista, e principalmente sua crítica
ao urbanismo enquanto disciplina espetacular, poderia ser visto ainda hoje, pelo
próprio "campo" do urbanismo, como um convite à reflexão, à auto-crítica e ao
debate. As idéias situacionistas sobre a cidade, principalmente contra a transformação dos espaços urbanos em cenários para espetáculos turísticos, levam a uma
hipótese clara: a existência de uma relação inversamente proporcional entre
espetáculo e participação popular. Ou seja, quanto mais espetacular forem as intervenções urbanísticas nos processos de revitalização urbana, menor será a participação da população nesses processos e vice-versa. Mas essa equação não é
absoluta, variações na proporção de espetacularização também podem ocorrer: quanto
mais passivo (menos participativo) for o espetáculo, mais a cidade se torna um cenário, e o cidadão um mero figurante; e no sentido inverso, quanto mais ativo for o
espetáculo – que no limite deixa de ser um espetáculo no sentido debordiano14 –,
mais a cidade se torna um palco e o cidadão, um ator protagonista ao invés de
mero espectador. A relação entre espetacularização e gentrificação, no sentido
inverso, também seria diretamente proporcional, uma vez que o processo de
espetacularização urbana traz sempre consigo um tipo de gentrificação espacial e
também cultural, com a expulsão dos mais pobres das áreas de intervenção.
Os excluídos desse processo de espetacularização talvez levem consigo a chave da
sua reversão, que seria, como sugeriam os situacionistas, a própria participação
popular. As favelas, por exemplo, seriam um exemplo máximo dessa participação
popular15, uma vez que os moradores são os verdadeiros responsáveis por sua
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construção efetiva, ao contrário do morador da cidade formal, que muito raramente
se sente envolvido na construção do seu espaço urbano e, em particular, dos espaços públicos de sua cidade. Essas áreas seriam verdadeiras “máquinas de guerra”
contra a espetacularização urbana, “máquinas que promovem uma guerra sem
trégua, sem linha de combate de frente ou de retaguarda, numa multiplicidade de
ações, de táticas de sobrevivência, preenchendo todos os vazios urbanos existentes, resultando, desse modo, em configurações informais que escapam ao controle
do Plano que pressupõe direcionar o crescimento da cidade”16
Poderíamos imaginar que essas “máquinas de guerra”, formas alternativas de resistência ou fissuras no sistema globalizado, ainda conseguiriam fugir do processo
de espetacularização. Mas os técnicos, arquitetos e urbanistas responsáveis por
projetos e intervenções em favelas se esforçam exatamente no sentido inverso. Na
maioria dos casos, em vez de seguir os movimentos já iniciados pelos moradores,
e de se aproveitar da participação popular já existente, os profissionais impõem
sua própria lógica construtiva, diretamente ligada à cultura e à estética da cidade
formal, que tende mais uma vez ao espetáculo. Sintomas claros dessa nova
espetacularização são as excursôes de turistas às favelas, os prêmios internacionais recebidos por arquitetos e urbanistas por suas grandes “obras” – intervenções
espetaculares – em favelas, e a última exposição brasileira na Bienal de Veneza
que reuniu vários desses projetos premiados sob o título mais que representativo:
Favelas Upgrading17. Apesar dessa espetacularização generalizada, as cidades brasileiras, de uma forma
geral, talvez até por sua informalidade, ainda conseguem manter algum tipo de
diversidade, de multiplicidade no espaço urbano. Mesmo estando sujeitos ao rolo
compressor homogenizador da cidade-espetáculo, atores sociais urbanos ainda
conseguem reverter o processo ao se apropriar de espaços públicos, para habitação ou encontros ou eventos dos mais variados. E isso vem ocorrendo à revelia de
planos estratégicos ou outros planos, que muitas vezes passam a incorporar esses
lugares em seus projetos à posteriori, numa clara tentativa de espetacularizá-los.
A tão sonhada (re)vitalização urbana – o sentido de revitalização aqui não seria
mais o econômico, mas sim o de vitalidade, como vida decorrente da presença de
um público e atividades diversificadas – só poderia se realizar de forma não
espetacular quando ocorrer uma apropriação popular e participativa do espaço público. O que evidentemente não pode ser completamente planejado, predeterminado ou formalizado. A maior questão das intervenções não estaria na requalificação
em si do espaço físico, material – pura construção de cenários – mas sim no tipo
de uso que se faz do espaço público, ou seja, no próprio público frequentador
desses espaços. Somente através de uma participação efetiva o espaço público
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pode deixar de ser cenário e se transformar em verdadeiro palco urbano: espaço de
trocas, conflitos e encontros.
Paola Berenstein Jacques é professora da
Faculdade de Arquitetura e do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e
Urbanismo da Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia.
Notas
1
Sobre a patrimonialização das cidades européias ver JEUDY, Henri-Pierre. La machinerie Patrimoniale. Paris,
Sens&Tonka, 2001 e sobre a disneylandização urbana norte-americana ver SORKIN, Michael (ed.), Variations on a
theme park: the new american city and the end of public space, New York, Hill and Wang, 1992, a corrente mais
difundida hoje que vai nessa direção é o chamado New Urbanism, com projetos como a cidade Celebration,
construída pela Disney Corporation.
2
Alusão à “Bíblia” neo-moderna, o livro S,M,L,XL, New York, The Monacelli Press, 1995, de um dos maiores
representantes desta corrente, o arquiteto holandês Rem Koolhaas.
3
Um bom exemplo recente desse tipo de espetacularização foi a exposição Mutations (2000/2001), em Bordeaux;
ver catálogo publicado por ACTAR e Arc en Rêve, Barcelona/Bordeaux, 2001.
4
Elitização, expulsão da população mais pobre, termo desenvolvido por Neil Smith em The new urban frontier,
gentrification and the revanchist city, Londres, Routledge, 1996.
5
Ver FERNANDES, Ana Consenso sobre a cidade? em: BRESCIANI, Maria Stella (org.) Palavras da cidade. Porto Alegre:
Editora da Universidade/UFRGS, 2001, pp. 317/328.
6
Ver VAZ, Lilian Fessler e JACQUES, Paola Berenstein Reflexões sobre o uso da cultura nos processos de revitalização
urbana em: Anais do IX Encontro Nacional da ANPUR, Rio de Janeiro, 2001, pp. 664/674.
7
Ver KOOLHAAS, Rem, The Generic City em S,M,L,XL, New York, The Monacelli Press, 1995, pp. 1239/1264.
8
Ver JEUDY, Henri-Pierre La Machinerie Patrimoniale, Paris, Sens&Tonka, 2001 e La critique de l’esthétique urbaine,
Paris, Sens&Tonka, no prelo (livros que serão publicados no Brasil em um único volume com o título Espelho das
cidades, Rio de Janeiro, Casa da Palavra, no prelo).
9
Ver The Harvard Design School Guide to Shopping / Harvard Design School Project on the City, Chuihua Judy Chung
(org), New York, Taschen, 2002.
10
Ver: Internacional Situacionista, JACQUES, Paola Berenstein (org), Apologia da deriva, escritos situacionistas sobre
a cidade, Rio de Janeiro, Casa da Palavra, 2003 e, Guy Debord, A sociedade do Espetáculo, Rio de Janeiro,
Contraponto, 1997.
11
Os anos 1960 foram marcados mundialmente pela organização das “minorias culturais”, pelos movimentos de
“contracultura” ou de culturas “alternativas ou marginais”, pelas manifestações revolucionárias e pelas revindicações
sociais e culturais mais diversas. Um dos maiores símbolos da época, a manifestação estudantil de maio de 1968
em Paris, reuniu vários grupos, ditos revolucionários ou contraculturais, e, entre eles, aqueles que formaram uma
das base teórica do movimento: os situacionistas.
12
É evidente que o contexto histórico dessa crítica situacionista deve ser sempre levado em consideração para que a
crítica situacionista possa de fato servir como base inspiradora para a construção de uma crítica da situação urbana
contemporânea.
13
Ver: ARANTES, Otília, VAINER, Carlos, MARICATO, Ermínia, A Cidade do pensamento único. Rio de Janeiro, Vozes,
2000.
14
DEBORD, Guy A sociedade do espetáculo, Rio de Janeiro, Contraponto, 1997.
15
Ver nosso livro Estética da ginga, a arquitetura das favelas através da obra de Hélio Oiticica, Rio de Janeiro, Casa
da Palavra/Rioarte, 2001.
16
Palestra de Pasqualino Magnavita no XXI encontro ARQUISUR em Salvador em setembro de 2002, publicada em CDROM organizado por Ana Fernandes (FAUFBA, 2002).
17
Ver o catálogo FAVELAS UPGRADING, La Biennale di Venezia, 8. Mostra Internazionale d’Architettura, Fundação
Bienal de São Paulo, São Paulo, 2002.
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Bibliografia
ARANTES, Otília, VAINER, Carlos, MARICATO, Ermínia, A Cidade do pensamento único. Rio de
Janeiro, Vozes, 2000
DEBORD, Guy A sociedade do Espetáculo, Rio de Janeiro, Contraponto, 1997
FERNANDES, Ana Consenso sobre a cidade? em: BRESCIANI, Maria Stella (org.) Palavras da cidade.
Porto Alegre: Editora da Universidade/UFRGS, 2001, pp. 317/328.
IS, JACQUES, Paola Berenstein (org), Apologia da deriva, escritos situacionistas sobre a cidade, Rio de
Janeiro, Casa da Palavra, 2003
JACQUES, Paola Berenstein e VAZ, Lilian Fessler Reflexões sobre o uso da cultura nos processos de
revitalização urbana em: Anais do IX Encontro Nacional da ANPUR, Rio de Janeiro, 2001, pp. 664/
674.
JACQUES, Paola Berenstein, Estética da ginga, a arquitetura das favelas através da obra de Hélio
Oiticica, Rio de Janeiro, Casa da Palavra/Rioarte, 2001
JEUDY, Henri-Pierre. La machinerie Patrimoniale. Paris, Sens&Tonka, 2001
JEUDY, Henri-Pierre La critique de l’esthétique urbaine, Paris, Sens&Tonka, no prelo
KOOLHAAS, Rem. S,M,L,XL, New York, The Monacelli Press, 1995
SMITH, Neil, The new urban frontier, gentrification and the revanchist city, Londres, Routledge, 1996
SORKIN, Michael (org.), Variations on a theme park: the new american city and the end of public
space, New York, Hill and Wang, 1992
Algumas idéias desse texto já foram desenvolvidas em outros artigos em periódicos (sobre patrimônio ver revista RUA
nº 8, PPG-AU/FAUFBa, 2003) ou livros (sobre situacionistas ver apresentação de Apologia da Deriva, escritos
situacionistas sobre a cidade, Casa da Palavra, 2003).
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Lilian Fessler Vaz
A “CULTURALIZAÇÃO” DO
PLANEJAMENTO E DA CIDADE
novos modelos?
O termo “culturalização” vem sendo difundido, referindo-se tanto aos espaços revitalizados, quanto à prática do planejamento que os engendra. Procuramos neste paper esboçar um histórico
desta modalidade de planejamento, localizando no tempo e no espaço algumas das suas manifestações iniciais, caracterizando as suas especificidades e o contexto em que se manifestaram. A
ênfase recai sobre algumas características urbanísticas e culturais, que serão analisadas enquanto
manifestações da pós-modernidade, e confrontadas com características do planejamento no
contexto da modernidade.
Introdução
Nas últimas décadas vêm se difundindo diversos planos, projetos e políticas urbanas e culturais que se utilizam da cultura como estratégia principal. Seja tratando
de preservação de sítios históricos, de ocupação de áreas degradadas ou vazios, de
revitalização de áreas centrais ou periféricas, ou mesmo da expansão urbana, a
tônica das intervenções recai na reabilitação ou na recriação de ambientes históricos, na construção de equipamentos culturais marcantes, no cuidadoso desenho
dos espaços públicos, no uso da arte pública e da animação cultural, entre outros
recursos. Os resultados desta “regeneração cultural” vêm sendo criticados e discutidos nos campos da arquitetura e do urbanismo, do planejamento e das ciências
sociais. Criticam-se os conhecidos processos de gentrificação, mas também novos
processos para os quais vêm se cunhando novos termos: a estetização, a
patrimonialização, a museificação, a midiatização, a espetacularização, entre outras. O termo “culturalização” vem sendo difundido referindo-se tanto aos espaços
revitalizados quanto à prática do planejamento que os engendra.
Procuramos neste paper esboçar um histórico desta modalidade de planejamento,
localizando no tempo e no espaço algumas das suas manifestações iniciais, caracterizando as suas especificidades e o contexto em que se manifestaram. A ênfase
recai sobre algumas características urbanísticas e culturais, que serão analisadas
enquanto manifestações da pós-modernidade, e confrontadas com características
do planejamento no contexto da modernidade. Para concluir, discutimos as tendências observadas, questionando se estamos diante de uma tendência passageira ou se é possível se referir a um novo modelo de planejamento – um planejamento
urbano e cultural.
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As intervenções urbanas e a cultura
A história urbana mostra que às transformações de ordem econômica e social se
seguem a adequação das estruturas, das formas e das imagens das cidades. Depois da industrialização/ urbanização a cidade transformou-se radicalmente, adequando-se à nova condição de centro de produção material. Atualmente, na economia pós-industrial, novas transformações estão em curso: a produção não-material obriga, mais uma vez, as cidades a se renovarem.
Com a cidade industrial, a necessidade de enfrentar os novos desafios, buscando
prever, direcionar e controlar as mudanças fez surgir e desenvolver o urbanismo e o
planejamento urbano. Com a cidade pós-industrial, vem se difundindo novas formas de intervenção, através dos planos estratégicos e dos projetos urbanos. No
primeiro caso, visava-se a adequação da cidade à produção material. No segundo,
visa-se a produção imaterial, ou seja, de bens não materiais correntes: serviços,
informações, símbolos, valores, estética, além de conhecimento e tecnologia. Para
a economia na cidade industrial, importava a proximidade de fontes de matérias
primas e de energia, a disponibilidade de capital, de força de trabalho e de um
mercado local. Para a nova economia que, segundo Peter Hall (2001, p.8) deixou
de ser a “economia informacional” e se tornou a “economia cultural”, e que, segundo Arantes (1998, p. 152), tem na cultura “a sua nova mola propulsora”, as exigências são radicalmente diferentes. A utilização da cultura como instrumento de
revitalização urbana, faz parte de um processo bem mais vasto de utilização da
cultura como instrumento de desenvolvimento econômico.
Para a sociedade de consumo consideram-se adequadas as áreas urbanas que disponham de meios de transporte e de comunicação avançados, que apresentem
qualidade em termos residenciais e ambientais, alto nível de ofertas culturais e educacionais, atendendo aos condicionamentos locais mas também aos globais. Esta
soma de qualidades decorre da disputa entre as cidades que buscam apresentar as
melhores condições para atrair moradores, capitais, investimentos, empresas e turistas. Algumas zonas são privilegiadas nestes processos de renovação urbana, como
centros históricos, áreas centrais degradadas e vazios urbanos resultantes do processo de desindustrialização - antigas zonas portuárias, ferroviárias e industriais1.
As transformações urbanas buscam, portanto, reverter os efeitos danosos das
mudanças econômicas pós-fordistas e adequar o ambiente construído à nova economia. As novas zonas de intervenção devem oferecer condições para a produção e
o consumo da cultura e para o turismo de uma maneira geral. Devem ainda atender às condições de desenvolvimento da economia simbólica, no sentido apontado
por Zukin (1995), da produção de espaços e de significados culturais na cidade.
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As transformações espaciais não são consideradas somente na sua dimensão fisicoterritorial, mas envolvem, em grau crescente, ponderações de ordem simbólica. O
lugar, a imagem e a identidade, elementos profundamente ancorados na cultura
local se tornaram fundamentais. No mundo global, onde a modernização gerou a
estandardização e a homogeneidade, e em que muitas cidades industriais viram
diluir-se a sua identidade, a diferenciação através da pujança da identidade local
se torna um trunfo essencial. E a identidade está fortemente ancorada na imagem
e na cultura local. Neste sentido considera-se que é principalmente através da
cultura que as cidades poderão se individualizar, acentuando suas identidades,
marcando seu lugar no panorama mundial. A importância da economia cultural na
cidade envolve, portanto, aspectos diferentes e entrelaçados, em que se destacam
a indústria cultural, a indústria do turismo e a economia simbólica.
Nas últimas décadas foram inúmeros os planos, projetos e intervenções urbanas
nos quais a cultura2 se destacou como fator principal. No campo do planejamento
urbano e do urbanismo emergiram novos termos e expressões que retratam esta
importância: “lugares” e “territórios culturais”, “pólos” e “distritos culturais”, “engenharia cultural” (Haumont, 1996), “cultural planning” (Evans, 2001), “planificación
cultural” (Wervijnen, 2000), “regeneração cultural” (Wansborough & Mageean, 2000),
“culturalização da cidade” (Meyer, 1999 e Hausserman, 2000), entre outros.
A seguir, procuramos localizar, através de uma perspectiva histórica, alguns momentos e características do planejamento e do projeto urbano, assinalando suas
características e o contexto da sua emergência na chamada “Era da Cultura”. Cabe
enfatizar que não se trata aqui de uma discussão teórica acerca dos diferentes
termos e conceitos surgidos, mas de uma tentativa de compreender os diferentes
contextos e condições que favoreceram o seu surgimento no final do século XX.
Alguns termos e conceitos serão explicitados no desenvolvimento do texto.
Planejamento e projeto de intervenções urbanas
Embora o recurso ao fator cultural no planejamento e no projeto urbanos possa ser
observado em diferentes áreas da cidade, privilegiaremos aqui aquelas que visam
as áreas consolidadas das cidades. Não se trata, portanto, do planejamento cultural enquanto provisão e distribuição de equipamentos e atividades culturais no
território da cidade, no sentido do aménagement culturel ou do arts planning. Nem
tampouco do cultural planning enquanto abordagem cultural do planejamento urbano. Trata-se aqui das intervenções urbanísticas, conforme conceituado por Portas (1998): “... o conjunto de programas e projetos (...) que incidem sobre os
tecidos urbanizados dos aglomerados, sejam antigos ou relativamente recentes,
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tendo em vista: a sua reestruturação ou revitalização funcional (...); a sua recuperação ou reabilitação arquitetônica (...); finalmente a sua reapropriação social e
cultural (...)”. Mais especificamente, trata-se de projetos para intervenções urbanísticas nas quais se faz uso estratégico de recursos culturais tendo por objetivo o
desenvolvimento local, e que podem ou não estar associadas a planos e políticas
culturais.
As intervenções que vêm buscando readaptar os tecidos urbanos existentes a novas
situações vêm recebendo, a cada novo contexto, novas denominações, em geral
com o prefixo re: renovação, reestruturação, revitalização, reabilitação, requalificação,
regeneração, entre outras. Uma rápida revisão destes momentos e denominações
permite situar numa perspectiva histórica a emergência da dimensão cultural no
quadro das intervenções urbanísticas3.
Desde meados do século XIX buscava-se o embelezamento e o saneamento da
cidade industrial, atuando sobre áreas centrais densamente ocupadas e encortiçadas;
as “reformas urbanas” de Paris e de Viena tornaram-se formas clássicas de intervenção. Em meados do século XX, a “renovação urbana” sob os ideais do modernismo, do racionalismo e do funcionalismo, permitiu a emergência e/ou o desenvolvimento de centros modernizados, adensados e verticalizados. Por oposição a
essa forma de intervenção, muitas vezes realizada depois de reduzir o tecido urbano existente à tabula rasa, e a partir das críticas à destruição do patrimônio edificado,
ao rompimento de elos sociais existentes, à especulação imobiliária sempre presente, surgiu nos anos 60/70 a “revitalização” ou “reabilitação urbana”. Nesta nova
prática urbanística, rejeita-se a rua como espaço apenas de circulação e os tecidos
urbanos monótonos e homogêneos, definidos em função do zoneamento e de
índices urbanísticos; e retoma-se a composição urbana, recuperando-se os espaços públicos, a tipologia das edificações e a morfologia urbana (Choay & Merlin,
1988, p. 579). As propostas passaram a se pautar por projetos urbanos, ancorados na cultura arquitetônica e valorizando o desenho urbano. Desde os anos 70/80
a ênfase nos espaços públicos, no regionalismo, na preocupação com o patrimônio
construído e a história incorporaram à política urbana uma dimensão cultural. A
difusão da prática de revitalização de centros ou outros ambientes históricos, e não
apenas de monumentos isolados ampliaram esta dimensão cultural.
Nos anos 80/90 surge o “projeto urbano”, paralelamente ao “planejamento estratégico”, ao “marketing urbano”, e a atuação ativa e agressiva dos governos locais
em parcerias com agentes privados. Nos projetos urbanos de intervenção pontual
concentrada, vultuosos recursos são investidos em algumas estruturas ou edificações,
dotados de visibilidade midiática, que se considera capazes de disseminar “conta-
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minações positivas” sobre o entorno e de contribuir para a constituição de uma
nova imagem urbana.
Portas (1998) retoma Campos Venuti, para quem as intervenções através de projetos
urbanos podem ser divididas em três tipos, que denomina de gerações urbanísticas. A primeira remete aos anos 60, ao fim dos CIAMs, às propostas inovadoras
como as do Team X; a segunda, dos anos 70/80, enfatizava os espaços públicos, a
diversidade e as diferenças, a história e a memória, valorizando a arquitetura local
e usando como modelos de programa o IBA de Berlim e o SAAL de Portugal; a
terceira, dos anos 80/90, se insere num planejamento estratégico e se utiliza de
projetos arquitetônicos de griffe, que contribuem para a formação de uma nova
imagem urbana, tendo por paradigma Barcelona. Nos anos 90, os projetos da
terceira geração foram também chamados de projetos de “requalificação urbana” e
“regeneração urbana”.
Nesta associação do planejamento empresarial, do projeto urbano e da estratégia
cultural com o marketing verifica-se uma importante inflexão: a abordagem
culturalista dos anos 60 se torna um “culturalismo de mercado” (Arantes 2000, p.
48), em que tudo o que se refere à cultura se torna mercadoria. Nesta metamorfose, a cultura se torna o grande negócio da cidade-mercadoria, e esta se torna cada
vez mais espetacular. Há que se considerar, portanto, dois pontos de inflexão no
que se refere ao cultural: o primeiro, que remete à revitalização associada à memória, ao patrimônio e a demandas locais e o segundo, que remete à mercantilização, à globalização e à espetacularização da cidade e da cultura.
Os contextos sócio-econômicos e políticos destas inflexões se evidenciam também
na observação das mudanças ocorridas no âmbito das políticas culturais, como nos
mostra Bianchini (1993). O tema sem importância, neutro, não-politizado dos anos
50/60 transformou-se, após 68, quando houve uma associação da ação cultural
com a ação política. As políticas culturais dos anos 70, marcadas pela ênfase no
desenvolvimento comunitário, na participação, na democratização do espaço público, na revitalização da vida social através da animação cultural e do redesenho
urbano, foram, nos anos 80, substituídas. No clima do neo-conservadorismo e
neo-liberalismo, as políticas culturais deixaram de dar respostas a objetivos dos
movimentos sociais para dar respostas a objetivos de desenvolvimento econômico.
Mas não apenas como instrumentos para diversificar a base econômica local ou
para alcançar coesão social. Os subsídios deram lugar a incentivos e isenções para
investimentos, os movimentos sociais a parcerias, o planejamento ao projeto urbano, a renovação à regeneração urbana. E esta, para maximizar as potencialidades
econômicas locais deu ênfase à imagem urbana e a projetos culturais emblemáticos
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(festivais, exposições, promoção anual das cidades capital européia da cultura,
edificações culturais marcantes, etc.).
No estudo destes processos, Bianchini (1993) identificou influências precursoras
norte-americanas de intervenções em áreas históricas e waterfronts de Baltimore,
de Boston e de Nova Iorque. No entanto, os casos europeus de inserção de equipamentos culturais de grande destaque tornaram-se paradigmáticos: o Centro Georges
Pompidou, de Paris, o Museu de Arte Contemporânea e o Centro de Cultura Contemporânea de Barcelona e o Museu Guggenheim de Bilbao. Muitas vezes, mesclam-se os dois princípios de revitalização: a recuperação do ambiente histórico
existente e a criação de equipamentos culturais como âncoras de projeto. No caso
de ambientes históricos preservados, as próprias edificações aludem à cultura local; no caso de novas arquiteturas, é seu uso que atribui a chancela cultural. Estas
âncoras são cercadas por espaços públicos primorosamente desenhados, nos quais
se instalam obras de arte pública e se realizam ações de animação cultural.
Um novo “renascimento urbano” emergiu a partir de planos e projetos nos quais a
cultura se destaca como estratégia principal, e a ênfase das políticas urbanas recai
sobre as políticas culturais. “Regeneração cultural”4 foi o termo que se originou no
meio anglo-saxônico referindo-se às intervenções em áreas consolidadas através
desta modalidade de planejamento e de projeto urbano.
Nas áreas renovadas, a criação de atividades culturais, turísticas e recreacionais,
de equipamentos como museus, galerias, teatros, etc., de festivais e de um ambiente comercial do tipo fun shopping resulta num ambiente de consumo denominado por Meyer (1999, p. 44) “urbanismo culturalizado”. Para Häusserman (2000, p.
258), atualmente a cultura usada como um produto mágico utilizado pelo marketing
urbano resulta numa “culturalização” da cidade.
Transformações no pensar e no fazer cidade
Observando as diversas transformações ocorridas na concepção e na prática urbanística nas últimas décadas, nos parece como uma mirada a um objeto através de
um caleidoscópio, que fragmenta e multiplica a imagem daquele objeto inúmeras
vezes. O objeto uno se deixa observar através de múltiplos aspectos parciais, sempre diferentes, cada um deles revelando o seu sentido quando percebido como um
detalhe da passagem da cidade da produção à cidade do consumo, dos tempos
modernos aos pós-modernos, da era industrial à era da cultura. Deixando de lado
a dimensão filosófica, econômica, política e social, procuraremos abordar rapidamente alguns aspectos, principalmente os pertinentes às dimensões urbanísticas e
culturais5.
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Segundo Meyer (1999: 18), esta nova maneira de pensar o urbano e o planejamento
se iniciou com dois livros marcantes. Soft City de Jonathan Raban (já apontado por
Harvey), em que o autor mostra que a soft city é mais importante que a hard city. E
Cidades Invisíveis de Italo Calvino, que mostra que a realidade da vida urbana é
constituída não somente pelo seu visível, mas muito mais pelo invisível domínio dos
seus sentidos, pelo simbólico, pelo cultural. Por oposição ao planejamento
funcionalista ou moderno, este novo modo de planejamento, em que identidade
cultural e valor cultural se tornam conceitos centrais e o significado cultural da
forma, estrutura e função urbanas se tornam referências, este novo modo pode ser
chamado de pós-moderno.
O domínio do racionalismo e do funcionalismo no pensamento urbanístico modernista foi engendrado e mostrou-se adequado aos objetivos do planejamento da cidadeprodução, mas revelou-se pouco propício aos objetivos da cidade-consumo.
Novos modos de pensar se associam, por vezes, a crises. E crises são períodos de
transformações, em que cânones consagrados são postos em cheque, e em seus
lugares emergem outras modalidades de pensamento e de ação. Nos anos 70/80,
em meio à crise urbana, a crise dos paradigmas e a do planejamento, e às críticas
aos resultados e às conseqüências deste planejamento, despontaram novas alternativas que substituíram os antigos modelos e as práticas consagradas. Sem se
deter no conteúdo das críticas e no pensamento dos autores precursores, apontaremos aqui rapidamente as mudanças nas abordagens das questões urbanas.
Um dos princípios do modo de pensar moderno, a premissa da tabula rasa, do
recomeçar do zero, impondo a ruptura da cidade com o seu passado, é abandonado diante da recorrente destruição do patrimônio construído. Em seu lugar, emerge
a preocupação com a história e com a preservação do parque imobiliário existente.
A referência moderna ao homem universal, que induzia o pensamento à homogeneização e à generalização, é substituído pela preocupação com o outro, com as
minorias, com as diferenças. A intenção de lidar com o todo, ampliando as escalas
e homogeneizando as proposições para grandes áreas indiferenciadamente, é substituído pela atenção à diversidade, à especificidade dos fragmentos, à busca do
sentido de lugar.
Dentre os fragmentos urbanos atualmente convertidos em problemas estão os recortes monofuncionais degradados: os vazios fabris, portuários e ferroviários. Para
a revitalização dos vazios da cidade pós-industrial, o predomínio da funcionalidade,
e a função como princípio ordenador do pensamento urbanístico já não cabem
mais. Nos anos 80, a funcionalidade como lógica do planejamento sofre novo
revés, pois até os centros foram perdendo sua função específica enquanto
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centralidade maior. Referindo-se aos centros urbanos norte americanos na década
de 80, dizia Friederichs, citado por Meyer (1999: 44): “Central Business Districts
activities, in short, are no longer Central or Business”. Para evitar a degradação dos
centros urbanos tradicionais, procura-se promover um mix de usos e desenvolvêlos como centros culturalizados.
Os fragmentos em questão não têm mais funções específicas; e a funcionalidade
já não pode mais ser considerada como antes. Assim, a forma, que no modernismo seguia a função, procurou novas funções e se tornou independente delas, dando ensejo ao re-desenho da cidade. Efetivamente, uma nova abordagem impôs-se
como reação aos excessos do movimento modernista, em termos de desprezo pela
forma, pela cidade histórica e pela arquitetura tradicional. Desta maneira, emergiu
uma abordagem valorizando a arquitetura, a tipologia e a morfologia.
Neste quadro urbanístico-cultural, uma referência especial cabe aos espaços livres
públicos. Augustin (1998:12) mostra que os espaços públicos se transformaram
na passagem da cidade-produção (fundada sobre o zoneamento de territorialidades
estabelecidas) para a cidade-consumo (formada de territorialidades mais fluidas e
maleáveis). Na sociedade fordista, o espaço é essencialmente para a produção, e
a rua é para a circulação; na sociedade pós-industrial, os espaços se tornam lugares de consumo, de espetáculos e de festas. E ainda de turismo e de sociabilidade.
De acordo com Zukin (1995: 259), “Public spaces are the primary site of public
culture; they are a window into the city’s soul”. Esta frase é sintomática dos novos
sentidos dos espaços livres públicos, e radicalmente diferentes daqueles adotados
no modernismo – espaços de circulação e espaços livres.
Estes pontos sumariamente anotados são apenas alguns dos diversos aspectos
aos quais é preciso fazer referência ao tratar da emergência do planejamento e do
projeto urbano para a regeneração cultural. Mas são pontos como o desenho urbano e a arquitetura que estão na base das representações da cidade e sintetizam a
imagem da cidade que o marketing urbano potencializa. São imagens das áreas
regeneradas, com seu antigo patrimônio histórico e cultural reabilitado, seus novos
equipamentos culturais, seus espaços públicos cuidadosamente planejados e
projetados, para terem o máximo de visibilidade, para que as imagens tenham o
máximo de divulgação.
Huyssen (2000: 91) identifica neste ponto uma inversão no enfoque da cidade
como texto para a cidade como imagem: O “discurso da cidade como um texto, nos
anos 1970, era, sobretudo um discurso que envolvia arquitetos, críticos literários,
teóricos e filósofos determinados a explorar e criar novos vocabulários para o espaço urbano”. Mas o discurso atual da cidade como imagem é o dos empreendedores
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e políticos que buscam aumentar a receita da cidade com turismo e convenções,
para o que se recorre ao marketing e a práticas urbanísticas tidas como bem sucedidas.
Inverteu-se também a relação entre a dinâmica urbana e a presença da cultura,
principalmente a visibilidade de equipamentos culturais e do patrimônio histórico e
cultural. No passado, apenas cidades ricas apresentavam equipamentos e patrimônio
cultural como demonstração do seu alto nível de desenvolvimento cultural; hoje, o
recurso à exibição desta cultura é apenas um meio, uma tentativa de alcançar um
suposto desenvolvimento (Cortinovois et al., 1993 e Evans, 2001).
Regeneração cultural6 – um modelo?
Sendo ou não considerada como um modelo de intervenção, o planejamento
culturalizado, através da regeneração cultural vem se difundindo por grande número de cidades, apresentando diferentes resultados e avaliações. Aparentemente,
os projetos menos ambiciosos e menos midiáticos têm sido menos divulgados e
criticados; já os mais espetaculares deram origem a muitas publicações tanto de
cunho publicitário quanto de caráter crítico, a ponto de se observar, em diferentes
discursos, novos termos específicos.
Autores de diferentes origens têm analisado os resultados destas intervenções,
captando, nomeando e criticando novas tendências sócio-culturais e espaciais.
Apesar dos diferentes enfoques, e de algumas diferenças de concepção, podem-se
citar, esboçando minimamente, as que consideramos como as principais tendências. Cabe, inicialmente acentuar as tendências observadas nos centros históricos,
de excessos de: patrimonialização7 - atribuição excessiva do status de patrimônio,
conduzindo ao engessamento das dinâmicas espaciais e sócio-culturais;
musealização - multiplicação de museus em prédios históricos e/ou museificação8
- tombamento excessivo de prédios históricos, tornando a cidade inteira, um museu; e disneyficação9 - em que a imagem resultante remete à Disneylândia.
Abrangendo não apenas os casos estritos de revitalização de centros históricos,
mas também os de criação de novas arquiteturas vanguardistas, podem-se listar,
apesar do risco da simplificação e da descontextualização excessivas, mais algumas tendências. Dentre as de natureza sócio-espacial, assinalamos a já referida
culturalização10, uma profusão de equipamentos e atividades culturais, turísticas e
de lazer num ambiente de consumo semelhante a um grande shopping mall a céu
aberto. Nestes ambientes verifica-se geralmente uma estandartização dos espaços, decorrente da adoção dos mesmos modelos, muitas vezes financiados pelos
mesmos investidores, visando os mesmos usuários e buscando os mesmos efei-
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tos. Ironicamente, esta homogeneização faz com que as imagens urbanas, que
deveriam revelar a especificidade de cada cidade, se tornem cada vez mais semelhantes. Para se contrapor à esta homogeneização, recorre-se muitas vezes à adoção
de efeitos estéticos nos espaços urbanos através da arquitetura, do design, do
paisagismo, da iluminação, do mobiliário urbano e da arte pública, resultando numa
estetização11 dos espaços. Da mesma maneira, busca-se a diferenciação através
do recurso à escala monumental, incorrendo na monumentalização12 excessiva. A
prática de marketing, anunciando a imagem e a identidade local, e ainda a crença
de que visibilidade seja igual a sucesso, e a decorrente amplificação desta visibilidade através da mídia, vem sendo denominada de midiatização.
Duas tendências, no entanto, parecem recorrentes: a gentrificação13- expulsão da
população moradora, devido à valorização dos imóveis da área e a espetacularização
da cidade (no sentido atribuído por Debord14), a que todos assistem, estupefatos,
numa passividade consumista, alienante e sem participação. A proliferação de imagens, eventos, festivais, ícones arquitetônicos, espaços públicos renovados e primorosamente desenhados, cuja dimensão simbólica é potencializada e enobrecida
pela cultura, se torna matéria prima para o marketing urbano. Anuncia-se a cultura
e a cidade revitalizada – um espetáculo a ser consumido.
As abordagens críticas visam casos particulares, mas também os casos bem sucedidos que se tornaram modelos: waterfronts, Paris, Barcelona, Bilbao, entre outros. E sabemos que a crítica tem o poder de desconstruir os modelos.
Afinal, o que são modelos de planejamento urbano? “Reforma urbana haussmanniana”,
“renovação urbana modernista”, “planejamento participativo”, “planejamento estratégico”, entre outros termos, têm sido considerados desta maneira. Talvez também as “garden cities”, o movimento “city beautiful”, a “renovação urbana cuidadosa” berlinense, os “grands travaux” parisienses, as IBAs alemães, os “waterfront
developments” norte americanos, práticas que certamente tiveram muitos seguidores. Da mesma maneira podem ser consideradas outras práticas contemporâneos
como a revitalização, a reabilitação, a requalificação, a regeneração urbanas, surgidas
em diferentes situações, assim como as diversas cidades-modelo de planejamento,
de empreendimento e de intervenção.
Tratam-se de experiências urbanas que em algum momento se destacaram, tiveram boa aceitação e foram praticadas em outras cidades, recebendo muitas vezes,
novas denominações. Algumas certamente não passaram de modismos, outras se
tornaram paradigmáticas. Talvez possa se dizer que haja um ou outro modelo (padrão ideal a ser copiado) de planejamento, talvez se deva apenas dizer que haja
tipos (padrões que habitualmente se repetem em uma época) de planejamento15.
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Algumas práticas podem ser erigidas como fórmulas. Em algumas situações é possível identificar a cidade (ou o plano ou o projeto ou a intervenção) de que se tenha
originado uma prática, ou seja, identificar o modelo original. Em outras não, pois as
práticas de planejamento, projeto e intervenção urbanas costumam ser complexas,
compostas de diferentes componentes, adquirindo feições próprias e adequandose às condições locais.
O que nos importa assinalar é que cada uma destas práticas surgiu em certo contexto, como resposta a certos desafios, tirando partido de certas condições,
viabilizando certas possibilidades, concretizando determinações específicas de diversas ordens – social, econômica, política, espacial, técnica, institucional, cultural. Seja adotando modelos, seja desenvolvendo experiências próprias.
Foi o que aconteceu nos tempos modernos, na cidade-produção da economia
industrial; e é o que pode ser percebido atualmente, na cidade dos tempos pósmodernos, da sociedade do consumo, da economia da cultura. Como esboçado
neste paper, o planejamento passou por inúmeras adequações ao longo deste
percurso, que serão certamente ainda muito estudadas em suas dimensões teóricas e empíricas, enriquecendo o debate apenas iniciado sobre a questão.
Lilian Fessler Vaz é professora da Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo e do Programa de Pós-graduação em Urbanismo da Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Notas
1
No presente paper trataremos apenas de casos de intervenções em tecidos urbanos existentes, e não de áreas de
expansão.
2
Não cabe nos limites do paper uma discussão sobre conceitos de cultura. Ver a respeito: Vaz e Jacques, 2001. No
caso, trata-se geralmente de uma cultura mercantilizada, globalizada e espetacular.
3
Ver a respeito: Vaz e Jacques, 2001.
4
Observe-se que no contexto anglo-saxônico a expressão “regeneração urbana” é largamente utilizada, além de
regeneração social e regeneração cultural.
5
A discussão sobre a passagem do planejamento moderno ao planejamento estratégico não será abordada aqui. Ver
a respeito: Meyer 1999, Portas 1998, Vainer 2000 e Monclús 2003.
6
Para alguns autores, o termo regeneração cultural aplica-se apenas no caso de revitalização urbana com a criação
de “distritos culturais”. Wansborough e Mageean (2000) compreendem os “distritos culturais” como áreas espacialmente distintas e limitadas com alta concentração de ofertas culturais, tanto em termos de consumo quanto de
produção.
7
Jeudy, 1990.
8
Huyssen, 2000 e Jeudy 1990.
9
Zukin, Sharon. Paisagens urbanas pós-modernas: mapeando cultura e poder. In: Revista do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional nº. 24, 1996, P. 205/219, e Huyssen, 2000.
10
Meyer, 1994 e Häussermann, 2000.
11
Jeudy 2003.
12
Jeudy, 1999.
13
Arantes, 2000, Miles, 2001 e Zukin 1995.
41
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14
Debord, 1967.
15
Devilliers (1974) refere-se a modelos e tipos arquitetônicos. Modelo é um padrão que deve ser copiado, no qual
estão definidos valores intrínsecos; com a repetição que busca copiar o modelo, difunde-se o tipo. O tipo é uma
abstração em que se identificam as propriedades espaciais comuns a uma classe de edificações. Não se trata de um
tipo ideal, mas de um padrão habitualmente produzido numa época.
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Marcia Sant’Anna
A CIDADE-ATRAÇÃO
Patrimônio e valorização de áreas centrais
no Brasil dos anos 90
No Brasil do final do século XX, o patrimônio ressurgiu como um importante recurso econômico e
assomava como um instrumento promocional de grande força e uma excelente “porta de entrada”
para o desenvolvimento de negócios nas áreas de projeto, consultoria, venda de know how, equipamentos e serviços urbanos. Nos anos 90, os principais pontos deflagradores de operações de
preservação e, portanto, de produção de patrimônio, passaram a se localizar no plano local, e, no
nível do poder central, deslocaram-se para as instituições executoras dos programas que foram
implantados. Resaltaremos, através da análise das intervenções de preservação e re-qualificação
realizadas nas áreas centrais das cidades de Salvador, Rio de Janeiro e São Paulo, alguns aspectos desse processo, assim como as características gerais e contornos da nova prática.
Os anos 90 e os novos indicadores da prática de preservação
O patrimônio cultural instituído pelo Estado é uma construção social que resulta
sempre do embate de forças e dos consensos construídos a respeito do que deve
ser destacado da massa de objetos e práticas existentes e preservado como parte
integrante da história e da memória nacional. Essa produção social de patrimônio
envolve operações de seleção, de proteção, de conservação e de promoção que,
ao mobilizarem e produzirem saberes e discursos, estabelecerem regras e desencadearem ações, dão a conhecer a “norma” que preside a prática de preservação
num dado momento.1
No Brasil, há uma tradição de estudos que privilegia as operações de seleção e
salvaguarda de bens culturais como os principais indicadores dos sentidos e objetivos
da prática preservacionista, mas a produção social de patrimônio não se esgota
nessas ações iniciais. Ocorre também durante o processo de manutenção e gestão
do patrimônio constituído, isto é, no âmbito das operações que visam a conserválo, mantê-lo e promovê-lo. A intervenção que conserva, restaura, reabilita ou dá
uso a um bem protegido, bem como as ações que o promovem, põem em circulação na sociedade idéias, imagens e objetos concretos que fixam uma determinada
noção de patrimônio e desencadeiam uma prática que institui uma “norma de
preservação”. Dessas operações surgem os “quadros” que permitem ver o que se
instituiu como patrimônio num dado período, a prática que essa noção ensejou e
que estratégias e objetivos políticos e econômicos a comandaram.
Até os anos 70, as operações de constituição e preservação do patrimônio brasileiro concentravam-se no plano federal e eram realizadas unicamente pelo Instituto
do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN. A partir daquela década, ou-
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tros organismos estaduais e municipais passaram também a implementá-las, mas,
até os anos 80, em função de uma autoridade longamente construída e de um
saber socialmente reconhecido, essa instituição federal ainda ditava os contornos
gerais da prática de preservação predominante. Nos anos 90, esse cenário se
transformou completamente.
O primeiro indício da transformação foi proporcionado pela onda de intervenções
executadas em áreas centrais e sítios históricos de várias cidades do Nordeste, na
esteira do projeto de “recuperação” do Pelourinho, em Salvador. A Rua do Bom
Jesus, em Recife; o bairro da Ribeira, em Natal, e a Praia de Iracema, em Fortaleza, estão entre as intervenções do gênero que eclodiram na primeira metade dos
anos 90 e ilustram o início desse processo. Essas intervenções - que produziram
espaços muito semelhantes destinados ao turismo e ao lazer - alcançaram estrondoso sucesso de público e colocaram, rapidamente, as cidades onde foram executadas em evidência no cenário nacional. Concebidas e financiadas por governos
municipais ou estaduais, essas iniciativas funcionaram como poderosas peças
promocionais das respectivas cidades, do seu patrimônio e de suas administrações, desempenhando importante papel nos pleitos eleitorais subseqüentes.2 Paralelamente, em metrópoles como Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre e Belo
Horizonte, proliferaram intervenções de re-qualificação de espaços públicos e de
reabilitação de imóveis nos centros antigos, acompanhadas de farta produção
discursiva sobre o caráter estratégico dessas áreas e de seu patrimônio para a
cidade e para a economia urbana.3
Impulsionados por essas intervenções locais politicamente bem-sucedidas e no
rastro de interesses vinculados ao desenvolvimento do turismo e à internacionalização
do setor de serviços, surgiram na esfera federal vários programas que trouxeram
novas fontes de financiamento para projetos de preservação e introduziram novos
atores nos processos locais em andamento.4 Baseados em renúncia fiscal, empréstimo externo e recursos orçamentários, esses programas passaram a financiar
boa parte das intervenções já iniciadas, imprimindo-lhes novos rumos e colocando
no centro da cena patrimonial agências financeiras nacionais e multilaterais - como
a Caixa Econômica Federal e o Banco Interamericano de Desenvolvimento -, além
de parceiros internacionais, como o Governo francês.
Intervenções e programas implementados nos anos 90 mostravam que, no Brasil
do final do século XX, o patrimônio ressurgia como um importante recurso econômico
e assomava como um instrumento promocional de grande força e uma excelente
“porta de entrada” para o desenvolvimento de negócios nas áreas de projeto,
consultoria, venda de know how, equipamentos e serviços urbanos. Essas ações
indicavam ainda que, pela primeira vez no Brasil, os principais focos de produção e
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exteriorização da prática de preservação haviam se deslocado para os planos estadual e municipal e, no nível do governo central, do IPHAN para o Ministério da
Cultura e seus novos parceiros. Nos anos 90, em suma, os principais pontos
deflagradores de operações de preservação e, portanto, de produção de patrimônio,
passaram a se localizar no plano local, e, no nível do poder central, deslocaram-se
para as instituições executoras dos programas que foram implantados. Esvaziado,
sem recursos, com funções reduzidas e com uma estrutura operacional tornada
precária em todos os sentidos, o IPHAN deixou de ser o locus principal de
exteriorização da norma preservacionista. As intervenções locais e os novos programas nacionais, movimentando somas consideráveis em comparação com o magro
orçamento da instituição, tomaram o seu lugar. Em seguida, se destacará, através
da análise das intervenções de preservação e re-qualificação realizadas nas áreas
centrais das cidades de Salvador, Rio de Janeiro e São Paulo, alguns aspectos
desse processo, assim como as características gerais e contornos da nova prática.5 .
Um pouco de história urbana
As áreas centrais das cidades estudadas sofreram sucessivos processos de deslocamento de funções a partir do século XIX que configuraram espaços diferenciados, tanto em termos de dinâmica, quanto de utilização. Contudo, todas as três
cidades chegaram à metade do século XX com uma estrutura ainda fortemente
polarizada em uma única centralidade, a qual só se tornou crítica e inadequada
com o intenso crescimento urbano deflagrado pela aceleração da industrialização
da economia após os anos 50. Vinculado ainda a interesses do capital imobiliário
e à popularização do automóvel, esse crescimento espraiado e orientado para a
periferia, formou novas centralidades em todas essas cidades, mas teve intensidades e durações distintas, bem como promoveu impactos diversos nas áreas centrais mais antigas de cada uma delas. A diversidade e a abrangência desses impactos decorreram de especificidades locais relacionadas ao grau de polaridade
econômica, regional e nacional, de cada cidade; às condições de acessibilidade e
infra-estrutura existente em cada área central; ao volume de investimentos realizados nesses setores e nas novas áreas de expansão; à localização dos vetores dinâmicos de investimentos imobiliários e, por fim, ainda que de modo secundário, ao
grau de constrangimento interposto pelas legislações urbanísticas e de proteção à
renovação dos bairros centrais.
O centro antigo mais atingido por processos de fragmentação e deslocamento de
funções, esvaziamento demográfico, popularização e perda de qualidade urbana
foi o de Salvador, seguido pelo de São Paulo e, por fim, pelo do Rio de Janeiro.
Assim, no que toca à estrutura e à dinâmica urbana, bem como ao sistema de
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centralidades, as três cidades apresentavam, no início dos anos 90, situações bem
diversas. O Rio de Janeiro apresentava uma estrutura ainda claramente polarizada
no centro antigo, o qual abrigava uma área central de negócios ainda relativamente
forte e dinâmica. Salvador, por seu turno, apresentava forte tendência de transferência total de polaridade comercial, financeira e de serviços do centro velho para a
nova centralidade de alcance metropolitano que se consolidava nas cercanias do
Shopping Iguatemi. São Paulo, finalmente, encontrava-se imersa num processo
profundo de fragmentação e deslocamento de funções que drenou atividades do
centro antigo e gerou um sistema encabeçado por três centralidades que disputavam entre si polaridade, dinâmica e investimentos.
No que diz respeito ao patrimônio urbano protegido, as três cidades também apresentavam, no começo da última década, configurações espaciais e histórias de
preservação muito distintas.
Salvador, com uma grande área protegida contínua, localizada no coração do centro antigo, possuía um centro histórico de configuração morfológica relativamente
homogênea e não renovada, abrigando no seu interior apenas um pequeno setor
de tecido modernizado onde, até os anos 60, desenvolviam-se importantes atividades
comerciais e de serviços. A grande área protegida – resultante de vários tombamentos realizados a partir dos anos 30 – mantinha, no início dos anos 90, um uso
predominantemente habitacional, com algumas áreas de comércio popular localizadas próximas a terminais de transportes públicos. Uma população extremamente
pobre e marginalizada ocupava os casarões existentes no coração do centro histórico e o tecido urbano ao redor era basicamente apropriado por estratos de renda
média e baixa. A antiga área central de negócios da cidade, localizada na Cidade
Baixa em setor renovado que tangencia o centro histórico, ainda apresentava, no
final dos anos 80, uma razoável dinâmica. Ao longo da última década, entretanto,
sofreu grande esvaziamento na medida em que toda a função financeira foi deslocando-se para a área do Iguatemi.
No que tange às políticas de preservação, alguns setores do centro histórico de
Salvador, como os bairros do Pelourinho e do Maciel, foram alvo, a partir dos anos
60, de projetos e intervenções de recuperação com vistas à promoção do turismo e
à melhoria da qualidade habitacional, mas nenhuma dessas iniciativas reverteu o
quadro de deterioração reinante.
O Rio de Janeiro, no começo dos anos 90, apresentava um caso de “configuração
espacial de patrimônio” quase inversa à de Salvador, com uma área central de
negócios moderna cercada, como uma “ilha”, de setores protegidos por todos os
lados. Esse conjunto tinha e ainda tem uso predominantemente comercial, de
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serviços e institucional e apresentava, à época, uma tendência de popularização
crescente. A área central de negócios era dotada de boa qualidade urbana, mas
nos bairros periféricos a situação de deterioração do parque imobiliário era grave.
Habitações ocupadas por estratos de renda mais baixos existiam apenas nos
setores que nunca foram alcançados pela dinâmica do núcleo principal. Toda a
área central, entretanto, possuía excelente acessibilidade, com avenidas de trânsito rápido, sistemas de transportes ferroviário, metroviário, náutico e aéreo ligando-a ao resto da cidade, à região metropolitana e a outros estados. No início
da década passada, o trabalho de preservação dos conjuntos de valor patrimonial,
realizado com apoio técnico e com incentivos fiscais do município, completava
dez anos e apresentava bons resultados nos setores dinâmicos do centro que não
haviam sido modernizados.
O centro de São Paulo, no início dos anos 90, era um setor totalmente modernizado, com imóveis e pequenos conjuntos protegidos em boa parte de sua extensão.
A área apresentava uso predominantemente comercial, de serviços e negócios e
abrigava os remanescentes da atividade financeira, administrativa e de negócios
que caracterizou a centralidade até os anos 60. Esse núcleo apresentava-se muito
esvaziado e em franco processo de popularização, especialmente devido ao grande
crescimento do comércio informal. De modo análogo ao Rio, o uso habitacional
vinculado a estratos de renda média e baixa predominava apenas nos bairros periféricos. A acessibilidade da zona central, por meio de avenidas de trânsito rápido e
transporte de massa, era, entretanto, muito boa. No que toca ao patrimônio, à
exceção do trabalho de proteção desenvolvido depois dos anos 70 pela prefeitura e
pelo Governo do Estado, nenhum projeto sistemático de preservação havia sido
ainda implantado.
As intervenções de preservação e re-qualificação implementadas durante os anos
90 nessas três cidades, foram, assim, marcadas por histórias urbanas e de preservação específicas e enfrentaram distintas situações do ponto de vista da estrutura
e da dinâmica urbana e funcional. Implementaram, entretanto, ações de natureza
muito semelhante, cujo maior ou menor sucesso, se relacionou a esse “solo” histórico e urbano sobre o qual se implantaram e não aos seus próprios poderes e
méritos.
As intervenções dos anos 90
Nas três cidades focalizadas as intervenções executadas tiveram a intenção de
dinamizar, intensificar e reforçar a utilização das áreas centrais e do seu patrimônio,
bem como transformar o perfil de uso popular que havia se instalado ou que ame-
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açava se instalar em setores considerados econômica e simbolicamente importantes. As estratégias adotadas por cada cidade foram, contudo, distintas.
Em Salvador se perseguiu essa meta através da dinamização do turismo e do comércio no centro histórico, sem a implementação de medidas voltadas para o
retorno ou a manutenção de funções centrais ou para o fortalecimento do uso
habitacional existente. No Rio de Janeiro, o reforço e o desenvolvimento de atividades
culturais e de lazer e o melhoramento da qualidade urbana do centro, comandaram
as intervenções. No centro de São Paulo, o incentivo ao investimento privado e à
produção imobiliária, conjugado a medidas de re-qualificação de espaços públicos,
preservação de grandes monumentos e implantação de equipamentos culturais,
deram o tom das iniciativas. Em todas as três cidades, essas intervenções de melhoramento da qualidade urbana foram conjugadas a medidas de controle do acesso e do uso dos espaços re-qualificados.6
As intervenções de melhoramento envolveram, principalmente, vias e logradouros
públicos; a restauração de exemplares arquitetônicos importantes; a valorização ou
inserção de objetos artísticos no espaço público; a instalação ou a renovação do
mobiliário urbano; a recuperação de fachadas; a reciclagem de imóveis para novos
usos; o deslocamento de terminais de transportes públicos e a provisão de estacionamentos para automóveis particulares. Uma vasta empresa de criação de áreas
centrais mais ordenadas, visualmente agradáveis, seguras e preservadas foi posta
em marcha, com vistas à atração de atividades e usuários capazes de dinamizá-las
economicamente e promover a valorização do parque imobiliário.
Essas intervenções de natureza mais física foram acompanhadas de medidas de
controle do uso dos espaços como a eliminação ou o ordenamento do comércio
informal; a instalação de barreiras para controlar o acesso e o trânsito em logradouros
e vias; a mudança de uso; o deslocamento de moradores; a implantação de segurança pública ou privada especial e a realização de eventos culturais e de lazer em
logradouros re-qualificados. Em Salvador, a população pobre residente no Pelourinho
foi retirada do setor por meio da instalação de atividades comerciais nos imóveis
que ocupava, do oferecimento de indenizações ou da simples transferências para
outros locais. No Rio de Janeiro, moradores de rua foram expulsos do centro mediante ações policiais drásticas ou por meio da implantação de obstáculos ao uso e
acesso de determinados espaços. Apenas em São Paulo, no final da década de
90, projetos de assistência e re-inserção social foram iniciados em resposta a
fortes pressões de movimentos sociais.
As intervenções executadas nas áreas centrais de Salvador, Rio de Janeiro e São
Paulo foram, de um modo geral, pontuais e não obedeceram a planos que abar-
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cassem o conjunto dos respectivos territórios. Foram guiadas, contudo, por uma
lógica de dinamização econômica, valorização imobiliária e controle da presença
popular que integrou as ações executadas. Apenas em São Paulo, planos de maior
alcance foram elaborados, mas não foram executados.7 Apesar dessa baixa execução do planejado, decorrente, em grande parte, de um excesso de otimismo com
relação à participação da iniciativa privada nos projetos propostos, os planos elaborados contribuíram para desenvolver e consolidar um pensamento sobre a área
central que, atualmente, coloca São Paulo à frente das outras cidades em termos
de propostas e capacidade de viabilização de projetos.
No Rio de Janeiro e em São Paulo as intervenções tenderam a se concentrar nos
principais logradouros e artérias dos núcleos mais dinâmicos e setores de maior
valor simbólico das áreas centrais. Em Salvador, o vínculo com o desenvolvimento
do turismo comandou a localização das intervenções, concentrando-as nos sítios
mais deteriorados do centro histórico e nos logradouros e corredores viários mais
importantes que lhes dão acesso. A maioria das intervenções nessa cidade localizou-se ao longo dos “caminhos do turismo”, focalizando apenas parte da área
comercialmente mais dinâmica do centro e pequenos trechos do seu antigo setor
financeiro.
No final da década, o fraco desempenho dessas intervenções no que toca à atração
de investimentos privados de monta, novas atividades e transformação significativa
dos quadros de esvaziamento e deterioração existentes, impulsionou o surgimento
de estratégias voltadas para o atendimento a demandas existentes como o desenvolvimento da função residencial para estratos sociais de menor renda. Esse “fracasso” das ações de re-qualificação como pólos de atração, deveu-se ao desinteresse do mercado imobiliário formal e dos segmentos sociais mais abastados pelas
regiões centrais, à existência de vetores de investimentos imobiliários mais dinâmicos e lucrativos em outras zonas e ao caráter epidérmico das intervenções realizadas, o que não lhes permitiu interferir nos processos estruturais que afetam nossos
bairros históricos. Deveu-se ainda à opção de transformar a todo custo o quadro de
apropriação popular desses setores, ignorando-se suas potencialidades como áreas para a solução dos problemas habitacionais desses estratos.
No Rio de Janeiro, devido ao núcleo principal do centro ter mantido importância
funcional maior na estrutura da cidade e uma dinâmica de uso e ocupação mais
aquecida, as intervenções de re-qualificação apresentaram um desempenho melhor em face de seus objetivos iniciais. Não tiveram força, entretanto, para provocar transformações nos bairros periféricos, cujo quadro de deterioração e
subutilização permaneceu inalterado. De um modo geral, portanto, à exceção
dessa cidade, a iniciativa privada não respondeu da maneira esperada às estraté-
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gias de atração de investimentos deflagradas pelo poder público, oscilando entre
um comportamento indiferente, especulador ou simplesmente oportunista. Os
enclaves criados nas áreas centrais de Salvador e São Paulo para dinamização do
turismo ou para animação cultural, por exemplo, permaneceram dependentes de
recursos públicos para funcionamento e manutenção, e apresentaram, até o fim
da década, um baixo poder indutor de transformações nos quadros urbanos em
que se inserem.
Os projetos de aproveitamento habitacional para rendas mais baixas – implantados
no final dos anos 90 no vácuo aberto por esses fracassos de mercado – tiveram
execução mínima nas três cidades e permanecem ainda como intervenções de
caráter experimental. As dificuldades para desenvolvimento desses programas têm
sido enormes por causa de entraves fundiários, financeiros, burocráticos, legais,
urbanísticos e tecnológicos de todo tipo e, ainda, em razão de uma ação pouco
agressiva do setor público no sentido de enfrentá-los. Despontaram, entretanto,
como propostas dotadas de grande potencial de regeneração de certos setores e
de produção de situações mais adaptadas às nossas demandas reais e à nossa
realidade urbana e econômica.
As intervenções habitacionais tenderam a se localizar de modo disperso nos bairros
centrais ao sabor das oportunidades de aquisição ou desapropriação, privilegiando
imóveis antigos em ruínas cuja situação possibilitasse um aproveitamento mais
intenso de espaços internos e lotes. Em decorrência, entretanto, dos custos ainda
altos da produção habitacional em sítios históricos e das grandes limitações dos
financiamentos existentes, essas intervenções tenderam a preservar ou a resgatar
apenas fachadas principais, a promover remembramentos, a super-ocupar lotes e
a subdividir intensamente espaços internos remanescentes, com vistas à viabilização
financeira das operações.
Em São Paulo, as propostas de reabilitação vinculadas ao uso habitacional surgiram da pressão dos movimentos sociais que invadiram imóveis vazios ou abandonados no centro da cidade. 8 Desenvolveram-se, portanto, em campo próprio e
oposto ao dos projetos de re-qualificação existentes. Somente no final da década
de 90, foram envidados esforços, em São Paulo, para compatibilizar essas demandas e iniciativas. Em Salvador e no Rio de Janeiro, contudo, os projetos habitacionais
foram incorporados aos programas de re-qualificação e dinamização econômica
em andamento com um caráter complementar. Assim, a tendência mais recente
dos projetos de regeneração e re-povoamento de áreas centrais de grandes cidades é conjugar medidas de dinamização econômica a outras de desenvolvimento
do uso habitacional para faixas de renda média e baixa, aproveitando-se as linhas
de financiamento disponíveis. O que se verifica então é que, na medida em que o
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modelo de re-incorporação de áreas centrais esvaziadas ao mercado, por meio da
criação de atrações urbanas e de áreas re-qualificadas, foi se revelando limitado e
inadequado ao nosso contexto social e econômico, surgiu a tendência de adaptá-lo
às demandas existentes. No novo modelo que surge, as ações vinculadas à reanimação de atividades econômicas e imobiliárias tendem a se concentrar nos núcleos principais dos centros e setores com maior potencial de renovação, e as relacionadas à produção habitacional, nos bairros periféricos a esses núcleos ou nos
setores de grande concentração de imóveis de valor histórico.
A promoção do uso habitacional nas áreas centrais das cidades estudadas surgiu
então, no final da década de 90, como o grande desafio das municipalidades,
especialmente diante da impossibilidade de se ocupar todo o território esvaziado
dessas áreas apenas com atividades direcionais, administrativas, comerciais ou
produtivas. Se esse uso, entretanto, terá ou não um maior significado social ou
contribuirá, efetivamente, para um desenvolvimento mais equilibrado e democrático dessas cidades, assim como para uma preservação mais sustentável do seu
patrimônio, é uma questão que está vinculada a opções políticas, ao nível de organização das camadas populares e à ampliação ou não dos processos de gentrificação
instalados em alguns pontos desses centros antigos. Em suma, a relevância urbana, social e cultural das intervenções de preservação das próximas décadas está
vinculada a um projeto de cidade que logre conciliar dinamização econômica e
valorização do patrimônio, com ações voltadas para a melhoria das condições
habitacionais e de vida da população.
A norma de produção e preservação
do patrimônio nos anos 90
As operações de conservação do patrimônio urbano deram o tom da prática de
preservação nos últimos anos, ultrapassando em número e freqüência as operações de seleção e de salvaguarda de bens culturais. Foram comandadas basicamente pela utilização dada ao bem de valor patrimonial e pelas estratégias de
dinamização econômica e valorização imobiliária que o envolveram, mas vincularam-se também à qualidade da prática desenvolvida em cada cidade em períodos
precedentes. O Rio de Janeiro, por exemplo, em decorrência da excelência do trabalho desenvolvido pelo Corredor Cultural, nos anos 80, apresentou, do ponto de
vista da preservação do patrimônio, intervenções de qualidade técnica superior às
das outras cidades. Em Salvador, atreladas a exíguos prazos políticos e a violentas
estratégias de promoção do Governo do Estado da Bahia, as intervenções foram,
de um modo geral, de péssima qualidade.
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As operações de conservação do patrimônio caracterizaram-se, no período, pela
reciclagem de edifícios e espaços públicos e, como visto, pela sua adaptação para
novos usos e atividades. Nessa empresa, a eliminação de anexos de serviços, o
rompimento de relações de parcelamento, o super aproveitamento de espaços
internos e lotes foi uma constante. O foco da preservação esteve, principalmente,
na valorização, recuperação e reconstituição minuciosa de fachadas principais, com
grande ênfase na reconstituição e até re-invenção de elementos concebidos como
de especial valor patrimonial. As operações de conservação caracterizaram-se ainda pelo uso de estratégias de isolamento entre o novo e o antigo, verificando-se a
tendência de se operar em pólos extremos, isto é, ou por meio da produção de
pastiches ou de formas absolutamente contrastantes. O contextualismo e as estratégias de integração, típicos dos anos 80, foram relativamente abandonados, verificando-se uma espécie de retorno a uma estética patrimonial de viés modernista,
baseada no contraste, na monumentalidade da intervenção e na introdução de
objetos de impacto estético no espaço.
Predominou, ainda, no período, uma postura de descolamento da arquitetura nova
ou recuperada do desenho ou do tecido urbano existente que levou para o espaço
público as estratégias de projeto baseadas no contraste e no rompimento de relações morfológicas. Relações pré-existentes de parcelamento, de ocupação de lotes, de distinção entre espaço público e privado e a forma original de logradouros
públicos não constituíram, no geral, elementos julgados merecedores de preservação. As intervenções tenderam a ignorar a história urbana e a conferir aos logradouros
ares pasteurizados de shopping mall. Buscou-se trazer para o mundo da rua os
estímulos visuais e as sensações de ordem e segurança que caracterizam esses
equipamentos comerciais, com a transposição de sua linguagem estética, informação dirigida e materiais de acabamento para os espaços re-qualificados.
Nos anos 90, imperou, portanto, uma concepção de patrimônio urbano de caráter
fachadista e concentrado em poucos elementos arquitetônicos. Essa concepção foi
favorecida e reforçada pela lógica financeira e promocional que presidiu a montagem e a execução da maioria das operações e pelo vínculo dessas ações com o
entretenimento, com o lazer cultural e com um turismo de espetáculos. Decorreu
ainda de uma falta generalizada de compromisso com o papel informativo, documental e social do patrimônio.
Esses contornos da prática foram ainda produzidos pela entrega das intervenções a
profissionais e instâncias não especializadas em preservação do patrimônio e a
grandes estrelas da arquitetura e do urbanismo nacional e internacional. O patrimônio
urbano foi objeto de intervenções utilitárias e espetaculares que não tiveram grandes preocupações com perdas de documentação histórica, arqueológica,
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arquitetônica e urbanística. De um modo geral – e isso foi especialmente visível em
Salvador –, as intervenções foram empreendidas sem um conhecimento mais fino
do patrimônio existente, tendo sido rara e localizada a realização de estudos históricos, arqueológicos, tipológicos e morfológicos consistentes para apoiá-las.
Essas práticas de conservação foram grandemente reforçadas e induzidas pelos
programas montados no plano federal. As limitações de suas linhas de financiamento, modelos de intervenção e a ausência de um sistema adequado de subsídios promoveram a formação de enclaves apartados da realidade ou operações de
reabilitação do patrimônio edilício que preservaram apenas elementos existentes
no exterior visível dos imóveis.
O aproveitamento econômico do patrimônio nos anos 90 não significou, portanto,
um maior cuidado com as intervenções ou com a substância documental do
patrimônio. Sistemas construtivos antigos, ofícios e modos de fazer tradicionais
ligados à construção não foram resgatados, exceto em algumas intervenções realizadas em grandes monumentos e no trabalho de algumas oficinas-escola que se
implantaram no período. A prática desenvolvida nesses nichos, contudo, não foi
disseminada nem apropriada, ainda que parcialmente, no grosso das intervenções.
Ao contrário, nos anos 90, o aproveitamento do patrimônio urbano trouxe para o
campo da preservação apenas as práticas mais convencionais e limitadas da construção civil.
Uma vez que o suporte físico é o que corporifica o patrimônio construído, as operações de conservação, em última instância, determinam o que será ou não preservado e a idéia de patrimônio que entrará em circulação ampla no conjunto da
sociedade. Na medida em que deixem em segundo plano ou ignorem a função
memorial, informativa e documental dos bens culturais, funcionam, ainda que
involuntariamente, como instrumentos de produção de um patrimônio vazio de significados e de caráter meramente cenográfico.
No bojo das intervenções realizadas na última década, o patrimônio foi promovido,
principalmente, mediante a realização de eventos nas áreas re-qualificadas e sua
apresentação como novas atrações urbanas. Esse tipo de abordagem mesclou-se
às operações de conservação e utilizou estratégias de projeto que incluíram o uso
de cores vivas e chamativas nas fachadas, técnicas de iluminação, a introdução no
espaço de novos objetos, mobiliário especial, sinalização. Essas estratégias transformaram áreas recuperadas em ambientes pitorescos e também em peças publicitárias de si próprias e de seus promotores e patrocinadores.9 Os sítios urbanos
que passaram por intervenções de preservação do patrimônio funcionaram, então,
simultaneamente, como objetos e veículos de promoção. Aliadas às ações de con-
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servação, essas operações forneceram os grandes quadros visuais que atualizaram
e concretamente difundiram a noção de patrimônio urbano no período.
Essa noção, em última análise, correspondeu a tudo o que pudesse ser rapidamente identificado como antigo e divulgado como patrimônio recuperado. Restrita
à capacidade do objeto arquitetônico ou urbano de comunicar e exibir rapidamente
sua “natureza” patrimonial, a nova concepção resultou, se comparada à noção
produzida nos anos 80 – que tinha um caráter mais histórico e antropológico –, em
redução e estetização do conceito. Ao mesmo tempo, por seu fundo utilitário,
promocional e vinculado à valorização imobiliária, promoveu uma ampliação do
universo de bens passíveis de submissão à lógica da preservação. Tal ampliação,
entretanto, não significou, no Brasil, que o patrimônio urbano tenha se transformado numa mercadoria imobiliária importante ou altamente disputada. Nas grandes
cidades, a reciclagem e a reutilização do patrimônio edilício permaneceram restritas aos setores que sofreram intervenções financiadas pelo poder público, sem a
ocorrência de crescimento de demanda por essas áreas ou por imóveis antigos no
mercado consumidor. Em razão da permanência desse desinteresse pelo patrimônio
urbano nos segmentos sociais para os quais o mercado imobiliário trabalha, e da
dificuldade de acesso da população mais pobre ao financiamento da habitação, o
aproveitamento econômico do patrimônio, nos anos 90, se vinculou mais ao fortalecimento de imagens, ao consumo cultural e ao lazer urbano do que à renda
fundiária ou ao valor imobiliário.
Na última década, especialmente em decorrência de seu uso como veículo
promocional, o patrimônio urbano foi grandemente despojado de profundidade histórica e concentrado na superfície e na aparência das formas. Foi lugar de um novo
tipo de renovação urbana que na realidade não preserva – apenas lança mão das
formas antigas e usa a noção de patrimônio como mote para um novo tipo de
homogeneização espacial. A cidade histórica brasileira, concebida, em outras épocas, como monumento artístico e como testemunho dos processos históricos de
formação da nação, fechou o século XX como mais uma atração urbana. O
patrimônio produzido e preservado nessa “cidade-atração” foi o que sobrou dessa
nova e, ao mesmo tempo, já velha abordagem.
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Foto 1 – Salvador, interior de quarteirões do Pelourinho. Eliminação de anexos de serviço e rompimento de relações
de parcelamento para a instalação de praças de alimentação.
Foto 2 - Salvador, Praça da Sé: pastiche ou contraste?
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Foto 3 - São Paulo, Praça do Patriarca. Objeto de impacto estético para valorização do espaço recuperado.
Foto 4 – Novo piso da Praça XV: re-qualificação com uso de linguagem de shopping center (foto do Arquivo da
Prefeitura do Rio de Janeiro).
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Foto 5 – Salvador, bairro de Santo Antônio - interior de lotes remembrados para abrigar empreendimento habitacional:
obra convencional e projeto que preserva apenas as fachadas principais, ignora relações de ocupação e parcelamento
típicas do conjunto tombado.
Foto 6 - São Paulo, cela da antiga Delegacia de Ordem Política e Social – DOPS cujo prédio foi transformado nos
anos 90 em centro cultural.Um patrimônio sem profundidade histórica
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Marcia Sant’Anna é doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e
Urbanismo da Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia e diretora do Departamento de Patrimônio Imaterial do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
Notas
1
O termo “norma” é utilizado aqui no sentido de conjunto de práticas, discursos e procedimentos que cria padrões de
comportamento e passa a orientar a abordagem, o tratamento, a utilização e a própria constituição de certos objetos
no seio da sociedade. A esse respeito, ver FOUCAULT, Michel. Soberania e disciplina. In: ______ Microfísica do Poder.
10 ed. Rio de Janeiro: Graal, 1984b. p.179-192 e, do mesmo autor, Vigiar e punir: nascimento da prisão. 10 ed.
Petrópolis: Vozes, 1987, e História da sexualidade 1: A vontade de saber. Rio de Janeiro: Graal, 1988. Ver também
sobre a norma enquanto agente de criação de padrões de comportamento social, COSTA, Jurandir Freire. Ordem
médica e norma familiar. Rio de Janeiro: Graal, 1989, p. 50-51.
2
Ver mais a respeito da apropriação eleitoral da intervenção no Pelourinho, FERNANDES, Antônio Sérgio. Empresarialismo
urbano em Salvador: a recuperação do Centro Histórico Pelourinho. 1998. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Urbano e Regional)- Departamento de Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal de Pernambuco,
Recife, 1998.
3
Sobre as intervenções realizadas nas áreas centrais de Salvador, Rio de Janeiro e em São Paulo, ver VIEIRA, Natália
Miranda. O lugar da História na cidade contemporânea: revitalização do Bairro do Recife x recuperação do
Pelourinho. 2000. Dissertação (Mestrado)- Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal da Bahia,
Salvador, 2000; MAGALHÃES, Roberto Anderson de Miranda. A requalificação do centro do Rio de Janeiro na década
de 1990. 2001. Dissertação (Mestrado)- Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal do Rio de
Janeiro, Rio de Janeiro, 2001; AMADIO, Décio. Alguma coisa acontece...: uma investigação sobre o Centro de São
Paulo. 1998. Dissertação (Mestrado)- Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São
Paulo, 1998; ARANTES, Otília. Uma estratégia fatal: a cultura nas novas gestões urbanas. In: ______; VAINER,
Carlos; MARICATO, Ermínia. A cidade do pensamento único: desmanchando consensos. Petrópolis: Vozes, 2000.
p.11-74; FELDMAN, Sara. Tendências recentes de intervenção em centros metropolitanos. In: SÃO PAULO (SP).
Câmara Municipal. Comissão de Estudos sobre Habitação na Área Central: Relatório final. São Paulo, 2001, e MOTTA,
Lia. A apropriação do patrimônio urbano: do estético-estilístico nacional ao consumo visual global. In: ARANTES,
Antonio A. (Org.). O espaço da diferença. Campinas: Papirus, 2000. p. 256-287.
4
O Programa Monumenta, do Ministério da Cultura, com financiamento do Banco Interamericano de Desenvolvimento
– BID; o Programa de Revitalização de Sítios Históricos, da Caixa Econômica Federal e o Programa URBIS, do
Ministério da Cultura e do IPHAN. Além desses programas implementados a partir da segunda metade da década de
90, foram também muito utilizados em intervenções realizadas no Rio de Janeiro e São Paulo, os benefícios fiscais
do Programa Nacional de Apoio à Cultura – PRONAC, criado em 1991.
5
No presente texto, serão enfatizados os contornos da prática de preservação proporcionados pelas intervenções nas
áreas centrais de Salvador, Rio de Janeiro e São Paulo. Uma descrição mais detalhada do papel dos programas
nacionais na construção dessa norma será feita em outra oportunidade.
6
Ver a esse respeito, MAGALHÃES, op. cit., p. 86-117.
7
Ver Ver MEYER, Regina Maria Prosperi; IZZO JÚNIOR, Alcino. Pólo Luz: Sala São Paulo, cultura e urbanismo. São
Paulo: Viva o Centro, 1999, p. 27 e AMADIO, op. cit.
8
Ver a esse respeito, BONDUKI, Nabil. Habitação na área central de São Paulo: uma opção por uma cidade menos
segregada, por um centro sem exclusão social. In: SÃO PAULO (SP). Câmara Municipal. Comissão de Estudos sobre
Habitação na Área Central: Relatório final. São Paulo, 2001. p.3-10.
9
Sobre o uso do espaço urbano em estratégias publicitárias para o reforço de imagens públicas e marcas comerciais
ver KLEIN, Naomi. No Logo: taking aim at the brand bullies. New York: Picador, 2002.
Este artigo foi originalmente publicado no Livro do Seminário Internacional “Museus & Cidades” / organização Afonso
Carlos M. dos Santos, Carlos Kessel e Cêça Guimaraens. Rio de Janeiro: Museu Histórico Nacional, 2004. Sintetiza
parte das pesquisas realizadas para a elaboração de tese de doutorado defendida em abril de 2004, junto ao PPGAU/FAUFABa, intitulada A Cidade-Atração: a norma de preservação de centros urbanos no Brasil dos anos 90.
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Carmen B. Silveira
O ENFOQUE URBANÍSTICO-CULTURAL
NO PLANEJAMENTO A PARTIR
DA DÉCADA DE 1980
Os projetos de “revitalização urbana” na cidade do Rio de Janeiro.
Neste paper procuramos identificar algumas concepções de memória e sua relevância
para compreender aspectos significativos do planejamento urbano, atualmente bastante vinculado
às questões culturais. Referimo-nos ao enfoque nitidamente urbanístico-cultural dos chamados
projetos de “revitalização urbana” que têm a atribuição de preservar o patrimônio
cultural urbano, e, portanto, a “memória da cidade”.
Introdução
Pretendemos desenvolver, inicialmente, algumas discussões recentes no âmbito da
história e das ciências sociais relativas aos conceitos de memória e suas implicações no planejamento urbano recente1 . Desse modo, procuramos identificar algumas concepções de memória e sua relevância para compreender aspectos significativos do planejamento urbano, atualmente bastante vinculado às questões culturais. Posteriormente, referimo-nos ao enfoque nitidamente urbanístico-cultural dos
chamados projetos de “revitalização urbana” que têm a atribuição de preservar o
patrimônio cultural urbano, e, portanto, a “memória da cidade”.
Consideramos os novos projetos de “revitalização” como as formas atuais dos conhecidos planos e projetos de renovação urbana. Verificamos, igualmente, a necessidade de compreender esses novos projetos como alternativas de desenvolvimento urbano, ou seja, de procurar desvendar algumas possibilidades de intervenções urbanas que abarquem os problemas sociais, examinando-se as políticas
urbanístico-culturais em curso. A sua vinculação a um projeto de desenvolvimento
social torna-se necessária, conforme se pretende expor, no que segue, aludindo à
visão de Fernandes2 e Santos3 . Ambos procuram questionar as ações públicas nas
áreas centrais, lugares privilegiados para os investimentos do Estado relativos aos
projetos de revitalização.
No item subseqüente, buscamos esclarecer as concepções de patrimônio cultural
envolvidas nessas políticas urbanístico-culturais4 . Finalmente, tecemos alguns comentários sobre as legislações concernentes a tais políticas na cidade do Rio de
Janeiro, bem como dos projetos urbanos a partir da década de 1980, denominados de projetos de “preservação” / “revitalização” / “requalificação” ou “reabilitação” urbanas. Privilegiamos os atores envolvidos nas concepções e promoções das
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políticas e planos urbanos recentes e procuramos identificar noções de memória
nos planos e projetos urbanos que buscam a preservação da memória e a
revitalização urbanas, tendo em vista a possibilidade de se estruturar um projeto de
desenvolvimento urbano.
Aspectos culturais do pensamento sobre a(s) memória(s) e
a(s) política(s) cultural(ais)
No âmbito das políticas urbanas de revitalização, emergem as políticas urbanísticoculturais destinadas a preservar a memória de determinados espaços da cidade.
Cabe indagar, inicialmente, qual memória se pretende preservar, para que e para
quem.
Recentemente vem ocorrendo uma reatualização da “história da teoria da memória” devido às transformações profundas ocorridas no século XX. O abandono das
ideologias e “interpretações universais”, isto é, a condição de desesperança em
relação a uma “utopia coletivista” possível na chamada era dos extremos, revela
uma humanidade tratando, por um lado, de um mundo revolucionado pelo avanço
significativo das novas tecnologias da informação e da comunicação e, por outro,
de um mundo vivenciando graves problemas de extermínio de vidas humanas em
contextos nacionalistas e da chamada “limpeza étnica”5 . Em decorrência a esse
quadro de descrenças e acentuados contrastes, a busca do conhecimento se expressa, freqüentemente, numa busca de auto-conhecimento e o universal passa
cada vez mais pelo individual: a questão da memória se evidencia em numerosos
campos, dentre os quais, interessa frisar neste texto, o das políticas urbanas e
culturais.
Assinalando a existência de uma arte da memória contemporânea, SeligmannSilva ressalta as mudanças do último século e aponta seu momento crucial - a
Segunda Guerra Mundial -. a partir da qual o discurso da memória adquire especial
relevância. Anteriormente, já havia sido retomado por intelectuais como Bergson,
Aby Warburg, Walter Benjamin e Maurice Halbwachs e Proust, mas, no pós-guerra,
tal discurso se dissemina em diversos campos sociais. “A necessidade de recosturar
as identidades antes oprimidas e impedidas de se manifestar, ao lado do próprio
movimento de luto pela perda de vidas gerada pela Grande Guerra, pelos movimentos de auto-afirmação das minorias e pelas lutas contra governos totalitários e
autoritários, gerou uma cultura da memória” (...). Assim, essa “cultura da memória” surge de movimentos de resistência ao esquecimento nos discursos e ações do
poder público e à “cultura da amnésia, do apagamento do passado, que caracteriza
nossa sociedade globalizada pós-industrial”6 .
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Na mesma direção, revela-se o pensamento de D’Alessio7 , ao afirmar que a memória nacional “uniformizou lembranças, exercendo, portanto, uma função opressora em relação às experiências lembradas por pessoas e grupos”. Segundo a
autora, “a entrada em cena das ‘memórias subterrâneas’ faz aflorar conflitos entre
memórias emergentes e memórias estabelecidas, estas organizadoras da ordem
social”. Compreende-se, desse modo, o debate sobre a memória da cidade como
um campo de conflitos, evidenciando-se que as políticas culturais tendem a priorizar
a implementação de projetos / intervenções físicas nas centralidades do tecido
urbano construindo, muitas vezes, verdadeiros “teatros de memória”8 .
Pode-se dizer que a construção da memória da cidade constitui-se como uma
questão fundamental para a identidade dos seus habitantes. Assim, os critérios de
escolha/ seleção de projetos de preservação da memória urbana são especialmente relevantes, pois projetos expressivos de determinados grupos passam a representar oficialmente a sociedade local. Contudo, constata-se que na implementação
das políticas culturais privilegia-se, muitas vezes, a construção de cenários
patrimoniais relacionados à história oficial, deixando submersas outras memórias,
outras possíveis escolhas.
De acordo com Jeudy, subjacente às “preocupações habituais da salvaguarda dos
patrimônios”, encontra-se uma busca de valorização das memórias coletivas das
sociedades. Independentemente do interesse muitas vezes obsessivo de resguardar objetos, emerge um “movimento de consagração de todos os signos culturais”9 . Nesse contexto, verifica-se uma proliferação de museus, nos quais objetos,
imagens e relatos são conservados como testemunhos de culturas, de inovações
técnicas ou da identificação de diferentes modos de vida. Trata-se de amplo empreendimento que se propõe a estocar e classificar tais testemunhos. Jeudy, entre
diversos autores, ressalta essas constatações e indaga se é a novidade que suscita
o medo ou se isso resulta da incidência das grandes transformações industriais que
engendra uma angústia da perda do sentido da existência.
Para o autor, “a conservação, sob todos os aspectos, continuaria então a promover
estratégias asseguradoras diante da ameaça de desaparecimento dos signos culturais da identidade...”. Considera que esse movimento de museificação das cidades
adviria da preocupação com a queda das crenças nos grandes valores da humanidade e constituiria uma reserva de transmissão dos conhecimentos e das práticas,
um “verdadeiro teatro das memórias” (idem)10 .
Retomando as indagações iniciais, sobre qual memória se pretende preservar, para
que e para quem, os três autores acima mencionados acionam alguns aspectos
fundamentais. Alude-se, primeiro, à preocupação de Seligmann-Silva de buscar
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esclarecimento sobre as origens dessa reatualização do pensamento sobre a memória, apontando o período pós Segunda Guerra como momento de reafirmação
dessa temática. Ora, foi nessa época que se desencadearam, em grandes cidades
européias, processos de reconstrução de suas áreas centrais destruídas pela guerra e grupos de urbanistas norte-americanos e europeus passaram a refletir mais
intensamente sobre a necessidade de reconstituir ou não aspectos dos espaços do
passado. Portanto, o tema da memória ressurge nos anos 1950, em meio aos
projetos de recuperação de espaços perdidos pelos acontecimentos dramáticos,
embora não estivesse nomeado enquanto tal11 .
A discussão proposta por D’Alessio, como diversos outros autores, refere-se aos conflitos nos tratamentos do tema da memória, à compreensão da existência de diversas
memórias, não de uma única, oficial, a ser aceita e celebrada passivamente. Nas
escolhas dos trechos da cidade, dos tipos de arquitetura, dos rituais e outros elementos da cultura urbana a serem preservados, evidencia-se a existência de grupos distintos com suas respectivas memórias nem sempre conciliáveis. Portanto, a autora revela
um campo tenso, onde se deve atentar para a complexidade da seleção dos fragmentos urbanos a serem preservados e celebrados como espaços de memória.
Finalmente, a aguda reflexão de Jeudy problematiza essa temática trazendo à discussão a valorização das memórias coletivas das sociedades, subjacente às propostas de preservação do patrimônio. No seu estudo, para além dos conflitos evidenciados por D’Alessio, expõe a questão dos excessos a respeito da preservação,
apontando as tendências muitas vezes obsessivas de se preservar todos os signos
culturais. A despeito da necessidade de se observar a evidência da opressão nos
processos de decisão, como mostra D’Alessio, e da necessidade de movimentos
de resistência ao apagamento das memórias, como lembra Seligmann-Silva com o
surgimento de uma “cultura da memória” como reação a uma “cultura da amnésia”, Jeudy questiona as “estratégias asseguradoras” da memória e adverte em
relação à museificação das cidades contemporâneas. Desse modo, apontou-se
aqui apenas alguns aspectos de um debate que tem se ampliado recentemente,
com numerosos pesquisadores de disciplinas acadêmicas distintas abordando os
problemas da memória, da preocupação com a criação de “teatros de memória”
nas chamadas políticas culturais.
Projetos de “revitalização” e alternativas de desenvolvimento
urbano – centro e centralidade, funções e ações sociais
Aborda-se, primeiramente, a indagação apresentada em texto anterior12 , que se
afigura significativa para explicitar a discussão aqui proposta: os chamados projetos
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de revitalização urbana, atualmente em desenvolvimento na cidade do Rio de Janeiro, não deveriam estar mais nitidamente relacionados a uma proposta de
revitalização social?
Na análise realizada naquele texto, esboçou-se um quadro a respeito de alguns
projetos de revitalização em curso no Rio de Janeiro e alertou-se para a complexidade dos problemas que envolvem uma ação do poder público no intuito de preservar o patrimônio cultural urbano. Assim, observa-se que a memória da cidade
abrangida pelos projetos de preservação urbana suscita um trabalho profundo e
ambicioso e que a implementação das atuais propostas de revitalização no contexto municipal não logrará atingir facilmente os objetivos enunciados. Pode-se considerar os novos projetos de “revitalização” como as formas atuais dos conhecidos
planos e projetos de renovação urbana, que muitas vezes resultam em processos
de elitização dos espaços “revitalizados”.
No entanto, alguns objetivos de preservação urbana vinculada à preservação social
podem ser alcançados, a depender do enfoque preconizado nesses projetos. Por
este motivo, para auxiliar a compreensão destas ações do poder público, torna-se
imprescindível associá-los ao estabelecimento de alternativas de desenvolvimento
urbano. Ou seja, trata-se de procurar desvendar algumas possibilidades de intervenções urbanas que abarquem os problemas sociais, examinando-se as políticas
urbanístico-culturais em curso. A sua vinculação a um projeto de desenvolvimento
social é inextricável, conforme se pretende expor no que segue, aludindo à visão de
Fernandes13 e Santos14 . Ambos procuram questionar as ações públicas nas áreas
centrais, lugares privilegiados para os investimentos do Estado relativos aos projetos
de revitalização.
Fernandes respalda-se na conferência proferida por Santos15 para afirmar que, em
1958, este estudioso já apontava o fenômeno ao tratar do centro de Salvador (na
sua tese de doutorado) a respeito das cidades – médias ou grandes, ambas reguladas pela força do lucro. De maneira similar ao exposto no item anterior, sobre o tema
da memória, Fernandes registra algumas questões que facilmente acometem o
pensamento de quem escuta o termo revitalização de áreas centrais: o que se entende por revitalizar, o que revitalizar, por que revitalizar, para quê e para quem.
Na visão de Santos, o tema da sua conferência intitulada “Salvador: Centro e
Centralidade na Cidade Contemporânea”, num primeiro momento, indicaria que a
questão seria a “de uma forma - o centro - e a de uma função - a centralidade”.
Utilizando a sugestiva expressão “rejuvenescimento” para nomear o debate recente
sobre as áreas centrais das cidades, o autor enfatiza que o problema dessas ações é
de método. Assim, recomenda, sabiamente, que: “diante da realidade nós não te-
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mos de obrigatoriamente nos limitar a descrever a partir do livro dos mestres. A
experiência deve ser um ponto de partida” (p.29, grifo nosso, apud Fernandes, 2003).
Santos16 sublinha as características do “centro ‘antigo’, em certas épocas limitado,
quase congelado”, onde as “funções típicas da centralidade se superpunham, escolhendo aqui e ali subespaços especializados”. Tratava-se de um centro que comandava toda a estrutura urbana, incluindo a vida econômica, a vida política e a
cultural; constituía um centro polifuncional e monopólico, o único centro da cidade.
Num momento posterior, verifica uma multipolarização da cidade, com especializações dos seus espaços e conseqüente redistribuição das funções urbanas. Ocorre,
então, uma gradativa decadência do centro velho, concomitante ao surgimento de
subcentros. Esse momento marca uma mudança funcional da cidade, onde o turismo evidencia-se como fator crucial na compreensão da centralidade: junto aos
habitantes com sua lógica de consumo do centro vinculada ao seu poder aquisitivo
e à sua possibilidade de mobilização, afluem os turistas, “dispostos a estar em
toda parte e que começam a repovoar, a recolonizar, a refuncionalizar e a revalorizar”
o velho centro.
No que tange ao terceiro momento, o atual, identificado por Santos como o do
“rejuvenescimento parcial do velho centro adaptado às exigências do turismo”, procura-se entender as questões abordadas como questões que podem ser relacionadas ao caso da cidade do Rio de Janeiro. Com efeito, busca-se entender as questões do centro e da centralidade através das novas funções urbanas, desencadeadas
com a “ampliação da função do Estado, graças às exigências da sociedade em
relação a respostas públicas à sua demanda e à expansão de um sistema financeiro exigente de localizações precisas”.
A primeira questão evidenciada pelo autor é a da “instalação das técnicas, dos
macrosistemas técnicos e sua localização”. Com a ampliação crescente dos sistemas técnicos, a humanidade tem vivenciado crises sócio-espaciais decorrentes de
mudanças tecnológicas. Como exemplo, recorda que a humanidade já viveu sem
telefones, “mas havia formas de convivialidade direta que desapareceram”. O desaparecimento da convivialidade direta contribuiu decisivamente para a fragmentação do centro; ambos, convivialidade direta e fragmentação do centro resultaram
da implantação dos “macrosistemas técnicos modernos” na cidade.
Outra questão significativa é a revolução que ocorre na “idéia do consumo de proximidade e do consumo de distância”, atribuindo nova dimensão ao centro e conduzindo à questão “do movimento na cidade e a questão da acessibilidade”. A idéia
de consumo conquistou rapidamente a sociedade brasileira e impediu o desenvolvimento de uma cidadania completa. Aqui ocorreu, então, uma “produção de con-
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sumidores mais-que-perfeitos”. Os europeus e norte-americanos “são consumidores imperfeitos, porque se defendem das artimanhas do consumo e das artimanhas dos negociantes, enquanto nós não nos defendemos nem de um nem dos
outros, ampliando por conseguinte a possibilidade de instalação de comércios,
graças igualmente à creditização da sociedade brasileira”. Aqui a moda dos cartões
de crédito se difundiu rapidamente e, além disso, a “notória imaginação nacional”
desenvolveu outros meios de multiplicação do crédito.
Nesse novo contexto, o centro torna-se o lugar do movimento rápido; e o centro
velho apresenta-se como lugar do movimento lento. Na concepção de Santos, na
cidade, “a velocidade intelectual e política maior não se instala nas áreas de movimento rápido e sim naquelas de movimento lento”. No Brasil, os que vivem nas
áreas luminosas da cidade, as áreas do movimento rápido, “são embotados para o
entendimento do mundo - as classes médias e as classes além da classe média”.
Nas áreas do movimento lento há uma rapidez possível, “uma acuidade na percepção do movimento do mundo exatamente porque os pobres estão isentos do consumo mais-que-perfeito”. Tal consumo impossibilita a contemplação das mudanças, “porque as classes médias e as classes acima das médias não querem mudar
nada”. Elas querem o presente, um presente mais aperfeiçoado. “E o presente não
é mudança, só o futuro é mudança”.
No estudo de Fernandes, destacam-se as suas observações a respeito das cidades
médias17 . Na sua percepção, a cidade média apresenta uma (aparente?) contradição, isto é, “conseguiu conservar o monopólio funcional do centro “antigo”, mas
não conseguiu guardar a realidade do movimento lento que caracterizava o centro
antigo”, conforme Milton Santos. O “consumo mais-que-perfeito” é o que parece
presidir o uso que hoje se faz dos espaços públicos do centro da cidade.
Com efeito, a cidade média analisada por Fernandes configura-se, atualmente
com dois centros: “o ‘antigo’, embora ainda exercendo uma gravidade muito intensa sobre as funções urbanas em sua direção, e o outro, ‘novo’, onde o consumo
mais-que-perfeito se acomoda com mais conforto e desenvoltura, o shopping center.
A autora pergunta se seria possível perceber o movimento lento mencionado por
Milton Santos, no centro “antigo” de algumas cidades médias paulistas, “onde as
classes mais pobres agora circulam à vontade ao menos nos chamados jardins
públicos da cidade”? No entanto, não observa ali “experiências de contemplação
das mudanças, de convivialidade direta”. Ali também se vêem transeuntes, consumidores e trabalhadores em circulação, preocupados em chegar ao seu destino.
Feitos esses comentários, referentes aos textos de Santos e Fernandes, resta assinalar que ambos propõem a recriação dos espaços de convivência como forma de
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reconstituir espaços com a cultura da troca, da convivialidade direta, perdida no
tempo da aceleração contemporânea. Os exemplos para tal recriação, para Santos, seriam os lugares de resistência às mudanças espaciais, os espaços dos pobres que permaneceram em determinados pontos da cidade que lograram preservar, tantos aspectos físicos como sociais. Fernandes, por seu turno, verifica que a
perda de sociabilidade também ocorre na cidade média, onde o centro antigo mantém o monopólio das funções centrais. Estudar os espaços a partir da experiência,
reafirma Santos, evocando a busca dos aspectos mais ricos da vida urbana preservados pelos pobres. Segundo Fernandes, a sua proposta de “”promover o mundo
dos homens e sua esfera pública” trata-se de uma utopia, necessária para uma
efetiva revitalização das áreas centrais.
A “tese” proposta pelos dois textos, apresenta algumas semelhanças com os estudos realizados pelos urbanistas europeus e norte-americanos, a respeito da retomada da centralidade da cidade, examinando os centros das grandes cidades européias destruídos na Segunda Guerra18 . Conforme as próprias palavras de Fernandes
supracitadas, a sua pretensão seria de uma utopia urbana. Interessa salientar que
ambas as análises são propensas a identificar potencialidades no tecido social, o
que apontaria indícios, sinais cristalizados no território, que propiciassem um efetivo
desenvolvimento urbano no tratamento dos centros e centralidades das cidades
médias e grandes.
Entretanto, torna-se imprescindível reforçar a inelutável necessidade de abordar os
projetos de revitalização como projetos de desenvolvimento urbano no seu sentido
mais amplo, abarcando a revitalização social, cultural e espacial, com igual profundidade nas ações relativas a cada uma delas. Para trabalhar na preservação /
revitalização do espaço concreto, deve-se atuar, também na preservação do conteúdo dessas formas. A esse respeito, pode-se destacar que, no caso do Rio de
Janeiro os exemplos de preservação urbana / memória da cidade que não levaram
em conta a íntima relação existente entre as edificações preservadas e a vida que
nelas se desenrola, não obtiveram o sucesso de outros investimentos públicos que
se mostraram sensíveis ao ambiente social que envolve os trechos preservados.
Finalmente, ressalta-se que a abordagem de Fernandes apóia-se, além de Santos,
em outra interlocução privilegiada, a de Hannah Arendt, e descreve a sua apropriada concepção de que “ ‘a destruição do mundo comum é geralmente precedida
pela destruição da pluralidade humana, que escraviza os homens e os impede de
agir e se revelar, especialmente quando predominam as tiranias’ ” (...). “ ‘O mundo
comum extingue-se quando a pluralidade e o conflito em torno das idéias cessam’
”(Arendt, apud Fernandes, op. cit.). Neste sentido, as ações de políticas culturais
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conseqüentes, compromissadas com o desenvolvimento urbano em sentido amplo
e igualitário precisam atentar para a preservação da memória dos lugares, com sua
riqueza e complexidade urbanas, construídas no decorrer das vidas desses lugares.
As palavras de Anísio Teixeira: “a minha tese é a de que a diversificação é a condição do florescimento das culturas, e a uniformidade, a condição de sua morte e
petrificação” 19 também são extremamente sugestivas no que concerne às preocupações que devem nortear políticas urbanístico-culturais de “revitalização urbana”,
para que respeitem os espaços construídos historicamente e estimulem o
florescimento da criatividade nas culturas locais.
Políticas culturais – patrimônio cultural
Procuramos identificar, inicialmente, algumas concepções de patrimônio cultural
envolvidas nas políticas culturais20 de revitalização urbana, privilegiando os atores
envolvidos nas suas concepções. Considerando-se que, no contexto das políticas
públicas referidas ao chamado patrimônio cultural urbano há uma clara imbricação
entre o conceito de patrimônio e a preservação da memória da cidade, a elucidação
deste conceito torna-se especialmente relevante para problematizar a relação entre patrimônio cultural urbano e a construção de identidades. Assim, de acordo
com Gonçalves (2002), o patrimônio é mais do que uma política cultural. “O
patrimônio tem um papel cognitivo e construtivo universal21 . O autor ressalta que a
idéia de “patrimônio” firma-se como categoria na modernidade, surgindo com a
formação dos Estados nacionais modernos, ao final do século XVIII e início do
século XIX22 .
Em apoio ao pensamento urbanístico ou do planejamento urbano, torna-se necessário refletir sobre o patrimônio: como essa categoria é usada e com que significados? No mundo contemporâneo, como indica a antropologia, tem sido uma palavra
muito utilizada no cotidiano, com diversos significados. Um dos mais correntes
associa patrimônio a “bem de herança” ou à transmissão de bens familiares, por
intermédio de leis, de uma geração a outra. É usada como acumulação, representação, troca, ponte entre passado, presente e futuro, apropriação e perda. Neste
sentido, patrimônio tanto pode se referir à acumulação, como à distribuição, à
destruição de bens materiais, simbólicos. A concepção atual da antropologia enfatiza
as relações sociais, e, menos, a cultura material. Assim, patrimônio passa a ser
uma categoria da vida social e mental que orienta ângulos relevantes da vida coletiva,
com diversas acepções e qualificações: patrimônio social, cultural, arquitetônico,
econômico. Portanto, do ponto de vista moderno, trata-se de uma categoria passível de especificações por saberes especializados.
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Tratando do patrimônio cultural como apropriação e perda, assinala-se finalmente
que:“A história, assim como a antropologia (...), desempenha um papel importante
na articulação das narrativas nacionais sobre patrimônio cultural. No entanto, enquanto antropólogos, historiadores ou folcloristas, escrevem textos de descrição e
análise de sociedades, culturas, instituições, rituais, etc., aqueles que lidam
pragmaticamente com o chamado ‘patrimônio cultural’ dedicam-se às práticas
de colecionar, restaurar e preservar objetos com o propósito de expô-los para
que possam ser vistos e preencham as funções pedagógicas e políticas que
lhe são atribuídas. Desde seu começo enquanto um gênero cultural nas sociedades modernas, desde fins do século XVIII e inícios do século XIX, as chamadas
práticas culturais de ‘preservação histórica’ têm estado voltadas para a identificação, coleta, restauração e preservação de objetos culturais no sentido geral deste
termo (Bann 1984; Lagarde, 1979). Estes podem ser pensados como parte de um
‘sistema de objetos’ (Baudrillard 1968) cujo papel no processo de formação de
identidades de grupos e categorias sociais nas modernas sociedades ocidentais
tem sido discutido por vários autores” (Santos Gonçalves, 1996, p.21-22). (Grifo
nosso).
Políticas culturais, preservação da memória e revitalização
urbanas – um projeto de desenvolvimento urbano?
Neste item, trata-se das políticas culturais relativas às intervenções urbanas que
buscam a preservação da memória e a revitalização urbanas, tendo em vista a
possibilidade de se estruturar um projeto de desenvolvimento urbano. Desse modo,
tecemos alguns comentários sobre as legislações urbanísticas / culturais na cidade
do Rio de Janeiro, bem como dos projetos urbanos a partir da década de 1980,
denominados de projetos de “preservação” / “revitalização” / “requalificação” ou
“reabilitação” urbanas.
Recentemente, mediante a preservação do patrimônio cultural, o tema da memória vem assumindo relevância nas políticas culturais da metrópole do Rio de Janeiro. Contudo, visando contextualizar, de forma sintética, os antecedentes dessas
políticas, interessa salientar alguns aspectos da ação do poder público nos últimos
cem anos. Portanto, no início do século XX grandes projetos e intervenções urbanas
passaram a transformar a fisionomia da cidade-capital do país, mormente na área
central e seus arredores. Pode-se afirmar que, grosso modo, no período delimitado
pelo início do século XX até meados da década de 1970, as políticas públicas de
intervenção no espaço físico da cidade do Rio de Janeiro pautaram-se por uma
atuação nitidamente de renovação urbana23 . Desde o final da década de 1970,
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entretanto, verificou-se uma mudança nessa atuação, desencadeando-se outro
período, fundamentado em políticas urbanístico-culturais de “preservação” /
”revitalização” urbanas24 .
Desse modo, a partir da década de 1980, mediante a implementação do Projeto
Corredor Cultural, legislação urbanística / cultural precursora, a prefeitura da cidade
do Rio de Janeiro passa a atuar em projetos de “preservação”, “revitalização”,
“requalificação’ e/ou “conservação” urbana. A área central e outras centralidades
têm sido objeto de diversos planos e intervenções, sobretudo nas duas últimas
gestões administrativas, através da Secretaria Municipal de Urbanismo. Destacase a atuação da Secretaria Municipal das Culturas e da Secretaria Estadual de
Cultura na implementação de suas políticas que, de um modo geral, vêm se constituindo em investimentos significativos nas áreas centrais e apresentando algumas
ações nas áreas periféricas.
Desde meados da última década, essas duas secretarias municipais vêm exercendo tais atividades de acordo com os objetivos do Plano Estratégico da Cidade do Rio
de Janeiro e, seguindo uma tendência mundial no campo do urbanismo, enfatizam
aspectos da história e da memória urbana. Neste contexto, assinala-se a utilização
da cultura como instrumento de desenvolvimento econômico e da memória com
um papel relevante na criação de espaços diferenciados pelas suas especificidades
históricas consideradas como “suportes de memória”.
A respeito dessas políticas, destaca-se a legislação urbanística que prevê a
implementação das Áreas de Proteção do Ambiente Cultural – APACs; o Projeto de
Revitalização da Praça Tiradentes; o Distrito Cultural da Lapa25 e o Plano de Recuperação e Revitalização da Região Portuária. Tais exemplos abrangem trechos significativos da cidade e, com exceção do caso das APACs que extrapola os limites do
centro, referem-se a espaços contidos na área central da cidade. Considerando
que cada um desses projetos envolve uma atuação ampla e complexa no espaço
da cidade, cumpre observar que o patrimônio cultural urbano e, conseqüentemente, a memória da cidade, constituem, ambos, objeto de implementação de propostas ambiciosas que dificilmente poderão atingir os seus objetivos. Como é sabido,
também são amplos e complexos os problemas sociais que devem ser tratados
pela mesma gestão municipal que pretende implementar os “projetos de revitalização
urbana”. Pode-se complementar retomando a questão delineada no segundo item
deste texto, de que os projetos de “revitalização urbana” deveriam estar mais nitidamente relacionados a uma proposta de “desenvolvimento urbano” em sentido
mais amplo, abarcando a revitalização social, cultural e espacial, com igual profundidade nas ações relativas a cada uma delas.
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Na investigação dos aspectos da construção da memória urbana nas políticas culturais, as quais têm sido implementadas sobretudo nas centralidades urbanas,
cabe sublinhar que tais políticas constituem ferramentas essenciais de construção
dessa memória. Portanto, delineiam uma particular memorialística da cidade ao
inscrever no tecido urbano uma leitura que torna “memoráveis” alguns aspectos do
ambiente construído 26 . Esses trechos tornados “memoráveis”, certamente serão
reconhecidos por determinados setores, mas possivelmente não haverá uma
vinculação clara com muitos outros, portanto, a construção de identidade social
também ficará restrita a alguns setores da sociedade.
Finalizando, cabe enfatizar que a implementação de políticas culturais seletivas,
valorizando espaços específicos da cidade, reforça distâncias sociais, mas, por
outro lado, grupos sociais instalados nas áreas periféricas, mais pobres, com potencial de percepção dos chamados “homens lentos”, vêm apresentando reivindicações que podem estimular e, por vezes, transformar políticas27 . A apropriação
dessas reivindicações populares pelo poder público deverá ser analisada, com maior
aprofundamento, na busca da compreensão dos projetos de “revitalização urbana”
como projetos de desenvolvimento urbano, em sentido amplo e igualitário, conforme se observou no decorrer deste texto.
Carmen B. Silveira é doutoranda do Instituto de Pesquisa e
Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Notas
1
Buscamos reconstituir alguns aspectos da história do pensamento sobre a memória, através de Marcio SeligmannSilva, 2001; Márcia Mansor D’Alessio, 1998 e Henri-Pierre Jeudy, 1990 e 2001.
2
FERNANDES, Ana Cristina. “Revitalização de Áreas Centrais”, 2003.
3
SANTOS, Milton. “Salvador: centro e centralidade na cidade contemporânea”, 1995.
4
Conforme José Reginaldo S. Gonçalves. “A Retórica da Perda: os discursos do patrimônio cultural no Brasil”, 1996 e
“Autenticidade, Memória e Ideologia Nacionais: o problema dos patrimônios culturais, 1989.
5
SELIGMANN-SILVA, Márcio. A escritura da memória: mostrar palavras, narrar imagens, 2001, p. 92.
6
SELIGMANN-SILVA, Márcio. Op. Cit., p.101.
7
D’ALESSIO, Márcia Mansor. Intervenções da memória na historiografia: Identidades, Subjetividades, Fragmentos,
Poderes, 1998, p.277.
8
JEUDY, Henri-Pierre. Memórias do social, 1990.
9
JEUDY, Henri-Pierre, op. cit., 1990
Para uma discussão mais aprofundada a respeito dessa retomada da questão da memória como crucial para o
entendimento das políticas urbano-culturais recentes, ver Centralidades no Tecido Urbano: A Construção de Identidades e os Espaços de Memória. SILVEIRA, Carmen B., apresentado no Rio de Janeiro Conference – Historical
dimensions of the Relationship Between Space and Culture, 2003. Nesse artigo desenvolvemos algumas idéias de
Jacques Le Goff, Pierre Nora, Jean-Pierre Jeudy , em parte apresentado acima, entre outros.
10
Ver, a respeito, TYRWHITT, J., SERT, J. L., e ROGERS, E. N. The Heart of the City: towards the humanization of urban
life. CIAM 8. New York, 1952.
11
SILVEIRA, Carmen B. Centralidades no Tecido Urbano: A Construção de Identidades e os Espaços de Memória. Op.
cit., 2003.
12
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13
FERNANDES, Ana Cristina. “Revitalização de Áreas Centrais”, 2003.
14
SANTOS, Milton. “Salvador: centro e centralidade na cidade contemporânea”, 1995.
Contribuição do mestre apresentada no Seminário Pelourinho; o Peso da História e Tendências Recentes. Organização do Mestrado em Arquitetura e Urbanismo da Faculdade de Arquitetura da UFBa, em 1994. Texto publicado no
livro, Pelo Pelô: História, Cultura e Cidade, Marco Aurélio A. de Filgueiras Gomes (org.), PPG-AU/FAUFBA, EDUFBA,
2002.
15
16
Refere-se ao Pelourinho, trecho da área central de Salvador, tema central do Seminário acima mencionado.
17
No seu texto, Fernandes examina o centro da cidade de São Carlos, cidade Média do interior de São Paulo.
Referimo-nos ao livro publicado por TYRWHITT, J., SERT, J. L., e ROGERS, E. N. The Heart of the City: towards the
humanization of urban life. CIAM 8. New York, 1952.
18
19
Apud Campofiorito, Ítalo (1985). Muda o mundo do Patrimônio, p. 4.
Conforme José Reginaldo Gonçalves. “A Retórica da Perda: os discursos do patrimônio cultural no Brasil”, 1996 e
“Autenticidade, Memória e Ideologia Nacionais: o problema dos patrimônios culturais, 1989.
20
No texto aqui desenvolvido a respeito do patrimônio, estão sendo consideradas, basicamente, as idéias de José
Reginaldo Santos Gonçalves, apropriadas da sua tese de doutorado A Retórica da Perda - os discursos do patrimônio
cultural no Brasil, publicada em 1996; e as anotações da palestra proferida pelo mesmo autor na mesa redonda
intitulada “Patrimônio de Lúcio Costa”, sob a coordenação da Professora / historiadora Margarida de Souza Neves,
por ocasião do Seminário Internacional “Um Século de Lúcio Costa”, realizado de 13 a 17 de maio de 2002 no Palácio
Gustavo Capanema, Rio de Janeiro.
21
Em publicação recente, Françoise Choay (2001) desenvolve estudo específico sobre a questão do Patrimônio.
Considerando a emergência do Patrimônio Histórico na modernidade e identificando o seu surgimento a partir do
século XV sob a denominação de “antigüidades”, a autora relaciona monumento e cidade histórica, patrimônio
arquitetônico e urbano.
22
Refiro-me, aqui, às grandes reformas e/ou intervenções urbanas realizadas no decorrer do século XX, como a
“Reforma Passos”, o “arrasamento do Morro do Castelo”, a “renovação da área da Cinelândia”, a construção da
“Avenida Presidente Vargas”, da “Avenida Brasil” e da “Avenida Perimetral”, estas últimas incluídas entre as demais
obras de abertura de vias e conseqüentes desapropriações do período “rodoviarista”, das décadas de 1950 / 60.
Na década de 1950 também ocorre o “Arrasamento do Morro de Santo Antônio” e na de 1970a “Renovação dos
bairros do Estácio e do Catumbi”. Vaz e Silveira, 1998.
23
24
VAZ e SILVEIRA. Áreas Centrais, Projetos Urbanísticos e Vazios Urbanos. In: Território, nº 7, 1999, p. 57.
25
Este projeto foi parcialmente implementado sob a coordenação da Secretaria Estadual de Cultura.
Notas de aula da disciplina “História e Tempo”, do Programa de Pós-Graduação em História Social da Cultura.
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro / PUC RIO.
26
Como é caso das Áreas de Proteção do Ambiente Cultural - APACs e do Projeto Lonas Culturais, implementadas pela
Secretaria Municipal das Culturas.
27
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Arquitetura. Revista do IAB – Instituto de Arquitetos do Brasil, ano 29, nº 81. Rio de Janeiro, 1998.
VAZ, Lilian e SILVEIRA, Carmen B. Áreas Centrais, Projetos Urbanísticos e Vazios Urbanos. In:
RevistaTerritório, nº 7. Rio de Janeiro, LAGET/UFRJ, 1999.
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Márcia de N. S. Ferran
ATUANDO NA MARGEM
Projetos culturais participativos nos subúrbios do Rio e de Paris
Em contraste com a intensa circulação contemporânea de modelos internacionais de grandes
eventos e políticas culturais espetaculares, um aspecto ainda pouco analisado concerne a importância de iniciativas e processos culturais locais1 incidindo sobre subúrbios empobrecidos ou áreas
“peri-urbanas”, muitas vezes consideradas “espaços-problemas” 2 e associando argumentos
sócio-culturais a objetivos de revitalização urbana. Gozando de pouca visibilidade, estes tipos de
experiência vêm, no entanto, se multiplicando desde os anos 1980 na França, país tradicionalmente exportador de modelos e formatos nesta área e, durante os anos 1990, no Brasil, por sua
vez conhecido pela “importação” de modelos vindos do outro lado do Atlântico.
Introdução
Visamos neste artigo, a partir do estudo da experiência das Lonas Culturais
3
nos
subúrbios do Rio de Janeiro e da experiência da Friche culturelle Villa Mais d’Ici em
Aubervilliers- subúrbio de Paris, ilustrar modos particulares pelos quais agentes
sociais vêm contribuindo para uma certa “inclusão” dos subúrbios4 no “mapa” de
processos artístico-culturais, inaugurando novos modos de gestão, ao mesmo tempo que testemunhando etapas diferentes em cada contexto nacional. Os exemplos
foram escolhidos inicialmente pela conjunção de dois fatores em comum, o primeiro de ordem sócio-espacial – ambos, localizando-se em subúrbios carentes estigmatizados, reapropriam espaços e constituem tipos alternativos de equipamentos
culturais polivalentes; o segundo fator, de ordem do conteúdo propositivo, em direta
relação com o primeiro fator: em ambos os casos, os agentes sociais invocam esta
inserção sócio-espacial como elemento norteador de suas ações culturais e artísticas, sublinhando um canal permanente de diálogo com moradores e vizinhança.
Eles assumem assim, o papel de mediadores culturais se movendo num “campo
de tensões” estabelecido por mecanismos e margens-de-manobra frente a prioridades políticas em várias escalas.
Sem pretender uma comparação sistemática, a abordagem é feita considerando
relações atualizadas das dicotomias público/privado e centro/periferia e buscando
apontar desafios que se colocam a uma gestão cultural participativa face à conjunção contemporânea entre gestão urbana e política cultural.
Brasil: nova valorização da diversidade cultural
Presenciamos no Brasil, principalmente a partir de meados da década de 90 uma
fase de valorização da diversidade cultural do país, alçada ao paradoxal papel de
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bastião tanto da resistência à globalização, quanto de atributo “fetiche” para que o
país firme sua posição na nova rede mundial. Diferentes níveis de governos, sociedade civil e organizações não governamentais vêm desenvolvendo ações e traçando
planos que tomam como premissa o valor intrínseco de uma “miraculosa” e
abrangente noção de cultura, estabelecendo alianças e acionamentos simbólicos
de novos tipos. A recém-criada Secretaria de Apoio e Proteção da Identidade Cultural nos quadros do Ministério da Cultura composto no governo do presidente Lula
vem consolidar esta ênfase no seio do poder público nacional. Já no nível municipal, é significativa a recente valorização de heranças e elos ibero- americanos pela
prefeitura do Rio de Janeiro, que no ano 2000 promoveu uma série de eventos,
estampando o título de “Capital Íbero-Americana de Cultura”5 , ano em que, na
escala nacional, se produzia também o mega-evento “Brasil-500 anos”.
Se a articulação entre Estado e capital privado na área das políticas culturais ainda
predomina, uma frente original de organizações sociais vem surgindo a partir da
década de 90, visando a colocar em pauta uma noção mais antropológica de cultura e incluir demandas de setores populares da sociedade. Esta frente, ainda que
não organizada, revela iniciativas de agentes culturais isolados (ex: artistas plásticos que criam circuitos ou “galerias-móveis”) ou de coletivos de agentes sociais e
produtores culturais em meio a este contexto de “aposta no cultural” por parte do
Poder Público que, por sua vez, oscila entre discurso democratizante e modalidades
não participativas de gestão. Algumas vezes estas iniciativas acabam por transformar-se em políticas. Este é o caso do projeto cultural que trataremos a seguir,
localizado na periferia da cidade do Rio de Janeiro.
Co-gestão nas Lonas Culturais: entre Movimento Cultural e
Instrumento Político.
Lonas Culturais- a cultura como instrumento de transformação social é o nome de
um projeto da Secretaria Municipal de Cultura do Rio de Janeiro, através do qual
são construídos equipamentos culturais, com capacidade para um público de 400
pessoas, em estrutura metálica e lonas resinadas tensionadas e infra-estrutura de
apoio, cuja coordenação de atividades se faz em parceria com ONGs culturais dos
bairros em que se localizam. A prioridade é garantida aos subúrbios cariocas além
da Zona Oeste, havendo previsões de extensão a outros bairros carentes de qualquer equipamento cultural. As Lonas existentes, por ordem de criação, são as de
Campo Grande, Bangu, Realengo, Vista Alegre, Anchieta e Guadalupe. Embora pareçam circos as Lonas são permanentes.
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Anunciado inicialmente como experiência inovadora de democratização da cultura
e de práticas participativas de decisões sobre o espaço periférico da cidade do Rio
de Janeiro, recentes manobras políticas e rumos impostos à dinâmica destes equipamentos indicam que estas qualidades precisam ser compreendidas antes de
tudo como potenciais a serem garantidos permanentemente mais do que garantidos à priori. Vejamos então, nas palavras do documento elaborado pelo RioArte
(Instituto Municipal de Arte e Cultura) Projeto Lonas Culturais- A cultura como instrumento de transformação social, seus objetivos :
· Implantar uma rede regionalizada de espaços culturais de baixo custo e fácil
execução, em diversos bairros da cidade, reutilizando as lonas remanescentes da
RIO-92 6 .
· Atender a demanda por equipamentos urbanos de cultura nos bairros mais distantes da zona sul e da área central da cidade, horizontalizando e democratizando
o acesso ao produto cultural. O morador da zona oeste, por exemplo, gastava
aproximadamente uma hora se deslocando ao centro ou zona sul, para consumir
o produto cultural da cidade, hoje, as Lonas Culturais de Bangu e Campo Grande
suprem esta demanda.
· Incentivar a produção dos artistas locais. (a partir das Lonas Culturais, vários
artistas têm despontado para o mercado cultural formal da cidade).
· Viabilizar a formação de platéia através da Rede Pública Municipal de Ensino.
· Oferecer uma política cultural permanente a outras regiões da cidade, buscando,
inclusive, que o desdobramento destas ações resultem em ganho social.
· Resgatar a participação efetiva das comunidades atribuindo-lhe o necessário grau
de responsabilidade através da co-gestão, na produção e apropriação da coisa
pública (equipamento urbano de cultura).
O documento citado é acompanhado por uma síntese dos resultados obtidos com
a implantação das duas primeiras Lonas em Campo Grande e em Bangu, e ainda
um quadro expressivo de custos/benefícios7 . A presença deste quadro indica que,
apesar das intenções sociais do Projeto, ele só se fortalece a partir do momento
em que o “ganho social” se traduz em ganhos quantificáveis.
Podemos distinguir três grandes períodos no processo de construção das Lonas
Culturais. O primeiro período, de 1993 a 1995, inclui a fase inicial (que iniciou-se
em 1993 em Campo Grande) quando houve apenas a liberação e implantação das
lonas, vindas da Eco-92 para Campo Grande, Bangu e Realengo, e o começo do
repasse de verba mensal pela Secretaria Municipal de Cultura, a partir de meados
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de 1994. Nesse período também houve aumento de pedido de Lonas, concomitante
ao funcionamento e apropriação dos espaços pelas comunidades e a reivindicação
de mais infra-estrutura de apoio e serviços de urbanização. Este momento é marcado pela pressão mais organizada e pela “sensibilização” do RioArte tendo em
vista um apoio financeiro permanente, o que resultou na criação do projeto oficial
em 1996 e na configuração de uma “rede” de Lonas. Este apoio e visibilidade se
deram apenas à medida que o público do conjunto das Lonas alcançou 65 mil
pessoas, ultrapassando o público da Rede Municipal de Teatros, localizados em
áreas valorizadas da cidade. É neste instante que aquelas lonas, até então só
conhecidas pelo público dos subúrbios cariocas, despertam a atenção política, começando oficialmente a se integrar à Rede Municipal de Teatros e passando a se
chamar Lonas Culturais. Novas unidades começam a ser planejadas a fim de dar
continuidade ao circuito já existente, inspiradas no modelo circense proveniente da
Eco-92 e, ao mesmo tempo, oferecendo nova tecnologia de construção e infraestrutura de apoio, com camarins, salas de administração, banheiros e bar.
O segundo período cobre os anos de 1996 a 1998 e se inicia com a inclusão das
Lonas Culturais na Rede Municipal de Teatros e a criação do projeto Lonas Culturais
visando à formação de uma “rede” de Lonas. Este período testemunha o início dos
projetos de reforma das Lonas e projetos de reurbanização das praças onde se
localizam, como em Bangu (articulada neste caso também com a construção de
um viaduto) e em Realengo.
O ano de 1999 marcou o início da terceira e mais recente fase, com uma grande
divulgação na imprensa e multiplicação de público, o que contribuiu para que as
organizações conseguissem também o aumento de verba repassada. Através da
Câmara de Vereadores, criando uma emenda orçamentária, triplicou-se o valor
anual, que era de sessenta mil reais por Lona (o que representava cinco mil reais
mensais) em 1999, e passou a ser desde janeiro de 2000, cento e oitenta mil
reais. O aumento crescente do número de espetáculos e de espectadores foi
determinante para ampliação do orçamento público anual destinado a cada Lona e
se expressa nas estimativas oficiais8 , que indicam um público de 125 mil pessoas
nas cinco Lonas entre janeiro e julho de 2000, representando 50% do total de
público de toda a Rede Municipal de Teatros. Neste período foram inauguradas as
Lonas Culturais de Vista Alegre, Anchieta, e Guadalupe. Uma inovação deste nova
fase é a busca de parcerias com a iniciativa privada por parte dos dois agentes
principais, as ONGs e a Secretaria Municipal de Cultura. Um momento decisivo na
“visibilidade” do projeto se deu em abril de 1999, quando uma matéria na primeira
página do Caderno B do Jornal do Brasil anunciava: “SUCESSO SAI DA LONA- Sempre
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lotadas, as Lonas Culturais se firmam como palco alternativo de lazer e de cursos nas
Zonas Norte e Oeste”9 .
Semeando um processo: mobilização e união anteriores ao
sucesso
O sucesso no entanto não foi repentino, trazendo consigo uma história de reivindicação, um trajeto onde a participação da comunidade unida aos agentes culturais
locais organizados (posteriormente transformados em ONGs) foi decisiva para a
conquista daquele espaço. Tão importante quanto o Projeto Lonas Culturais, enquanto expressão de uma decisão política do governo municipal, foi o “projeto”
social que legitimou a sua existência, qual seja o de grupos de artistas que, desde
1989, vinha organizando ações em prol da construção de equipamentos culturais
em áreas periféricas da cidade mobilizando comunidades locais e a mídia.
Cabe resgatar brevemente a história de três grupos atuantes em diferentes momentos da conquista das Lonas. São eles: UGATZO, MIC e TÔ NA LONA.
A primeira Lona foi instalada em janeiro de 1993 em Campo Grande, devido à
preexistência do grupo UGATZO- União de Grupos e Artistas de Teatro da Zona
Oeste-, que já organizava espetáculos num teatro de arena sobre o qual foi montada a lona da “nave-mãe” da Eco-92, no contexto do início da gestão de César Maia
como prefeito. Não havia, naquele momento, nenhum apoio permanente financeiro da Secretaria Municipal de Cultura.
Um dos fundadores desta ONG, Ives Macena, havia passado pelo aterro do Flamengo
por ocasião da Eco-92 e avistado as coloridas “tendas” armadas. Com a bagagem de
um bem sucedido projeto chamado Circolar que dirigia em Divinópolis, MG, até 1986
com apoio do MEC (Ministério da Educação e Cultura), ele estava engajado na
revitalização do teatro de arena Elza Osborne10 em Campo Grande junto com uma
atriz fundadora do teatro. Desejavam aumentar suas possibilidades de utilização
através da cobertura do espaço ainda em arena. As Lonas lhes pareceram a solução
ideal, de instalação prática, baixo custo e o grande trunfo de parecer um circo.
Iniciado o caminho de requisição das lonas, uma informação importante veio logo à
baila: as tendas, estruturas em lona tensionada, que haviam abrigado os fóruns no
encontro internacional, haviam sido doadas por países estrangeiros com a instrução
de serem aproveitadas posteriormente em projetos sócio-culturais. Através da assessoria especial de gabinete do prefeito foram tomadas as primeiras medidas
para a doação da lona.
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Em 1994 uma audiência pública com a secretária de cultura, contou com a participação de um movimento de Bangu e o MIC (Movimento de Integração Cultural)
articulados para reivindicar novas Lonas. A segunda Lona foi instalada em Bangu,
após diversas manifestações dos dois grupos, e acabou sendo invadida por mendigos e marginais, uma vez que não havia sido fornecida nenhuma infra-estrutura de
apoio. Seguiu-se então um novo período de reivindicação pela construção de serviços de apoio, o que só veio a acontecer em 1995. A terceira Lona foi instalada em
Realengo, em 1994.
O Movimento de Integração Cultural-MIC, que coordena a Lona Cultural João Bosco
em Vista Alegre foi criado em 1989 com o “propósito de trazer um espaço alternativo” para o subúrbio e também de integrar os artistas, uma vez que, também
segundo o MIC, “o morador do subúrbio e principalmente quem lida com arte; eles
são muito desorganizados”. Em paralelo, as mesmas pessoas do MIC formaram o
grupo teatral “Mania-de-Palco”, que se apresentava na rua, em praças e escolas
públicas do subúrbio, pois era mais fácil chegar nas pessoas. O objetivo era chamar
a atenção da sociedade civil organizada e encaminhar pedidos de implantação de
equipamentos culturais e de lazer. Ao fim de cada apresentação o grupo fazia um
apelo à comunidade, tentando uma mobilização conjunta. O grupo compara sua
atuação a outros que atuam com arte em espaço públicos.
Em 1992, por ocasião da Eco-92 e a partir da previsão de disponibilidade das
lonas após o evento (divulgada pela imprensa na época), o grupo, em conjunto com
a UGATZO, começou a batalha pela instalação do equipamento. O espaço e a cara
da Lona eram considerados ideais para os propósitos das associações.
Em 1995, foi finalmente aprovada a construção da Lona de Vista Alegre. Porém, o
MIC teve ainda que “brigar” muito para garantir sua construção de fato, o que se
deu apenas em abril de 1999. Iniciou-se assim, um período de lobby político que
visava sensibilizar o chefe de gabinete do Rioarte para o potencial das Lonas nos
subúrbios. Para isso, o MIC se encarregou de levá-lo à Lona de Bangu num dia de
semana, quando ele presenciou um enorme público assistindo a um show. As
Lonas teriam sido assim “arrancadas à força” da prefeitura como um “cala-boca”
das constantes reivindicações.
No final do ano de 1996 com o processo político de mudança de gestão na prefeitura um “clima“ de insegurança teria se instalado no movimento quanto à continuidade do Projeto Lonas Culturais. No entanto, com a continuidade da mesma administração no RioArte, o Projeto ganhou maior vulto e o MIC também foi mantido na
coordenação da Lona de Vista Alegre.
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A história da Lona de Anchieta também conta com a atuação anterior de um grupo de
artistas do bairro, que haviam, por diversas ocasiões, tentado erguer um movimento
cultural mais contínuo (como teria sido o caso, no começo dos anos noventa, do
GCA-Grupo Cultural de Anchieta), até inaugurarem, em 1995, a Casa de Artes de
Anchieta. Nesta Casa, a partir de 1996, os talentos locais, até então dispersos,
passaram a se encontrar regularmente no projeto “Conversa Afinada”, que apresentava música, poesia, teatro, cinema e debates, num pequeno auditório.
Adaílton Medeiros, cujo pai havia construído o prédio sede da Casa em 1970,
agora à frente de um grupo que incluía amigos também produtores culturais, já via
com clareza o papel da cultura num bairro de subúrbio:
“Virar de cabeça para baixo a vida pacata e conformada dos moradores da
região e provar que ali, escondidos, existiam grandes talentos. Era preciso
promover positivamente a imagem do bairro, que só aparecia em jornais nas
páginas policiais, e atrair recursos através de parcerias com empresas e instituições para manter projetos e, ao mesmo tempo, elevar a qualidade de vida da
região. Se aquela localidade estava abandonada pelo poder público, se os
políticos só apareciam ali em época de eleições, se os próprios empresários
achavam suicídio fazer investimento ali, era óbvio que a auto-estima das pessoas estava lá embaixo. O único jeito era mudar de estratégia e usar armas
mais humanas para mudar tudo aquilo, as armas da educação e da cultura.”
(revista Lona Cultural Carlos Zéfiro, v.1, n.1, p. 4).
Com estas premissas, Adaílton começou a levantar discussões, já no final de 1996,
sobre a necessidade de um grande movimento para a conquista de uma Lona
Cultural em Anchieta, tendo como exemplo a recente aprovação da construção da
Lona de Vista Alegre, já dentro do Projeto com a Prefeitura. Com a adesão de
artistas e membros da comunidade local e adjacências, o movimento teve o suporte também de uma rádio AM e contou com apoio do tradicional bloco de arrastão
da região denominado Bloco do Boi em diferentes momentos de reivindicação junto ao poder público.
Para gerir a Lona foi criada uma organização não governamental chamada “Tô na
Lona” que englobou, além do núcleo inicial da Casa das Artes, vários artistas amigos, chegando a um grupo de vinte e três pessoas.
A história destes três grupos evidencia que as Lonas são um novo tipo de equipamento cultural que surgiu como se fosse “sob encomenda“ para necessidades
específicas através da demanda de grupos locais organizados; apesar de terem
aspecto circense, não são efêmeras nem itinerantes. Após implantadas as lonas, o
que as legitimou e identificou, num cenário marcado, entre outras carências, pela
quase ausência de equipamentos culturais, foi sua proposta de congregar atividades
diversas a partir de necessidades locais à presença de artistas consagrados11 e
abertura a bandas iniciantes. Alguns exemplos ilustram esta diversidade:
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· Lona João Bosco em Vista Alegre: Evento Suburbagem, com objetivo de atrair a
juventude em torno de espaço para novos grupos de rock, chega a reunir 500
pessoas trimestralmente. Forró na Lona, que acontece às sextas-feiras e tornouse um ponto de encontro entre várias gerações. Cursos vários como modelo e
manequim, capoeira, teatro infantil e dança para terceira idade, ciclo de palestras
sobre saúde familiar, público: 32.29912 .
· Lona Carlos Zéfiro em Anchieta: Projeto Conversa Afinada: encontro com estudantes da rede pública sobre temas específicos, projeto Cinema sem Tela com debate, festas comunitárias, projeto Natalino, etc., público: 14.690.
· Lona Gilberto Gil em Realengo: Curso de escultura em legumes, de teatro infantil,
variedades circenses, evento Conversa Fiada: debates abertos com presença de
convidados, público:17.504.
· Lona Teatro de Arena Elza Osborne em Campo Grande: vários projetos comunitários; Encontrar-se, Resgate, Entrelace, Coral, Grupo de Poesia, etc... Público:
20.693.
Uma das conquistas alcançadas pelo Projeto é a integração de objetivos sociais e
urbanísticos. Neste sentido, estes bairros de subúrbio, divulgados quase tão somente pelos índices de violência, passaram a ser respeitados como núcleos de
produção cultural. As praças e espaços públicos anteriormente abandonados foram
reapropriados pela população local.
Inversa e perversamente, o sucesso tem sido responsável, através da visibilidade
que acarreta, pela substituição de critérios democráticos por critérios clientelistas
no momento de escolha de novas localidades a receberem Lonas. Revela-se uma
tendência que apaga as raízes do projeto, tornando-o cada vez mais um instrumento de promoção política e não de transformação social, como pretende.
Neste processo estão presentes fragilidades e condutas de todos os atores envolvidos. Mas será realmente incontornável a oposição entre institucionalização e autonomia neste campo cultural? Serão estas ONGs “instrumentalizadas”? Sem dúvida há motivações explicitamente práticas que podem explicar a transformação de
certos grupos em ONGs, o que por si só mereceria um debate acerca da “legitimidade” destas organizações. Neste momento focaremos atenção em questões como:
Se já existe uma representatividade no bairro, que se mostra no momento de
reivindicação da Lona, quais os mecanismos que se colocam como inibidores de
uma mobilização mais permanente? Por que os grupos das diferentes Lonas, que
percebem uma necessidade comum a todos, não se unem frente ao Órgão Público? Quais são as possibilidades de autonomia?
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Embora seja por demais extenso diagnosticar toda a complexidade do quadro, cabe
sublinhar alguns elementos reveladores. Por parte do Órgão Público percebe-se
alguns fatores incongruentes com a proposta inicial:
· Os contratos são genéricos e pouco detalhados, deixando os grupos em constante
estado de insegurança. Sua duração de um ano desestimula, por sua vez, a elaboração de propostas de longo alcance, inclusive em termos estéticos, e inviabiliza
um dos objetivos do projeto que é o de oferecer uma política cultural permanente
a outras regiões da cidade, buscando, inclusive, que o desdobramento destas
ações resultem em ganho social.
· Sem prever e estimular a participação de grupos e conselhos populares no processo de escolha de bairros a receberem Lonas, e absorvendo demandas de
figuras políticas, fica solapada a almejada horizontalização e democratização do
acesso ao produto cultural. Esta perspectiva evidencia a deturpação do conceito
original do Projeto: o fato de serem equipamentos construídos apenas mediante a
reivindicação e mobilização de grupos da própria comunidade e estarem enraizados na cultura local.
· Sem estabelecer critérios transparentes para esta escolha o Projeto se enquadra
cada vez mais nos moldes de gestão de equipamentos culturais tradicionais, onde
os coordenadores são escolhidos dentro de um círculo fechado e elitista, dificultando também que propostas locais sejam contempladas, e impedindo que a cogestão se exerça de fato.
No que tange aos grupos coordenadores das Lonas, as fragilidades mostram-se
não menos complexas. Em primeiro lugar eles estão ligados ao órgão público, não
só pela cessão do equipamento físico mas também por uma dependência financeira. Este ponto torna-se crucial, uma vez que a verba mensal, considerada indispensável, na realidade significa um laço de dependência e cerceamento. Por um lado,
ele ocorre porque nem todos os grupos se articulam verdadeiramente para “captar”
verbas; por outro lado, aqueles grupos que já tinham experiência como produtores
autônomos e mais facilmente chegam a buscar outras fontes para compor seu
orçamento são submetidos à um controle do RioArte que “filtra” as possíveis parcerias de acordo com seus interesses, na prática inviabilizando qualquer movimento
de maior autonomia daqueles grupos. No sentido inverso, no entanto, o RioArte
busca parcerias com bancos como BNDES e com investidores no âmbito do Mercosul.
Outro ponto que emerge igualmente da questão financeira é a intermediação necessária de agentes políticos como vereadores para pressionar a liberação de verba, aprovada em audiências públicas. Este agente se torna uma “ponte” indispen-
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sável certamente com comprometimentos posteriores dos conteúdos propostos
por cada Lona.
Uma fragilidade importante diz respeito ao planejamento de ação. De modo geral,
os objetivos são imediatos, carecem de visão a longo prazo, ao que se alia um
temor demasiado da perda da coordenação da Lona, incentivado por contratos que
precisam ser renovados anualmente. Assim, as alianças, que necessariamente têm
de congregar visões partidárias diversas são evitadas, pois podem implicar em represálias por parte do poder público. Deste modo, um mecanismo fundamental no
primeiro momento, o de união de grupos de bairros diferentes, é abandonado após
a conquista do espaço.
O perfil artístico da composição dos grupos, embora seja a razão mesma de existência de todo o projeto se acompanha, no dia-a-dia do equipamento, de uma
carência de habilidades gerenciais. Com a tarefa principal de coordenar e dar vida
a um equipamento cultural polivalente, as tarefas administrativas e financeiras
significam um problema não facilmente contornado por equipes majoritariamente
formadas por artistas. Some-se a isto a já referida não autonomia para busca de
parcerias e patrocínios.
No que tange às programações artísticas, propostas independentemente em cada
Lona, alguns grupos apresentam uma tendência de privilegiar a realização de shows
de artistas consagrados (sem dúvida um “ingrediente” estratégico para inserir subúrbios carentes, desconectados do eixo valorizado, no “roteiro” de cultura e lazer
da cidade), em detrimento das programações cotidianas como cursos, palestras e
debates. Embora não presente em todos os grupos, esta tendência acarreta a
construção de uma imagem generalizada do projeto reduzindo as Lonas à concepção de “casa de shows”. Esta valorização da cultura como espetáculo se opõe e
dificulta a legitimação do potencial do projeto enquanto instrumento de transformação social.
Contexto Francês: o movimento dos “Espaços Intermediários”
O Ministério de Cultura e Comunicação da França lançou, em outubro de 2000,
uma pesquisa que tinha como tarefa mapear e estudar espaços culturais alternativos em toda a França que “escapavam”, numa primeira instância, ao planejamento
do próprio Ministério; eles ficariam conhecidos posteriormente como “espaços intermediários”. Uma parte considerável destes espaços são abrigados em friches
industriellles13 , que mereceram em seguida um programa especial do Ministério
num panorama de reconversão de antigas áreas industriais obsoletas para usos
culturais, onde se empregará também a noção de patrimônio industrial.
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Algumas condições prefiguram o contexto de sistematização das reivindicações de
agentes do meio artístico em direção aos espaços intermediários, até então sem
caráter organizado e fruto de ações isoladas14 . Como motivação, consolida-se como
argumento uma “impossibilidade de inventar novas aventuras nos lugares e práticas instituídas”. Enquanto conteúdo, a característica marcante é o deslocamento
da ênfase num “objeto” artístico autônomo e quase “cego” aos dados sociais reais,
à valorização da noção de “processos” em projetos que reivindicam natureza artística e profissional singulares. Conceitualmente, nota-se portanto uma importante
transformação, que diz respeito à uma redefinição da própria noção de campo
artístico.
Sob a chave mais abrangente de “espaços intermediários”, duas dimensões principais se articulam em torno do “fenômeno” Friches Industrielles: uma relativa ao
projeto cultural e outra relativa ao projeto urbano.15 Veremos em seguida como
estas duas dimensões se articulam e se anunciam através de um exemplo situado
na periferia de Paris.
Villa Mais d’Ici – friche cultural de proximidade
Em 1999, por uma indicação da prefeitura de Auberviliers, subúrbio próximo de
Paris, a companhia de marionetes gigantes Les Grandes Personnes ocupa os locais
disponíveis de antigos galpões da Compagnie des Entrepôts et Magasins Géneraux
de Paris, nos limites entre Aubervilliers e Paris. Sua ocupação dura 3 anos, após os
quais busca-se um novo local e novamente a municipalidade indica uma outra
“friche” industrial, porém pouco adequada às necessidades técnicas do grupo. Este
segundo espaço, vizinho a um conjunto habitacional já freqüentado por artistas foi,
no entanto, aproveitado por um outro coletivo de artistas.
Enfim, em 2003, a companhia Les Grandes Personnes se articula a outros agentes
culturais e, juntos, concebem um projeto para ocupação de um antigo depósito de
madeira e carvão do fim do séc. XIX, desocupado desde 1999 e pertencente a um
proprietário privado. Para gerir o projeto, funda-se uma nova associação sem fins
lucrativos chamada Villa Mais d’Ici, que deverá ser o organismo “âncora” administrador do contrato de aluguel do imóvel, além de captar outros parceiros investidores e selecionar os diversos ocupantes temporários e permanentes do espaço que
dispõe de mais de dois mil metros quadrados, contando com um pátio central
descoberto de 500 metros quadrados.
Com uma gestão associativa o projeto prevê a adesão de múltiplas parcerias para
se desenvolver: o proprietário privado do espaço, com o qual a associação propõe
um contrato de longa duração, nas condições compatíveis com a operacionalização
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do projeto; as companhias residentes, membros da associação que investirão no
correr do tempo sua energia e seus recursos; as coletividades territoriais, Cidade de
Aubervilliers, Comunidade de aglomeração, Conselho Geral de Seine-Saint-Denis,
Região da Ile-de-France, assim como o Ministério da Cultura e a Comunidade
Européia, aos quais é solicitado um apoio financeiro; as empresas locais e atores
econômicos privados, aos quais é solicitado um apoio sob forma de mecenato de
empresa; as estruturas e associações locais existentes (...) com os quais a Villa
Mais d’Ici pretende construir uma parceria durável. Além disto, a Villa Mais d’Ici se
inscreverá nas diferentes redes nacionais e européias, federando as friches
culturelles.1
Apostando no uso misto entre ateliês, escritórios e moradia, a nova associação
Villa Mais d’Ici, alusão à Vila Médicis -símbolo do mecenato artístico, esclarece as
intenções de seu projeto no dossiê de apresentação: trata-se de um “renouvellement
urbain à Aubervilliers”. Com o subtítulo de “friche culturelle de proximité”, o grupo
responsável enfatiza sua singularidade, a de se inserir no bairro Quatre-Chemins,
considerado “sensível” pelos critérios sócio-econômicos e a de abrir um canal permanente com os moradores. Esta não é, no entanto, uma tarefa simples: o bairro
é marcado por uma grande diversidade étnica, chegando a 30% de estrangeiros,
dos quais 80% são originários de países fora da Comunidade Européia - as origens
mais presentes são magrebinos, africanos e asiáticos. A taxa de desemprego ultrapassa 33%.2 De vocação comercial historicamente, concentra hoje muitos conjuntos de habitação social, que estão recebendo renovação, já que a grande maioria
data de antes de 1975, sendo que alguns estão sendo demolidos devido à condições insalubres. Neste quadro de carências sociais e urbanísticas, o projeto se
insere nas prioridades da Politique de la Ville 3 .
De iniciativa portanto associativa, o projeto não deixa de retomar alguns pontos
previstos no projeto não realizado da Cité des Arts, de iniciativa municipal no início
da década de 1990. As características e particularidades partilhadas e invocadas
pela equipe proponente como formadoras mesmo da originalidade da associação
são: “uma forte ancoragem local, um engajamento importante na vida cidadã e
cultural de Aubervilliers; uma disposição de intervir no espaço público e no espaço
social; uma abertura sobre a cultura e as práticas sociais dos países do sul; uma
inserção nos meios culturais nacionais e internacionais” 4 .
Estas “disposições” serão reiteradamente acionadas pelos diferentes agentes por
nós entrevistados, numa busca de legitimação da função artística num subúrbio
“de memória e de perspectivas onde comunidades vindas do mundo inteiro buscam trocar e se integrar, cujos artistas buscam se exprimir, inventar uma nova arte
de cidade”.
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Sobre como se define uma friche culturelle de proximité os objetivos são: “um lugar
de trabalho e de invenção pluridisciplinar, um lugar de difusão e de trocas
interculturais, um lugar de desenvolvimento de práticas participativas aberto ao
bairro e à cidade.”
Devido ao equipamento já existir concretamente, assim como os grupos fixos e
associações “âncoras” de trabalho, a ocupação do espaço se iniciou antes mesmo
da definição total das parcerias para investimentos. O orçamento prevê somente
para obras de adequação técnica do local 560.000 euros. As fontes previstas são
mecenato, Comunidade Européia e coletividades territoriais, além da renda dos
produtos e espetáculos.
Atraindo grupos de áreas artísticas diversas, a gestão da friche se caracteriza por
articular a função “exposição” à função de moradia. Assim, a presença constante
de artistas, produtores culturais-inquilinos do espaço, embasa quase sempre o
argumento da inserção no bairro, que pode se acompanhar da ênfase numa postura estética ligada ao “processo” mais do que à obra-de-arte como um fim:
“Eu queria dar novo rumo à minha situação pessoal e profissional e queria criar
um lugar coletivo onde, ao mesmo tempo, pudessem morar em conjunto pessoas que têm vontade de fazer coisas no meio artístico. Então, a idéia era que
cada um tivesse seu espaço mas, sobretudo, que houvesse uma estimulação
entre todo mundo (...). Em relação à Villa, o que me interessa é realmente
produzir eventos culturais, a parte de difusão e o fato que já existam salas de
espetáculos disponíveis e espaços como o grande pátio central.” (produtora
cultural da Associação Ethnoart, sediada na friche)5
Eventos menores também já foram organizados, como um encontro paralelo ao
segundo Fórum Social Europeu que recebeu o nome de Fórum Social Local. Eventos de bairro também já começam a ser divulgados. Podemos citar como exemplos
da diversidade de programação:
· Ateliês e estágios abertos ao público: marionetes gigantes e eventos festivos urbanos. Teatro: clown, comédia del’arte, de apartamento. Escritura teatral. Figurino
de Teatro. Artes plásticas e ilustração. Fotografia. Som e vídeo.
· Encontros e eventos: Domingos Xenófilos: organizado pela associação Ethnoart,
residente na friche com os seguintes objetivos: “Ilustrar a riqueza e complexidade
de uma dada cultura e oferecer um novo olhar sobre as pessoas que dela provêm;
abalar os estereótipos e preconceitos, desenvolver a escuta, o diálogo e a tolerância, oferecer aos habitantes locais provenientes de comunidades concernidas um
espaço de expressão e reconhecimento. Propor um quadro etnológico em torno
de várias expressões artísticas oferecendo aportes intelectuais interdisciplinares”.
Guinguettes d’ici: organizado pela coordenação da Villa Mais d’Ici, a fim de proporcionar encontros conviviais e festas familiares dos habitantes. Conferências do
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Fórum Social Local, organizado pelo Fórum Social Local a fim de estimular a
participação dos habitantes na vida local. Carnaval cosmopolita: Desfiles festivos
anuais pelas ruas da cidade com figurinos, marionetes gigantes, música.
· Espetáculos, Projeções de filmes, Ensaios de Circo (atividades previstas após
finalização das obras de arquitetura necessárias)
Uma outra característica enfatizada pelos coordenadores do projeto é uma certa
independência da prefeitura, que deve contribuir com pequena parte de financiamento embora tenha dado seu “aval” para o caráter social embutido na proposta.
Esta certa ambigüidade emerge na fala do vice-presidente da associação, também
responsável pela formatação do dossiê público do projeto:
“De nossa parte, nós não tivemos de jeito algum a lógica de perguntar : o que
é financiável atualmente? e daí propor algo nestes termos. Nós não partimos
de uma estratégia oportunista. Logo de princípio, constituiu-se um coletivo que
se perguntou o que as pessoas queriam fazer e quais as sinergias que se podia
construir (...) Nossa atitude foi completamente outra. (...) Talvez entre as coisas
que nós queremos fazer e que a prefeitura poderia financiar, eu acho que há
uma dimensão importante que é a de proximidade. Nós somos uma friche,
porque multidisciplinar, e há todo um lado de competências artísticas, mas nós
temos realmente a intenção que seja de proximidade (...) Nós queremos estar
abertos ao bairro, concernir os habitantes, convidá-los a vir aqui, propor estágios. O fato que Aubervilliers seja uma cidade cosmopolita com muitas comunidades étnicas diferentes: nós não somos indiferentes a isto, nós queremos
fazê-las comunicar com os artistas, isto é parte integrante do projeto ! E esta
dimensão de proximidade, é uma coisa que a prefeitura deve financiar, deveria
financiar porque nós assumimos como uma delegação que contribui à dinamizar o bairro, contribui a renovação urbana, algo que deveria à princípio concernir
a prefeitura...”6
Iniciando em 2004, seu segundo ano de funcionamento, a iniciativa parece se
diferenciar de outras friches de Aubervilliers, também “nascidas” durante os 1990
porém mais voltadas para a criação artística contemporânea (Les Laboratoires
d’Auberviliers, 1994, Art Liquide). Somente a médio prazo poderemos analisar os
verdadeiros impactos do projeto cultural.
Contextos diferentes e processos semelhantes?
Após esta exposição condensada dos dois projetos, tentaremos agora levantar pontos de análise, num duplo movimento do local ao global, observando como a cultura hoje se coloca como ponto de interseção, num campo que poderíamos chamar
de “intermediário” entre social e arte.
Mediadores, redes, motivações e trajetórias
Tanto nos subúrbios do Rio de Janeiro quanto no subúrbio de Paris temos como
pano-de-fundo o contexto antropológico delineado pelo fato de que, ainda com os
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limites uma rede informal de cooperação7 , os espaços citados têm sido vividos
enquanto fóruns de encontro artistas-população. Em paralelo a esta rede social,
uma rede espacial se estabelece atuando como condição indispensável na dinâmica de programação e divulgação das Lonas, ou como horizonte desejável na Villa
Mais d’Ici. Estas redes são “tecidas” por pessoas que têm um potencial de mediação cultural. Ao transitarem em diferentes atividades e participarem de grupos cada
vez mais diversificados no cotidiano urbano, elas concentram um poder de “portavoz” entre camadas sociais na maior parte do tempo isoladas. Gilberto Velho e
Karina Kuschnir num trabalho sobre mediação e metamorfose enfatizam que:
“...os mediadores, em princípio, são importantes agentes de mudança da organização social, nos termos de Raymond Firth (1951). A partir do cotidiano, de
decisões e ações localizadas, de alterações e invenções de papéis sociais,
desenvolvem projetos, criam novos espaços, inovam e redefinem situações.
Em sociedades onde individualismo e holismo aparecem em combinações híbridas, o mediador, por todas as suas características, expressa dramaticamente
as tensões e conflitos entre essas visões de mundo”. (Velho e Kuschnir, 1996:
105) 8
Este é o caso dos artistas e produtores culturais envolvidos nos dois projetos aqui
citados, que circulam por vários bairros de subúrbio e do centro e, ao mesmo
tempo, se relacionam com pessoas do poder público que, por sua vez, possuem
acesso a decisões sobre investimentos tais como equipamentos culturais públicos.
Seus projetos invocam palavras-chave bastante semelhantes: “artistas locais, ganho social, cultura como instrumento de transformação social” no caso das Lonas e
“proximidade, ancoragem local, invenção pluridisciplinar, trocas interculturais,
sinergias” no caso da Villa. Ao se singularizarem como “instrumento de transformação social” ou como “friche culturelle de proximité” deflagram uma multiplicidade
de associações simbólicas e de papéis acionados em graus diferentes pelo Poder
público, pelo meio artístico e pelos potenciais financiadores.
Se em ambos os contextos há um desejo expresso de partilhar a “produção cultural” com a população vizinha, os graus deste partilhar são diferentemente expressos pelos componentes dos grupos franceses e dos grupos brasileiros. Talvez este
seja mesmo o ponto mesmo mais agudo e mais complexo de contraste entre as
duas realidades, já que emerge de processos históricos pautando sobre valores
educacionais e sobre concepções filosóficas particulares em cada país. Dois campos principais neste sentido merecem ser destacados: a instituição escolar
(L’éducation Nationale, o famoso ensino público francês) e o valor da arte na concepção Republicana da França (conhecida nos atuais debates sobre liberalização
de mercados culturais como l’exception française). Com “capital cultural”9 (Bourdieu,
1979) mais homogêneo, quase todos os componentes franceses apresentam diplomas em áreas artísticas ou em técnicas de espetáculo, ou mesmo curso de pós-
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graduação, apresentando um alto nível de articulação teórica que confere uma
grande autonomia nas “negociações” com outros agentes. Vindos de disciplinas
artísticas e técnicas especializadas, os componentes dos grupos alcançam uma
divisão de tarefas segundo competências específicas, otimizando a gestão. Em
contraste, no caso dos agentes presentes nas Lonas, apresentam trajetórias mais
heterogêneas, prevalecendo a combinação entre nível universitário incompleto aliado à ensino autoditada em artes. Contando normalmente com colaboradores voluntários da vizinhança mais ou menos temporários, acabam por acumular várias
funções e lidam por isto mesmo, com a população vizinha “público-alvo” com uma
perspectiva mais horizontal. Neste sentido parece haver um desnível conceptor/
receptor menor do que no caso francês.
Entre público e privado, entre nacional e local:
margens de manobra
Derivando de contextos nacionais totalmente diferentes em matéria de política
cultural, em ambos os casos o debate se estabelece aludindo a processos de
institucionalização e uma certa contradição entre discurso e prática por parte dos
agentes sociais envolvidos, que embora reclamem a independência política e artística dos projetos, operam num consenso legitimador do papel preponderante do
Poder público no setor cultural, muitas vezes acionando para isto, o espaço do
“sócio-cultural”. No caso da França o resultado do Rapport Lextrait sobre as friches
culturelles pondera:
“A nova dinâmica não é fruto de uma política de animação dos territórios, mas
de uma urgência política e poética de reinscrição do artista na cité, vivida e
revelada pelos próprios artistas. Isto que é trabalhado por esta nova forma de
engajamento de artistas e das populações é uma outra definição de arte.” 10
A abordagem estética propriamente dita se coloca num quadro de questionamento
do papel da arte e reatualiza as práticas do campo inaugurado pelas políticas culturais dos anos 70 relativo ao “sócio-cultural”, em permanente jogo de remetimento
ao puramente artístico. Neste sentido, na França, o novo dado parece estar não no
caráter original dos projetos culturais, visando espaços intermediários mas, antes,
na sua grande quantidade e no fato de se inscreverem territorialmente nas cidades,
redirecionando a atenção para áreas periféricas ou marginalizadas e enfim usando
esta “inscrição” como argumento de legitimação. Outrossim, embora merecendo
atualmente suporte dos agentes públicos, estas iniciativas dependem de ações
locais, independente das medidas de Descentralização, empregadas pelo Secretariat
d´Etat au Patrimoine et à La Décentralisation Culturelle: “Quase sempre, o modo
de apoio associado a esta iniciativa do político se inscreve à margem da política
cultural majoritária: pode-se qualificá-la de intermediária” ou ainda “Mesmo no
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caso onde as coletividades locais são as mais implicadas...é a margem para sustentar a margem...nós estamos em matéria de descentralização cultural, face à
primeira onda de projetos que não terão sido antecipadamente legitimados nacionalmente pelo Ministério da Cultura”.
Se preliminarmente a existência de políticas culturais para subúrbios não é objeto
de consenso, muitos estudos-de-caso vêm apontando a relação entre políticas
públicas ditas de “discriminação positiva” e o papel da cultura. Ao centrar sua
abordagem sobre a presença multicultural ZOIA (1997)11 percebe que:
“A ação cultural em subúrbio coloca em cena uma filosofia e valores à partir dos
quais conjugam-se duas idéias: a integração pelo poder político (os valores
clássicos do desenvolvimento e da arte cultivada) e, neste últimos anos, a
integração pela comunidade cultural (pluralismo cultural). As iniciativas sobre
este plano são então de duas ordens: fazer penetrar a cultura no subúrbio e
fazer emergir e reconhecer uma ou várias culturas específicas”(op.cit, p.147.
tradução nossa)
Se guardarmos como elemento decisivo do contexto de emergência de políticas
culturais nos subúrbios a implantação da Politique de la Ville em 1981, no nível
nacional, e se levarmos em conta a análise de Donzelot (2003)12 , segundo a qual
os mecanismos utilizados por esta “missão” para “fazer sociedade” privilegiam mais
uma qualificação do território do que uma emancipação do indivíduo, podemos
detectar as superposições, mas igualmente as lacunas de uma ação pública na
cultura, nascida sob os auspícios de tal “missão interministerial”. As superposições
dizem respeito aos vários registros utilizados por diferentes ministérios que passaram a financiar ações culturais locais, ao perceberem a cidade e seus problemas
sociais como um objeto necessariamente multidisciplinar. Dialeticamente, as lacunas emergem justamente de um uso generalizado, de uma “culturalização”
indiscriminada que acaba por colocar em xeque uma verdadeira autonomia do
cultural. A nosso ver, são justamente estas lacunas que configuram e possibilitam o
espaço de ação dos grupos e coletivos aqui citados.
Assim, na França, uma margem-de-manobra não desprezível emanando do cidadão se configura através do meio associativo, bastante desenvolvido e pautado por
uma Lei específica criada em 1901. Esta Lei, no entanto, durante o período pósguerra, havia proibido o direito de associação aos estrangeiros, sanção que só foi
derrubada em 1981. A partir de então, nos subúrbios empobrecidos, é o meio
associativo que iria catalizar iniciativas que contemplam a diversidade cultural, agindo
como um complemento da política cultural municipal e recorrendo a diferentes
possibilidades de financiamentos interministeriais e em várias escalas de governo,
abertas pela Politique de la Ville, não isenta de intenções de integração à cultura
francesa. No caso de Aubervilliers, quase 50% das iniciativas culturais partem de
associações ligadas às comunidades culturais estrangeiras presentes na cidade.
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Da mesma maneira os agentes da associação Villa Mais d’Ici, ao sublinharem a
relação com a população local multicultural do bairro Quatre-Chemins, acabam por
responder a um forte critério para os financiamentos de projetos sócio-culturais no
contexto da Politique de la Ville. Esta “potencialidade” fica então latente.
No Brasil, ao contrário da França o campo da cultura não tem um aporte estatal
consolidado, tendo sido paulatinamente delegado ao setor privado, processo que
alcançou o auge nos anos 1980 e 1990, através de leis de incentivos fiscais beneficiando empresas que promovessem áreas artísticas e culturais. Neste contexto, a
experiência das Lonas Culturais acaba por tornar-se modelo para uma Política Cultural Nacional de pouca tradição incitativa e, por isto mesmo, sem as vantagens e
desvantagens de uma Política Cultural tida por centralizadora, como a Francesa.
Sua observação expõe as potencialidades e os limites de associações entre sociedade civil organizada e Poder público. De fato, a trajetória deste projeto, do anonimato dos subúrbios a “estandarte” da política cultural municipal, ilustra os mecanismos e motivações dos agentes sociais e políticos envolvidos, em constante dinâmica ao longo do tempo. Recentes trocas de grupos coordenadores impostas pela
municipalidade revelam as indefinições e contradições de seu estatuto ambíguo,
situado entre projeto cultural comunitário e competência de instituição pública.
Interfaces
Em termos urbanísticos, o projetos sublinham novas interfaces entre revitalização
urbana e política cultural, entre público e privado, entre centro e periferia.
O primeiro nível de interface, entre revitalização urbana e política cultural, se dá no
sentido inverso de processos recentes que têm articulado função cultural, resgate
social e renovação urbana, apelando maciçamente para o caráter fetichizado da
cultura, onde o homem tem cada vez menos participado das decisões de seu espaço consagrando-se um espectador da vida tornada espetáculo13 .
O segundo ponto de interface da criação destes novos tipos de equipamento cultural, com gestão participativa indica a necessidade de reavaliação da relação público-privado, e pode ser ilustrado pela implantação das Lonas em espaços públicos,
geralmente praças ou parques. Apesar de serem públicas, as praças anteriormente
eram freqüentadas apenas por pequenos grupos, devido à imagem deteriorada, à
presença de grupos marginais, à ausência de policiamento, além da falta de mobiliário urbano adequado. O espaço público, nestes casos, era percebido mais como
“espaço de ninguém” do que como “espaço de todos”, de utilização quase particular ao invés de coletiva. Apenas a partir da construção de um equipamento, e da
sua apropriação participativa por parte da população, houve uma melhoria física e
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de imagem das praças, um aumento da “auto-estima” da população moradora dos
bairros e, conseqüentemente, ampliação e democratização do acesso, possibilitando uma efetiva utilização pública e coletiva. Tendência semelhante pode-se perceber na Villa Mais d’Ici, onde um espaço de estatuto realmente privado, anteriormente em estado de desativação e testemunhando um passado industrial revoluto,
passa a “abrir as portas” e a receber moradores da vizinhança que começam a se
apropriar ainda timidamente deste equipamento sui-generis.
No terceiro processo de interface há uma crescimento “contagiante” entre centro e
periferia. O projeto das Lonas é o primeiro a oferecer um equipamento cultural fixo
com programa especificamente cultural no subúrbio do Rio de Janeiro, o que por si só
indica uma mudança de arranjos entre centro e periferia da cidade. De fato, em
gestões democráticas de grandes metrópoles14 , o maior desafio têm sido reverter o
antagonismo centro-periferia como estigma social e cultural. A esta reversão
corresponde uma fusão entre modelos globais e traços locais, uma composição ou
ainda uma certa “contaminação centro-periferia”15 (no caso dos pequenos centros
culturais construídos nas banlieues de Paris após a inauguração do grande centro
cultural Georges Pompidou, o famoso Beaubourg na área central da capital francesa).
Desafios
Em que medida então podem estes projetos escapar a uma espetacularização da
cidade como um todo e a uma certa estetização da miséria16 , quase sempre presentes nos modelos internacionais de grandes eventos e políticas culturais? Acreditamos que apenas na medida em que continuarem dando espaço para participação dos moradores locais, dentro de rede de cooperação e fugindo do monumental
! Pela conjugação da participação e da arquitetura alternativa e polivalente (circo no
caso das Lonas e fabril no caso da Villa), que remete à memória do subúrbio e
assim se encontra na esfera do cotidiano17 .
Ambos os fatores, nos parecem formar a originalidade e especificidade da propostas aqui apresentadas. Se eliminarmos um ou outro não teremos efeitos sociais
dinâmicos nem efetivo papel edificante da cultura, mas apenas sua reificação.
Sem a participação do “local” teríamos um morador da periferia mais uma vez à
mercê das decisões das esferas dominantes sejam elas na cultura ou no urbanismo. Por outro lado se eliminarmos o aspecto simbólico dos espaços, ou se forem
construídos apenas grandes teatros cairemos na ‘armadilha do monumental’, que
tende a patrimonializar e museificar qualquer manifestação cultural que engloba.
Portanto para o gestor urbano em subúrbios com as características descritas aqui,
a busca de um lugar e de uma programação que atraiam a diversidade de culturas
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Friche Villa Mais d’Ici, Aubervilliers.
Friche Villa Mais d’Ici, Aubervilliers.
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Lona Cultural Vista Alegre, Rio de Janeiro.
Lona Cultural Anchieta, Rio de Janeiro.
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presentes será um desafio. Desafio tanto maior tendo em vista a própria diferença
cultural quase sempre existente entre conceptores e receptores da política urbana.
Os habitantes deverão também sofrer todas as conseqüências das mudanças de
interesse dos agentes decisores (na França operando no contexto das Politiques de
la Ville, Contrat-de-Ville e recentemente no contexto das grandes operações de
reconquista das “friches industrielles”) além dos “efeitos” peculiares ligados ao
poder simbólico próprio do campo cultural.
Neste quadro, o papel dos “sujeitos-coletivos” na gestão de processos culturais se
faz tão ou mais importante. A partir das associações civis se estabelece, em paralelo ou em complementação a uma suposta política cultural institucional, o que
poderíamos chamar de ação cultural “de baixo-para-cima” (em relação aos agentes decisores tradicionais) ou ainda “da periferia para dentro” (em relação aos
conteúdos 18 tradicionalmente abrangidos) marcada por uma pluralidade cultural
intrínseca ao tecido social urbano. Ela simboliza uma “salvaguarda” face a
personalismos políticos possíveis numa política cultural municipal19 e aos riscos de
cooptação pelo Poder público, enfraquecedora de esforços coletivos já empreendidos, que se revelam uma constante à medida que o projeto ganha visibilidade.
Márcia de N. S. Ferran é doutoranda da Universidade de Paris I – Pantheon / Sorbonne.
Notas
1
Com efeito isto se deve também à hiper valorização de uma concepção materialista de cultura; assim esquece-se
quase sempre que a “fabricação” da cultura, no sentido antropológico começa na escala micro, local. Mas se
levarmos em conta o exemplo Francês que conseguiu se impor como referência de Política cultural nacional, vemos
como ela nasceu num contexto de preocupações nacionalistas por um lado e de preocupações de reafirmação face
à uma imagem internacional por outro lado.
2
Sem entrar aqui numa análise histórica pormenorizada partimos do princípio que o subúrbio empobrecido é o espaço
modelo de diversas diásporas modernas e contemporâneas, a conjunção mesmo da diversidade e dos desafios da
alteridade. O lugar que simboliza a busca humana eterna e desesperada por melhores condições de vida. Ele é por
tudo isto um fermento de inovações resultando da diversidade cultural presente. Um espaço-chave tanto para o
urbanista quanto para o antropólogo.
3
Este projeto foi objeto de pesquisa de mestrado entre 1999 e 2000 que resultou na dissertação apresentada ao
PROURB/UFRJ, intitulada Participação, política cultural e revitalização urbana nos subúrbios cariocas: o caso das
Lonas Culturais.
4
Guiada por diferentes agentes sociais, esta inclusão dos subúrbios, pode se dar sob várias modalidades de gestão
e parceria, das quais destacamos duas principais: 1) no contexto de grandes projetos inter municipais ou nacionais
“espetaculares” (multiplicando-se em festivais, capitais culturais Européias, Fóruns, etc) ; 2) através de projetos
socio-culturais locais mais perenes com gestão participativa. Iremos tratar aqui de exemplos da segunda modalidade,
partindo do princípio que muitas vezes estas modalidades são complementares num mesmo recorte territorial e
numa mesma gestão política.
5
Título concedido pela União das Cidades-Capitais Ibero-americanas (UCCI), por ocasião da XII Reunião do Comitê de
Cultura realizada em Havana em 1997.
6
Evento internacional, que reuniu entidades e organizações não-governamentais (ONGs) nacionais e internacionais
em torno do tema do meio ambiente e do desenvolvimento sustentável, realizado no Rio de Janeiro em 1992, mais
conhecido como Eco-92.
7
Além do custo de R$405.000,00, para construção, o RioArte paga às ONGs uma verba mensal, que em 2000 passou
de R$5.000,00 a R$15.000,00.
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8
Levantamento realizado pelo RioArte, levantamentos anteriores indicavam um crescimento de 23.371 em 1995 à
67.581 em 1997.
9
Matéria publicada no caderno B do Jornal do Brasil, sexta-feira, 23 de abril de 1999.
Inaugurado em 1958 como Teatro de Arena com formato originalmente “grego”, era parte integrante do Teatro Rural
do Estudante, e fruto da idéia implantada por Pascoal Carlos Magno, que defendia a criação de núcleos de teatro
em todo o Brasil. Este teatro inicial é assim contemporâneo à criação do Teatro de Arena em São Paulo, movimento
em oposição ao TBC (Teatro brasileiro de comédia) abrindo espaço para novos atores e dramaturgos. Encontravase desativado desde a década de 80, após ter sediado a Comlurb na década de 70.
10
11
Cabe destacar que de todas as manifestações é a música que congrega e atrai maior quantidade de público.
12
De acordo com levantamentos do RioArte para meses de janeiro a junho de 2000, incluindo aí público dos shows.
Conforme patente no número dedicado à Ré-génération, du patrimoine à l´objet. Revista Architecture IntérieureCREE, jan-fev 2002. França.
13
14
Friches industrielles, lieux culturels. COLLOQUE DE LA LAITERIE. La Documentation Française, 1993.
Relação esta embasadora no caso da Friche La Belle de Mai conforme visto em NOUVEL, J. 1995. Un projet culturel
pour un projet urbain. Friche la Belle-de-Mai.
15
Dossier de partenariat. (juin 2003). Villa Mais d’Ici. Renouvellement urbain à Aubervilliers : une friche culturelle de
proximité. p.11
16
17
Fonte : Observatoire social de la ville d’Aubervilliers, 1999.
Efetivamente, é a implantação da chamada “Politique de la Ville” no âmbito nacional que iria lançar novas
esperanças para Aubervilliers, assim como para outras cidades “desfavorecidas”. Para cada uma delas seria feito,
através de seleção de candidaturas, um “Contrat de Ville”, que outorga financiamentos específicos do Estado,
mediante metas definidas num prazo de quatro anos. A tônica destes contratos recai sobre um misto de “discriminação positiva” e descentralização. Sua implantação foi decorrente e visava reverter um contexto de vários episódios
de violência urbana e revoltas concentradas em bairros de habitação social de cidades médias da França no fim dos
anos 70.
18
Dossier de partenariat. junho 2003. Villa Mais d’Ici. Renouvellement urbain à Aubervilliers : une friche culturelle de
proximité. p.9
19
20
Entrevista realizada em 10/11/2003 na Villa Mais d’Ici.
21
Entrevista realizada em 07/01/2004 na Villa Mais d’Ici.
Entendido na nossa análise, por aquilo que os antropólogos denominam rede de interações sociais ou “rede de
cooperação” conforme: Becker, Howard. 1982. Art Worlds. University of Califórnia Press.
22
23
Velho, Gilberto; Kuschnir, Karina. 1996. Mediação e metamorfose. Revista Mana, v.2, n.1,abr.
Conforme. Bourdieu, Pierre. 1979. La Distincion. Critique sociale du jugement. Les éditions de Minuit, Paris. Uma
análise das três formas de capital cultural elencadas por Bourdieu: corporificado, objetificado e institucionalizado;
no contexto de Aubervilliers e no contexto da Villa Mais d’ici seria sem dúvida fundamental para compreensão do
alcance das ações culturais propostas.
24
Lextrait, Fabrice. 2001. Lieux intermédiaires-une nouvelle époque de l´action culturelle. Rapport au Secretariat
d´État au Patrimoine et à la Decentralisation Culturelle. vol. 2, p. 2.
25
Zoia, G. (1997) "La mobilisation de réferences multiculturelles pour l’action dans les quartiers en difficulté". In :
Metral, J. 1997. (coord). Les aléas du lien social. Ministère de la Culture et de la Communication.
26
27
Donzelot, Jacques.2003. Faire Société. La Politique de la ville aux Etats-Unis et en France. Seuil, Paris.
Nos referimos aqui ao sentido atribuído por Guy Debord, contrapondo-se à participação. Debord, G. 1992. La
Société du Spectacle. Paris. Ed. Gallimard. (1a. ed.1967)
28
Conforme Marilena Chauí relata sobre sua experiência à frente da Secretaria de Cultura de São, em Chauí, Marilena.
1993. “Uma opção radical e moderna: Democracia Cultural”. Em: Revista Pólis, São Paulo, n.12.
29
30
Tendência prevista por Claude Mollard. 1979. "Le centre et la périphérie". En: révue Autrement. n.118, Paris.
31
Tendência criticada por Henri-Pierre Jeudy (1999) em Les usages sociaux de l’Art. Circe, Paris.
Compreendido aqui como oposto do monumental e também em referência à esfera analisada por Michel de Certeau.
1994. Artes de fazer: a invenção do cotidiano. Petrópolis: Vozes.
32
Infelizmente um procedimento desejável porém ainda raro para as ações culturais, é da pesquisa de demanda frente
aos moradores. Por contraste entre "política de oferta” praticada pela maioria dos serviços culturais e “política de
demanda” que identifica desejos e aspirações reais através de enquetes. Dicotomia percebida por Lucchini, F. 2002.
La Culture au service des Villes. Ed. Anthropos, Paris.
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Neste sentido, iniciativas inter-municipais parecem oferecer resultados mais perenes além de atualizarem o tema
das redes no que tange à função cultural.
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Ana Clara Torres Ribeiro
ORIENTE NEGADO
cultura, mercado e lugar
O desenvolvimento urbano predominante hoje ignora as relações ancestrais
entre espaço público, mercado e cultura. Desejamos mostrar que, no momento, o que importa
não é negar o mercado, propósito inútil e com pouca possibilidade de angariar adesões
entusiastas, mas, sim, negar o mercado que sustenta a denominada globalização perversa,
difusora massiva de ideologias. As relações históricas entre comércio, gestão e sociabilidade devem ser valorizadas. Essas relações, presentes na memória das classes populares,
alimentam a vida espontânea dos espaços urbanos.
O direito à cidade fundamenta-se no acesso à terra urbana, o que envolve sobretudo
a garantia da habitação. Historicamente, para as classes populares, a conquista
deste direito exigiu o enfrentamento de oposições expressivas das alianças das classes dominantes com os estratos sociais médios – nicho de origem dos profissionais
envolvidos com a construção da cidade e a regulamentação dos seus usos – e com
os poderes instituídos, responsáveis pelo controle social e pelos investimentos.
As marcas, os limites e os custos sociais deste enfrentamento podem ser reconhecidos na paisagem de tantas cidades européias, onde as pequenas ruelas e as
paredes irregulares – agora expurgadas das epidemias, das guerras, da miséria e
da fome – constituem um registro extraordinário da desigualdade social e do
confinamento oriundo de tantas radicais exclusões. Neste sentido, é suficiente
recordar, aqui, os bairros judeus da rede de cidades históricas da península ibérica;
o desesperante cemitério israelita de Praga e as mourarias. Além disto, os sempropriedade, como afirma Elizete Menegat (2003), foram sistematicamente excluídos da possibilidade de permanecer num determinado ponto da obra coletiva que
é a cidade (Lefebvre, 1969). Como recordá-los num período tão caracterizado pelo
ênfase nos objetos, na eficácia da matéria e por uma forma de adesão à imagem
que, em grande parte, exarceba as referências à pedra e omite a carne? E, também, por uma forma de manipulação técnica da imagem que, ao reconstituir virtualmente o passado e “completá-lo”, oculta a ação do tempo e, portanto, os limites
do próprio trabalho? Nas palavras de Simmel: “O valor estético da ruína unifica o
desequilíbrio, o eterno devir da alma que luta consigo mesma, com o contentamento formal, com a delimitação fixa da obra de arte. Por isso, onde não há mais
restos da ruína suficientes para fazer sentir a tendência à elevação, ela perde sua
sedução metafísico-estética” (s/d apud Souza e Oëlze, 1998).
Sem marcas e nem registros, os segmentos excluídos da cidade só podem ser
pensados pelo seu antagônico: a riqueza e a propriedade; as formas e os mode-
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los hegemônicos do direito e do urbanismo. Estas breves palavras visam, apenas,
assinalar o contraste entre as leituras politicamente necessárias da paisagem
urbana, que podem ser apoiadas pela atual valorização do patrimônio histórico, e
a informação geralmente estimulada pelo turismo e pela promoção cultural dos
lugares.
Transformados em atratores de fluxos de consumidores animados por promessas
de acesso à cultura, os ambientes urbanos preservados, higienizados e estetizados
por um gosto potencialmente único oferecem resistência à apreensão da vida de
relações que animava e articulava, explicando-os, palácios e casebres. Sem dúvida, o estímulo à contemplação, que é tão presente nos arranjos estetizantes dos
acervos históricos e na cenarização clean ajustada ao tipo médio do consumidor de
cultura, equaliza lugares e descontrói possibilidades de aprendizado (Ribeiro, 1991).
Visita-se, com o mesmo ânimo e a mesma ausência de estímulo à reflexão moral,
masmorras, exposições de instrumentos de tortura, restos mortais depositados em
vitrines sem respeito à crença que lhes deu origem, pinacotecas e fábricas. Até que
ponto as cargas de subjetividade, que existem em cada objeto, podem resistir à
voragem de memórias e à produção do espetáculo que caracterizam a
contemporaneidade (Simmel, 1902)? Ou ainda, segundo Milton Santos (1996)
conduzido por Sartre (1967), até que ponto a perda de sentido do prático inerte
afeta a ação que acontece no presente?
O alisamento do ambiente preservado, assim como a sua museificação e
mercadorização, frequentemente acompanhadas de sintomas de voyeurismo e
morbidez, constituem ameaças à ação social na medida em que reduzem a possibilidade de diálogo criador e criativo entre gerações e culturas. Aliás, o argumento
preservacionista só se sustenta, ao nosso ver, na medida em que trocas
intersubjetivas com as gerações anteriores – tanta vezes difíceis, dolorosas e
inspiradoras – podem de fato acontecer. Tais trocas encontram-se limitadas, entretanto, quando a multiplicidade dos objetos e das altervativas de percurso atordoa o
processo de reflexão do passado, confundindo o conhecimento necessário com o
lazer ansioso, ininterrupto e sempre fugaz.
A construção do diálogo autônomo com o passado, como demonstram com rara
força os jovens guias das obras de Orozco em Guadalajara e os professores do
Museu Nacional de Antropologia da cidade do México, depende não apenas de
informações corretas mas, também, da transposição dos estímulos materiais da
memória à reflexão dos dilemas vivenciados no presente. A natureza desta transposição, que é racional e emocional, interfere nos vínculos entre matéria e ação.
É por esta razão que cabe indagar: quem reúne os fragmentos oriundos do
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preservacionismo num discurso alimentador da ação socialmente conseqüente?
Quem desenha a estrutura do caleidoscópio originado dos elos entre hipermodernidade (técnica, interesse e estratégia) e os estratos preservados do passado?
Discurso e imagem constituem os termos-chaves da disputa do processo
comunicacional que envolve e condiciona os fluxos de pessoas e mercadorias que
reúnem, hoje, cultura, mercado e lugar. Como adverte Muniz Sodré, ao analisar a
comunicação contemporânea e seus produtos: “A complexidade dessa nova ordem
tecnocultural não nos permite pensá-la, entretanto, como mera instrumentação da
esfera econômica. Não há dúvida de que tal ordem, aparentemente apartidária,
adequa-se politicamente às perspectivas social-democráticas que, de um lado,
atribuem ao mercado a responsabilidade pela alocação dos principais recursos
econômicos e, de outro, reservam ao Estado o papel de garantia dos direitos de
propriedade e de estímulo ao progresso tecnocientífico – última das utopias do
capital. Cultura é aí, portanto, algo pragmaticamente vinculado ao mercado”
(1996:31).
Os impulsos que unem cultura e mercado, mediados pela nova base técnica de
sustento das atividades econômicas, acontecem nos lugares, em consonância
com as estratégias traçadas por aqueles que mapeiam bens culturais (objetos,
hábitos e comportamentos) e com a busca contínua por inovação que faz girar a
roda, desejada cada vez mais rápida, do consumo. Estes movimentos, que difundem os códigos da nova ordem tecnicocultural, desestabilizam e cenarizam
lugares, produzindo formas mais sutis de desapropriação cultural e de alienação consumista e, ainda, ameaças permanentes aos investimentos públicos e
privados.
Afinal, a redução da complexidade, individualmente percebida e sofrida, é indispensável à complexa operação de comando dos fluxos que atualmente modificam
os usos da cidade, sob o estímulo de chamamentos da cultura ou da natureza. Esta
operação, calcada sobretudo em informação excepcional, corresponde aos processos de ordenação – e, logo, de controle do acaso e da incerteza – que constituem
o próprio âmago da ordem tecnocultural. Porém, o controle do acaso e da incerteza, que impede a ação espontânea e a experiência do surpreendente, equaliza
lugares, fragilizando o seu poder de sedução e a sua capacidade de apoiar a reflexão e a ação transformadoras.
De forma ainda mais radical, poderia ser dito que os lugares tendem a perder a sua
uniquiness, ou seja, as suas características mais íntimas e profundas, amoldandose a funções necessárias à preservação eficiente dos fluxos da rede mundial de
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cidades e do mercado global. Nestas tendências, manifesta-se o fenômeno da
ocidentalização do mundo, estudado por Serge Latouche (1994). Este fenômeno,
que conjuga economia e pretensões civilizatórias, pressiona o próprio ocidente,
racionalizando os usos do espaço historicamente construído e criando redes
especializadas, e usualmente excludentes, de cooperação entre operadores da ordem tecnocultural. As exigências da eficiência sistêmica desta cooperação
transparecem em referências culturais que transformam passeios no Rio, por exemplo, em verdadeiros safaris ou a produção do rum, em Cuba, num alegre,
miniaturizado e lúdico revival da escravidão.
Também a urbanização difusa (Gottdiener, 1993), característica da última
modernidade, pressiona a rede histórica de cidades, contribuindo para reduzir a
sociabilidade aberta pela aceleração dos fluxos mundiais e para acondicionar os
lugares ao programa dominante, ou seja, à programação de usos do espaço urbano
imposta, aos lugares e aos seus habitantes, com apoio nos novos suportes técnicos da comunicação e da informação. É com base nestes processos, conduzidos
pelo mercado, que desejamos refletir o Oriente negado.
Sobre mercado e cultura
Os movimentos responsáveis pelo alisamento do espaço; pela mercadorização da
cultura e pela cenarização da paisagem encontram a resistência do cotidiano, do
espaço banal e do denominado, por Milton Santos, homem lento. Nas palavras
deste último autor: “Para os migrantes e para os pobres de um modo geral, o
espaço ‘inorgânico’ é um aliado da ação, a começar pela ação de pensar, enquanto
a classe média e os ricos são envolvidos pelas próprias teias que, para seu conforto, ajudaram a tecer: as teias de uma racionalidade invasora de todos os arcanos
da vida, essas regulamentações, esses caminhos marcados que empobrecem e
eliminam a orientação ao futuro. Por isso, os ‘espaços luminosos’ da metrópole,
espaços da racionalidade, é que são, de fato, os espaços opacos” (1994:85).
Os excluídos e marginalizados, os sem-propriedade e os perigosos de ruelas e
becos do passado – agora metamorfoseados em objetos de curiosidade e negócio
– reproduzem-se nos anônimos, nos sem-teto e nos migrantes clandestinos de
hoje. Estes herdeiros da exclusão (Castel, 1995) têm sido o alvo privilegiado de
novas formas de vigilância e controle e, também, de políticas orientadas pelo ideário
da tolerância zero (Pinto, 2000). Tais políticas, em contínuo processo de detalhamento
gerencial e técnico, buscam afastá-los dos lugares luminosos, onde acontecem os
programas que unem patrimônio, cultura e lazer.
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Com este afastamento, a iluminação de lugares que, no passado, condensavam a
dor e a desigualdade, apóia o ocultamento da dor e da desigualdade do presente,
principalmente quando ocorre a mutação mercantil, denunciada por Nestor Garcia
Canclini (1983), do étnico no típico. Tal mutação decorre de práticas classificatórias
de costumes e de elementos da cultura material orientadas pelo olhar do consumidor e do vendedor de serviços e, não daquele que é o verdadeiro desbravador de
oportunidades criativas, insubordinadas e disruptivas. Porém, é dele e dos seus
espaços inorgânicos que advêm as inovações realmente radicais, capazes de impulsionar um grande espectro de novos e atraentes bens culturais, de especial
relevância para a juventude, como demonstram o funk e o hip-hop (Vianna, 1997;
Carrano, 2003).
É com base nestas observações que pode ser dito que a pauta política do direito à
cidade, além da habitação e do conjunto de direitos urbanos mais comumente
reconhecidos, precisaria incluir o direito à originalidade e ao efetivo encontro de
formas autônomas de vida, onde se inclui a reinvenção tanto da democracia (Santos, 2002) quanto do mercado. A homogeneização da cultura e a equalização dos
lugares renegam raízes e sustentam a eficácia abstrata, que é antagônia à experiência dos homens lentos e, portanto, ao depósito de ensaios, de acertos e erros, e
às manifestações da subjetividade que são intrínsicos à obra.
Assim, se a cidade é obra e não somente produto ou mercadoria, como afirma
Henri Lefebvre, torna-se indispensável rever diretrizes atuais da política urbana que,
ao estimularem o consumo, espetacularizam a cultura, a cidade e os seus usos.
Esta política tem insistido na atualização de atos do palácio ou expressivos de uma
empobrecida alegoria do príncipe maquiavélico – roteiros deslumbrantes, arquitetura
de grife, mega eventos, messianismo cultural do Estado – numa conjuntura em
que o crescimento da violência, do racismo e da guerra exigem a horizontalização
das oportunidades econômicas e de criação.
Apaguemos portanto, pelo menos por algum tempo, os holofotes e escutemos o
rumor e os gritos dos espaços inorgânicos, imaginando-os menos distantes, menos
segregados, menos folclorizados. O que poderia ser apreendido numa experiência
como esta? Talvez, outras formas de fazer cidade e de aprender, neste fazer, com a
cultura do Outro: mortos e vivos. Desta experiência hipotética, também poderia
advir a descoberta de formas de realização da economia menos excludentes, competitivas e desapropriadoras de territórios e bagagens culturais.
Assim, com a noção de Oriente negado, pretende-se indicar tanto as áreas ainda
não atingidas frontalmente pela ordem tecnocultural como a força dos espaços
inorgânicos e dos homens lentos nas resistências à exclusão em espaços lumino-
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sos do agir hegemônico. Estas resistências são particularmente relevantes pelas
formas de dominação que caracterizam a ocidentalização do mundo. Como diz
Serge Latouche: “Com a descolonização, os missionários chutados do Ocidente
deixaram o centro do palco, mas “o branco ficou nos bastidores e puxa os cordões’.
Esta apoteose do Ocidente não é mais a presença real de um poder humilhante por
sua brutalidade e sua arrogância. Ela se apóia nos poderes simbólicos cuja dominação abstrata é mais insidiosa, mas, por isso mesmo, menos contestável. Esses
novos agentes da dominação são a ciência, a técnica, a economia e o imaginário
sobre o qual elas repousam: os valores do progresso” (1996: 26).
Entre as resistências, incluem-se as práticas sociais que buscam garantir a circulação e a permanência do Outro nos espaços públicos. É indispensável reafirmar a
circulação e a permanência como dimensões essenciais do direito à cidade, frente
à crise do trabalho, ao aumento da exclusão social e à difusão de ideários de
segurança que ampliam a segregação sócio-espacial e cultural. Neste contexto,
manifesta-se a precariedade do diagnóstico que hoje sustenta as propostas
hegemônicas de reestruturação urbana - economia de serviços e inovações
tecnológicas, apoiadas em empreendedorismo (Harvey, 1996; Compans, 1999).
Com base neste diagnóstico, divulga-se modelos de política urbana responsáveis
pelo esvaziamento de centros históricos e pela desintegração mercantil dos lugares, ao que cabe acrescentar o desconhecimento dos vínculos tradicionais entre
espaço público, mercado, cultura e linguagem.
O que importa, no momento, não é negar o mercado, propósito inútil e com pouca
possibilidade de angariar adesões entusiastas, mas, sim, negar o mercado que
sustenta a denominada, por Milton Santos, globalização perversa, difusora massiva
de ideologias: “Um mercado avassalador dito global é apresentado como capaz de
homogeneizar o planeta quando, na verdade, as diferenças locais são aprofundadas.
Há uma busca de uniformidade, ao serviço dos atores hegemônicos, mas o mundo
se torna menos unido, tornando mais distante o sonho de uma cidadania verdadeiramente universal. Enquanto isso, o culto ao consumo é estimulado” (Santos, 2000:
18, 19).
Através dos elos indissociáveis entre economia e política, instalam-se as condições
para que, juntamente com a expansão avassaladora do mercado citada por Milton
Santos, ocorra a crise da política. Sinais desta crise podem ser claramente identificados em propostas que reduzem a problemática urbana à sua dimensão local,
criando a ideação de um mundo conformado por uma espécie de edição atualizada
de cidades-estados que, ironicamente, poderíamos associar à frágil alegoria do
príncipe antes citada. De fato, não é difícil associar a idéia de cidades-estados à
cidade do pensamento único, reconhecida por Otília Arantes, Carlos Vainer e Ermínia
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Maricato (2000), e nem tampouco a alegoria do príncipe às obrigações hoje atribuídas aos prefeitos.
Porém, enquanto a política adequa-se a orientações estratégias que conduzem à
focalização dos investimentos e à hierarquização de prioridades em cada política
social, aumentam a competição entre lugares e o nível da abstração das relações
mercantis, articuladas à financeirização da economia. Desta maneira, a logística
que apóia a localização de empresas e iniciativas é a mesma que acelera o
desenraizamento de populações e culturas, ampliando as contradições sociais no
epicentro dos lugares aquinhoados pelas formas mais avançadas de realização do
capitalismo.
A periferia desloca-se para o centro, como demonstra a relevância assumida pelo
tema da exclusão social nos países centrais, por mais que sejam fortalecidos os
mecanismos de segurança e as barreiras que procuram reter a luta pelo acesso a
oportunidades. Afinal, a própria ampliação dos mercados tensiona, permanentemente, os novos muros, físicos ou virtuais, que acompanham a globalização da
economia. Além disto, a desestabilização de formas de vida, originada na
competitividade entre corporações, aumenta a transumância e amplifica necessidades de consumo, num período em que a reestruturação produtiva destila a
seletividade social.
Neste período, grandes transformações espaço-temporais rompem perspectivas
evolucionistas e possibilidades de generalização de modelos para o planejamento
da economia e para o ordenamento do espaço, apesar da extraordinária pressão
exercida, sobre os governos locais, para que ocorra a aceitação de diretrizes da
denominada nova gestão. As transformações espaço-temporais atingem diretamente
o planejamento urbano, desafiando a totalidade das políticas públicas e as formas
de convencimento que, historicamente, associaram política e cultura.
As ágeis hibridações espaço-temporais criam o predomínio da incerteza, que busca-se evitar através de acréscimos técnicos e da absorção exarcebada de leituras
estratégicas dos contextos sociais. Entretanto, a crise da modernidade, que resulta
em crise institucional e das normas que orientam as expectativas coletivas, impõem a reflexão simultânea e tentativa tanto dos direcionamentos característicos
da hiper-modernidade quanto da pré-modernidade, como também propôs Henri
Lefebvre (1984). Aliás, a própria interrogação ética da hiper-modernidade, em suas
conseqüências cotidianas, depende da recusa ao aprisionamento da reflexão nos
códigos político-culturais e nos determinantes econômicos do Ocidente. Não se
trata, apenas, de aceitar ou tolerar a existência de outros comportamentos e culturas ou, ainda, de pleitear a defesa de um harmonioso multiculturalismo mas, de
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dialogar com as práticas do Outro – passado e presente – em busca de alternativas
para a crescente desigualdade social e a violência.
Da mesma maneira que acontecem, atualmente, fortes questionamentos às esferas institucionalizadas da vida social, responsáveis pela experiência de cidadania
restringida e de democracia minimalista (Coutinho, 1991; Bobbio, 1985), comuns
a tantas sociedades, crescem os desafios relacionados à reconstrução da capacidade integradora da economia, como exemplificam as iniciativas reunidas no conceito de economia solidária (Singer, 2001), as extensas redes de trocas construídas
em vários países latino-americanos, o crescimento do número das cooperativas
populares e as práticas de auto-gestão que procuram recuperar empresas falidas e
plantas industriais estagnadas.
Acredita-se, a partir destes exemplos e da extensão alcançada pela crise societária,
que precisem ser particularmente valorizados os vínculos históricos entre comércio
e sociabilidade construídos pelo Outro, para além da versão hegemônica de mercado que acompanha a ocidentalização do mundo. O exame dos vínculos entre comércio e sociabilidade correspondem à possibilidade de reflexão da inteligência
que constrói reais caminhos para a negociação entre culturas e, também, para a
superação do lucro e da competição como únicos comandos das trocas econômicas.
As trocas econômicas e os movimentos do intercâmbio constróem mediações que
– orientadas pela linguagem, por solidariedade e pela cooperação – podem
resis-
tir ao rigor e à eficiência, e logo à exclusão, exigidos por agentes econômicos dominantes e, também, ao predomínio do valor de troca sobre as necessidades e carências humanas, expressas em valores de uso e noutras dádivas, como indicam
Brasilmar Ferreira Nunes e Paulo Henrique Martins: “Bourdieu (1994), por exemplo, enxerga na cidade algo mais amplo que uma economia de trocas mercantis,
sendo este ‘algo’ as trocas simbólicas (…) Mauss (1999), por outro lado, diria que
a cidade é um ‘fato total’, no qual a atividade econômica constitui apenas uma das
partes da troca geral e onde a troca de bens materiais vale tanto quanto a troca de
gentilezas, festas, sorrisos, etc” (2001: 16, 17).
A atividade relacional é constitutiva da troca e do intercâmbio, que podem ultrapassar os objetos e a negociação mercantil, incluindo, potencialmente, a subjetividade
e a totalidade da cultura. É esta possibilidade que transparece na vitalidade dos
mercados pré-colombianos retratada pelo próprio colonizador (Benítez, 1986); na
liberdade vivenciada nas cidades medievais e na inteligência popular que conquista
milimetricamente espaços de negociação nas áreas luminosas do Rio de Janeiro.
Assim, a própria noção hegemônica de mercado pode ser questionada por sua
incapacidade de oferecer condições de construção cultural da sociabilidade, na
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medida em que recusa as carências e as táticas (Certeau, 1998) dos homens
lentos e desconhece a autonomia relativa dos lugares.
Nesta direção, José de Souza Martins (1997) oferece exemplos da racionalidade
alternativa que orienta a produção camponesa face àquela orientada pelas ordens
do mercado capitalista e, também, exemplos de economia não-monetarizada que
expressam os movimentos da frente de expansão que constrói o território brasileiro. Este autor ainda traz referências ao comércio extracapitalista que se realiza
entre tribos indígenas, como indicam os processos estudados por Dominique Gallois
entre o povo Waiãpi: “Os estudos de Gallois sobre esse povo mostram uma complexa e surpreendente teia de relacionamentos entre diferentes grupos indígenas, incluindo um grupo de ex-escravos negros fugidos das fazendas da Guiana francesa e
retribalizados, para fazer circular esses produtos entre eles. Um comércio inteiramente extracapitalista e, até se poderia dizer, extracomercial porque inteiramente
estranho aos princípios e realidades econômicos em que esses produtos foram
gerados” (p. 171).
Estas rápidas referências apóiam a afirmação de que os impactos da globalização
sobre a economia e a política podem adquirir uma face dialógica, completamente
diversa daquela que, de forma ininterrupta, estimula a competitividade e difunde
atos programados e estreitamente geridos. A diversidade cultural, cujo contraditório
acesso é viabilizado pelos próprios fluxos econômicos na escala mundial, trazem a
possibilidade de aprendizados radicalmente novos. Tais aprendizados, se bem estudados e apropriados, contêm promessas de resgate de práticas ancestrais, ainda
presentes na memória das classes populares.
Estas práticas, unindo mercado e sociabilidade, poderiam permitir a valorização da
vida espontânea dos lugares, auxiliando no desvendamento de formas urbanas
inclusivas e na real revitalização dos espaços públicos. Por que seguir, cegamente,
modelos que negam a força dos lugares, a sua historicidade e a sua originalidade?
Trata-se, agora, de retomar percursos abandonados na modernidade radicalizada
(Giddens, 1990), como tão bem indicado por Henri Lefebvre (1984) ao realizar a
análise crítica da vida cotidiana na denominada sociedade burocrática de consumo
dirigido. A subordinação irrefletida às determinações desta sociedade, associada à
ordem tecnocultural, tem ampliado desigualdades e processos de exclusão, o que
atinge a própria riqueza da vida urbana e, em conseqüência, a relevância societária,
que é econômica e política, dos espaços públicos. O mercado constitui uma categoria a ser rigorosamente revista, sob os sígnos da solidariedade (Millán, 1994), da
sociabilidade e da sabedoria na negociação inteligente e efetivamente criadora de
condições essenciais à vida coletiva.
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Ana Clara Torres Ribeiro é professora do Instituto de Pesquisa em
Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
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Cadernos PPG-AU/FAUFBA é uma publicação semestral sob a responsabilidade do
Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Faculdade de Arquitetura da
Universidade Federal da Bahia.
ACEITA-SE PERMUTA
Transcrições e citações são permitidas, desde que mencionada a fonte. Não assumimos a
responsabilidade por idéias emitidas em artigos assinados.
Endereço para correspondência:
Faculdade de Arquitetura
Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo
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Caderno especial.p65
109
18/10/04, 13:17
COLOFÃO
Formato
17 x 24 cm
Tipologia
FrnkGothlTC Bk BT 9,5/12
Papel
Impressão
Caderno especial.p65
110
Alcalino 75 g/m2 (miolo)
Cartagena 180 g/m2 (capa)
Setor de reprografia da EDUFBA
Acabamento
ESB - Serviços Gráficos
Reimpressão
200 exemplares
18/10/04, 13:17

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