mo 4391_joaofelipediasalves

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mo 4391_joaofelipediasalves
ESCOLA DE COMANDO E ESTADO-MAIOR DO EXÉRCITO
Maj Inf JOÃO FELIPE DIAS ALVES
A determinação do poder de combate necessário para
a realização de operações de ataque a áreas edificadas
Rio de Janeiro
2008
Maj Inf JOÃO FELIPE DIAS ALVES
A determinação do poder de combate necessário para
realização de operações de ataque a áreas edificadas
Tese apresentada à Escola de Comando
e Estado-Maior do Exército, como
requisito para obtenção do título de
Doutor em Ciências Militares.
Orientador: Cel Inf Ricardo Célio Chagas Bezerra
Rio de Janeiro
2008
A472
Alves, João Felipe Dias.
A determinação do poder de combate necessário para
realização de operações de ataque a áreas edificadas. /
João Felipe Dias Alves. – 2008.
153 f.; il. : 30 cm.
Tese (Doutorado) – Escola de Comando e Estado-Maior do
Exército, Rio de Janeiro, 2008.
Bibliografia: f. 144-149.
1. Combate Urbano. 2. Ataque. 3. Poder de
Combate. I. Título.
CDD: 355
Maj Inf JOÃO FELIPE DIAS ALVES
A DETERMINAÇÃO DO PODER DE COMBATE
NECESSÁRIO PARA A REALIZAÇÃO DE OPERAÇÕES DE
ATAQUE A ÁREAS EDIFICADAS
Tese apresentada à Escola de Comando
e Estado-Maior do Exército, como
requisito para obtenção do título de
Doutor em Ciências Militares.
Aprovado em
BANCA EXAMINADORA
____________________________________________________
RICARDO CÉLIO CHAGAS BEZERRA – Cel Inf – Dr Presidente
Escola de Comando e Estado Maior do Exército
_____________________________________________________
FERNANDO ANTÔNIO NOVAES D’AMICO – Cel Art - Dr Membro
Escola de Comando e Estado Maior do Exército
__________________________________________
RAMON MARÇAL SILVA – Ten Cel Inf – Dr Membro
Escola de Comando e Estado Maior do Exército
____________________________________________________
LUÍS CLÁUDIO DE MATTOS BASTO – Ten Cel Inf – Dr Membro
Escola de Comando e Estado Maior do Exército
___________________________________________
ALEXANDRE JOSÉ CORRÊA – Maj Inf – Dr Membro
Cmdo Bda Inf Pqdt
À minha esposa Luciana, que com seu eterno
amor me deu suporte e força para prosseguir
adiante em meu projeto.
AGRADECIMENTOS
Ao Coronel de Infantaria Ricardo Célio Chagas Bezerra, meu sincero agradecimento
pelo apoio e confiança incondicionais recebidos durante todas as fases da execução
deste projeto.
As cidades têm sido sempre centros de gravidade, mas agora estão mais
magnéticas que nunca...Elas concentram pessoas e poder, comunicações
e controle, conhecimento e capacidades, agregando tudo o que isso
envolve. Elas também são o equivalente pós-moderno das selvas e das
montanhas. Um militar não preparado para as operações urbanas em seu
amplo espectro não está preparado para o amanhã. (PETERS, 2001)
RESUMO
Os combates urbanos tiveram um papel cada vez mais relevante nas guerras
recentes e são considerados pelos exércitos mais importantes do mundo como o
cenário mais provável dos conflitos do século XXI. A presente pesquisa enfocou este
assunto, limitando a investigação sobre a determinação do poder de combate
necessário para a realização de ataques a áreas edificadas. Os parâmetros de
estudo foram estabelecidos a partir de uma revisão bibliográfica, em que se buscou
a comparação dos preceitos doutrinários do Exército Brasileiro com conceitos da
Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), Estados Unidos, Espanha e
Inglaterra. Verificando que a doutrina militar terrestre brasileira se encontrava
desatualizada, procurou-se ratificar as conclusões obtidas na revisão de literatura
por meio de uma pesquisa de campo realizada entre 128 oficiais alunos do Curso de
Altos Estudos Militares em 2007, que foram submetidos a uma rotina de
procedimentos metodológicos visando à obtenção de resultados significativos. Para
comprovação da hipótese formulada, realizou-se a seguir uma análise das maiores
batalhas urbanas dos últimos quinze anos, desenvolvidas na Chechênia e no Iraque,
de onde foram extraídas as principais lições aprendidas e observou-se o
comportamento das variáveis selecionadas, correlacionando os resultados auferidos
pelas diversas etapas da investigação. Por fim, chegou-se à conclusão que o poder
de combate necessário é influenciado diretamente pelo tamanho da cidade atacada,
o valor do inimigo em seu interior, a população presente e a manobra a ser adotada.
Foi possível ainda estabelecer parâmetros que correlacionam o número de
habitantes de uma cidade e o escalão adequado para atacá-la, assim como
comprovar que a proporção de forças empregada deve ser superior à verificada em
terreno convencional.
Palavras-chave: Combate Urbano; Ataque a localidade; Poder de Combate.
ABSTRACT
Urban Combat has been played an even more important role in the recent wars and
is considered as the probably scenario for the conflicts of the 21th century by the most
important armies of the world. The current research focused on this subject, limiting
the investigation about the Combat Power required for attacking urbanized areas.
The standards of study had been established by a bibliographic review, which looked
for compare military doctrine of Brazilian Army and North Atlantic Treaty Organization
(NATO), United States of America, England and Spain. Verifying that Brazilian
military doctrine was not updated, it was necessary to confirm the conclusion
obtained by a filed research done among 128 army officers, students of High Military
Studies Course in the year of 2007. This sample had been submitted by a routine of
methodological procedures aiming to obtain significant results. In order to prove the
hypothesis, an analysis of the biggest urban battles of the last fifteen years, occurred
in Chechenya and Iraqi, had been done, extracting important lessons learned. The
behavior of the variables selected was observed and established its relations with all
the results obtained by previous steps of investigation. Finally, it was possible to
conclude that Combat Power is directly influenced by the size of the city attacked, the
value of the enemy inside the city, the population present and the maneuver to be
adopted. Also it was possible to establish parameters correlating the number of
inhabitants of a city and the appropriate echelon of force to attack it, as well as to
prove that the ratio of force applied in an urban combat must be higher than in a
conventional or “open” terrain.
Key-words: Urban Combat; Attacking Cities; Combat Power.
LISTA DE QUADROS
Quadro 1
Relação quantitativa para a execução de diferentes operações.....
26
Quadro 2
Histórico da proporção mínima de planejamento ............................
26
Quadro 3
Operacionalização da variável I ......................................................
35
Quadro 4
Operacionalização da variável II .....................................................
35
Quadro 5
Operacionalização da variável III ....................................................
36
Quadro 6
Operacionalização da variável IV ....................................................
36
Quadro 7
Operacionalização da variável V .....................................................
36
Quadro 8
Diferenças entre o ambiente operacional urbano e outros tipos de
terreno .............................................................................................
Conceitos tradicionais e “emergentes” de ataque a cidades ..........
58
Quadro 10 Classificação das áreas urbanas e escalão a ser empregado ........
71
Quadro 11 Composição de meios da 2ª/82ª Div Aet ........................................
104
Quadro 12 Manobras empregadas nas batalhas estudadas ............................
131
Quadro 13 Relação tamanho da cidade x poder de combate empregado .......
132
Quadro 14 Influência da forma de manobra no poder de combate ..................
133
Quadro 15 Poder de combate x efetivo inimigo ................................................
134
Quadro 16 Poder relativo de combate x forma de manobra .............................
135
Quadro 17 Influência da população no poder de combate................................
136
Quadro 18 Relação tamanho da cidade x poder de combate necessário ........
141
Quadro 9
62
LISTA DE FIGURAS
Figura 1
Modelos de áreas urbanas extensas................................................
48
Figura 2
Padrões de traçado das ruas...........................................................
50
Figura 3
O ataque de 31 de dezembro de 1994.............................................
92
Figura 4
A reação chechena...........................................................................
94
Figura 5
Esquema de manobra do CFLCC....................................................
100
Figura 6
Desvio do fluxo e bloqueio da 3ª Brigada......................................... 103
Figura 7
Investimento sobre As Samawah.....................................................
Figura 8
Rotas de infiltração/exfiltração de milícias em An Najaf................... 109
Figura 9
Isolamento de An Najaf....................................................................
Figura 10
Ataque inicial da 1ª Bda/101ª Div Aet............................................... 111
Figura 11
Itinerário de ataque da Cia A/2-70 AR.............................................. 112
Figura 12
Entorno de Basra.............................................................................. 114
Figura 13
Ataque final a Basra.........................................................................
116
Figura 14
Objetivos de isolamento do V CEx...................................................
117
Figura 15
Thunder Run I................................................................................... 119
Figura 16
Thunder Run II.................................................................................. 121
Figura 17
Dispositivo de manutenção do objetivo DIANE................................
122
Figura 18
Dispositivo para o ataque em 08 de novembro................................
126
Figura 19
Prosseguimento do ataque em 09 de novembro.............................. 127
Figura 20
Prosseguimento do ataque em 11 de novembro.............................. 128
Figura 21
Limpeza das áreas ultrapassadas em 15 de novembro................... 129
106
110
LISTA DE TABELAS
Tabela 1
Ocorrência de realização de um ataque sistemático........................
79
Tabela 2
Variação do poder relativo de combate em função da manobra......
79
Tabela 3
Inimigo a ser enfrentado em uma cidade..........................................
80
Tabela 4
Poder relativo de combate: localidade X terreno convencional........
80
Tabela 5
Características do terreno com influência sobre o poder de
combate necessário..........................................................................
Relação restrições apoio de fogo X poder de combate....................
81
83
Tabela 8
Presença de civis no campo de batalha em operações de ataque
a localidade.......................................................................................
Inclusão das “Considerações Civis” no estudo de situação.............
Tabela 9
Considerações civis como sexto fator de decisão............................
84
Tabela 10
Aspectos a serem analisados nas Considerações civis...................
84
Tabela 11
Experiência anterior da amostra.......................................................
86
Tabela 12
Quantidade de experiências anteriores............................................
86
Tabela 13
Resultado do teste do qui-quadrado.................................................
87
Tabela 6
Tabela 7
82
83
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AAAe
Artilharia Anti-aérea
AIR
Airborne Infantry Regiment
AMAN
Academia Militar das Agulhas Negras
AR
Armored Regiment
B Log Avçd
Batalhão Logístico Avançado
Bda
Brigada
Bda Pqdt
Brigada Pára-quedista
Btl
Batalhão
Btl Ass Civ
Batalhão de Assuntos Civis
Btl Com
Batalhão de Comnicações
Btl Eng
Batalhão de Engenharia
Btl Intlg Mil
Batalhão de Inteligência Miltar
Btl Op Psico
Batalhão de Operações Psicológicas
CAADEx
Centro de Avaliação de Adestramento do Exército
CAEM
Curso de Altos Estudos Militares
CC
Carro de Combate
CCEM
Curso de Comando e Estado-Maior
CCEM/Int
Curso de Comando e Estado-Maior para oficiais de Intendência
Cel
Coronel
CEx
Corpo de Exército
CFLCC
Combined Forces Land Component Command
Cia
Companhia
Cmt
Comandante
COT
Centro de Operações Táticas
COTER
Comando de Operações Terrestres
DAMEPLAN
Dados Médios de Planejamento
Div
Divisão
Div Ae
Divisão Aérea
Div Ass Ae
Divisão de Assalto Aéreo
Div Bld
Divisão Blindada
Div Inf
Divisão de Infantaria
ECEME
Escola de Comando e Estado-Maior do Exército
EEI
Elementos Essenciais de Inteligência
Elm
Elemento
EPS
Estrada Principal de Suprimento
EsAO
Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais
EUA
Estados Unidos da América
FM
Field Mannual
FT
Força Tarefa
FTC
Força Terrestre Componente
GAC
Grupo de Artilharia de Campanha
h
Hora
IAF
Iraqi Army Forces
IIF
Iraqi Intervention Forces
IP
Instruções Provisórias
Km
Quilômetro
Km2
Quilômetro quadrado
Maj Gen
Major General
MARDIV
Mariners Division
MEF
Mariners Expeditionary Force
min
Minuto
MINUSTAH
Missão das Nações Unidas para Estabilização do Haiti
ONU
Organização das Nações Unidas
OTAN
Organização do Tratado do Atlântico Norte
RCT
Regiment Combat Team
Rgt Fuz Nav
Regimento de Fuzileiros Navais
Rgt Inf
Regimento de Infantaria
SUMÁRIO
1
INTRODUÇÃO ..............................................................................................17
2
REFERENCIAL CONCEITUAL.....................................................................20
2.1
TEMA ............................................................................................................21
2.1.1
Delimitação do tema....................................................................................22
2.2
PROBLEMA ..................................................................................................23
2.2.1
Antecedentes...............................................................................................23
2.2.2
Formulação do problema............................................................................27
2.2.3
Alcance e limites .........................................................................................27
2.3
JUSTIFICATIVA ............................................................................................29
2.4
CONTRIBUIÇÕES.........................................................................................31
3
REFERENCIAL METODOLÓGICO ..............................................................32
3.1
OBJETIVOS .................................................................................................32
3.1.1
Objetivo Geral ..............................................................................................32
3.1.2
Objetivos Específicos .................................................................................32
3.2
HIPÓTESES ..................................................................................................33
3.3
VARIÁVEIS ...................................................................................................33
3.3.1
Definição operacional das variáveis..........................................................33
3.4
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS......................................................37
3.4.1
Pesquisa de campo .....................................................................................39
3.4.1.1 Seleção da amostra.......................................................................................39
3.4.1.2 Procedimentos Metodológicos.......................................................................40
4
O AMBIENTE OPERACIONAL URBANO ....................................................42
4.1
ASPECTOS FÍSICOS....................................................................................43
4.1.1
Características da área construída ............................................................45
4.1.2
Modelagem geral da área urbana...............................................................48
4.1.3
Traçado geral das ruas ...............................................................................50
4.1.4
Porte .............................................................................................................51
4.1.5
Infra-estrutura ..............................................................................................52
4.2
ASPECTOS HUMANOS ...............................................................................53
5
O COMBATE URBANO ................................................................................56
5.1
Particularidades do combate urbano .............................................................57
5.2
O Estudo de Situação....................................................................................60
5.2.1
Missão ..........................................................................................................61
5.2.1.1 Doutrina do Exército Brasileiro ......................................................................61
5.2.1.2 Considerações da OTAN...............................................................................62
5.2.1.3 Doutrina dos EUA..........................................................................................63
5.2.1.4 Doutrina Britânica ..........................................................................................64
5.2.1.5 Doutrina Espanhola .......................................................................................64
5.2.1.6 Conclusão parcial ..........................................................................................65
5.2.2
Inimigo..........................................................................................................65
5.2.2.1 Doutrina do Exército Brasileiro ......................................................................66
5.2.2.2 Considerações da OTAN...............................................................................66
5.2.2.3 Doutrina dos EUA..........................................................................................67
5.2.2.4 Doutrina Britânica ..........................................................................................68
5.2.2.5 Doutrina Espanhola .......................................................................................68
5.2.2.6 Conclusão parcial ..........................................................................................69
5.2.3
Terreno .........................................................................................................69
5.2.3.1 Doutrina do Exército Brasileiro ......................................................................69
5.2.3.2 Considerações da OTAN...............................................................................70
5.2.3.3 Doutrina dos EUA..........................................................................................70
5.2.3.4 Doutrina Britânica ..........................................................................................72
5.2.3.5 Doutrina Espanhola .......................................................................................72
5.2.3.6 Conclusão parcial ..........................................................................................73
5.2.4
Considerações Civis ...................................................................................73
5.2.4.1 Doutrina do Exército Brasileiro ......................................................................74
5.2.4.2 Considerações da OTAN...............................................................................74
5.2.4.3 Doutrina dos EUA..........................................................................................74
5.2.4.4 Doutrina Britânica ..........................................................................................75
5.2.4.5 Doutrina Espanhola .......................................................................................75
5.2.4.6 Conclusão parcial ..........................................................................................76
5.3
CONCLUSÃO ...............................................................................................76
6
ANÁLISE DOS RESULTADOS DA PESQUISA DE CAMPO.......................78
6.1
EM RELAÇÃO À MANOBRA DA FORÇA ATACANTE .................................78
6.2
EM RELAÇÃO AO INIMIGO..........................................................................79
6.3
EM RELAÇÃO AO TERRENO ......................................................................81
6.4
EM RELAÇÃO ÀS RESTRIÇÕES AO APOIO DE FOGO..............................82
6.5
EM RELAÇÃO ÀS CONSIDERAÇÕES CIVIS ..............................................83
6.6
AVALIAÇÃO DA SIGNIFICÂNCIA DOS RESULTADOS DA PESQUISA......85
7
AS LUTAS POR GROZNY ...........................................................................89
7.1
GROZNY I (1994)..........................................................................................90
7.2
GROZNY IV (1999) .......................................................................................95
8
OS COMBATES NO IRAQUE.......................................................................99
8.1
AS SAMAWAH ............................................................................................102
8.2
AN NAJAF ...................................................................................................107
8.3
BASRA ........................................................................................................113
8.4
BAGDÁ........................................................................................................117
8.5
FALLUJAH ..................................................................................................122
9
ANÁLISE DOS RESULTADOS DA PESQUISA HISTÓRICA ....................130
9.1
FORMA DE MANOBRA ..............................................................................130
9.2
PODER DE COMBATE X TERRENO .........................................................132
9.3
PODER DE COMBATE X INIMIGO.............................................................133
9.4
PODER DE COMBATE X POPULAÇÃO ....................................................135
9.5
OUTROS FATORES INTERVENIENTES ...................................................136
10
CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES .....................................................139
REFERÊNCIAS.......................................................................................................144
APÊNDICE A – QUESTIONÁRIO INSTRUMENTO DA PESQUISA DE CAMPO..150
17
1
INTRODUÇÃO
Ao longo da história das guerras da humanidade, as cidades sempre
desempenharam um relevante papel, ora como palco das batalhas, ora como motivo
pelo qual se lutava. O alvorecer do século XXI trouxe novos conflitos que reafirmam
essa perspectiva. Os combates do Afeganistão e posteriormente do Iraque foram
travados, em grande parte, em áreas urbanas daqueles países. Mais recentemente,
e mais próximo do território e realidade nacionais, verifica-se a participação do
contingente brasileiro na missão da Organização das Nações Unidas para
estabilização do Haiti, onde a maioria das ações se desenvolve em áreas urbanas.
O mundo vive atualmente uma era de crescente urbanização, fazendo com
que a realização de combates urbanos seja cada vez mais certa, embora se trate de
um preceito doutrinário de muitos exércitos, inclusive o brasileiro, que as cidades
constituem obstáculos ao avanço das tropas, devendo, sempre que possível, serem
desbordadas.
As áreas edificadas abrigarão combates pelo controle de determinadas
regiões, pela importância da localidade na manobra estratégica ou visando à
destruição do oponente. Como exemplo recente, na última guerra do Iraque, as
forças norte-americanas decidiram por conquistar as cidades de Karbala e An Najaf,
devido à profundidade da área de operações, que viria por se estender por cerca de
600 quilômetros em território iraquiano. Havia, sobretudo, imposições de caráter
logístico para que as cidades fossem conquistadas e utilizadas como suporte ao
avanço da força terrestre. (FAGAN, 2006).
Acompanhando esta tendência mundial, os exércitos de diferentes países
vêm buscando aperfeiçoar suas doutrinas e adestramento, no intuito de se
adaptarem à nova realidade das batalhas. Verificam-se neste ínterim, vários estudos
acerca de combates travados em áreas urbanas, como por exemplo, na Chechênia,
no Panamá, na Somália, no Iraque e no Haiti. No Brasil, entretanto, a doutrina de
combate em localidades é incipiente e pouco abrangente.
A presente pesquisa tencionou aprofundar o estudo do tema, enfocando sua
investigação na análise do poder de combate necessário à condução de ataque a
áreas edificadas. A problemática de sua determinação foi levantada como
fundamental no planejamento de operações de tal natureza.
Tendo como base a questão central, compreendeu-se que o objetivo desta
tese não seria reduzir a resposta a fórmulas e equações matemáticas, mas ampliar a
18
possibilidade de análise e discussão, de modo a possibilitar uma melhor tomada de
decisão por ocasião das operações.
Procurou-se limitar a discussão ao emprego da tropa terrestre para conduzir
operações caracterizadas essencialmente como ataque a áreas urbanizadas. Assim,
não foi objetivo abordar de forma mais profunda as razões que levam ao combate
em localidades, nem a execução de outras operações em áreas urbanas, como as
ações de garantia da lei e da ordem e tipo polícia.
No
desenvolvimento
da
investigação,
partiu-se,
inicialmente,
da
caracterização do ambiente operacional urbano, a fim de verificar suas principais
influências sobre o planejamento e condução das operações militares. Esta etapa foi
considerada essencial para a exata compreensão dos aspectos inerentes ao tema
de estudo.
As peculiaridades do terreno urbano e a presença incontestável da população
civil no campo de batalha, com as conseqüências trazidas para as operações foram
evidenciadas de forma a melhor orientar os estudos das doutrinas e dos casos
históricos selecionados.
O trabalho prosseguiu por meio de uma comparação entre a doutrina adotada
pelo Exército Brasileiro e a de outros países no tocante ao combate urbano. Para tal
estudo foram selecionados países que participaram de conflitos recentes. Assim,
analisaram-se os fundamentos constantes dos manuais específicos dos Estados
Unidos da América (EUA), Inglaterra, França e Espanha, além do estudo de
preceitos estabelecidos pela ORGANIZAÇÃO DO TRATADO DO ATLÂNTICO
NORTE (OTAN).
Para comprovação das conclusões e variáveis selecionadas e estudo da
aplicabilidade de preceitos doutrinários de outros países no Exército Brasileiro foi
desenvolvido um experimento científico que contemplava uma pesquisa de campo.
Com a aplicação de uma metodologia pré-estabelecida foi possível estabelecer
correlações significativas e concluir adequadamente sobre os principais fatores que
influenciam o estudo do poder de combate necessário.
Posteriormente, foi realizada uma revisão histórica dos combates travados a
partir da segunda metade do século XX, procurando identificar primeiramente
aqueles que envolveram operações de combate em localidades. Em seguida,
procurou-se selecionar dentre essas operações aquelas que caracterizaram ações
de ataque a uma área urbanizada, destacando os aspectos doutrinários
19
evidenciados e aqueles que porventura foram negligenciados, extraindo-se as
principais lições aprendidas.
Os dados obtidos com as diferentes formas de pesquisa foram comparados e
sofreram o devido tratamento estatístico naquilo que era apropriado. Após a devida
análise dos resultados obtidos, foi possível realizar inferências e chegar a
conclusões pertinentes que serão apresentadas ao término do trabalho.
O Exército Brasileiro tem mostrado especial atenção sobre o tema, realizando
simpósios e intercâmbios de especialistas, construindo pistas e cidades-escola,
editando cadernos de instrução e aprimorando seus temas de estudo nas escolas
militares. A presente pesquisa tencionou contribuir com tal esforço e não só agregar
conhecimentos advindos de um trabalho original, pois não há correspondente
anterior, como principalmente ser útil ao aperfeiçoamento do processo de
planejamento deste tipo de operações.
20
2
REFERENCIAL CONCEITUAL
A presente seção tem por finalidade apresentar a problemática em estudo.
Para tanto, foram abordados: o tema selecionado, o problema formulado
(antecedentes, formulação propriamente dita e os seus alcances e limites), a
justificativa da importância da execução da pesquisa e a contribuição que a
investigação traz para a doutrina do Exército Brasileiro.
2.1
TEMA
O presente trabalho versa sobre o tema ”Operações em Áreas Urbanas”. As
operações militares dessa natureza fazem parte da história das guerras ao longo
dos tempos. Seu planejamento e execução sempre se apresentaram como um
desafio aos diferentes exércitos e o resultado da batalha pelas cidades, por vezes,
selou o destino de toda uma guerra. Um exemplo marcante foi a campanha alemã
na Rússia, durante a segunda guerra mundial. A derrota em Stalingrado representou
o fim da ofensiva nazista e o início da derrocada na frente oriental. (BEEVOR, 2002).
O mundo vive uma era de crescente urbanização. Há um movimento mundial
de migração da população rural para as cidades. Combinada com o crescimento
exponencial da população nas últimas décadas do século XX, essa migração tem
gerado extensas áreas urbanizadas que contêm os centros populacionais,
econômicos e governamentais de suas respectivas regiões. Na Europa ocidental,
por exemplo, mais de cinqüenta por cento do território é urbanizado. Hoje em dia,
quase metade da população mundial vive em cidades e, conforme estudo da Divisão
de População do Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais da Organização
das Nações Unidas (ONU, 2005), estima-se que esta porcentagem aproxime-se dos
setenta por cento em 2015.
Como conseqüência do crescimento dos centros populacionais e sua
localização geográfica junto a importantes rodovias que, em caso de conflito,
balizarão os eixos de progressão, há uma grande tendência na condução de
operações militares que combates sejam cada vez mais travados no interior de
cidades. Sua importância estratégica faz com que seja muito difícil evitar tais
combates, apesar dos grandes riscos e dificuldades que envolvem as batalhas
nesse ambiente operacional.
As particularidades que envolvem o combate em área urbana tanto para o
defensor como para o atacante tornam sua execução de complexidade e riscos tão
21
grandes que as cidades em si são, inicialmente, consideradas como obstáculos
pelas tropas atacantes. Conforme previsto no manual de campanha C 100-5
(BRASIL, 1997), quando possível, as áreas edificadas devem ser desbordadas e
isoladas. Porém, em muitos casos isso não será possível e as cidades poderão
constituir-se em importantes acidentes capitais, podendo, inclusive, vir a representar
objetivos estratégicos (BRASIL, 1996). Nessas situações, é prescrita a utilização de
métodos aplicáveis para a redução ou neutralização das resistências, como nas
áreas fortificadas.
A atuação da força terrestre em áreas urbanas abrange um grande número
de operações e atividades que podem variar desde a ajuda humanitária até
combates de alta intensidade, passando pelas chamadas operações de estabilidade
e apoio. Segundo KRULAK1 (1997), apud ESTADOS UNIDOS (2002b), em um
cenário futuro, elementos de uma força estarão, em um momento, distribuindo
alimentos e roupas para refugiados e deslocados - provendo ajuda humanitária. A
seguir, estarão garantindo a separação de duas tribos antagônicas - conduzindo
operações de paz. Finalmente, irão travar um combate de média intensidade
altamente letal. Tudo no mesmo dia e dentro de três quadras. Isso se chamará a
“guerra das três quadras”.
No Brasil, mais recentemente, o Exército tem sido empregado de forma
sistemática em cidades, face a greves de polícias militares e intervenções federais
de repressão ao crime organizado e narcotráfico nas operações de garantia da lei e
da ordem. Tal emprego sofre as mesmas influências da urbanização que as ações
de combate convencional, aumentadas ainda pelas restrições jurídicas e pela rigidez
necessária das regras de engajamento, por ocorrerem dentro de uma situação de
normalidade.
Um outro exemplo é o que ocorre na participação brasileira na missão de paz
da Organização das Nações Unidas (ONU) para estabilização no Haiti (MINUSTAH).
Tal operação reveste-se de singular característica, pois não se enquadra
estritamente como de manutenção da paz, visto que o mandato que delimita a
atuação da tropa, regido pelo capítulo VII da Carta das Nações Unidas, permite a
condução de ações coercitivas e não apenas de legítima defesa (ORGANIZAÇÃO
DAS NAÇÕES UNIDAS, 2004). Sob tal enfoque, o contingente brasileiro envolveu1
KRULAK, Charles C., General Comandante U.S. Marines, "The Three Block War: Fighting In
Urban Areas", discurso proferido no National Press Club, Washington, D.C., 10 October 1997.
22
se em diversas situações e operações que podem ser caracterizadas como
operações de ataque em áreas urbanizadas, como por exemplo, nas localidades de
Cité Soleil e Bel Air (PEREIRA,2005).
2.1.1 Delimitação do tema
Dentro desse amplo espectro de operações que podem ser conduzidas pelo
exército em zonas urbanas, a presente pesquisa aborda estritamente o ataque a
áreas edificadas. Cabe ressaltar que tal operação pode ocorrer em um quadro de
guerra convencional, como parte de conflitos de menor intensidade ou até mesmo
em missões de paz da ONU. Não se enquadra como objeto de investigação a
participação em operações de garantia da lei e da ordem.
Conforme o manual de campanha C 7-1 – emprego da infantaria, (BRASIL,
1984), “o ataque a uma localidade é realizado em três fases: isolamento da
localidade, conquista de área de apoio em sua periferia e progressão no interior da
localidade”.
O isolamento consiste em uma etapa primordial do ataque a uma cidade e
compreende o bloqueio das vias terrestres e aquáticas de entrada e saída da área
considerada, com a finalidade de impedir a chegada de reforços e suprimentos para
os elementos isolados, bem como impedir o retraimento destes (BRASIL, 2003b).
Embora seja uma fase do ataque a uma área edificada, trata-se, via de regra, de
uma operação ofensiva de ataque normal, ainda em terreno aberto, fora do
perímetro urbano.
A segunda e a terceira fases do ataque à localidade não possuem separação
nítida e devem ocorrer de forma sucessiva, sem interrupções ou paradas excessivas
em sua execução, sendo, por tais razões, denominadas em conjunto de
investimento
(BRASIL,
2003b),
constituindo
o
ponto
focal
deste
estudo.
Desenvolvem-se essencialmente dentro da área urbana e podem ser conduzidas por
uma força diferente daquela que realizou o isolamento.
O investimento sobre a localidade reveste-se de particularidades, a começar
pela complexidade do terreno, com suas edificações, ruas e subterrâneos, gerando
um campo de batalha multidimensional, influenciando sobremaneira o planejamento
e a condução das operações. Cada cidade é única, possui um padrão de
construções diferenciado, com crescimento e urbanização próprios, conforme seu
plano diretor ou a evolução da sociedade que nela vive.
23
O inimigo a ser enfrentado também assume características singulares, pois
não envolve apenas exércitos regulares, mas pode apresentar-se como milícias,
forças irregulares, paramilitares, insurgentes, grupos criminosos ou terroristas. Sua
forma de atuação sofre influência do ambiente urbano, fazendo com que as linhas
de ação adotadas sejam diferenciadas, ocorrendo um aumento da fluidez e
predomínio
de
ações
de
pequenas
frações,
altamente
descentralizadas,
aproveitando-se da grande compartimentação e das várias dimensões do campo de
batalha.
Um outro importante aspecto é a presença da população e sua influência
sobre as operações. Sua etnia, costumes, religião, dimensão, condições de vida e,
principalmente, atitude face aos contendores devem ser observadas e representam,
na maioria das vezes, um fator de decisão de grande relevância, podendo ter
reflexos nos meios a serem empregados, nas missões táticas atribuídas e na própria
condução das atividades.
Assim, as operações de ataque em áreas urbanas, particularmente na fase de
investimento, revestem-se de um caráter diferenciado. O presente trabalho aborda
as particularidades do planejamento deste tipo de operações, com enfoque para os
meios necessários ao cumprimento das missões, definidos no poder de combate da
força atacante.
2.2
PROBLEMA
Esta seção secundária destina-se a definir o problema, objeto da presente
pesquisa. Serão apresentados seus antecedentes, para melhor compreensão de sua
origem e magnitude, bem como serão traçados os alcances e limites da pesquisa.
2.2.1 Antecedentes
O estudo de situação do comandante tático, previsto no manual de
campanha C 101-5 (BRASIL, 2003a) prevê como deve ser conduzido o processo de
tomada de decisão para as diversas operações. Ao abordar operações de ataque,
são exemplificadas situações referentes ao ataque coordenado. São descritos os
passos de montagem de linhas de ação e a posterior análise de linhas de ação
opostas, que conduz a aperfeiçoamentos nas propostas a serem comparadas e
posteriormente submetidas à aprovação do comandante. O manual, no entanto, é
genérico (como deve ser para abranger o maior número possível de situações) e
24
não tece maiores detalhes sobre o planejamento de operações de ataque em áreas
edificadas.
As condicionantes que envolvem as operações urbanas são listadas em
diversos manuais doutrinários do Exército Brasileiro. Porém, somente o manual de
campanha C 7-20 – Batalhões de Infantaria (BRASIL, 2003b) apresenta conceitos
relativos ao poder de combate necessário à condução de tais operações. No referido
manual, entretanto, são estabelecidos parâmetros de planejamento superficiais, que
têm por base a largura da zona de ação, em termos de quarteirões, atribuída a cada
peça de manobra valor subunidade ou pelotão, dedicando menor importância ao
estudo do inimigo como fator de planejamento, deixando de abordar com mais
profundidade a análise do terreno em si e desconsiderando a presença e os efeitos
da população local.
Quando do desenvolvimento de temas relativos a combates em localidades
ou operações de grandes comandos que envolvam conquista de cidades, a Escola
de Comado e Estado-Maior do Exército (ECEME) adota convenções genéricas, que
variam de um tema para o outro. Estas convenções ditam o poder de combate
necessário para conquista e manutenção de determinada área urbana, sempre
tendo como base a população da mesma. Como exemplo, o tema de FTC2 em
Operações Ofensivas aplicado em 2007 previa que para a conquista de cidades com
população de até 100.000 habitantes seria necessário 01 brigada e para cidades
maiores, 02 brigadas (ECEME, 2007). Não é feita nenhuma consideração quanto à
força inimiga presente na localidade ou outras características do terreno.
A convenção adotada pela ECEME não encontra embasamento em nenhum
manual doutrinário de Exército Brasileiro, porém alguns exércitos adotam em seus
manuais padronizações semelhantes, como por exemplo a Espanha, em seu manual
de Combate em Zonas Urbanas (ESPANHA, 2003), que também faz correlações da
força necessária com o número de habitantes da cidade.
O manual FM 3-06 – Operações Urbanas (ESTADOS UNIDOS, 2003) atesta
que “sob condições normais, áreas urbanas extensas requerem mais tropas,
simplesmente para manter o controle”.
2
Força Terrestre Componente
25
Em relação ao tamanho da força necessária para um ataque, o Exército dos
EUA, em seu manual FM 3-06.11 – Operações de armas combinadas em terreno
urbano (ESTADOS UNIDOS, 2002a, p.2-32), afirma que:
Depende mais da qualidade da inteligência, do grau de surpresa e do grau
de superioridade do poder de fogo do atacante do que do grau de
sofisticação com que o defensor tiver preparado a área urbana. Outras
considerações para a determinação do valor da força atacante são a
dimensão da aceitabilidade de danos colaterais e a quantidade esperada de
não-combatentes. (tradução do autor)
A mesma publicação (ESTADOS UNIDOS, 2002a) atesta que, devido à
natureza do combate, áreas urbanas requerem mais tropas devido às necessidades
operacionais, fadiga em combate, controle de civis e evacuação de baixas.
Comandantes e seus estados-maiores devem assegurar-se que suas unidades
estão dotadas do adequado poder de combate para cumprir suas missões.
Ainda sobre a necessidade de tropas para a condução dessas operações, o
mesmo manual afirma que: “a densidade de tropas para a condução de operações
em áreas urbanas pode ser de três a cinco vezes maior do que para missões
similares em terreno aberto”. (ESTADOS UNIDOS, 2002a) (tradução e grifo do
autor).
No entanto, o estudo do poder de combate por si só não é completo, pois de
nada vale se não houver um termo de comparação para saber se realmente ele será
eficaz para o cumprimento da missão recebida ou não. O melhor meio de se chegar
a tal conclusão é a confrontação do poder de combate dos dois opositores em cada
operação. Emerge daí o conceito de poder relativo de combate:
valor comparativo da capacidade combativa de duas forças oponentes
levando em conta não só a comparação quantitativa e qualitativa dos seus
meios físicos (elementos de manobra, de apoio, de comando), como
também das condições situacionais (atitude, dispositivo, terreno,
disponibilidade de informações) e dos fatores morais (valor profissional dos
comandantes e valor moral das tropas envolvidas). (ECEME, 2002, p.185)
A Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME) tem como
publicação escolar os Dados Médios de Planejamento (DAMEPLAN) (ECEME,
2004), que apresenta, dentre outros, vários conceitos e valores relativos à análise do
poder relativo de combate, incluindo fatores de degradação e valores básicos de
relação de quantidades de peças de manobra para diferentes tipos de operação. Tal
publicação também é adotada, com pequenas modificações, na Escola de
Aperfeiçoamento de Oficiais (EsAO) e serve de base para os trabalhos escolares
desenvolvidos.
26
O cálculo apresentado pela ECEME relaciona como itens básicos do poder de
combate de uma determinada força os elementos de manobra e de apoio de fogo.
Estabelece, ainda, como fatores multiplicadores: terreno, vegetação, visibilidade,
moral, efetivo profissional, experiência de combate, enquadramento, capacidade
logística, capacidade de comunicações, engenharia, guerra eletrônica e artilharia
antiaérea.
A ECEME apresenta na mesma publicação escolar um quadro onde
especifica a relação básica que se deve buscar entre o número de peças de
manobra para a execução de diferentes tipos de operações.
Missão
Ataque
Proporção (mínima)
Principal
3/1
Secundário
2/1
Fixação
1/1
Defesa
1/3
Quadro 1 – Relação quantitativa para a execução de diferentes operações
Fonte: ECEME (2004, p 3-11).
De igual forma, o Exército norte-americano também apresenta, em seu
manual FM 5-0, um quadro com o histórico de proporções mínimas de planejamento
para as diferentes operações.
Missão
Posição
Retardamento
Proporção
Amigo : Inimigo
1:6
Defesa
Preparada ou fortificada
1:3
Defesa
Sumariamente organizada
1 : 2,5
Ataque
Preparada ou fortificada
3:1
Ataque
Sumariamente organizada
Contra-ataque
Flanco
2,5 : 1
1:1
Quadro 2 – Histórico da proporção mínima de planejamento
Fonte: Estados Unidos (2005, p 3-32) – tradução do autor.
Ao apresentarem tais quadros, tanto o Exército Brasileiro como o dos EUA
estabelecem apenas uma base inicial de planejamento. Os dados referem-se
somente a elementos de manobra. Para o detalhamento do estudo, os demais
componentes do poder de combate deverão ser avaliados segundo as tabelas e
fórmulas referentes ao poder relativo de combate. Observa-se, ainda, que nas
publicações de ambos os exércitos o estudo é apresentado de forma genérica, não
27
apresentando qualquer afirmação que particularize a análise para operações em
áreas edificadas.
Ainda sobre a relação de poder de combate necessária, SEYMOUR3 (1991),
apud DiMARCO (2002) afirma que, “Napoleão estimava que uma força que atacava
uma cidade fortificada deveria ter uma superioridade de 4 para 1 em relação ao
defensor” (tradução do autor). DiMARCO(2002) corrobora tal estimativa ao fazer
referência à batalha de Viena em que os turcos otomanos superaram as forças do
Império Romano a uma proporção de aproximadamente 4 para 1.
A doutrina militar britânica (INGLATERRA, 2002) também prevê que um
ataque em uma área urbana requer uma grande quantidade de forças. A proporção
de forças deve ser bem superior à normalmente empregada de 3 para 1. Aponta
também que o Exército Vermelho planejou o ataque a Stalingrado com uma
proporção de 8 atacantes por defensor e que novos estudos indicam que o atacante
só terá assegurada a vantagem com uma relação superior a 10 para 1.
Os estudos apresentados indicam, portanto, que a doutrina do Exército
Brasileiro não aborda com profundidade a determinação do poder de combate
necessário para o ataque a áreas edificadas. Observa-se, ainda, que existem
contradições nas doutrinas norte-americana e britânica, apesar dos Estados Unidos
e da Inglaterra estarem constantemente envolvidos nesse tipo de operações.
Ademais, exemplos históricos apontam que a preocupação com o combate urbano e
a relação de poder de combate necessária às forças atacantes remonta de longa
data e esteve presente em importantes momentos da história militar.
2.2.2 Formulação do problema
Decorrente dos antecedentes descritos anteriormente, chegou-se à seguinte
indagação-problema, que orientou os trabalhos de investigação:
- Como determinar o poder de combate necessário para a realização de um
ataque a uma área edificada?
2.2.3 Alcance e Limites
O estudo enquadrou-se no contexto da guerra moderna, em que os exércitos,
cada vez mais, têm desenvolvido operações em áreas urbanas. Não tratou,
3
SEYMOUR, William, Great Sieges of History, Londres: Brassey’s, 1991
28
entretanto, da realização de operações tipo polícia, realizadas em um quadro de
garantia da lei e da ordem, como atualmente o Exército Brasileiro tem sido
empregado nas grandes regiões metropolitanas do País.
A pesquisa abordou somente as operações que puderam ser caracterizadas
como um ataque, isto é, uma ação ofensiva com a finalidade de derrotar, destruir ou
neutralizar o inimigo (BRASIL, 1997), desencadeadas por um exército regular com o
objetivo de conquistar ou tomar o controle de determinada cidade.
Para melhor caracterização das operações, as batalhas ocorridas nos últimos
quinze anos foram utilizadas como fundamentação histórica e base para análise.
Essa delimitação encontra suporte no relatório apresentado pela Organização do
Tratado do Atlântico Norte (OTAN, 2003), o qual prevê que os conceitos e lições
extraídas das experiências de combate em áreas urbanas da segunda guerra
mundial devem ser reconsiderados, visto que as operações militares atualmente
sofrem restrições legais, sociais e morais que não existiam naquela época. De igual
forma, as evoluções tecnológicas permitiram aos comandantes novas e relevantes
potencialidades. Buscou-se, dessa maneira, uma maior aproximação com a
realidade e com as características que revestem as atuais campanhas que envolvem
áreas edificadas.
O trabalho abordou as diversas variáveis que podem influenciar na
determinação do poder de combate necessário, analisando sua participação na
realização de operações de ataque em ambiente urbano. Não constituiu, pois, objeto
de pesquisa uma análise mais aprofundada da pertinência ou da necessidade de
sua realização. Procurou-se apresentar as situações em que a doutrina brasileira
prevê que tais operações são conduzidas e, a partir daí, aprofundou-se o estudo no
tocante ao poder de combate necessário.
O estudo tomou como base os dados constantes da publicação DAMEPLAN
(ECEME, 2004) e o que os demais manuais doutrinários do Exército Brasileiro
abordam acerca do poder de combate necessário à condução das ações, não sendo
feita uma análise mais depurada da aplicabilidade de tais dados em operações
convencionais. Procurou-se, sim, estabelecer uma relação com as características
particulares do ambiente urbano, procurando verificar a adequação dos dados
existentes e possíveis propostas de aperfeiçoamento.
29
2.3
JUSTIFICATIVAS
Ao longo dos últimos anos, em todos os conflitos mundiais, ocorreram
operações em áreas urbanas. Como principais exemplos podem ser citados os
combates em Beirute, Kosovo, Grozny, Panamá, Mogadício, Kabul, Basra e Bagdá.
Verifica-se, pois, que o assunto é relevante por tratar-se de um tema da atualidade e
de uma tendência para o século que se inicia. (OTAN, 2003)
O Exército Brasileiro procura acompanhar tal dinâmica de evolução dos
acontecimentos, incrementando os estudos acerca do tema e incluindo atividades
dessa natureza em seu adestramento. Como exemplo, pode-se citar a avaliação
desenvolvida pelo Centro de Avaliação de Adestramento do Exército (CAADEx).
Anualmente, subunidades integrantes da Brigada de Infantaria Pára-quedista e da
Brigada de Infantaria Leve são avaliadas por aquele centro em exercícios de ataque
a localidade, no campo de instrução de Gericinó.
No campo do ensino, a Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais (EsAO)
aumentou, recentemente, a carga-horária destinada ao tema em seu plano de
disciplinas comuns e incluiu em suas atividades a realização anual de um exercício
no terreno envolvendo todos os cursos, com enfoque para o emprego de armas
combinadas na conquista de uma localidade (EsAO, 2003). Não menos importante,
destaca-se a construção de uma localidade-escola no campo de instrução da
Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN), destinada ao adestramento dos
cadetes em técnicas, táticas e procedimentos em áreas edificadas.
No entanto, ao se analisar a doutrina militar terrestre brasileira, não se verifica
grande número de publicações que versem sobre operações urbanas. O manual de
campanha C 100-5 - Operações (BRASIL, 1997) inclui poucos comentários a
respeito e, dentre os demais manuais da força terrestre, o único que aborda o tema
com um pouco mais de profundidade é o C 7-20 – Batalhões de Infantaria (BRASIL,
2003).
O manual específico sobre o assunto é o C 31-50: combate em zonas
fortificadas e localidades (BRASIL, 1976). Essa publicação trata muito de detalhes
táticos individuais e de pequenas frações, de como progredir ou defender uma
localidade, mas se apresenta desatualizada em vários aspectos, visto tratar-se de
um documento de mais de trinta anos. Além disso, o referido manual não aborda
detalhes de planejamento específicos para determinação do poder de combate
30
necessário às operações. Tal deficiência pode gerar dúvidas para os planejadores,
que não dispõem de fontes de consulta adequadas.
Recentemente, o Comando de Operações Terrestres (COTER) publicou o
caderno de instrução CI 7-5/2 – O Pelotão de Fuzileiros no Combate em Área
Edificada (BRASIL, 2006). Tal publicação traz excelentes contribuições no tocante a
técnicas de progressão e condutas a serem adotadas pelo pelotão e suas frações na
progressão e no combate no interior da localidade, fundamentadas em experiências
recentes de diversos exércitos. No entanto, uma vez mais se verifica a preocupação
com os menores escalões e a ausência de fundamentos necessários ao
planejamento de níveis mais elevados.
Assim, percebe-se a necessidade da presente pesquisa, por que, apesar do
Exército Brasileiro dedicar relevância ao tema, em face de sua prevalência nos
combates contemporâneos, trata-se de um assunto que ainda carece de um
aprofundamento doutrinário. Tal lacuna ficou claramente descrita nas conclusões
apresentadas pelo CAADEx no relatório do I Simpósio de Combate em Área
Edificada, realizado no Rio de Janeiro em 1999.
Tendo em vista o crescente aumento dos conflitos que grassam pelo
mundo em ambiente operacional urbano e uma tendência cada vez maior
do emprego das Forças Armadas Brasileiras em conjunto com forças
armadas de outros países, constituindo grupamentos multinacionais a
serem usados em missões de paz pela Organização das Nações Unidas
faz-se necessário um redimensionamento e uma reestruturação da doutrina
do combate em área edificada vigente em nosso Exército. Atualmente a
literatura que é encontrada sobre o assunto é extremamente pobre e
encontra-se defasada em relação ao que se encontra atualmente em vigor
pelos principais exércitos do mundo. É notória a necessidade de uma
reestruturação doutrinária do assunto, uma vez que novas tecnologias e
novas técnicas vêm surgindo. (CAADEx, 1999) (grifo do autor)
Durante a execução da presente pesquisa verificou-se ainda uma série de
atividades relacionadas a combates em localidades conduzidas pelo Exército
Brasileiro. No tocante à ECEME, o projeto interdisciplinar realizado pelo alunos do 2º
ano do Curso de Altos Estudos Militares (CAEM) conteve atividades relacionadas ao
tema. No âmbito Exército, foram realizadas duas grandes atividades, com a
finalidade de colher subsídios para a edição de um novo manual sobre o assunto:
um intercâmbio de especialistas Brasil-EUA, realizado na 12ª Brigada de Infantaria
Leve e um seminário de “Operações Militares em Ambiente Urbano”, coordenado
pela 3ª Subchefia do Estado-Maior do Exército.
31
2.4
CONTRIBUIÇÕES
O presente trabalho pretende agregar conhecimentos à doutrina militar
brasileira no que diz respeito ao tema em questão. As conclusões e recomendações
apresentadas poderão servir de suporte necessário para aperfeiçoamento
doutrinário relativo às operações em ambiente urbano.
Pretende-se, ao final do estudo, estabelecer uma orientação de como se
determinar o poder de combate necessário para a realização de operações de
ataque neste ambiente operacional. Com isso, tenciona-se fornecer dados para que
os planejadores dos diversos escalões possam trabalhar na elaboração de linhas de
ação para o cumprimento de suas missões. Não há a intenção de reduzir o estudo a
números ou equações matemáticas, pois cada operação terá suas particularidades.
Visa-se, pois, possibilitar o estabelecimento de associações que sirvam de base
para a análise das demais condicionantes do planejamento militar.
O aperfeiçoamento da doutrina poderá orientar de forma mais clara o
detalhamento de objetivos de adestramento a serem alcançados durante o ano de
instrução. De igual maneira, permitir que as escolas da linha do ensino militar bélico
instruam com maior profundidade os oficiais no tocante ao planejamento de
operações em áreas edificadas, adequando os temas à realidade dos conflitos
recentes.
Isto posto, espera-se, por fim, que os resultados dessa pesquisa auxiliem os
comandantes dos diversos níveis a tomarem decisões acertadas quando se
depararem com operações dessa natureza. O cenário de uma guerra urbana é
traçado pelos principais países do mundo como muito provável em operações
futuras e o Exército Brasileiro deve estar atualizado e pronto para enfrentar suas
particularidades e desafios.
32
3
REFERENCIAL METODOLÓGICO
Esta seção primária destina-se a apresentar como foi realizada a pesquisa e a
metodologia empregada para a solução do problema. Inicialmente serão
apresentados os objetivos e a hipótese. A partir daí, serão identificadas
e
detalhadas as variáveis de estudo e delimitados os procedimentos metodológicos
que foram observados no trabalho.
3.1
OBJETIVOS
Os objetivos a seguir apresentados nortearam o estudo do tema. Foram
estabelecidos de forma a permitir a comprovação ou não da hipótese, com a
conseqüente solução do problema levantado. Os objetivos específicos identificaram
e detalharam as ações realizadas e as diferentes etapas da pesquisa. Sua
integração contribuiu para a consecução do objetivo geral, finalidade principal da
investigação.
3.1.1 Objetivo Geral
Identificar uma metodologia adequada para a determinação do poder de
combate necessário a ser adotado pelo Exército Brasileiro em operações de ataque
a áreas edificadas.
3.1.2 Objetivos Específicos
- Analisar o ambiente operacional urbano, suas particularidades e os efeitos
sobre as operações militares;
- Identificar as particularidades do combate urbano;
- Comparar a doutrina do Exército Brasileiro com a de outros exércitos no
tocante à determinação do poder de combate necessário em operação de ataque
em áreas edificadas;
- Analisar os casos históricos de ataque a áreas edificadas, nos últimos
quinze anos, identificando o poder de combate de cada oponente, as características
de cada área urbana, da população das cidades e das batalhas propriamente ditas;
- Identificar as principais lições aprendidas dos combates urbanos, nos
últimos quinze anos, com relação ao poder de combate necessário para condução
das operações;
33
- Desenvolver uma pesquisa de campo com especialistas, por meio de um
experimento científico padronizado de modo a colher subsídios sobre o
planejamento de operações em área urbana;
- Estabelecer correlações entre os casos históricos estudados tomando por
base os parâmetros obtidos na revisão bibliográfica; e
- Identificar aperfeiçoamentos a serem propostos na doutrina do Exército
Brasileiro de planejamento de operações de ataque em ambiente urbano.
3.2
HIPÓTESES
O trabalho foi desenvolvido no intuito de verificar a validade da seguinte
hipótese de estudo:
H1 - O poder de combate necessário para a condução de um ataque em áreas
edificadas pode ser determinado pela análise das variáveis manobra, terreno,
população e inimigo.
A não verificação da hipótese de estudo apresentada conduzirá à hipótese
nula:
H0 - Não é possível determinar o poder de combate necessário para a
condução de um ataque em áreas edificadas pela análise das variáveis manobra,
terreno, população e inimigo.
3.3
VARIÁVEIS
Da análise da hipótese observa-se que as variáveis envolvidas no presente
estudo são o poder de combate necessário para a condução de um ataque e os
fatores manobra, terreno, população e inimigo. Embora não se observe relação de
causalidade entre as variáveis, pode-se entender que dependendo de como se
apresente a manobra da força atacante, o terreno da localidade, sua população e o
inimigo em cada batalha (variáveis independentes), o poder de combate necessário
para a condução de um ataque (variável dependente) poderá variar. O grau de
significância dessa influência será o objeto dessa investigação.
3.3.1 Definição operacional das variáveis
- Variável I: poder de combate necessário para a condução de um ataque.
O conceito de poder de combate e suas particularidades deve ser a base para
o estudo do tema proposto. O manual de campanha C 100-5 Operações (BRASIL,
1997, p.4-15) assim o define:
34
O poder de combate é a capacidade de combate existente em determinada
força, resultante da combinação dos meios físicos à disposição e do valor
moral da tropa que a compõe, aliados à liderança do comandante da tropa.
O poder de combate depende, em larga escala, das qualidades de chefia e
da competência profissional do comandante, traduzidas na organização,
adestramento, disciplina, espírito de corpo, estado do equipamento e
emprego engenhoso das forças. Depende, também, das características e
possibilidades dos meios que compõem essas forças.
Ao analisar esta definição, verifica-se que o poder de combate é resumido
sinteticamente em três aspectos: meios físicos disponíveis, valor moral da tropa e
liderança do comandante. Dentre esses, o valor moral da tropa e a liderança do
comandante são de difícil mensuração e são desenvolvidos de forma constante,
desde o adestramento da tropa até sua participação em combate. Em contrapartida,
os meios disponíveis são mais facilmente mensuráveis, variando a cada operação,
conforme decisão do escalão superior. Baseado nessa análise, quando se planeja
uma operação, em geral, determina-se “poder de combate” somente como a
quantidade de meios colocados à disposição de determinado comando.
O Exército dos Estados Unidos corrobora tais princípios ao estabelecer em
seu manual de operações FM 3-0, que poder de combate é o total de forças
destrutivas que uma unidade militar pode aplicar contra um adversário em
determinado momento. Devem-se combinar os elementos do poder de combate –
manobra, poder de fogo, liderança, proteção e informação – para adaptar-se
constantemente e derrotar o inimigo. Derrotar o inimigo requer aumentar as
diferenças entre as forças amigas e inimigas reduzindo o poder de combate inimigo.
Isso pode ser feito sincronizando os elementos do poder de combate das forças
amigas para criar efeitos esmagadores no momento e local decisivo. Concentração
do poder de combate assegura o sucesso e nega ao inimigo qualquer chance de
manter resistência adequada. O efeito da massa criado pela sincronização dos
elementos do poder de combate é a forma segura de limitar as baixas amigas e
acelerar o fim da campanha ou operação.(ESTADOS UNIDOS, 2001).
Em consonância, o Exército da Inglaterra (INGLATERRA,2002) prevê que o
poder de combate compreende os meios para lutar, os equipamentos, recursos e
organização que são necessários para ser empregados em combate. Pode ser
criado na paz, devendo ser ajustado e aumentado para uma operação específica
quando da ameaça de conflito e atingido e mantido enquanto o conflito durar.
35
A determinação do poder de combate necessário surge então como etapa
fundamental no planejamento de uma operação. Embora o conceito de poder de
combate seja mais abrangente, verifica-se que o número de peças de manobra
apresenta-se como o fator mais tangível e mensurável do poder de combate e
tradicionalmente é usado para defini-lo em planejamentos operacionais.
Esta variável foi analisada, restringindo-se o estudo do poder de combate ao
número de peças de manobra empregadas pelas forças atacantes. Para efeito de
comparação entre exércitos e batalhas diferentes, adotou-se como indicadores o
número de brigadas e o efetivo total empregado.
VARIÁVEL I
PODER DE
COMBATE DA
FORÇA
ATACANTE
DIMENSÃO
Peças de
manobra
INDICADOR
Número de peças de
manobra VALOR
BRIGADA
Efetivo total de
militares empregados
MEDIÇÃO
Verificação dos
casos históricos
Quadro 3: Operacionalização da variável I.
Fonte: o autor.
- Variável II: manobra
Esta variável foi analisada observando-se os casos históricos analisados e
verificando-se qual a forma de manobra empregada para a conquista e/ ou controle
da área urbana. Procurou-se estabelecer uma comparação entre duas formas
básicas de atacar uma área urbana, por meio de um combate sistemático, casa a
casa, ou de um ataque pontual e seletivo, direcionado aos centros de gravidade da
mesma.
VARIÁVEL II
DIMENSÃO
INDICADOR
MEDIÇÃO
MANOBRA
Forma de
manobra da
força atacante
Método de progressão
Verificação dos
casos históricos
Quadro 4: Operacionalização da variável II.
Fonte: o autor.
- Variável III: terreno
Esta variável foi analisada levando-se em conta as possibilidades de variação
da arquitetura e conformação geral das localidades a serem atacadas, conforme
aspectos levantados na revisão bibliográfica realizada. O estudo de cada caso
36
histórico levou em consideração a localidade como um todo, a fim de melhor
caracterização do terreno. Seus indicadores encontram forte correlação, mas foram
considerados de forma distinta para verificar se havia diferença na influência sobre a
variável dependente. O critério “população total” foi incluído nesta variável pois
assim o fazem diversas fontes e institutos geográficos para representar o tamanho
de uma cidade.
VARIÁVEL III
DIMENSÃO
TERRENO
Tamanho da
cidade
MEDIÇÃO
INDICADOR
Área em km2
Análise dos casos históricos
População total
Quadro 5: Operacionalização da variável III.
Fonte: o autor.
- Variável IV: inimigo
Esta variável foi analisada levando-se em conta as diversas formas e
possibilidades que o inimigo pode apresentar na defesa de uma localidade,
conforme a revisão bibliográfica realizada. Como em muitos casos a composição do
defensor apresenta uma variedade grande de forças, com a predominância de
forças irregulares, o indicador do valor do inimigo a ser adotado foi seu efetivo em
termos absolutos.
VARIÁVEL IV DIMENSÃO
INIMIGO
Valor
INDICADOR
MEDIÇÃO
Efetivo total empregado Análise dos casos históricos
Quadro 6: Operacionalização da variável IV.
Fonte: o autor.
- Variável V: população
Esta variável foi analisada levando-se em conta as diversas considerações
civis que podem estar presentes em uma operação de ataque a uma localidade. Tal
variável foi considerada como mais um fator de decisão para as operações urbanas,
conforme estudo apresentado no referencial teórico.
VARIÁVEL V
POPULAÇÃO
DIMENSÃO
INDICADOR
MEDIÇÃO
Efetivo
Número de civis presentes
Opinião
pública
Apoio, neutralidade ou
oposição à força atacante
Análise dos casos
históricos
Quadro 7: Operacionalização da variável V.
Fonte: o autor.
37
3.4
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
O método que proporcionou a base lógica da investigação realizada foi o
indutivo. Conforme GIL (2007), de acordo com o raciocínio indutivo, a generalização
deve ser constatada a partir da observação de casos concretos suficientemente
confirmadores dessa realidade. Assim, procurou-se fundamentar as conclusões e
inferências a partir dos exemplos históricos analisados.
Em relação ao meio técnico de investigação, utilizou-se o método
observacional, no tocante ao estudo das batalhas selecionadas, pois o pesquisador
não interfere ou toma qualquer providência para que algo ocorra, devendo valer-se
apenas da observação do que já aconteceu. Pode-se definir esta etapa da pesquisa
como ex-post-facto, pois se tratou de “uma investigação sistemática e empírica na
qual o pesquisador não tem controle direto sobre as variáveis independentes,
porque já ocorreram suas manifestações ou porque são intrinsecamente não
manipuláveis” (KERLINGER4, 1975, apud GIL, 2007).
A opção pela pesquisa ex-post-facto deveu-se à constatação de que a fim de
obter os resultados pretendidos para a presente pesquisa seria inviável a formulação
de um experimento prático, como por exemplo empregar uma brigada ou uma
divisão de exército em um exercício para conquistar uma cidade. Implicações
logísticas e absoluta impossibilidade de controlar as variáveis desejadas não
permitem a execução de tal experimento.
De igual forma, um experimento apenas não permitiria avaliar a pertinência ou
não dos dados obtidos, muito menos a sua generalização para emprego de caráter
doutrinário, visto que cada cidade é única e as variáveis podem se portar de maneira
diferente. Assim, a pesquisa pautou-se no estudo posterior a fatos desenvolvidos,
em que todas as variáveis estiveram presentes e atuaram de forma totalmente
independente, dentro de uma metodologia já aceita no meio científico, a fim de inferir
conclusões pertinentes.
A aproximação com a realidade também se fez no aspecto temporal, ao
restringir a pesquisa ao estudo de combates ocorridos nos últimos quinze anos. A
evolução da arte da guerra ao longo do tempo ocorre de maneira correspondente à
evolução da sociedade e seus valores. Assim, a comunidade internacional de hoje já
não aceita ou permite que sejam conduzidas batalhas como nos tempos passados
4
KERLINGER, F. N. Metodologia da pesquisa em ciências sociais: um tratamento conceitual. São
Paulo: EPU/Edusp, 1979.
38
em que os danos colaterais, apesar de enormes, não tinham relevância e os mortos
nos campos de batalha eram contados aos milhões. Uma pesquisa desta natureza
somente poderia ser válida se fosse baseada em fatos históricos recentes.
O trabalho desenvolveu-se em dois níveis de pesquisa: exploratório e
descritivo. O estudo exploratório tem como base a pesquisa bibliográfica, a fim de
melhor caracterização das variáveis a investigar, no intuito de operacionalizá-las, e
foi estruturado da seguinte maneira:
- baseou-se no que prescreve a doutrina do Exército Brasileiro e no
que vem sendo adotado pela Força Terrestre em operações dessa natureza. Foi
feito, ainda, um levantamento de como outros exércitos enfocam o tema, com ênfase
para o norte-americano, britânico, espanhol e da OTAN, por serem os que mais
recentemente estiveram envolvidos em operações em ambiente urbano; e
- o método de análise foi o comparativo, levando-se em conta o que
prescreve a nossa doutrina e a de exércitos de outros países.
Os levantamentos foram feitos junto à bibliografia disponível na biblioteca da
Escola de Comando e Estado-Maior do Exército e na Escola de Aperfeiçoamento de
Oficiais, bem como em páginas eletrônicas da rede mundial de computadores
referentes ao Exército Brasileiro, onde se procurou, inicialmente, colher todos os
dados disponíveis sobre o assunto na doutrina militar brasileira. As informações
doutrinárias de outros exércitos foram obtidas por intermédios de oficiais brasileiros
que realizam ou realizaram cursos recentemente no exterior, manuais, publicações e
páginas eletrônicas destes exércitos.
Após a definição operacional das variáveis, o estudo prosseguiu com
levantamentos bibliográfico e documental, já em uma pesquisa descritiva, onde se
buscou estabelecer uma relação entre as variáveis estudadas. Nesta etapa, fez-se
um estudo acerca de casos históricos transcorridos a partir da segunda guerra
mundial, sendo buscadas informações em relatórios, revistas, artigos e páginas
eletrônicas especializadas, que diziam respeito a operações urbanas desenvolvidas
nesse período.
A partir da coleta de dados, foi feita uma análise crítica e comparativa das
diversas operações realizadas, das lições aprendidas em cada uma delas e do que
prescreve a doutrina do Exército Brasileiro e de outros exércitos. Elaborou-se, em
seguida, o texto do relatório da pesquisa, abordando as questões investigadas e as
respostas decorrentes. Em função da confirmação da hipótese, foram formuladas as
39
conclusões e recomendações, com os possíveis aperfeiçoamentos sugeridos à
doutrina militar terrestre.
Destaca-se que a pesquisa apresenta como limitação a impossibilidade de se
verificar a confirmação ou não da hipótese e a pertinência dos possíveis
aperfeiçoamentos sugeridos por meio de uma experimentação direta, por razões já
descritas. Para minimizar tal deficiência, o trabalho buscou o máximo de dados
históricos que corroboram as soluções encontradas para o problema proposto e
desenvolver uma pesquisa de campo junto a oficiais do Exército Brasileiro.
3.4.1 Pesquisa de campo
Para o desenvolvimento da presente investigação foi realizada uma pesquisa
de campo junto a oficiais do Exército Brasileiro, com o intuito de verificar quais
seriam os principais tópicos a serem avaliados no estudo de situação para o
planejamento do ataque a uma localidade e sua influência na determinação do poder
de combate necessário.
3.4.1.1Seleção da amostra
Dentro do universo de oficiais do Exército Brasileiro, buscou-se selecionar
uma população que possuísse conhecimentos doutrinários suficientes para
responder aos questionamentos propostos de forma adequada. Com base nessa
premissa, decidiu-se inicialmente por selecionar apenas oficiais que já tivessem
concluído o curso de comando e estado-maior (CCEM).
O principal problema enfrentado a seguir foi que, embora tais oficiais tivessem
conhecimento doutrinário acerca do planejamento de operações ofensivas, o
assunto combate em localidades, mais precisamente ataque a áreas edificadas, não
é ministrado com profundidade na ECEME e apenas recentemente o tem sido na
EsAO.
Considerando que o conhecimento acerca do assunto seria fundamental para
seleção da amostra e que os oficiais do CCEM 2006-2007 fariam um estudo
aprofundado do tema por ocasião do projeto interdisciplinar 2007, foi decidido utilizar
uma amostra selecionada de forma intencional, não-probabilística, composta por
todos os integrantes do CCEM e CCEM / Int 2006-2007.
Tal amostra compunha-se de 128 oficiais do Exército Brasileiro, sendo 41 da
arma de infantaria, 29 de cavalaria, 21 de artilharia, 09 de engenharia, 10 de
40
comunicações, 10 do quadro de material bélico e 08 do serviço de intendência.
Possuíam de 19 a 27 anos de serviço militar, sendo que, um mínimo de 17 e um
máximo de 24 anos como oficial.
Quando da realização da pesquisa os sujeitos da amostra já haviam estudado
todos os assuntos previstos para o CCEM e CCEM / Int relativos a manobras dos
diversos escalões da Força terrestre, perfazendo um total de 557 horas-aula, sendo
265 horas-aula de operações defensivas e 292 horas-aula de operações ofensivas,
conforme previsto no plano de disciplinas referente a cada curso (ECEME, 2005).
3.4.1.2Procedimentos metodológicos
A pesquisa foi desenvolvida durante a realização do projeto interdisciplinar,
previsto no currículo da ECEME para o início do segundo ano do curso de comando
e estado-maior. Para a melhor qualificação da amostra, foram ministradas instruções
preliminares aos sujeitos, envolvendo análises de casos históricos de ataque a
localidades (2 horas de palestra) e aspectos doutrinários de operações em áreas
urbanas (4horas).
Os casos históricos apresentados à amostra foram: Grozny (1995 e 1999), As
Samawah (2003), An Najaf (2003), Bagdá (2003), Fallujah (2004) e Bel Air (2005). A
instrução foi ministrada pelo autor da presente pesquisa, abordando os fatores da
decisão presentes em cada caso histórico. Detalhes da presente investigação como
seus objetivos e questões de estudo não foram apresentados aos sujeitos da
amostra, a fim de não influenciar suas percepções acerca do tema.
A instrução de aspectos doutrinários foi conduzida pela seção de doutrina da
ECEME e versou sobre tendências modernas do combate urbano, enfocando as
principais inovações incluídas nas recentes publicações do Exército dos EUA e da
OTAN. De igual forma, o autor não informou à seção de doutrina os objetivos da
pesquisa, a fim de não influenciar suas exposições.
Após as instruções, ainda como parte do projeto interdisciplinar, toda a
amostra participou do planejamento de uma operação militar, desenvolvida dentro
de um caso hipotético, elaborado pela Seção de Ofensiva da ECEME. Para tanto,
foram divididos em grupos aleatoriamente constituídos, sendo que metade do efetivo
deveria planejar o ataque à localidade de Vitória da Conquista, enquanto que a outra
metade planejaria a defesa da cidade. Foram disponibilizadas para os grupos
informações acerca da população e do inimigo, sendo disponibilizadas cartas
41
topográficas, planta baixa da cidade, bem como a utilização do software Google
Earth5 para a análise pormenorizada do terreno.
Após a conclusão dos trabalhos, os grupos foram reunidos dois a dois
(atacante e defensor) e foi feita a comparação dos planejamentos (“jogo-da-guerra”),
nos moldes da análise das linhas de ação opostas prevista no estudo de situação do
comandante tático (BRASIL, 2003a). Por fim, toda a amostra foi reunida em um
auditório onde oito grupos, dois a dois, apresentaram o planejamento desenvolvido,
as modificações decorrentes da interação realizada e os ensinamentos colhidos.
Ao término do projeto interdisciplinar, foi solicitado que cada grupo
apresentasse um relatório contendo os principais ensinamentos colhidos na
realização do planejamento, atendendo às orientações da seção de operações
ofensivas da ECEME. Segundo esta, o relatório deveria conter as principais
alterações verificadas no planejamento em função do “jogo-da-guerra” realizado,
considerações relativas ao emprego de cada sistema operacional e observações no
tocante à necessidade de meios para a realização do investimento ou defesa da
localidade.
Após a entrega dos relatórios e análise do seu conteúdo, foi solicitado que
cada integrante da amostra preenchesse um questionário, instrumento da presente
pesquisa. O mesmo foi elaborado tendo como ponto de partida a revisão
bibliográfica realizada e destinou-se a colher opiniões da amostra acerca de itens
julgados importantes nas variáveis estudadas que ainda se encontram sem uma
clara definição ou desatualizados na doutrina vigente no Exército Brasileiro.
Antes da aplicação do questionário foi realizado um pré-teste, conforme
prescreve GIL (2007), a fim de assegurar a validade e a precisão do instrumento.
Para tanto foram selecionados, dentre a população a ser investigada, uma amostra
típica composta de 12 oficiais, das diversas armas, quadro e serviço, que analisaram
as perguntas, gerando aperfeiçoamentos no instrumento de pesquisa.
Por fim, após serem efetuadas as modificações decorrentes do pré-teste,
chegou-se à versão definitiva do questionário (Apêndice “A”), o qual foi aplicado
integralmente aos sujeitos da amostra em 23 de maio de 2007. Os resultados
obtidos e o tratamento dedicado aos mesmos serão abordados no capítulo 8.
5
Software desenvolvido pela empresa Google, que fornece imagens de satélite de qualquer parte do
planeta, com dados geográficos que auxiliam no planejamento de operações.
42
4
O AMBIENTE OPERACIONAL URBANO
As cidades vêm, ao longo dos anos, aumentando em número e tamanho,
tornando-se ambientes complexos, com inúmeros reflexos para o desenvolvimento
das operações militares. O planejamento destas passa, portanto, por uma detalhada
identificação das condicionantes presentes nos centros urbanos e sua análise como
ambiente operacional.
O ambiente urbano confronta os comandantes de um exército com uma
combinação de dificuldades raramente encontradas em qualquer outro ambiente.
Suas características diferenciadas resultam de sua intrincada topografia e da alta
densidade populacional. Centenas, milhares ou milhões de civis podem estar
próximos ou misturados com os soldados, amigos e inimigos. Este fator, e a
dimensão humana que ele representa, é potencialmente o mais importante e o mais
difícil para o comandante e seu estado-maior compreenderem e avaliarem. (EUA,
2003)
Na atualidade, as áreas urbanas são cenário de ações militares que
transcendem as operações de guerra regular. Em operações de paz, ou até mesmo
em ações humanitárias, as forças armadas podem se ver envolvidas em conflitos e,
inclusive ter que desencadear manobras de ataque a áreas edificadas. Tais
operações não são objeto da presente pesquisa, mas as conclusões advindas sobre
o ambiente operacional e seus reflexos sobre as operações militares são
perfeitamente aplicáveis às mesmas.
O combate urbano diferencia-se dos demais, principalmente pelo ambiente
operacional. Mas o terreno traz consigo outras diferenças para as operações que
influem diretamente no planejamento, que são a população que pode estar presente
no campo de batalha e o inimigo, que assume um caráter diferenciado e pode,
inclusive, misturar-se à população para combater.
O estado-maior conjunto dos EUA (EUA, 2002b) analisa as cidades como
uma tríade composta pelo terreno (representado pelo relevo e as construções), a
população (tamanho, densidade, características) e a infra-estrutura que une os dois
aspectos anteriores e provê suporte de serviços, econômico, cultural e político à
sociedade urbana.
Assim, para um melhor estudo do ambiente operacional urbano, este foi
dividido, conforme o faz a FRANÇA (2003) em aspectos físicos, que envolvem o
43
terreno, suas construções e infra-estrutura e aspectos humanos, envolvendo a
população presente.
4.1
ASPECTOS FÍSICOS
As áreas urbanas revestem-se de características peculiares, que fazem delas
um ambiente operacional totalmente diferenciado. As construções, contendo
estruturas resistentes de alvenaria, de concreto armado e aço, modificadas para fins
defensivos, assemelham-se a posições defensivas fortificadas, sendo que, se
reduzidas a escombros mantêm seu valor defensivo e, ainda, dificultam o emprego
de tropas motorizadas, mecanizadas ou blindadas (BRASIL, 1997). Ressalta-se
também o caráter tridimensional do terreno, com o uso de passagens subterrâneas
(metrô, esgoto, água) e os diversos andares das construções.
O exército dos EUA (EUA, 2003) destaca, ainda, que as características
multidimensionais do terreno influenciam o desenvolvimento das operações. Os
comandantes devem se preocupar não apenas com a superfície e o espaço aéreo.
Em um ambiente urbano, eles aumentam seu escopo para incluir as áreas sobre a
superfície (interior e terraço das construções) e o espaço subterrâneo. Embora
separadas no espaço físico, cada área pode ser usada como uma via de acesso ou
corredor de mobilidade, linha de comunicações ou área de engajamento.
Quanto ao espaço aéreo, a existência de edificações de alturas variadas e a
grande densidade de torres, antenas, linhas de transmissão e outras construções
urbanas criam obstáculos para o vôo e para trajetória de muitas munições.
Na superfície, as edificações e outras estruturas normalmente canalizam o
movimento das forças ao longo delas. Ainda, os obstáculos na superfície de áreas
urbanas têm mais eficácia que aqueles posicionados em terreno aberto, uma vez
que desbordá-los freqüentemente requer uma radical mudança na rota selecionada.
Existem também áreas sobre as superfícies, que incluem os interiores e os
terraços das edificações. Tais áreas podem também ser utilizadas para observação,
vigilância, reconhecimento, progressão e posicionamento de sistemas de armas, em
especial emprego de caçadores e armas anticarro leves, permitindo uma posição de
tiro vantajosa para ataque a tropas e veículos blindados. Tal característica impõe
aos comandantes o planejamento de limpeza das edificações e medidas especiais
em sua abordagem.
44
Por fim, as áreas subterrâneas, incluindo esgotos, galerias de metrôs, redes
de água, abrigos subterrâneos e outros sistemas que possam existir utilizando o
espaço abaixo da superfície. Tais espaços podem ser utilizados como vias de
acesso secundárias, ou até mesmo prioritárias para escalões menores. Permitem a
interligação segura entre pontos-fortes para o defensor e tanto este como o atacante
podem utilizá-las, a fim de obter a surpresa contra o flanco ou retaguarda do
oponente.
Por sua vez, o exército francês (FRANÇA, 2003), atesta que, de uma maneira
geral, o ambiente operacional urbano é caracterizado por:
- a existência de pontos-chave, devido ao posicionamento geográfico,
importância política ou econômica;
- uma fisionomia tridimensional (uma extensão na superfície, subterrânea e
aérea);
- a densidade das construções;
- a superposição de recursos de infra-estrutura (de comunicação, energia,
água, etc);
- os obstáculos naturais e artificiais;
- uma zona de riscos tecnológicos;
- dificuldade de orientação. (tradução do autor)
Para o exército espanhol (ESPANHA, 2003), as cidades se caracterizam pela
densidade das construções, traçado urbanístico, tipo e antigüidade de suas
construções, compartimentação, diferentes tipos de bairros, modernização, serviços
públicos e população. Adota como características diferenciadoras de uma
localidade: tamanho, nível de desenvolvimento, antigüidade e estilo.
O manual de operações em ambientes especiais do exército inglês
(INGLATERRA, 2002) afirma que as áreas urbanas, em geral são caracterizadas
pela densidade das edificações e população, padrões de ruas, compartimentação,
periferias e áreas pobres, modernização e serviços de utilidade pública. As maiores
diferenças entre as áreas construídas são em tamanho, nível de desenvolvimento e
estilo.
As variações nas cidades são basicamente devido à idade das construções,
que atendem ao estilo da época em que foram criadas e às diferenças no
desenvolvimento econômico regional. Estes fatores influenciam basicamente na
quantidade de edifícios, na densidade das edificações e no material de construção
utilizado.
As áreas urbanas recebem várias classificações, seja quanto ao tamanho,
quanto à sua população, quanto ao tipo de construções, etc. Para perfeita
compreensão e estudo, tais classificações devem ser analisadas, de forma a
45
verificar congruências e efeitos sobre o planejamento militar. A presente
investigação analisa as cidades segundo os seguintes critérios: características da
área construída, modelagem geral, traçado das ruas, porte e infra-estrutura.
4.1.1 Características da área construída
O Exército Brasileiro, em
seu manual C 35-1 Combate em Zonas
Fortificadas e Localidades classifica e define sumariamente os tipos de terreno
urbano:
a.Regiões edificadas é (sic) qualquer agrupamento de edifícios destinados
à habitação ou comércio, tal como povoações, vilas, cidades e grandes
fábricas.
b.Blocos de edifícios é (sic) o tipo de construção em que não existe
separação entre os edifícios, tal como acontece nos distritos comerciais de
grandes cidades e vilas.
c.Regiões edificadas isoladas ou agrupamento de casas são as cidades e
vilas onde os edifícios são preparados, embora relativamente grupados,
constituídos de habitações baixas, de um ou dois pavimentos.
d.Regiões de casas isoladas são as encontradas nas proximidades das
cidades, constituídas de pequenos grupos e casas isoladas, localizadas em
meio de amplos terrenos que circundam, como fazendas ou habitações de
subúrbio. (BRASIL, 1976)
As demais publicações em vigor no Exército Brasileiro não trazem
informações relevantes acerca da classificação das localidades. Contudo, as IP 3010 – Informações sobre o terreno (BRASIL, 1975), revogadas em 1999, traziam
algumas classificações que merecem ser mencionadas e comparadas com as de
outros exércitos. Dessa forma, quanto à construção, as áreas urbanas dividiam-se
em: quarteirões; área de edifícios separados e semi-separados; e área de vivendas
isoladas. Quanto à finalidade apresentavam a seguinte classificação: áreas
industriais, comerciais, residenciais, de transporte e armazenamento, institucionais
governamentais, militares e abertas.
O Corpo de Fuzileiros Navais dos EUA, cuja tropa participou de várias
campanhas em áreas urbanas, inclusive a recente campanha no Iraque, adota como
publicação doutrinária o manual MCWP 3-35.3 – Operações militares em terreno
urbano (ESTADOS UNIDOS, 1998). A publicação divide uma área urbana em
categorias, conforme suas características, principalmente a largura das ruas e a
altura dos edifícios em: centro da cidade, área comercial, periferia principal, área
residencial, área industrial e área de arranha-céus.
46
O Exército dos EUA (2002a) apresenta classificação semelhante, contudo
tece comentários também acerca de regiões de favelas, com suas construções
irregulares, com ruas sem padrões definidos e grande densidade populacional.
A presente investigação adota para análise detalhada a classificação proposta
por BASTO (2003). Tal proposta, além de bastante abrangente, aborda as
características de ruas, espaços e edificações, permitindo uma melhor interpretação
de seus reflexos sobre as operações militares. A partir dessa classificação, é
possível também a visualização das regiões com maior densidade populacional,
aspecto de relevância para o planejamento. As áreas urbanas são assim grupadas:
- Área densa e diversificada – área típica dos subúrbios e periferias
dos grandes centros brasileiros ou da parte antiga das cidades. Aí se encontram
construções de vários tipos e materiais, normalmente debruçadas sobre as ruas e
quase sempre próximas umas das outras. Cidades com este tipo de construção
apresentam um centro com edifícios geminados e ruas que não seguem um padrão
específico.
- Área de quarteirões – área que caracteriza os bairros de classes
média e alta com edifícios residenciais e centros comerciais. Por terem sido melhor
planejados apresentam ruas e avenidas que seguem um padrão, normalmente
acompanhadas por edifícios em toda sua extensão. O desenho dos quarteirões
tende a ser retangular.
- Área residencial unifamiliar – área em que há ocorrência de
edificações menores e de grande quantidade de casas, normalmente com quintais e
jardins. As ruas costumam ser mais estreitas e arborizadas.
- Área edificada comercial ou multifamiliar – é a que corresponde,
normalmente, à região dos centros econômicos e de negócios das grandes cidades.
Caracteriza-se pela alta verticalidade das construções, por vezes entremeadas por
pequenos edifícios antigos e grandes espaços abertos, como estacionamentos e
praças. Coexistem avenidas e ruas bastante largas com ruas de ligação estreita.
- Área industrial ou de transporte – área onde se localizam as
indústrias, refinarias, portos, aeroportos e estações ferroviárias. Caracteriza-se pelos
grandes espaços abertos. Os complexos mais antigos normalmente se localizam no
interior da área urbana. Os mais modernos estão localizados, em sua maioria, na
periferia das cidades.
47
- Área de favela – área típica das grandes cidades brasileiras e de
vários países do chamado terceiro mundo. Tem por característica o crescimento
desordenado de construções baixas, conhecidas como barracos, de material frágil e
variado. Praticamente não possui ruas e sim passagens estreitas entre os barracos,
o que torna a região um emaranhado caótico de casa e vielas. Em algumas cidades
localiza-se em morros, em outras nas periferias.
- Área institucional governamental – conforme definiam as IP 30-10
(BRASIL, 1975) apud BASTO (2003), inclui os terrenos, as construções e os meios
relacionados com as oficinas administrativas governamentais, os hospitais, as
escolas, os colégios superiores, os asilos, os sanatórios, os mosteiros, as
instituições penais ou de investigação e estabelecimentos semelhantes, que
formam, normalmente, áreas características e geralmente extensas.
- Área militar – área que comporta complexos militares de qualquer
natureza.
- Área aberta – compreende áreas existentes nas periferias das
cidades (caracterizadas pela existência de solo nu ou de cobertura vegetal, sem a
presença de edificações) parques, áreas de recreação, praia, terrenos baldios e
cemitérios.
Tais áreas coexistem em uma mesma cidade, podendo haver predominância
de uma sobre a outra, ou a inexistência de algumas, de acordo, em especial, com o
grau de desenvolvimento da localidade. Suas características distintas serão objeto
de análise de inteligência de todos os escalões, definindo a manobra tática e
verificando o emprego de técnicas especiais.
O manual de campanha C 7-20 – Batalhões de Infantaria – aborda alguns
aspectos da localidade que devem constituir elementos essenciais de inteligência
(EEI).
Para o investimento à localidade, os EEI são estabelecidos visando obter
dados sobre:
1) características da localidade e do terreno adjacente:
- as vias terrestres ou aquáticas e vias de acesso que conduzem ao
interior da localidade;
- os setores de maior concentração da população;
- pontos característicos e edifícios mais altos;
- redes de esgotos, metrôs, adegas e outras passagens subterrâneas;
- instalações de rádio e televisão;
- serviços de utilidade pública, edifícios públicos e construção de valor
histórico;
- áreas abertas (praças, parques, estádios etc);
- áreas industriais, comerciais, residenciais etc;
- terminais rodoviários, ferroviários, aeroportos e portos; e
48
- outros dados julgados de interesse. (BRASIL, 2003b)
Coerentes com o escalão que conduz o estudo, também poderiam ser
incluídos outros aspectos, como a identificação do material de construção das
edificações. Significativas diferenças podem ser verificadas em relação a estruturas
de concreto armado, de tijolos ou de madeira, trazendo conseqüências por exemplo
sobre o tipo de armamento e munição a serem empregados, grau de segurança
proporcionado pelas paredes e possibilidade de criação de obstáculos com sua
destruição e redução a escombros.
4.1.2 Modelagem geral da área urbana
O Exército norte-americano (EUA, 2003) prevê que quatro principais modelos
de áreas urbanas extensas podem influenciar nas operações: satélite, rede, linear e
segmentado. Estes modelos partem do princípio que os aglomerados urbanos não
são uniformes nem isolados, estando cada vez mais interligados. Assim, busca
estabelecer uma classificação desta modelagem, a partir da qual é possível inferir
alguns efeitos sobre as operações militares.
Localidades
satélites
Zona
central
Satélite
Localidades
satélites
Cidade
dominante
Linear
Rede
cidades
menores
Segmentado
Figura 1: Modelos de áreas urbanas extensas.
Fonte: EUA, 2003.
Modelo satélite - consiste de uma localidade principal, interligada a
localidades dependentes circunvizinhas. As linhas de comunicações tendem a
convergir para a localidade principal. O terreno natural onde se insere este modelo é
49
relativamente homogêneo. As áreas mais afastadas fornecem suporte à área
principal com reforço de meios, suprimento e evacuação. Os comandantes devem
considerar os efeitos das operações nas áreas urbanas mais afastadas dentro da
localidade principal e vice-versa. Operações de inteligência, por exemplo, tendo
como alvo, inicialmente, a localidade principal de um modelo satélite pode influenciar
áreas urbanas mais afastadas e conseguir os efeitos necessários sem o dispêndio
de recursos específicos para essas áreas.
Modelo de rede - seus elementos são mais auto-suficientes e menos
dependentes um do outro, embora uma localidade dominante principal possa existir.
As linhas de comunicações principais em uma rede se estendem mais do que em um
modelo de satélite e tomam uma forma mais retangular do que convergentes. O
terreno natural pode variar mais do que numa disposição satelital. Uma operação em
uma das áreas pode ou não facilmente influenciar, ou ser influenciada, por outras
áreas urbanas dentro da rede.
Modelo linear - pode formar um raio do modelo satelital ou ser
encontrado ao longo das linhas de conexão entre duas localidades principais de uma
rede. Mais comumente, este modelo resulta de um confinamento de áreas urbanas
menores ao longo de um corredor do terreno, tais como um vale alongado ou uma
massa d’água. Em operações defensivas e ofensivas, o modelo linear facilita o
desenvolvimento de uma série de pontos fortes em profundidade, que bloqueiem ou
retardem o movimento de uma força de ataque ao longo do terreno canalizador.
Modelo segmentado - quando um terreno natural, como um rio, por
exemplo, ou uma obra de arte (tal como canal, barragem, estrada) divide uma área
urbana, cria-se um modelo segmentado. Esse modelo facilita ao comandante dividir
a área de operações pelos seus subordinados. No entanto, pode fragmentar as
operações e aumentar o seu risco, requerendo apoio mútuo entre os elementos
subordinados. Ainda, a área urbana segmentada pode facilitar que o comandante
isole ameaças em determinadas áreas e foque sua operação em locais onde se
concentram os pontos decisivos. Embora uma parte integral do todo, cada segmento
pode desenvolver características sociais, econômicas, culturais e políticas
diferentes. Esta segmentação social pode beneficiar comandantes que, diante de
recursos limitados, têm que influenciar ou controlar a população urbana. Após
cuidadosa análise da sociedade, ele pode ser capaz de focar as operações de
inteligência e seus recursos tão somente sobre o segmento da população onde se
50
obtenha resultados decisivos para operação. Os comandantes podem precisar
somente isolar outros segmentos ou monitorá-los para identificar alguma mudança
de atitude, opiniões, ou ações dos civis locais.
4.1.3 Traçado geral das ruas
As ruas formam corredores retangulares,
facilitando a manobra, definição de limites,
linhas de controle e orientação. Permite campos
de tiro mais profundos.
As ruas demandam de uma mesma região, sem
que isso ocorra em 360º. Permite marcação de
itinerários convergentes, com relativo risco de
fratricídio.
As ruas convergem para um ponto central. A
possibilidade de itinerários convergentes
aumenta o risco de fratricídio.
Ruas sucessivamente concêntricas em relação
a um ponto focal, interligadas, normalmente, por
radiais.
Devido à conformação acentuada do terreno, as
ruas seguem sua orientação. As ruas principais
geralmente acompanham a mesma linha do
terreno e são interligadas por ruas secundárias.
Em virtude do crescimento desordenado, ou de
projetos urbanísticos diferenciados, não há um
padrão de traçado das ruas, dificultando o
planejamento e a manobra. Os compartimentos
são menores e os campos de tiro e observação
reduzidos.
Uma avenida principal irradia ruas em toda sua
extensão e normalmente é ladeada por
edifícios. Difere do retangular pela importância e
maior dimensão da via principal.
Uma combinação dos traçados acima, sem
predominância na área urbana.
Figura 2: Padrões de traçado das ruas.
Fonte: EUA (2002), adaptado pelo autor.
51
O traçado das ruas pode facilitar ou dificultar a manobra das forças envolvidas
em um conflito. Dificilmente toda uma cidade apresenta o mesmo padrão de
organização das ruas, tendo em vista o aumento que as áreas urbanas vêm sofrendo
ao longo dos anos. Contudo determinados bairros e regiões, que podem constituir
uma zona de ação de determinada peça de manobra, por vezes apresentam uma
configuração padronizada.
Os Estados Unidos (2002) apresentam uma classificação geral destes
padrões de ruas bastante abrangente, representada na figura 2, facilitando o estudo
do seu efeito sobre as operações militares. Entretanto este não é o único estudo que
deve ser feito das vias de circulação. O espaço para a manobra, a observação e os
campos de tiro também sofrerão influência marcante da largura das ruas e da
natureza e do porte das edificações que as cercam.
4.1.4 Porte
O porte das cidades, em geral, é analisado levando-se em consideração a
sua população total, visto que há uma forte relação entre ambos. Assim
pesquisadores, publicações doutrinárias e institutos geográficos relacionam o porte
com o número de habitantes da área urbana, adotando terminologia específica.
Neste contexto, o exército espanhol (ESPANHA, 2003) adota a seguinte
classificação para as cidades, relacionando seu tamanho com a população:
- Complexos urbanos: mais de 500.000 habitantes;
- Grandes cidades: entre 100.000 e 500.000 habitantes;
- Cidades: entre 10.000 e 100.000 habitantes;
- Povoados: menos de 10.000 habitantes; e
- Vilarejos: áreas com edificações próximas a estradas que unem as
maiores áreas urbanas.
Os EUA (2003) adotam uma classificação parecida:
- Vilas: 3.000 habitantes ou menos
- Cidades: 3.000 a 100.000 habitantes
- Grandes cidades: 100.000 a 1 milhão de habitantes
- Metrópoles: 1 milhão a 10 milhões de habitantes
- Megalópoles: mais de 10 milhões de habitantes.
52
Por, sua vez, BASTO (2003) em seu estudo acerca do emprego de
helicópteros em ambiente urbano apresenta como proposta a seguinte proposta de
classificação:
- Vilas: 3.000 habitantes ou menos
- Cidades pequenas: 3.000 a 100.000 habitantes
- Cidades Médias: 100.000 a 800.000 habitantes
- Cidades grandes (ou metrópoles): 800.000 a 10 milhões de habitantes
- Megalópoles: mais de 10 milhões de habitantes
- Cidades globais: aquelas que, independente da população, têm
grande valor estratégico no contexto mundial, fruto de fenômeno da globalização.
Contudo, para fins militares tal classificação não é completa, pois cidades
com a mesma população podem ter dimensões diferentes, de acordo com seu
crescimento. A área que as mesmas ocupam é de vital importância para o planejador
militar, pois poderá ter influência direta na quantidade de tropas necessárias para
sua ocupação, qualquer que seja o caráter da operação. No presente estudo não
será feita uma nova classificação relativa ao porte em função da área construída,
mas por ocasião da análise dos casos históricos tal item será abordado para fins de
comparação e avaliação.
4.1.5 Infra-estrutura
A rede de infra-estrutura de uma área urbana também deve ser
minuciosamente estudada pelos planejadores militares, pois exerce influência
marcante sobre as operações militares. As áreas vitais devem ser identificadas e
podem converter-se em pontos-fortes de defesa ou objetivos para a força atacante.
Nesse mesmo contexto, centros administrativos, políticos, de valor cultural e
histórico assumem relevante importância.
As vias de transporte, seus portos, aeroportos, terminais, pátios, depósitos e
meios têm valor significativo para a logística tática e operacional. As vias
subterrâneas, com as galerias correspondentes aos sistemas de água e esgoto, bem
como de metrôs também se revestem de capital importância, por representarem
excelentes itinerários de deslocamento para escalões menores.
Os sistemas de energia e telefonia, suas subestações e interligações são
importantes para utilização tanto pelas forças quanto pela população que,
invariavelmente, estará presente no campo de batalha.
53
Igual relevância têm os meios de comunicação. Estações de rádio e televisão,
bem como suas retransmissoras e os serviços disponíveis de jornais podem ser
utilizados para as operações psicológicas e de comunicação social, fundamentais
para uma campanha neste ambiente operacional.
4.2
ASPECTOS HUMANOS
Uma diferença primária entre o combate em áreas urbanas e outros
ambientes é o grande número e densidade de não-combatentes. A população tem
características próprias que influenciam nos planejamentos e condução dos
combates, quais sejam: etnias, religião, tendência política, grau de escolaridade,
nível sócio-econômico, idade, atividade laboral, dentre outras.
Conforme a história nos apresenta, as cidades muito dificilmente serão
totalmente evacuadas para o combate. Todos os conflitos envolvendo áreas urbanas
a partir da segunda guerra mundial ocorreram com a presença maior ou menor dos
habitantes locais.
Além das forças amigas e inimigas, a população é o único componente com
“vontade própria” do ambiente operacional urbano, capaz de rapidamente influir de
forma marcante nas operações. Os habitantes de uma cidade impõem a
necessidade de determinadas regras de engajamento, aumentam as necessidades
logísticas, confundem a identificação do inimigo (que pode combater em trajes civis)
e elevam o nível de estresse da tropa. (INGLATERRA, 2002).
Por sua vez, MARTINEZ (2007), quando caracteriza o cenário urbano
considera-o como:
Um sistema em que a importante presença da população no combate, unido
à mudança de situação produzida desde a Segunda Guerra Mundial
(atualmente se tende a minimizar as baixas e os danos colaterais) faz que
seja precisamente a população que condicione as operações, de uma forma
similar a que faz o terreno, quando se atua em campo aberto, assumindo
assim um papel predominante. (tradução do autor)
Assim, o planejador militar deve compreender a população de uma área
urbana. Esta tarefa envolve vários aspectos, sendo que o manual FM 3-06 do
Exército dos EUA (2003) destaca como críticos para o sucesso operacional o
conhecimento de que grupos vivem em determinada área urbana, quais as relações
existentes entre eles e como cada grupo populacional irá responder às ações das
forças amigas e inimigas. A compreensão sócio-cultural também é essencial para
que o comandante e seu estado-maior vejam a cidade da mesma forma que seus
54
habitantes. Além de aspectos demográficos, outras categorias de conhecimento
podem ser levantadas como: saúde, história, lideranças, etnia, cultura, religião,
governo e política.
Os aspectos humanos no ambiente operacional urbano são de tal maneira
importantes que alguns exércitos como o norte-americano e o inglês passaram a
incluir o item “considerações civis” como mais um fator de decisão. De igual forma, a
OTAN julga importante a análise de tal fator quando considera que “a presença de
não-combatentes na área de operações pode reduzir significativamente a liberdade
de ação das forças atacantes”. (OTAN, 2003) (tradução do autor)
O Exército Brasileiro ainda não fez essa inclusão, mas em seus manuais é
feita referência a ações relativas a não-combatentes, como no manual de operações
C 100-5, que prevê que “as medidas de controle da população civil são essenciais à
sua proteção” (BRASIL,1997). A Doutrina Delta6 destaca também a preocupação
que a presença de civis gera com danos colaterais, ao afirmar que “os objetivos
estratégicos selecionados deverão ser, prioritariamente, aqueles que tenham grande
impacto sobre o moral do inimigo e sobre sua opinião pública, procurando-se evitar
danos a sua população civil.” (BRASIL, 1996)
Da SILVA (2006), em seu estudo, apresenta uma técnica simples para o
comandante ou planejador analisar as considerações civis, fazendo as seguintes
perguntas:
- Quem são os civis que poderíamos encontrar em nosso Ambiente
Operacional?
- Onde, por que e quando nós poderíamos os encontrar?
- Que atividades estão realizando esses civis que poderiam afetar as
nossas operações?
- Como nossas operações poderiam afetar as atividades dos civis?
As perguntas apresentadas conduzem o estudo para os efeitos que a
presença de não-combatentes irá proporcionar às operações militares. Efeitos
táticos implicam em regras de engajamento a serem adotadas pelas tropas, efeitos
operacionais dizem respeito a atitudes e manobras, efeitos logísticos dizem respeito
a apoio a refugiados, controle de civis e de danos e efeitos políticos, oriundos da
cobertura dos meios de comunicação e seus reflexos sobre a opinião pública.
A população civil representa, portanto, uma das mais significantes partes do
ambiente operacional urbano, visto que a maioria das ações tomadas, além de
6
BRASIL, Estado-Maior do Exército IP 100-1: bases para a modernização do exército brasileiro 1.
ed. Brasília, DF, 1996
55
poder gerar efeitos sobre os não-combatentes, também pode exigir um emprego de
recursos a fim de protegê-los, controlá-los ou apoiá-los.
56
5
O COMBATE URBANO
Desde as épocas remotas de 500 A.C., Sun Tzu7 já afirmava: “A pior política é
atacar uma cidade fortificada”. Tal assertiva até hoje é analisada e considerada
verdadeira por estudiosos e planejadores militares. Contudo, a despeito de tão
antigo ensinamento, as guerras continuam a envolver as áreas urbanas, de forma
constante ao longo dos anos, desde a batalha de Tróia até os mais recentes
conflitos no Oriente Médio.
O controle dos núcleos políticos, industriais, comerciais, de transporte e
centros de comunicações pode ser decisivo, fazendo com que os aglomerados
urbanos se tornem centros de gravidade vitais para o curso de campanhas ou
guerras. Mesmo movimentos revolucionários ou insurgentes freqüentemente
buscam nas cidades o terreno fértil para as ações decisivas de suas campanhas de
tomada do poder.
O próprio Exército Brasileiro, apesar de prever em seus manuais que as
cidades devem, sempre que possível, serem desbordadas, apresenta em sua
Doutrina Delta (BRASIL, 1996), que os objetivos a serem atribuídos à força terrestre
no nível estratégico normalmente são, dentre outros, “pontos sensíveis de
importância política, econômica ou militar tais como cidades, indústrias bélicas,
usinas, entroncamentos rodoferroviários, portos e aeroportos, regiões de passagem
e radares”. (grifo do autor)
Assim, o manual de campanha C 7-1 - Emprego da Infantaria – (BRASIL,
1984) apresenta os seguintes motivos, que podem forçar a conquista de uma
localidade:
(1) quando a posse da localidade tornar-se necessária tendo em vista a plena utilização das vias de transporte que para ela convergem;
(2) quando o desbordamento da localidade constituir-se em uma ameaça
potencial aos flancos e/ou retaguarda da força;
(3) a fim de liberar, o mais cedo possível, forças empregadas na contenção
da localidade;
(4) a fim de capturar um objetivo importante no interior da localidade, ou por
ela dominado;
(5) quando a localidade constituir-se em um importante centro político ou de
grande significado histórico, pelos efeitos psicológicos negativos que poderá
acarretar para o inimigo.
De forma semelhante, o Exército dos EUA (EUA, 2003) aponta as diversas
razões que têm levado exércitos a combaterem em áreas urbanas:
7
TZU, Sun. A Arte da Guerra. Tradução por James Clavell. 15. ed. Rio de Janeiro: Record, 1994.
57
- para derrotar uma força militar que opta por se posicionar dentro de uma
área urbana para capitalizar as vantagens oferecidas pelo ambiente;
- a infra-estrutura da área urbana, capacidades ou outros recursos têm
valor operacional ou estratégico significativo;
- a área urbana tem importância simbólica significativa;
- a localização geográfica da área urbana domina uma região importante
ou uma faixa de aproximação necessária às operações.
Em seu estudo sobre operações urbanas conjuntas, MARTINEZ (2007),
apresenta algumas razões que podem motivar a consideração de um núcleo urbano
como objetivo militar:
- porque aí estão localizados os centros de gravidade estratégicos da
operação (líderes políticos, aparato governamental, centros de poder e
decisão, sistemas de comando e controle, valor simbólico, etc.);
- porque são “nós” de comunicação cujo controle resulte imprescindível para
a manobra;
- porque pretendemos conseguir o controle efetivo do território e o inimigo
resiste em cidades, empregando táticas convencionais ou assimétricas.
(tradução do autor)
O combate urbano é, portanto, uma realidade presente na doutrina militar do
Exército Brasileiro e de outros países. Partindo-se desta premissa, o presente
estudo passou a identificar as particularidades do combate urbano, como forma de
aproximar a visão sobre a problemática em estudo.
5.1
PARTICULARIDADES DO COMBATE URBANO
O manual de campanha C 100-5 – Operações (BRASIL, 1997) ressalta a
dificuldade de combater nesse ambiente operacional. As áreas edificadas,
preparadas e modificadas para fins defensivos são comparadas a posições
fortificadas (grifo do autor), com muitas cobertas e abrigos e reduzidos campos de
tiro, apresentando grandes restrições ao movimento das forças atacantes,
particularmente motorizadas, blindadas ou mecanizadas. É destacada, ainda, a
possibilidade de utilização das instalações subterrâneas para facilitar o movimento
das forças e fornecer proteção contra fogos inimigos. Tal possibilidade permite ao
defensor integrar sua utilização com o lançamento de obstáculos e barricadas,
disposto em profundidade, para facilitar a continuidade da defesa em toda área.
O manual de campanha C 7-1 (BRASIL, 1984), que versa sobre o emprego
da infantaria, sintetiza os aspectos que caracterizam o combate em áreas edificadas:
58
- observação e campos de tiro reduzidos, pela limitação imposta pelas
construções, seu porte e disposição em quarteirões, ruas e avenidas;
- dificuldade de coordenação e controle, pela compartimentação do terreno,
fazendo com que predominem o emprego de pequenas frações, sendo fundamental
a iniciativa e o perfeito entendimento da missão e intenção do comandante;
- dificuldade de localizar-se o inimigo, pelas características do terreno,
fazendo com que haja um predomínio do combate aproximado e, aliando-se essa
característica à dificuldade de observação e reduzidos campos de tiro, uma
dificuldade de apoio de fogo terrestre e aéreo;
- maior necessidade de segurança em todas as direções, também devido à
extrema compartimentação do terreno;
Para GERWEHR e GLENN (2000) as diferenças entre o combate no ambiente
operacional urbano e outros tipos de terreno podem ser sintetizadas no quadro
abaixo:
Características / Ambiente
Operacional
Número de não combatentes
Quantidade de infra-estrutura de
valor
Campo de batalha multidimensional
Regas de engajamento restritivas
Alcance de observação, detecção e
engajamento
Vias de acesso
Liberdade de manobra – forças
mecanizadas
Funcionalidade das comunicações
Requerimentos logísticos
Área
urbana
Alto
Deserto
Selva
Montanha
Baixo
Baixo
Baixo
Alta
Baixa
Baixa
Baixa
Sim
Sim
Não
Não
Algum
Não
Sim
Não
Pequeno
Grande
Pequeno
Médio
Muitas
Muitas
Poucas
Poucas
Pequena
Grande
Pequena
Média
Degradada
Grandes
Normal
Grandes
Normal
Médio
Degradada
Médio
Quadro 8: Diferenças entre o ambiente operacional urbano e outro tipos de terreno
Fonte: GERWEHR e GLENN (2000), traduzido pelo autor.
O Exército Espanhol (ESPANHA, 2003) apresenta, de um ponto de vista mais
amplo os efeitos gerais que as zonas urbanizadas produzem no desenvolvimento de
operações: “concentração de forças; estreitamento das frentes das unidades; e
diminuição do ritmo de progressão do atacante, quando não se suponha detenção.”
(tradução do autor)
Já SCHULTZ (2007) atesta que operações em ambiente urbano podem
restringir as vantagens tecnológicas; afetam o ritmo da batalha; forçam unidades a
lutar em elementos menores e descentralizados; podem também causar dilemas
59
morais difíceis devido à proximidade de grandes números de civis. Afirma também
que uma das características principais do espaço de batalha urbano é a densidade –
densidade de estruturas, densidade de combatentes, densidade de infra-estrutura,
densidade de forças adversárias, densidade de alvos.
Em sua abordagem, a publicação JP 3-06 do Joint Chief of Staff8 (ESTADOS
UNIDOS, 2002b) relaciona as seguintes características significativas das modernas
operações militares urbanas:
- cidades reduzem a vantagem de uma força tecnologicamente superior;
- operações de combate que envolvem um ataque casa a casa requerem
uma grande quantidade de tropas de infantaria; e
- áreas urbanas geram vantagens para os defensores, insurgentes e
terroristas, reduzindo as vantagens em números e equipamentos das forças
atacantes. (tradução e grifo do autor)
Embora o caráter das operações urbanas tenha variado os longo dos anos,
desde ajuda humanitária até combates em larga escala, algumas características
comuns são percebidas, conforme apresentado pelo Estado-Maior Conjunto do EUA
(EUA, 2002b):
-
as
cidades
reduzem
as
vantagens
de
uma
força
tecnologicamente superior – o terreno compartimentado da área urbana reduz as
linhas de observação e a capacidade de conduzir
e observar tiros, reduz a
capacidade de comando, controle e comunicações, dificulta a operação de
aeronaves e diminui a efetividade dos fogos indiretos e navais. Da mesma forma,
traz complicações logísticas e com freqüência reduz as operações ao nível das
pequenas frações. Impõe, ainda, a necessidade de minimizar baixas civis e danos
colaterais à infra-estrutura;
- as operações requerem um grande efetivo – enquanto as missões
de combate necessitam de força militar capaz de controlar uma grande área e suas
edificações, é muito comum a necessidade de pessoal também para ações
humanitárias, de socorro e proteção a civis e de reparos a danos na infra-estrutura
urbana. As necessidades operacionais de combate casa a casa, quadra a quadra,
também impõem um número elevado de soldados de infantaria;
- as operações são descentralizadas – as dificuldades impostas pelo
terreno ao comando e controle fazem com que as unidades estejam dispersas pelos
subterrâneos, andares dos edifícios, ruas e becos, forçando que as pequenas
8
Joint Chief of Staff – Chefia do Estado-Maior Conjunto
60
frações combatam muitas vezes de forma isolada, com iniciativa e cientes da missão
e intenção de seus comandos superiores.
- as operações consomem mais tempo – quase todas as operações
urbanas se desenvolvem em um ritmo mais lento que as operações em terreno
convencional. O caráter multidimensional do terreno e a necessidade de limpeza das
edificações reduz significativamente a velocidade de progressão da força atacante.
- combates urbanos resultam em grande número de baixas civis e
militares;
- operações em áreas urbanas resultam em regras de engajamento
mais restritivas – a presença de não-combatentes e a necessidade de preservação
da infra-estrutura impõem que o planejamento inclua regras que busquem
salvaguardar pessoas e instalações, limitando danos colaterais;
- o terreno modifica o efeito de armas e munições – os alvos são
facilmente cobertos pelas edificações. O material destas e seu posicionamento em
relação às demais pode influenciar no uso de armamentos e munições. Escombros
podem vir a se tornar obstáculos e fogos de artilharia e armas anticarro podem ser
utilizadas para tiro direto e abertura de passagens em edificações ao invés de sua
destinação normal;
- necessidades de apoio logístico são diferentes e maiores na área
urbana – em combates urbanos o consumo de munição é mais elevado, com
grande necessidade de apoio de saúde, evacuação, recompletamentos, água e
comida. A evacuação de veículos para manutenção é dificultada, bem como o
desgaste dos equipamentos é maior; e
- áreas urbanas trazem vantagens para defensores, insurgentes e
terroristas – pois reduzem as vantagens numéricas e tecnológicas das forças
atacantes. O combate assimétrico faz também que os defensores utilizem a
população e a infra-estrutura para obter vantagens.
5.2
O ESTUDO DE SITUAÇÃO
Para o planejamento de uma operação militar, utiliza-se o método
preconizado de estudo de situação, a fim de se chegar a uma decisão. Dentro do
processo adotado pelo Exército Brasileiro (BRASIL, 2003a), durante a fase de
montagem das linhas de ação, deve-se estipular o poder de combate para o
cumprimento da missão. Conforme apresentado, não existe um método, correlação
61
ou dado médio previsto na doutrina militar terrestre brasileira que oriente como
chegar a tal valor quando se planeja um ataque a uma área edificada.
O Corpo de Fuzileiros Navais dos EUA, em seu manual MCWP 3-35.3
(ESTADOS UNIDOS, 1998) orienta um caminho a seguir ao estabelecer que, “em
uma fase inicial, o poder de combate necessário deve ser avaliado em função do
tamanho da cidade, das forças inimigas e da missão recebida”.
Procurando ampliar as variáveis acima estabelecidas, e observando a
influência marcante da população presente na área urbana, esta investigação
propôs a análise dos fatores missão, terreno, inimigo e considerações civis que
condicionam o planejamento de uma força que tenciona realizar um ataque a uma
cidade.
5.2.1 Missão
O manual de campanha C 100-5 – Operações (BRASIL, 1997) define o
ataque como uma ação ofensiva com a finalidade de derrotar, destruir ou neutralizar
o inimigo. Quando uma força recebe a missão de atacar determinada área urbana,
poderá fazê-lo de diversas formas. A seguir será apresentado um estudo de tais
variações e seus reflexos sobre o poder de combate necessário.
5.2.1.1 Doutrina do Exército Brasileiro
O manual de campanha C 31-50 – Combate em Zonas Fortificadas e
Localidades (BRASIL, 1976, p. 7-2) prevê que:
No ataque a povoações e vilas, o objetivo do ataque é a própria localidade.
No ataque a grandes cidades, os objetivos serão pontos estratégicos no seu
interior, como estações ferroviárias, edifícios públicos, de administração civil
e instalações militares.
Assim, observa-se que nem sempre a localidade será conquistada como um
todo, ou estabelecida como objetivo, particularmente as grandes cidades, onde a
missão a ser atribuída pode envolver apenas parte das mesmas. Essa variação de
objetivos a conquistar é retratada também no manual de campanha C 7-20 –
Batalhões de Infantaria, que faz uma correlação com o inimigo e o grau de
resistência oferecido. Dessa forma, prevê que em uma localidade fortemente
defendida o escalão de ataque deve progredir casa-a-casa, quarteirão-a-quarteirão.
Em contrapartida, quando a mesma for fracamente defendida ou houver a
necessidade de conquistar objetivos em profundidade com rapidez pode haver
variações na forma de manobra empregada. Nesse caso, pode ser empregada uma
62
força com mobilidade para conquistar objetivos em profundidade, sem realização de
uma “limpeza” casa-a-casa durante a progressão. Tal ação seria desenvolvida pela
reserva, enquanto a força que conquistou o objetivo procuraria ampliar a área sob
seu controle. (BRASIL, 2003b)
Com relação ao poder de combate necessário, a quantidade de objetivos
traçados terá relação direta com a necessidade de peças de manobra para o ataque,
haja vista a necessidade de manutenção dos mesmos (BRASIL, 2003b). O valor da
força que manterá os objetivos variará em função da dimensão e importância dos
mesmos.
5.2.1.2 Considerações da OTAN
A OTAN (2003) é mais enfática quando afirma que o método tradicional de
combate, com limpeza rua-a-rua e casa-a-casa deve sofrer modificações e
operações convencionais de limpeza completa de áreas inteiras se tornaram irreais
e provavelmente desnecessárias. Atesta também que o terreno traz restrições ao
movimento, impedindo a utilização de todo o poder de combate e a manobra para
destruir forças inimigas dentro da localidade é muito difícil, facilitando a criação de
pontos-fortes, lançamento de obstáculos e realização de emboscadas pelo inimigo.
Sendo assim, deve-se evitar um combate aproximado e atacar o centro de gravidade
das forças inimigas, selecionando pontos decisivos a atacar.
Ao questionar o método de conquista de uma localidade a OTAN (2003)
estabelece uma comparação entre os chamados métodos tradicionais e os
“emergentes”, como um novo conceito de manobra para combate em áreas urbanas.
Conceitos
Isolamento
Tradicional
Cerco
Ação dos fogos Destruição
Emergente
Isolamento nodal
Ataque preciso
Captura nodal e expansão
Assalto
terrestre
Frontal
Captura pontual e
expansão
Divisão e
captura/isolamento
Quadro 9: Conceitos tradicionais e “emergentes” de ataque a cidades
Fonte: OTAN, 2003 (traduzido pelo autor)
63
O assalto terrestre pode ser feito, portanto, com a progressão frontal,
“limpando” a localidade ou com a conquista de “centros nodais”, importantes ou
vitais para o inimigo, por meio de assaltos verticais ou penetrações terrestres, com a
conseqüente expansão da área conquistada dependendo da evolução da situação.
Estes pontos importantes podem ser também regiões críticas da defesa inimiga ou
pontos fracos de seu dispositivo que podem ser explorados como base para futuras
expansões.
A divisão e captura/isolamento é um outro conceito emergente de ataque a
localidades que consiste em realizar penetrações para dividir a área urbana em
setores, de forma a isolar as forças inimigas, para concentrar a ação terrestre sobre
zonas críticas e derrotá-las por partes.
Ainda
segundo
a
OTAN
(2003),
os
conceitos
tradicionais
de
cerco/destruição/assalto frontal são empregados quando há falta de informações
sobre a localidade e/ou situação do inimigo dentro da mesma e podem resultar em
consideráveis danos à infra-estrutura, pesadas baixas e efeitos colaterais. Os
conceitos “emergentes” podem reduzir significativamente estes riscos, aumentando
as chances de sucesso e reduzindo a quantidade de forças necessárias para a
operação. (grifo do autor)
5.2.1.3 Doutrina dos EUA
O Exército dos EUA, em seu manual FM 3-06.11 (ESTADOS UNIDOS, 2002),
ressalta que o ataque pode ser realizado com a limpeza de todas as construções da
área urbanizada ou com a conquista de terrenos importantes, requerendo apenas a
limpeza ao longo do eixo de progressão. O ataque pode ser de dois tipos,
coordenado ou de oportunidade. As técnicas de como conduzir as operações são:
- buscar o contato e atacar;
- atacar por um único eixo;
- atacar por múltiplos eixos;
- isolar e atacar;
- fixar e desbordar;
- múltiplos ataques nodais. (ESTADOS UNIDOS, 2002)
Apresenta ainda que o comandante pode decidir limpar toda uma área, casa a
casa, ou apenas as partes necessárias para o sucesso da missão. Neste último caso
se:
64
- um objetivo tiver que ser conquistado rapidamente;
- a resistência inimiga for fraca ou fragmentada;
- as construções na área tiverem largas áreas entre elas. Neste caso,
poderia ser feita a limpeza das construções ao longo do eixo de
aproximação do objetivo ou apenas daquelas necessárias à sua segurança.
(ESTADOS UNIDOS, 2002) (tradução do autor)
Já o Corpo de Fuzileiros Navais (ESTADOS UNIDOS, 1998) apresenta que
na análise da missão a ser cumprida devem ser esclarecidas as necessidades em
relação à localidade como um todo por meio das seguintes perguntas:
Eu tenho que “limpar” todas as construções?
Devo “limpar” apenas certos quarteirões?
Devo controlar somente certas áreas?
Qual o nível de proteção é requerido para minhas linhas de comunicação?
(tradução do autor)
5.2.1.4 Doutrina Britânica
Por sua vez, o exército britânico (INGLATERRA, 2002) apresenta três formas
de ataque a uma cidade:
- uma penetração incidindo diretamente sobre o objetivo, ultrapassando
demais áreas;
- um ataque sobre um ou mais eixos, com limpeza da zona de ação;
- uma saturação da área pelo fogo ou uma série de ataques de
pequenos grupos.
As duas primeiras formas variam basicamente em relação ao grau de
resistência apresentado pelo inimigo na orla da localidade. Caso o inimigo esteja
defendendo com vigor, o exército inglês (INGLATERRA, 2002) prevê a realização de
um ataque de forma semelhante ao previsto na doutrina do Exército Brasileiro, com
conquista de uma área de apoio na periferia da localidade e um posterior
investimento com limpeza das resistências encontradas. Em contrapartida, se
houver flancos ou intervalos no dispositivo inimigo, o atacante pode conduzir uma
infiltração ou um ataque incidindo diretamente sobre os objetivos estabelecidos no
interior da localidade.
5.2.1.5 Doutrina Espanhola
A Espanha, em seu manual de combate em zonas urbanizadas (ESPANHA,
2003), prevê dois tipos de ataques em localidades: imediato ou premeditado. As
concepções são similares ao previsto no Exército Brasileiro para o ataque de
oportunidade e ataque coordenado.
65
Um ataque imediato é desferido sobre um inimigo que ainda não teve tempo
ou capacidade de se organizar e a superioridade de meios deve ser tal que justifique
o risco de um planejamento rápido. Não são feitas considerações sobre o poder
relativo de combate. O ataque é realizado ao longo dos eixos e busca-se a conquista
de pontos-chave, deixando a limpeza da localidade a cargo de um segundo escalão.
Em relação ao ataque premeditado, onde são feitos planejamentos
detalhados, reconhecimentos e coordenações, o citado manual retrata uma maior
necessidade de concentração de unidades e acumulação de meios. Este ataque é
conduzido na forma de progressão e limpeza sistemática ao longo da localidade,
após seu isolamento ou cerco. (ESPANHA, 2003).
5.2.1.6 Conclusão Parcial
Da análise da doutrina do Exército Brasileiro e dos demais países estudados,
podem ser verificadas várias congruências. A mais importante é que tanto o Exército
Brasileiro, quanto todos os outros analisados, admitem que o ataque pode ser feito
de duas formas básicas: com a progressão casa a casa, quarteirão a quarteirão,
com a limpeza de toda a cidade; ou com um ataque mais direto sobre objetivos
decisivos, conforme a situação se apresente.
Estas duas variações básicas de forma de manobra para um ataque a uma
área urbana podem ter influência no poder de combate necessário, elevando-o,
como afirmam tacitamente a OTAN e o Exército Espanhol quando da realização de
um ataque sistemático, casa a casa. Apesar disso, não é estabelecido o quanto
representa essa maior necessidade.
5.2.2 Inimigo
O estudo do inimigo, em face de cada situação apresentada, deve dirigir-se
para o levantamento das peculiaridades e deficiências deste inimigo que
poderão influir, favorável ou desfavoravelmente, na sua eficiência de
combate. (BRASIL, 1997)
Para determinação do poder de combate necessário em cada operação, o
ponto de partida é a determinação do inimigo a ser enfrentado. O estudo do
oponente compõe qualquer planejamento militar. Seu conhecimento e previsão
serão decisivos para o sucesso das operações. A partir de sua quantificação,
verifica-se a necessidade de tropas para vencê-lo.
66
No ambiente urbano sua avaliação por parte do planejador é dificultada, tendo
em vista a complexidade do terreno e a freqüente presença de civis, modificando,
inclusive, a forma de combater. As características peculiares serão agora descritas,
verificando
o
levantamento
de
aspectos
que
poderão
influenciar
no
dimensionamento da força atacante.
5.2.2.1 Doutrina do Exército Brasileiro
Os parâmetros que são levados em consideração pelo Exército Brasileiro
(BRASIL, 2003a) para o estudo do inimigo são os seguintes: o dispositivo, verificado
pela forma como ele se dispõe no terreno; a composição, abrangendo a identificação
e a organização das tropas; o valor, indicado pelo poder de combate disponível; as
atividades importantes recentes e atuais; e as suas peculiaridades e deficiências.
Quanto à determinação do poder de combate do inimigo, verifica-se apenas
uma análise de tropas regulares. Não existe correlação que dimensione as forças
irregulares presentes no campo de batalha, a fim de compará-las com as nossas
forças, na determinação do poder relativo de combate.
O Exército Brasileiro não faz uma caracterização específica do inimigo a ser
enfrentado em combates urbanos em nenhum de seus manuais doutrinários. A força
oponente é referida sempre como “o defensor” (BRASIL, 2003b) e não é feita
nenhuma distinção ou referência da realização de tais operações em uma guerra
convencional ou como parte de outro tipo de operação.
5.2.2.2 Considerações da OTAN
Por sua vez, a OTAN (1998) afirma que dois grandes cenários podem ocorrer
em conflitos futuros:
1º – representa uma guerra envolvendo duas forças mecanizadas
modernas, equipadas e treinadas.
2º – representa uma força moderna enfrentando organizações que não
representam propriamente um estado nem possuem estrutura semelhante à maioria
dos exércitos.
Atesta ainda que os dois cenários são difíceis de separar na maioria das
situações. As operações podem envolver características de ambos, sendo que a
maioria dos conflitos e fontes de tensão se aproxima do segundo cenário. Nos
últimos anos tem ficado claro que forças insurgentes, utilizando-se da assimetria
67
proporcionada pelos aglomerados urbanos conseguem operar mais livremente e
colocam em maior risco as operações desencadeadas por forças regulares.
5.2.2.3 Doutrina dos EUA
De forma semelhante, o Exército dos EUA (ESTADOS UNIDOS, 2002)
considera que os conflitos em áreas urbanas podem ser operações contra forças
convencionais de uma ou mais nações do terceiro mundo, operações contra
insurgentes ou ameaças assimétricas, ou intervenções militares na forma de
operações de estabilidade e apoio.
Destaca ainda que as técnicas, táticas e procedimentos do inimigo são
influenciados sobremaneira pelo ambiente operacional e que a força oponente pode
atuar sem uniformes, de forma a misturar-se junto à população civil presente,
conforme exemplos históricos das batalhas por Grozny e na recente guerra do
Iraque.
Em relação ao estudo do inimigo, o Exército dos EUA considera provável
enfrentar, nesse tipo de operações, oponentes que variam de forças militares
convencionais locais ou regionais a forças paramilitares, guerrilheiros ou
insurgentes. Para qualquer dessas ameaças o estudo de situação de inteligência
deve ser conduzido da mesma forma, sendo que quando se tratar de forças nãoconvencionais o esforço de inteligência deve ser maior para se determinar seu valor,
composição e prováveis linhas de ação (ESTADOS UNIDOS, 2002a).
Em relação ao poder de combate, o manual de campanha FM 3-06.11 Operações de Armas Combinadas em Terreno Urbano (ESTADOS UNIDOS, 2002a)
aponta, de forma genérica, que é necessário um grande número de tropas terrestres
para atacar, limpar e manter cidades. Faz referência ainda a um estudo de
ROSENAU9, o qual indica que, apesar de não haver uma regra universal, “um
comandante deve ter a perspectiva de necessitar entre 9 a 27 atacantes por
defensor em um ambiente urbano”. (tradução e grifo do autor)
Porém, no mesmo manual de campanha são apresentadas informações
contraditórias, advindas de uma análise do U.S. Army Human Engineering
9
ROSENAU, WILLIAM G., Every Room is a New Battle: The Lessons of Modern Urban Warfare,
McLean (s/d)
68
Laboratory10 (1987), atestando que “um atacante não precisa necessariamente de
uma relação de poder de combate muito maior que em outro terreno. Contudo, a
relação de poder de combate tem um impacto na duração do combate”. (tradução e
grifo do autor)
5.2.2.4 Doutrina Britânica
O Exército Inglês (INGLATERRA, 2002) afirma que, no futuro, suas forças
irão travar combates nas cidades contra tropas convencionais inferiores ou forças
não-convencionais ao redor do mundo. Tropas mais fracas, ao perceberem sua
inferioridade em combater em um terreno convencional contra uma força melhor
equipada, com maior poder de fogo terrestre e aéreo, meios blindados e de
comando e controle, poderão tentar compensar suas deficiências utilizando o
combate assimétrico ou técnicas de guerrilha no interior das cidades. Assim, tropas
regulares, associadas ou não a paramilitares conduzirão enfrentamentos em área
urbana oferecendo desafios inteiramente novos às tropas regulares. Atesta ainda
que os exércitos que não estiverem preparados para este tipo de combate irão sofrer
maiores perdas e as operações irão consumir mais tempo do que previamente
estabelecido.
Estabelece ainda que, no tocante ao poder relativo de combate, em
operações de ataque a localidades a proporção de forças deve ser bem superior à
norma de planejamento tradicional de 3 para 1. Sugere ainda que novos estudos
indicam que tal relação se aproxima a 10 para 1.(INGLATERRA, 2002)
5.2.2.5 Doutrina Espanhola
O Exército Espanhol (ESPANHA, 2003) não define especificamente um
inimigo a enfrentar em um combate em localidades, porém afirma que cada vez mais
estão adquirindo maior protagonismo os conflitos originados por motivos étnicos,
religiosos, nacionalismos, diferenças de riqueza, terrorismo internacional e outros
em que se enfrentam adversários de potência desigual.
Afirma ainda que, neste tipo de conflitos, os grupos que constituem a ameaça
tratarão de evitar o enfrentamento com forças superiores de igual para igual, o que
dará lugar ao conflito assimétrico. Estes grupos tenderão a aproximar-se de cidades
10
U.S. ARMY HUMAN ENGINEERING LABORATORY, Modern Experience in City Combat, 1987.
Baseado em análise de combates urbanos da segunda guerra mundial e guerras da Coréia,
Vietnã e Oriente Médio.
69
como meio de dissuasão, tencionando que a opinião pública impeça ou dificulte o
emprego de força contra eles, por parte de um exército regular e de armas de
grande letalidade já que causariam baixas indesejáveis perante a opinião pública e a
própria força atacante junto à população civil.
Particularmente no ataque premeditado, prevê que “a relação de forças, com
respeito ao inimigo deve ser superior em número à relação de três para um, que
requer um planejamento ofensivo normal, em campo aberto”. (ESPANHA, 2003)
(tradução e grifo do autor)
5.2.2.6 Conclusão parcial
No tocante ao estudo do inimigo que defende uma área urbana, verifica-se
que o Exército Brasileiro não faz distinções nem apresenta em sua doutrina uma
forma particular de avaliação. Contudo, os demais exércitos analisados consideram
a possibilidade de enfrentar tropas irregulares, grupos de paramilitares e até mesmo
tropas de um exército regular combatendo misturadas à população civil.
O poder relativo de combate necessário para o ataque também não é
abordado de forma particular para este ambiente operacional como base de
planejamento pelo Exército Brasileiro. Entretanto Estados Unidos, Inglaterra e
Espanha consideram esta necessidade e são congruentes em afirmar que esta
relação deva ser superior a três atacantes por defensor.
5.2.3 Terreno
O terreno urbano, por suas características, impõe modificações nos demais
fatores analisados (missão, inimigo e considerações civis), que podem resultar em
diferenças no poder de combate necessário para atacar uma localidade. As
características físicas do ambiente operacional já foram abordadas no capítulo
anterior. A presente seção irá apresentar apenas os detalhes diretamente
relacionados à problemática em questão.
5.2.3.1 Doutrina do Exército Brasileiro
Nos manuais doutrinários do Exército Brasileiro são feitas várias referências
às características particulares do terreno em ambiente urbano, contudo, o estudo
deste importante fator não é detalhado nem sistematizado. Não é feita também
qualquer menção de em que medida as condições particulares de cada cidade
podem influenciar na decisão a ser tomada pelo planejador militar.
70
O manual de campanha C 7-20 – Batalhões de Infantaria – estabelece que a
frente de ataque de um batalhão em localidades fortemente defendidas deve ser de
1(um) a 4(quatro) quarteirões (BRASIL, 2003b). Contudo, o manual não define o que
é uma localidade fortemente defendida nem a largura dos quarteirões. Somente o
manual C 31-50 – Combate em áreas fortificadas e localidades (BRASIL, 1976)
apresenta a medida de 180 (cento e oitenta) metros como a frente aproximada de
um quarteirão.
Conjugando os dados dos dois manuais temos que a frente
designada a um batalhão varia de 180 a 640 metros.
Verifica-se, pois, que o dado apresentado para a frente de ataque de um
batalhão (180 a 640 metros) é consideravelmente menor quando comparado com o
dado médio de planejamento previsto na publicação DAMEPLAN da ECEME (2004)
para um terreno convencional, que é de 1 a 2 km.
Em sua abordagem o manual C 31-50 (BRASIL, 1976) – detalha ainda várias
condições específicas observadas nas áreas urbanizadas, apontando diversas
restrições impostas ao uso de viaturas blindadas, armamentos e material de
comunicações. No entanto, não faz associações dessas limitações com a
necessidade de poder de combate da força atacante. Faz referência também à
importância da posse e controle das construções com pavimentos mais elevados,
seja para a realização do tiro pelo defensor, seja pela necessidade que o atacante
tem de realizar o vasculhamento a partir dos andares superiores.
5.2.3.2 Considerações da OTAN
A OTAN considera que, no futuro, suas tropas irão conduzir operações em
áreas urbanas, isto é, onde as construções, estruturas físicas, infra-estrutura e
presença de não-combatentes serão características marcantes. Este futuro é uma
tendência para o campo de batalha em 2020, representando grandes desafios para
a OTAN em um cenário de grande número de baixas e extensos efeitos colaterais.
Adiciona também os tradicionais riscos de uma operação em área urbana às
complicações decorrentes da larga extensão da área e dos subúrbios e à existência
de edifícios muito altos e subterrâneos.
5.2.3.3 Doutrina dos EUA
O Corpo de Fuzileiros Navais (ESTADOS UNIDOS,1998) define o terreno
urbano como de múltiplas vias de acesso, proporcionando ao atacante e defensor
71
várias alternativas para progressão e campos de tiro. Da mesma forma que o
Exército daquele País (ESTADOS UNIDOS, 2003), inclui na análise do terreno as
construções, com seus interiores e o espaço subterrâneo.
O nível subterrâneo é considerado como muito importante, podendo ser
utilizado tanto pelo defensor como pelo atacante para atingir os flancos e retaguarda
do inimigo, facilitando emboscadas, contra-ataques e infiltrações. Segundo o manual
do Corpo de Fuzileiros Navais (ESTADOS UNIDOS,1998), “a cidade de Los Angeles
chega a ter 320 km de subterrâneos utilizáveis sob as ruas da cidade”. (tradução do
autor)
O Exército (ESTADOS UNIDOS, 2003) destaca ainda que as áreas sobre e
abaixo da superfície ampliam a complexidade do ambiente físico urbano. Ressalta
que os comandantes devem considerar as atividades que ocorrem do lado de fora
dos edifícios e dos subterrâneos (espaço externo), tanto quanto as que ocorrem
despercebidas dentro dos edifícios e no sistema subterrâneo (espaço interno). O
espaço interno aumenta os desafios de comando, controle e atividades de coleta de
inteligência e aumenta o poder de combate necessário para se conduzir operações
urbanas.
O Exército dos EUA (ESTADOS UNIDOS, 2002a), ao analisar o terreno
urbano, faz também uma categorização das cidades com base no tamanho da
população existente estabelecendo uma associação com o valor da força atacante a
ser empregada na mesma. O quadro a seguir resume essas considerações.
Área urbana
População
Escalão a ser empregado
Vilas
Até 3.000 habitantes
Batalhão e companhia
Cidades
3.000 a 100.000 habitantes
Brigada
Grandes Cidades
100.000 a 1 milhão de habitantes
Metrópole
1 milhão a 10 milhões de habitantes
Megalópole
Mais de 10 milhões de habitantes
Divisão e superiores
Quadro 10: Classificação das áreas urbanas e escalão a ser empregado.
Fonte: ESTADOS UNIDOS (2002a) – traduzido e adaptado pelo autor.
O corpo de fuzileiros navais não detalha esta classificação, mas faz apenas
uma consideração de que “no ataque a uma área construída (com população de
100.000 pessoas ou mais) a força de emprego deverá ser uma divisão.” (ESTADOS
UNIDOS,1998)
72
5.2.3.4 Doutrina Britânica
O Exército Inglês (INGLATERRA, 2002) também identifica como um fator
complicador a ocorrência de três dimensões no campo de batalha urbano: o nível do
solo, o subsolo e o nível acima do solo.
O subsolo enquadra todas as vias subterrâneas que possam ser empregadas
para movimento tático ou proteção. O nível do solo representado pelas ruas e suas
limitações advindas das construções e do próprio traçado das vias.
O nível acima do solo com as partes altas e o interior dos edifícios que podem
abrigar posições de tiro e observação, bem como facilitar o movimento das tropas.
Destaca também relevante importância para o número de pavimentos de cada
construção, dado importante quando faz a identificação das áreas urbanas quanto
às suas características. (INGLATERRA, 2002)
5.2.3.5 Doutrina Espanhola
O Exército Espanhol, em seu manual de combate em zonas urbanizadas
(ESPANHA, 2003), retrata que as cidades são complexas por natureza e os
edifícios, ruas e sistemas de subterrâneos se combinam para impedir, ou ao menos
dificultar as operações militares. Atesta também que o conhecimento da área
edificada é uma grande vantagem que favorece o defensor.
O combate deve ser conduzido explorando o uso das três dimensões de
uma área urbana: a rua, os subterrâneos e o nível superior dos edifícios.
Este último inclui o uso da parte mais alta das construções (telhados e
coberturas) para a observação, a tomada de posições de tiro e para moverse de um edifício a outro. O sistema subterrâneo que pode ser empregado
para movimento tático e proteção, inclui o sistema de esgoto, galerias de
serviços de eletricidade ou meios de comunicações, rios e canais
subterrâneos e em cidades que possuem metrôs. (ESPANHA, 2003)
(tradução e grifo do autor)
Além destas observações, a Espanha (2003) estabelece que os objetivos a
serem designados dependerão do tipo de área urbana onde se esteja combatendo,
do bairro em que se desenvolva o combate e do grau de organização das defesas.
Apresenta também, frentes das zonas de ação de cada escalão, como dado médio
de planejamento:
- Companhia: 150 a 300 m.
- Batalhão: 400 a 600 m.
- Brigada: 2 a 4 km.
- Divisão: 4 a 6 km.
73
Afirma ainda que “as frentes de ataque, como foram apresentadas
anteriormente, dependem da superfície e altura dos edifícios e da resistência
esperada.” (ESPANHA, 2003) (tradução e grifo do autor)
5.2.3.6 Conclusão parcial
O ambiente operacional urbano é extremamente complexo e seus efeitos
sobre as operações militares são diversos. As doutrinas dos países estudados
apresentam congruência quando afirmam que o campo de batalha assume novas
dimensões com a possibilidade de utilização de subterrâneos e o interior e cobertura
das edificações. Como as cidades não são iguais destaca-se que a diferença nestes
dois aspectos reside na real possibilidade de utilização dos subterrâneos e no
número médio de pavimentos das construções da área urbana.
No tocante ao poder de combate necessário, verifica-se a associação com
dois aspectos: o tamanho da cidade, considerando seu número de habitantes; e a
frente de ataque.
As frentes são apresentadas pelo Exército Brasileiro apenas nos menores
escalões (Companhia e Batalhão). O Exército Espanhol, em contrapartida,
apresenta valores até o escalão divisão. Contudo, é possível verificar uma relativa
concordância dos números no escalão batalhão, onde ambos exércitos apresentam
a frente oscilando entre 400 e 600 metros.
5.2.4 Considerações civis
Além da análise da missão, terreno e inimigo, o aspecto “considerações civis”
será estudado, buscando-se, assim, fazer face à necessidade de avaliar o impacto
de diversos fatores não-militares presentes no combate urbano.
O Exército dos EUA já realiza tal estudo, incluindo as considerações civis
como um novo fator de decisão. Com maior ou menor ênfase, esse sexto fator vêm
sendo estudado também por outros países, tais como a Inglaterra e a Espanha,
além de ser considerado pela OTAN como extremamente importante em um
combate urbano (OTAN, 2003).
Apesar do Exército Brasileiro ainda não ter feito tal inclusão, estudos são
desenvolvidos a respeito, como por exemplo de DA SILVA (2006), sobre a
pertinência da proposta, concluindo que “as considerações civis são fatores de
74
decisão
em todos
os
níveis
decisórios
militares,
devendo
ser
incluídos
doutrinariamente nos níveis operacional e tático”.
5.2.4.1 Doutrina do Exército Brasileiro
Nos manuais doutrinários do Exército Brasileiro pouco é abordado sobre a
presença da população e seus efeitos sobre o combate urbano. Mas o manual de
combate em zonas fortificadas e localidades (BRASIL, 1976) entende a dificuldade
gerada pela presença da população, afirmando que “a luta nas cidades, geralmente
apresenta o problema do controle e administração da população civil”.
5.2.4.2 Considerações da OTAN
A OTAN destaca que “a atitude da população local face aos contendores
torna-se um fator importante para a decisão da batalha” (OTAN, 2003) (tradução do
autor). De igual forma, julga importante a análise das considerações civis quando
considera que a presença de não-combatentes na área de operações pode reduzir
significativamente a liberdade de ação das forças atacantes.
5.2.4.3 Doutrina dos EUA
Fruto de suas experiências em combate, os EUA incluíram como fator de
decisão em sua base de planejamento as considerações civis, que podem ter valor
exponencial na condução de operações em área urbana. Afirmam ainda que o
estudo da sociedade que habita a localidade onde se dará o combate implica em
compreensão das condições de vida, diferenças culturais, etnias, facções existentes,
crenças religiosas, partidos políticos e atitude face os beligerantes (favorável, hostil
ou neutra). A partir desse estudo, determina-se o impacto sobre as operações.
(ESTADOS UNIDOS, 2002a).
O corpo de fuzileiros navais (ESTADOS UNIDOS, 1998) destaca que uma
grande concentração de civis pode trazer sérias dificuldades para as operações
táticas em ambiente urbano, principalmente no tocante a:
- mobilidade - pela utilização das vias, em especial por refugiados e a
necessidade de controle dos mesmos;
- emprego do poder de fogo – pela necessidade de minimizar danos
colaterais e baixas civis, impondo restrições ao uso de determinado armamento e
munição;
75
- segurança – pela possibilidade de atos de sabotagem e terrorismo por
civis favoráveis ao inimigo ou mesmo oponentes trajando roupas civis. Além de
apoios diversos que civis podem prestar à força adversária; e
- emprego de obstáculos – a presença e movimento de nãocombatentes influenciará no plano de barreiras, respeitando rotas de refugiados e
buscando evitar baixas civis.
5.2.4.4 Doutrina Britânica
Os conceitos correlacionados com as considerações civis, tais como
população local, fatores étnicos, religiosos, culturais, mídia, das obrigações legais e
regras de engajamento, estão presentes na doutrina britânica em igualdade de
condições com os demais fatores de decisão para os comandantes. (INGLATERRA,
1994)
A presença de civis é, portanto, um fator considerado no planejamento e
condução das operações urbanas pelas forças britânicas. Elas ressaltam ainda o
fato de alguns civis permanecerem relutantes em deixar a área e outros decidirem
fazê-lo durante as ações de combate, trazendo conseqüências em especial sobre a
mobilidade das tropas atacantes, o emprego de seu poder de fogo e a segurança.
O Exército Inglês (INGLATERRA, 1994) prevê ainda que mesmo nãocombatentes sem intenções hostis trarão conseqüência para o tamanho da força
empregada e seu avanço, podendo haver também uma quantidade de tropas
inimigas, milícias e paramilitares escondidos entre os refugiados e deslocados. O
inimigo sabe que é impossível para as forças regulares fazerem a perfeita distinção
entre civis e inimigos. Isto faz com que a situação do combate possa mudar
repentinamente, por exemplo, quando um grupo de civis torna-se uma fração inimiga
a realizar ações terroristas ou ataques às tropas regulares. Tal possibilidade gera
um grau elevado de insegurança e estresse nos militares do exército atacante.
5.2.4.5 Doutrina Espanhola
O Exército Espanhol (ESPANHA, 2003) considera que a tática será dificultada
pela presença da população civil (por vontade própria ou forçada por alguma parte).
A presença de civis limita o emprego de armas e altera tática e procedimentos a
empregar, a fim de evitar por parte do exército regular (quando se trata de uma
76
guerra convencional) os danos colaterais e as baixas da população civil, que serão
aproveitadas pelos opositores como elemento de propaganda.
Da mesma forma, a presença de residentes locais e de autoridades civis pode
exigir a manutenção dos serviços públicos essenciais e restringir a liberdade de
ação militar.
Destaca ainda que,
dependendo da zona urbana, da natureza e capacidade do inimigo que a
defende, da atitude da população que permaneça na mesma, dos danos
colaterais que o atacante esteja disposto a assumir e das próprias
capacidades deste, as fases de assalto, progressão e limpeza podem ser
desenvolvidas
utilizando
táticas
e
procedimentos
diversos.
(ESPANHA,2003) (tradução e grifo do autor)
5.2.4.6 Conclusão parcial
A presença da população civil afeta em vários aspectos a condução do
combate urbano e, conforme apresentado pelas doutrinas dos exércitos estudados,
trará conseqüências para o planejamento e condução das operações. Seus efeitos
variam desde considerações de cunho tático como restrições à manobra terrestre e
uso de armamentos e munições a fim de reduzir danos colaterais até o emprego de
efetivos para controle de refugiados e apoio logístico.
As condicionantes irão variar de operação para operação, de cidade para
cidade. Contudo, de uma forma geral, pode-se destacar dois aspectos que poderão
influenciar diretamente no planejamento e deverão ser analisados em todas as
situações: a quantidade de civis presentes e a atitude da população em relação às
forças atacantes (favorável, contrária ou neutra).
5.3
CONCLUSÃO
Ao comparar o previsto na doutrina do Exército Brasileiro com a dos demais
países estudados se verifica uma carência por parte do Brasil, de maior
detalhamento em alguns aspectos. Tal fato deve-se principalmente ao fato de que o
único manual específico que o Exército Brasileiro possui foi editado há mais de trinta
anos, onde a realidade mundial era outra e as condicionantes dos conflitos, bem
diferentes. Em contrapartida, todos os outros exércitos estudados possuem
publicações editadas nos últimos dez anos, estando mais adaptadas e coerentes
com a situação atual do cenário mundial.
O combate urbano é uma realidade estudada por todos os exércitos do
mundo. Conforme estudo apresentado neste capítulo as particularidades do
77
ambiente operacional influenciam sobremaneira o planejamento das operações. Em
maior ou menor grau, dependendo da situação, cada um dos fatores da decisão
estudados terá seu papel na determinação do poder de combate necessário para um
ataque a uma área urbana.
Pode-se comprovar também a pertinência dos fatores levantados como
variáveis e suas dimensões para estudo na presente pesquisa. A partir desse estudo
bibliográfico e das conclusões parciais apresentadas sobre cada fator analisado,
passou-se à análise dos casos históricos selecionados, com intuito de verificar e
comprovar a influência dos parâmetros estabelecidos sobre o planejamento militar.
78
6
ANÁLISE DOS RESULTADOS DA PESQUISA DE CAMPO
A pesquisa bibliográfica realizada dentre as doutrinas dos países analisados
permitiu a identificação das variáveis de estudo. Contudo, a fim de confirmar a
aplicabilidade de tais parâmetros no Exército Brasileiro e melhor orientar a análise
dos dados da pesquisa histórica, foi conduzida uma pesquisa de campo, conforme
rotina de procedimentos descrita no referencial metodológico.
O questionário constante do Apêndice “A”, aplicado à amostra, foi dividido em
duas partes. A primeira era destinada à qualificação e identificação das experiências
dos sujeitos da amostra em relação ao tema e a segunda parte colheu suas
percepções em torno dos aspectos investigados.
As questões da segunda parte compunham 10 questões fechadas, onde cada
pergunta tinha propósitos claramente definidos e alinhados com os objetivos da
presente investigação, sendo ordenadas conforme sua finalidade. As duas primeiras
questões envolviam a manobra da força atacante. A terceira questão tratava do
inimigo a ser enfrentado. A quarta sobre o estudo do terreno. A quinta sobre
restrições aos fogos de artilharia e aéreos. As próximas quatro perguntas enfocavam
as considerações civis e a última, o poder relativo de combate.
A análise das respostas obtidas será a partir de agora descrita, com o devido
tratamento estatístico e interpretação das freqüências observadas.
6.1
EM RELAÇÃO À MANOBRA DA FORÇA ATACANTE
A primeira pergunta indagava sobre a realização de um investimento
sistemático, com progressão casa a casa e quarteirão a quarteirão. Sua finalidade
era identificar se havia a percepção por parte da amostra de que a manobra de
conquista de uma localidade poderia ser realizada de uma forma diferente de um
combate casa a casa.
Conforme descrito na revisão bibliográfica apresentada no capítulo 5 da
presente investigação, a doutrina do Exército Brasileiro já prevê esta possibilidade,
mas não aborda o assunto com profundidade. No caso dos demais países
estudados, verificou-se que outras manobras ditas “emergentes” são mais
adequadas ao cenário mundial.
Observando as respostas aos questionamentos, apenas 3,90% dos
entrevistados afirmaram que a manobra sistemática seria sempre adotada, enquanto
que 71,88% disseram que tal forma de progressão somente seria aplicável em
79
determinados casos. Verifica-se, pois, que a amostra confirma os dados da pesquisa
bibliográfica, admitindo-se a necessidade de aprofundamento de estudos para maior
detalhamento doutrinário de formas de manobra diferentes do investimento
sistemático.
Tabela 1: Ocorrência de realização de um ataque sistemático.
Realização do investimento sistemático, casa a casa,
quarteirão a quarteirão
Total de
oficiais
Freqüência
sempre
5
3,90%
na maioria das vezes
31
24,22%
apenas em determinados casos
92
71,88%
nunca
0
0%
TOTAL
128
100%
Fonte: o autor.
Admitindo a possibilidade de variação da forma de manobra a ser utilizada, a
segunda pergunta indagava se haveria influência no poder relativo de combate
necessário. A esse questionamento 94,53% responderam positivamente, sendo que
56,25% concordaram totalmente com a assertiva e 24,22% concordaram
parcialmente. Tal índice de concordância justifica plenamente a necessidade de
verificação da existência de uma correlação por meio da pesquisa histórica e a
seleção da variável “MANOBRA” para estudo.
Tabela 2: Variação do poder relativo de combate em função da manobra.
O poder relativo de combate irá variar em função da manobra
idealizada?
Total de
oficiais
Freqüência
concordo totalmente
72
56,25%
concordo parcialmente
49
38,28%
discordo parcialmente
5
3,91%
discordo totalmente
2
1,56%
TOTAL
128
100%
Fonte: o autor.
6.2
EM RELAÇÃO AO INIMIGO
A seguir, os integrantes da amostra foram questionados sobre os aspectos
intervenientes na determinação do poder de combate necessário. Iniciando pelo
inimigo, foi solicitada aos entrevistados a indicação das forças adversas prevalentes
em operações urbanas. Mais da metade da amostra indicou como inimigos
prováveis forças irregulares (72,65%) e grupos de resistência locais (60,15%),
80
enquanto que apenas 26,56% indicaram a possibilidade do defensor ser
representado por forças regulares combatendo de forma organizada.
Tabela 3: Inimigo a ser enfrentado em uma cidade
Inimigo a ser enfrentado em uma cidade
Total de
oficiais
Freqüência
Forças irregulares (guerrilheiros, terroristas, etc)
93
72,65%
Grupos de resistência locais
77
60,15%
Forças regulares atuando descaracterizadas, misturadas à
população
72
56,25%
Forças paramilitares organizadas
53
41,41%
Forças regulares combatendo de forma organizada
34
26,56%
Outros
2
1,56%
Fonte: o autor.
Os resultados acima indicam uma perfeita correlação com o que prescrevem
as doutrinas dos exércitos estudados, à exceção do Exército Brasileiro, que,
conforme apresentado não estabelece em seus manuais e publicações uma
caracterização do inimigo a enfrentar. Assim, verifica-se mais uma necessidade de
aprimoramento na doutrina brasileira.
Por sua correlação com o inimigo, os resultados relativos ao último
questionamento também foram relacionados neste item. Assim, quando indagados
sobre a relação de poder de combate necessária, representada pela proporção de
forças necessária para o ataque, 93,74% responderam que ela deve ser maior que o
previsto para operações convencionais em terreno aberto. Destes, 69,53%
acreditam que deva ser consideravelmente maior e 24,21%, ligeiramente maior.
Tabela 4: Poder relativo de combate: localidade X terreno convencional.
Poder relativo de combate necessário para um ataque a
localidade em comparação com ataque em terreno
convencional
Total de
oficiais
Freqüência
consideravelmente maior
89
69,53%
ligeiramente maior
31
24,51%
igual
2
1,56%
ligeiramente menor
5
3,91%
consideravelmente menor
1
0,78%
TOTAL
128
100%
Fonte: o autor.
Os dados obtidos corroboram com os resultados da pesquisa bibliográfica,
que indicavam esta tendência em relação ao poder relativo de combate. O Exército
81
Brasileiro, contudo, não apresenta nenhuma menção em suas publicações de forma
a particularizar a determinação do poder relativo de combate em operações em
áreas edificadas. Em virtude de tal dissonância, tal parâmetro terá seu estudo
aprofundado na análise dos casos históricos.
6.3
EM RELAÇÃO AO TERRENO
O quarto questionamento versava sobre as características do terreno que
exercem influência marcante na determinação do poder de combate necessário ao
atacante. O objetivo era identificar e hierarquizar os principais aspectos no estudo do
terreno, a fim de comparar sua ocorrência nos casos históricos, com o intuito de
alcançar possíveis generalizações na determinação do poder de combate.
As respostas de maior prevalência a esse quesito foram: tamanho da cidade
(81,25%), existência / número de pontos sensíveis (81,25%), densidade das
construções (75,78%) e existência de subterrâneos (68,75%).
Tabela 5: Características do terreno com influência sobre o poder de combate necessário
Características do terreno com influência sobre o poder de
combate necessário
Total de
oficiais
Freqüência
Tamanho da cidade
104
81,25%
Número de pontos sensíveis na zona de ação
104
81,25%
Densidade das construções
97
75,78%
Existência e características de subterrâneos
88
68,75%
Largura das ruas
68
53,13%
Número de pavimentos das construções
58
45,31%
Tamanho dos quarteirões
47
36,72%
Existência e características de obras de arte
16
12,5%
Outros
7
5,47%
Fonte: o autor
A correlação entre o tamanho da cidade e o poder de combate necessário
para atacá-la, evidenciada por grande parte dos entrevistados somente é convertida
em dados mais concretos pelo Exército dos EUA, no manual de operações de armas
combinadas em terreno urbano (ESTADOS UNIDOS, 2002a), conforme apresentado
na revisão bibliográfica. Destaca-se ainda que a referida publicação ao classificar as
cidades quanto ao tamanho, o faz relacionando este com o número de habitantes.
Já o outro fator que teve maior incidência de respostas, representado pelo
número
de
pontos
sensíveis
existentes
em
uma
localidade,
encontra
correspondência direta com a doutrina brasileira. Esta, caracterizada no manual C 7-
82
20 – Batalhões de Infantaria prevê que tais pontos podem converter-se em objetivos
de limpeza e/ou segurança, devendo ser empregada uma fração em sua
manutenção (BRASIL, 2003). O maior número de pontos sensíveis representaria,
portanto, maior necessidade de poder de combate.
6.4
EM RELAÇÃO A RESTRIÇÕES AO APOIO DE FOGO
Em relação às restrições que o combate em localidade impõe ao apoio de
fogo de artilharia e aéreo, 88,27% dos entrevistados respondeu de forma positiva,
concordando sobre a influência de tal limitação no número de peças de manobra
necessário a um ataque. Destes, 53,90% concordaram totalmente e 34,37%
parcialmente.
Tabela 6: Relação restrições apoio de fogo X poder de combate.
As restrições ao apoio de fogo de Art e aéreo exercem
influência no número de Peças de Manobra necessárias para o
cumprimento da missão?
Total de
oficiais
Freqüência
concordo totalmente
69
53,91%
concordo parcialmente
44
34,38%
discordo parcialmente
11
8,59%
discordo totalmente
4
3,12%
TOTAL
128
100
Fonte: o autor.
Tais restrições relacionam-se ao verificado na pesquisa bibliográfica
apontando para a necessidade atual de minimizar danos colaterais quando do
ataque a uma localidade.
Já a relação existente entre o número de peças de manobra e o apoio de fogo
disponível encontra correlação com o previsto no DAMEPLAN da ECEME
(ECEME,2004). Nesta publicação, o poder de combate de uma força é definido pela
fórmula a seguir: “Poder de combate = ( Σ valor relativo de combate dos Elm M X
fator visibilidade X fator terreno e vegetação) + Σ valor relativo de combate dos Elm
Ap F] X média dos fatores multiplicadores”. Assim, quando se considera que há uma
redução do apoio de fogo disponível, é possível inferir que poderá haver uma maior
necessidade de elementos de manobra a fim de manter a superioridade necessária
no poder relativo de combate.
83
6.5
EM RELAÇÃO ÀS CONSIDERAÇÕES CIVIS
Passou-se, a seguir, a questionar a amostra em relação à presença de civis e
suas considerações sobre o planejamento de um ataque a uma localidade. Por ser
um fator que a doutrina brasileira ainda não incluiu de forma tácita em seus manuais
de planejamento, a amostra foi submetida a quatro perguntas, de forma progressiva.
Inicialmente, verificou-se a percepção da possibilidade da existência de não
combatentes em um combate em área urbana. Quanto a este aspecto, 41,40%
afirmaram que sempre haverá presença de civis neste tipo de operação, enquanto
que 56,25% dos entrevistados atestaram que isso ocorrerá na maioria das vezes.
Tabela 7: Presença de civis no campo de batalha em operações de ataque a localidade.
Presença de civis no campo de batalha em operações de
ataque a localidade
Total de
oficiais
Freqüência
sempre
53
41,41%
na maioria das vezes
72
56,25%
apenas em determinados casos
3
2,34%
nunca
0
0%
TOTAL
128
100
Fonte: o autor
Quanto à necessidade de estudar as considerações civis no planejamento
das operações, 100% dos entrevistados respondeu positivamente, sendo que
89,06% concordaram totalmente e 10,93% parcialmente.
Tabela 8: Inclusão das “Considerações Civis” no estudo de situação
Necessidade de analisar “CONSIDERAÇÕES CIVIS” no estudo
de situação, particularmente em operações em ambiente
urbano
Total de
oficiais
Freqüência
concordo totalmente
114
89,06%
concordo parcialmente
14
10,94%
discordo parcialmente
0
0%
discordo totalmente
0
0%
TOTAL
128
100
Fonte: o autor
Porém,
quando
questionados
sobre
a
necessidade
de
incluir
as
considerações civis como um sexto fator de decisão, a prevalência reduziu-se,
apesar de se manter positiva: 60,93% concordaram totalmente e 29,68%
parcialmente.
84
Tabela 9: Considerações civis como sexto fator de decisão
Considerações civis como sexto fator de decisão
Total de
oficiais
Freqüência
concordo totalmente
78
60,93%
concordo parcialmente
38
29,68%
discordo parcialmente
8
6,25%
discordo totalmente
4
3,12%
TOTAL
128
100%
Fonte: o autor
Dentre os aspectos relativos a considerações civis que mais se destacam e
merecem ser incluídos na análise, as maiores preponderâncias foram de: atitude da
população frente aos beligerantes (87,50%), lideranças existentes e seu grau de
influência (85,93%), costumes e tradições locais (83,59%) e quantidade de civis
presentes (82,81%).
Tabela 10: Aspectos a serem analisados nas Considerações civis
Devem ser incluídas na análise das “CONSIDERAÇÕES CIVIS”
Total de
oficiais
Freqüência
Atitude da população frente aos beligerantes
112
87,5%
Lideranças existentes e seu grau de influência sobre a população
110
85,94%
Costumes e tradições locais
107
83,59%
Quantidade de civis presentes
106
82,81%
Opinião pública local
101
78,91%
Tendências e credos religiosos
93
72,66%
Opinião pública internacional
86
67,19%
Etnias
84
65,63%
Presença de jornalistas e correspondentes de guerra
75
58,59%
Tendências políticas
69
53,91%
Aspectos legais
59
46,09%
Outros
11
8,59%
Fonte: o autor
Assim, a análise dos resultados confirma que a doutrina militar terrestre
brasileira deve aproximar-se dos demais países estudados, que já incluem este
importante fator em suas publicações doutrinárias, conforme apresentado na revisão
de literatura. Também coerente com o que prescrevem outros exércitos, as
respostas apontam que todos os fatores relacionados devem ser analisados, com
maior ou menor influência sobre as operações.
85
Dentre os aspectos com maior influência, verifica-se que aqueles de mais fácil
estudo e generalização são os selecionados no referencial metodológico para
caracterizar a variável “população civil” da presente pesquisa: quantidade de civis e
atitude da população. A quantidade de civis por ser simplesmente expressa por um
valor numérico e a atitude da população, que pode ser resumida como favorável,
contrária ou neutra.
6.6
AVALIAÇÃO DA SIGNIFICÂNCIA DOS RESULTADOS DA PESQUISA
O grupo selecionado para o presente estudo possuía uma variada experiência
anterior sobre o assunto em tela. Assim, era possível que aqueles que tiveram maior
vivência no tema, portanto capazes de responder com mais propriedade aos
questionamentos apresentados, respondessem de forma significativamente diferente
dos demais.
Fez-se necessário, pois, elaborar uma rotina de instruções e atividades
preliminares com intuito de nivelar os conhecimentos da amostra selecionada.
Assim, esperou-se que todos os integrantes da amostra pudessem emitir opiniões
fundamentadas.
Os procedimentos metodológicos elaborados para a investigação foram
rigorosamente observados. Porém, o experimento científico para ser considerado
válido deve ter sua eficácia comprovada. Ao se analisar as respostas dos indivíduos
da amostra como um todo era possível que se estivesse incorrendo em grave erro
de unir indivíduos com experiências diferentes sobre o assunto, cuja opinião
estivesse sendo mascarada pela generalização dos resultados do grupo.
A fim de verificar se a metodologia empregada qualificou adequadamente os
sujeitos da amostra e comprovar assim a significância e validade dos resultados
obtidos foi empregado o teste do qui-quadrado (x2), conforme metodologia sugerida
por GIL (2007).
O teste do qui-quadrado é muito eficiente para avaliar a associação existente
entre variáveis qualitativas (dados do tipo categórico). Destina-se a verificar se a
freqüência absoluta observada de uma variável é significativamente diferente da
distribuição de freqüência absoluta esperada.
Para aplicação na pesquisa, os indivíduos pesquisados foram observados,
conforme sua experiência anterior em assuntos relativos a combate em áreas
86
urbanas, de acordo com suas respostas à terceira pergunta da primeira parte do
questionário.
Tabela 11: Experiência anterior da amostra.
Experiência anterior em operações de combate em áreas
Total de
oficiais
Freqüência
Projeto interdisciplinar do 2º ano da ECEME
128
100,00%
Temas da EsAO
58
45,31%
Adestramento nível Pel/ SU
46
35,94%
Livros, revistas e documentários sobre o assunto
40
31,25%
Manuais e publicações doutrinárias do Exército Brasileiro
34
26,56%
Manuais e publicações doutrinárias de outros exércitos
17
13,28%
Exercícios de simulação de combate
13
10,16%
Missões reais
6
4,69%
Adestramento nível Btl
6
4,69%
Adestramento nível Bda e superiores
3
2,34%
Cursos de aperfeiçoamento no exterior
1
0,78%
Outros
5
3,91%
urbanas
Fonte: o autor.
Passou-se, a seguir, a analisar forma quantitativa as respostas para avaliar o
grau de experiência dos pesquisados. Para tanto, procurou-se grupar os indivíduos
de acordo com o número de respostas assinaladas. Dessa forma, identificaram-se
aqueles que tinham maior experiência (maior número de respostas) e aqueles cuja
experiência era pequena e, portanto, cujas respostas dependiam significativamente
das
instruções
preliminares
e
das
atividades
desenvolvidas
no
projeto
interdisciplinar.
Tabela 12: Quantidade de experiências anteriores.
Número de experiências assinaladas
Total de oficiais
Freqüência
1
30
23,44%
2
42
32,81%
3
18
14,06%
4
23
17,97%
5
6
4,69%
6
4
3,13%
7
2
1,56%
8
3
2,34%
Fonte: o autor
A partir dos resultados acima, dividiu-se a amostra em dois grupos:
87
- grupo 1: com pouca experiência no tema – aqueles que assinalaram
até duas respostas (72 militares – 56,25%);
- grupo 2: com maior experiência no tema – aqueles que assinalaram três
respostas ou mais. (56 militares – 43,75%).
Os procedimentos elaborados para nivelamento dos conhecimentos e
qualificação da amostra seriam válidos caso não houvesse diferenças significativas
entre as respostas dos dois grupos. Isto representaria que os indivíduos com pouca
experiência teriam a mesma percepção que aqueles com maior experiência anterior,
permitindo o estudo do comportamento das freqüências como um todo e validando a
metodologia empregada.
Assim, ao avaliar a diferença das respostas dos dois grupos empregando o
teste do qui-quadrado, buscou-se a comprovação de uma das seguintes hipóteses:
H1 – Existe diferença entre as respostas assinaladas pelos grupos.
H0 – Não existem diferenças entre as respostas dos grupos, isto é, as
respostas seguem a mesma tendência, independente da experiência anterior dos
sujeitos.
Para análise, foram consideradas apenas as questões da segunda parte do
questionário que permitiam somente uma resposta dos entrevistados, quais sejam,
perguntas 1,2,5,6,7,9 e 10.
Atendendo às limitações metodológicas do teste, as respostas aos
questionamentos foram grupadas, de forma que não fossem verificadas freqüências
inferiores a 5. Assim, em função do número de grupos de respostas analisados
calculou-se o grau de liberdade de cada tabela de resultados. Adotou-se, por fim,
para a presente pesquisa, o grau de significância de 5%, para a determinação do x2
crítico.
Tabela 13: Resultado do teste do qui-quadrado.
Pergunta
Grau de liberdade
X2 crítico (tabelar)
X2 obtido
1
1
3,84
2,57
2
2
5,99
0,93
5
2
5,99
1,48
6
1
3,84
3,12
7
1
3,84
0,48
9
2
5,99
1,45
10
2
5,99
1,78
Fonte: o autor.
88
Observando-se os resultados da tabela 13, verifica-se que todos os valores
de x2 obtidos são inferiores aos x2 críticos correspondentes. Isto significa que a
hipótese nula não pode ser descartada, concluindo-se que não há associação entre
a resposta apresentada e a experiência anterior do entrevistado.
Portanto, pode-se inferir que os resultados apresentados pela amostra são
significativos,
permitindo
sua
generalização.
Comprova-se
também
que
a
metodologia empregada possibilitou o adequado nivelamento de conhecimentos da
amostra e sua apropriada qualificação para a investigação científica.
89
7
AS LUTAS POR GROZNY
A República da Chechênia, cuja capital é Grozny, localiza-se no Cáucaso,
próximo ao Mar Cáspio e ocupa um importante território, como rota de comércio,
entre a Rússia e o Oriente Médio, abrigando ainda importantes gasodutos e
oleodutos. Ao longo da história, a região foi palco de episódios sangrentos,
envolvendo russos e chechenos, o que gerou um forte antagonismo e desejo
separatista.
A proclamação de sua independência foi realizada pelo Presidente checheno
Jokar Duadyev, de forma inesperada, em 1991, quando da decadência do regime
soviético. Segundo THOMAS (1999), seguiu-se um conturbado período, com várias
tentativas de golpe de estado.
Um movimento oposicionista, iniciado em 1993, secretamente patrocinado
pela Rússia, culminou com um ataque armado em novembro de 1994. As forças de
Dudayev repeliram a rebelião e o presidente desmascarou publicamente o apoio
russo, constrangendo aquele país e fazendo com que Boris Yeltsin, então presidente
da Rússia, ordenasse o avanço de tropas sobre a Chechênia.
Assim iniciou a invasão russa, que, conforme BASTO (2003), tinha três
grandes motivos: “derrubar o presidente Dudayev, esmagar as pretensões
chechenas de independência e restaurar o controle político e econômico da
Federação Russa sobre a região”.
Durante as guerras da Chechênia foram travadas quatro batalhas por Grozny.
A primeira, com a invasão russa em dezembro de 1994. A segunda (março de
1996), com a tentativa chechena de retomar a capital e a terceira (agosto de 1996),
em que a capital efetivamente retornou ao controle checheno, encerrando a primeira
guerra da Chechênia. A quarta batalha realizou-se em 1999, na segunda campanha
russa, tendo como conseqüência a quase completa destruição da cidade.
Grozny era uma cidade esparsa, construída às margens do Rio Sunthza, em
uma área de aproximadamente 150 quilômetros quadrados, dotada de um setor
industrial e um misto de casas com edifícios de 10 a 16 andares em seu centro.
Possuía grandes avenidas, quarteirões bem ordenados e extensos subúrbios e, em
dezembro de 1994, sua população era de cerca de 490.000 habitantes (THOMAS,
2002).
Para a presente pesquisa foram estudadas a primeira e a quarta batalha por
Grozny, por tratarem de operações desencadeadas pelo exército regular russo.
90
7.1
GROZNY I (1994)
A primeira batalha por Grozny, iniciada no fim de 1994, durou até março de
1995 e fez parte da primeira Guerra da Chechênia. Segundo FAURBY e
MAGNUSSON (1999), o plano de campanha russo envolvia quatro fases:
1ª fase – Tropas de fronteira deveriam cercar a Chechênia enquanto a
Força Aérea garantiria o controle do espaço aéreo sobre o País. Por terra, três
grupos de exército e tropas do Ministério do Interior avançariam de noroeste, oeste e
leste em direção a Grozny e cercariam a cidade, deixando aberta uma saída a sul
para que as forças chechenas pudessem deixar a localidade. Grozny não deveria
ser atacada.
2ª fase – Controlar Grozny por meio da ocupação do palácio
presidencial, outros prédios públicos, estações de rádio e televisão e outros
objetivos importantes.
3ª fase – Realizar a “limpeza” das planícies, levando as tropas de
Dudayev para as montanhas do sul do País. Enquanto isso, estabelecer um governo
pró-russo nas áreas liberadas.
4ª fase – Eliminação dos bolsões de resistência nas montanhas do sul.
A expectativa russa era de uma campanha rápida, em especial nas três
primeiras fases, com uma duração que não excederia três semanas, conforme
estudos de THOMAS (2002).
O oponente, porém não tornaria a tarefa russa fácil. Segundo FAURBY e
MAGNUSSON (1999), o planejamento checheno era evitar o combate com as forças
russas em terreno aberto e retardar seu avanço por meio de emboscadas em
florestas e áreas restritivas, de modo a ganhar tempo para a adequada preparação
da defesa de Grozny, onde seria travada a batalha decisiva.
Após desencadear ataques aéreos sobre a Chechênia, a partir de 01 de
dezembro de 1994, os russos iniciaram a invasão em 11 de dezembro. Os
chechenos tiveram sucesso no retardamento idealizado e a primeira fase que era
planejada para ser executada em não mais que três dias, durou três semanas.
(JENKINSON, 2002).
A invasão militar e a indiscriminada campanha aérea, em particular,
rapidamente modificaram a natureza do conflito de uma declarada ação de
desarmamento de formações ilegais e intervenção para uma guerra total. A
população da Chechênia, que possuía 30% de seus habitantes de origem russa, ao
91
verificar a extensão dos efeitos colaterais passou a ser totalmente contrária à ação
da Rússia, apoiando as forças de resistência. (GRAU, 2002)
Assim, as tropas chechenas não abandonaram a cidade pelo eixo aberto que
os russos deixaram ao sul. Pelo contrário, utilizaram tal possibilidade para trazer
mais reforços para a cidade, que vinham de outras regiões e até de outros países,
que por razões étnicas e religiosas apoiavam os chechenos, inclusive com a
presença de mercenários, conforme atestam FAURBY e MAGNUSSON (1999).
As Forças Russas para o ataque à Chechênia, segundo JENKINSON (2002),
totalizavam cerca de 38.000 homens e estavam assim organizadas:
- Grupo de Exércitos do Oeste, composto principalmente pela 19ª
Divisão de Fuzileiros Motorizada, 76ª Divisão de Pára-quedistas e pela 106ª Divisão
de Pára-quedistas;
- Grupo de Exércitos do Norte, composto principalmente pelo 81º
Regimento de Fuzileiros Motorizado, pela 131ª Brigada de Fuzileiros Motorizada
Independente e pelo 255º Regimento de Fuzileiros Motorizado. Posteriormente, para
a conquista de Grozny este Grupo foi dividido em Grupo de exércitos de Norte e
Nordeste.
- Grupo de Exércitos de Leste, que consistia, em especial, do 129º
Regimento de Fuzileiros Motorizado e da 104ª Divisão de Pára-quedistas.
Os dados sobre as forças chechenas são bastante imprecisos. FAURBY e
MAGNUSSON (1999) atribuem isso ao fato de haver relativamente poucas unidades
militares organizadas e também por um considerável número de chechenos civis
terem lutado durante a invasão russa e retornado a sua vida normal após os
combates. Segundo JENKINSON (2002), a imprecisão também se deve ao número
de estrangeiros oriundos do Iraque, Afeganistão, Índia, Paquistão, Azerbaijão,
Sudão e Ucrânia, que se juntaram aos chechenos na luta contra os russos.
As forças organizadas da Chechênia, conforme estudos de FAURBY e
MAGNUSSON (1999) eram compostas, à época da invasão, pelas seguintes tropas:
- Guarda Nacional do Presidente Dudayev – cerca de 120 homens;
- Batalhão Abkhasian – cerca de 250 homens;
- um Regimento de Carros de Combate – com aproximadamente 12 a
15 carros disponíveis;
- uma Unidade de Artilharia – com cerca de 80 homens e 30 peças de
artilharia;
92
- um “Batalhão de Comandos” motorizado – com cerca de 250 homens;
- forças do Ministério do Interior – aproximadamente 200 homens.
Porém, estudos de GRAU (2002) e GEIBEL (1996) atestam que durante os
combates por Grozny, as forças chechenas, contando com civis e estrangeiros que
participaram da batalha totalizaram cerca de 5.000 homens. Já THOMAS (1999)
relata que o defensor combateu com cerca de 10.000 homens. Por outro lado,
JENKINSON (2002) afirma que estes números estão superestimados, mas atesta
entre 2.000 e 6.000 homens combateram pelos chechenos nas ruas de Grozny.
As tropas russas somente chegaram à orla da cidade em 26 de dezembro de
1994. A partir daí realizaram uma progressão lenta pelos subúrbios até o dia 30 de
dezembro, quando aguardaram ordem para o ataque decisivo à região central da
cidade. Esta ordem partiu do Ministro da Defesa Pavel Grachev no dia 31 de
dezembro de 1994. (THOMAS, 2002).
81º Rgt
131ª Bda
Figura 3: O ataque de 31 de dezembro de 1994.
Fonte: THOMAS, 2002.
O plano de ataque inicial consistia em avançar por quatro eixos convergentes
sobre o centro da cidade enquanto dois grupos Spetsnaz11, infiltrados por
11
Tropa de forças especiais russas
93
helicópteros, deveriam desorganizar a retaguarda chechena ao sul da cidade.
Contudo, inebriado pelo aparente sucesso inicial, Grachev alterou o planejamento
anterior e decidiu tomar o centro da cidade com um “golpe de mão”, avançando
rapidamente pelos eixos principais com suas tropas mais móveis, sem o devido
acompanhamento da infantaria. Tencionava assim terminar rapidamente a
campanha, mas levou seus homens a uma humilhante derrota. (JENKINSON, 2002)
Os chechenos combateram ferozmente e de forma inteligente. Atacavam as
colunas de blindados, bloqueando as vias principais, forçando os carros a se
dirigirem para ruas mais estreitas, onde destruíam o primeiro e o último carro da
coluna. A partir daí, o comboio estava encurralado e os chechenos iniciavam sua
aniquilação. Com tais manobras a 131ª Brigada Russa foi praticamente destruída,
com a perda de 122 de seus 146 veículos blindados, e a morte de mais de 1.000
homens, inclusive seu comandante, apenas no primeiro dia de combate! (FAURBY e
MAGNUSSON, 1999)
Embora contando com apoio aéreo e um aparato militar de 4 para 1, as
ações de cerco não forma realizadas conforme o planejado. Os chechenos
estavam combatendo em seu território e estavam bem supridos. O moral
checheno estava elevadíssimo e havia extrema confiança nas decisões de
seus líderes. Todos os eixos de aproximação, ao iniciar o cerco, eram de
total controle dos rebeldes. À medida que as unidades russas avançavam,
cientes de sua inferioridade, os rebeldes realizavam uma verdadeira ação
retardadora, ganhando tempo e desgastando as tropas russas. (SILVA,
2001) (grifo do autor)
O ataque da véspera de ano-novo redundou em um inteiro fracasso para os
russos. Contrariando seu planejamento inicial, as tropas de Grachev entraram em
Grozny com apenas 6.000 homens e sofreram contundente derrota para os
obstinados e astutos chechenos. Suas unidades foram bloqueadas nos eixos ou
destruídas, esforços de resgate de unidades cercadas acabaram também
aniquilados. Os grupos Spetsnaz, foram cercados e, por fim, renderam-se.
Os chechenos dominavam também a guerra da informação. Sem qualquer
prática com o trato com a imprensa, os russos ignoravam sua presença e não
controlavam seu trabalho. De forma contrária, Dudayev patrocinava a vinda de
órgãos de comunicação mundiais que cobriam os combates e, conduzidos pelos
chechenos, evidenciavam atrocidades russas, em especial a destruição de alvos
civis pela aviação ou artilharia, fazendo com que a opinião pública tendesse para o
lado da Chechênia. (THOMAS, 2002)
94
Emboscadas chechenas
Rota principal da forças russas
Rota de resgate russa
Figura 4: A reação chechena.
Fonte: JENKINSON (2002), traduzido pelo autor.
Os russos, então, decidiram mudar de tática. A partir de 04 de janeiro, os
Grupos de Exército reorganizaram-se e, ao invés de simplesmente resgatar as
unidades cercadas, passaram a realizar uma progressão sistemática, casa a casa,
um edifício de cada vez, com largo emprego da infantaria a pé, apoiada por fogos
aéreos e de artilharia, a fim de realmente expulsar os chechenos e não se
submeterem a mais emboscadas. Enquanto isso, novas unidades russas eram
enviadas ao campo de batalha. De 09 a 18 de janeiro de 1995 mais sete regimentos
chegaram a Grozny. O número total de militares russos aproximava-se de 50.000
homens.
A manobra russa passou a trazer resultados positivos. Em 18 de janeiro, as
forças chechenas abandonavam o Palácio Presidencial e passavam a se concentrar
na parte sul da cidade. Depois de um lento e metódico avanço, por fim, em 09 de
fevereiro, as últimas forças resistentes deixavam a cidade, encerrando a primeira
batalha por Grozny. Mas o fim da guerra ainda tardaria. (JENKINSON, 2002)
Como saldo da batalha a cidade ficou parcialmente destruída. O largo
emprego de fogos de apoio gerou, ainda, inúmeras baixas na população que ainda
95
permanecia na cidade. Segundo FAURBY e MAGNUSSON (1999), o secretário de
direitos humanos russo, que esteve em Grozny durante a batalha afirmou que o
número de mortos civis aproximava-se de 30.000 e um número de refugiados
próximo a 300.000 pessoas.
A resistência chechena passou para as montanhas e cidades menores. Em
março de 1996, os combates voltaram a Grozny em uma tentativa de retomada da
cidade. Na ocasião, um míssil matou o Presidente Dudayev. Em agosto de 1996 um
acordo pôs fim à ocupação russa e à primeira guerra da Chechênia. O acordo não
resolveu o conflito, mas adiou a decisão para 31 de dezembro de 2001, quando
seria decidido o status da Chechênia, como nação independente ou integrante da
Federação Russa.
7.2
GROZNY IV (1999)
A Rússia, porém, não estava interessada em esperar até 2001 por uma
solução diplomática. Incomodada com a possibilidade de separação, o País passou
a se preparar para nova campanha. De acordo com THOMAS (2001), um ataque
terrorista a um centro comercial em Moscou atribuído a chechenos e ações militares
destes na região de Dagestan, em 1999, foram os motivos imediatos que levaram a
Rússia a desencadear nova ofensiva rumo a Grozny.
O Plano de Campanha russo, segundo JENKINSON (2002), era composto de
três fases:
- 1ª fase: bloquear e isolar as fronteiras da Chechênia e ocupar áreas
para conter as forças de guerrilha;
- 2ª fase: destruir os pontos fortes e instalações importantes
chechenas, por meio de ataques aéreos;
- 3ª fase: estabelecer uma estrutura de poder alternativa para contestar
a legitimidade do atual Governo checheno.
Assim como na primeira guerra da Chechênia, as forças russas eram
compostas por três grupos de exércitos: Leste, Oeste e Norte. Um quarto grupo
(Sul), foi adicionado posteriormente para operar junto às montanhas do Cáucaso.
Totalizavam, dessa forma, cerca de 100.000 homens. O Grupo de Exército Norte
seria designado como Grupo Grozny, por receber a missão de invadir a cidade. O
mesmo era composto por duas brigadas, um regimento dotado de carros de
96
combate, apoio de artilharia e tropas de forças especiais, além de grupos de
atiradores de elite e engenharia. (OLIKER,2007)
A fim de assegurar as condições necessárias para as operações terrestres, a
Rússia iniciou sua campanha aeroestratégica em 23 de setembro de 1999, atacando
o aeroporto de Grozny, radares de defesa aérea, refinarias de petróleo, depósitos de
combustível e instalações de energia. Devido à iminente ofensiva terrestre russa, a
população de Grozny foi reduzida a menos de 50.000 pessoas. (JENKINSON, 2002)
Após a primeira guerra da Chechênia, o exército russo estudou os erros
cometidos e preparou-se para a nova campanha. Desta feita os combates de Grozny
seriam diferentes. Segundo FAURBY e MAGNUSSON (1999), após atingir as
cercanias da cidade em meados de outubro de 1999, os russos mantiveram o cerco
por dois meses, realizando ações de reconhecimento e fogos de artilharia e aéreos,
a fim de destruir os pontos fortes chechenos. Ao mesmo tempo, progrediram
lentamente pelos subúrbios, conquistando áreas de apoio do inimigo.
No início de dezembro, aviões russos lançaram panfletos sobre a cidade,
ordenando a completa evacuação da cidade em cinco dias, instruindo os civis para
utilizar rotas seguras e informando que não haveria negociações. Em 12 de
dezembro, o Grupo de Exército Grozny iniciou a quarta batalha pela capital
chechena. (OLIKER,2007).
Coordenando suas ações com a milícia chechena que apoiava as forças
russas, totalizando cerca de 5.000 militares, o Grupo de Exército Grozny se
movimentava lentamente, casa a casa, quarteirão a quarteirão, realizando a
“limpeza” da cidade por setores, a partir dos subúrbios ao norte da localidade. Fogos
de artilharia e aéreos eram empregados em larga escala, buscando minimizar baixas
amigas, diminuindo ao máximo o combate aproximado. Os russos seguiam,
basicamente, os seguintes procedimentos: realizavam um reconhecimento inicial,
identificando posições inimigas; saturavam a área por fogos; atiradores de elite
faziam a proteção da infantaria; por fim, a infantaria avançava e reduzia quaisquer
resistências locais, assegurando a posse do setor. (JENKINSON, 2002).
As forças chechenas na cidade estavam estimadas em 2.000 a 2.500
homens, segundo CAMERON (2002), dotadas de armamento variado, que incluíam,
lança-rojões, mísseis anticarro e carros de combate. Novamente, os dados acerca
do efetivo de defensor eram conflitantes, com THOMAS (2002) afirmando que se
tratavam de 5.000 homens.
97
As táticas de emboscada sofreram algumas modificações em função da forma
lenta e sistemática de avanço russo. Contudo, por diversas vezes, os chechenos
retomaram posições e quarteirões utilizando principalmente os esgotos e
subterrâneos da cidade. Por estas vias causavam maiores danos à tropa atacante e
geravam insegurança nas áreas de retaguarda.
À medida que as forças russas se aproximaram do centro da cidade, os
combates se tornaram mais intensos, com edifícios e instalações trocando de posse
por seguidas vezes. O ritmo do avanço reduziu-se a 100 metros por dia e as
construções mais altas, possíveis de serem utilizadas por atiradores de elite e que
facilitassem a observação e condução de fogos passaram a ser acidentes capitais.
(THOMAS, 2000).
A artilharia dominava o campo de batalha. Historicamente os russos
empregavam largamente seus fogos. Embora na primeira luta por Grozny a artilharia
tenha desempenhado papel secundário, no fim de 1999 e início de 2000 foi utilizada
amplamente. Quando uma peça de manobra se engajava decisivamente, procurava
romper o contato e recuar, para que a área fosse saturada por fogos. Os russos não
se importavam com danos colaterais e com a rapidez da ação, mas desta vez
queriam prevenir o engajamento decisivo e minimizar suas próprias baixas.
(JENKINSON, 2002)
O combate urbano traz um desgaste psicológico muito grande às tropas. Por
isso, as tropas russas fizeram rodízios mais freqüentes e substituições em suas
unidades empregadas. Tal conduta, aliada aos reforços que chegavam à capital, fez
com que, no fim de janeiro de 2000, praticamente todos os 100.000 homens do
exército russo já tivesse atuado dentro ou nas cercanias de Grozny. (OLIKER,2007)
Outra grande modificação em relação à primeira batalha por Grozny foi em
relação aos meios de comunicação. Em 1994/1995, os russos ignoraram a imprensa
e deixaram que os chechenos controlassem sua atuação, contando a versão deles
dos fatos. Em 1999, os russos cadastraram todos os repórteres na região, criaram
um centro de imprensa e realizaram um controle cerrado sobre todas as reportagens
produzidas no campo de batalha. Assim, puderam conquistar o apoio da opinião
pública russa, que passou a considerar a luta justa, por eliminar a ação de
“terroristas” chechenos e garantir a segurança da Rússia. Também utilizaram a
mídia para fins táticos, divulgando ações e alertando a população local sobre
98
ataques, incitando a retiradas e demonstrando alguma preocupação em garantir sua
segurança.(THOMAS, 2001)
No tocante à inteligência, também houve diferenças significativas para as
forças russas. Conforme JENKINSON, (2002), diferente da primeira batalha em que
faltaram cartas para os escalões menores e as poucas que restaram eram em
escalas inadequadas, desta vez todos tinham bons mapas. Com o cerco mais
demorado,
foram
realizados
reconhecimentos
detalhados
e
recrutados
colaboradores, que se tornaram excelente fonte de dados para os russos. Um bom
trabalho de inteligência resultou em um planejamento mais adequado do ataque,
focando em localizar e destruir o inimigo, empregando desta vez uma combinação
de poder de combate adequada à manobra.
No fim de janeiro de 2000, as forças chechenas começaram a se retirar da
cidade. Em 06 de fevereiro, a bandeira russa passou a tremular sobre as ruínas da
capital da Chechênia. Não mais que 300 rebeldes permaneceram na cidade, em
focos isolados de resistência. O grosso das forças havia sido destruído ou se
retirado para as montanhas e cidades menores. O Grupo de Exército Grozny iniciou
então a transferência do controle da cidade para tropas do Ministério do Interior.
Estava terminada, assim, a quarta batalha por Grozny. Segundo estudos de
THOMAS (2001), as perdas nesta batalha incluíram próximo a 4.000 guerrilheiros
chechenos, aproximadamente 5.000 civis e 1.100 soldados russos. Mais de 230.000
pessoas foram deslocadas. Grande parte de Grozny e das cidades vizinhas foi
reduzida a ruínas e, claramente, o povo checheno foi que sofreu as maiores perdas
da guerra.
99
8
OS COMBATES NO IRAQUE
A Guerra do Iraque foi o primeiro grande conflito armado do século XXI.
Iniciou em março de 2003, quando forças de uma coalizão, composta principalmente
pelos Estados Unidos da América (EUA) e pelo Reino Unido, invadiram o Iraque. A
campanha terrestre foi rápida e, no início de maio, após a conquista de Bagdá e
redução do poder militar iraquiano, o presidente dos EUA, George Bush, declarou
encerradas as operações militares de vulto e deposto o governo de Saddam
Hussein.
Nas primeiras horas do dia 20 de março, após um breve ultimato norteamericano, iniciou a campanha aeroestratégica, tendo como principais alvos as
sedes do Governo Iraquiano, buscando atingir o próprio Saddam e seus assessores
mais importantes. Apenas 10 horas depois, as forças de coalizão lançaram uma
avassaladora ofensiva terrestre, partindo do Kuwait rumo à capital iraquiana.
As forças terrestres da coalizão (CFLCC12 – equivalente a FTC), comandadas
pelo Tenente General Dave McKiernan, foram organizadas em dois componentes de
valor Corpo de Exército: o V Corpo de Exército (V CEx) e a I Força Expedicionária
de Fuzileiros Navais (I MEF). O V CEx estava integrado, basicamente, pelos
seguintes elementos de manobra: 3ª Divisão de Infantaria (3ª Div Inf) e 101ª Divisão
de Assalto Aéreo (101ª Div Ass Ae). A I MEF era composta pela 1ª Divisão de
Fuzileiros Navais (1ª MARDIV), pela 2ª Brigada Expedicionária de Fuzileiros Navais
(FT Tarawa) e pela 1ª Divisão Blindada do Reino Unido.
A missão atribuída ao CFLCC incluía derrotar as forças iraquianas e controlar
a zona de ação, assegurando a manutenção de regiões importantes e depondo o
regime de Saddam Hussein. Em prosseguimento, deveriam ser conduzidas
operações de estabilidade, a fim de criar condições para a transição para um
comando combinado iraquiano.
A direção estratégica utilizada foi Kuwait-Iraque, tendo em vista a Turquia e
os demais países vizinhos não terem permitido a utilização de seus territórios para
manobras terrestres. A zona de ação foi dividida em duas partes, cabendo à I MEF a
porção leste e ao V CEx a porção oeste. O plano de campanha previa a mesma
12
CFLCC – Combined Forces Land Component Command – Comando do Componente Terrestre das
Forças Combinadas.
100
divisão de responsabilidade sobre a conquista de Bagdá, com os limites
estabelecidos, nesta cidade, pelo rio Tigre.
Figura 5: Esquema de manobra do CFLCC
Fonte: FONTENOT, DEGEN e TOHN (2004)
O V CEx orientou seu esforço principal pela direção tática de atuação (DTA)
balizada pela Rodovia 8, passando pela base aérea de Tallil, nos arredores de An
Nasiriyah, e pelas cidades de As Samawah, An Najaf e Karbala, até chegar a Bagdá.
O planejamento inicial previa evitar ao máximo o combate urbano, desbordando as
cidades e procurando destruir as forças iraquianas em suas posições, impedindo
seu retraimento para a capital. Contudo, a resistência enfrentada nas cidades e a
ameaça aos eixos de comunicações e suprimentos fez com que o comandante do
CFLCC, assessorado por seu estado-maior, autorizasse o emprego, pelo V CEx, da
101ª Div Ass Ae e da 82ª Div Aet (inicialmente reserva do CFLCC) na conquista das
cidades de An Najaf e As Samawah, respectivamente.
101
O V CEx prosseguiu em seu avanço, empregando a 3ª Div Inf como
vanguarda, até atingir Bagdá. Os principais objetivos de isolamento, denominados
LIONS, SAINTS, TITANS e MONTGOMERY, incluíam, respectivamente, o Aeroporto
Internacional e os entroncamentos de estradas que controlavam os acessos à
cidade por sul, norte e leste. Tais objetivos foram vitais para que as forças
americanas pudessem concentrar poder de combate junto à cidade e se preparar
para a fase decisiva da campanha, a conquista da capital e a derrubada do regime.
Na zona de ação de leste, a I MEF teve como primeiros objetivos conquistar o
litoral do Iraque, proteger os campos de petróleo no sudeste do País e conquistar as
cidades de An Nasiriyah e Basra, esta última a cargo da Div britânica. Como os
combates em Basra se tornaram intensos, antes mesmo que a Div britânica a
conquistasse, a I MEF prosseguiu em seu avanço rumo a Bagdá com a 1ª MARDIV,
pela DTA balizada pela rodovia 7, isolando a capital por sudeste.
A rodovia 2, ao norte de Bagdá, foi o único eixo que não foi barrado no
isolamento da cidade. Contudo, ações desenvolvidas por equipes de forças
especiais, pela 173ª Bda Pqdt e por demais elementos inseridos ao norte do País
praticamente impediram a chegada de reforços por esta direção.
Em 02 de abril, depois de conquistar o aeroporto de Bagdá e avaliando que o
inimigo não teria fortes posições defensivas na cidade, o V CEx decidiu manter a
impulsão e derrotar definitivamente o regime de Saddam. Assim, em 05 de abril, a 3ª
Div Inf, empregando uma técnica já utilizada pela 101ª Div Ass Ae em An Najaf, ao
invés do combate “casa-a-casa”, realizou um primeiro reconhecimento em força, por
meio de uma força-tarefa blindada. Em face do sucesso alcançado, dois dias depois,
dessa vez utilizando uma Brigada Blindada, a 3ª Div Inf investiu sobre a capital para
conquistar e manter o objetivo Diane, no coração de Bagdá, incluindo as principais
sedes do Governo.
Após resistir a alguns contra-ataques nos dias seguintes, a divisão expandiu
sua zona de ação, até que a I MEF atacou o lado leste da cidade e fez a junção com
a brigada. Em 10 de abril, os últimos grandes combates foram travados para
consolidação dos objetivos. Nesse momento, as forças iraquianas e o País já não
possuíam um comando organizado, o regime estava derrubado e Bagdá sob
controle da coalizão.
A condução das operações em áreas urbanas durante a campanha militar no
Iraque seguiu o planejado pelo Exército dos EUA nos anos que precederam a
102
guerra. Cientes das dificuldades que enfrentariam em cidades como Bagdá, que
possuía cerca de 5 milhões de habitantes, os norte-americanos não desejavam
repetir erros verificados em combates passados como Grozny, Hue, Stalingrado e
Aachen. Estudos e treinamentos de táticas, técnicas e procedimentos foram
exaustivamente desenvolvidos e aperfeiçoados, contribuindo de forma decisiva com
o sucesso das operações. (FONTENOT, DEGEN e TOHN, 2004)
8.1
AS SAMAWAH
As Samawah é uma cidade de tamanho moderado (cerca de 13 km2)
localizada sobre o rio Eufrates e ao longo da rodovia 8, que balizava o eixo de
progressão do V CEx. Situa-se a 265 km a oeste de Basra e 240 km a sul da capital
do Iraque. Adicionalmente, a estrada de ferro que ligava Basra a Bagdá passava ao
largo da cidade, a sul e oeste. A maior parte da cidade se encontra a sul do
Eufrates.
À época do conflito possuía cerca de 100.000 habitantes, sendo que muitos
não abandonaram a localidade. Os primeiros contatos na cidade foram feitos por
tropas de forças especiais infiltradas, indicando a presença de tropas da Guarda
Republicana e forças paramilitares que, bem armadas, combatiam misturadas aos
civis. A integração da tropa terrestre com a atuação das forças especiais em As
Samawah foi considerada a melhor de toda a campanha no Iraque. Valiosas
informações de inteligência foram repassadas, permitindo uma melhor decisão no
decorrer da batalha. (FONTENOT, DEGEN e TOHN, 2004)
O esquema de manobra original do V CEx previa um bloqueio de qualquer
força inimiga na cidade, para permitir à 3ª Div Inf mover-se ao longo da borda oeste,
em direção norte rumo aos próximos objetivos, junto à cidade de An Najaf. A
intenção era a realização de um movimento rápido pelo eixo, sem deter-se limpando
as cidades ao longo do caminho.
A missão de garantir a segurança do eixo junto à cidade coube ao 3-7 CAV
(Regimento de Cavalaria). O regimento combateu nas cercanias da cidade para
assegurar a utilização das duas pontes que configuravam seus objetivos. Enfrentou
milícias do partido Baath13 e tropas Fedayeen14 instaladas em prédios e construções
adjacentes aos objetivos.
13
14
Partido nacionalista socialista do qual fazia parte Saddam Hussein.
Milícia com origem nos refugiados palestinos.
103
A presença de tropas de paramilitares em As Samawah representava, no
entanto, uma ameaça ao eixo de comunicações. O V CEx determinou, então, um
desvio do fluxo logístico e que a 3ª Brigada assumisse o controle do isolamento da
cidade. A missão da brigada foi prevenir a interrupção das linhas de comunicação.
Caso saíssem da cidade para atacar, os iraquianos estariam abandonando as
vantagens de combater em área urbana. Assim, a brigada passou a conduzir uma
série de demonstrações de modo a manter a atenção dos iraquianos e efetivamente
fixá-los na localidade, onde eles não poderiam atacar em nenhuma parte ao longo
das linhas de comunicação.
Figura 6: Desvio do fluxo e bloqueio da 3ª Brigada.
Fonte: FONTENOT, DEGEN e TOHN (2004).
Em 26 de março, a fim de liberar a 3ª Brigada para as ações em Bagdá, a 82ª
Divisão Aeroterreste recebeu a missão de substituí-la nas ações em As Samawah.
Para tanto, empregou a 2ª Brigada, reforçada pela FT 1-41IN (Unidade de infantaria
mecanizada) e pela A/9-101 (companhia de helicópteros leves). Nas primeiras horas
de 29 de março, a 2ª Bda, com cerca de 5.000 homens, assumiu a zona de ação
com a composição de meios apresentada no quadro a seguir. (FONTENOT, DEGEN
e TOHN, 2004)
104
Composição de meios 2ª/82ª Div Aet
- 03 Rgt Inf (1-325 AIR, 2-325 AIR e
3-325 AIR)
- 407 B Log Avçd (-)
- FT 1-41st Inf (-)/ 3ª Bda/ 1ª Div
Bld
- B/307 Btl Eng
- B/313 Btl Intlg Mil
- B/82 Btl Com
- B/3-4 AAAe (-)
- 2/21 Guerra Química
- 2/82 Políca militar (+)
- 2/618 Cia Eng
- Elm 301 Btl Op Psico
- Gp /49 Dst relações públicas
- 96th Btl Ass Civ (tático)
- 2 Cias / Forças
Iraquianas Livres
- 2/319 GAC (105T) (-)
Quadro 11: Composição de meios da 2ª/82ª Div Aet.
Fonte: FONTENOT, DEGEN e TOHN, 2004.
A missão da 2ª Bda era isolar As Samawah e proteger o eixo de
comunicações do V CEx. A intenção do Cel Bray, Cmt da Brigada, era localizar e
destruir as forças paramilitares inimigas na cidade, assegurar os eixos de
suprimento em sua zona de ação, identificar grupos de apoio à coalizão e conduzir
operações de vigilância e proteção. O estado final desejado era que as forças
amigas pudessem se mover em segurança pelo eixo de comunicações e as forças
paramilitares fossem destruídas, ou impedidas de conduzir operações organizadas
ou influenciar as operações amigas na estrada principal de suprimento (EPS).
(FONTENOT, DEGEN e TOHN, 2004)
Por ocasião da substituição, o Cel Bray recebeu da 3ª Bda uma atualização
dos conhecimentos de inteligência acerca do inimigo na localidade informando que,
embora as forças inimigas fossem numerosas, eram pouco treinadas e mal
lideradas. O valor do inimigo estimado era de uma companhia da Guarda
Republicana (cerca de 500 homens), com a presença de Fedayeen locais (300 a
350 homens), 200 a 250 milicianos do partido Baath e aproximadamente 100 a 150
do Al Quds15. Havia outras forças inimigas que não foram identificadas previamente,
como voluntários árabes que adentraram o Iraque, vindos da Síria e da Jordânia,
nas últimas semanas. Estima-se que 40 a 50 voluntários sírios combateram na
cidade. Totalizavam, portanto cerca de 1.200 homens, entre militares e
paramilitares.
Após os primeiros confrontos com o inimigo, rapidamente o Cel Bray e suas
tropas mudaram de um ataque focado no terreno para um ataque focado no inimigo.
As operações da brigada evoluíram para investidas sobre posições inimigas onde os
paramilitares estavam concentrados. Isso desequilibraria os defensores, impedindoos de interferir no fluxo logístico.
15
Braço armado da organização palestina “Jihad Islâmica”.
105
Nos dias 29 e 30 de março, a Brigada conduziu reconhecimentos em força
para colher dados acerca da localização, dispositivo, intenções e padrões de
atuação inimigos. Nesse período pôde confirmar a superioridade no combate
noturno e identificar técnicas, táticas e procedimentos iraquianos, que facilitariam o
investimento posterior.
Os iraquianos não seguiam regras para combater, utilizavam mesquitas,
atiravam de hospitais e usavam ambulância para ressuprimentos. Eles fingiam se
entregar com uma bandeira branca e depois se abaixavam atrás de um veículo e
começavam a atirar. As informações sobre o inimigo vieram da tropa substituída,
dos elementos de forças especiais e das forças em contato nos primeiros dias que a
Brigada assumiu a zona de ação. A análise de todos os dados, além daqueles
colhidos com radares, se mostrou bastante preciso.
A cidade de As Samawah representou problemas para o V CEx desde o início
das operações, pelos inúmeros ataques lançados sobre o eixo de comunicações e a
EPS, colocando em risco o fluxo logístico das tropas que já atuavam em
profundidade no terreno iraquiano. O Corpo de Exército decidiu, então, que a 2ª Bda
/ 82ª Div Aet deveria realizar um ataque sobre a cidade, investindo e limpando a
mesma de uma vez por todas, como parte de cinco ataques simultâneos desferidos
pelo V CEx em diversas localidades. Tal decisão resultou da necessidade de
garantir o fluxo logístico através da Rodovia 8, que seria inatingível se o inimigo
permanecesse na parte sudoeste da cidade.
A partir da manhã de 30 de março, a Brigada conduziu uma série de ataques
limitados oriundos do leste, oeste e sul da cidade, apoiando seu plano no estudo de
situação desenvolvido pelo oficial de inteligência, em função das informações
colhidas. Tal análise indicava que o inimigo combatia segundo certos padrões: nas
cercanias da cidade ele empregava ataques suicidas; no interior da localidade
combatia casa-a-casa, utilizando escudos humanos; e nas pontes e rodovias
disparava rajadas de RPGs16 e morteiros. Ainda de acordo com dados colhidos das
tropas substituídas e dos elementos de forças especiais, o comando da Brigada
concluiu que o ataque deveria focar a liderança do partido Baath. Assim, elegeu
como alvos prioritários os locais visualizados como centros de comando e controle
do partido.
16
Rocket Propeled Granade – lança rojão de origem russa.
106
Em 31 de março, o 1-325 AIR17 atacou vindo de este e o 3-325 AIR atacou
vindo de oeste, para retirar os defensores iraquianos e destruí-los, enquanto a FT 141IN, com duas Companhias de Infantaria Mecanizada, estabeleceu dois postos de
controle ao sul da cidade e fez alguns avanços limitados para norte. Os iraquianos
tentaram reforçar a cidade com elementos vindos de norte, mas os aviões AC-130 e
A-10 CAS atacaram alvos ao norte do rio para impedir tal reforço. Helicópteros leves
Kiowa foram de grande valia, atacando alvos localizados no interior da cidade pela
tropa que avançava. Embora os iraquianos combatessem com determinação, a
brigada manteve um constante progresso e avanço.
Figura 7: Investimento sobre As Samawah.
Fonte: FONTENOT, DEGEN e TOHN, 2004.
O movimento em pinça dos dois batalhões obrigou as forças pró-Saddam a
tentar escapar pelo norte da cidade, mas os helicópteros Kiowa Warrior atacavam os
fugitivos e veículos armados inimigos. Ao pôr-do-sol do dia 31 Mar, os páraquedistas já haviam repelido os iraquianos da Rodovia 8.
No dia 01 de abril, os ataques continuaram contra objetivos com alcance para
o tiro indireto sobre o eixo de comunicações do V CEx. O 2-325 AIR, que tinha
17
AIR – Airborne Infantry Regiment – Regimento de Infantaria Aeroterrestre.
107
recém chegado a As Samawah, em 31 de março, participou do ataque a partir de 02
de abril, avançando na direção oeste ao longo das pontes sobre o rio.
No dia 03 de abril, a Brigada conduziu uma série de ataques na cidade,
enquanto as armas de longo alcance da FT 1-41 IN continuavam a bloquear a
cidade pelo sul. No dia seguinte, a Brigada ordenou que o 2-325 AIR e a FT 1-41 IN
conquistassem as pontes sobre o rio Eufrates, liberando completamente a utilização
do eixo de comunicações. Este ataque combinado expulsou as forças iraquianas
envolvidas em um combate casa-a-casa. Alguns oponentes se renderam e outros
foram mortos e, ao meio-dia, o ataque estava concluído. Agora, com as pontes
asseguradas, os iraquianos não poderiam mais enviar reforços para o sul e a missão
estava concluída.
8.2
AN NAJAF
Assim como As Samawah, An Najaf está localizada ao longo do rio Eufrates
com várias pontes cruzando o rio. A rodovia 9 é paralela ao rio e incide diretamente
através da cidade. A rodovia 28 também é paralela ao rio, mas passa alguns
quilômetros a oeste da cidade. Sua localização permitia que qualquer força iraquiana
na cidade, convencional ou paramilitar, pudesse interditar a utilização de ambas as
rodovias e comprometer o avanço do V CEx.
Os comandantes da coalizão esperavam poder evitar um combate em An
Najaf. Os líderes não viam muitos benefícios no envolvimento em um combate de
rua que poderia representar um ataque ao Islã. An Najaf, que ocupava cerca de 36
km2 tinha cerca de 500.000 habitantes, não se tratava de um objetivo inicial, por
diversas razões: por ser uma cidade xiita, onde o regime de Saddam Hussein era,
por assim dizer, impopular; por não haver informações e estimativas de presenças
de forças regulares e do número de milícias e paramilitares; e, principalmente por
ser considerada por xiitas muçulmanos como uns dos lugares mais sagrados do
mundo, visto que o cemitério da cidade contém a tumba de Ali, enteado e primo de
Maomé e fundador do secto xiita.
A manobra da 3ª Div Inf não incluiu a limpeza da cidade, mas a conquista de
duas pontes chaves ao norte e ao sul da cidade e o posicionamento de forças a este
e oeste da cidade, efetivamente isolando a cidade. Para a conquista e manutenção
desses objetivos as tropas de infantaria apenas realizaram a limpeza das
108
construções que se localizavam ao longo da rodovia e próximas aos objetivos.
(ESTADOS UNIDOS, 2007)
Embora o comando do V CEx esperasse evitar o combate em localidades
como An Najaf, essa possibilidade passou a ser cada vez mais considerada.
Inicialmente, já se raciocinava que as milícias e os paramilitares deveriam estar
dentro da cidade ocupando posições defensivas, mas não contavam com sua
tenacidade e fanatismo. Os constantes ataques sofridos pelas tropas que estavam
posicionadas no entorno da cidade fizeram com que fosse cada vez mais necessário
o uso de tropas isolando a área urbana, pois a livre utilização das rodovias que por
ela passavam era fundamental para assegurar o eixo de comunicações e a
manutenção do fluxo logístico.
Com a necessidade de liberar o prosseguimento da 3ª Div Inf rumo a Bagdá,
o V CEx decidiu empregar a 101ª Divisão Aeroterrestre (Assalto Aéreo) para isolar e,
eventualmente, investir sobre An Najaf modificando, assim, os planejamentos
inicialmente concebidos para o emprego da divisão. Isso resultou em novos
planejamentos e reorganização face à grande área de operações recebida e a
necessidade de ligar-se com a 82ª Div que operava em As Samawah.
Para o cumprimento da missão o Cmt (Maj Gen PETRAEUS) dispunha das 1ª
e 2ª Bda, visto que a 3ª Bda estava comprometida assegurando outros objetivos e
preparando-se para o emprego em profundidade face às divisões da Guarda
Republicana. A divisão foi reforçada ainda pela FT 2-70 AR (Força-Tarefa
Regimento Blindado), que já se encontrava na região há vários dias, sendo
empregada junto à 2ª Bda. Totalizava, dessa maneira, cerca de 12.000 homens.
(FONTENOT, DEGEN e TOHN, 2004).
Desenvolvendo seu esquema de manobra, o estado-maior da 101ª Div Aet
estimou as rotas de exfiltração que os iraquianos estavam utilizando para sair de An
Najaf e atacar as unidades norte-americanas e o eixo de comunicações. Também
foram analisadas determinadas rotas que davam acesso a An Najaf, vindo do norte.
Para atualizar informações de inteligência foram utilizadas imagens de satélite,
informações das equipes de forças especiais e da tropa substituída (3ª Div Inf). Não
havia dúvida de que as forças da coalizão não fizeram uma boa estimativa das
capacidades e intenções do inimigo em An Najaf antes dos combates, mas em 28 de
março, quando os primeiros elementos da 101ª Div Aet adentraram a cidade, todos
já possuíam uma imagem bem mais clara da situação.
109
Figura 8: Rotas de infiltração/exfiltração de milícias em An Najaf.
Fonte: FONTENOT, DEGEN e TOHN, 2004.
Os iraquianos que defendiam An Najaf totalizavam de 1500 a 2000 homens,
incluindo paramilitares e algumas tropas regulares, a saber: 01 DGS (batalhão de
emergência), com 400 a 500 homens; 600 a 800 Fedayeen; 200 a 300 milicianos do
Partido Baath; e 200 a 500 Al Quds. (FONTENOT, DEGEN e TOHN, 2004).
No dia 29 de março, a FT 2-70 AR recebeu o reforço da 1ª Cia / 502º Inf Aet e
realizou a limpeza da parte nordeste de Al Kifl estabelecendo uma posição de
bloqueio com uma companhia. Uma companhia passou a defender a importante
ponte e outra subunidade foi enviada para norte e leste da cidade para interromper o
fluxo de paramilitares vindos de Al Hillah.
Apesar disso, o comando norte-americano julgava a presença de milícias e
paramilitares na cidade como uma ameaça latente, que poderia sair e realizar
ataques e incursões sobre o eixo de comunicações e a estrada principal de
suprimento (EPS), prejudicando as operações em profundidade.
Para o isolamento foram empregadas, então, a 2ª Bda ao norte, reforçada
pela FT 2-70 AR e a 1ª Bda ao sul, reforçada por uma SU da FT 2-70 AR, que
permaneceu no ponto de controle e bloqueio CHARLIE. Esta, para assegurar a
região e garantir melhor proteção e segurança de suas tropas realizou, com o 1-327
110
IN e a FT2-327 IN ataques limitados sobre as construções da orla sul da localidade,
limpando-as.
Figura 9: Isolamento de An Najaf.
Fonte: FONTENOT, DEGEN e TOHN, 2004.
O plano de operações dividiu a cidade em setores retangulares, empregando
um método para rápida referência de forma a melhor coordenar fogos e identificar
áreas já limpas. Utilizando um software altamente sofisticado, as unidades
imprimiram mapas detalhados de sua zona de ação, facilitando a identificação de
alvos, orientação e coordenação.
Embora a Divisão fosse utilizar duas Brigadas para o investimento, a 2ª ao
norte e a 1ª ao sul, coube à 1ª Bda a condução das ações iniciais. A Brigada iniciou
seu ataque em 31 de março, a partir de um ponto forte conquistado pela FT 1-237
IN. Uma pequena força-tarefa da FT 2-327 IN realizou um reconhecimento em força,
apoiada por artilharia e fogo aéreo, que travou os primeiros embates com o inimigo e
abriu brechas em um campo minado identificado.
111
Figura 10: Ataque inicial da 1ª Bda/101ª Div Aet.
Fonte: FONTENOT, DEGEN e TOHN, 2004.
Utilizando a combinação infantaria carros, com apoio de fogo aéreo e de
helicópteros, a 1ª Bda foi metodicamente conquistando partes da cidade e,
eventualmente localizando zonas de reunião das milícias do partido Baath.
Em An Najaf grande parte da população não queira combater as forças norteamericanas nem obstruir seus esforços. Com intuito de manter essa neutralidade,
contando com colaboradores locais, a 1ª Brigada evitou ataques a regiões e locais
considerados sagrados e não realizou qualquer ação durante os períodos de oração.
A fim de colaborar com a Divisão em conquistar o apoio da população, grupos de
operações psicológicas também tiveram participação marcante, explorando o
respeito à religião islâmica e o direito de oração nas mesquitas.
Atendendo ao princípio de Sun Tzu, que prevê que não se deve encurralar o
inimigo, mas deixar uma saída para conduzi-lo ao local que se pretende, a Brigada
não bloqueou a saída norte da cidade. Posteriormente, passou a realizar
emboscadas nesta região com fogo de helicópteros e snipers18.
Embora a operação de conquista de An Najaf tenha durado cinco dias, o
ponto de inflexão foi quando a Cia A/2-70 AR realizou um ataque relâmpago,
18
Atiradores elite. No Exército Brasileiro: caçadores.
112
chamado “Thunder Run”19, no centro da cidade, demonstrando a força de combate
norte-americana e realizando um movimento sem qualquer empecilho para a força
blindada. No próximo dia uma ação semelhante foi realizada na parte este da
cidade. Estes dois ataques e tal demonstração de superioridade de força acabaram
por quebrar a resistência do inimigo.
Figura 11: Itinerário de ataque da Cia A/2-70 AR.
Fonte: FONTENOT, DEGEN e TOHN, 2004.
A 2ª Bda atacou pelo norte, dentro do setor estabelecido pela Divisão, que
estabeleceu medidas de coordenação necessárias para evitar o fogo fratricida, por
meio de um limite de avanço. Ao fim do dia 04 de abril, a 101ª Div Aet controlava
toda a cidade, passando então à adoção das medidas necessárias para a condução
de operações de estabilidade e apoio.
Durante os combates em An Najaf, o apoio de fogo proporcionado pelos
helicópteros e pela força aérea foi decisivo para destruir as construções utilizadas
pelas milícias, pontos fortes dos Fedayeen, pontos de ressuprimento e paióis, sem
causar maiores danos colaterais.
As lições essenciais desse combate urbano foram a utilização de armas
combinadas, forças leves e pesadas, incursões blindadas e a aplicação de apoio de
fogo aéreo preciso. Essas táticas evoluíram rapidamente de acordo com a atuação
do inimigo e constituíram um bom ensaio para as próximas ações em Bagdá.
19
Thunder Run – traduzido literalmente como “corrida do trovão”.
113
8.3
BASRA
A cidade de Basra está localizada no sudeste do Iraque, junto ao canal Shatt-
Al-Arab, a 55 quilômetros do golfo Pérsico e 545 km de Bagdá. É a segunda maior
cidade do Iraque, ocupa uma área de cerca de 100 km2 e tem uma importância
econômica muito grande como centro do poder econômico, pois em seu entorno
existem grandes áreas petrolíferas e refinarias. Possui uma grande parte de sua
população de origem sunita e por isso esperava-se um forte apoio ao regime de
Saddam Hussein.
Segundo estudos do Exército Francês (FRANÇA,2003), o valor do inimigo
presente dentro da cidade era da ordem de 2.000 homens. Conforme FONTENOT,
DEGEN e TOHN (2004), antes da invasão, próximas à cidade, estavam
posicionadas ainda a 51ª Divisão Mecanizada, ao sul de Az Zubayr (sudoeste de
Basra) e a 6ª Divisão Blindada, ao norte de Basra. Como nas demais cidades as
forças regulares que permaneceram no interior da localidade retiraram seus
uniformes e combateram misturadas à população, juntamente com milícias do
partido Baath, Fedayeen e árabes de outros países.
Basra estava situada na porção leste da zona de ação do CFLCC, atribuída à
I MEF, que, para as ações na cidade empregou a 1ª Divisão Blindada do Reino
Unido. Esta, tinha em sua composição a 7ª Brigada Blindada, a 16ª Brigada de
Assalto Aéreo e a 3ª Brigada de Comandos, compondo um efetivo de cerca de
22.000 homens.
O primeiro objetivo das forças britânicas, contudo, era conquistar a península
de Al Faw e assegurar o acesso ao estrategicamente importante porto de Umm
Qasr. Após quatro dias do início da campanha a 51ª Divisão Iraquiana foi retirada de
suas defesas dos campos de petróleo. A 3ª Brigada de Comandos assegurou a
infra-estrutura crítica de petróleo em Al Faw e o porto de Umm Qasr. A 16ª Brigada
de Assalto Aéreo ocupou os campos de petróleo de Rumaylah e repeliu a 6ª Divisão
Blindada Iraquiana para o norte, de forma a impedi-la de interferir nas operações da
coalizão. (INGLATERRA, 2003)
Após a conquista das primeiras regiões, a 1ª Div Bld recebeu a tarefa de
proteger o flanco direito das forças americanas, à medida que estas avançavam
para o interior do país, evitando as ameaças às linhas de comunicações e ao fluxo
logístico. Para tal, deviam neutralizar a resistência iraquiana em torno da cidade de
114
Basra, enquanto monitoravam a situação dentro da cidade, para assegurar a não
ocorrência de danos à população civil. (FERREIRA, 2003)
Era importante prevenir que as Forças do Iraque não utilizassem Basra como
base para ataques às áreas de retaguarda das forças de coalizão. Em quatro dias,
as forças britânicas já haviam tomado o Aeroporto de Basra, a despeito de
enfrentarem enorme resistência inimiga, e passaram a expandir seu controle sobre a
região. A cidade não foi cercada totalmente em nenhum momento. A população civil
era livre para entrar e sair a qualquer instante, embora por vezes estivessem sob
fogo das forças leais a Saddam Hussein. (INGLATERRA, 2003)
A 7ª Brigada Blindada conquistou, então, as pontes sobre o canal Shatt-Al
Basrah, a oeste de Basra. Embora sob constante ataque de forças regulares e
irregulares iraquianas, este era o mais crucial terreno a ser dominado, a fim de
atingir o objetivo determinado no plano de operações de proteger o flanco direito do
avanço das tropas dos EUA para isolar Bagdá. (INGLATERRA, 2004)
Figura 12: Entorno de Basra.
Fonte: FARREL, 2006.
Enquanto isso, a sudoeste da cidade, os elementos da 7ª Brigada Blindada
estavam sob fogo de forças irregulares a partir do interior da localidade de Az
Zubayr e seu entorno. Tropas do Reino Unido se viam sob intensos fogos de
metralhadora e anticarro sempre que se aproximavam da cidade.
A potente brigada poderia ser empregada sobre Az Zubayr (100.000
habitantes) e, em seqüência, sobre Basra (1,25 milhão de habitantes). Mas isso
traria desnecessárias baixas civis e militares e consideráveis danos colaterais. A
necessidade de evitar comparações com Grozny e Stalingrado influenciou no
planejamento tático, pois a possibilidade de tais comparações era provavelmente o
115
que o regime de Saddam desejava, na esperança de solicitar apoio da comunidade
internacional a fim de pôr um fim ao conflito. (INGLATERRA, 2004)
Em vez de atacar diretamente, a 7ª Brigada manteve a iniciativa do combate
por meio de ações de inteligência e ataque limitados e precisos sobre instalações
do regime e passou a prestar apoio físico e moral as comunidades atingidas.
Pontos de controle no entorno de Az Zubayr controlavam o movimento e serviam de
um ponto de apoio para a população local fazer contato com as forças britânicas,
assim como uma base, a partir da qual poderiam ser montadas tanto operações
ofensivas como humanitárias.(INGLATERRA, 2003)
Por sua vez, a 3ª Brigada de Comandos avançou em direção a Basra a partir
do sul, combatendo para assegurar a conquista da localidade Abu Al Khasib
(100.000 habitantes), 10 km a sudeste de Basra. Em algumas áreas, a brigada
encontrou sérias dificuldades, engajando-se em um combate aproximado intenso
durante o período de 30 de março a 03 de abril, até que a área estivesse segura.
Após uma semana de operações, a 7ª Brigada, que aproveitava todas as
oportunidades de emprego de suas unidades para missões limitadas e focais, foi
expandindo sua área de controle até que, em 01 de abril, a brigada conquistou Az
Zubayr e as forças irregulares que ali estavam foram eliminadas, capturadas ou se
evadiram.
Ao longo do tempo, ações similares foram sendo desenvolvidas em Basra,
muitas destas pela iniciativa de pequenas frações até o nível subunidade. Estas
ações, combinadas com fogos de artilharia e aéreos precisos que atacavam alvos
do partido Baath, aos poucos minavam a vontade de lutar das forças iraquianas,
sempre com a preocupação de minimizar efeitos colaterais.
Embora em nenhum momento a tropa britânica tenha efetivamente cercado a
cidade, os ataques partindo dos pontos-fortes estabelecidos nas pontes do Satt-AlBasrah, aliados ao forte trabalho de inteligência e operações psicológicas,
penetraram fundo tanto na cidade como nas mentes daqueles que resistiam. A
iminente derrocada do regime de Saddam na cidade acabou por encorajar aqueles
que eram contra o mesmo.
Uma série de ataques nos dias 04 e 05 de abril enfraqueceram de forma
significativa a liderança Baath na cidade. A queda da vizinha Az Zubayr, em apenas
dez dias, a presença de tropas do Reino Unido patrulhando e ajudando a população
nas cidades já liberadas como Al Faw, Umm Qasr e Rumaylah e a notícia que as
116
tropas dos EUA já ameaçavam Bagdá criaram na localidade as condições
necessárias para que, em 06 de abril, as Forças Britânicas entrassem em Basra e
efetivamente derrubassem o regime na cidade.(INGLATERRA, 2004)
O ataque foi realizado por setores e de forma simultânea, a fim de impedir
qualquer reação do inimigo. A pequena resistência foi rapidamente subjugada pelo
poder de fogo britânico, pelo adequado emprego combinado da infantaria e de
carros de combate e pela determinação das tropas atacantes. No dia seguinte, a
cidade já estava liberada e o trabalho de reconstrução poderia ser iniciado.
(FARREL, 2006)
Figura 13: Ataque final a Basra
Fonte: FARREL, 2006.
O planejamento minucioso e a execução sincronizada das ações fizeram com
que os números de baixas junto à população civil fosse o mínimo possível. As forças
britânicas foram bem recebidas pela população e rapidamente buscaram contato
com suas lideranças regionais para o restabelecimento da Força Policial local. Após
uma semana da tomada da cidade, iniciava-se o policiamento com patrulhas de
militares britânicos e policiais iraquianos pela cidade. (FERREIRA, 2003)
As Forças Armadas britânicas demonstraram estar altamente preparadas
para o combate urbano, em especial porque possuíam uma experiência particular
em operações urbanas a partir de combates na Irlanda do Norte e nos Bálcãs,
desenvolvendo valiosas táticas que foram empregadas nos combates no Iraque.
117
8.4
BAGDÁ
Bagdá é a capital do Iraque, centro do poder político e uma das maiores
cidades do Oriente Médio. Possuía da ordem de 5 milhões de habitantes em 2003,
ocupando uma área de cerca de 500 km2. Localiza-se no interior do Iraque, a cerca
de 500km por estrada da fronteira com o Kuwait. É cortada pelo Rio Tigre, no sentido
norte-sul, que praticamente divide a cidade ao meio.
A capital iraquiana constitui-se no grande objetivo operacional da campanha
militar terrestre, pois sua conquista representaria a derrubada do regime de Saddam
Hussein. No planejamento da operação, foi verificada, ainda, a necessidade de
rapidez nas ações, tendo em vista o débil apoio internacional às ações das tropas de
coalizão
A cidade foi isolada pelas zonas de reunião avançadas, que impediam a
chegada de reforços, bem como mantinham os defensores no interior da cidade. A
partir dessas áreas, tanto o V CEx como a I MEF podiam lançar seus ataques para
conquistar pontos críticos, destruir forças iraquianas e, caso necessário, efetuar a
limpeza da cidade. O isolamento foi vital para as forças americanas concentrarem
poder de combate junto à cidade e prepararem-se para a fase final da campanha, a
conquista de Bagdá e a derrubada do regime. Caberia, portanto, à 3ª Div Inf / V CEx
a parte oeste da cidade, enquanto a 1ª MARDIV / I MEF conquistaria a parte leste,
com o limite das zonas de ação marcado pelo Rio Tigre. (FONTENOT, DEGEN e
TOHN, 2004)
Figura 14: Objetivos de isolamento do V CEx
Fonte: FONTENOT, DEGEN e TOHN, 2004.
118
Durante a consolidação dos objetivos de isolamento, os elementos de
inteligência norte-americanos realizaram um criterioso levantamento da cidade
mapeando e numerando cada construção e setor da cidade e levantando os
possíveis alvos de relevância que pudessem degradar o regime e retirar seu controle
sobre a capital e o país.
Antes do ataque à cidade, os americanos esperavam um intenso combate
urbano, contra as forças mais experientes e melhor treinadas do Iraque, leais a
Saddam, lutando no seu terreno e pela própria sobrevivência. O esforço de
inteligência procurando identificar a ameaça a ser enfrentada na cidade foi intenso.
No início da campanha, estimativas indicavam que não mais que 9 a 12 companhias
da Guarda Republicana conseguiriam retrair, de forma desorganizada, para o interior
de Bagdá.
Documentos capturados revelaram um plano detalhado, dividindo a cidade
em setores e defendendo a cidade de uma forma semelhante aos chechenos na
primeira batalha por Grozny. O aeroporto internacional e o complexo do palácio
seriam os locais mais bem defendidos da cidade. A presença de paramilitares em
grande número era esperada, mas até o início dos combates não havia uma idéia
clara de como eles combateriam.
Com o desenrolar da campanha, a Guarda Republicana foi derrotada, mas
não destruída. A quantidade de veículos e equipamentos abandonados pela tropa de
elite de Saddam deixou em dúvida a capacidade de defesa dessa força na capital.
Imagens de satélite e outros informes inexplicavelmente quase não apresentavam
trabalhos de fortificações na cidade. Foram identificadas apenas algumas posições
de tiro, mas nada que caracterizasse uma defesa organizada. Relatórios de
inteligência apresentavam apenas a presença de pequenas unidades, com
deficiente comando e controle.
Contudo, as forças milicianas e paramilitares ainda apresentariam resistência
durante os avanços sobre a cidade. No início de abril, as forças iraquianas dentro da
capital totalizavam cerca de 15.000 homens, enquanto que o efetivo das tropas da 3ª
Div Inf e da I MARDIV ao redor da cidade chegavam a 60.000 militares.(EASON,
2003).
Até o início das ações na cidade havia dúvidas sobre como se desenrolaria a
batalha por Bagdá. Após a conquista do aeroporto internacional, pela 3ª Div Inf, as
dúvidas foram dirimidas. O combate seria intenso, mas não como Grozny. A
119
conquista de um dos pontos críticos anteriormente levantados demonstrou que as
incursões blindadas seriam factíveis.
O “Thunder run” era como um ataque de varredura ou reconhecimento /
demonstração em força, em que uma poderosa força blindada americana passava
por um trajeto pré-determinado da cidade de modo a causar impacto nos habitantes
e testar as defesas inimigas, combatendo com qualquer força inimiga pelo caminho
e assegurando a liberdade de ação e movimento das tropas norte-americanas.
Em 05 de abril, a 2ª Brigada conduziu o primeiro “Thunder run” em Bagdá,
empregando uma FT valor batalhão, a FT 1-64 AR. A missão da FT consistia em
conduzir um reconhecimento em força para norte, para determinar o dispositivo
inimigo, sua força e vontade de lutar. O eixo de ataque percorria uma distância de 20
km até chegar ao aeroporto e juntar-se à 1ª Bda. O poder de combate da FT
consistia de 29 CCs, 14 Bradleys, alguns M-113, conduzindo centenas de soldados.
Figura 15: Thunder Run I.
Fonte: FONTENOT, DEGEN e TOHN, 2004.
A missão foi desencadeada às 06 horas da manhã, com alguma incerteza de
como as coisas iriam se desenrolar. Durante 2h e 20 min a FT combateu duramente
contra forças regulares e irregulares iraquianas, que atiravam de todas as
120
construções, procuravam criar abatizes improvisadas para deter o movimento e por
vezes lançavam ataques suicidas sobre o comboio.
A FT combateu ferozmente nas ruas da cidade, mas conseguiu chegar com
relativa segurança ao objetivo Lions (aeroporto internacional), controlado por forças
amigas. O sucesso da operação indicou que Bagdá seria defendida energicamente,
mas o inimigo não poderia prolongar sua resistência.
Apesar do sucesso da operação, com apenas um morto americano, alguns
feridos e um CC inutilizado, o ministério da informação iraquiano produziu imagens e
noticiou o ataque de uma forma distorcida relatando que os americanos estavam
sendo expulsos da cidade e fugiam das hordas iraquianas. Esta campanha, mais do
que afetar a moral dos atacantes, contribuiria para reforçar a vontade de lutar e a
esperança de vitória dos iraquianos. O comando norte-americano decidiu, então,
que um novo ataque deveria ser lançado, e breve.
Embora os combates tenham sido intensos e ferozes, a resposta iraquiana ao
primeiro ataque evidenciou que as defesas iraquianas não eram sofisticadas e
integradas como se temia. Mais ainda, o ataque mostrou claramente que os
iraquianos foram pegos de surpresa e a coalizão mantinha a iniciativa.
Em 07 de Abril, foi lançado, então o segundo “Thunder run”, dessa vez
empregando toda a 2ª Bda. O propósito dessa nova missão seria demonstrar a
determinação norte-americana e facilitar a queda do regime de Saddam. A missão
seria atacar e conquistar o objetivo Diane. Compreendendo a intenção do escalão
superior e o propósito final da missão, o comandante teria a liberdade de ação
necessária para que, caso houvesse condições para tal, permanecer no centro de
Bagdá, estabelecendo um ponto-forte.
O Cel Perkins, Cmt Bda estabeleceu quatro condições básicas para decidir
atacar e permanecer no centro da cidade:
- a 2ª Bda ter sucesso no seu combate no interior de Bagdá;
- conquistar um importante, simbólico terreno de valor defensivo em
Bagdá;
- abrir e manter um eixo de comunicações e suprimento em Bagdá;
- ressuprimento suficiente para permanecer durante a noite.
Segundo MARTIN (2004), o esquema de manobra previa as seguintes
missões para os elementos subordinados:
121
- FT 1-64 AR - conquistar objetivo Diane (túmulo do soldado
desconhecido e o parque e zoológico adjacentes);
- FT 4-64 AR - conquistar objetivos Woody West e Woody East (dois
palácios de Saddam, ao longo do rio Tigre);
- FT 3-15 IN - manter o objetivo Saints e o eixo de comunicações e rota
de suprimento (Rodovia 8), conquistando os três maiores entroncamentos ao longo
da estrada – objetivos Curley, Larry e Moe.
Figura 16: Thunder run II.
Fonte: FONTENOT, DEGEN e TOHN, 2004.
O ataque iniciou em 07 de abril às 0600h e as FTs enfrentaram uma série de
intensos combates. Às 0700h um foguete ou míssil atingiu o centro de operações
táticas (COT) da brigada, causando várias baixas e comprometendo o comando e
controle por cerca de uma hora. Os engajamentos seguiram ferozes, os objetivos
foram conquistados no centro de Bagdá, e a permanência no centro da cidade
dependeria apenas da manutenção do eixo de suprimento. O Cel Perkins sabia que
a Brigada tinha apenas 4 horas de combustível a partir da linha de partida. Por fim,
contando com reforços do escalão superior (advindos da 1ª Brigada), a 2ª Brigada
assegurou suas posições e os eixos correspondentes, mantendo-se no terreno.
122
Figura 17: Dispositivo de manutenção do objetivo DIANE.
Fonte: FONTENOT, DEGEN e TOHN, 2004.
Na parte leste da cidade, a 1ª MARDIV / I MEF, composta por 4 regimentos
(cada um de valor semelhante a uma brigada, com três batalhões) cruzou o rio
Diyala e conquistou a Base Aérea de Rasheed em 08 de abril. No dia seguinte,
prosseguiu seu avanço pela porção leste de Bagdá até estabelecer a ligação com a
3ª Div Inf, que expandia o objetivo conquistado e repelia pequenos contra-ataques
iraquianos. (FERREIRA, 2003)
Em 10 de abril, a 3ª Div Inf realizaria os últimos grandes ataques, por meio da
3ª Brigada, para consolidar o objetivo Titans, ao norte da cidade. Desarticuladas a
Guarda Republicana e a Guarda Especial Republicana, seus soldados e oficiais
retornaram para casa. Os paramilitares, milícias e mercenários internacionais
esconderam-se, aguardando a definição de como os americanos iriam proceder. O
regime estava derrubado, a campanha fora rápida, mas estava por vir a fase mais
difícil da operação – a transição.
8.5
FALLUJAH
A conquista de Bagdá marcou a derrota do regime de Saddam Hussein.
Contudo, algumas batalhas se sucederam por diversas cidades no interior que
representavam núcleos de resistência, mesmo após a declaração do Presidente dos
123
EUA de que estavam encerradas as grandes operações militares. O maior destes
combates viria a acontecer um ano depois, na cidade de Fallujah.
Fallujah está situada às margens do rio Eufrates, a 70 km a oeste de Bagdá.
Com cerca de 200 mesquitas, era um importante centro regional sunita e sua
população apoiava fortemente o partido Baath durante o governo de Saddam
Hussein. Muitos dos habitantes eram extremistas árabes que repugnavam qualquer
presença estrangeira. Em 2003, tinha uma população da ordem de 350.000
habitantes.
A cidade ocupava cerca de 25 quilômetros quadrados e possuía 2.000
quarteirões, com ruas estreitas, becos e apenas algumas avenidas. Era cortada no
sentido leste-oeste pela larga rodovia 10 (seis faixas), que dividia a cidade ao meio.
Ao norte da rodovia ficavam as melhores casas e ao sul, as mais pobres. A maioria
das casas tinha no máximo 02 andares.
Desde a queda do regime em Bagdá, a cidade foi um foco de resistência
constante, sendo ocupada por diversas tropas da coalizão, que não tiveram êxito em
pacificar a área. Inclusive 02 batalhões das forças iraquianas livres que começavam
a se estabelecer foram deslocados para a região, sem sucesso.
No princípio de 2004, a situação no Iraque estava cada vez pior. No sul,
milícias xiitas haviam assumido o controle de diversas cidades, enquanto em
Fallujah aumentava a instabilidade. Após uma série de assassinatos e atos
terroristas, a I Força Expedicionária de Fuzileiros Navais (I MEF), que estava com a
responsabilidade sobre a cidade, desencadeou um primeiro grande ataque a
Fallujah, em 04 de abril de 2004.
Para o ataque, a cidade foi isolada com 02 batalhões enquanto 04 batalhões
realizavam o investimento. Após a condução de uma preparação com ataques
aéreos e de artilharia precisos sobre alvos identificados como focos de insurgentes,
as tropas iniciaram a progressão na área urbana. Os combates foram intensos, casa
a casa, quadra a quadra, com inúmeras baixas de ambos os lados.
Após cinco dias de batalha, quando a I MEF já havia conquistado metade da
cidade, o comando das Forças de Coalizão, em uma decisão política, ordenou a
interrupção dos ataques. As baixas e os danos estavam grandes e eram explorados
pela mídia. Altos integrantes do Novo Conselho de Governo do Iraque ameaçavam
rejeitar a presença das forças de coalizão caso o ataque não cessasse.
124
Com o cessar-fogo por parte dos fuzileiros, os insurgentes voltaram a se
armar e recompletaram suas reservas de munição e armamento aproveitando
comboios de ajuda humanitária que chegavam à cidade. As tropas americanas
deixaram a cidade no início de maio, mantendo, porém suas posições no isolamento
da mesma. Fallujah passou a ser um símbolo da resistência ao Governo interino do
Iraque, formado em junho de 2004.
Com o agravamento da situação interna, o Governo decretou estado de
emergência em grande parte do País e foi autorizado um novo ataque, que deveria
ser forte o suficiente para obter resultados decisivos. Em 30 de outubro, foram
iniciados os ataques aéreos e fogos de artilharia. No dia 05 de novembro, a energia
elétrica foi cortada e panfletos foram lançados sobre a cidade alertando a população
sobre o ataque iminente. Com isso, 70% a 90% dos habitantes deixaram seus lares
e a população foi reduzida a cerca de 70.000 pessoas.
Durante os meses que precederam o ataque, um massivo esforço de
inteligência, utilizando forças especiais, imagens de satélites, veículos aéreos não
tripulados (VANT) e informantes locais permitiram às tropas norte-americanas uma
completa avaliação do inimigo a enfrentar. As forças insurgentes totalizavam cerca
de 3.000 homens, dos quais aproximadamente 20% eram de milícias islâmicas
estrangeiras. Acreditava-se ainda que Abu Musab al-Zarqawi, terrorista jordaniano
da Al Qaeda, estava infiltrado na cidade e sua captura passou a ganhar alta
prioridade. (FRANÇA, 2006)
Os iraquianos haviam transformado a cidade em uma posição fortificada, com
túneis escavados entre as posições e interligados com a rede de esgotos para
permitir deslocamentos em segurança. Armadilhas e barricadas foram preparadas e
uma grande quantidade de armamento e munição armazenada.
Para a operação de ataque a Fallujah foi designado como comandante o
Tenente-General Sattler, dos fuzileiros navais dos EUA (Marines). Segundo GOTT
(2006), as forças envolvidas, de valor divisão, estavam assim organizadas:
- Força-tarefa Regimento 1 (RCT-1) – composta pelo 3º Btl / 1º Rgt Fuz
Nav, 3º Btl/ 5º Rgt Fuz Nav, Força-tarefa 2-7 CAV / 1ª Div Cav (nível Unidade) e uma
companhia de carros de combate dos fuzileiros navais;
- Força-tarefa Regimento 7 (RCT-7) – composta pelo 1º Btl / 8º Rgt Fuz
Nav, 1º Btl/ 3º Rgt Fuz Nav e Força-tarefa 2-2 INF / 3ª Bda / 1ª Div Inf (nível
Unidade) e uma companhia de carros de combate dos fuzileiros navais;
125
- 2ª Brigada / 1ª Divisão de Cavalaria
- 05 batalhões iraquianos: 1º e 4º /IIF20, 5º e 6º / IAF21 e 36º Btl
Comando.
As forças iraquianas livres, que apoiavam a operação com 05 batalhões,
deveriam ser empregadas para apoio às operações e tarefas de manutenção de
objetivos e edificações já conquistadas. Contudo, também eram ideais para
realização de ações em mesquitas que estivessem sendo usadas pelos insurgentes
e para ações de controle de distúrbios.
O planejamento da operação previu que a 2ª Brigada, juntamente com o 6º Btl
/IIF, realizaria o isolamento da cidade, impedindo a saída ou entrada de insurgentes.
A Forças-tarefas Regimento, que por sua constituição apresentavam valor
semelhante a uma brigada, deveriam realizar o investimento progredindo de forma
paralela, com a RCT-1 atacando pela porção oeste da cidade e a RCT-7 na parte
leste.
A manobra era simples, mas exigia a coordenação entre as diversas forças
envolvidas: exército, fuzileiros navais e forças iraquianas. A surpresa tática foi
atingida quanto à direção do ataque, por meio de uma ação diversionária realizada
ao sul com uma intensificação de fogos e intensa movimentação de tropas. Isto
atraiu a atenção do inimigo enquanto as Forças-tarefas preparavam-se para atacar
pelo norte.
O ataque começou no dia 07 de novembro, com uma ação preliminar rápida
do 36º Btl Comando (iraquiano) para conquistar o Hospital Geral de Fallujah no
oeste da cidade e do 3º Rgt de reconhecimento leve dos fuzileiros navais para
assegurar as pontes ao sul do hospital. Dessa forma, estariam bloqueadas as rotas
de fuga por oeste e garantida a utilização do hospital para atender baixas civis.
20
IIF – Iraqi Intervention Forces – Forças de intervenção iraquianas, embrião de novas forças policiais
iraquianas.
21
IAF – Iraqi Army Forces – Forças do Exército Iraquiano, embrião do novo exército iraquiano.
126
Figura 18: Dispositivo para o ataque em 08 de novembro.
Fonte: GOTT, 2006.
Às primeiras horas do dia 08 de novembro, o ataque principal foi
desencadeado, com as Forças-tarefas empregando os blindados em primeiro
escalão acompanhados de elementos a pé. O combate se deu casa a casa, quadra
a quadra. Fogos de artilharia, morteiros e dos carros de combate, além de ataques
aéreos eram empregados para eliminar bolsões de resistência. A resistência foi
grande, mas menos do que inicialmente esperado, confirmando a surpresa
pretendida com a ação diversionária. À medida que era pressionado, o inimigo
utilizava os túneis construídos para se deslocar e abandonar prédios atingidos.
No dia seguinte, os fuzileiros navais ampliaram a frente de ataque,
pressionando os insurgentes em toda a frente. Os bairros da parte norte da cidade já
estavam tomados e a força atacante penetrava fundo na cidade. Em dado momento,
os fogos aéreos e de artilharia tiveram que ser suspensos pela grande concentração
de tropas na cidade e o risco de fratricídio.
127
Figura 19: Prosseguimento do ataque em 09 de novembro.
Fonte: GOTT, 2006.
A progressão era lenta, porém segura. Cada prédio e construção eram limpos,
com a descoberta de inúmeros depósitos de munição e armamentos das forças
insurgentes. Muitos desses estavam bem escondidos, provavelmente para serem
utilizados após os combates para novas ações de resistência.
A FT 2-2 INF foi a primeira tropa que atingiu a linha de controle FRAN
(rodovia 10), bloqueando mais esta saída para as forças inimigas e criando uma
nova alternativa para ressuprimento das tropas atacantes. No início do dia 11 de
novembro, tanto a RCT-1 como a RCT-7 já haviam pressionado o inimigo para a
porção sul da cidade.
Com o alcance da linha de controle FRAN pelo escalão de ataque, as forças
norte-americanas realizaram uma pausa para ressuprimento e coordenação, bem
como assegurar a limpeza das áreas ultrapassadas. A maior parte das mesquitas e
prédios importantes já havia sido conquistada, com destacada atuação das forças
iraquianas na ocupação das primeiras.
Ao fim do dia 11 de novembro, o ataque prosseguiu rumo à extremidade sul
da cidade, balizada pela linha de controle JENA.
128
Figura 20: Prosseguimento do ataque em 11 de novembro.
Fonte: GOTT, 2006
Os intensos combates perdurariam por mais três dias até que as tropas
atacantes atingissem o limite sul da localidade. Mais de 300 insurgentes se
renderam, muitos deles em uma única mesquita. Foram encontradas centenas de
fuzis AK-47, munição anticarro, granadas de morteiro e explosivos improvisados em
casas e mesquitas.
Contudo, os comandantes norte-americanos temiam que cachês e locais de
homizio tivessem sido ultrapassados e viessem a se transformar em novos focos de
resistência. As Forças-Tarefas retornaram, então pela mesma zona de ação,
“limpando” mais uma vez a cidade, agora no sentido sul-norte.
Para este novo ataque, as forças foram divididas em suas frações mais
elementares, a fim de que todos os lugares da localidade fossem revistados. Por fim,
no dia 16 de novembro de 2004, a cidade de Fallujah foi considerada segura pelas
forças de coalizão, embora pequenas ações ainda fossem desencadeadas nas
próximas semanas.
129
Figura 21: Limpeza das áreas ultrapassadas em 15 de novembro.
Fonte: GOTT, 2006
Ao término das ações grande parte das estruturas da cidade estava
seriamente abalada. Mais de sessenta por cento das construções da cidade foram
danificadas, vinte por cento foram destruídas por completo e sessenta por cento das
mesquitas foram duramente atingidas. Iniciava-se o duro trabalho de reconstrução.
Quanto às ações desencadeadas verifica-se o notável esforço de inteligência,
que permitiu à forças atacantes o perfeito conhecimento acerca do inimigo e que o
investimento fosse realizado em condições adequadas. Destaca-se ainda a perfeita
integração e coordenação obtida entre as tropas do exército e dos fuzileiros navais,
além da participação importante das forças livres iraquianas.
Por fim, foi possível comprovar a experiência adquirida em combates urbanos
durante a campanha terrestre para a conquista de Bagdá, conforme afirma GOTT
(2006):
Em novembro de 2004, as forças do exército e fuzileiros navais no Iraque
haviam desenvolvido tremenda habilidade em táticas, técnicas e
procedimentos no ambiente urbano. Muitos, senão a maioria, dos oficiais e
praças eram veteranos da invasão do Iraque, em março e abril de 2003, e
subseqüente ocupação do País. (tradução do autor)
130
9
ANÁLISE DOS RESULTADOS DA PESQUISA HISTÓRICA
Os casos históricos estudados representam os maiores combates urbanos
dos últimos quinze anos. Exércitos de todo o mundo estudam os detalhes destas
batalhas, procurando depreender as lições aprendidas, a fim de aprimorarem suas
doutrinas de emprego e se prepararem para o cenário mais provável das guerras do
século XXI.
A
análise
dos
dados
obtidos
pela
pesquisa
histórica
foi
feita
comparativamente com aspectos doutrinários dos países estudados e os resultados
auferidos com a pesquisa de campo, a fim de que fosse possível chegar a
conclusões pertinentes que tivessem validade efetiva para o aprimoramento da
doutrina militar terrestre brasileira.
O poder de combate necessário para a condução de um ataque a uma área
edificada foi estabelecido como a variável dependente e seu estudo que a seguir é
descrito foi conduzido buscando-se uma correlação com as variáveis independentes.
Em cada análise, a fim de minimizar fatores externos, as variáveis intervenientes
que não puderam ser isoladas, por tratar-se de emprego da metodologia de estudo
ex-post-facto, tiveram sua influência avaliada.
Para mensuração do poder de combate empregado pelos diversos países
analisados e a fim de facilitar a comparação de estudo foram adotados como
parâmetros o número de divisões, ou de brigadas empregadas no caso de emprego
de apenas uma divisão. A maior dificuldade residiu na avaliação do Exército Russo,
por sua constituição particular e a existência de um escalão acima de divisão
denominado Grupo de Exércitos que não encontra similar na doutrina do Exército
Brasileiro.
9.1
FORMA DE MANOBRA
A forma de manobra utilizada pelos atacantes é considerada pelos exércitos
estudados como um fator que acarreta diferenças no poder de combate necessário.
Particularmente no caso de um ataque sistemático, casa a casa, considera-se a
necessidade de um maior número de meios em relação a um ataque dirigido a
pontos mais importantes da localidade.
Em determinadas ações, as duas manobras podem ocorrer. Analisando
particularmente a primeira batalha por Grozny verifica-se que inicialmente os russos
buscaram o investimento seletivo, com a conquista do palácio presidencial e de mais
131
alguns pontos sensíveis. Contudo, por falhas no planejamento, insuficiência de
meios e avaliação equivocada das possibilidades inimigas, o ataque inicial, da noite
de 31 de dezembro de 1994, redundou em completo fracasso.
Após reformular seu planejamento o exército russo optou pela continuação do
ataque empregando uma progressão casa a casa, de forma sistemática. Tal medida,
com a devida concentração de meios e modificação de procedimentos, resultou no
sucesso tanto da campanha de 1995, quanto em 1999/2000.
O quadro a seguir apresenta as formas de manobra adotadas nas batalhas
estudadas na presente investigação. A fim de permitir uma separação em dois
grupos homogêneos, as manobras que contemplem ataques a pontos importantes
previamente selecionados, sem caracterizar o investimento sistemático casa a casa,
serão definidas como ataques seletivos.
Poder de combate
Batalha
Manobra
Grozny I (ataque inicial)
Ataque seletivo
Grozny I (prosseguimento)
Ataque sistemático
Grozny IV
Ataque sistemático
4 Grupos de Exércitos
As Samawah
Ataque sistemático
1 Brigada
An Najaf
Ataque seletivo
1 Divisão (2 Brigadas)
Basra
Ataque seletivo
1 Divisão (3 Brigadas)
Bagdá
Ataque seletivo
2 Divisões (7 Brigadas)
Fallujah
Ataque sistemático
1 Divisão (3 Brigadas)
atacante
1 Divisão
4 Grupos de Exércitos
(5 Divisões)
Quadro 12: Manobras empregadas nas batalhas estudadas.
Fonte: o autor.
O quadro apresentado não permite inferências ou conclusões sobre a
influência da forma de manobra no poder de combate necessário de forma isolada,
pois há necessidade de verificação dos demais parâmetros estabelecidos. Nos
estudos a seguir estes dados foram conjugados para obtenção de respostas mais
efetivas.
Por tratar-se de um ataque mal sucedido, a investida russa inicial sobre
Grozny não foi estudada na comparação das demais variáveis. Sua apresentação
neste item destaca apenas a possibilidade de formas de manobra diferentes em uma
mesma campanha e a evidente diferença de meios entre as mesmas.
132
9.2
PODER DE COMBATE X TERRENO
O próximo aspecto estudado foi o terreno, de acordo com o estudo
apresentado e encontrando fundamentação doutrinária no que prescreve o Exército
dos EUA, que estabelece uma correlação básica entre o poder de combate a ser
empregado e o tamanho da cidade a ser atacada. Ressalta-se ainda que a ECEME
também vem adotando esta correlação em alguns temas táticos que envolvem a
conquista de cidades.
Passou-se, então, à comparação dos casos históricos estudados. No quadro
a seguir eles foram ordenados de acordo com o tamanho da cidade, expresso pela
sua população total quando da época dos combates, sendo feita também uma
correlação com a dimensão aproximada da área construída.
Cidade
Bagdá
População
Área da cidade
5.000.000 hab
Basra
1.250.000 hab
An Najaf
Grozny I
500.000 hab
490.000 hab
Poder de combate atacante
2
2 Divisões (7 Brigadas)
2
1 Divisão (3 Brigadas)
2
1 Divisão (2 Brigadas)
2
4 Grupos de Exércitos (5 Divisões)
2
4 Grupos de Exércitos
500 km
100 km
36 km
150 km
Grozny IV
490.000 hab
150 km
Fallujah
350.000 hab
25 km2
1 Divisão (3 Brigadas)
As Samawah
100.000 hab
13 km2
1 Brigada
Quadro 13: Relação tamanho da cidade x poder de combate empregado
Fonte: o autor
Os dados apresentados não apresentam relação de proporcionalidade entre o
tamanho da cidade e o poder de combate empregado. Contudo, a situação se
modifica quando se diferencia a forma de manobra empregada para a conquista da
área urbana. As cidades de Fallujah, As Samawah e Grozny foram conquistadas por
meio de um combate sistemático casa a casa, enquanto Bagdá, Basra e An Najaf,
conforme apresentado na descrição das batalhas, foram conquistadas por meio de
ataques focais, dirigidos a pontos e áreas importantes. Assim, analisando
separadamente os combates, de acordo com a forma de manobra empregada, foi
possível chegar a resultados que indicam relação entre o tamanho da cidade e o
poder de combate da força atacante.
Observando os resultados abaixo se identifica a perfeita correlação entre o
tamanho da cidade e sua população e o poder de combate empregado, dentro da
mesma forma de manobra. Percebe-se também a comprovação de que o ataque
133
sistemático necessita de um poder de combate significativamente superior, conforme
estabelecem os exércitos estudados em suas publicações doutrinárias, sendo,
portanto, mais adequado para cidades menores.
Forma de manobra
Ataque seletivo
Ataque sistemático
Cidade
População
Área
Bagdá
5.000.000 hab
500 km2
1.250.000 hab
2
1 Divisão (3 Brigadas)
Basra
Poder de combate
100 km
2 Divisões (7 Brigadas)
An Najaf
500.000 hab
36 km2
1 Divisão (2 Brigadas)
Grozny I
490.000 hab
150 km2
4 Grupos de Exércitos
(5 Divisões)
Grozny IV
490.000 hab
150 km2
4 Grupos de Exércitos
Fallujah
350.000 hab
25 km2
1 Divisão (3 Brigadas)
As Samawah
100.000 hab
13 km2
1 Brigada
Quadro 14: Influência da forma de manobra no poder de combate.
Fonte: o autor
Outra inferência possível a partir dos resultados acima é a observância do
prescrito na doutrina do Exército dos EUA (ESTADOS UNIDOS, 2002a) que prevê o
emprego do escalão brigada para ataques a cidades de até 100.000 habitantes e
divisão ou escalões superiores para áreas urbanas maiores. De todos os casos
analisados somente para a conquista de As Samawah (100.000 habitantes) foi
empregada uma brigada, em todas as demais cidades o valor mínimo da tropa
necessária a sua conquista foi uma divisão de exército.
9.3
PODER DE COMBATE X INIMIGO
A revisão bibliográfica demonstrou que o inimigo em um combate em
localidade, em geral não se apresenta como uma tropa regular e, quando esta se faz
presente, muitas vezes combate misturada à população ou em conjunto com forças
irregulares. Portanto, torna-se difícil uma avaliação precisa em termos de valor e a
mensuração adequada para estabelecimento de uma correlação que possa indicar
qual o poder relativo de combate necessário para a operação.
A fim de estabelecer um parâmetro a ser estudado, a presente investigação
procurou levantar os efetivos totais empregados pelos oponentes, buscando
estabelecer uma correlação entre eles. Assim, verifica-se a possibilidade de
correspondência de duas formas: a partir do escalão empregado e do seu efetivo.
134
Cidade
Grozny IV
Poder de combate
empregado
4 Grupos de Exércitos
Efetivo
atacante
100.000 h
Efetivo
inimigo
5.000 h
Proporção de
forças
20:1
Bagdá
2 Divisões (7 Brigadas)
60.000 h
15.000 h
4:1
Grozny I
4 Grupos de Exércitos
(5 Divisões)
50.000 h
10.000 h
5:1
Fallujah
1 Divisão (3 Brigadas)
38.000 h
3.000 h
13:1
Basra
1 Divisão (3 Brigadas)
22.000 h
2.000 h
11:1
An Najaf
1 Divisão (2 Brigadas)
12.000 h
2.000 h
6:1
1 Brigada
5.000 h
1.200 h
4:1
As Samawah
Quadro 15: Poder de combate x efetivo inimigo
Fonte: o autor
Os dados da força atacante representam todo o efetivo empregado para a
conquista da cidade, incluindo as tropas que conquistaram objetivos de isolamento e
aquelas que efetivamente investiram sobre a localidade. Cabe ressaltar que o efetivo
inimigo apresentado carece de maior precisão, em virtude de tratar-se em sua
maioria de forças irregulares e os dados disponíveis serem, por vezes, conflitantes.
A fim de minimizar possíveis erros procurou-se relacionar no quadro o maior valor
atribuído às forças inimigas, representando assim a pior hipótese para as forças
atacantes.
Os dados de efetivo quando comparados são extremamente genéricos e sua
aplicação pode suscitar dúvidas em especial pela diferença de natureza das tropas
quando se compara um exército regular atacante com forças irregulares. Outro
questionamento poderia ser em relação à utilização do valor total do efetivo
atacante, incluindo tropas que não estariam diretamente envolvidas com o combate
e não representariam propriamente os elementos de manobra.
Entretanto, trata-se de uma generalização, visando estabelecer uma
correlação básica ou um parâmetro inicial de estudo. Os fatores intervenientes
relativos a cada operação em particular deverão ser cuidadosamente analisados
quando do planejamento, buscando a realização das adaptações necessárias.
Assim, em uma primeira análise, poder-se-ia afirmar que a relação de forças
necessária para um ataque a uma área edificada é significativamente superior a de 3
atacantes por defensor preconizada nas publicações doutrinárias para operações
em terreno convencional ou “aberto”. Tomando por base as batalhas estudadas
135
pode-se afirmar que o poder relativo de combate mínimo seja de 4 atacantes por
defensor.
Contudo, os dados de poder relativo de combate devem ser comparados com
os demais já analisados, a fim de identificar se existe alguma correlação entre a
proporção de forças e os fatores manobra e terreno.
Manobra
Ataque
seletivo
Ataque
sistemático
Cidade
População
Poder de combate
Bagdá
5.000.000 hab
2 Divisões (7 Brigadas)
Proporção
de forças
4:1
Basra
1.250.000 hab
1 Divisão (3 Brigadas)
11:1
An Najaf
500.000 hab
1 Divisão (2 Brigadas)
6:1
Grozny I
490.000 hab
4 Grupos de Exércitos
(5 Divisões)
5:1
Grozny IV
490.000 hab
4 Grupos de Exércitos
20:1
Fallujah
350.000 hab
1 Divisão (3 Brigadas)
13:1
As Samawah
100.000 hab
1 Brigada
4:1
Quadro 16: Poder relativo de combate x forma de manobra
Fonte: o autor
Observando os resultados no quadro acima, verifica-se que, em relação aos
casos analisados, não há correlação que permita inferir uma proporção de forças
ideal ou poder de combate a ser empregado em função da população da cidade ou
da forma de manobra adotada. Os fatores intervenientes em cada operação fazem
com que tal relação varie, mas sempre acima dos valores previstos para o terreno
convencional.
9.4
PODER DE COMBATE X POPULAÇÃO
A última variável estudada foi a população presente e as considerações civis
decorrentes. Para tanto, verificou-se a quantidade de habitantes que permaneceu na
cidade durante os ataques e procurou-se classificar sua atitude em relação às tropas
atacantes como favorável, contrária ou neutra. Estes aspectos foram selecionados
como indicadores da variável de estudo e considerados na pesquisa de campo como
alguns dos mais relevantes relacionados a considerações civis. O critério de escolha,
pois, abrangeu a importância e a facilidade de mensuração.
Analisando os casos históricos relacionados, verifica-se que somente em
Grozny IV e Fallujah houve uma redução significativa da população por ocasião do
ataque, devido às fortes campanhas psicológicas desencadeadas pelas forças
136
atacantes. Nas demais cidades os combates foram desencadeados com a presença
significativa de civis, com seus riscos e problemas decorrentes.
490.000
Pop
remanescente
50.000
Atitude
da Pop
Contrária
4:1
5 milhões
5 milhões
Neutra
4 Grupos de Exércitos
(5 Divisões)
5:1
490.000
490.000
Contrária
Fallujah
1 Divisão (3 Brigadas)
13:1
350.000
70.000
Contrária
Basra
1 Divisão (3 Brigadas)
11:1
1,25 milhão
Neutra
An Najaf
1 Divisão (2 Brigadas)
6:1
500.000
500.000
Neutra
1 Brigada
4:1
100.000
100.000
Neutra
Grozny IV
Poder de combate
empregado
4 Grupos de Exércitos
Proporção
de forças
20:1
Bagdá
2 Divisões (7 Brigadas)
Grozny I
Cidade
As
Samawah
Pop Total
1,25
milhão
Quadro 17: Influência da população no poder de combate
Fonte: o autor
As populações das cidades em que suas atitudes foram consideradas neutras
não tiveram participação marcante em apoio a nenhuma das forças. É interessante
abordar que tal situação, por vezes, foi conseguida pela própria força atacante, que
desencadeou suas ações após uma minuciosa análise de inteligência e campanhas
psicológicas, respeitando costumes e tradições locais e procurando sempre
minimizar danos colaterais. Como exemplos destacam-se a atuação do exército
britânico em Basra e a ação norte-americana em An Najaf.
Assim, ao analisar o quadro acima, não é possível concluir que a variável
população, sob a ótica dos indicadores número de civis e atitude, exerça influência
significativa sobre o poder de combate necessário para a força atacante. Pode-se
considerar que tal variável seja considerada como interveniente, isto é, merece ser
estudada, modifica o cenário envolvido, mas não é capaz de determinar valores ou
proporções para a variável dependente de estudo.
9.5
OUTROS FATORES INTERVENIENTES
Como última análise dos casos históricos, cabe ressaltar a presença e
influência de determinados fatores que, apesar de não serem determinantes para o
estabelecimento do poder de combate atacante, geram conseqüências em sua
aplicação.
137
Primeiramente,
destaca-se
no
estudo
do
terreno
o
seu
caráter
multidimensional. A presença de subterrâneos utilizáveis diferencia o combate em
áreas urbanas dos demais tipos de terreno. Em Grozny IV e em Fallujah, os
defensores fizeram larga utilização de esgotos e galerias para se movimentar e
surpreender taticamente os atacantes. Tais ações geraram preocupações maiores
com as áreas já ultrapassadas, emprego de efetivos para protegê-las, redução do
ritmo do combate e até mesmo manobras a fim de garantir a efetiva limpeza do
terreno, como fizeram as tropas norte-americanas em Fallujah.
Além do subsolo, o terreno urbano caracteriza-se por outra dimensão
importante determinada pelas construções, seu número de pavimentos e
interligação. Tal característica possibilita diferenças marcantes na manobra das
forças e suas possibilidades. Exemplo significativo pode-se obter pela comparação
do ataque inicial russo a Grozny em 31 de dezembro de 1994 e a segunda “corrida
do trovão” norte-americana sobre Bagdá em 2003.
As duas ações tinham grande semelhança em seus objetivos, quais sejam
conquistar pontos importantes no centro das cidades atacadas, cujo valor simbólico
e político levaria à derrocada do regime vigente e aceleraria o término dos
combates, por infligir um pesado golpe nas forças defensoras. A manobra também
era semelhante, representada por um ataque rápido, desencadeado por forças
blindadas, sem preocupação com o combate casa a casa.
Entretanto,
o
terreno
era
substancialmente
diferente
e
influenciou
principalmente na ação do inimigo. Em Grozny, as ruas eram mais estreitas e os
prédios mais altos, facilitando o posicionamento de atiradores e a realização de
emboscadas sobre a tropa atacante. Em Bagdá, o ataque se realizou sobre uma
avenida larga, com edificações distantes e menores, de no máximo três andares.
Não obstante forte ação do defensor, havia melhores campos de tiro para o atacante
e alternativas para deslocamento, dificultando a interrupção do movimento.
Aliado à influência do terreno, as tropas norte americanas haviam estudado
exaustivamente as campanhas em Grozny e, esperando uma forte reação inimiga,
trataram
de
não
repetir
erros
observados.
Primeiramente,
estudaram
detalhadamente o terreno. Imagens de satélite atualizadas estavam de posse de
todos os escalões, possibilitando a perfeita orientação dentro da cidade. Em Grozny,
as cartas disponíveis eram em escalas inadequadas e insuficientes para os escalões
138
menores. Assim, quando os chechenos iniciaram suas ações bloqueando ruas e
canalizando o movimento russo, estes literalmente ficaram desorientados.
Outro aspecto que diferenciou de forma marcante as campanhas, ajudando a
explicar como o exército norte-americano conseguiu conquistar uma cidade muito
maior que Grozny empregando menos tropas que os russos foi a atuação da
inteligência de combate. Intensas ações desencadeadas pelas forças especiais e
reconhecimentos realizados pelas tropas de vanguarda permitiram uma avaliação
adequada do terreno e do inimigo, proporcionando planejamentos apropriados e
rápida conquista da capital iraquiana, assim como das demais cidades envolvidas na
campanha.
Por fim, a preocupação com as considerações civis durante os combates no
Iraque representou uma grande evolução em relação aos combates em Grozny,
facilitando a realização dos combates e potencializando sucessos obtidos.
As batalhas pela capital chechena foram combates de destruição, em que não
havia preocupação com danos colaterais. De forma mais marcante, na primeira
ofensiva, até mesmo os cidadãos de origem russa que se encontravam na cidade
foram indistintamente afetados e se opuseram às forças atacantes.
Em contrapartida, nas lutas no Iraque, a maioria dos ataques foi conduzida de
forma seletiva, buscando alvos pontuais e procurando reduzir danos colaterais. Em
determinadas cidades de importância religiosa ou onde se esperava maior apoio a
Saddam, como An Najaf e Basra, procedimentos especiais foram cuidadosamente
adotados, como respeito a lugares sagrados e a rituais religiosos, com intuito de não
provocar reações na população e minimizar efeitos negativos na opinião pública
local e mundial.
Assim, pode-se inferir que os aspectos aqui abordados como intervenientes
fazem parte da análise da situação e do planejamento de toda operação. O
ambiente operacional urbano, possuidor de características particulares que variam
de cidade a cidade, faz com que cada combate seja único. A generalização dos
efeitos de cada fator se trata, portanto, de difícil e arriscada tarefa devendo, pois,
limitar-se aos fatores mais importantes e que estarão presentes em todas as
batalhas.
139
10
CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES
As cidades do século XXI constituem um desafio para as operações militares,
que cada vez mais serão travadas nesse ambiente operacional. O sucesso da
campanha dependerá da perfeita compreensão dos princípios ilustrados no
passado,
aplicados ao
conhecimento
profundo das
condições,
tecnologia,
organização e táticas do presente.
Atendendo a tal corolário, esta investigação científica buscou basear seus
procedimentos em experiências de um passado recente que representassem
situações mais próximas da realidade que o Exército Brasileiro poderá vir a se
defrontar caso o País participe de campanhas militares dessa natureza.
Por meio de uma análise comparativa, observou-se que a doutrina brasileira
de combate em localidades carece de maior profundidade e atualização, para
contemplar as diversas evoluções dos fatores que interagem neste complexo
ambiente. Verificou-se, no presente estudo, a evidente defasagem existente em
relação aos exércitos dos Estados Unidos, Inglaterra e Espanha, bem como a
preceitos da OTAN, que já consideram o combate urbano como uma tendência
estabelecida e reformularam seus preceitos doutrinários, adaptando-os à realidade
atual.
Ao focar a pesquisa na determinação do poder de combate necessário para a
realização de um ataque, a presente investigação tencionou solucionar uma questão
basilar no planejamento operacional e servir de ponto de partida para estudos
futuros que possam colaborar para a atualização da doutrina brasileira.
O estudo detalhado do ambiente operacional urbano, realizado inicialmente,
permitiu a verificação de suas particularidades e influências sobre o planejamento e
a condução dos combates. Ao identificar os principais componentes dos aspectos
físico e humano de uma área urbana esta pesquisa detalhou características que
fazem com que cada cidade seja um ambiente único.
Verificou-se a seguir, a partir do estudo das doutrinas dos países
selecionados, quais seriam os possíveis fatores com maior influência sobre o poder
de combate, a fim de conduzir o estudo dos casos históricos selecionados. Assim,
determinou-se que o ponto de partida seria a investigação das variáveis manobra,
terreno, inimigo e população.
A fim de corroborar com as conclusões advindas da revisão bibliográfica
realizada em manuais e publicações doutrinárias, estabeleceu-se uma metodologia
140
para uma pesquisa de campo que permitisse auferir impressões e opiniões de
oficiais do Exército Brasileiro acerca do tema.
Os resultados obtidos pela pesquisa de campo sofreram o devido tratamento
estatístico e apresentaram-se significativos, permitindo o prosseguimento do estudo
e comprovando a pertinência das variáveis selecionadas, a fim de verificar a
validade da hipótese estabelecida por meio do estudo ex-post-facto das batalhas
escolhidas.
O estudo histórico de cada combate selecionado baseou-se em análises pósação das forças envolvidas, ensinamentos colhidos em centros de lições aprendidas,
entrevistas publicadas de atores envolvidos e artigos especializados, buscando a
maior proximidade com a realidade dos fatos observados e as fontes primárias do
conhecimento. Contudo, ao tratar-se de eventos históricos, as descrições e análises
sofrem sempre a influência da ótica do autor. Com intuito de minimizá-la, buscou-se
em todos os casos a diversidade de fontes.
A análise das batalhas permitiu a identificação do comportamento das
variáveis de estudo e posterior confronto entre as mesmas, a fim de verificar suas
relações de dependência e proporcionalidade. A interpretação de tais resultados foi
feita tanto isoladamente em relação à variável dependente “poder de combate”
quanto em conjunto, possibilitando conclusões mais adequadas.
Em relação à variável manobra, foi possível verificar a congruência entre os
dados colhidos na pesquisa doutrinária e na pesquisa de campo. Assim, conclui-se
que as manobras de ataques seletivos apresentam-se como mais adequadas face à
natureza dos conflitos modernos, devendo ser mais bem definidas e estudadas pela
doutrina militar brasileira.
Outro aspecto em relação à manobra que foi possível inferir das pesquisas
desenvolvidas foi sua relação com o poder de combate necessário. Os casos
históricos analisados na Chechênia e no Iraque permitiram a comprovação dos
preceitos doutrinários da OTAN e do Espanha, que atestam a maior necessidade de
poder de combate quando da realização de ataques sistemáticos, em detrimento de
manobras pontuais ou seletivas.
Partindo das conclusões obtidas em relação à manobra, a análise do fator
terreno permitiu conclusões mais concretas acerca da problemática em questão.
Primeiramente, verificou-se que as publicações doutrinárias nacionais não orientam
efetivamente o estudo do terreno quando da realização do combate urbano.
141
Percebeu-se claramente a grande diferença de abordagem em relação aos países
estudados e a necessidade de atualização dos manuais brasileiros.
Em relação a parâmetros para a determinação do poder de combate, a
pesquisa de campo apontou que uma análise adequada do terreno, em especial do
tamanho da cidade, poderá orientar os planejamentos operacionais. Estes
resultados se apresentaram coerentes com a pesquisa doutrinária, na qual
particularmente o Exército dos EUA apresentou correlações gerais entre o poder de
combate e o tamanho da cidade a ser atacada, determinado pelo seu número de
habitantes.
O estudo dos casos históricos apresentados ratificou as inferências anteriores
e permitiu a confirmação dos dados obtidos no estudo da doutrina norte-americana.
Assim, pode-se concluir que a correlação entre o tamanho da cidade (definido por
sua população) e o poder necessário para um ataque deve ser a apresentada de
forma genérica no quadro a seguir.
Tamanho da cidade
(Número de habitantes)
Até 3.000 habitantes
Escalão a ser empregado
3.000 a 100.000 habitantes
Brigada
Mais de 100.000 habitantes
Divisão e superiores
Batalhão e companhia
Quadro 18: Relação tamanho da cidade x poder de combate necessário
Fonte: o autor
O quadro acima não faz distinção em relação à manobra utilizada, porque
pela análise dos casos estudados não se verificou correlação que pudesse
estabelecer uma diferenciação mais precisa. Contudo, permanecem válidos os
preceitos de que uma manobra seletiva representa economia de meios e, portanto,
apresenta-se mais adequada, em especial quando se tratar de cidades maiores.
Os demais fatores que envolvem o terreno também foram levantados como
importantes, com destaque para o caráter multidimensional do mesmo. Conclui-se
que o estudo detalhado das dimensões subterrâneas e acima do solo, por dentro e
sobre as edificações é de fundamental importância para o planejamento das
operações.
Por esta investigação buscar uma generalização capaz de atender ao maior
número de situações, aspectos como existência de subterrâneos utilizáveis e altura
e densidade de edifícios foram considerados como fatores intervenientes, que
142
devem ser analisados, mas não são considerados determinantes para obtenção de
um parâmetro geral.
Passando para o estudo do inimigo a ser enfrentado, verificou-se uma grande
lacuna na doutrina brasileira, que, por ser muito antiga, não aborda com
profundidade o tema e não particulariza a questão.
Pela análise dos casos históricos expostos, coerente com o que prescrevem
as doutrinas de todos os países estudados e corroborado pelos resultados da
pesquisa de campo é possível inferir que o defensor em uma área urbana não será
uma força regular atuando como tal. O cenário mais provável e que vem se
repetindo ao longo dos últimos anos, como foi verificado na pesquisa histórica é de
um inimigo irregular, composto por milícias, paramilitares e guerrilheiros, até mesmo
com a presença de forças regulares, lutando muitas vezes misturadas à população
civil.
Definido o inimigo, o grande desafio passou a ser dimensioná-lo, a fim de
obter resultados mais concretos e bases para o estabelecimento do poder relativo de
combate. A solução encontrada foi a utilização do efetivo total como parâmetro de
comparação, o que permitiu a generalização pretendida.
Assim, tendo como base de comprovação a análise dos casos históricos
selecionados, foi possível inicialmente inferir que o poder relativo de combate
necessário em uma operação de ataque a uma área edificada deve ser
significativamente superior em relação ao terreno convencional. Dessa forma, foi
possível estabelecer como correlação mínima para este ambiente operacional a de
04 (quatro) atacantes por defensor.
Mister destacar que este parâmetro é apresentado como o mínimo
necessário, mas que todos os fatores da decisão devem ser interagidos em cada
situação, conduzindo a decisões mais precisas e adaptadas ao cenário particular em
tela.
Como última variável analisada, a população aparece como importante
componente das chamadas “considerações civis”, que já têm sido estudadas com
profundidade pelos exércitos dos países abordados neste estudo. Neste ínterim,
verifica-se mais uma lacuna na doutrina brasileira, que não aborda este fator em seu
estudo de situação.
Com base nas três vertentes desta investigação (doutrinária, de campo e
histórica), foi possível concluir peremptoriamente que as considerações civis fazem
143
parte fundamental das operações em áreas urbanas e recomenda-se que tal
assunto seja aprofundado em estudo específico para ser incluído nos planejamentos
operacionais do Exército Brasileiro.
Em relação à influência da população na determinação do poder de combate
necessário para um ataque a uma área edificada, não foi possível estabelecer uma
correlação genérica. Ainda assim, verificou-se que os fatores primordiais de estudo
que podem trazer conseqüência direta sobre o planejamento são o efetivo existente
e a atitude da população em relação à tropa atacante.
Por fim, conjugando as conclusões obtidas pela análise de cada fator em
particular, a investigação desenvolvida permitiu a confirmação da hipótese de
estudo. Assim, com base nos dados apresentados, pode-se afirmar com significativo
grau de certeza que é possível determinar o poder de combate necessário para a
condução de um ataque em áreas edificadas pela análise das variáveis manobra,
terreno, inimigo e população.
Ressalta-se que conforme objetivos da presente pesquisa, não se tenciona
resolver o problema por meras conjunções ou fórmulas matemáticas. Ao concluir
positivamente em relação à hipótese, apresenta-se, entretanto, parâmetros iniciais
em relação ao terreno e ao inimigo que devem ser observados no princípio do
planejamento e fatores intervenientes como a população e a manobra que
influenciam e conduzem o estudo.
Os combates em ambiente urbano fazem parte de qualquer situação de
conflito no século XXI. Para atender à necessidade de preparação adequada, as
publicações doutrinárias brasileiras que tratam do assunto necessitam de uma
revisão, adequando-as às novas configurações e implicações do combate moderno.
Os fundamentos são imutáveis, no entanto, como foi observado nesta investigação
científica, importantes aspectos ainda não são abordados nos manuais do Exército
Brasileiro.
Espera-se, por fim, que os resultados apresentados neste trabalho possam
contribuir para o aperfeiçoamento da doutrina militar terrestre brasileira, auxiliando
no preparo da Força Terrestre para os desafios a serem enfrentados no atual
cenário mundial.
________________________________
JOÃO FELIPE DIAS ALVES – Maj Inf
144
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150
APÊNDICE “A” – QUESTIONÁRIO INSTRUMENTO DA PESQUISA DE CAMPO
ESCOLA DE COMANDO E ESTADO-MAIOR DO EXÉRCITO
ESCOLA MARECHAL CASTELLO BRANCO
PESQUISA DE CAMPO
O presente instrumento de pesquisa se destina a fornecer subsídios para o
desenvolvimento da tese de doutorado do Maj Inf João Felipe Dias Alves versando
sobre o assunto “Combate em Áreas Urbanas”.
Sua participação é voluntária e as respostas serão de grande valia para o
trabalho. O anonimato é assegurado e as opiniões e conceitos aqui relatados serão
utilizados tão somente para a investigação em curso.
1ª Parte – Identificação da amostra
1) Assinale sua arma / quadro / Sv
( ) Inf
( ) Cav
( ) Art
( ) Eng
( ) Com
( ) MB
( ) Int
2) Turma de formação
( )1984 ( )1985 ( )1986 ( )1987 ( )1988 ( )1989 ( )1990 ( )1991
3) Assinale sua experiência/conhecimento anterior com relação ao tema de
combate em áreas urbanas (não incluir experiências em operações de garantia da
lei e da ordem):
( ) Adestramento nível Pel/ SU
( ) Adestramento nível Btl
( ) Adestramento nível Bda e superiores
( ) Exercícios de simulação de combate
( ) Temas da EsAO
( ) Projeto interdisciplinar do 2º ano da ECEME
( ) Livros, revistas e documentários sobre o assunto
( ) Manuais e publicações doutrinárias do Exército Brasileiro
( ) Manuais e publicações doutrinárias de outros exércitos
( ) Cursos de aperfeiçoamento no exterior
( ) Missões reais (citar) ________________________________________________
( ) Outros (descrever) _________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
151
2ª Parte – Questionamentos
Responda os questionamentos abaixo com base em suas
experiências e conhecimentos anteriores relativos a operações em ambiente
urbano, nos conceitos transmitidos durante as palestras ministradas por
ocasião do projeto interdisciplinar e nas conclusões decorrentes dos
trabalhos em grupo.
Importante! Todas as perguntas devem ser respondidas considerando
o seguinte cenário: Uma força regular executando um ataque em uma
área urbana. Favor não fazer qualquer relação com operações de garantia
da lei e da ordem, operações de estabilidade e apoio ou de ajuda
humanitária.
1) Em relação à manobra a ser realizada, assinale a opção que julgar mais
adequada.
Um ataque a uma localidade (fase do investimento) deve ser conduzido na
forma de um combate sistemático, casa a casa, quarteirão a quarteirão:
a. ( ) sempre
b. ( ) na maioria das vezes
c. ( ) apenas em determinados casos
d. ( ) nunca
2) Considerando a possibilidade da não realização de um combate
sistemático, casa a casa, quarteirão a quarteirão, assinale a alternativa que melhor
expressa sua opinião em relação à afirmação abaixo.
“A proporção de forças atacante X defensor (poder relativo de combate em
termos apenas de número de peças de manobra) necessária para a condução de
um ataque a localidade irá variar em função da manobra idealizada.”
a. ( ) concordo totalmente
b. ( ) concordo parcialmente
c. ( ) discordo parcialmente
d. ( ) discordo totalmente
3) Em relação ao inimigo, assinale dentre as opções abaixo aquela / aquelas
que o Sr considera provável / prováveis de ser(em) enfrentada(s), atualmente, em
um combate em localidade:
a. ( ) Forças regulares combatendo de forma organizada
b. ( ) Forças regulares atuando descaracterizadas, misturadas à população
c. ( ) Forças paramilitares organizadas
d. ( ) Forças irregulares (guerrilheiros, terroristas, etc)
e. ( ) Grupos de resistência locais
f. ( ) Outros _________________________________________________________
152
4) Em relação ao terreno, assinale, dentre os itens abaixo, todos aqueles que
o Sr considera exercerem influência marcante na determinação do poder de
combate necessário à realização de um ataque a uma área edificada:
a. ( ) tamanho da cidade
b. ( ) densidade das construções (espaçamento entre casas e edifícios)
c. ( ) número de pavimentos das construções
d. ( ) largura das ruas
e. ( ) tamanho dos quarteirões (largura e profundidade)
f. ( ) número de pontos sensíveis na zona de ação (serviços essenciais, órgãos de
governo, etc.)
g. ( ) existência e características de subterrâneos (metrô, esgoto, etc.)
h. ( ) existência e características de obras de arte ( viadutos, túneis, etc.)
i. ( ) Outros _________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
5) Considerando os meios necessários para a condução de um ataque a
localidade assinale a alternativa que melhor expressa sua opinião em relação à
afirmação abaixo.
“Um combate em área urbana, em geral, pressupõe a adoção de
determinadas regras de engajamento e impõe restrições ao apoio de fogo de Art e
aéreo, reduzindo o poder de combate da força atacante. Tal redução pode influir no
número de peças de manobra necessárias para o cumprimento da missão.”
a. (
b. (
c. (
d. (
) concordo totalmente
) concordo parcialmente
) discordo parcialmente
) discordo totalmente
6) Em relação à presença de civis no campo de batalha em uma operação
de ataque a localidade, o Sr considera que ela irá ocorrer:
a. (
b. (
c. (
d. (
) sempre
) na maioria das vezes
) apenas em determinados casos
) nunca
7) Atualmente, muitos exércitos estão analisando as influências civis sobre as
operações, sob o título “CONSIDERAÇÕES CIVIS”. Assinale sua opinião sobre a
necessidade de se analisar o aspecto “CONSIDERAÇÕES CIVIS” durante o estudo
de situação, particularmente em operações em ambiente urbano.
a. (
b. (
c. (
d. (
) concordo totalmente
) concordo parcialmente
) discordo parcialmente
) discordo totalmente
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8) As CONSIDERAÇÕES CIVIS, segundo o manual de campanha FM 3-0
Operations (USA, 2001), do Exército dos EUA, envolvem “a população civil, sua
cultura, organização e lideranças dentro da área de operações”.
Com base no pressuposto acima e considerando a possibilidade de inclusão
do aspecto “CONSIDERAÇÕES CIVIS” no estudo de situação do Exército Brasileiro,
assinale, dentre as opções abaixo, todas aquelas que o Sr considera que devem ser
incluídas na análise das “CONSIDERAÇÕES CIVIS”:
a. ( ) quantidade de civis presentes
b. ( ) etnias
c. ( ) tendências políticas
d. ( ) lideranças existentes e seu grau de influência sobre a população
e. ( ) tendências e credos religiosos
f. ( ) costumes e tradições locais
g. ( ) atitude da população frente aos beligerantes
h. ( ) aspectos legais
i. ( ) opinião pública local
j. ( ) opinião pública internacional
l. ( ) presença de jornalistas e correspondentes de guerra
m.( ) outros _________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
9) Em relação à afirmação abaixo, assinale a alternativa que melhor expressa
sua opinião.
“As CONSIDERAÇÕES CIVIS têm influência marcante no planejamento e
condução de operações em ambiente urbano e devem ser encaradas como um
sexto fator de decisão, da mesma forma que MISSÃO, INIMIGO, TERRENO, MEIOS
e TEMPO.”
a. ( ) concordo totalmente
b. ( ) concordo parcialmente
c. ( ) discordo parcialmente
d. ( ) discordo totalmente
10) Em sua opinião, considerando todos os fatores da decisão, a proporção
de forças atacante X defensor (poder relativo de combate em termos apenas de
número de peças de manobra) necessária para a condução de um ataque a
localidade, quando comparada à exigida para um ataque em terreno convencional
ou “aberto” deve ser:
a. ( ) consideravelmente maior
b. ( ) ligeiramente maior
c. ( ) igual
d. ( ) ligeiramente menor
e. ( ) consideravelmente menor
MUITO OBRIGADO PELA SUA COLABORAÇÃO!