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ESCOLA DE COMANDO E ESTADO-MAIOR DO EXÉRCITO Maj Inf JOÃO FELIPE DIAS ALVES A determinação do poder de combate necessário para a realização de operações de ataque a áreas edificadas Rio de Janeiro 2008 Maj Inf JOÃO FELIPE DIAS ALVES A determinação do poder de combate necessário para realização de operações de ataque a áreas edificadas Tese apresentada à Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, como requisito para obtenção do título de Doutor em Ciências Militares. Orientador: Cel Inf Ricardo Célio Chagas Bezerra Rio de Janeiro 2008 A472 Alves, João Felipe Dias. A determinação do poder de combate necessário para realização de operações de ataque a áreas edificadas. / João Felipe Dias Alves. – 2008. 153 f.; il. : 30 cm. Tese (Doutorado) – Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, Rio de Janeiro, 2008. Bibliografia: f. 144-149. 1. Combate Urbano. 2. Ataque. 3. Poder de Combate. I. Título. CDD: 355 Maj Inf JOÃO FELIPE DIAS ALVES A DETERMINAÇÃO DO PODER DE COMBATE NECESSÁRIO PARA A REALIZAÇÃO DE OPERAÇÕES DE ATAQUE A ÁREAS EDIFICADAS Tese apresentada à Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, como requisito para obtenção do título de Doutor em Ciências Militares. Aprovado em BANCA EXAMINADORA ____________________________________________________ RICARDO CÉLIO CHAGAS BEZERRA – Cel Inf – Dr Presidente Escola de Comando e Estado Maior do Exército _____________________________________________________ FERNANDO ANTÔNIO NOVAES D’AMICO – Cel Art - Dr Membro Escola de Comando e Estado Maior do Exército __________________________________________ RAMON MARÇAL SILVA – Ten Cel Inf – Dr Membro Escola de Comando e Estado Maior do Exército ____________________________________________________ LUÍS CLÁUDIO DE MATTOS BASTO – Ten Cel Inf – Dr Membro Escola de Comando e Estado Maior do Exército ___________________________________________ ALEXANDRE JOSÉ CORRÊA – Maj Inf – Dr Membro Cmdo Bda Inf Pqdt À minha esposa Luciana, que com seu eterno amor me deu suporte e força para prosseguir adiante em meu projeto. AGRADECIMENTOS Ao Coronel de Infantaria Ricardo Célio Chagas Bezerra, meu sincero agradecimento pelo apoio e confiança incondicionais recebidos durante todas as fases da execução deste projeto. As cidades têm sido sempre centros de gravidade, mas agora estão mais magnéticas que nunca...Elas concentram pessoas e poder, comunicações e controle, conhecimento e capacidades, agregando tudo o que isso envolve. Elas também são o equivalente pós-moderno das selvas e das montanhas. Um militar não preparado para as operações urbanas em seu amplo espectro não está preparado para o amanhã. (PETERS, 2001) RESUMO Os combates urbanos tiveram um papel cada vez mais relevante nas guerras recentes e são considerados pelos exércitos mais importantes do mundo como o cenário mais provável dos conflitos do século XXI. A presente pesquisa enfocou este assunto, limitando a investigação sobre a determinação do poder de combate necessário para a realização de ataques a áreas edificadas. Os parâmetros de estudo foram estabelecidos a partir de uma revisão bibliográfica, em que se buscou a comparação dos preceitos doutrinários do Exército Brasileiro com conceitos da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), Estados Unidos, Espanha e Inglaterra. Verificando que a doutrina militar terrestre brasileira se encontrava desatualizada, procurou-se ratificar as conclusões obtidas na revisão de literatura por meio de uma pesquisa de campo realizada entre 128 oficiais alunos do Curso de Altos Estudos Militares em 2007, que foram submetidos a uma rotina de procedimentos metodológicos visando à obtenção de resultados significativos. Para comprovação da hipótese formulada, realizou-se a seguir uma análise das maiores batalhas urbanas dos últimos quinze anos, desenvolvidas na Chechênia e no Iraque, de onde foram extraídas as principais lições aprendidas e observou-se o comportamento das variáveis selecionadas, correlacionando os resultados auferidos pelas diversas etapas da investigação. Por fim, chegou-se à conclusão que o poder de combate necessário é influenciado diretamente pelo tamanho da cidade atacada, o valor do inimigo em seu interior, a população presente e a manobra a ser adotada. Foi possível ainda estabelecer parâmetros que correlacionam o número de habitantes de uma cidade e o escalão adequado para atacá-la, assim como comprovar que a proporção de forças empregada deve ser superior à verificada em terreno convencional. Palavras-chave: Combate Urbano; Ataque a localidade; Poder de Combate. ABSTRACT Urban Combat has been played an even more important role in the recent wars and is considered as the probably scenario for the conflicts of the 21th century by the most important armies of the world. The current research focused on this subject, limiting the investigation about the Combat Power required for attacking urbanized areas. The standards of study had been established by a bibliographic review, which looked for compare military doctrine of Brazilian Army and North Atlantic Treaty Organization (NATO), United States of America, England and Spain. Verifying that Brazilian military doctrine was not updated, it was necessary to confirm the conclusion obtained by a filed research done among 128 army officers, students of High Military Studies Course in the year of 2007. This sample had been submitted by a routine of methodological procedures aiming to obtain significant results. In order to prove the hypothesis, an analysis of the biggest urban battles of the last fifteen years, occurred in Chechenya and Iraqi, had been done, extracting important lessons learned. The behavior of the variables selected was observed and established its relations with all the results obtained by previous steps of investigation. Finally, it was possible to conclude that Combat Power is directly influenced by the size of the city attacked, the value of the enemy inside the city, the population present and the maneuver to be adopted. Also it was possible to establish parameters correlating the number of inhabitants of a city and the appropriate echelon of force to attack it, as well as to prove that the ratio of force applied in an urban combat must be higher than in a conventional or “open” terrain. Key-words: Urban Combat; Attacking Cities; Combat Power. LISTA DE QUADROS Quadro 1 Relação quantitativa para a execução de diferentes operações..... 26 Quadro 2 Histórico da proporção mínima de planejamento ............................ 26 Quadro 3 Operacionalização da variável I ...................................................... 35 Quadro 4 Operacionalização da variável II ..................................................... 35 Quadro 5 Operacionalização da variável III .................................................... 36 Quadro 6 Operacionalização da variável IV .................................................... 36 Quadro 7 Operacionalização da variável V ..................................................... 36 Quadro 8 Diferenças entre o ambiente operacional urbano e outros tipos de terreno ............................................................................................. Conceitos tradicionais e “emergentes” de ataque a cidades .......... 58 Quadro 10 Classificação das áreas urbanas e escalão a ser empregado ........ 71 Quadro 11 Composição de meios da 2ª/82ª Div Aet ........................................ 104 Quadro 12 Manobras empregadas nas batalhas estudadas ............................ 131 Quadro 13 Relação tamanho da cidade x poder de combate empregado ....... 132 Quadro 14 Influência da forma de manobra no poder de combate .................. 133 Quadro 15 Poder de combate x efetivo inimigo ................................................ 134 Quadro 16 Poder relativo de combate x forma de manobra ............................. 135 Quadro 17 Influência da população no poder de combate................................ 136 Quadro 18 Relação tamanho da cidade x poder de combate necessário ........ 141 Quadro 9 62 LISTA DE FIGURAS Figura 1 Modelos de áreas urbanas extensas................................................ 48 Figura 2 Padrões de traçado das ruas........................................................... 50 Figura 3 O ataque de 31 de dezembro de 1994............................................. 92 Figura 4 A reação chechena........................................................................... 94 Figura 5 Esquema de manobra do CFLCC.................................................... 100 Figura 6 Desvio do fluxo e bloqueio da 3ª Brigada......................................... 103 Figura 7 Investimento sobre As Samawah..................................................... Figura 8 Rotas de infiltração/exfiltração de milícias em An Najaf................... 109 Figura 9 Isolamento de An Najaf.................................................................... Figura 10 Ataque inicial da 1ª Bda/101ª Div Aet............................................... 111 Figura 11 Itinerário de ataque da Cia A/2-70 AR.............................................. 112 Figura 12 Entorno de Basra.............................................................................. 114 Figura 13 Ataque final a Basra......................................................................... 116 Figura 14 Objetivos de isolamento do V CEx................................................... 117 Figura 15 Thunder Run I................................................................................... 119 Figura 16 Thunder Run II.................................................................................. 121 Figura 17 Dispositivo de manutenção do objetivo DIANE................................ 122 Figura 18 Dispositivo para o ataque em 08 de novembro................................ 126 Figura 19 Prosseguimento do ataque em 09 de novembro.............................. 127 Figura 20 Prosseguimento do ataque em 11 de novembro.............................. 128 Figura 21 Limpeza das áreas ultrapassadas em 15 de novembro................... 129 106 110 LISTA DE TABELAS Tabela 1 Ocorrência de realização de um ataque sistemático........................ 79 Tabela 2 Variação do poder relativo de combate em função da manobra...... 79 Tabela 3 Inimigo a ser enfrentado em uma cidade.......................................... 80 Tabela 4 Poder relativo de combate: localidade X terreno convencional........ 80 Tabela 5 Características do terreno com influência sobre o poder de combate necessário.......................................................................... Relação restrições apoio de fogo X poder de combate.................... 81 83 Tabela 8 Presença de civis no campo de batalha em operações de ataque a localidade....................................................................................... Inclusão das “Considerações Civis” no estudo de situação............. Tabela 9 Considerações civis como sexto fator de decisão............................ 84 Tabela 10 Aspectos a serem analisados nas Considerações civis................... 84 Tabela 11 Experiência anterior da amostra....................................................... 86 Tabela 12 Quantidade de experiências anteriores............................................ 86 Tabela 13 Resultado do teste do qui-quadrado................................................. 87 Tabela 6 Tabela 7 82 83 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS AAAe Artilharia Anti-aérea AIR Airborne Infantry Regiment AMAN Academia Militar das Agulhas Negras AR Armored Regiment B Log Avçd Batalhão Logístico Avançado Bda Brigada Bda Pqdt Brigada Pára-quedista Btl Batalhão Btl Ass Civ Batalhão de Assuntos Civis Btl Com Batalhão de Comnicações Btl Eng Batalhão de Engenharia Btl Intlg Mil Batalhão de Inteligência Miltar Btl Op Psico Batalhão de Operações Psicológicas CAADEx Centro de Avaliação de Adestramento do Exército CAEM Curso de Altos Estudos Militares CC Carro de Combate CCEM Curso de Comando e Estado-Maior CCEM/Int Curso de Comando e Estado-Maior para oficiais de Intendência Cel Coronel CEx Corpo de Exército CFLCC Combined Forces Land Component Command Cia Companhia Cmt Comandante COT Centro de Operações Táticas COTER Comando de Operações Terrestres DAMEPLAN Dados Médios de Planejamento Div Divisão Div Ae Divisão Aérea Div Ass Ae Divisão de Assalto Aéreo Div Bld Divisão Blindada Div Inf Divisão de Infantaria ECEME Escola de Comando e Estado-Maior do Exército EEI Elementos Essenciais de Inteligência Elm Elemento EPS Estrada Principal de Suprimento EsAO Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais EUA Estados Unidos da América FM Field Mannual FT Força Tarefa FTC Força Terrestre Componente GAC Grupo de Artilharia de Campanha h Hora IAF Iraqi Army Forces IIF Iraqi Intervention Forces IP Instruções Provisórias Km Quilômetro Km2 Quilômetro quadrado Maj Gen Major General MARDIV Mariners Division MEF Mariners Expeditionary Force min Minuto MINUSTAH Missão das Nações Unidas para Estabilização do Haiti ONU Organização das Nações Unidas OTAN Organização do Tratado do Atlântico Norte RCT Regiment Combat Team Rgt Fuz Nav Regimento de Fuzileiros Navais Rgt Inf Regimento de Infantaria SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ..............................................................................................17 2 REFERENCIAL CONCEITUAL.....................................................................20 2.1 TEMA ............................................................................................................21 2.1.1 Delimitação do tema....................................................................................22 2.2 PROBLEMA ..................................................................................................23 2.2.1 Antecedentes...............................................................................................23 2.2.2 Formulação do problema............................................................................27 2.2.3 Alcance e limites .........................................................................................27 2.3 JUSTIFICATIVA ............................................................................................29 2.4 CONTRIBUIÇÕES.........................................................................................31 3 REFERENCIAL METODOLÓGICO ..............................................................32 3.1 OBJETIVOS .................................................................................................32 3.1.1 Objetivo Geral ..............................................................................................32 3.1.2 Objetivos Específicos .................................................................................32 3.2 HIPÓTESES ..................................................................................................33 3.3 VARIÁVEIS ...................................................................................................33 3.3.1 Definição operacional das variáveis..........................................................33 3.4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS......................................................37 3.4.1 Pesquisa de campo .....................................................................................39 3.4.1.1 Seleção da amostra.......................................................................................39 3.4.1.2 Procedimentos Metodológicos.......................................................................40 4 O AMBIENTE OPERACIONAL URBANO ....................................................42 4.1 ASPECTOS FÍSICOS....................................................................................43 4.1.1 Características da área construída ............................................................45 4.1.2 Modelagem geral da área urbana...............................................................48 4.1.3 Traçado geral das ruas ...............................................................................50 4.1.4 Porte .............................................................................................................51 4.1.5 Infra-estrutura ..............................................................................................52 4.2 ASPECTOS HUMANOS ...............................................................................53 5 O COMBATE URBANO ................................................................................56 5.1 Particularidades do combate urbano .............................................................57 5.2 O Estudo de Situação....................................................................................60 5.2.1 Missão ..........................................................................................................61 5.2.1.1 Doutrina do Exército Brasileiro ......................................................................61 5.2.1.2 Considerações da OTAN...............................................................................62 5.2.1.3 Doutrina dos EUA..........................................................................................63 5.2.1.4 Doutrina Britânica ..........................................................................................64 5.2.1.5 Doutrina Espanhola .......................................................................................64 5.2.1.6 Conclusão parcial ..........................................................................................65 5.2.2 Inimigo..........................................................................................................65 5.2.2.1 Doutrina do Exército Brasileiro ......................................................................66 5.2.2.2 Considerações da OTAN...............................................................................66 5.2.2.3 Doutrina dos EUA..........................................................................................67 5.2.2.4 Doutrina Britânica ..........................................................................................68 5.2.2.5 Doutrina Espanhola .......................................................................................68 5.2.2.6 Conclusão parcial ..........................................................................................69 5.2.3 Terreno .........................................................................................................69 5.2.3.1 Doutrina do Exército Brasileiro ......................................................................69 5.2.3.2 Considerações da OTAN...............................................................................70 5.2.3.3 Doutrina dos EUA..........................................................................................70 5.2.3.4 Doutrina Britânica ..........................................................................................72 5.2.3.5 Doutrina Espanhola .......................................................................................72 5.2.3.6 Conclusão parcial ..........................................................................................73 5.2.4 Considerações Civis ...................................................................................73 5.2.4.1 Doutrina do Exército Brasileiro ......................................................................74 5.2.4.2 Considerações da OTAN...............................................................................74 5.2.4.3 Doutrina dos EUA..........................................................................................74 5.2.4.4 Doutrina Britânica ..........................................................................................75 5.2.4.5 Doutrina Espanhola .......................................................................................75 5.2.4.6 Conclusão parcial ..........................................................................................76 5.3 CONCLUSÃO ...............................................................................................76 6 ANÁLISE DOS RESULTADOS DA PESQUISA DE CAMPO.......................78 6.1 EM RELAÇÃO À MANOBRA DA FORÇA ATACANTE .................................78 6.2 EM RELAÇÃO AO INIMIGO..........................................................................79 6.3 EM RELAÇÃO AO TERRENO ......................................................................81 6.4 EM RELAÇÃO ÀS RESTRIÇÕES AO APOIO DE FOGO..............................82 6.5 EM RELAÇÃO ÀS CONSIDERAÇÕES CIVIS ..............................................83 6.6 AVALIAÇÃO DA SIGNIFICÂNCIA DOS RESULTADOS DA PESQUISA......85 7 AS LUTAS POR GROZNY ...........................................................................89 7.1 GROZNY I (1994)..........................................................................................90 7.2 GROZNY IV (1999) .......................................................................................95 8 OS COMBATES NO IRAQUE.......................................................................99 8.1 AS SAMAWAH ............................................................................................102 8.2 AN NAJAF ...................................................................................................107 8.3 BASRA ........................................................................................................113 8.4 BAGDÁ........................................................................................................117 8.5 FALLUJAH ..................................................................................................122 9 ANÁLISE DOS RESULTADOS DA PESQUISA HISTÓRICA ....................130 9.1 FORMA DE MANOBRA ..............................................................................130 9.2 PODER DE COMBATE X TERRENO .........................................................132 9.3 PODER DE COMBATE X INIMIGO.............................................................133 9.4 PODER DE COMBATE X POPULAÇÃO ....................................................135 9.5 OUTROS FATORES INTERVENIENTES ...................................................136 10 CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES .....................................................139 REFERÊNCIAS.......................................................................................................144 APÊNDICE A – QUESTIONÁRIO INSTRUMENTO DA PESQUISA DE CAMPO..150 17 1 INTRODUÇÃO Ao longo da história das guerras da humanidade, as cidades sempre desempenharam um relevante papel, ora como palco das batalhas, ora como motivo pelo qual se lutava. O alvorecer do século XXI trouxe novos conflitos que reafirmam essa perspectiva. Os combates do Afeganistão e posteriormente do Iraque foram travados, em grande parte, em áreas urbanas daqueles países. Mais recentemente, e mais próximo do território e realidade nacionais, verifica-se a participação do contingente brasileiro na missão da Organização das Nações Unidas para estabilização do Haiti, onde a maioria das ações se desenvolve em áreas urbanas. O mundo vive atualmente uma era de crescente urbanização, fazendo com que a realização de combates urbanos seja cada vez mais certa, embora se trate de um preceito doutrinário de muitos exércitos, inclusive o brasileiro, que as cidades constituem obstáculos ao avanço das tropas, devendo, sempre que possível, serem desbordadas. As áreas edificadas abrigarão combates pelo controle de determinadas regiões, pela importância da localidade na manobra estratégica ou visando à destruição do oponente. Como exemplo recente, na última guerra do Iraque, as forças norte-americanas decidiram por conquistar as cidades de Karbala e An Najaf, devido à profundidade da área de operações, que viria por se estender por cerca de 600 quilômetros em território iraquiano. Havia, sobretudo, imposições de caráter logístico para que as cidades fossem conquistadas e utilizadas como suporte ao avanço da força terrestre. (FAGAN, 2006). Acompanhando esta tendência mundial, os exércitos de diferentes países vêm buscando aperfeiçoar suas doutrinas e adestramento, no intuito de se adaptarem à nova realidade das batalhas. Verificam-se neste ínterim, vários estudos acerca de combates travados em áreas urbanas, como por exemplo, na Chechênia, no Panamá, na Somália, no Iraque e no Haiti. No Brasil, entretanto, a doutrina de combate em localidades é incipiente e pouco abrangente. A presente pesquisa tencionou aprofundar o estudo do tema, enfocando sua investigação na análise do poder de combate necessário à condução de ataque a áreas edificadas. A problemática de sua determinação foi levantada como fundamental no planejamento de operações de tal natureza. Tendo como base a questão central, compreendeu-se que o objetivo desta tese não seria reduzir a resposta a fórmulas e equações matemáticas, mas ampliar a 18 possibilidade de análise e discussão, de modo a possibilitar uma melhor tomada de decisão por ocasião das operações. Procurou-se limitar a discussão ao emprego da tropa terrestre para conduzir operações caracterizadas essencialmente como ataque a áreas urbanizadas. Assim, não foi objetivo abordar de forma mais profunda as razões que levam ao combate em localidades, nem a execução de outras operações em áreas urbanas, como as ações de garantia da lei e da ordem e tipo polícia. No desenvolvimento da investigação, partiu-se, inicialmente, da caracterização do ambiente operacional urbano, a fim de verificar suas principais influências sobre o planejamento e condução das operações militares. Esta etapa foi considerada essencial para a exata compreensão dos aspectos inerentes ao tema de estudo. As peculiaridades do terreno urbano e a presença incontestável da população civil no campo de batalha, com as conseqüências trazidas para as operações foram evidenciadas de forma a melhor orientar os estudos das doutrinas e dos casos históricos selecionados. O trabalho prosseguiu por meio de uma comparação entre a doutrina adotada pelo Exército Brasileiro e a de outros países no tocante ao combate urbano. Para tal estudo foram selecionados países que participaram de conflitos recentes. Assim, analisaram-se os fundamentos constantes dos manuais específicos dos Estados Unidos da América (EUA), Inglaterra, França e Espanha, além do estudo de preceitos estabelecidos pela ORGANIZAÇÃO DO TRATADO DO ATLÂNTICO NORTE (OTAN). Para comprovação das conclusões e variáveis selecionadas e estudo da aplicabilidade de preceitos doutrinários de outros países no Exército Brasileiro foi desenvolvido um experimento científico que contemplava uma pesquisa de campo. Com a aplicação de uma metodologia pré-estabelecida foi possível estabelecer correlações significativas e concluir adequadamente sobre os principais fatores que influenciam o estudo do poder de combate necessário. Posteriormente, foi realizada uma revisão histórica dos combates travados a partir da segunda metade do século XX, procurando identificar primeiramente aqueles que envolveram operações de combate em localidades. Em seguida, procurou-se selecionar dentre essas operações aquelas que caracterizaram ações de ataque a uma área urbanizada, destacando os aspectos doutrinários 19 evidenciados e aqueles que porventura foram negligenciados, extraindo-se as principais lições aprendidas. Os dados obtidos com as diferentes formas de pesquisa foram comparados e sofreram o devido tratamento estatístico naquilo que era apropriado. Após a devida análise dos resultados obtidos, foi possível realizar inferências e chegar a conclusões pertinentes que serão apresentadas ao término do trabalho. O Exército Brasileiro tem mostrado especial atenção sobre o tema, realizando simpósios e intercâmbios de especialistas, construindo pistas e cidades-escola, editando cadernos de instrução e aprimorando seus temas de estudo nas escolas militares. A presente pesquisa tencionou contribuir com tal esforço e não só agregar conhecimentos advindos de um trabalho original, pois não há correspondente anterior, como principalmente ser útil ao aperfeiçoamento do processo de planejamento deste tipo de operações. 20 2 REFERENCIAL CONCEITUAL A presente seção tem por finalidade apresentar a problemática em estudo. Para tanto, foram abordados: o tema selecionado, o problema formulado (antecedentes, formulação propriamente dita e os seus alcances e limites), a justificativa da importância da execução da pesquisa e a contribuição que a investigação traz para a doutrina do Exército Brasileiro. 2.1 TEMA O presente trabalho versa sobre o tema ”Operações em Áreas Urbanas”. As operações militares dessa natureza fazem parte da história das guerras ao longo dos tempos. Seu planejamento e execução sempre se apresentaram como um desafio aos diferentes exércitos e o resultado da batalha pelas cidades, por vezes, selou o destino de toda uma guerra. Um exemplo marcante foi a campanha alemã na Rússia, durante a segunda guerra mundial. A derrota em Stalingrado representou o fim da ofensiva nazista e o início da derrocada na frente oriental. (BEEVOR, 2002). O mundo vive uma era de crescente urbanização. Há um movimento mundial de migração da população rural para as cidades. Combinada com o crescimento exponencial da população nas últimas décadas do século XX, essa migração tem gerado extensas áreas urbanizadas que contêm os centros populacionais, econômicos e governamentais de suas respectivas regiões. Na Europa ocidental, por exemplo, mais de cinqüenta por cento do território é urbanizado. Hoje em dia, quase metade da população mundial vive em cidades e, conforme estudo da Divisão de População do Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais da Organização das Nações Unidas (ONU, 2005), estima-se que esta porcentagem aproxime-se dos setenta por cento em 2015. Como conseqüência do crescimento dos centros populacionais e sua localização geográfica junto a importantes rodovias que, em caso de conflito, balizarão os eixos de progressão, há uma grande tendência na condução de operações militares que combates sejam cada vez mais travados no interior de cidades. Sua importância estratégica faz com que seja muito difícil evitar tais combates, apesar dos grandes riscos e dificuldades que envolvem as batalhas nesse ambiente operacional. As particularidades que envolvem o combate em área urbana tanto para o defensor como para o atacante tornam sua execução de complexidade e riscos tão 21 grandes que as cidades em si são, inicialmente, consideradas como obstáculos pelas tropas atacantes. Conforme previsto no manual de campanha C 100-5 (BRASIL, 1997), quando possível, as áreas edificadas devem ser desbordadas e isoladas. Porém, em muitos casos isso não será possível e as cidades poderão constituir-se em importantes acidentes capitais, podendo, inclusive, vir a representar objetivos estratégicos (BRASIL, 1996). Nessas situações, é prescrita a utilização de métodos aplicáveis para a redução ou neutralização das resistências, como nas áreas fortificadas. A atuação da força terrestre em áreas urbanas abrange um grande número de operações e atividades que podem variar desde a ajuda humanitária até combates de alta intensidade, passando pelas chamadas operações de estabilidade e apoio. Segundo KRULAK1 (1997), apud ESTADOS UNIDOS (2002b), em um cenário futuro, elementos de uma força estarão, em um momento, distribuindo alimentos e roupas para refugiados e deslocados - provendo ajuda humanitária. A seguir, estarão garantindo a separação de duas tribos antagônicas - conduzindo operações de paz. Finalmente, irão travar um combate de média intensidade altamente letal. Tudo no mesmo dia e dentro de três quadras. Isso se chamará a “guerra das três quadras”. No Brasil, mais recentemente, o Exército tem sido empregado de forma sistemática em cidades, face a greves de polícias militares e intervenções federais de repressão ao crime organizado e narcotráfico nas operações de garantia da lei e da ordem. Tal emprego sofre as mesmas influências da urbanização que as ações de combate convencional, aumentadas ainda pelas restrições jurídicas e pela rigidez necessária das regras de engajamento, por ocorrerem dentro de uma situação de normalidade. Um outro exemplo é o que ocorre na participação brasileira na missão de paz da Organização das Nações Unidas (ONU) para estabilização no Haiti (MINUSTAH). Tal operação reveste-se de singular característica, pois não se enquadra estritamente como de manutenção da paz, visto que o mandato que delimita a atuação da tropa, regido pelo capítulo VII da Carta das Nações Unidas, permite a condução de ações coercitivas e não apenas de legítima defesa (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2004). Sob tal enfoque, o contingente brasileiro envolveu1 KRULAK, Charles C., General Comandante U.S. Marines, "The Three Block War: Fighting In Urban Areas", discurso proferido no National Press Club, Washington, D.C., 10 October 1997. 22 se em diversas situações e operações que podem ser caracterizadas como operações de ataque em áreas urbanizadas, como por exemplo, nas localidades de Cité Soleil e Bel Air (PEREIRA,2005). 2.1.1 Delimitação do tema Dentro desse amplo espectro de operações que podem ser conduzidas pelo exército em zonas urbanas, a presente pesquisa aborda estritamente o ataque a áreas edificadas. Cabe ressaltar que tal operação pode ocorrer em um quadro de guerra convencional, como parte de conflitos de menor intensidade ou até mesmo em missões de paz da ONU. Não se enquadra como objeto de investigação a participação em operações de garantia da lei e da ordem. Conforme o manual de campanha C 7-1 – emprego da infantaria, (BRASIL, 1984), “o ataque a uma localidade é realizado em três fases: isolamento da localidade, conquista de área de apoio em sua periferia e progressão no interior da localidade”. O isolamento consiste em uma etapa primordial do ataque a uma cidade e compreende o bloqueio das vias terrestres e aquáticas de entrada e saída da área considerada, com a finalidade de impedir a chegada de reforços e suprimentos para os elementos isolados, bem como impedir o retraimento destes (BRASIL, 2003b). Embora seja uma fase do ataque a uma área edificada, trata-se, via de regra, de uma operação ofensiva de ataque normal, ainda em terreno aberto, fora do perímetro urbano. A segunda e a terceira fases do ataque à localidade não possuem separação nítida e devem ocorrer de forma sucessiva, sem interrupções ou paradas excessivas em sua execução, sendo, por tais razões, denominadas em conjunto de investimento (BRASIL, 2003b), constituindo o ponto focal deste estudo. Desenvolvem-se essencialmente dentro da área urbana e podem ser conduzidas por uma força diferente daquela que realizou o isolamento. O investimento sobre a localidade reveste-se de particularidades, a começar pela complexidade do terreno, com suas edificações, ruas e subterrâneos, gerando um campo de batalha multidimensional, influenciando sobremaneira o planejamento e a condução das operações. Cada cidade é única, possui um padrão de construções diferenciado, com crescimento e urbanização próprios, conforme seu plano diretor ou a evolução da sociedade que nela vive. 23 O inimigo a ser enfrentado também assume características singulares, pois não envolve apenas exércitos regulares, mas pode apresentar-se como milícias, forças irregulares, paramilitares, insurgentes, grupos criminosos ou terroristas. Sua forma de atuação sofre influência do ambiente urbano, fazendo com que as linhas de ação adotadas sejam diferenciadas, ocorrendo um aumento da fluidez e predomínio de ações de pequenas frações, altamente descentralizadas, aproveitando-se da grande compartimentação e das várias dimensões do campo de batalha. Um outro importante aspecto é a presença da população e sua influência sobre as operações. Sua etnia, costumes, religião, dimensão, condições de vida e, principalmente, atitude face aos contendores devem ser observadas e representam, na maioria das vezes, um fator de decisão de grande relevância, podendo ter reflexos nos meios a serem empregados, nas missões táticas atribuídas e na própria condução das atividades. Assim, as operações de ataque em áreas urbanas, particularmente na fase de investimento, revestem-se de um caráter diferenciado. O presente trabalho aborda as particularidades do planejamento deste tipo de operações, com enfoque para os meios necessários ao cumprimento das missões, definidos no poder de combate da força atacante. 2.2 PROBLEMA Esta seção secundária destina-se a definir o problema, objeto da presente pesquisa. Serão apresentados seus antecedentes, para melhor compreensão de sua origem e magnitude, bem como serão traçados os alcances e limites da pesquisa. 2.2.1 Antecedentes O estudo de situação do comandante tático, previsto no manual de campanha C 101-5 (BRASIL, 2003a) prevê como deve ser conduzido o processo de tomada de decisão para as diversas operações. Ao abordar operações de ataque, são exemplificadas situações referentes ao ataque coordenado. São descritos os passos de montagem de linhas de ação e a posterior análise de linhas de ação opostas, que conduz a aperfeiçoamentos nas propostas a serem comparadas e posteriormente submetidas à aprovação do comandante. O manual, no entanto, é genérico (como deve ser para abranger o maior número possível de situações) e 24 não tece maiores detalhes sobre o planejamento de operações de ataque em áreas edificadas. As condicionantes que envolvem as operações urbanas são listadas em diversos manuais doutrinários do Exército Brasileiro. Porém, somente o manual de campanha C 7-20 – Batalhões de Infantaria (BRASIL, 2003b) apresenta conceitos relativos ao poder de combate necessário à condução de tais operações. No referido manual, entretanto, são estabelecidos parâmetros de planejamento superficiais, que têm por base a largura da zona de ação, em termos de quarteirões, atribuída a cada peça de manobra valor subunidade ou pelotão, dedicando menor importância ao estudo do inimigo como fator de planejamento, deixando de abordar com mais profundidade a análise do terreno em si e desconsiderando a presença e os efeitos da população local. Quando do desenvolvimento de temas relativos a combates em localidades ou operações de grandes comandos que envolvam conquista de cidades, a Escola de Comado e Estado-Maior do Exército (ECEME) adota convenções genéricas, que variam de um tema para o outro. Estas convenções ditam o poder de combate necessário para conquista e manutenção de determinada área urbana, sempre tendo como base a população da mesma. Como exemplo, o tema de FTC2 em Operações Ofensivas aplicado em 2007 previa que para a conquista de cidades com população de até 100.000 habitantes seria necessário 01 brigada e para cidades maiores, 02 brigadas (ECEME, 2007). Não é feita nenhuma consideração quanto à força inimiga presente na localidade ou outras características do terreno. A convenção adotada pela ECEME não encontra embasamento em nenhum manual doutrinário de Exército Brasileiro, porém alguns exércitos adotam em seus manuais padronizações semelhantes, como por exemplo a Espanha, em seu manual de Combate em Zonas Urbanas (ESPANHA, 2003), que também faz correlações da força necessária com o número de habitantes da cidade. O manual FM 3-06 – Operações Urbanas (ESTADOS UNIDOS, 2003) atesta que “sob condições normais, áreas urbanas extensas requerem mais tropas, simplesmente para manter o controle”. 2 Força Terrestre Componente 25 Em relação ao tamanho da força necessária para um ataque, o Exército dos EUA, em seu manual FM 3-06.11 – Operações de armas combinadas em terreno urbano (ESTADOS UNIDOS, 2002a, p.2-32), afirma que: Depende mais da qualidade da inteligência, do grau de surpresa e do grau de superioridade do poder de fogo do atacante do que do grau de sofisticação com que o defensor tiver preparado a área urbana. Outras considerações para a determinação do valor da força atacante são a dimensão da aceitabilidade de danos colaterais e a quantidade esperada de não-combatentes. (tradução do autor) A mesma publicação (ESTADOS UNIDOS, 2002a) atesta que, devido à natureza do combate, áreas urbanas requerem mais tropas devido às necessidades operacionais, fadiga em combate, controle de civis e evacuação de baixas. Comandantes e seus estados-maiores devem assegurar-se que suas unidades estão dotadas do adequado poder de combate para cumprir suas missões. Ainda sobre a necessidade de tropas para a condução dessas operações, o mesmo manual afirma que: “a densidade de tropas para a condução de operações em áreas urbanas pode ser de três a cinco vezes maior do que para missões similares em terreno aberto”. (ESTADOS UNIDOS, 2002a) (tradução e grifo do autor). No entanto, o estudo do poder de combate por si só não é completo, pois de nada vale se não houver um termo de comparação para saber se realmente ele será eficaz para o cumprimento da missão recebida ou não. O melhor meio de se chegar a tal conclusão é a confrontação do poder de combate dos dois opositores em cada operação. Emerge daí o conceito de poder relativo de combate: valor comparativo da capacidade combativa de duas forças oponentes levando em conta não só a comparação quantitativa e qualitativa dos seus meios físicos (elementos de manobra, de apoio, de comando), como também das condições situacionais (atitude, dispositivo, terreno, disponibilidade de informações) e dos fatores morais (valor profissional dos comandantes e valor moral das tropas envolvidas). (ECEME, 2002, p.185) A Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME) tem como publicação escolar os Dados Médios de Planejamento (DAMEPLAN) (ECEME, 2004), que apresenta, dentre outros, vários conceitos e valores relativos à análise do poder relativo de combate, incluindo fatores de degradação e valores básicos de relação de quantidades de peças de manobra para diferentes tipos de operação. Tal publicação também é adotada, com pequenas modificações, na Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais (EsAO) e serve de base para os trabalhos escolares desenvolvidos. 26 O cálculo apresentado pela ECEME relaciona como itens básicos do poder de combate de uma determinada força os elementos de manobra e de apoio de fogo. Estabelece, ainda, como fatores multiplicadores: terreno, vegetação, visibilidade, moral, efetivo profissional, experiência de combate, enquadramento, capacidade logística, capacidade de comunicações, engenharia, guerra eletrônica e artilharia antiaérea. A ECEME apresenta na mesma publicação escolar um quadro onde especifica a relação básica que se deve buscar entre o número de peças de manobra para a execução de diferentes tipos de operações. Missão Ataque Proporção (mínima) Principal 3/1 Secundário 2/1 Fixação 1/1 Defesa 1/3 Quadro 1 – Relação quantitativa para a execução de diferentes operações Fonte: ECEME (2004, p 3-11). De igual forma, o Exército norte-americano também apresenta, em seu manual FM 5-0, um quadro com o histórico de proporções mínimas de planejamento para as diferentes operações. Missão Posição Retardamento Proporção Amigo : Inimigo 1:6 Defesa Preparada ou fortificada 1:3 Defesa Sumariamente organizada 1 : 2,5 Ataque Preparada ou fortificada 3:1 Ataque Sumariamente organizada Contra-ataque Flanco 2,5 : 1 1:1 Quadro 2 – Histórico da proporção mínima de planejamento Fonte: Estados Unidos (2005, p 3-32) – tradução do autor. Ao apresentarem tais quadros, tanto o Exército Brasileiro como o dos EUA estabelecem apenas uma base inicial de planejamento. Os dados referem-se somente a elementos de manobra. Para o detalhamento do estudo, os demais componentes do poder de combate deverão ser avaliados segundo as tabelas e fórmulas referentes ao poder relativo de combate. Observa-se, ainda, que nas publicações de ambos os exércitos o estudo é apresentado de forma genérica, não 27 apresentando qualquer afirmação que particularize a análise para operações em áreas edificadas. Ainda sobre a relação de poder de combate necessária, SEYMOUR3 (1991), apud DiMARCO (2002) afirma que, “Napoleão estimava que uma força que atacava uma cidade fortificada deveria ter uma superioridade de 4 para 1 em relação ao defensor” (tradução do autor). DiMARCO(2002) corrobora tal estimativa ao fazer referência à batalha de Viena em que os turcos otomanos superaram as forças do Império Romano a uma proporção de aproximadamente 4 para 1. A doutrina militar britânica (INGLATERRA, 2002) também prevê que um ataque em uma área urbana requer uma grande quantidade de forças. A proporção de forças deve ser bem superior à normalmente empregada de 3 para 1. Aponta também que o Exército Vermelho planejou o ataque a Stalingrado com uma proporção de 8 atacantes por defensor e que novos estudos indicam que o atacante só terá assegurada a vantagem com uma relação superior a 10 para 1. Os estudos apresentados indicam, portanto, que a doutrina do Exército Brasileiro não aborda com profundidade a determinação do poder de combate necessário para o ataque a áreas edificadas. Observa-se, ainda, que existem contradições nas doutrinas norte-americana e britânica, apesar dos Estados Unidos e da Inglaterra estarem constantemente envolvidos nesse tipo de operações. Ademais, exemplos históricos apontam que a preocupação com o combate urbano e a relação de poder de combate necessária às forças atacantes remonta de longa data e esteve presente em importantes momentos da história militar. 2.2.2 Formulação do problema Decorrente dos antecedentes descritos anteriormente, chegou-se à seguinte indagação-problema, que orientou os trabalhos de investigação: - Como determinar o poder de combate necessário para a realização de um ataque a uma área edificada? 2.2.3 Alcance e Limites O estudo enquadrou-se no contexto da guerra moderna, em que os exércitos, cada vez mais, têm desenvolvido operações em áreas urbanas. Não tratou, 3 SEYMOUR, William, Great Sieges of History, Londres: Brassey’s, 1991 28 entretanto, da realização de operações tipo polícia, realizadas em um quadro de garantia da lei e da ordem, como atualmente o Exército Brasileiro tem sido empregado nas grandes regiões metropolitanas do País. A pesquisa abordou somente as operações que puderam ser caracterizadas como um ataque, isto é, uma ação ofensiva com a finalidade de derrotar, destruir ou neutralizar o inimigo (BRASIL, 1997), desencadeadas por um exército regular com o objetivo de conquistar ou tomar o controle de determinada cidade. Para melhor caracterização das operações, as batalhas ocorridas nos últimos quinze anos foram utilizadas como fundamentação histórica e base para análise. Essa delimitação encontra suporte no relatório apresentado pela Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN, 2003), o qual prevê que os conceitos e lições extraídas das experiências de combate em áreas urbanas da segunda guerra mundial devem ser reconsiderados, visto que as operações militares atualmente sofrem restrições legais, sociais e morais que não existiam naquela época. De igual forma, as evoluções tecnológicas permitiram aos comandantes novas e relevantes potencialidades. Buscou-se, dessa maneira, uma maior aproximação com a realidade e com as características que revestem as atuais campanhas que envolvem áreas edificadas. O trabalho abordou as diversas variáveis que podem influenciar na determinação do poder de combate necessário, analisando sua participação na realização de operações de ataque em ambiente urbano. Não constituiu, pois, objeto de pesquisa uma análise mais aprofundada da pertinência ou da necessidade de sua realização. Procurou-se apresentar as situações em que a doutrina brasileira prevê que tais operações são conduzidas e, a partir daí, aprofundou-se o estudo no tocante ao poder de combate necessário. O estudo tomou como base os dados constantes da publicação DAMEPLAN (ECEME, 2004) e o que os demais manuais doutrinários do Exército Brasileiro abordam acerca do poder de combate necessário à condução das ações, não sendo feita uma análise mais depurada da aplicabilidade de tais dados em operações convencionais. Procurou-se, sim, estabelecer uma relação com as características particulares do ambiente urbano, procurando verificar a adequação dos dados existentes e possíveis propostas de aperfeiçoamento. 29 2.3 JUSTIFICATIVAS Ao longo dos últimos anos, em todos os conflitos mundiais, ocorreram operações em áreas urbanas. Como principais exemplos podem ser citados os combates em Beirute, Kosovo, Grozny, Panamá, Mogadício, Kabul, Basra e Bagdá. Verifica-se, pois, que o assunto é relevante por tratar-se de um tema da atualidade e de uma tendência para o século que se inicia. (OTAN, 2003) O Exército Brasileiro procura acompanhar tal dinâmica de evolução dos acontecimentos, incrementando os estudos acerca do tema e incluindo atividades dessa natureza em seu adestramento. Como exemplo, pode-se citar a avaliação desenvolvida pelo Centro de Avaliação de Adestramento do Exército (CAADEx). Anualmente, subunidades integrantes da Brigada de Infantaria Pára-quedista e da Brigada de Infantaria Leve são avaliadas por aquele centro em exercícios de ataque a localidade, no campo de instrução de Gericinó. No campo do ensino, a Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais (EsAO) aumentou, recentemente, a carga-horária destinada ao tema em seu plano de disciplinas comuns e incluiu em suas atividades a realização anual de um exercício no terreno envolvendo todos os cursos, com enfoque para o emprego de armas combinadas na conquista de uma localidade (EsAO, 2003). Não menos importante, destaca-se a construção de uma localidade-escola no campo de instrução da Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN), destinada ao adestramento dos cadetes em técnicas, táticas e procedimentos em áreas edificadas. No entanto, ao se analisar a doutrina militar terrestre brasileira, não se verifica grande número de publicações que versem sobre operações urbanas. O manual de campanha C 100-5 - Operações (BRASIL, 1997) inclui poucos comentários a respeito e, dentre os demais manuais da força terrestre, o único que aborda o tema com um pouco mais de profundidade é o C 7-20 – Batalhões de Infantaria (BRASIL, 2003). O manual específico sobre o assunto é o C 31-50: combate em zonas fortificadas e localidades (BRASIL, 1976). Essa publicação trata muito de detalhes táticos individuais e de pequenas frações, de como progredir ou defender uma localidade, mas se apresenta desatualizada em vários aspectos, visto tratar-se de um documento de mais de trinta anos. Além disso, o referido manual não aborda detalhes de planejamento específicos para determinação do poder de combate 30 necessário às operações. Tal deficiência pode gerar dúvidas para os planejadores, que não dispõem de fontes de consulta adequadas. Recentemente, o Comando de Operações Terrestres (COTER) publicou o caderno de instrução CI 7-5/2 – O Pelotão de Fuzileiros no Combate em Área Edificada (BRASIL, 2006). Tal publicação traz excelentes contribuições no tocante a técnicas de progressão e condutas a serem adotadas pelo pelotão e suas frações na progressão e no combate no interior da localidade, fundamentadas em experiências recentes de diversos exércitos. No entanto, uma vez mais se verifica a preocupação com os menores escalões e a ausência de fundamentos necessários ao planejamento de níveis mais elevados. Assim, percebe-se a necessidade da presente pesquisa, por que, apesar do Exército Brasileiro dedicar relevância ao tema, em face de sua prevalência nos combates contemporâneos, trata-se de um assunto que ainda carece de um aprofundamento doutrinário. Tal lacuna ficou claramente descrita nas conclusões apresentadas pelo CAADEx no relatório do I Simpósio de Combate em Área Edificada, realizado no Rio de Janeiro em 1999. Tendo em vista o crescente aumento dos conflitos que grassam pelo mundo em ambiente operacional urbano e uma tendência cada vez maior do emprego das Forças Armadas Brasileiras em conjunto com forças armadas de outros países, constituindo grupamentos multinacionais a serem usados em missões de paz pela Organização das Nações Unidas faz-se necessário um redimensionamento e uma reestruturação da doutrina do combate em área edificada vigente em nosso Exército. Atualmente a literatura que é encontrada sobre o assunto é extremamente pobre e encontra-se defasada em relação ao que se encontra atualmente em vigor pelos principais exércitos do mundo. É notória a necessidade de uma reestruturação doutrinária do assunto, uma vez que novas tecnologias e novas técnicas vêm surgindo. (CAADEx, 1999) (grifo do autor) Durante a execução da presente pesquisa verificou-se ainda uma série de atividades relacionadas a combates em localidades conduzidas pelo Exército Brasileiro. No tocante à ECEME, o projeto interdisciplinar realizado pelo alunos do 2º ano do Curso de Altos Estudos Militares (CAEM) conteve atividades relacionadas ao tema. No âmbito Exército, foram realizadas duas grandes atividades, com a finalidade de colher subsídios para a edição de um novo manual sobre o assunto: um intercâmbio de especialistas Brasil-EUA, realizado na 12ª Brigada de Infantaria Leve e um seminário de “Operações Militares em Ambiente Urbano”, coordenado pela 3ª Subchefia do Estado-Maior do Exército. 31 2.4 CONTRIBUIÇÕES O presente trabalho pretende agregar conhecimentos à doutrina militar brasileira no que diz respeito ao tema em questão. As conclusões e recomendações apresentadas poderão servir de suporte necessário para aperfeiçoamento doutrinário relativo às operações em ambiente urbano. Pretende-se, ao final do estudo, estabelecer uma orientação de como se determinar o poder de combate necessário para a realização de operações de ataque neste ambiente operacional. Com isso, tenciona-se fornecer dados para que os planejadores dos diversos escalões possam trabalhar na elaboração de linhas de ação para o cumprimento de suas missões. Não há a intenção de reduzir o estudo a números ou equações matemáticas, pois cada operação terá suas particularidades. Visa-se, pois, possibilitar o estabelecimento de associações que sirvam de base para a análise das demais condicionantes do planejamento militar. O aperfeiçoamento da doutrina poderá orientar de forma mais clara o detalhamento de objetivos de adestramento a serem alcançados durante o ano de instrução. De igual maneira, permitir que as escolas da linha do ensino militar bélico instruam com maior profundidade os oficiais no tocante ao planejamento de operações em áreas edificadas, adequando os temas à realidade dos conflitos recentes. Isto posto, espera-se, por fim, que os resultados dessa pesquisa auxiliem os comandantes dos diversos níveis a tomarem decisões acertadas quando se depararem com operações dessa natureza. O cenário de uma guerra urbana é traçado pelos principais países do mundo como muito provável em operações futuras e o Exército Brasileiro deve estar atualizado e pronto para enfrentar suas particularidades e desafios. 32 3 REFERENCIAL METODOLÓGICO Esta seção primária destina-se a apresentar como foi realizada a pesquisa e a metodologia empregada para a solução do problema. Inicialmente serão apresentados os objetivos e a hipótese. A partir daí, serão identificadas e detalhadas as variáveis de estudo e delimitados os procedimentos metodológicos que foram observados no trabalho. 3.1 OBJETIVOS Os objetivos a seguir apresentados nortearam o estudo do tema. Foram estabelecidos de forma a permitir a comprovação ou não da hipótese, com a conseqüente solução do problema levantado. Os objetivos específicos identificaram e detalharam as ações realizadas e as diferentes etapas da pesquisa. Sua integração contribuiu para a consecução do objetivo geral, finalidade principal da investigação. 3.1.1 Objetivo Geral Identificar uma metodologia adequada para a determinação do poder de combate necessário a ser adotado pelo Exército Brasileiro em operações de ataque a áreas edificadas. 3.1.2 Objetivos Específicos - Analisar o ambiente operacional urbano, suas particularidades e os efeitos sobre as operações militares; - Identificar as particularidades do combate urbano; - Comparar a doutrina do Exército Brasileiro com a de outros exércitos no tocante à determinação do poder de combate necessário em operação de ataque em áreas edificadas; - Analisar os casos históricos de ataque a áreas edificadas, nos últimos quinze anos, identificando o poder de combate de cada oponente, as características de cada área urbana, da população das cidades e das batalhas propriamente ditas; - Identificar as principais lições aprendidas dos combates urbanos, nos últimos quinze anos, com relação ao poder de combate necessário para condução das operações; 33 - Desenvolver uma pesquisa de campo com especialistas, por meio de um experimento científico padronizado de modo a colher subsídios sobre o planejamento de operações em área urbana; - Estabelecer correlações entre os casos históricos estudados tomando por base os parâmetros obtidos na revisão bibliográfica; e - Identificar aperfeiçoamentos a serem propostos na doutrina do Exército Brasileiro de planejamento de operações de ataque em ambiente urbano. 3.2 HIPÓTESES O trabalho foi desenvolvido no intuito de verificar a validade da seguinte hipótese de estudo: H1 - O poder de combate necessário para a condução de um ataque em áreas edificadas pode ser determinado pela análise das variáveis manobra, terreno, população e inimigo. A não verificação da hipótese de estudo apresentada conduzirá à hipótese nula: H0 - Não é possível determinar o poder de combate necessário para a condução de um ataque em áreas edificadas pela análise das variáveis manobra, terreno, população e inimigo. 3.3 VARIÁVEIS Da análise da hipótese observa-se que as variáveis envolvidas no presente estudo são o poder de combate necessário para a condução de um ataque e os fatores manobra, terreno, população e inimigo. Embora não se observe relação de causalidade entre as variáveis, pode-se entender que dependendo de como se apresente a manobra da força atacante, o terreno da localidade, sua população e o inimigo em cada batalha (variáveis independentes), o poder de combate necessário para a condução de um ataque (variável dependente) poderá variar. O grau de significância dessa influência será o objeto dessa investigação. 3.3.1 Definição operacional das variáveis - Variável I: poder de combate necessário para a condução de um ataque. O conceito de poder de combate e suas particularidades deve ser a base para o estudo do tema proposto. O manual de campanha C 100-5 Operações (BRASIL, 1997, p.4-15) assim o define: 34 O poder de combate é a capacidade de combate existente em determinada força, resultante da combinação dos meios físicos à disposição e do valor moral da tropa que a compõe, aliados à liderança do comandante da tropa. O poder de combate depende, em larga escala, das qualidades de chefia e da competência profissional do comandante, traduzidas na organização, adestramento, disciplina, espírito de corpo, estado do equipamento e emprego engenhoso das forças. Depende, também, das características e possibilidades dos meios que compõem essas forças. Ao analisar esta definição, verifica-se que o poder de combate é resumido sinteticamente em três aspectos: meios físicos disponíveis, valor moral da tropa e liderança do comandante. Dentre esses, o valor moral da tropa e a liderança do comandante são de difícil mensuração e são desenvolvidos de forma constante, desde o adestramento da tropa até sua participação em combate. Em contrapartida, os meios disponíveis são mais facilmente mensuráveis, variando a cada operação, conforme decisão do escalão superior. Baseado nessa análise, quando se planeja uma operação, em geral, determina-se “poder de combate” somente como a quantidade de meios colocados à disposição de determinado comando. O Exército dos Estados Unidos corrobora tais princípios ao estabelecer em seu manual de operações FM 3-0, que poder de combate é o total de forças destrutivas que uma unidade militar pode aplicar contra um adversário em determinado momento. Devem-se combinar os elementos do poder de combate – manobra, poder de fogo, liderança, proteção e informação – para adaptar-se constantemente e derrotar o inimigo. Derrotar o inimigo requer aumentar as diferenças entre as forças amigas e inimigas reduzindo o poder de combate inimigo. Isso pode ser feito sincronizando os elementos do poder de combate das forças amigas para criar efeitos esmagadores no momento e local decisivo. Concentração do poder de combate assegura o sucesso e nega ao inimigo qualquer chance de manter resistência adequada. O efeito da massa criado pela sincronização dos elementos do poder de combate é a forma segura de limitar as baixas amigas e acelerar o fim da campanha ou operação.(ESTADOS UNIDOS, 2001). Em consonância, o Exército da Inglaterra (INGLATERRA,2002) prevê que o poder de combate compreende os meios para lutar, os equipamentos, recursos e organização que são necessários para ser empregados em combate. Pode ser criado na paz, devendo ser ajustado e aumentado para uma operação específica quando da ameaça de conflito e atingido e mantido enquanto o conflito durar. 35 A determinação do poder de combate necessário surge então como etapa fundamental no planejamento de uma operação. Embora o conceito de poder de combate seja mais abrangente, verifica-se que o número de peças de manobra apresenta-se como o fator mais tangível e mensurável do poder de combate e tradicionalmente é usado para defini-lo em planejamentos operacionais. Esta variável foi analisada, restringindo-se o estudo do poder de combate ao número de peças de manobra empregadas pelas forças atacantes. Para efeito de comparação entre exércitos e batalhas diferentes, adotou-se como indicadores o número de brigadas e o efetivo total empregado. VARIÁVEL I PODER DE COMBATE DA FORÇA ATACANTE DIMENSÃO Peças de manobra INDICADOR Número de peças de manobra VALOR BRIGADA Efetivo total de militares empregados MEDIÇÃO Verificação dos casos históricos Quadro 3: Operacionalização da variável I. Fonte: o autor. - Variável II: manobra Esta variável foi analisada observando-se os casos históricos analisados e verificando-se qual a forma de manobra empregada para a conquista e/ ou controle da área urbana. Procurou-se estabelecer uma comparação entre duas formas básicas de atacar uma área urbana, por meio de um combate sistemático, casa a casa, ou de um ataque pontual e seletivo, direcionado aos centros de gravidade da mesma. VARIÁVEL II DIMENSÃO INDICADOR MEDIÇÃO MANOBRA Forma de manobra da força atacante Método de progressão Verificação dos casos históricos Quadro 4: Operacionalização da variável II. Fonte: o autor. - Variável III: terreno Esta variável foi analisada levando-se em conta as possibilidades de variação da arquitetura e conformação geral das localidades a serem atacadas, conforme aspectos levantados na revisão bibliográfica realizada. O estudo de cada caso 36 histórico levou em consideração a localidade como um todo, a fim de melhor caracterização do terreno. Seus indicadores encontram forte correlação, mas foram considerados de forma distinta para verificar se havia diferença na influência sobre a variável dependente. O critério “população total” foi incluído nesta variável pois assim o fazem diversas fontes e institutos geográficos para representar o tamanho de uma cidade. VARIÁVEL III DIMENSÃO TERRENO Tamanho da cidade MEDIÇÃO INDICADOR Área em km2 Análise dos casos históricos População total Quadro 5: Operacionalização da variável III. Fonte: o autor. - Variável IV: inimigo Esta variável foi analisada levando-se em conta as diversas formas e possibilidades que o inimigo pode apresentar na defesa de uma localidade, conforme a revisão bibliográfica realizada. Como em muitos casos a composição do defensor apresenta uma variedade grande de forças, com a predominância de forças irregulares, o indicador do valor do inimigo a ser adotado foi seu efetivo em termos absolutos. VARIÁVEL IV DIMENSÃO INIMIGO Valor INDICADOR MEDIÇÃO Efetivo total empregado Análise dos casos históricos Quadro 6: Operacionalização da variável IV. Fonte: o autor. - Variável V: população Esta variável foi analisada levando-se em conta as diversas considerações civis que podem estar presentes em uma operação de ataque a uma localidade. Tal variável foi considerada como mais um fator de decisão para as operações urbanas, conforme estudo apresentado no referencial teórico. VARIÁVEL V POPULAÇÃO DIMENSÃO INDICADOR MEDIÇÃO Efetivo Número de civis presentes Opinião pública Apoio, neutralidade ou oposição à força atacante Análise dos casos históricos Quadro 7: Operacionalização da variável V. Fonte: o autor. 37 3.4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS O método que proporcionou a base lógica da investigação realizada foi o indutivo. Conforme GIL (2007), de acordo com o raciocínio indutivo, a generalização deve ser constatada a partir da observação de casos concretos suficientemente confirmadores dessa realidade. Assim, procurou-se fundamentar as conclusões e inferências a partir dos exemplos históricos analisados. Em relação ao meio técnico de investigação, utilizou-se o método observacional, no tocante ao estudo das batalhas selecionadas, pois o pesquisador não interfere ou toma qualquer providência para que algo ocorra, devendo valer-se apenas da observação do que já aconteceu. Pode-se definir esta etapa da pesquisa como ex-post-facto, pois se tratou de “uma investigação sistemática e empírica na qual o pesquisador não tem controle direto sobre as variáveis independentes, porque já ocorreram suas manifestações ou porque são intrinsecamente não manipuláveis” (KERLINGER4, 1975, apud GIL, 2007). A opção pela pesquisa ex-post-facto deveu-se à constatação de que a fim de obter os resultados pretendidos para a presente pesquisa seria inviável a formulação de um experimento prático, como por exemplo empregar uma brigada ou uma divisão de exército em um exercício para conquistar uma cidade. Implicações logísticas e absoluta impossibilidade de controlar as variáveis desejadas não permitem a execução de tal experimento. De igual forma, um experimento apenas não permitiria avaliar a pertinência ou não dos dados obtidos, muito menos a sua generalização para emprego de caráter doutrinário, visto que cada cidade é única e as variáveis podem se portar de maneira diferente. Assim, a pesquisa pautou-se no estudo posterior a fatos desenvolvidos, em que todas as variáveis estiveram presentes e atuaram de forma totalmente independente, dentro de uma metodologia já aceita no meio científico, a fim de inferir conclusões pertinentes. A aproximação com a realidade também se fez no aspecto temporal, ao restringir a pesquisa ao estudo de combates ocorridos nos últimos quinze anos. A evolução da arte da guerra ao longo do tempo ocorre de maneira correspondente à evolução da sociedade e seus valores. Assim, a comunidade internacional de hoje já não aceita ou permite que sejam conduzidas batalhas como nos tempos passados 4 KERLINGER, F. N. Metodologia da pesquisa em ciências sociais: um tratamento conceitual. São Paulo: EPU/Edusp, 1979. 38 em que os danos colaterais, apesar de enormes, não tinham relevância e os mortos nos campos de batalha eram contados aos milhões. Uma pesquisa desta natureza somente poderia ser válida se fosse baseada em fatos históricos recentes. O trabalho desenvolveu-se em dois níveis de pesquisa: exploratório e descritivo. O estudo exploratório tem como base a pesquisa bibliográfica, a fim de melhor caracterização das variáveis a investigar, no intuito de operacionalizá-las, e foi estruturado da seguinte maneira: - baseou-se no que prescreve a doutrina do Exército Brasileiro e no que vem sendo adotado pela Força Terrestre em operações dessa natureza. Foi feito, ainda, um levantamento de como outros exércitos enfocam o tema, com ênfase para o norte-americano, britânico, espanhol e da OTAN, por serem os que mais recentemente estiveram envolvidos em operações em ambiente urbano; e - o método de análise foi o comparativo, levando-se em conta o que prescreve a nossa doutrina e a de exércitos de outros países. Os levantamentos foram feitos junto à bibliografia disponível na biblioteca da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército e na Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais, bem como em páginas eletrônicas da rede mundial de computadores referentes ao Exército Brasileiro, onde se procurou, inicialmente, colher todos os dados disponíveis sobre o assunto na doutrina militar brasileira. As informações doutrinárias de outros exércitos foram obtidas por intermédios de oficiais brasileiros que realizam ou realizaram cursos recentemente no exterior, manuais, publicações e páginas eletrônicas destes exércitos. Após a definição operacional das variáveis, o estudo prosseguiu com levantamentos bibliográfico e documental, já em uma pesquisa descritiva, onde se buscou estabelecer uma relação entre as variáveis estudadas. Nesta etapa, fez-se um estudo acerca de casos históricos transcorridos a partir da segunda guerra mundial, sendo buscadas informações em relatórios, revistas, artigos e páginas eletrônicas especializadas, que diziam respeito a operações urbanas desenvolvidas nesse período. A partir da coleta de dados, foi feita uma análise crítica e comparativa das diversas operações realizadas, das lições aprendidas em cada uma delas e do que prescreve a doutrina do Exército Brasileiro e de outros exércitos. Elaborou-se, em seguida, o texto do relatório da pesquisa, abordando as questões investigadas e as respostas decorrentes. Em função da confirmação da hipótese, foram formuladas as 39 conclusões e recomendações, com os possíveis aperfeiçoamentos sugeridos à doutrina militar terrestre. Destaca-se que a pesquisa apresenta como limitação a impossibilidade de se verificar a confirmação ou não da hipótese e a pertinência dos possíveis aperfeiçoamentos sugeridos por meio de uma experimentação direta, por razões já descritas. Para minimizar tal deficiência, o trabalho buscou o máximo de dados históricos que corroboram as soluções encontradas para o problema proposto e desenvolver uma pesquisa de campo junto a oficiais do Exército Brasileiro. 3.4.1 Pesquisa de campo Para o desenvolvimento da presente investigação foi realizada uma pesquisa de campo junto a oficiais do Exército Brasileiro, com o intuito de verificar quais seriam os principais tópicos a serem avaliados no estudo de situação para o planejamento do ataque a uma localidade e sua influência na determinação do poder de combate necessário. 3.4.1.1Seleção da amostra Dentro do universo de oficiais do Exército Brasileiro, buscou-se selecionar uma população que possuísse conhecimentos doutrinários suficientes para responder aos questionamentos propostos de forma adequada. Com base nessa premissa, decidiu-se inicialmente por selecionar apenas oficiais que já tivessem concluído o curso de comando e estado-maior (CCEM). O principal problema enfrentado a seguir foi que, embora tais oficiais tivessem conhecimento doutrinário acerca do planejamento de operações ofensivas, o assunto combate em localidades, mais precisamente ataque a áreas edificadas, não é ministrado com profundidade na ECEME e apenas recentemente o tem sido na EsAO. Considerando que o conhecimento acerca do assunto seria fundamental para seleção da amostra e que os oficiais do CCEM 2006-2007 fariam um estudo aprofundado do tema por ocasião do projeto interdisciplinar 2007, foi decidido utilizar uma amostra selecionada de forma intencional, não-probabilística, composta por todos os integrantes do CCEM e CCEM / Int 2006-2007. Tal amostra compunha-se de 128 oficiais do Exército Brasileiro, sendo 41 da arma de infantaria, 29 de cavalaria, 21 de artilharia, 09 de engenharia, 10 de 40 comunicações, 10 do quadro de material bélico e 08 do serviço de intendência. Possuíam de 19 a 27 anos de serviço militar, sendo que, um mínimo de 17 e um máximo de 24 anos como oficial. Quando da realização da pesquisa os sujeitos da amostra já haviam estudado todos os assuntos previstos para o CCEM e CCEM / Int relativos a manobras dos diversos escalões da Força terrestre, perfazendo um total de 557 horas-aula, sendo 265 horas-aula de operações defensivas e 292 horas-aula de operações ofensivas, conforme previsto no plano de disciplinas referente a cada curso (ECEME, 2005). 3.4.1.2Procedimentos metodológicos A pesquisa foi desenvolvida durante a realização do projeto interdisciplinar, previsto no currículo da ECEME para o início do segundo ano do curso de comando e estado-maior. Para a melhor qualificação da amostra, foram ministradas instruções preliminares aos sujeitos, envolvendo análises de casos históricos de ataque a localidades (2 horas de palestra) e aspectos doutrinários de operações em áreas urbanas (4horas). Os casos históricos apresentados à amostra foram: Grozny (1995 e 1999), As Samawah (2003), An Najaf (2003), Bagdá (2003), Fallujah (2004) e Bel Air (2005). A instrução foi ministrada pelo autor da presente pesquisa, abordando os fatores da decisão presentes em cada caso histórico. Detalhes da presente investigação como seus objetivos e questões de estudo não foram apresentados aos sujeitos da amostra, a fim de não influenciar suas percepções acerca do tema. A instrução de aspectos doutrinários foi conduzida pela seção de doutrina da ECEME e versou sobre tendências modernas do combate urbano, enfocando as principais inovações incluídas nas recentes publicações do Exército dos EUA e da OTAN. De igual forma, o autor não informou à seção de doutrina os objetivos da pesquisa, a fim de não influenciar suas exposições. Após as instruções, ainda como parte do projeto interdisciplinar, toda a amostra participou do planejamento de uma operação militar, desenvolvida dentro de um caso hipotético, elaborado pela Seção de Ofensiva da ECEME. Para tanto, foram divididos em grupos aleatoriamente constituídos, sendo que metade do efetivo deveria planejar o ataque à localidade de Vitória da Conquista, enquanto que a outra metade planejaria a defesa da cidade. Foram disponibilizadas para os grupos informações acerca da população e do inimigo, sendo disponibilizadas cartas 41 topográficas, planta baixa da cidade, bem como a utilização do software Google Earth5 para a análise pormenorizada do terreno. Após a conclusão dos trabalhos, os grupos foram reunidos dois a dois (atacante e defensor) e foi feita a comparação dos planejamentos (“jogo-da-guerra”), nos moldes da análise das linhas de ação opostas prevista no estudo de situação do comandante tático (BRASIL, 2003a). Por fim, toda a amostra foi reunida em um auditório onde oito grupos, dois a dois, apresentaram o planejamento desenvolvido, as modificações decorrentes da interação realizada e os ensinamentos colhidos. Ao término do projeto interdisciplinar, foi solicitado que cada grupo apresentasse um relatório contendo os principais ensinamentos colhidos na realização do planejamento, atendendo às orientações da seção de operações ofensivas da ECEME. Segundo esta, o relatório deveria conter as principais alterações verificadas no planejamento em função do “jogo-da-guerra” realizado, considerações relativas ao emprego de cada sistema operacional e observações no tocante à necessidade de meios para a realização do investimento ou defesa da localidade. Após a entrega dos relatórios e análise do seu conteúdo, foi solicitado que cada integrante da amostra preenchesse um questionário, instrumento da presente pesquisa. O mesmo foi elaborado tendo como ponto de partida a revisão bibliográfica realizada e destinou-se a colher opiniões da amostra acerca de itens julgados importantes nas variáveis estudadas que ainda se encontram sem uma clara definição ou desatualizados na doutrina vigente no Exército Brasileiro. Antes da aplicação do questionário foi realizado um pré-teste, conforme prescreve GIL (2007), a fim de assegurar a validade e a precisão do instrumento. Para tanto foram selecionados, dentre a população a ser investigada, uma amostra típica composta de 12 oficiais, das diversas armas, quadro e serviço, que analisaram as perguntas, gerando aperfeiçoamentos no instrumento de pesquisa. Por fim, após serem efetuadas as modificações decorrentes do pré-teste, chegou-se à versão definitiva do questionário (Apêndice “A”), o qual foi aplicado integralmente aos sujeitos da amostra em 23 de maio de 2007. Os resultados obtidos e o tratamento dedicado aos mesmos serão abordados no capítulo 8. 5 Software desenvolvido pela empresa Google, que fornece imagens de satélite de qualquer parte do planeta, com dados geográficos que auxiliam no planejamento de operações. 42 4 O AMBIENTE OPERACIONAL URBANO As cidades vêm, ao longo dos anos, aumentando em número e tamanho, tornando-se ambientes complexos, com inúmeros reflexos para o desenvolvimento das operações militares. O planejamento destas passa, portanto, por uma detalhada identificação das condicionantes presentes nos centros urbanos e sua análise como ambiente operacional. O ambiente urbano confronta os comandantes de um exército com uma combinação de dificuldades raramente encontradas em qualquer outro ambiente. Suas características diferenciadas resultam de sua intrincada topografia e da alta densidade populacional. Centenas, milhares ou milhões de civis podem estar próximos ou misturados com os soldados, amigos e inimigos. Este fator, e a dimensão humana que ele representa, é potencialmente o mais importante e o mais difícil para o comandante e seu estado-maior compreenderem e avaliarem. (EUA, 2003) Na atualidade, as áreas urbanas são cenário de ações militares que transcendem as operações de guerra regular. Em operações de paz, ou até mesmo em ações humanitárias, as forças armadas podem se ver envolvidas em conflitos e, inclusive ter que desencadear manobras de ataque a áreas edificadas. Tais operações não são objeto da presente pesquisa, mas as conclusões advindas sobre o ambiente operacional e seus reflexos sobre as operações militares são perfeitamente aplicáveis às mesmas. O combate urbano diferencia-se dos demais, principalmente pelo ambiente operacional. Mas o terreno traz consigo outras diferenças para as operações que influem diretamente no planejamento, que são a população que pode estar presente no campo de batalha e o inimigo, que assume um caráter diferenciado e pode, inclusive, misturar-se à população para combater. O estado-maior conjunto dos EUA (EUA, 2002b) analisa as cidades como uma tríade composta pelo terreno (representado pelo relevo e as construções), a população (tamanho, densidade, características) e a infra-estrutura que une os dois aspectos anteriores e provê suporte de serviços, econômico, cultural e político à sociedade urbana. Assim, para um melhor estudo do ambiente operacional urbano, este foi dividido, conforme o faz a FRANÇA (2003) em aspectos físicos, que envolvem o 43 terreno, suas construções e infra-estrutura e aspectos humanos, envolvendo a população presente. 4.1 ASPECTOS FÍSICOS As áreas urbanas revestem-se de características peculiares, que fazem delas um ambiente operacional totalmente diferenciado. As construções, contendo estruturas resistentes de alvenaria, de concreto armado e aço, modificadas para fins defensivos, assemelham-se a posições defensivas fortificadas, sendo que, se reduzidas a escombros mantêm seu valor defensivo e, ainda, dificultam o emprego de tropas motorizadas, mecanizadas ou blindadas (BRASIL, 1997). Ressalta-se também o caráter tridimensional do terreno, com o uso de passagens subterrâneas (metrô, esgoto, água) e os diversos andares das construções. O exército dos EUA (EUA, 2003) destaca, ainda, que as características multidimensionais do terreno influenciam o desenvolvimento das operações. Os comandantes devem se preocupar não apenas com a superfície e o espaço aéreo. Em um ambiente urbano, eles aumentam seu escopo para incluir as áreas sobre a superfície (interior e terraço das construções) e o espaço subterrâneo. Embora separadas no espaço físico, cada área pode ser usada como uma via de acesso ou corredor de mobilidade, linha de comunicações ou área de engajamento. Quanto ao espaço aéreo, a existência de edificações de alturas variadas e a grande densidade de torres, antenas, linhas de transmissão e outras construções urbanas criam obstáculos para o vôo e para trajetória de muitas munições. Na superfície, as edificações e outras estruturas normalmente canalizam o movimento das forças ao longo delas. Ainda, os obstáculos na superfície de áreas urbanas têm mais eficácia que aqueles posicionados em terreno aberto, uma vez que desbordá-los freqüentemente requer uma radical mudança na rota selecionada. Existem também áreas sobre as superfícies, que incluem os interiores e os terraços das edificações. Tais áreas podem também ser utilizadas para observação, vigilância, reconhecimento, progressão e posicionamento de sistemas de armas, em especial emprego de caçadores e armas anticarro leves, permitindo uma posição de tiro vantajosa para ataque a tropas e veículos blindados. Tal característica impõe aos comandantes o planejamento de limpeza das edificações e medidas especiais em sua abordagem. 44 Por fim, as áreas subterrâneas, incluindo esgotos, galerias de metrôs, redes de água, abrigos subterrâneos e outros sistemas que possam existir utilizando o espaço abaixo da superfície. Tais espaços podem ser utilizados como vias de acesso secundárias, ou até mesmo prioritárias para escalões menores. Permitem a interligação segura entre pontos-fortes para o defensor e tanto este como o atacante podem utilizá-las, a fim de obter a surpresa contra o flanco ou retaguarda do oponente. Por sua vez, o exército francês (FRANÇA, 2003), atesta que, de uma maneira geral, o ambiente operacional urbano é caracterizado por: - a existência de pontos-chave, devido ao posicionamento geográfico, importância política ou econômica; - uma fisionomia tridimensional (uma extensão na superfície, subterrânea e aérea); - a densidade das construções; - a superposição de recursos de infra-estrutura (de comunicação, energia, água, etc); - os obstáculos naturais e artificiais; - uma zona de riscos tecnológicos; - dificuldade de orientação. (tradução do autor) Para o exército espanhol (ESPANHA, 2003), as cidades se caracterizam pela densidade das construções, traçado urbanístico, tipo e antigüidade de suas construções, compartimentação, diferentes tipos de bairros, modernização, serviços públicos e população. Adota como características diferenciadoras de uma localidade: tamanho, nível de desenvolvimento, antigüidade e estilo. O manual de operações em ambientes especiais do exército inglês (INGLATERRA, 2002) afirma que as áreas urbanas, em geral são caracterizadas pela densidade das edificações e população, padrões de ruas, compartimentação, periferias e áreas pobres, modernização e serviços de utilidade pública. As maiores diferenças entre as áreas construídas são em tamanho, nível de desenvolvimento e estilo. As variações nas cidades são basicamente devido à idade das construções, que atendem ao estilo da época em que foram criadas e às diferenças no desenvolvimento econômico regional. Estes fatores influenciam basicamente na quantidade de edifícios, na densidade das edificações e no material de construção utilizado. As áreas urbanas recebem várias classificações, seja quanto ao tamanho, quanto à sua população, quanto ao tipo de construções, etc. Para perfeita compreensão e estudo, tais classificações devem ser analisadas, de forma a 45 verificar congruências e efeitos sobre o planejamento militar. A presente investigação analisa as cidades segundo os seguintes critérios: características da área construída, modelagem geral, traçado das ruas, porte e infra-estrutura. 4.1.1 Características da área construída O Exército Brasileiro, em seu manual C 35-1 Combate em Zonas Fortificadas e Localidades classifica e define sumariamente os tipos de terreno urbano: a.Regiões edificadas é (sic) qualquer agrupamento de edifícios destinados à habitação ou comércio, tal como povoações, vilas, cidades e grandes fábricas. b.Blocos de edifícios é (sic) o tipo de construção em que não existe separação entre os edifícios, tal como acontece nos distritos comerciais de grandes cidades e vilas. c.Regiões edificadas isoladas ou agrupamento de casas são as cidades e vilas onde os edifícios são preparados, embora relativamente grupados, constituídos de habitações baixas, de um ou dois pavimentos. d.Regiões de casas isoladas são as encontradas nas proximidades das cidades, constituídas de pequenos grupos e casas isoladas, localizadas em meio de amplos terrenos que circundam, como fazendas ou habitações de subúrbio. (BRASIL, 1976) As demais publicações em vigor no Exército Brasileiro não trazem informações relevantes acerca da classificação das localidades. Contudo, as IP 3010 – Informações sobre o terreno (BRASIL, 1975), revogadas em 1999, traziam algumas classificações que merecem ser mencionadas e comparadas com as de outros exércitos. Dessa forma, quanto à construção, as áreas urbanas dividiam-se em: quarteirões; área de edifícios separados e semi-separados; e área de vivendas isoladas. Quanto à finalidade apresentavam a seguinte classificação: áreas industriais, comerciais, residenciais, de transporte e armazenamento, institucionais governamentais, militares e abertas. O Corpo de Fuzileiros Navais dos EUA, cuja tropa participou de várias campanhas em áreas urbanas, inclusive a recente campanha no Iraque, adota como publicação doutrinária o manual MCWP 3-35.3 – Operações militares em terreno urbano (ESTADOS UNIDOS, 1998). A publicação divide uma área urbana em categorias, conforme suas características, principalmente a largura das ruas e a altura dos edifícios em: centro da cidade, área comercial, periferia principal, área residencial, área industrial e área de arranha-céus. 46 O Exército dos EUA (2002a) apresenta classificação semelhante, contudo tece comentários também acerca de regiões de favelas, com suas construções irregulares, com ruas sem padrões definidos e grande densidade populacional. A presente investigação adota para análise detalhada a classificação proposta por BASTO (2003). Tal proposta, além de bastante abrangente, aborda as características de ruas, espaços e edificações, permitindo uma melhor interpretação de seus reflexos sobre as operações militares. A partir dessa classificação, é possível também a visualização das regiões com maior densidade populacional, aspecto de relevância para o planejamento. As áreas urbanas são assim grupadas: - Área densa e diversificada – área típica dos subúrbios e periferias dos grandes centros brasileiros ou da parte antiga das cidades. Aí se encontram construções de vários tipos e materiais, normalmente debruçadas sobre as ruas e quase sempre próximas umas das outras. Cidades com este tipo de construção apresentam um centro com edifícios geminados e ruas que não seguem um padrão específico. - Área de quarteirões – área que caracteriza os bairros de classes média e alta com edifícios residenciais e centros comerciais. Por terem sido melhor planejados apresentam ruas e avenidas que seguem um padrão, normalmente acompanhadas por edifícios em toda sua extensão. O desenho dos quarteirões tende a ser retangular. - Área residencial unifamiliar – área em que há ocorrência de edificações menores e de grande quantidade de casas, normalmente com quintais e jardins. As ruas costumam ser mais estreitas e arborizadas. - Área edificada comercial ou multifamiliar – é a que corresponde, normalmente, à região dos centros econômicos e de negócios das grandes cidades. Caracteriza-se pela alta verticalidade das construções, por vezes entremeadas por pequenos edifícios antigos e grandes espaços abertos, como estacionamentos e praças. Coexistem avenidas e ruas bastante largas com ruas de ligação estreita. - Área industrial ou de transporte – área onde se localizam as indústrias, refinarias, portos, aeroportos e estações ferroviárias. Caracteriza-se pelos grandes espaços abertos. Os complexos mais antigos normalmente se localizam no interior da área urbana. Os mais modernos estão localizados, em sua maioria, na periferia das cidades. 47 - Área de favela – área típica das grandes cidades brasileiras e de vários países do chamado terceiro mundo. Tem por característica o crescimento desordenado de construções baixas, conhecidas como barracos, de material frágil e variado. Praticamente não possui ruas e sim passagens estreitas entre os barracos, o que torna a região um emaranhado caótico de casa e vielas. Em algumas cidades localiza-se em morros, em outras nas periferias. - Área institucional governamental – conforme definiam as IP 30-10 (BRASIL, 1975) apud BASTO (2003), inclui os terrenos, as construções e os meios relacionados com as oficinas administrativas governamentais, os hospitais, as escolas, os colégios superiores, os asilos, os sanatórios, os mosteiros, as instituições penais ou de investigação e estabelecimentos semelhantes, que formam, normalmente, áreas características e geralmente extensas. - Área militar – área que comporta complexos militares de qualquer natureza. - Área aberta – compreende áreas existentes nas periferias das cidades (caracterizadas pela existência de solo nu ou de cobertura vegetal, sem a presença de edificações) parques, áreas de recreação, praia, terrenos baldios e cemitérios. Tais áreas coexistem em uma mesma cidade, podendo haver predominância de uma sobre a outra, ou a inexistência de algumas, de acordo, em especial, com o grau de desenvolvimento da localidade. Suas características distintas serão objeto de análise de inteligência de todos os escalões, definindo a manobra tática e verificando o emprego de técnicas especiais. O manual de campanha C 7-20 – Batalhões de Infantaria – aborda alguns aspectos da localidade que devem constituir elementos essenciais de inteligência (EEI). Para o investimento à localidade, os EEI são estabelecidos visando obter dados sobre: 1) características da localidade e do terreno adjacente: - as vias terrestres ou aquáticas e vias de acesso que conduzem ao interior da localidade; - os setores de maior concentração da população; - pontos característicos e edifícios mais altos; - redes de esgotos, metrôs, adegas e outras passagens subterrâneas; - instalações de rádio e televisão; - serviços de utilidade pública, edifícios públicos e construção de valor histórico; - áreas abertas (praças, parques, estádios etc); - áreas industriais, comerciais, residenciais etc; - terminais rodoviários, ferroviários, aeroportos e portos; e 48 - outros dados julgados de interesse. (BRASIL, 2003b) Coerentes com o escalão que conduz o estudo, também poderiam ser incluídos outros aspectos, como a identificação do material de construção das edificações. Significativas diferenças podem ser verificadas em relação a estruturas de concreto armado, de tijolos ou de madeira, trazendo conseqüências por exemplo sobre o tipo de armamento e munição a serem empregados, grau de segurança proporcionado pelas paredes e possibilidade de criação de obstáculos com sua destruição e redução a escombros. 4.1.2 Modelagem geral da área urbana O Exército norte-americano (EUA, 2003) prevê que quatro principais modelos de áreas urbanas extensas podem influenciar nas operações: satélite, rede, linear e segmentado. Estes modelos partem do princípio que os aglomerados urbanos não são uniformes nem isolados, estando cada vez mais interligados. Assim, busca estabelecer uma classificação desta modelagem, a partir da qual é possível inferir alguns efeitos sobre as operações militares. Localidades satélites Zona central Satélite Localidades satélites Cidade dominante Linear Rede cidades menores Segmentado Figura 1: Modelos de áreas urbanas extensas. Fonte: EUA, 2003. Modelo satélite - consiste de uma localidade principal, interligada a localidades dependentes circunvizinhas. As linhas de comunicações tendem a convergir para a localidade principal. O terreno natural onde se insere este modelo é 49 relativamente homogêneo. As áreas mais afastadas fornecem suporte à área principal com reforço de meios, suprimento e evacuação. Os comandantes devem considerar os efeitos das operações nas áreas urbanas mais afastadas dentro da localidade principal e vice-versa. Operações de inteligência, por exemplo, tendo como alvo, inicialmente, a localidade principal de um modelo satélite pode influenciar áreas urbanas mais afastadas e conseguir os efeitos necessários sem o dispêndio de recursos específicos para essas áreas. Modelo de rede - seus elementos são mais auto-suficientes e menos dependentes um do outro, embora uma localidade dominante principal possa existir. As linhas de comunicações principais em uma rede se estendem mais do que em um modelo de satélite e tomam uma forma mais retangular do que convergentes. O terreno natural pode variar mais do que numa disposição satelital. Uma operação em uma das áreas pode ou não facilmente influenciar, ou ser influenciada, por outras áreas urbanas dentro da rede. Modelo linear - pode formar um raio do modelo satelital ou ser encontrado ao longo das linhas de conexão entre duas localidades principais de uma rede. Mais comumente, este modelo resulta de um confinamento de áreas urbanas menores ao longo de um corredor do terreno, tais como um vale alongado ou uma massa d’água. Em operações defensivas e ofensivas, o modelo linear facilita o desenvolvimento de uma série de pontos fortes em profundidade, que bloqueiem ou retardem o movimento de uma força de ataque ao longo do terreno canalizador. Modelo segmentado - quando um terreno natural, como um rio, por exemplo, ou uma obra de arte (tal como canal, barragem, estrada) divide uma área urbana, cria-se um modelo segmentado. Esse modelo facilita ao comandante dividir a área de operações pelos seus subordinados. No entanto, pode fragmentar as operações e aumentar o seu risco, requerendo apoio mútuo entre os elementos subordinados. Ainda, a área urbana segmentada pode facilitar que o comandante isole ameaças em determinadas áreas e foque sua operação em locais onde se concentram os pontos decisivos. Embora uma parte integral do todo, cada segmento pode desenvolver características sociais, econômicas, culturais e políticas diferentes. Esta segmentação social pode beneficiar comandantes que, diante de recursos limitados, têm que influenciar ou controlar a população urbana. Após cuidadosa análise da sociedade, ele pode ser capaz de focar as operações de inteligência e seus recursos tão somente sobre o segmento da população onde se 50 obtenha resultados decisivos para operação. Os comandantes podem precisar somente isolar outros segmentos ou monitorá-los para identificar alguma mudança de atitude, opiniões, ou ações dos civis locais. 4.1.3 Traçado geral das ruas As ruas formam corredores retangulares, facilitando a manobra, definição de limites, linhas de controle e orientação. Permite campos de tiro mais profundos. As ruas demandam de uma mesma região, sem que isso ocorra em 360º. Permite marcação de itinerários convergentes, com relativo risco de fratricídio. As ruas convergem para um ponto central. A possibilidade de itinerários convergentes aumenta o risco de fratricídio. Ruas sucessivamente concêntricas em relação a um ponto focal, interligadas, normalmente, por radiais. Devido à conformação acentuada do terreno, as ruas seguem sua orientação. As ruas principais geralmente acompanham a mesma linha do terreno e são interligadas por ruas secundárias. Em virtude do crescimento desordenado, ou de projetos urbanísticos diferenciados, não há um padrão de traçado das ruas, dificultando o planejamento e a manobra. Os compartimentos são menores e os campos de tiro e observação reduzidos. Uma avenida principal irradia ruas em toda sua extensão e normalmente é ladeada por edifícios. Difere do retangular pela importância e maior dimensão da via principal. Uma combinação dos traçados acima, sem predominância na área urbana. Figura 2: Padrões de traçado das ruas. Fonte: EUA (2002), adaptado pelo autor. 51 O traçado das ruas pode facilitar ou dificultar a manobra das forças envolvidas em um conflito. Dificilmente toda uma cidade apresenta o mesmo padrão de organização das ruas, tendo em vista o aumento que as áreas urbanas vêm sofrendo ao longo dos anos. Contudo determinados bairros e regiões, que podem constituir uma zona de ação de determinada peça de manobra, por vezes apresentam uma configuração padronizada. Os Estados Unidos (2002) apresentam uma classificação geral destes padrões de ruas bastante abrangente, representada na figura 2, facilitando o estudo do seu efeito sobre as operações militares. Entretanto este não é o único estudo que deve ser feito das vias de circulação. O espaço para a manobra, a observação e os campos de tiro também sofrerão influência marcante da largura das ruas e da natureza e do porte das edificações que as cercam. 4.1.4 Porte O porte das cidades, em geral, é analisado levando-se em consideração a sua população total, visto que há uma forte relação entre ambos. Assim pesquisadores, publicações doutrinárias e institutos geográficos relacionam o porte com o número de habitantes da área urbana, adotando terminologia específica. Neste contexto, o exército espanhol (ESPANHA, 2003) adota a seguinte classificação para as cidades, relacionando seu tamanho com a população: - Complexos urbanos: mais de 500.000 habitantes; - Grandes cidades: entre 100.000 e 500.000 habitantes; - Cidades: entre 10.000 e 100.000 habitantes; - Povoados: menos de 10.000 habitantes; e - Vilarejos: áreas com edificações próximas a estradas que unem as maiores áreas urbanas. Os EUA (2003) adotam uma classificação parecida: - Vilas: 3.000 habitantes ou menos - Cidades: 3.000 a 100.000 habitantes - Grandes cidades: 100.000 a 1 milhão de habitantes - Metrópoles: 1 milhão a 10 milhões de habitantes - Megalópoles: mais de 10 milhões de habitantes. 52 Por, sua vez, BASTO (2003) em seu estudo acerca do emprego de helicópteros em ambiente urbano apresenta como proposta a seguinte proposta de classificação: - Vilas: 3.000 habitantes ou menos - Cidades pequenas: 3.000 a 100.000 habitantes - Cidades Médias: 100.000 a 800.000 habitantes - Cidades grandes (ou metrópoles): 800.000 a 10 milhões de habitantes - Megalópoles: mais de 10 milhões de habitantes - Cidades globais: aquelas que, independente da população, têm grande valor estratégico no contexto mundial, fruto de fenômeno da globalização. Contudo, para fins militares tal classificação não é completa, pois cidades com a mesma população podem ter dimensões diferentes, de acordo com seu crescimento. A área que as mesmas ocupam é de vital importância para o planejador militar, pois poderá ter influência direta na quantidade de tropas necessárias para sua ocupação, qualquer que seja o caráter da operação. No presente estudo não será feita uma nova classificação relativa ao porte em função da área construída, mas por ocasião da análise dos casos históricos tal item será abordado para fins de comparação e avaliação. 4.1.5 Infra-estrutura A rede de infra-estrutura de uma área urbana também deve ser minuciosamente estudada pelos planejadores militares, pois exerce influência marcante sobre as operações militares. As áreas vitais devem ser identificadas e podem converter-se em pontos-fortes de defesa ou objetivos para a força atacante. Nesse mesmo contexto, centros administrativos, políticos, de valor cultural e histórico assumem relevante importância. As vias de transporte, seus portos, aeroportos, terminais, pátios, depósitos e meios têm valor significativo para a logística tática e operacional. As vias subterrâneas, com as galerias correspondentes aos sistemas de água e esgoto, bem como de metrôs também se revestem de capital importância, por representarem excelentes itinerários de deslocamento para escalões menores. Os sistemas de energia e telefonia, suas subestações e interligações são importantes para utilização tanto pelas forças quanto pela população que, invariavelmente, estará presente no campo de batalha. 53 Igual relevância têm os meios de comunicação. Estações de rádio e televisão, bem como suas retransmissoras e os serviços disponíveis de jornais podem ser utilizados para as operações psicológicas e de comunicação social, fundamentais para uma campanha neste ambiente operacional. 4.2 ASPECTOS HUMANOS Uma diferença primária entre o combate em áreas urbanas e outros ambientes é o grande número e densidade de não-combatentes. A população tem características próprias que influenciam nos planejamentos e condução dos combates, quais sejam: etnias, religião, tendência política, grau de escolaridade, nível sócio-econômico, idade, atividade laboral, dentre outras. Conforme a história nos apresenta, as cidades muito dificilmente serão totalmente evacuadas para o combate. Todos os conflitos envolvendo áreas urbanas a partir da segunda guerra mundial ocorreram com a presença maior ou menor dos habitantes locais. Além das forças amigas e inimigas, a população é o único componente com “vontade própria” do ambiente operacional urbano, capaz de rapidamente influir de forma marcante nas operações. Os habitantes de uma cidade impõem a necessidade de determinadas regras de engajamento, aumentam as necessidades logísticas, confundem a identificação do inimigo (que pode combater em trajes civis) e elevam o nível de estresse da tropa. (INGLATERRA, 2002). Por sua vez, MARTINEZ (2007), quando caracteriza o cenário urbano considera-o como: Um sistema em que a importante presença da população no combate, unido à mudança de situação produzida desde a Segunda Guerra Mundial (atualmente se tende a minimizar as baixas e os danos colaterais) faz que seja precisamente a população que condicione as operações, de uma forma similar a que faz o terreno, quando se atua em campo aberto, assumindo assim um papel predominante. (tradução do autor) Assim, o planejador militar deve compreender a população de uma área urbana. Esta tarefa envolve vários aspectos, sendo que o manual FM 3-06 do Exército dos EUA (2003) destaca como críticos para o sucesso operacional o conhecimento de que grupos vivem em determinada área urbana, quais as relações existentes entre eles e como cada grupo populacional irá responder às ações das forças amigas e inimigas. A compreensão sócio-cultural também é essencial para que o comandante e seu estado-maior vejam a cidade da mesma forma que seus 54 habitantes. Além de aspectos demográficos, outras categorias de conhecimento podem ser levantadas como: saúde, história, lideranças, etnia, cultura, religião, governo e política. Os aspectos humanos no ambiente operacional urbano são de tal maneira importantes que alguns exércitos como o norte-americano e o inglês passaram a incluir o item “considerações civis” como mais um fator de decisão. De igual forma, a OTAN julga importante a análise de tal fator quando considera que “a presença de não-combatentes na área de operações pode reduzir significativamente a liberdade de ação das forças atacantes”. (OTAN, 2003) (tradução do autor) O Exército Brasileiro ainda não fez essa inclusão, mas em seus manuais é feita referência a ações relativas a não-combatentes, como no manual de operações C 100-5, que prevê que “as medidas de controle da população civil são essenciais à sua proteção” (BRASIL,1997). A Doutrina Delta6 destaca também a preocupação que a presença de civis gera com danos colaterais, ao afirmar que “os objetivos estratégicos selecionados deverão ser, prioritariamente, aqueles que tenham grande impacto sobre o moral do inimigo e sobre sua opinião pública, procurando-se evitar danos a sua população civil.” (BRASIL, 1996) Da SILVA (2006), em seu estudo, apresenta uma técnica simples para o comandante ou planejador analisar as considerações civis, fazendo as seguintes perguntas: - Quem são os civis que poderíamos encontrar em nosso Ambiente Operacional? - Onde, por que e quando nós poderíamos os encontrar? - Que atividades estão realizando esses civis que poderiam afetar as nossas operações? - Como nossas operações poderiam afetar as atividades dos civis? As perguntas apresentadas conduzem o estudo para os efeitos que a presença de não-combatentes irá proporcionar às operações militares. Efeitos táticos implicam em regras de engajamento a serem adotadas pelas tropas, efeitos operacionais dizem respeito a atitudes e manobras, efeitos logísticos dizem respeito a apoio a refugiados, controle de civis e de danos e efeitos políticos, oriundos da cobertura dos meios de comunicação e seus reflexos sobre a opinião pública. A população civil representa, portanto, uma das mais significantes partes do ambiente operacional urbano, visto que a maioria das ações tomadas, além de 6 BRASIL, Estado-Maior do Exército IP 100-1: bases para a modernização do exército brasileiro 1. ed. Brasília, DF, 1996 55 poder gerar efeitos sobre os não-combatentes, também pode exigir um emprego de recursos a fim de protegê-los, controlá-los ou apoiá-los. 56 5 O COMBATE URBANO Desde as épocas remotas de 500 A.C., Sun Tzu7 já afirmava: “A pior política é atacar uma cidade fortificada”. Tal assertiva até hoje é analisada e considerada verdadeira por estudiosos e planejadores militares. Contudo, a despeito de tão antigo ensinamento, as guerras continuam a envolver as áreas urbanas, de forma constante ao longo dos anos, desde a batalha de Tróia até os mais recentes conflitos no Oriente Médio. O controle dos núcleos políticos, industriais, comerciais, de transporte e centros de comunicações pode ser decisivo, fazendo com que os aglomerados urbanos se tornem centros de gravidade vitais para o curso de campanhas ou guerras. Mesmo movimentos revolucionários ou insurgentes freqüentemente buscam nas cidades o terreno fértil para as ações decisivas de suas campanhas de tomada do poder. O próprio Exército Brasileiro, apesar de prever em seus manuais que as cidades devem, sempre que possível, serem desbordadas, apresenta em sua Doutrina Delta (BRASIL, 1996), que os objetivos a serem atribuídos à força terrestre no nível estratégico normalmente são, dentre outros, “pontos sensíveis de importância política, econômica ou militar tais como cidades, indústrias bélicas, usinas, entroncamentos rodoferroviários, portos e aeroportos, regiões de passagem e radares”. (grifo do autor) Assim, o manual de campanha C 7-1 - Emprego da Infantaria – (BRASIL, 1984) apresenta os seguintes motivos, que podem forçar a conquista de uma localidade: (1) quando a posse da localidade tornar-se necessária tendo em vista a plena utilização das vias de transporte que para ela convergem; (2) quando o desbordamento da localidade constituir-se em uma ameaça potencial aos flancos e/ou retaguarda da força; (3) a fim de liberar, o mais cedo possível, forças empregadas na contenção da localidade; (4) a fim de capturar um objetivo importante no interior da localidade, ou por ela dominado; (5) quando a localidade constituir-se em um importante centro político ou de grande significado histórico, pelos efeitos psicológicos negativos que poderá acarretar para o inimigo. De forma semelhante, o Exército dos EUA (EUA, 2003) aponta as diversas razões que têm levado exércitos a combaterem em áreas urbanas: 7 TZU, Sun. A Arte da Guerra. Tradução por James Clavell. 15. ed. Rio de Janeiro: Record, 1994. 57 - para derrotar uma força militar que opta por se posicionar dentro de uma área urbana para capitalizar as vantagens oferecidas pelo ambiente; - a infra-estrutura da área urbana, capacidades ou outros recursos têm valor operacional ou estratégico significativo; - a área urbana tem importância simbólica significativa; - a localização geográfica da área urbana domina uma região importante ou uma faixa de aproximação necessária às operações. Em seu estudo sobre operações urbanas conjuntas, MARTINEZ (2007), apresenta algumas razões que podem motivar a consideração de um núcleo urbano como objetivo militar: - porque aí estão localizados os centros de gravidade estratégicos da operação (líderes políticos, aparato governamental, centros de poder e decisão, sistemas de comando e controle, valor simbólico, etc.); - porque são “nós” de comunicação cujo controle resulte imprescindível para a manobra; - porque pretendemos conseguir o controle efetivo do território e o inimigo resiste em cidades, empregando táticas convencionais ou assimétricas. (tradução do autor) O combate urbano é, portanto, uma realidade presente na doutrina militar do Exército Brasileiro e de outros países. Partindo-se desta premissa, o presente estudo passou a identificar as particularidades do combate urbano, como forma de aproximar a visão sobre a problemática em estudo. 5.1 PARTICULARIDADES DO COMBATE URBANO O manual de campanha C 100-5 – Operações (BRASIL, 1997) ressalta a dificuldade de combater nesse ambiente operacional. As áreas edificadas, preparadas e modificadas para fins defensivos são comparadas a posições fortificadas (grifo do autor), com muitas cobertas e abrigos e reduzidos campos de tiro, apresentando grandes restrições ao movimento das forças atacantes, particularmente motorizadas, blindadas ou mecanizadas. É destacada, ainda, a possibilidade de utilização das instalações subterrâneas para facilitar o movimento das forças e fornecer proteção contra fogos inimigos. Tal possibilidade permite ao defensor integrar sua utilização com o lançamento de obstáculos e barricadas, disposto em profundidade, para facilitar a continuidade da defesa em toda área. O manual de campanha C 7-1 (BRASIL, 1984), que versa sobre o emprego da infantaria, sintetiza os aspectos que caracterizam o combate em áreas edificadas: 58 - observação e campos de tiro reduzidos, pela limitação imposta pelas construções, seu porte e disposição em quarteirões, ruas e avenidas; - dificuldade de coordenação e controle, pela compartimentação do terreno, fazendo com que predominem o emprego de pequenas frações, sendo fundamental a iniciativa e o perfeito entendimento da missão e intenção do comandante; - dificuldade de localizar-se o inimigo, pelas características do terreno, fazendo com que haja um predomínio do combate aproximado e, aliando-se essa característica à dificuldade de observação e reduzidos campos de tiro, uma dificuldade de apoio de fogo terrestre e aéreo; - maior necessidade de segurança em todas as direções, também devido à extrema compartimentação do terreno; Para GERWEHR e GLENN (2000) as diferenças entre o combate no ambiente operacional urbano e outros tipos de terreno podem ser sintetizadas no quadro abaixo: Características / Ambiente Operacional Número de não combatentes Quantidade de infra-estrutura de valor Campo de batalha multidimensional Regas de engajamento restritivas Alcance de observação, detecção e engajamento Vias de acesso Liberdade de manobra – forças mecanizadas Funcionalidade das comunicações Requerimentos logísticos Área urbana Alto Deserto Selva Montanha Baixo Baixo Baixo Alta Baixa Baixa Baixa Sim Sim Não Não Algum Não Sim Não Pequeno Grande Pequeno Médio Muitas Muitas Poucas Poucas Pequena Grande Pequena Média Degradada Grandes Normal Grandes Normal Médio Degradada Médio Quadro 8: Diferenças entre o ambiente operacional urbano e outro tipos de terreno Fonte: GERWEHR e GLENN (2000), traduzido pelo autor. O Exército Espanhol (ESPANHA, 2003) apresenta, de um ponto de vista mais amplo os efeitos gerais que as zonas urbanizadas produzem no desenvolvimento de operações: “concentração de forças; estreitamento das frentes das unidades; e diminuição do ritmo de progressão do atacante, quando não se suponha detenção.” (tradução do autor) Já SCHULTZ (2007) atesta que operações em ambiente urbano podem restringir as vantagens tecnológicas; afetam o ritmo da batalha; forçam unidades a lutar em elementos menores e descentralizados; podem também causar dilemas 59 morais difíceis devido à proximidade de grandes números de civis. Afirma também que uma das características principais do espaço de batalha urbano é a densidade – densidade de estruturas, densidade de combatentes, densidade de infra-estrutura, densidade de forças adversárias, densidade de alvos. Em sua abordagem, a publicação JP 3-06 do Joint Chief of Staff8 (ESTADOS UNIDOS, 2002b) relaciona as seguintes características significativas das modernas operações militares urbanas: - cidades reduzem a vantagem de uma força tecnologicamente superior; - operações de combate que envolvem um ataque casa a casa requerem uma grande quantidade de tropas de infantaria; e - áreas urbanas geram vantagens para os defensores, insurgentes e terroristas, reduzindo as vantagens em números e equipamentos das forças atacantes. (tradução e grifo do autor) Embora o caráter das operações urbanas tenha variado os longo dos anos, desde ajuda humanitária até combates em larga escala, algumas características comuns são percebidas, conforme apresentado pelo Estado-Maior Conjunto do EUA (EUA, 2002b): - as cidades reduzem as vantagens de uma força tecnologicamente superior – o terreno compartimentado da área urbana reduz as linhas de observação e a capacidade de conduzir e observar tiros, reduz a capacidade de comando, controle e comunicações, dificulta a operação de aeronaves e diminui a efetividade dos fogos indiretos e navais. Da mesma forma, traz complicações logísticas e com freqüência reduz as operações ao nível das pequenas frações. Impõe, ainda, a necessidade de minimizar baixas civis e danos colaterais à infra-estrutura; - as operações requerem um grande efetivo – enquanto as missões de combate necessitam de força militar capaz de controlar uma grande área e suas edificações, é muito comum a necessidade de pessoal também para ações humanitárias, de socorro e proteção a civis e de reparos a danos na infra-estrutura urbana. As necessidades operacionais de combate casa a casa, quadra a quadra, também impõem um número elevado de soldados de infantaria; - as operações são descentralizadas – as dificuldades impostas pelo terreno ao comando e controle fazem com que as unidades estejam dispersas pelos subterrâneos, andares dos edifícios, ruas e becos, forçando que as pequenas 8 Joint Chief of Staff – Chefia do Estado-Maior Conjunto 60 frações combatam muitas vezes de forma isolada, com iniciativa e cientes da missão e intenção de seus comandos superiores. - as operações consomem mais tempo – quase todas as operações urbanas se desenvolvem em um ritmo mais lento que as operações em terreno convencional. O caráter multidimensional do terreno e a necessidade de limpeza das edificações reduz significativamente a velocidade de progressão da força atacante. - combates urbanos resultam em grande número de baixas civis e militares; - operações em áreas urbanas resultam em regras de engajamento mais restritivas – a presença de não-combatentes e a necessidade de preservação da infra-estrutura impõem que o planejamento inclua regras que busquem salvaguardar pessoas e instalações, limitando danos colaterais; - o terreno modifica o efeito de armas e munições – os alvos são facilmente cobertos pelas edificações. O material destas e seu posicionamento em relação às demais pode influenciar no uso de armamentos e munições. Escombros podem vir a se tornar obstáculos e fogos de artilharia e armas anticarro podem ser utilizadas para tiro direto e abertura de passagens em edificações ao invés de sua destinação normal; - necessidades de apoio logístico são diferentes e maiores na área urbana – em combates urbanos o consumo de munição é mais elevado, com grande necessidade de apoio de saúde, evacuação, recompletamentos, água e comida. A evacuação de veículos para manutenção é dificultada, bem como o desgaste dos equipamentos é maior; e - áreas urbanas trazem vantagens para defensores, insurgentes e terroristas – pois reduzem as vantagens numéricas e tecnológicas das forças atacantes. O combate assimétrico faz também que os defensores utilizem a população e a infra-estrutura para obter vantagens. 5.2 O ESTUDO DE SITUAÇÃO Para o planejamento de uma operação militar, utiliza-se o método preconizado de estudo de situação, a fim de se chegar a uma decisão. Dentro do processo adotado pelo Exército Brasileiro (BRASIL, 2003a), durante a fase de montagem das linhas de ação, deve-se estipular o poder de combate para o cumprimento da missão. Conforme apresentado, não existe um método, correlação 61 ou dado médio previsto na doutrina militar terrestre brasileira que oriente como chegar a tal valor quando se planeja um ataque a uma área edificada. O Corpo de Fuzileiros Navais dos EUA, em seu manual MCWP 3-35.3 (ESTADOS UNIDOS, 1998) orienta um caminho a seguir ao estabelecer que, “em uma fase inicial, o poder de combate necessário deve ser avaliado em função do tamanho da cidade, das forças inimigas e da missão recebida”. Procurando ampliar as variáveis acima estabelecidas, e observando a influência marcante da população presente na área urbana, esta investigação propôs a análise dos fatores missão, terreno, inimigo e considerações civis que condicionam o planejamento de uma força que tenciona realizar um ataque a uma cidade. 5.2.1 Missão O manual de campanha C 100-5 – Operações (BRASIL, 1997) define o ataque como uma ação ofensiva com a finalidade de derrotar, destruir ou neutralizar o inimigo. Quando uma força recebe a missão de atacar determinada área urbana, poderá fazê-lo de diversas formas. A seguir será apresentado um estudo de tais variações e seus reflexos sobre o poder de combate necessário. 5.2.1.1 Doutrina do Exército Brasileiro O manual de campanha C 31-50 – Combate em Zonas Fortificadas e Localidades (BRASIL, 1976, p. 7-2) prevê que: No ataque a povoações e vilas, o objetivo do ataque é a própria localidade. No ataque a grandes cidades, os objetivos serão pontos estratégicos no seu interior, como estações ferroviárias, edifícios públicos, de administração civil e instalações militares. Assim, observa-se que nem sempre a localidade será conquistada como um todo, ou estabelecida como objetivo, particularmente as grandes cidades, onde a missão a ser atribuída pode envolver apenas parte das mesmas. Essa variação de objetivos a conquistar é retratada também no manual de campanha C 7-20 – Batalhões de Infantaria, que faz uma correlação com o inimigo e o grau de resistência oferecido. Dessa forma, prevê que em uma localidade fortemente defendida o escalão de ataque deve progredir casa-a-casa, quarteirão-a-quarteirão. Em contrapartida, quando a mesma for fracamente defendida ou houver a necessidade de conquistar objetivos em profundidade com rapidez pode haver variações na forma de manobra empregada. Nesse caso, pode ser empregada uma 62 força com mobilidade para conquistar objetivos em profundidade, sem realização de uma “limpeza” casa-a-casa durante a progressão. Tal ação seria desenvolvida pela reserva, enquanto a força que conquistou o objetivo procuraria ampliar a área sob seu controle. (BRASIL, 2003b) Com relação ao poder de combate necessário, a quantidade de objetivos traçados terá relação direta com a necessidade de peças de manobra para o ataque, haja vista a necessidade de manutenção dos mesmos (BRASIL, 2003b). O valor da força que manterá os objetivos variará em função da dimensão e importância dos mesmos. 5.2.1.2 Considerações da OTAN A OTAN (2003) é mais enfática quando afirma que o método tradicional de combate, com limpeza rua-a-rua e casa-a-casa deve sofrer modificações e operações convencionais de limpeza completa de áreas inteiras se tornaram irreais e provavelmente desnecessárias. Atesta também que o terreno traz restrições ao movimento, impedindo a utilização de todo o poder de combate e a manobra para destruir forças inimigas dentro da localidade é muito difícil, facilitando a criação de pontos-fortes, lançamento de obstáculos e realização de emboscadas pelo inimigo. Sendo assim, deve-se evitar um combate aproximado e atacar o centro de gravidade das forças inimigas, selecionando pontos decisivos a atacar. Ao questionar o método de conquista de uma localidade a OTAN (2003) estabelece uma comparação entre os chamados métodos tradicionais e os “emergentes”, como um novo conceito de manobra para combate em áreas urbanas. Conceitos Isolamento Tradicional Cerco Ação dos fogos Destruição Emergente Isolamento nodal Ataque preciso Captura nodal e expansão Assalto terrestre Frontal Captura pontual e expansão Divisão e captura/isolamento Quadro 9: Conceitos tradicionais e “emergentes” de ataque a cidades Fonte: OTAN, 2003 (traduzido pelo autor) 63 O assalto terrestre pode ser feito, portanto, com a progressão frontal, “limpando” a localidade ou com a conquista de “centros nodais”, importantes ou vitais para o inimigo, por meio de assaltos verticais ou penetrações terrestres, com a conseqüente expansão da área conquistada dependendo da evolução da situação. Estes pontos importantes podem ser também regiões críticas da defesa inimiga ou pontos fracos de seu dispositivo que podem ser explorados como base para futuras expansões. A divisão e captura/isolamento é um outro conceito emergente de ataque a localidades que consiste em realizar penetrações para dividir a área urbana em setores, de forma a isolar as forças inimigas, para concentrar a ação terrestre sobre zonas críticas e derrotá-las por partes. Ainda segundo a OTAN (2003), os conceitos tradicionais de cerco/destruição/assalto frontal são empregados quando há falta de informações sobre a localidade e/ou situação do inimigo dentro da mesma e podem resultar em consideráveis danos à infra-estrutura, pesadas baixas e efeitos colaterais. Os conceitos “emergentes” podem reduzir significativamente estes riscos, aumentando as chances de sucesso e reduzindo a quantidade de forças necessárias para a operação. (grifo do autor) 5.2.1.3 Doutrina dos EUA O Exército dos EUA, em seu manual FM 3-06.11 (ESTADOS UNIDOS, 2002), ressalta que o ataque pode ser realizado com a limpeza de todas as construções da área urbanizada ou com a conquista de terrenos importantes, requerendo apenas a limpeza ao longo do eixo de progressão. O ataque pode ser de dois tipos, coordenado ou de oportunidade. As técnicas de como conduzir as operações são: - buscar o contato e atacar; - atacar por um único eixo; - atacar por múltiplos eixos; - isolar e atacar; - fixar e desbordar; - múltiplos ataques nodais. (ESTADOS UNIDOS, 2002) Apresenta ainda que o comandante pode decidir limpar toda uma área, casa a casa, ou apenas as partes necessárias para o sucesso da missão. Neste último caso se: 64 - um objetivo tiver que ser conquistado rapidamente; - a resistência inimiga for fraca ou fragmentada; - as construções na área tiverem largas áreas entre elas. Neste caso, poderia ser feita a limpeza das construções ao longo do eixo de aproximação do objetivo ou apenas daquelas necessárias à sua segurança. (ESTADOS UNIDOS, 2002) (tradução do autor) Já o Corpo de Fuzileiros Navais (ESTADOS UNIDOS, 1998) apresenta que na análise da missão a ser cumprida devem ser esclarecidas as necessidades em relação à localidade como um todo por meio das seguintes perguntas: Eu tenho que “limpar” todas as construções? Devo “limpar” apenas certos quarteirões? Devo controlar somente certas áreas? Qual o nível de proteção é requerido para minhas linhas de comunicação? (tradução do autor) 5.2.1.4 Doutrina Britânica Por sua vez, o exército britânico (INGLATERRA, 2002) apresenta três formas de ataque a uma cidade: - uma penetração incidindo diretamente sobre o objetivo, ultrapassando demais áreas; - um ataque sobre um ou mais eixos, com limpeza da zona de ação; - uma saturação da área pelo fogo ou uma série de ataques de pequenos grupos. As duas primeiras formas variam basicamente em relação ao grau de resistência apresentado pelo inimigo na orla da localidade. Caso o inimigo esteja defendendo com vigor, o exército inglês (INGLATERRA, 2002) prevê a realização de um ataque de forma semelhante ao previsto na doutrina do Exército Brasileiro, com conquista de uma área de apoio na periferia da localidade e um posterior investimento com limpeza das resistências encontradas. Em contrapartida, se houver flancos ou intervalos no dispositivo inimigo, o atacante pode conduzir uma infiltração ou um ataque incidindo diretamente sobre os objetivos estabelecidos no interior da localidade. 5.2.1.5 Doutrina Espanhola A Espanha, em seu manual de combate em zonas urbanizadas (ESPANHA, 2003), prevê dois tipos de ataques em localidades: imediato ou premeditado. As concepções são similares ao previsto no Exército Brasileiro para o ataque de oportunidade e ataque coordenado. 65 Um ataque imediato é desferido sobre um inimigo que ainda não teve tempo ou capacidade de se organizar e a superioridade de meios deve ser tal que justifique o risco de um planejamento rápido. Não são feitas considerações sobre o poder relativo de combate. O ataque é realizado ao longo dos eixos e busca-se a conquista de pontos-chave, deixando a limpeza da localidade a cargo de um segundo escalão. Em relação ao ataque premeditado, onde são feitos planejamentos detalhados, reconhecimentos e coordenações, o citado manual retrata uma maior necessidade de concentração de unidades e acumulação de meios. Este ataque é conduzido na forma de progressão e limpeza sistemática ao longo da localidade, após seu isolamento ou cerco. (ESPANHA, 2003). 5.2.1.6 Conclusão Parcial Da análise da doutrina do Exército Brasileiro e dos demais países estudados, podem ser verificadas várias congruências. A mais importante é que tanto o Exército Brasileiro, quanto todos os outros analisados, admitem que o ataque pode ser feito de duas formas básicas: com a progressão casa a casa, quarteirão a quarteirão, com a limpeza de toda a cidade; ou com um ataque mais direto sobre objetivos decisivos, conforme a situação se apresente. Estas duas variações básicas de forma de manobra para um ataque a uma área urbana podem ter influência no poder de combate necessário, elevando-o, como afirmam tacitamente a OTAN e o Exército Espanhol quando da realização de um ataque sistemático, casa a casa. Apesar disso, não é estabelecido o quanto representa essa maior necessidade. 5.2.2 Inimigo O estudo do inimigo, em face de cada situação apresentada, deve dirigir-se para o levantamento das peculiaridades e deficiências deste inimigo que poderão influir, favorável ou desfavoravelmente, na sua eficiência de combate. (BRASIL, 1997) Para determinação do poder de combate necessário em cada operação, o ponto de partida é a determinação do inimigo a ser enfrentado. O estudo do oponente compõe qualquer planejamento militar. Seu conhecimento e previsão serão decisivos para o sucesso das operações. A partir de sua quantificação, verifica-se a necessidade de tropas para vencê-lo. 66 No ambiente urbano sua avaliação por parte do planejador é dificultada, tendo em vista a complexidade do terreno e a freqüente presença de civis, modificando, inclusive, a forma de combater. As características peculiares serão agora descritas, verificando o levantamento de aspectos que poderão influenciar no dimensionamento da força atacante. 5.2.2.1 Doutrina do Exército Brasileiro Os parâmetros que são levados em consideração pelo Exército Brasileiro (BRASIL, 2003a) para o estudo do inimigo são os seguintes: o dispositivo, verificado pela forma como ele se dispõe no terreno; a composição, abrangendo a identificação e a organização das tropas; o valor, indicado pelo poder de combate disponível; as atividades importantes recentes e atuais; e as suas peculiaridades e deficiências. Quanto à determinação do poder de combate do inimigo, verifica-se apenas uma análise de tropas regulares. Não existe correlação que dimensione as forças irregulares presentes no campo de batalha, a fim de compará-las com as nossas forças, na determinação do poder relativo de combate. O Exército Brasileiro não faz uma caracterização específica do inimigo a ser enfrentado em combates urbanos em nenhum de seus manuais doutrinários. A força oponente é referida sempre como “o defensor” (BRASIL, 2003b) e não é feita nenhuma distinção ou referência da realização de tais operações em uma guerra convencional ou como parte de outro tipo de operação. 5.2.2.2 Considerações da OTAN Por sua vez, a OTAN (1998) afirma que dois grandes cenários podem ocorrer em conflitos futuros: 1º – representa uma guerra envolvendo duas forças mecanizadas modernas, equipadas e treinadas. 2º – representa uma força moderna enfrentando organizações que não representam propriamente um estado nem possuem estrutura semelhante à maioria dos exércitos. Atesta ainda que os dois cenários são difíceis de separar na maioria das situações. As operações podem envolver características de ambos, sendo que a maioria dos conflitos e fontes de tensão se aproxima do segundo cenário. Nos últimos anos tem ficado claro que forças insurgentes, utilizando-se da assimetria 67 proporcionada pelos aglomerados urbanos conseguem operar mais livremente e colocam em maior risco as operações desencadeadas por forças regulares. 5.2.2.3 Doutrina dos EUA De forma semelhante, o Exército dos EUA (ESTADOS UNIDOS, 2002) considera que os conflitos em áreas urbanas podem ser operações contra forças convencionais de uma ou mais nações do terceiro mundo, operações contra insurgentes ou ameaças assimétricas, ou intervenções militares na forma de operações de estabilidade e apoio. Destaca ainda que as técnicas, táticas e procedimentos do inimigo são influenciados sobremaneira pelo ambiente operacional e que a força oponente pode atuar sem uniformes, de forma a misturar-se junto à população civil presente, conforme exemplos históricos das batalhas por Grozny e na recente guerra do Iraque. Em relação ao estudo do inimigo, o Exército dos EUA considera provável enfrentar, nesse tipo de operações, oponentes que variam de forças militares convencionais locais ou regionais a forças paramilitares, guerrilheiros ou insurgentes. Para qualquer dessas ameaças o estudo de situação de inteligência deve ser conduzido da mesma forma, sendo que quando se tratar de forças nãoconvencionais o esforço de inteligência deve ser maior para se determinar seu valor, composição e prováveis linhas de ação (ESTADOS UNIDOS, 2002a). Em relação ao poder de combate, o manual de campanha FM 3-06.11 Operações de Armas Combinadas em Terreno Urbano (ESTADOS UNIDOS, 2002a) aponta, de forma genérica, que é necessário um grande número de tropas terrestres para atacar, limpar e manter cidades. Faz referência ainda a um estudo de ROSENAU9, o qual indica que, apesar de não haver uma regra universal, “um comandante deve ter a perspectiva de necessitar entre 9 a 27 atacantes por defensor em um ambiente urbano”. (tradução e grifo do autor) Porém, no mesmo manual de campanha são apresentadas informações contraditórias, advindas de uma análise do U.S. Army Human Engineering 9 ROSENAU, WILLIAM G., Every Room is a New Battle: The Lessons of Modern Urban Warfare, McLean (s/d) 68 Laboratory10 (1987), atestando que “um atacante não precisa necessariamente de uma relação de poder de combate muito maior que em outro terreno. Contudo, a relação de poder de combate tem um impacto na duração do combate”. (tradução e grifo do autor) 5.2.2.4 Doutrina Britânica O Exército Inglês (INGLATERRA, 2002) afirma que, no futuro, suas forças irão travar combates nas cidades contra tropas convencionais inferiores ou forças não-convencionais ao redor do mundo. Tropas mais fracas, ao perceberem sua inferioridade em combater em um terreno convencional contra uma força melhor equipada, com maior poder de fogo terrestre e aéreo, meios blindados e de comando e controle, poderão tentar compensar suas deficiências utilizando o combate assimétrico ou técnicas de guerrilha no interior das cidades. Assim, tropas regulares, associadas ou não a paramilitares conduzirão enfrentamentos em área urbana oferecendo desafios inteiramente novos às tropas regulares. Atesta ainda que os exércitos que não estiverem preparados para este tipo de combate irão sofrer maiores perdas e as operações irão consumir mais tempo do que previamente estabelecido. Estabelece ainda que, no tocante ao poder relativo de combate, em operações de ataque a localidades a proporção de forças deve ser bem superior à norma de planejamento tradicional de 3 para 1. Sugere ainda que novos estudos indicam que tal relação se aproxima a 10 para 1.(INGLATERRA, 2002) 5.2.2.5 Doutrina Espanhola O Exército Espanhol (ESPANHA, 2003) não define especificamente um inimigo a enfrentar em um combate em localidades, porém afirma que cada vez mais estão adquirindo maior protagonismo os conflitos originados por motivos étnicos, religiosos, nacionalismos, diferenças de riqueza, terrorismo internacional e outros em que se enfrentam adversários de potência desigual. Afirma ainda que, neste tipo de conflitos, os grupos que constituem a ameaça tratarão de evitar o enfrentamento com forças superiores de igual para igual, o que dará lugar ao conflito assimétrico. Estes grupos tenderão a aproximar-se de cidades 10 U.S. ARMY HUMAN ENGINEERING LABORATORY, Modern Experience in City Combat, 1987. Baseado em análise de combates urbanos da segunda guerra mundial e guerras da Coréia, Vietnã e Oriente Médio. 69 como meio de dissuasão, tencionando que a opinião pública impeça ou dificulte o emprego de força contra eles, por parte de um exército regular e de armas de grande letalidade já que causariam baixas indesejáveis perante a opinião pública e a própria força atacante junto à população civil. Particularmente no ataque premeditado, prevê que “a relação de forças, com respeito ao inimigo deve ser superior em número à relação de três para um, que requer um planejamento ofensivo normal, em campo aberto”. (ESPANHA, 2003) (tradução e grifo do autor) 5.2.2.6 Conclusão parcial No tocante ao estudo do inimigo que defende uma área urbana, verifica-se que o Exército Brasileiro não faz distinções nem apresenta em sua doutrina uma forma particular de avaliação. Contudo, os demais exércitos analisados consideram a possibilidade de enfrentar tropas irregulares, grupos de paramilitares e até mesmo tropas de um exército regular combatendo misturadas à população civil. O poder relativo de combate necessário para o ataque também não é abordado de forma particular para este ambiente operacional como base de planejamento pelo Exército Brasileiro. Entretanto Estados Unidos, Inglaterra e Espanha consideram esta necessidade e são congruentes em afirmar que esta relação deva ser superior a três atacantes por defensor. 5.2.3 Terreno O terreno urbano, por suas características, impõe modificações nos demais fatores analisados (missão, inimigo e considerações civis), que podem resultar em diferenças no poder de combate necessário para atacar uma localidade. As características físicas do ambiente operacional já foram abordadas no capítulo anterior. A presente seção irá apresentar apenas os detalhes diretamente relacionados à problemática em questão. 5.2.3.1 Doutrina do Exército Brasileiro Nos manuais doutrinários do Exército Brasileiro são feitas várias referências às características particulares do terreno em ambiente urbano, contudo, o estudo deste importante fator não é detalhado nem sistematizado. Não é feita também qualquer menção de em que medida as condições particulares de cada cidade podem influenciar na decisão a ser tomada pelo planejador militar. 70 O manual de campanha C 7-20 – Batalhões de Infantaria – estabelece que a frente de ataque de um batalhão em localidades fortemente defendidas deve ser de 1(um) a 4(quatro) quarteirões (BRASIL, 2003b). Contudo, o manual não define o que é uma localidade fortemente defendida nem a largura dos quarteirões. Somente o manual C 31-50 – Combate em áreas fortificadas e localidades (BRASIL, 1976) apresenta a medida de 180 (cento e oitenta) metros como a frente aproximada de um quarteirão. Conjugando os dados dos dois manuais temos que a frente designada a um batalhão varia de 180 a 640 metros. Verifica-se, pois, que o dado apresentado para a frente de ataque de um batalhão (180 a 640 metros) é consideravelmente menor quando comparado com o dado médio de planejamento previsto na publicação DAMEPLAN da ECEME (2004) para um terreno convencional, que é de 1 a 2 km. Em sua abordagem o manual C 31-50 (BRASIL, 1976) – detalha ainda várias condições específicas observadas nas áreas urbanizadas, apontando diversas restrições impostas ao uso de viaturas blindadas, armamentos e material de comunicações. No entanto, não faz associações dessas limitações com a necessidade de poder de combate da força atacante. Faz referência também à importância da posse e controle das construções com pavimentos mais elevados, seja para a realização do tiro pelo defensor, seja pela necessidade que o atacante tem de realizar o vasculhamento a partir dos andares superiores. 5.2.3.2 Considerações da OTAN A OTAN considera que, no futuro, suas tropas irão conduzir operações em áreas urbanas, isto é, onde as construções, estruturas físicas, infra-estrutura e presença de não-combatentes serão características marcantes. Este futuro é uma tendência para o campo de batalha em 2020, representando grandes desafios para a OTAN em um cenário de grande número de baixas e extensos efeitos colaterais. Adiciona também os tradicionais riscos de uma operação em área urbana às complicações decorrentes da larga extensão da área e dos subúrbios e à existência de edifícios muito altos e subterrâneos. 5.2.3.3 Doutrina dos EUA O Corpo de Fuzileiros Navais (ESTADOS UNIDOS,1998) define o terreno urbano como de múltiplas vias de acesso, proporcionando ao atacante e defensor 71 várias alternativas para progressão e campos de tiro. Da mesma forma que o Exército daquele País (ESTADOS UNIDOS, 2003), inclui na análise do terreno as construções, com seus interiores e o espaço subterrâneo. O nível subterrâneo é considerado como muito importante, podendo ser utilizado tanto pelo defensor como pelo atacante para atingir os flancos e retaguarda do inimigo, facilitando emboscadas, contra-ataques e infiltrações. Segundo o manual do Corpo de Fuzileiros Navais (ESTADOS UNIDOS,1998), “a cidade de Los Angeles chega a ter 320 km de subterrâneos utilizáveis sob as ruas da cidade”. (tradução do autor) O Exército (ESTADOS UNIDOS, 2003) destaca ainda que as áreas sobre e abaixo da superfície ampliam a complexidade do ambiente físico urbano. Ressalta que os comandantes devem considerar as atividades que ocorrem do lado de fora dos edifícios e dos subterrâneos (espaço externo), tanto quanto as que ocorrem despercebidas dentro dos edifícios e no sistema subterrâneo (espaço interno). O espaço interno aumenta os desafios de comando, controle e atividades de coleta de inteligência e aumenta o poder de combate necessário para se conduzir operações urbanas. O Exército dos EUA (ESTADOS UNIDOS, 2002a), ao analisar o terreno urbano, faz também uma categorização das cidades com base no tamanho da população existente estabelecendo uma associação com o valor da força atacante a ser empregada na mesma. O quadro a seguir resume essas considerações. Área urbana População Escalão a ser empregado Vilas Até 3.000 habitantes Batalhão e companhia Cidades 3.000 a 100.000 habitantes Brigada Grandes Cidades 100.000 a 1 milhão de habitantes Metrópole 1 milhão a 10 milhões de habitantes Megalópole Mais de 10 milhões de habitantes Divisão e superiores Quadro 10: Classificação das áreas urbanas e escalão a ser empregado. Fonte: ESTADOS UNIDOS (2002a) – traduzido e adaptado pelo autor. O corpo de fuzileiros navais não detalha esta classificação, mas faz apenas uma consideração de que “no ataque a uma área construída (com população de 100.000 pessoas ou mais) a força de emprego deverá ser uma divisão.” (ESTADOS UNIDOS,1998) 72 5.2.3.4 Doutrina Britânica O Exército Inglês (INGLATERRA, 2002) também identifica como um fator complicador a ocorrência de três dimensões no campo de batalha urbano: o nível do solo, o subsolo e o nível acima do solo. O subsolo enquadra todas as vias subterrâneas que possam ser empregadas para movimento tático ou proteção. O nível do solo representado pelas ruas e suas limitações advindas das construções e do próprio traçado das vias. O nível acima do solo com as partes altas e o interior dos edifícios que podem abrigar posições de tiro e observação, bem como facilitar o movimento das tropas. Destaca também relevante importância para o número de pavimentos de cada construção, dado importante quando faz a identificação das áreas urbanas quanto às suas características. (INGLATERRA, 2002) 5.2.3.5 Doutrina Espanhola O Exército Espanhol, em seu manual de combate em zonas urbanizadas (ESPANHA, 2003), retrata que as cidades são complexas por natureza e os edifícios, ruas e sistemas de subterrâneos se combinam para impedir, ou ao menos dificultar as operações militares. Atesta também que o conhecimento da área edificada é uma grande vantagem que favorece o defensor. O combate deve ser conduzido explorando o uso das três dimensões de uma área urbana: a rua, os subterrâneos e o nível superior dos edifícios. Este último inclui o uso da parte mais alta das construções (telhados e coberturas) para a observação, a tomada de posições de tiro e para moverse de um edifício a outro. O sistema subterrâneo que pode ser empregado para movimento tático e proteção, inclui o sistema de esgoto, galerias de serviços de eletricidade ou meios de comunicações, rios e canais subterrâneos e em cidades que possuem metrôs. (ESPANHA, 2003) (tradução e grifo do autor) Além destas observações, a Espanha (2003) estabelece que os objetivos a serem designados dependerão do tipo de área urbana onde se esteja combatendo, do bairro em que se desenvolva o combate e do grau de organização das defesas. Apresenta também, frentes das zonas de ação de cada escalão, como dado médio de planejamento: - Companhia: 150 a 300 m. - Batalhão: 400 a 600 m. - Brigada: 2 a 4 km. - Divisão: 4 a 6 km. 73 Afirma ainda que “as frentes de ataque, como foram apresentadas anteriormente, dependem da superfície e altura dos edifícios e da resistência esperada.” (ESPANHA, 2003) (tradução e grifo do autor) 5.2.3.6 Conclusão parcial O ambiente operacional urbano é extremamente complexo e seus efeitos sobre as operações militares são diversos. As doutrinas dos países estudados apresentam congruência quando afirmam que o campo de batalha assume novas dimensões com a possibilidade de utilização de subterrâneos e o interior e cobertura das edificações. Como as cidades não são iguais destaca-se que a diferença nestes dois aspectos reside na real possibilidade de utilização dos subterrâneos e no número médio de pavimentos das construções da área urbana. No tocante ao poder de combate necessário, verifica-se a associação com dois aspectos: o tamanho da cidade, considerando seu número de habitantes; e a frente de ataque. As frentes são apresentadas pelo Exército Brasileiro apenas nos menores escalões (Companhia e Batalhão). O Exército Espanhol, em contrapartida, apresenta valores até o escalão divisão. Contudo, é possível verificar uma relativa concordância dos números no escalão batalhão, onde ambos exércitos apresentam a frente oscilando entre 400 e 600 metros. 5.2.4 Considerações civis Além da análise da missão, terreno e inimigo, o aspecto “considerações civis” será estudado, buscando-se, assim, fazer face à necessidade de avaliar o impacto de diversos fatores não-militares presentes no combate urbano. O Exército dos EUA já realiza tal estudo, incluindo as considerações civis como um novo fator de decisão. Com maior ou menor ênfase, esse sexto fator vêm sendo estudado também por outros países, tais como a Inglaterra e a Espanha, além de ser considerado pela OTAN como extremamente importante em um combate urbano (OTAN, 2003). Apesar do Exército Brasileiro ainda não ter feito tal inclusão, estudos são desenvolvidos a respeito, como por exemplo de DA SILVA (2006), sobre a pertinência da proposta, concluindo que “as considerações civis são fatores de 74 decisão em todos os níveis decisórios militares, devendo ser incluídos doutrinariamente nos níveis operacional e tático”. 5.2.4.1 Doutrina do Exército Brasileiro Nos manuais doutrinários do Exército Brasileiro pouco é abordado sobre a presença da população e seus efeitos sobre o combate urbano. Mas o manual de combate em zonas fortificadas e localidades (BRASIL, 1976) entende a dificuldade gerada pela presença da população, afirmando que “a luta nas cidades, geralmente apresenta o problema do controle e administração da população civil”. 5.2.4.2 Considerações da OTAN A OTAN destaca que “a atitude da população local face aos contendores torna-se um fator importante para a decisão da batalha” (OTAN, 2003) (tradução do autor). De igual forma, julga importante a análise das considerações civis quando considera que a presença de não-combatentes na área de operações pode reduzir significativamente a liberdade de ação das forças atacantes. 5.2.4.3 Doutrina dos EUA Fruto de suas experiências em combate, os EUA incluíram como fator de decisão em sua base de planejamento as considerações civis, que podem ter valor exponencial na condução de operações em área urbana. Afirmam ainda que o estudo da sociedade que habita a localidade onde se dará o combate implica em compreensão das condições de vida, diferenças culturais, etnias, facções existentes, crenças religiosas, partidos políticos e atitude face os beligerantes (favorável, hostil ou neutra). A partir desse estudo, determina-se o impacto sobre as operações. (ESTADOS UNIDOS, 2002a). O corpo de fuzileiros navais (ESTADOS UNIDOS, 1998) destaca que uma grande concentração de civis pode trazer sérias dificuldades para as operações táticas em ambiente urbano, principalmente no tocante a: - mobilidade - pela utilização das vias, em especial por refugiados e a necessidade de controle dos mesmos; - emprego do poder de fogo – pela necessidade de minimizar danos colaterais e baixas civis, impondo restrições ao uso de determinado armamento e munição; 75 - segurança – pela possibilidade de atos de sabotagem e terrorismo por civis favoráveis ao inimigo ou mesmo oponentes trajando roupas civis. Além de apoios diversos que civis podem prestar à força adversária; e - emprego de obstáculos – a presença e movimento de nãocombatentes influenciará no plano de barreiras, respeitando rotas de refugiados e buscando evitar baixas civis. 5.2.4.4 Doutrina Britânica Os conceitos correlacionados com as considerações civis, tais como população local, fatores étnicos, religiosos, culturais, mídia, das obrigações legais e regras de engajamento, estão presentes na doutrina britânica em igualdade de condições com os demais fatores de decisão para os comandantes. (INGLATERRA, 1994) A presença de civis é, portanto, um fator considerado no planejamento e condução das operações urbanas pelas forças britânicas. Elas ressaltam ainda o fato de alguns civis permanecerem relutantes em deixar a área e outros decidirem fazê-lo durante as ações de combate, trazendo conseqüências em especial sobre a mobilidade das tropas atacantes, o emprego de seu poder de fogo e a segurança. O Exército Inglês (INGLATERRA, 1994) prevê ainda que mesmo nãocombatentes sem intenções hostis trarão conseqüência para o tamanho da força empregada e seu avanço, podendo haver também uma quantidade de tropas inimigas, milícias e paramilitares escondidos entre os refugiados e deslocados. O inimigo sabe que é impossível para as forças regulares fazerem a perfeita distinção entre civis e inimigos. Isto faz com que a situação do combate possa mudar repentinamente, por exemplo, quando um grupo de civis torna-se uma fração inimiga a realizar ações terroristas ou ataques às tropas regulares. Tal possibilidade gera um grau elevado de insegurança e estresse nos militares do exército atacante. 5.2.4.5 Doutrina Espanhola O Exército Espanhol (ESPANHA, 2003) considera que a tática será dificultada pela presença da população civil (por vontade própria ou forçada por alguma parte). A presença de civis limita o emprego de armas e altera tática e procedimentos a empregar, a fim de evitar por parte do exército regular (quando se trata de uma 76 guerra convencional) os danos colaterais e as baixas da população civil, que serão aproveitadas pelos opositores como elemento de propaganda. Da mesma forma, a presença de residentes locais e de autoridades civis pode exigir a manutenção dos serviços públicos essenciais e restringir a liberdade de ação militar. Destaca ainda que, dependendo da zona urbana, da natureza e capacidade do inimigo que a defende, da atitude da população que permaneça na mesma, dos danos colaterais que o atacante esteja disposto a assumir e das próprias capacidades deste, as fases de assalto, progressão e limpeza podem ser desenvolvidas utilizando táticas e procedimentos diversos. (ESPANHA,2003) (tradução e grifo do autor) 5.2.4.6 Conclusão parcial A presença da população civil afeta em vários aspectos a condução do combate urbano e, conforme apresentado pelas doutrinas dos exércitos estudados, trará conseqüências para o planejamento e condução das operações. Seus efeitos variam desde considerações de cunho tático como restrições à manobra terrestre e uso de armamentos e munições a fim de reduzir danos colaterais até o emprego de efetivos para controle de refugiados e apoio logístico. As condicionantes irão variar de operação para operação, de cidade para cidade. Contudo, de uma forma geral, pode-se destacar dois aspectos que poderão influenciar diretamente no planejamento e deverão ser analisados em todas as situações: a quantidade de civis presentes e a atitude da população em relação às forças atacantes (favorável, contrária ou neutra). 5.3 CONCLUSÃO Ao comparar o previsto na doutrina do Exército Brasileiro com a dos demais países estudados se verifica uma carência por parte do Brasil, de maior detalhamento em alguns aspectos. Tal fato deve-se principalmente ao fato de que o único manual específico que o Exército Brasileiro possui foi editado há mais de trinta anos, onde a realidade mundial era outra e as condicionantes dos conflitos, bem diferentes. Em contrapartida, todos os outros exércitos estudados possuem publicações editadas nos últimos dez anos, estando mais adaptadas e coerentes com a situação atual do cenário mundial. O combate urbano é uma realidade estudada por todos os exércitos do mundo. Conforme estudo apresentado neste capítulo as particularidades do 77 ambiente operacional influenciam sobremaneira o planejamento das operações. Em maior ou menor grau, dependendo da situação, cada um dos fatores da decisão estudados terá seu papel na determinação do poder de combate necessário para um ataque a uma área urbana. Pode-se comprovar também a pertinência dos fatores levantados como variáveis e suas dimensões para estudo na presente pesquisa. A partir desse estudo bibliográfico e das conclusões parciais apresentadas sobre cada fator analisado, passou-se à análise dos casos históricos selecionados, com intuito de verificar e comprovar a influência dos parâmetros estabelecidos sobre o planejamento militar. 78 6 ANÁLISE DOS RESULTADOS DA PESQUISA DE CAMPO A pesquisa bibliográfica realizada dentre as doutrinas dos países analisados permitiu a identificação das variáveis de estudo. Contudo, a fim de confirmar a aplicabilidade de tais parâmetros no Exército Brasileiro e melhor orientar a análise dos dados da pesquisa histórica, foi conduzida uma pesquisa de campo, conforme rotina de procedimentos descrita no referencial metodológico. O questionário constante do Apêndice “A”, aplicado à amostra, foi dividido em duas partes. A primeira era destinada à qualificação e identificação das experiências dos sujeitos da amostra em relação ao tema e a segunda parte colheu suas percepções em torno dos aspectos investigados. As questões da segunda parte compunham 10 questões fechadas, onde cada pergunta tinha propósitos claramente definidos e alinhados com os objetivos da presente investigação, sendo ordenadas conforme sua finalidade. As duas primeiras questões envolviam a manobra da força atacante. A terceira questão tratava do inimigo a ser enfrentado. A quarta sobre o estudo do terreno. A quinta sobre restrições aos fogos de artilharia e aéreos. As próximas quatro perguntas enfocavam as considerações civis e a última, o poder relativo de combate. A análise das respostas obtidas será a partir de agora descrita, com o devido tratamento estatístico e interpretação das freqüências observadas. 6.1 EM RELAÇÃO À MANOBRA DA FORÇA ATACANTE A primeira pergunta indagava sobre a realização de um investimento sistemático, com progressão casa a casa e quarteirão a quarteirão. Sua finalidade era identificar se havia a percepção por parte da amostra de que a manobra de conquista de uma localidade poderia ser realizada de uma forma diferente de um combate casa a casa. Conforme descrito na revisão bibliográfica apresentada no capítulo 5 da presente investigação, a doutrina do Exército Brasileiro já prevê esta possibilidade, mas não aborda o assunto com profundidade. No caso dos demais países estudados, verificou-se que outras manobras ditas “emergentes” são mais adequadas ao cenário mundial. Observando as respostas aos questionamentos, apenas 3,90% dos entrevistados afirmaram que a manobra sistemática seria sempre adotada, enquanto que 71,88% disseram que tal forma de progressão somente seria aplicável em 79 determinados casos. Verifica-se, pois, que a amostra confirma os dados da pesquisa bibliográfica, admitindo-se a necessidade de aprofundamento de estudos para maior detalhamento doutrinário de formas de manobra diferentes do investimento sistemático. Tabela 1: Ocorrência de realização de um ataque sistemático. Realização do investimento sistemático, casa a casa, quarteirão a quarteirão Total de oficiais Freqüência sempre 5 3,90% na maioria das vezes 31 24,22% apenas em determinados casos 92 71,88% nunca 0 0% TOTAL 128 100% Fonte: o autor. Admitindo a possibilidade de variação da forma de manobra a ser utilizada, a segunda pergunta indagava se haveria influência no poder relativo de combate necessário. A esse questionamento 94,53% responderam positivamente, sendo que 56,25% concordaram totalmente com a assertiva e 24,22% concordaram parcialmente. Tal índice de concordância justifica plenamente a necessidade de verificação da existência de uma correlação por meio da pesquisa histórica e a seleção da variável “MANOBRA” para estudo. Tabela 2: Variação do poder relativo de combate em função da manobra. O poder relativo de combate irá variar em função da manobra idealizada? Total de oficiais Freqüência concordo totalmente 72 56,25% concordo parcialmente 49 38,28% discordo parcialmente 5 3,91% discordo totalmente 2 1,56% TOTAL 128 100% Fonte: o autor. 6.2 EM RELAÇÃO AO INIMIGO A seguir, os integrantes da amostra foram questionados sobre os aspectos intervenientes na determinação do poder de combate necessário. Iniciando pelo inimigo, foi solicitada aos entrevistados a indicação das forças adversas prevalentes em operações urbanas. Mais da metade da amostra indicou como inimigos prováveis forças irregulares (72,65%) e grupos de resistência locais (60,15%), 80 enquanto que apenas 26,56% indicaram a possibilidade do defensor ser representado por forças regulares combatendo de forma organizada. Tabela 3: Inimigo a ser enfrentado em uma cidade Inimigo a ser enfrentado em uma cidade Total de oficiais Freqüência Forças irregulares (guerrilheiros, terroristas, etc) 93 72,65% Grupos de resistência locais 77 60,15% Forças regulares atuando descaracterizadas, misturadas à população 72 56,25% Forças paramilitares organizadas 53 41,41% Forças regulares combatendo de forma organizada 34 26,56% Outros 2 1,56% Fonte: o autor. Os resultados acima indicam uma perfeita correlação com o que prescrevem as doutrinas dos exércitos estudados, à exceção do Exército Brasileiro, que, conforme apresentado não estabelece em seus manuais e publicações uma caracterização do inimigo a enfrentar. Assim, verifica-se mais uma necessidade de aprimoramento na doutrina brasileira. Por sua correlação com o inimigo, os resultados relativos ao último questionamento também foram relacionados neste item. Assim, quando indagados sobre a relação de poder de combate necessária, representada pela proporção de forças necessária para o ataque, 93,74% responderam que ela deve ser maior que o previsto para operações convencionais em terreno aberto. Destes, 69,53% acreditam que deva ser consideravelmente maior e 24,21%, ligeiramente maior. Tabela 4: Poder relativo de combate: localidade X terreno convencional. Poder relativo de combate necessário para um ataque a localidade em comparação com ataque em terreno convencional Total de oficiais Freqüência consideravelmente maior 89 69,53% ligeiramente maior 31 24,51% igual 2 1,56% ligeiramente menor 5 3,91% consideravelmente menor 1 0,78% TOTAL 128 100% Fonte: o autor. Os dados obtidos corroboram com os resultados da pesquisa bibliográfica, que indicavam esta tendência em relação ao poder relativo de combate. O Exército 81 Brasileiro, contudo, não apresenta nenhuma menção em suas publicações de forma a particularizar a determinação do poder relativo de combate em operações em áreas edificadas. Em virtude de tal dissonância, tal parâmetro terá seu estudo aprofundado na análise dos casos históricos. 6.3 EM RELAÇÃO AO TERRENO O quarto questionamento versava sobre as características do terreno que exercem influência marcante na determinação do poder de combate necessário ao atacante. O objetivo era identificar e hierarquizar os principais aspectos no estudo do terreno, a fim de comparar sua ocorrência nos casos históricos, com o intuito de alcançar possíveis generalizações na determinação do poder de combate. As respostas de maior prevalência a esse quesito foram: tamanho da cidade (81,25%), existência / número de pontos sensíveis (81,25%), densidade das construções (75,78%) e existência de subterrâneos (68,75%). Tabela 5: Características do terreno com influência sobre o poder de combate necessário Características do terreno com influência sobre o poder de combate necessário Total de oficiais Freqüência Tamanho da cidade 104 81,25% Número de pontos sensíveis na zona de ação 104 81,25% Densidade das construções 97 75,78% Existência e características de subterrâneos 88 68,75% Largura das ruas 68 53,13% Número de pavimentos das construções 58 45,31% Tamanho dos quarteirões 47 36,72% Existência e características de obras de arte 16 12,5% Outros 7 5,47% Fonte: o autor A correlação entre o tamanho da cidade e o poder de combate necessário para atacá-la, evidenciada por grande parte dos entrevistados somente é convertida em dados mais concretos pelo Exército dos EUA, no manual de operações de armas combinadas em terreno urbano (ESTADOS UNIDOS, 2002a), conforme apresentado na revisão bibliográfica. Destaca-se ainda que a referida publicação ao classificar as cidades quanto ao tamanho, o faz relacionando este com o número de habitantes. Já o outro fator que teve maior incidência de respostas, representado pelo número de pontos sensíveis existentes em uma localidade, encontra correspondência direta com a doutrina brasileira. Esta, caracterizada no manual C 7- 82 20 – Batalhões de Infantaria prevê que tais pontos podem converter-se em objetivos de limpeza e/ou segurança, devendo ser empregada uma fração em sua manutenção (BRASIL, 2003). O maior número de pontos sensíveis representaria, portanto, maior necessidade de poder de combate. 6.4 EM RELAÇÃO A RESTRIÇÕES AO APOIO DE FOGO Em relação às restrições que o combate em localidade impõe ao apoio de fogo de artilharia e aéreo, 88,27% dos entrevistados respondeu de forma positiva, concordando sobre a influência de tal limitação no número de peças de manobra necessário a um ataque. Destes, 53,90% concordaram totalmente e 34,37% parcialmente. Tabela 6: Relação restrições apoio de fogo X poder de combate. As restrições ao apoio de fogo de Art e aéreo exercem influência no número de Peças de Manobra necessárias para o cumprimento da missão? Total de oficiais Freqüência concordo totalmente 69 53,91% concordo parcialmente 44 34,38% discordo parcialmente 11 8,59% discordo totalmente 4 3,12% TOTAL 128 100 Fonte: o autor. Tais restrições relacionam-se ao verificado na pesquisa bibliográfica apontando para a necessidade atual de minimizar danos colaterais quando do ataque a uma localidade. Já a relação existente entre o número de peças de manobra e o apoio de fogo disponível encontra correlação com o previsto no DAMEPLAN da ECEME (ECEME,2004). Nesta publicação, o poder de combate de uma força é definido pela fórmula a seguir: “Poder de combate = ( Σ valor relativo de combate dos Elm M X fator visibilidade X fator terreno e vegetação) + Σ valor relativo de combate dos Elm Ap F] X média dos fatores multiplicadores”. Assim, quando se considera que há uma redução do apoio de fogo disponível, é possível inferir que poderá haver uma maior necessidade de elementos de manobra a fim de manter a superioridade necessária no poder relativo de combate. 83 6.5 EM RELAÇÃO ÀS CONSIDERAÇÕES CIVIS Passou-se, a seguir, a questionar a amostra em relação à presença de civis e suas considerações sobre o planejamento de um ataque a uma localidade. Por ser um fator que a doutrina brasileira ainda não incluiu de forma tácita em seus manuais de planejamento, a amostra foi submetida a quatro perguntas, de forma progressiva. Inicialmente, verificou-se a percepção da possibilidade da existência de não combatentes em um combate em área urbana. Quanto a este aspecto, 41,40% afirmaram que sempre haverá presença de civis neste tipo de operação, enquanto que 56,25% dos entrevistados atestaram que isso ocorrerá na maioria das vezes. Tabela 7: Presença de civis no campo de batalha em operações de ataque a localidade. Presença de civis no campo de batalha em operações de ataque a localidade Total de oficiais Freqüência sempre 53 41,41% na maioria das vezes 72 56,25% apenas em determinados casos 3 2,34% nunca 0 0% TOTAL 128 100 Fonte: o autor Quanto à necessidade de estudar as considerações civis no planejamento das operações, 100% dos entrevistados respondeu positivamente, sendo que 89,06% concordaram totalmente e 10,93% parcialmente. Tabela 8: Inclusão das “Considerações Civis” no estudo de situação Necessidade de analisar “CONSIDERAÇÕES CIVIS” no estudo de situação, particularmente em operações em ambiente urbano Total de oficiais Freqüência concordo totalmente 114 89,06% concordo parcialmente 14 10,94% discordo parcialmente 0 0% discordo totalmente 0 0% TOTAL 128 100 Fonte: o autor Porém, quando questionados sobre a necessidade de incluir as considerações civis como um sexto fator de decisão, a prevalência reduziu-se, apesar de se manter positiva: 60,93% concordaram totalmente e 29,68% parcialmente. 84 Tabela 9: Considerações civis como sexto fator de decisão Considerações civis como sexto fator de decisão Total de oficiais Freqüência concordo totalmente 78 60,93% concordo parcialmente 38 29,68% discordo parcialmente 8 6,25% discordo totalmente 4 3,12% TOTAL 128 100% Fonte: o autor Dentre os aspectos relativos a considerações civis que mais se destacam e merecem ser incluídos na análise, as maiores preponderâncias foram de: atitude da população frente aos beligerantes (87,50%), lideranças existentes e seu grau de influência (85,93%), costumes e tradições locais (83,59%) e quantidade de civis presentes (82,81%). Tabela 10: Aspectos a serem analisados nas Considerações civis Devem ser incluídas na análise das “CONSIDERAÇÕES CIVIS” Total de oficiais Freqüência Atitude da população frente aos beligerantes 112 87,5% Lideranças existentes e seu grau de influência sobre a população 110 85,94% Costumes e tradições locais 107 83,59% Quantidade de civis presentes 106 82,81% Opinião pública local 101 78,91% Tendências e credos religiosos 93 72,66% Opinião pública internacional 86 67,19% Etnias 84 65,63% Presença de jornalistas e correspondentes de guerra 75 58,59% Tendências políticas 69 53,91% Aspectos legais 59 46,09% Outros 11 8,59% Fonte: o autor Assim, a análise dos resultados confirma que a doutrina militar terrestre brasileira deve aproximar-se dos demais países estudados, que já incluem este importante fator em suas publicações doutrinárias, conforme apresentado na revisão de literatura. Também coerente com o que prescrevem outros exércitos, as respostas apontam que todos os fatores relacionados devem ser analisados, com maior ou menor influência sobre as operações. 85 Dentre os aspectos com maior influência, verifica-se que aqueles de mais fácil estudo e generalização são os selecionados no referencial metodológico para caracterizar a variável “população civil” da presente pesquisa: quantidade de civis e atitude da população. A quantidade de civis por ser simplesmente expressa por um valor numérico e a atitude da população, que pode ser resumida como favorável, contrária ou neutra. 6.6 AVALIAÇÃO DA SIGNIFICÂNCIA DOS RESULTADOS DA PESQUISA O grupo selecionado para o presente estudo possuía uma variada experiência anterior sobre o assunto em tela. Assim, era possível que aqueles que tiveram maior vivência no tema, portanto capazes de responder com mais propriedade aos questionamentos apresentados, respondessem de forma significativamente diferente dos demais. Fez-se necessário, pois, elaborar uma rotina de instruções e atividades preliminares com intuito de nivelar os conhecimentos da amostra selecionada. Assim, esperou-se que todos os integrantes da amostra pudessem emitir opiniões fundamentadas. Os procedimentos metodológicos elaborados para a investigação foram rigorosamente observados. Porém, o experimento científico para ser considerado válido deve ter sua eficácia comprovada. Ao se analisar as respostas dos indivíduos da amostra como um todo era possível que se estivesse incorrendo em grave erro de unir indivíduos com experiências diferentes sobre o assunto, cuja opinião estivesse sendo mascarada pela generalização dos resultados do grupo. A fim de verificar se a metodologia empregada qualificou adequadamente os sujeitos da amostra e comprovar assim a significância e validade dos resultados obtidos foi empregado o teste do qui-quadrado (x2), conforme metodologia sugerida por GIL (2007). O teste do qui-quadrado é muito eficiente para avaliar a associação existente entre variáveis qualitativas (dados do tipo categórico). Destina-se a verificar se a freqüência absoluta observada de uma variável é significativamente diferente da distribuição de freqüência absoluta esperada. Para aplicação na pesquisa, os indivíduos pesquisados foram observados, conforme sua experiência anterior em assuntos relativos a combate em áreas 86 urbanas, de acordo com suas respostas à terceira pergunta da primeira parte do questionário. Tabela 11: Experiência anterior da amostra. Experiência anterior em operações de combate em áreas Total de oficiais Freqüência Projeto interdisciplinar do 2º ano da ECEME 128 100,00% Temas da EsAO 58 45,31% Adestramento nível Pel/ SU 46 35,94% Livros, revistas e documentários sobre o assunto 40 31,25% Manuais e publicações doutrinárias do Exército Brasileiro 34 26,56% Manuais e publicações doutrinárias de outros exércitos 17 13,28% Exercícios de simulação de combate 13 10,16% Missões reais 6 4,69% Adestramento nível Btl 6 4,69% Adestramento nível Bda e superiores 3 2,34% Cursos de aperfeiçoamento no exterior 1 0,78% Outros 5 3,91% urbanas Fonte: o autor. Passou-se, a seguir, a analisar forma quantitativa as respostas para avaliar o grau de experiência dos pesquisados. Para tanto, procurou-se grupar os indivíduos de acordo com o número de respostas assinaladas. Dessa forma, identificaram-se aqueles que tinham maior experiência (maior número de respostas) e aqueles cuja experiência era pequena e, portanto, cujas respostas dependiam significativamente das instruções preliminares e das atividades desenvolvidas no projeto interdisciplinar. Tabela 12: Quantidade de experiências anteriores. Número de experiências assinaladas Total de oficiais Freqüência 1 30 23,44% 2 42 32,81% 3 18 14,06% 4 23 17,97% 5 6 4,69% 6 4 3,13% 7 2 1,56% 8 3 2,34% Fonte: o autor A partir dos resultados acima, dividiu-se a amostra em dois grupos: 87 - grupo 1: com pouca experiência no tema – aqueles que assinalaram até duas respostas (72 militares – 56,25%); - grupo 2: com maior experiência no tema – aqueles que assinalaram três respostas ou mais. (56 militares – 43,75%). Os procedimentos elaborados para nivelamento dos conhecimentos e qualificação da amostra seriam válidos caso não houvesse diferenças significativas entre as respostas dos dois grupos. Isto representaria que os indivíduos com pouca experiência teriam a mesma percepção que aqueles com maior experiência anterior, permitindo o estudo do comportamento das freqüências como um todo e validando a metodologia empregada. Assim, ao avaliar a diferença das respostas dos dois grupos empregando o teste do qui-quadrado, buscou-se a comprovação de uma das seguintes hipóteses: H1 – Existe diferença entre as respostas assinaladas pelos grupos. H0 – Não existem diferenças entre as respostas dos grupos, isto é, as respostas seguem a mesma tendência, independente da experiência anterior dos sujeitos. Para análise, foram consideradas apenas as questões da segunda parte do questionário que permitiam somente uma resposta dos entrevistados, quais sejam, perguntas 1,2,5,6,7,9 e 10. Atendendo às limitações metodológicas do teste, as respostas aos questionamentos foram grupadas, de forma que não fossem verificadas freqüências inferiores a 5. Assim, em função do número de grupos de respostas analisados calculou-se o grau de liberdade de cada tabela de resultados. Adotou-se, por fim, para a presente pesquisa, o grau de significância de 5%, para a determinação do x2 crítico. Tabela 13: Resultado do teste do qui-quadrado. Pergunta Grau de liberdade X2 crítico (tabelar) X2 obtido 1 1 3,84 2,57 2 2 5,99 0,93 5 2 5,99 1,48 6 1 3,84 3,12 7 1 3,84 0,48 9 2 5,99 1,45 10 2 5,99 1,78 Fonte: o autor. 88 Observando-se os resultados da tabela 13, verifica-se que todos os valores de x2 obtidos são inferiores aos x2 críticos correspondentes. Isto significa que a hipótese nula não pode ser descartada, concluindo-se que não há associação entre a resposta apresentada e a experiência anterior do entrevistado. Portanto, pode-se inferir que os resultados apresentados pela amostra são significativos, permitindo sua generalização. Comprova-se também que a metodologia empregada possibilitou o adequado nivelamento de conhecimentos da amostra e sua apropriada qualificação para a investigação científica. 89 7 AS LUTAS POR GROZNY A República da Chechênia, cuja capital é Grozny, localiza-se no Cáucaso, próximo ao Mar Cáspio e ocupa um importante território, como rota de comércio, entre a Rússia e o Oriente Médio, abrigando ainda importantes gasodutos e oleodutos. Ao longo da história, a região foi palco de episódios sangrentos, envolvendo russos e chechenos, o que gerou um forte antagonismo e desejo separatista. A proclamação de sua independência foi realizada pelo Presidente checheno Jokar Duadyev, de forma inesperada, em 1991, quando da decadência do regime soviético. Segundo THOMAS (1999), seguiu-se um conturbado período, com várias tentativas de golpe de estado. Um movimento oposicionista, iniciado em 1993, secretamente patrocinado pela Rússia, culminou com um ataque armado em novembro de 1994. As forças de Dudayev repeliram a rebelião e o presidente desmascarou publicamente o apoio russo, constrangendo aquele país e fazendo com que Boris Yeltsin, então presidente da Rússia, ordenasse o avanço de tropas sobre a Chechênia. Assim iniciou a invasão russa, que, conforme BASTO (2003), tinha três grandes motivos: “derrubar o presidente Dudayev, esmagar as pretensões chechenas de independência e restaurar o controle político e econômico da Federação Russa sobre a região”. Durante as guerras da Chechênia foram travadas quatro batalhas por Grozny. A primeira, com a invasão russa em dezembro de 1994. A segunda (março de 1996), com a tentativa chechena de retomar a capital e a terceira (agosto de 1996), em que a capital efetivamente retornou ao controle checheno, encerrando a primeira guerra da Chechênia. A quarta batalha realizou-se em 1999, na segunda campanha russa, tendo como conseqüência a quase completa destruição da cidade. Grozny era uma cidade esparsa, construída às margens do Rio Sunthza, em uma área de aproximadamente 150 quilômetros quadrados, dotada de um setor industrial e um misto de casas com edifícios de 10 a 16 andares em seu centro. Possuía grandes avenidas, quarteirões bem ordenados e extensos subúrbios e, em dezembro de 1994, sua população era de cerca de 490.000 habitantes (THOMAS, 2002). Para a presente pesquisa foram estudadas a primeira e a quarta batalha por Grozny, por tratarem de operações desencadeadas pelo exército regular russo. 90 7.1 GROZNY I (1994) A primeira batalha por Grozny, iniciada no fim de 1994, durou até março de 1995 e fez parte da primeira Guerra da Chechênia. Segundo FAURBY e MAGNUSSON (1999), o plano de campanha russo envolvia quatro fases: 1ª fase – Tropas de fronteira deveriam cercar a Chechênia enquanto a Força Aérea garantiria o controle do espaço aéreo sobre o País. Por terra, três grupos de exército e tropas do Ministério do Interior avançariam de noroeste, oeste e leste em direção a Grozny e cercariam a cidade, deixando aberta uma saída a sul para que as forças chechenas pudessem deixar a localidade. Grozny não deveria ser atacada. 2ª fase – Controlar Grozny por meio da ocupação do palácio presidencial, outros prédios públicos, estações de rádio e televisão e outros objetivos importantes. 3ª fase – Realizar a “limpeza” das planícies, levando as tropas de Dudayev para as montanhas do sul do País. Enquanto isso, estabelecer um governo pró-russo nas áreas liberadas. 4ª fase – Eliminação dos bolsões de resistência nas montanhas do sul. A expectativa russa era de uma campanha rápida, em especial nas três primeiras fases, com uma duração que não excederia três semanas, conforme estudos de THOMAS (2002). O oponente, porém não tornaria a tarefa russa fácil. Segundo FAURBY e MAGNUSSON (1999), o planejamento checheno era evitar o combate com as forças russas em terreno aberto e retardar seu avanço por meio de emboscadas em florestas e áreas restritivas, de modo a ganhar tempo para a adequada preparação da defesa de Grozny, onde seria travada a batalha decisiva. Após desencadear ataques aéreos sobre a Chechênia, a partir de 01 de dezembro de 1994, os russos iniciaram a invasão em 11 de dezembro. Os chechenos tiveram sucesso no retardamento idealizado e a primeira fase que era planejada para ser executada em não mais que três dias, durou três semanas. (JENKINSON, 2002). A invasão militar e a indiscriminada campanha aérea, em particular, rapidamente modificaram a natureza do conflito de uma declarada ação de desarmamento de formações ilegais e intervenção para uma guerra total. A população da Chechênia, que possuía 30% de seus habitantes de origem russa, ao 91 verificar a extensão dos efeitos colaterais passou a ser totalmente contrária à ação da Rússia, apoiando as forças de resistência. (GRAU, 2002) Assim, as tropas chechenas não abandonaram a cidade pelo eixo aberto que os russos deixaram ao sul. Pelo contrário, utilizaram tal possibilidade para trazer mais reforços para a cidade, que vinham de outras regiões e até de outros países, que por razões étnicas e religiosas apoiavam os chechenos, inclusive com a presença de mercenários, conforme atestam FAURBY e MAGNUSSON (1999). As Forças Russas para o ataque à Chechênia, segundo JENKINSON (2002), totalizavam cerca de 38.000 homens e estavam assim organizadas: - Grupo de Exércitos do Oeste, composto principalmente pela 19ª Divisão de Fuzileiros Motorizada, 76ª Divisão de Pára-quedistas e pela 106ª Divisão de Pára-quedistas; - Grupo de Exércitos do Norte, composto principalmente pelo 81º Regimento de Fuzileiros Motorizado, pela 131ª Brigada de Fuzileiros Motorizada Independente e pelo 255º Regimento de Fuzileiros Motorizado. Posteriormente, para a conquista de Grozny este Grupo foi dividido em Grupo de exércitos de Norte e Nordeste. - Grupo de Exércitos de Leste, que consistia, em especial, do 129º Regimento de Fuzileiros Motorizado e da 104ª Divisão de Pára-quedistas. Os dados sobre as forças chechenas são bastante imprecisos. FAURBY e MAGNUSSON (1999) atribuem isso ao fato de haver relativamente poucas unidades militares organizadas e também por um considerável número de chechenos civis terem lutado durante a invasão russa e retornado a sua vida normal após os combates. Segundo JENKINSON (2002), a imprecisão também se deve ao número de estrangeiros oriundos do Iraque, Afeganistão, Índia, Paquistão, Azerbaijão, Sudão e Ucrânia, que se juntaram aos chechenos na luta contra os russos. As forças organizadas da Chechênia, conforme estudos de FAURBY e MAGNUSSON (1999) eram compostas, à época da invasão, pelas seguintes tropas: - Guarda Nacional do Presidente Dudayev – cerca de 120 homens; - Batalhão Abkhasian – cerca de 250 homens; - um Regimento de Carros de Combate – com aproximadamente 12 a 15 carros disponíveis; - uma Unidade de Artilharia – com cerca de 80 homens e 30 peças de artilharia; 92 - um “Batalhão de Comandos” motorizado – com cerca de 250 homens; - forças do Ministério do Interior – aproximadamente 200 homens. Porém, estudos de GRAU (2002) e GEIBEL (1996) atestam que durante os combates por Grozny, as forças chechenas, contando com civis e estrangeiros que participaram da batalha totalizaram cerca de 5.000 homens. Já THOMAS (1999) relata que o defensor combateu com cerca de 10.000 homens. Por outro lado, JENKINSON (2002) afirma que estes números estão superestimados, mas atesta entre 2.000 e 6.000 homens combateram pelos chechenos nas ruas de Grozny. As tropas russas somente chegaram à orla da cidade em 26 de dezembro de 1994. A partir daí realizaram uma progressão lenta pelos subúrbios até o dia 30 de dezembro, quando aguardaram ordem para o ataque decisivo à região central da cidade. Esta ordem partiu do Ministro da Defesa Pavel Grachev no dia 31 de dezembro de 1994. (THOMAS, 2002). 81º Rgt 131ª Bda Figura 3: O ataque de 31 de dezembro de 1994. Fonte: THOMAS, 2002. O plano de ataque inicial consistia em avançar por quatro eixos convergentes sobre o centro da cidade enquanto dois grupos Spetsnaz11, infiltrados por 11 Tropa de forças especiais russas 93 helicópteros, deveriam desorganizar a retaguarda chechena ao sul da cidade. Contudo, inebriado pelo aparente sucesso inicial, Grachev alterou o planejamento anterior e decidiu tomar o centro da cidade com um “golpe de mão”, avançando rapidamente pelos eixos principais com suas tropas mais móveis, sem o devido acompanhamento da infantaria. Tencionava assim terminar rapidamente a campanha, mas levou seus homens a uma humilhante derrota. (JENKINSON, 2002) Os chechenos combateram ferozmente e de forma inteligente. Atacavam as colunas de blindados, bloqueando as vias principais, forçando os carros a se dirigirem para ruas mais estreitas, onde destruíam o primeiro e o último carro da coluna. A partir daí, o comboio estava encurralado e os chechenos iniciavam sua aniquilação. Com tais manobras a 131ª Brigada Russa foi praticamente destruída, com a perda de 122 de seus 146 veículos blindados, e a morte de mais de 1.000 homens, inclusive seu comandante, apenas no primeiro dia de combate! (FAURBY e MAGNUSSON, 1999) Embora contando com apoio aéreo e um aparato militar de 4 para 1, as ações de cerco não forma realizadas conforme o planejado. Os chechenos estavam combatendo em seu território e estavam bem supridos. O moral checheno estava elevadíssimo e havia extrema confiança nas decisões de seus líderes. Todos os eixos de aproximação, ao iniciar o cerco, eram de total controle dos rebeldes. À medida que as unidades russas avançavam, cientes de sua inferioridade, os rebeldes realizavam uma verdadeira ação retardadora, ganhando tempo e desgastando as tropas russas. (SILVA, 2001) (grifo do autor) O ataque da véspera de ano-novo redundou em um inteiro fracasso para os russos. Contrariando seu planejamento inicial, as tropas de Grachev entraram em Grozny com apenas 6.000 homens e sofreram contundente derrota para os obstinados e astutos chechenos. Suas unidades foram bloqueadas nos eixos ou destruídas, esforços de resgate de unidades cercadas acabaram também aniquilados. Os grupos Spetsnaz, foram cercados e, por fim, renderam-se. Os chechenos dominavam também a guerra da informação. Sem qualquer prática com o trato com a imprensa, os russos ignoravam sua presença e não controlavam seu trabalho. De forma contrária, Dudayev patrocinava a vinda de órgãos de comunicação mundiais que cobriam os combates e, conduzidos pelos chechenos, evidenciavam atrocidades russas, em especial a destruição de alvos civis pela aviação ou artilharia, fazendo com que a opinião pública tendesse para o lado da Chechênia. (THOMAS, 2002) 94 Emboscadas chechenas Rota principal da forças russas Rota de resgate russa Figura 4: A reação chechena. Fonte: JENKINSON (2002), traduzido pelo autor. Os russos, então, decidiram mudar de tática. A partir de 04 de janeiro, os Grupos de Exército reorganizaram-se e, ao invés de simplesmente resgatar as unidades cercadas, passaram a realizar uma progressão sistemática, casa a casa, um edifício de cada vez, com largo emprego da infantaria a pé, apoiada por fogos aéreos e de artilharia, a fim de realmente expulsar os chechenos e não se submeterem a mais emboscadas. Enquanto isso, novas unidades russas eram enviadas ao campo de batalha. De 09 a 18 de janeiro de 1995 mais sete regimentos chegaram a Grozny. O número total de militares russos aproximava-se de 50.000 homens. A manobra russa passou a trazer resultados positivos. Em 18 de janeiro, as forças chechenas abandonavam o Palácio Presidencial e passavam a se concentrar na parte sul da cidade. Depois de um lento e metódico avanço, por fim, em 09 de fevereiro, as últimas forças resistentes deixavam a cidade, encerrando a primeira batalha por Grozny. Mas o fim da guerra ainda tardaria. (JENKINSON, 2002) Como saldo da batalha a cidade ficou parcialmente destruída. O largo emprego de fogos de apoio gerou, ainda, inúmeras baixas na população que ainda 95 permanecia na cidade. Segundo FAURBY e MAGNUSSON (1999), o secretário de direitos humanos russo, que esteve em Grozny durante a batalha afirmou que o número de mortos civis aproximava-se de 30.000 e um número de refugiados próximo a 300.000 pessoas. A resistência chechena passou para as montanhas e cidades menores. Em março de 1996, os combates voltaram a Grozny em uma tentativa de retomada da cidade. Na ocasião, um míssil matou o Presidente Dudayev. Em agosto de 1996 um acordo pôs fim à ocupação russa e à primeira guerra da Chechênia. O acordo não resolveu o conflito, mas adiou a decisão para 31 de dezembro de 2001, quando seria decidido o status da Chechênia, como nação independente ou integrante da Federação Russa. 7.2 GROZNY IV (1999) A Rússia, porém, não estava interessada em esperar até 2001 por uma solução diplomática. Incomodada com a possibilidade de separação, o País passou a se preparar para nova campanha. De acordo com THOMAS (2001), um ataque terrorista a um centro comercial em Moscou atribuído a chechenos e ações militares destes na região de Dagestan, em 1999, foram os motivos imediatos que levaram a Rússia a desencadear nova ofensiva rumo a Grozny. O Plano de Campanha russo, segundo JENKINSON (2002), era composto de três fases: - 1ª fase: bloquear e isolar as fronteiras da Chechênia e ocupar áreas para conter as forças de guerrilha; - 2ª fase: destruir os pontos fortes e instalações importantes chechenas, por meio de ataques aéreos; - 3ª fase: estabelecer uma estrutura de poder alternativa para contestar a legitimidade do atual Governo checheno. Assim como na primeira guerra da Chechênia, as forças russas eram compostas por três grupos de exércitos: Leste, Oeste e Norte. Um quarto grupo (Sul), foi adicionado posteriormente para operar junto às montanhas do Cáucaso. Totalizavam, dessa forma, cerca de 100.000 homens. O Grupo de Exército Norte seria designado como Grupo Grozny, por receber a missão de invadir a cidade. O mesmo era composto por duas brigadas, um regimento dotado de carros de 96 combate, apoio de artilharia e tropas de forças especiais, além de grupos de atiradores de elite e engenharia. (OLIKER,2007) A fim de assegurar as condições necessárias para as operações terrestres, a Rússia iniciou sua campanha aeroestratégica em 23 de setembro de 1999, atacando o aeroporto de Grozny, radares de defesa aérea, refinarias de petróleo, depósitos de combustível e instalações de energia. Devido à iminente ofensiva terrestre russa, a população de Grozny foi reduzida a menos de 50.000 pessoas. (JENKINSON, 2002) Após a primeira guerra da Chechênia, o exército russo estudou os erros cometidos e preparou-se para a nova campanha. Desta feita os combates de Grozny seriam diferentes. Segundo FAURBY e MAGNUSSON (1999), após atingir as cercanias da cidade em meados de outubro de 1999, os russos mantiveram o cerco por dois meses, realizando ações de reconhecimento e fogos de artilharia e aéreos, a fim de destruir os pontos fortes chechenos. Ao mesmo tempo, progrediram lentamente pelos subúrbios, conquistando áreas de apoio do inimigo. No início de dezembro, aviões russos lançaram panfletos sobre a cidade, ordenando a completa evacuação da cidade em cinco dias, instruindo os civis para utilizar rotas seguras e informando que não haveria negociações. Em 12 de dezembro, o Grupo de Exército Grozny iniciou a quarta batalha pela capital chechena. (OLIKER,2007). Coordenando suas ações com a milícia chechena que apoiava as forças russas, totalizando cerca de 5.000 militares, o Grupo de Exército Grozny se movimentava lentamente, casa a casa, quarteirão a quarteirão, realizando a “limpeza” da cidade por setores, a partir dos subúrbios ao norte da localidade. Fogos de artilharia e aéreos eram empregados em larga escala, buscando minimizar baixas amigas, diminuindo ao máximo o combate aproximado. Os russos seguiam, basicamente, os seguintes procedimentos: realizavam um reconhecimento inicial, identificando posições inimigas; saturavam a área por fogos; atiradores de elite faziam a proteção da infantaria; por fim, a infantaria avançava e reduzia quaisquer resistências locais, assegurando a posse do setor. (JENKINSON, 2002). As forças chechenas na cidade estavam estimadas em 2.000 a 2.500 homens, segundo CAMERON (2002), dotadas de armamento variado, que incluíam, lança-rojões, mísseis anticarro e carros de combate. Novamente, os dados acerca do efetivo de defensor eram conflitantes, com THOMAS (2002) afirmando que se tratavam de 5.000 homens. 97 As táticas de emboscada sofreram algumas modificações em função da forma lenta e sistemática de avanço russo. Contudo, por diversas vezes, os chechenos retomaram posições e quarteirões utilizando principalmente os esgotos e subterrâneos da cidade. Por estas vias causavam maiores danos à tropa atacante e geravam insegurança nas áreas de retaguarda. À medida que as forças russas se aproximaram do centro da cidade, os combates se tornaram mais intensos, com edifícios e instalações trocando de posse por seguidas vezes. O ritmo do avanço reduziu-se a 100 metros por dia e as construções mais altas, possíveis de serem utilizadas por atiradores de elite e que facilitassem a observação e condução de fogos passaram a ser acidentes capitais. (THOMAS, 2000). A artilharia dominava o campo de batalha. Historicamente os russos empregavam largamente seus fogos. Embora na primeira luta por Grozny a artilharia tenha desempenhado papel secundário, no fim de 1999 e início de 2000 foi utilizada amplamente. Quando uma peça de manobra se engajava decisivamente, procurava romper o contato e recuar, para que a área fosse saturada por fogos. Os russos não se importavam com danos colaterais e com a rapidez da ação, mas desta vez queriam prevenir o engajamento decisivo e minimizar suas próprias baixas. (JENKINSON, 2002) O combate urbano traz um desgaste psicológico muito grande às tropas. Por isso, as tropas russas fizeram rodízios mais freqüentes e substituições em suas unidades empregadas. Tal conduta, aliada aos reforços que chegavam à capital, fez com que, no fim de janeiro de 2000, praticamente todos os 100.000 homens do exército russo já tivesse atuado dentro ou nas cercanias de Grozny. (OLIKER,2007) Outra grande modificação em relação à primeira batalha por Grozny foi em relação aos meios de comunicação. Em 1994/1995, os russos ignoraram a imprensa e deixaram que os chechenos controlassem sua atuação, contando a versão deles dos fatos. Em 1999, os russos cadastraram todos os repórteres na região, criaram um centro de imprensa e realizaram um controle cerrado sobre todas as reportagens produzidas no campo de batalha. Assim, puderam conquistar o apoio da opinião pública russa, que passou a considerar a luta justa, por eliminar a ação de “terroristas” chechenos e garantir a segurança da Rússia. Também utilizaram a mídia para fins táticos, divulgando ações e alertando a população local sobre 98 ataques, incitando a retiradas e demonstrando alguma preocupação em garantir sua segurança.(THOMAS, 2001) No tocante à inteligência, também houve diferenças significativas para as forças russas. Conforme JENKINSON, (2002), diferente da primeira batalha em que faltaram cartas para os escalões menores e as poucas que restaram eram em escalas inadequadas, desta vez todos tinham bons mapas. Com o cerco mais demorado, foram realizados reconhecimentos detalhados e recrutados colaboradores, que se tornaram excelente fonte de dados para os russos. Um bom trabalho de inteligência resultou em um planejamento mais adequado do ataque, focando em localizar e destruir o inimigo, empregando desta vez uma combinação de poder de combate adequada à manobra. No fim de janeiro de 2000, as forças chechenas começaram a se retirar da cidade. Em 06 de fevereiro, a bandeira russa passou a tremular sobre as ruínas da capital da Chechênia. Não mais que 300 rebeldes permaneceram na cidade, em focos isolados de resistência. O grosso das forças havia sido destruído ou se retirado para as montanhas e cidades menores. O Grupo de Exército Grozny iniciou então a transferência do controle da cidade para tropas do Ministério do Interior. Estava terminada, assim, a quarta batalha por Grozny. Segundo estudos de THOMAS (2001), as perdas nesta batalha incluíram próximo a 4.000 guerrilheiros chechenos, aproximadamente 5.000 civis e 1.100 soldados russos. Mais de 230.000 pessoas foram deslocadas. Grande parte de Grozny e das cidades vizinhas foi reduzida a ruínas e, claramente, o povo checheno foi que sofreu as maiores perdas da guerra. 99 8 OS COMBATES NO IRAQUE A Guerra do Iraque foi o primeiro grande conflito armado do século XXI. Iniciou em março de 2003, quando forças de uma coalizão, composta principalmente pelos Estados Unidos da América (EUA) e pelo Reino Unido, invadiram o Iraque. A campanha terrestre foi rápida e, no início de maio, após a conquista de Bagdá e redução do poder militar iraquiano, o presidente dos EUA, George Bush, declarou encerradas as operações militares de vulto e deposto o governo de Saddam Hussein. Nas primeiras horas do dia 20 de março, após um breve ultimato norteamericano, iniciou a campanha aeroestratégica, tendo como principais alvos as sedes do Governo Iraquiano, buscando atingir o próprio Saddam e seus assessores mais importantes. Apenas 10 horas depois, as forças de coalizão lançaram uma avassaladora ofensiva terrestre, partindo do Kuwait rumo à capital iraquiana. As forças terrestres da coalizão (CFLCC12 – equivalente a FTC), comandadas pelo Tenente General Dave McKiernan, foram organizadas em dois componentes de valor Corpo de Exército: o V Corpo de Exército (V CEx) e a I Força Expedicionária de Fuzileiros Navais (I MEF). O V CEx estava integrado, basicamente, pelos seguintes elementos de manobra: 3ª Divisão de Infantaria (3ª Div Inf) e 101ª Divisão de Assalto Aéreo (101ª Div Ass Ae). A I MEF era composta pela 1ª Divisão de Fuzileiros Navais (1ª MARDIV), pela 2ª Brigada Expedicionária de Fuzileiros Navais (FT Tarawa) e pela 1ª Divisão Blindada do Reino Unido. A missão atribuída ao CFLCC incluía derrotar as forças iraquianas e controlar a zona de ação, assegurando a manutenção de regiões importantes e depondo o regime de Saddam Hussein. Em prosseguimento, deveriam ser conduzidas operações de estabilidade, a fim de criar condições para a transição para um comando combinado iraquiano. A direção estratégica utilizada foi Kuwait-Iraque, tendo em vista a Turquia e os demais países vizinhos não terem permitido a utilização de seus territórios para manobras terrestres. A zona de ação foi dividida em duas partes, cabendo à I MEF a porção leste e ao V CEx a porção oeste. O plano de campanha previa a mesma 12 CFLCC – Combined Forces Land Component Command – Comando do Componente Terrestre das Forças Combinadas. 100 divisão de responsabilidade sobre a conquista de Bagdá, com os limites estabelecidos, nesta cidade, pelo rio Tigre. Figura 5: Esquema de manobra do CFLCC Fonte: FONTENOT, DEGEN e TOHN (2004) O V CEx orientou seu esforço principal pela direção tática de atuação (DTA) balizada pela Rodovia 8, passando pela base aérea de Tallil, nos arredores de An Nasiriyah, e pelas cidades de As Samawah, An Najaf e Karbala, até chegar a Bagdá. O planejamento inicial previa evitar ao máximo o combate urbano, desbordando as cidades e procurando destruir as forças iraquianas em suas posições, impedindo seu retraimento para a capital. Contudo, a resistência enfrentada nas cidades e a ameaça aos eixos de comunicações e suprimentos fez com que o comandante do CFLCC, assessorado por seu estado-maior, autorizasse o emprego, pelo V CEx, da 101ª Div Ass Ae e da 82ª Div Aet (inicialmente reserva do CFLCC) na conquista das cidades de An Najaf e As Samawah, respectivamente. 101 O V CEx prosseguiu em seu avanço, empregando a 3ª Div Inf como vanguarda, até atingir Bagdá. Os principais objetivos de isolamento, denominados LIONS, SAINTS, TITANS e MONTGOMERY, incluíam, respectivamente, o Aeroporto Internacional e os entroncamentos de estradas que controlavam os acessos à cidade por sul, norte e leste. Tais objetivos foram vitais para que as forças americanas pudessem concentrar poder de combate junto à cidade e se preparar para a fase decisiva da campanha, a conquista da capital e a derrubada do regime. Na zona de ação de leste, a I MEF teve como primeiros objetivos conquistar o litoral do Iraque, proteger os campos de petróleo no sudeste do País e conquistar as cidades de An Nasiriyah e Basra, esta última a cargo da Div britânica. Como os combates em Basra se tornaram intensos, antes mesmo que a Div britânica a conquistasse, a I MEF prosseguiu em seu avanço rumo a Bagdá com a 1ª MARDIV, pela DTA balizada pela rodovia 7, isolando a capital por sudeste. A rodovia 2, ao norte de Bagdá, foi o único eixo que não foi barrado no isolamento da cidade. Contudo, ações desenvolvidas por equipes de forças especiais, pela 173ª Bda Pqdt e por demais elementos inseridos ao norte do País praticamente impediram a chegada de reforços por esta direção. Em 02 de abril, depois de conquistar o aeroporto de Bagdá e avaliando que o inimigo não teria fortes posições defensivas na cidade, o V CEx decidiu manter a impulsão e derrotar definitivamente o regime de Saddam. Assim, em 05 de abril, a 3ª Div Inf, empregando uma técnica já utilizada pela 101ª Div Ass Ae em An Najaf, ao invés do combate “casa-a-casa”, realizou um primeiro reconhecimento em força, por meio de uma força-tarefa blindada. Em face do sucesso alcançado, dois dias depois, dessa vez utilizando uma Brigada Blindada, a 3ª Div Inf investiu sobre a capital para conquistar e manter o objetivo Diane, no coração de Bagdá, incluindo as principais sedes do Governo. Após resistir a alguns contra-ataques nos dias seguintes, a divisão expandiu sua zona de ação, até que a I MEF atacou o lado leste da cidade e fez a junção com a brigada. Em 10 de abril, os últimos grandes combates foram travados para consolidação dos objetivos. Nesse momento, as forças iraquianas e o País já não possuíam um comando organizado, o regime estava derrubado e Bagdá sob controle da coalizão. A condução das operações em áreas urbanas durante a campanha militar no Iraque seguiu o planejado pelo Exército dos EUA nos anos que precederam a 102 guerra. Cientes das dificuldades que enfrentariam em cidades como Bagdá, que possuía cerca de 5 milhões de habitantes, os norte-americanos não desejavam repetir erros verificados em combates passados como Grozny, Hue, Stalingrado e Aachen. Estudos e treinamentos de táticas, técnicas e procedimentos foram exaustivamente desenvolvidos e aperfeiçoados, contribuindo de forma decisiva com o sucesso das operações. (FONTENOT, DEGEN e TOHN, 2004) 8.1 AS SAMAWAH As Samawah é uma cidade de tamanho moderado (cerca de 13 km2) localizada sobre o rio Eufrates e ao longo da rodovia 8, que balizava o eixo de progressão do V CEx. Situa-se a 265 km a oeste de Basra e 240 km a sul da capital do Iraque. Adicionalmente, a estrada de ferro que ligava Basra a Bagdá passava ao largo da cidade, a sul e oeste. A maior parte da cidade se encontra a sul do Eufrates. À época do conflito possuía cerca de 100.000 habitantes, sendo que muitos não abandonaram a localidade. Os primeiros contatos na cidade foram feitos por tropas de forças especiais infiltradas, indicando a presença de tropas da Guarda Republicana e forças paramilitares que, bem armadas, combatiam misturadas aos civis. A integração da tropa terrestre com a atuação das forças especiais em As Samawah foi considerada a melhor de toda a campanha no Iraque. Valiosas informações de inteligência foram repassadas, permitindo uma melhor decisão no decorrer da batalha. (FONTENOT, DEGEN e TOHN, 2004) O esquema de manobra original do V CEx previa um bloqueio de qualquer força inimiga na cidade, para permitir à 3ª Div Inf mover-se ao longo da borda oeste, em direção norte rumo aos próximos objetivos, junto à cidade de An Najaf. A intenção era a realização de um movimento rápido pelo eixo, sem deter-se limpando as cidades ao longo do caminho. A missão de garantir a segurança do eixo junto à cidade coube ao 3-7 CAV (Regimento de Cavalaria). O regimento combateu nas cercanias da cidade para assegurar a utilização das duas pontes que configuravam seus objetivos. Enfrentou milícias do partido Baath13 e tropas Fedayeen14 instaladas em prédios e construções adjacentes aos objetivos. 13 14 Partido nacionalista socialista do qual fazia parte Saddam Hussein. Milícia com origem nos refugiados palestinos. 103 A presença de tropas de paramilitares em As Samawah representava, no entanto, uma ameaça ao eixo de comunicações. O V CEx determinou, então, um desvio do fluxo logístico e que a 3ª Brigada assumisse o controle do isolamento da cidade. A missão da brigada foi prevenir a interrupção das linhas de comunicação. Caso saíssem da cidade para atacar, os iraquianos estariam abandonando as vantagens de combater em área urbana. Assim, a brigada passou a conduzir uma série de demonstrações de modo a manter a atenção dos iraquianos e efetivamente fixá-los na localidade, onde eles não poderiam atacar em nenhuma parte ao longo das linhas de comunicação. Figura 6: Desvio do fluxo e bloqueio da 3ª Brigada. Fonte: FONTENOT, DEGEN e TOHN (2004). Em 26 de março, a fim de liberar a 3ª Brigada para as ações em Bagdá, a 82ª Divisão Aeroterreste recebeu a missão de substituí-la nas ações em As Samawah. Para tanto, empregou a 2ª Brigada, reforçada pela FT 1-41IN (Unidade de infantaria mecanizada) e pela A/9-101 (companhia de helicópteros leves). Nas primeiras horas de 29 de março, a 2ª Bda, com cerca de 5.000 homens, assumiu a zona de ação com a composição de meios apresentada no quadro a seguir. (FONTENOT, DEGEN e TOHN, 2004) 104 Composição de meios 2ª/82ª Div Aet - 03 Rgt Inf (1-325 AIR, 2-325 AIR e 3-325 AIR) - 407 B Log Avçd (-) - FT 1-41st Inf (-)/ 3ª Bda/ 1ª Div Bld - B/307 Btl Eng - B/313 Btl Intlg Mil - B/82 Btl Com - B/3-4 AAAe (-) - 2/21 Guerra Química - 2/82 Políca militar (+) - 2/618 Cia Eng - Elm 301 Btl Op Psico - Gp /49 Dst relações públicas - 96th Btl Ass Civ (tático) - 2 Cias / Forças Iraquianas Livres - 2/319 GAC (105T) (-) Quadro 11: Composição de meios da 2ª/82ª Div Aet. Fonte: FONTENOT, DEGEN e TOHN, 2004. A missão da 2ª Bda era isolar As Samawah e proteger o eixo de comunicações do V CEx. A intenção do Cel Bray, Cmt da Brigada, era localizar e destruir as forças paramilitares inimigas na cidade, assegurar os eixos de suprimento em sua zona de ação, identificar grupos de apoio à coalizão e conduzir operações de vigilância e proteção. O estado final desejado era que as forças amigas pudessem se mover em segurança pelo eixo de comunicações e as forças paramilitares fossem destruídas, ou impedidas de conduzir operações organizadas ou influenciar as operações amigas na estrada principal de suprimento (EPS). (FONTENOT, DEGEN e TOHN, 2004) Por ocasião da substituição, o Cel Bray recebeu da 3ª Bda uma atualização dos conhecimentos de inteligência acerca do inimigo na localidade informando que, embora as forças inimigas fossem numerosas, eram pouco treinadas e mal lideradas. O valor do inimigo estimado era de uma companhia da Guarda Republicana (cerca de 500 homens), com a presença de Fedayeen locais (300 a 350 homens), 200 a 250 milicianos do partido Baath e aproximadamente 100 a 150 do Al Quds15. Havia outras forças inimigas que não foram identificadas previamente, como voluntários árabes que adentraram o Iraque, vindos da Síria e da Jordânia, nas últimas semanas. Estima-se que 40 a 50 voluntários sírios combateram na cidade. Totalizavam, portanto cerca de 1.200 homens, entre militares e paramilitares. Após os primeiros confrontos com o inimigo, rapidamente o Cel Bray e suas tropas mudaram de um ataque focado no terreno para um ataque focado no inimigo. As operações da brigada evoluíram para investidas sobre posições inimigas onde os paramilitares estavam concentrados. Isso desequilibraria os defensores, impedindoos de interferir no fluxo logístico. 15 Braço armado da organização palestina “Jihad Islâmica”. 105 Nos dias 29 e 30 de março, a Brigada conduziu reconhecimentos em força para colher dados acerca da localização, dispositivo, intenções e padrões de atuação inimigos. Nesse período pôde confirmar a superioridade no combate noturno e identificar técnicas, táticas e procedimentos iraquianos, que facilitariam o investimento posterior. Os iraquianos não seguiam regras para combater, utilizavam mesquitas, atiravam de hospitais e usavam ambulância para ressuprimentos. Eles fingiam se entregar com uma bandeira branca e depois se abaixavam atrás de um veículo e começavam a atirar. As informações sobre o inimigo vieram da tropa substituída, dos elementos de forças especiais e das forças em contato nos primeiros dias que a Brigada assumiu a zona de ação. A análise de todos os dados, além daqueles colhidos com radares, se mostrou bastante preciso. A cidade de As Samawah representou problemas para o V CEx desde o início das operações, pelos inúmeros ataques lançados sobre o eixo de comunicações e a EPS, colocando em risco o fluxo logístico das tropas que já atuavam em profundidade no terreno iraquiano. O Corpo de Exército decidiu, então, que a 2ª Bda / 82ª Div Aet deveria realizar um ataque sobre a cidade, investindo e limpando a mesma de uma vez por todas, como parte de cinco ataques simultâneos desferidos pelo V CEx em diversas localidades. Tal decisão resultou da necessidade de garantir o fluxo logístico através da Rodovia 8, que seria inatingível se o inimigo permanecesse na parte sudoeste da cidade. A partir da manhã de 30 de março, a Brigada conduziu uma série de ataques limitados oriundos do leste, oeste e sul da cidade, apoiando seu plano no estudo de situação desenvolvido pelo oficial de inteligência, em função das informações colhidas. Tal análise indicava que o inimigo combatia segundo certos padrões: nas cercanias da cidade ele empregava ataques suicidas; no interior da localidade combatia casa-a-casa, utilizando escudos humanos; e nas pontes e rodovias disparava rajadas de RPGs16 e morteiros. Ainda de acordo com dados colhidos das tropas substituídas e dos elementos de forças especiais, o comando da Brigada concluiu que o ataque deveria focar a liderança do partido Baath. Assim, elegeu como alvos prioritários os locais visualizados como centros de comando e controle do partido. 16 Rocket Propeled Granade – lança rojão de origem russa. 106 Em 31 de março, o 1-325 AIR17 atacou vindo de este e o 3-325 AIR atacou vindo de oeste, para retirar os defensores iraquianos e destruí-los, enquanto a FT 141IN, com duas Companhias de Infantaria Mecanizada, estabeleceu dois postos de controle ao sul da cidade e fez alguns avanços limitados para norte. Os iraquianos tentaram reforçar a cidade com elementos vindos de norte, mas os aviões AC-130 e A-10 CAS atacaram alvos ao norte do rio para impedir tal reforço. Helicópteros leves Kiowa foram de grande valia, atacando alvos localizados no interior da cidade pela tropa que avançava. Embora os iraquianos combatessem com determinação, a brigada manteve um constante progresso e avanço. Figura 7: Investimento sobre As Samawah. Fonte: FONTENOT, DEGEN e TOHN, 2004. O movimento em pinça dos dois batalhões obrigou as forças pró-Saddam a tentar escapar pelo norte da cidade, mas os helicópteros Kiowa Warrior atacavam os fugitivos e veículos armados inimigos. Ao pôr-do-sol do dia 31 Mar, os páraquedistas já haviam repelido os iraquianos da Rodovia 8. No dia 01 de abril, os ataques continuaram contra objetivos com alcance para o tiro indireto sobre o eixo de comunicações do V CEx. O 2-325 AIR, que tinha 17 AIR – Airborne Infantry Regiment – Regimento de Infantaria Aeroterrestre. 107 recém chegado a As Samawah, em 31 de março, participou do ataque a partir de 02 de abril, avançando na direção oeste ao longo das pontes sobre o rio. No dia 03 de abril, a Brigada conduziu uma série de ataques na cidade, enquanto as armas de longo alcance da FT 1-41 IN continuavam a bloquear a cidade pelo sul. No dia seguinte, a Brigada ordenou que o 2-325 AIR e a FT 1-41 IN conquistassem as pontes sobre o rio Eufrates, liberando completamente a utilização do eixo de comunicações. Este ataque combinado expulsou as forças iraquianas envolvidas em um combate casa-a-casa. Alguns oponentes se renderam e outros foram mortos e, ao meio-dia, o ataque estava concluído. Agora, com as pontes asseguradas, os iraquianos não poderiam mais enviar reforços para o sul e a missão estava concluída. 8.2 AN NAJAF Assim como As Samawah, An Najaf está localizada ao longo do rio Eufrates com várias pontes cruzando o rio. A rodovia 9 é paralela ao rio e incide diretamente através da cidade. A rodovia 28 também é paralela ao rio, mas passa alguns quilômetros a oeste da cidade. Sua localização permitia que qualquer força iraquiana na cidade, convencional ou paramilitar, pudesse interditar a utilização de ambas as rodovias e comprometer o avanço do V CEx. Os comandantes da coalizão esperavam poder evitar um combate em An Najaf. Os líderes não viam muitos benefícios no envolvimento em um combate de rua que poderia representar um ataque ao Islã. An Najaf, que ocupava cerca de 36 km2 tinha cerca de 500.000 habitantes, não se tratava de um objetivo inicial, por diversas razões: por ser uma cidade xiita, onde o regime de Saddam Hussein era, por assim dizer, impopular; por não haver informações e estimativas de presenças de forças regulares e do número de milícias e paramilitares; e, principalmente por ser considerada por xiitas muçulmanos como uns dos lugares mais sagrados do mundo, visto que o cemitério da cidade contém a tumba de Ali, enteado e primo de Maomé e fundador do secto xiita. A manobra da 3ª Div Inf não incluiu a limpeza da cidade, mas a conquista de duas pontes chaves ao norte e ao sul da cidade e o posicionamento de forças a este e oeste da cidade, efetivamente isolando a cidade. Para a conquista e manutenção desses objetivos as tropas de infantaria apenas realizaram a limpeza das 108 construções que se localizavam ao longo da rodovia e próximas aos objetivos. (ESTADOS UNIDOS, 2007) Embora o comando do V CEx esperasse evitar o combate em localidades como An Najaf, essa possibilidade passou a ser cada vez mais considerada. Inicialmente, já se raciocinava que as milícias e os paramilitares deveriam estar dentro da cidade ocupando posições defensivas, mas não contavam com sua tenacidade e fanatismo. Os constantes ataques sofridos pelas tropas que estavam posicionadas no entorno da cidade fizeram com que fosse cada vez mais necessário o uso de tropas isolando a área urbana, pois a livre utilização das rodovias que por ela passavam era fundamental para assegurar o eixo de comunicações e a manutenção do fluxo logístico. Com a necessidade de liberar o prosseguimento da 3ª Div Inf rumo a Bagdá, o V CEx decidiu empregar a 101ª Divisão Aeroterrestre (Assalto Aéreo) para isolar e, eventualmente, investir sobre An Najaf modificando, assim, os planejamentos inicialmente concebidos para o emprego da divisão. Isso resultou em novos planejamentos e reorganização face à grande área de operações recebida e a necessidade de ligar-se com a 82ª Div que operava em As Samawah. Para o cumprimento da missão o Cmt (Maj Gen PETRAEUS) dispunha das 1ª e 2ª Bda, visto que a 3ª Bda estava comprometida assegurando outros objetivos e preparando-se para o emprego em profundidade face às divisões da Guarda Republicana. A divisão foi reforçada ainda pela FT 2-70 AR (Força-Tarefa Regimento Blindado), que já se encontrava na região há vários dias, sendo empregada junto à 2ª Bda. Totalizava, dessa maneira, cerca de 12.000 homens. (FONTENOT, DEGEN e TOHN, 2004). Desenvolvendo seu esquema de manobra, o estado-maior da 101ª Div Aet estimou as rotas de exfiltração que os iraquianos estavam utilizando para sair de An Najaf e atacar as unidades norte-americanas e o eixo de comunicações. Também foram analisadas determinadas rotas que davam acesso a An Najaf, vindo do norte. Para atualizar informações de inteligência foram utilizadas imagens de satélite, informações das equipes de forças especiais e da tropa substituída (3ª Div Inf). Não havia dúvida de que as forças da coalizão não fizeram uma boa estimativa das capacidades e intenções do inimigo em An Najaf antes dos combates, mas em 28 de março, quando os primeiros elementos da 101ª Div Aet adentraram a cidade, todos já possuíam uma imagem bem mais clara da situação. 109 Figura 8: Rotas de infiltração/exfiltração de milícias em An Najaf. Fonte: FONTENOT, DEGEN e TOHN, 2004. Os iraquianos que defendiam An Najaf totalizavam de 1500 a 2000 homens, incluindo paramilitares e algumas tropas regulares, a saber: 01 DGS (batalhão de emergência), com 400 a 500 homens; 600 a 800 Fedayeen; 200 a 300 milicianos do Partido Baath; e 200 a 500 Al Quds. (FONTENOT, DEGEN e TOHN, 2004). No dia 29 de março, a FT 2-70 AR recebeu o reforço da 1ª Cia / 502º Inf Aet e realizou a limpeza da parte nordeste de Al Kifl estabelecendo uma posição de bloqueio com uma companhia. Uma companhia passou a defender a importante ponte e outra subunidade foi enviada para norte e leste da cidade para interromper o fluxo de paramilitares vindos de Al Hillah. Apesar disso, o comando norte-americano julgava a presença de milícias e paramilitares na cidade como uma ameaça latente, que poderia sair e realizar ataques e incursões sobre o eixo de comunicações e a estrada principal de suprimento (EPS), prejudicando as operações em profundidade. Para o isolamento foram empregadas, então, a 2ª Bda ao norte, reforçada pela FT 2-70 AR e a 1ª Bda ao sul, reforçada por uma SU da FT 2-70 AR, que permaneceu no ponto de controle e bloqueio CHARLIE. Esta, para assegurar a região e garantir melhor proteção e segurança de suas tropas realizou, com o 1-327 110 IN e a FT2-327 IN ataques limitados sobre as construções da orla sul da localidade, limpando-as. Figura 9: Isolamento de An Najaf. Fonte: FONTENOT, DEGEN e TOHN, 2004. O plano de operações dividiu a cidade em setores retangulares, empregando um método para rápida referência de forma a melhor coordenar fogos e identificar áreas já limpas. Utilizando um software altamente sofisticado, as unidades imprimiram mapas detalhados de sua zona de ação, facilitando a identificação de alvos, orientação e coordenação. Embora a Divisão fosse utilizar duas Brigadas para o investimento, a 2ª ao norte e a 1ª ao sul, coube à 1ª Bda a condução das ações iniciais. A Brigada iniciou seu ataque em 31 de março, a partir de um ponto forte conquistado pela FT 1-237 IN. Uma pequena força-tarefa da FT 2-327 IN realizou um reconhecimento em força, apoiada por artilharia e fogo aéreo, que travou os primeiros embates com o inimigo e abriu brechas em um campo minado identificado. 111 Figura 10: Ataque inicial da 1ª Bda/101ª Div Aet. Fonte: FONTENOT, DEGEN e TOHN, 2004. Utilizando a combinação infantaria carros, com apoio de fogo aéreo e de helicópteros, a 1ª Bda foi metodicamente conquistando partes da cidade e, eventualmente localizando zonas de reunião das milícias do partido Baath. Em An Najaf grande parte da população não queira combater as forças norteamericanas nem obstruir seus esforços. Com intuito de manter essa neutralidade, contando com colaboradores locais, a 1ª Brigada evitou ataques a regiões e locais considerados sagrados e não realizou qualquer ação durante os períodos de oração. A fim de colaborar com a Divisão em conquistar o apoio da população, grupos de operações psicológicas também tiveram participação marcante, explorando o respeito à religião islâmica e o direito de oração nas mesquitas. Atendendo ao princípio de Sun Tzu, que prevê que não se deve encurralar o inimigo, mas deixar uma saída para conduzi-lo ao local que se pretende, a Brigada não bloqueou a saída norte da cidade. Posteriormente, passou a realizar emboscadas nesta região com fogo de helicópteros e snipers18. Embora a operação de conquista de An Najaf tenha durado cinco dias, o ponto de inflexão foi quando a Cia A/2-70 AR realizou um ataque relâmpago, 18 Atiradores elite. No Exército Brasileiro: caçadores. 112 chamado “Thunder Run”19, no centro da cidade, demonstrando a força de combate norte-americana e realizando um movimento sem qualquer empecilho para a força blindada. No próximo dia uma ação semelhante foi realizada na parte este da cidade. Estes dois ataques e tal demonstração de superioridade de força acabaram por quebrar a resistência do inimigo. Figura 11: Itinerário de ataque da Cia A/2-70 AR. Fonte: FONTENOT, DEGEN e TOHN, 2004. A 2ª Bda atacou pelo norte, dentro do setor estabelecido pela Divisão, que estabeleceu medidas de coordenação necessárias para evitar o fogo fratricida, por meio de um limite de avanço. Ao fim do dia 04 de abril, a 101ª Div Aet controlava toda a cidade, passando então à adoção das medidas necessárias para a condução de operações de estabilidade e apoio. Durante os combates em An Najaf, o apoio de fogo proporcionado pelos helicópteros e pela força aérea foi decisivo para destruir as construções utilizadas pelas milícias, pontos fortes dos Fedayeen, pontos de ressuprimento e paióis, sem causar maiores danos colaterais. As lições essenciais desse combate urbano foram a utilização de armas combinadas, forças leves e pesadas, incursões blindadas e a aplicação de apoio de fogo aéreo preciso. Essas táticas evoluíram rapidamente de acordo com a atuação do inimigo e constituíram um bom ensaio para as próximas ações em Bagdá. 19 Thunder Run – traduzido literalmente como “corrida do trovão”. 113 8.3 BASRA A cidade de Basra está localizada no sudeste do Iraque, junto ao canal Shatt- Al-Arab, a 55 quilômetros do golfo Pérsico e 545 km de Bagdá. É a segunda maior cidade do Iraque, ocupa uma área de cerca de 100 km2 e tem uma importância econômica muito grande como centro do poder econômico, pois em seu entorno existem grandes áreas petrolíferas e refinarias. Possui uma grande parte de sua população de origem sunita e por isso esperava-se um forte apoio ao regime de Saddam Hussein. Segundo estudos do Exército Francês (FRANÇA,2003), o valor do inimigo presente dentro da cidade era da ordem de 2.000 homens. Conforme FONTENOT, DEGEN e TOHN (2004), antes da invasão, próximas à cidade, estavam posicionadas ainda a 51ª Divisão Mecanizada, ao sul de Az Zubayr (sudoeste de Basra) e a 6ª Divisão Blindada, ao norte de Basra. Como nas demais cidades as forças regulares que permaneceram no interior da localidade retiraram seus uniformes e combateram misturadas à população, juntamente com milícias do partido Baath, Fedayeen e árabes de outros países. Basra estava situada na porção leste da zona de ação do CFLCC, atribuída à I MEF, que, para as ações na cidade empregou a 1ª Divisão Blindada do Reino Unido. Esta, tinha em sua composição a 7ª Brigada Blindada, a 16ª Brigada de Assalto Aéreo e a 3ª Brigada de Comandos, compondo um efetivo de cerca de 22.000 homens. O primeiro objetivo das forças britânicas, contudo, era conquistar a península de Al Faw e assegurar o acesso ao estrategicamente importante porto de Umm Qasr. Após quatro dias do início da campanha a 51ª Divisão Iraquiana foi retirada de suas defesas dos campos de petróleo. A 3ª Brigada de Comandos assegurou a infra-estrutura crítica de petróleo em Al Faw e o porto de Umm Qasr. A 16ª Brigada de Assalto Aéreo ocupou os campos de petróleo de Rumaylah e repeliu a 6ª Divisão Blindada Iraquiana para o norte, de forma a impedi-la de interferir nas operações da coalizão. (INGLATERRA, 2003) Após a conquista das primeiras regiões, a 1ª Div Bld recebeu a tarefa de proteger o flanco direito das forças americanas, à medida que estas avançavam para o interior do país, evitando as ameaças às linhas de comunicações e ao fluxo logístico. Para tal, deviam neutralizar a resistência iraquiana em torno da cidade de 114 Basra, enquanto monitoravam a situação dentro da cidade, para assegurar a não ocorrência de danos à população civil. (FERREIRA, 2003) Era importante prevenir que as Forças do Iraque não utilizassem Basra como base para ataques às áreas de retaguarda das forças de coalizão. Em quatro dias, as forças britânicas já haviam tomado o Aeroporto de Basra, a despeito de enfrentarem enorme resistência inimiga, e passaram a expandir seu controle sobre a região. A cidade não foi cercada totalmente em nenhum momento. A população civil era livre para entrar e sair a qualquer instante, embora por vezes estivessem sob fogo das forças leais a Saddam Hussein. (INGLATERRA, 2003) A 7ª Brigada Blindada conquistou, então, as pontes sobre o canal Shatt-Al Basrah, a oeste de Basra. Embora sob constante ataque de forças regulares e irregulares iraquianas, este era o mais crucial terreno a ser dominado, a fim de atingir o objetivo determinado no plano de operações de proteger o flanco direito do avanço das tropas dos EUA para isolar Bagdá. (INGLATERRA, 2004) Figura 12: Entorno de Basra. Fonte: FARREL, 2006. Enquanto isso, a sudoeste da cidade, os elementos da 7ª Brigada Blindada estavam sob fogo de forças irregulares a partir do interior da localidade de Az Zubayr e seu entorno. Tropas do Reino Unido se viam sob intensos fogos de metralhadora e anticarro sempre que se aproximavam da cidade. A potente brigada poderia ser empregada sobre Az Zubayr (100.000 habitantes) e, em seqüência, sobre Basra (1,25 milhão de habitantes). Mas isso traria desnecessárias baixas civis e militares e consideráveis danos colaterais. A necessidade de evitar comparações com Grozny e Stalingrado influenciou no planejamento tático, pois a possibilidade de tais comparações era provavelmente o 115 que o regime de Saddam desejava, na esperança de solicitar apoio da comunidade internacional a fim de pôr um fim ao conflito. (INGLATERRA, 2004) Em vez de atacar diretamente, a 7ª Brigada manteve a iniciativa do combate por meio de ações de inteligência e ataque limitados e precisos sobre instalações do regime e passou a prestar apoio físico e moral as comunidades atingidas. Pontos de controle no entorno de Az Zubayr controlavam o movimento e serviam de um ponto de apoio para a população local fazer contato com as forças britânicas, assim como uma base, a partir da qual poderiam ser montadas tanto operações ofensivas como humanitárias.(INGLATERRA, 2003) Por sua vez, a 3ª Brigada de Comandos avançou em direção a Basra a partir do sul, combatendo para assegurar a conquista da localidade Abu Al Khasib (100.000 habitantes), 10 km a sudeste de Basra. Em algumas áreas, a brigada encontrou sérias dificuldades, engajando-se em um combate aproximado intenso durante o período de 30 de março a 03 de abril, até que a área estivesse segura. Após uma semana de operações, a 7ª Brigada, que aproveitava todas as oportunidades de emprego de suas unidades para missões limitadas e focais, foi expandindo sua área de controle até que, em 01 de abril, a brigada conquistou Az Zubayr e as forças irregulares que ali estavam foram eliminadas, capturadas ou se evadiram. Ao longo do tempo, ações similares foram sendo desenvolvidas em Basra, muitas destas pela iniciativa de pequenas frações até o nível subunidade. Estas ações, combinadas com fogos de artilharia e aéreos precisos que atacavam alvos do partido Baath, aos poucos minavam a vontade de lutar das forças iraquianas, sempre com a preocupação de minimizar efeitos colaterais. Embora em nenhum momento a tropa britânica tenha efetivamente cercado a cidade, os ataques partindo dos pontos-fortes estabelecidos nas pontes do Satt-AlBasrah, aliados ao forte trabalho de inteligência e operações psicológicas, penetraram fundo tanto na cidade como nas mentes daqueles que resistiam. A iminente derrocada do regime de Saddam na cidade acabou por encorajar aqueles que eram contra o mesmo. Uma série de ataques nos dias 04 e 05 de abril enfraqueceram de forma significativa a liderança Baath na cidade. A queda da vizinha Az Zubayr, em apenas dez dias, a presença de tropas do Reino Unido patrulhando e ajudando a população nas cidades já liberadas como Al Faw, Umm Qasr e Rumaylah e a notícia que as 116 tropas dos EUA já ameaçavam Bagdá criaram na localidade as condições necessárias para que, em 06 de abril, as Forças Britânicas entrassem em Basra e efetivamente derrubassem o regime na cidade.(INGLATERRA, 2004) O ataque foi realizado por setores e de forma simultânea, a fim de impedir qualquer reação do inimigo. A pequena resistência foi rapidamente subjugada pelo poder de fogo britânico, pelo adequado emprego combinado da infantaria e de carros de combate e pela determinação das tropas atacantes. No dia seguinte, a cidade já estava liberada e o trabalho de reconstrução poderia ser iniciado. (FARREL, 2006) Figura 13: Ataque final a Basra Fonte: FARREL, 2006. O planejamento minucioso e a execução sincronizada das ações fizeram com que os números de baixas junto à população civil fosse o mínimo possível. As forças britânicas foram bem recebidas pela população e rapidamente buscaram contato com suas lideranças regionais para o restabelecimento da Força Policial local. Após uma semana da tomada da cidade, iniciava-se o policiamento com patrulhas de militares britânicos e policiais iraquianos pela cidade. (FERREIRA, 2003) As Forças Armadas britânicas demonstraram estar altamente preparadas para o combate urbano, em especial porque possuíam uma experiência particular em operações urbanas a partir de combates na Irlanda do Norte e nos Bálcãs, desenvolvendo valiosas táticas que foram empregadas nos combates no Iraque. 117 8.4 BAGDÁ Bagdá é a capital do Iraque, centro do poder político e uma das maiores cidades do Oriente Médio. Possuía da ordem de 5 milhões de habitantes em 2003, ocupando uma área de cerca de 500 km2. Localiza-se no interior do Iraque, a cerca de 500km por estrada da fronteira com o Kuwait. É cortada pelo Rio Tigre, no sentido norte-sul, que praticamente divide a cidade ao meio. A capital iraquiana constitui-se no grande objetivo operacional da campanha militar terrestre, pois sua conquista representaria a derrubada do regime de Saddam Hussein. No planejamento da operação, foi verificada, ainda, a necessidade de rapidez nas ações, tendo em vista o débil apoio internacional às ações das tropas de coalizão A cidade foi isolada pelas zonas de reunião avançadas, que impediam a chegada de reforços, bem como mantinham os defensores no interior da cidade. A partir dessas áreas, tanto o V CEx como a I MEF podiam lançar seus ataques para conquistar pontos críticos, destruir forças iraquianas e, caso necessário, efetuar a limpeza da cidade. O isolamento foi vital para as forças americanas concentrarem poder de combate junto à cidade e prepararem-se para a fase final da campanha, a conquista de Bagdá e a derrubada do regime. Caberia, portanto, à 3ª Div Inf / V CEx a parte oeste da cidade, enquanto a 1ª MARDIV / I MEF conquistaria a parte leste, com o limite das zonas de ação marcado pelo Rio Tigre. (FONTENOT, DEGEN e TOHN, 2004) Figura 14: Objetivos de isolamento do V CEx Fonte: FONTENOT, DEGEN e TOHN, 2004. 118 Durante a consolidação dos objetivos de isolamento, os elementos de inteligência norte-americanos realizaram um criterioso levantamento da cidade mapeando e numerando cada construção e setor da cidade e levantando os possíveis alvos de relevância que pudessem degradar o regime e retirar seu controle sobre a capital e o país. Antes do ataque à cidade, os americanos esperavam um intenso combate urbano, contra as forças mais experientes e melhor treinadas do Iraque, leais a Saddam, lutando no seu terreno e pela própria sobrevivência. O esforço de inteligência procurando identificar a ameaça a ser enfrentada na cidade foi intenso. No início da campanha, estimativas indicavam que não mais que 9 a 12 companhias da Guarda Republicana conseguiriam retrair, de forma desorganizada, para o interior de Bagdá. Documentos capturados revelaram um plano detalhado, dividindo a cidade em setores e defendendo a cidade de uma forma semelhante aos chechenos na primeira batalha por Grozny. O aeroporto internacional e o complexo do palácio seriam os locais mais bem defendidos da cidade. A presença de paramilitares em grande número era esperada, mas até o início dos combates não havia uma idéia clara de como eles combateriam. Com o desenrolar da campanha, a Guarda Republicana foi derrotada, mas não destruída. A quantidade de veículos e equipamentos abandonados pela tropa de elite de Saddam deixou em dúvida a capacidade de defesa dessa força na capital. Imagens de satélite e outros informes inexplicavelmente quase não apresentavam trabalhos de fortificações na cidade. Foram identificadas apenas algumas posições de tiro, mas nada que caracterizasse uma defesa organizada. Relatórios de inteligência apresentavam apenas a presença de pequenas unidades, com deficiente comando e controle. Contudo, as forças milicianas e paramilitares ainda apresentariam resistência durante os avanços sobre a cidade. No início de abril, as forças iraquianas dentro da capital totalizavam cerca de 15.000 homens, enquanto que o efetivo das tropas da 3ª Div Inf e da I MARDIV ao redor da cidade chegavam a 60.000 militares.(EASON, 2003). Até o início das ações na cidade havia dúvidas sobre como se desenrolaria a batalha por Bagdá. Após a conquista do aeroporto internacional, pela 3ª Div Inf, as dúvidas foram dirimidas. O combate seria intenso, mas não como Grozny. A 119 conquista de um dos pontos críticos anteriormente levantados demonstrou que as incursões blindadas seriam factíveis. O “Thunder run” era como um ataque de varredura ou reconhecimento / demonstração em força, em que uma poderosa força blindada americana passava por um trajeto pré-determinado da cidade de modo a causar impacto nos habitantes e testar as defesas inimigas, combatendo com qualquer força inimiga pelo caminho e assegurando a liberdade de ação e movimento das tropas norte-americanas. Em 05 de abril, a 2ª Brigada conduziu o primeiro “Thunder run” em Bagdá, empregando uma FT valor batalhão, a FT 1-64 AR. A missão da FT consistia em conduzir um reconhecimento em força para norte, para determinar o dispositivo inimigo, sua força e vontade de lutar. O eixo de ataque percorria uma distância de 20 km até chegar ao aeroporto e juntar-se à 1ª Bda. O poder de combate da FT consistia de 29 CCs, 14 Bradleys, alguns M-113, conduzindo centenas de soldados. Figura 15: Thunder Run I. Fonte: FONTENOT, DEGEN e TOHN, 2004. A missão foi desencadeada às 06 horas da manhã, com alguma incerteza de como as coisas iriam se desenrolar. Durante 2h e 20 min a FT combateu duramente contra forças regulares e irregulares iraquianas, que atiravam de todas as 120 construções, procuravam criar abatizes improvisadas para deter o movimento e por vezes lançavam ataques suicidas sobre o comboio. A FT combateu ferozmente nas ruas da cidade, mas conseguiu chegar com relativa segurança ao objetivo Lions (aeroporto internacional), controlado por forças amigas. O sucesso da operação indicou que Bagdá seria defendida energicamente, mas o inimigo não poderia prolongar sua resistência. Apesar do sucesso da operação, com apenas um morto americano, alguns feridos e um CC inutilizado, o ministério da informação iraquiano produziu imagens e noticiou o ataque de uma forma distorcida relatando que os americanos estavam sendo expulsos da cidade e fugiam das hordas iraquianas. Esta campanha, mais do que afetar a moral dos atacantes, contribuiria para reforçar a vontade de lutar e a esperança de vitória dos iraquianos. O comando norte-americano decidiu, então, que um novo ataque deveria ser lançado, e breve. Embora os combates tenham sido intensos e ferozes, a resposta iraquiana ao primeiro ataque evidenciou que as defesas iraquianas não eram sofisticadas e integradas como se temia. Mais ainda, o ataque mostrou claramente que os iraquianos foram pegos de surpresa e a coalizão mantinha a iniciativa. Em 07 de Abril, foi lançado, então o segundo “Thunder run”, dessa vez empregando toda a 2ª Bda. O propósito dessa nova missão seria demonstrar a determinação norte-americana e facilitar a queda do regime de Saddam. A missão seria atacar e conquistar o objetivo Diane. Compreendendo a intenção do escalão superior e o propósito final da missão, o comandante teria a liberdade de ação necessária para que, caso houvesse condições para tal, permanecer no centro de Bagdá, estabelecendo um ponto-forte. O Cel Perkins, Cmt Bda estabeleceu quatro condições básicas para decidir atacar e permanecer no centro da cidade: - a 2ª Bda ter sucesso no seu combate no interior de Bagdá; - conquistar um importante, simbólico terreno de valor defensivo em Bagdá; - abrir e manter um eixo de comunicações e suprimento em Bagdá; - ressuprimento suficiente para permanecer durante a noite. Segundo MARTIN (2004), o esquema de manobra previa as seguintes missões para os elementos subordinados: 121 - FT 1-64 AR - conquistar objetivo Diane (túmulo do soldado desconhecido e o parque e zoológico adjacentes); - FT 4-64 AR - conquistar objetivos Woody West e Woody East (dois palácios de Saddam, ao longo do rio Tigre); - FT 3-15 IN - manter o objetivo Saints e o eixo de comunicações e rota de suprimento (Rodovia 8), conquistando os três maiores entroncamentos ao longo da estrada – objetivos Curley, Larry e Moe. Figura 16: Thunder run II. Fonte: FONTENOT, DEGEN e TOHN, 2004. O ataque iniciou em 07 de abril às 0600h e as FTs enfrentaram uma série de intensos combates. Às 0700h um foguete ou míssil atingiu o centro de operações táticas (COT) da brigada, causando várias baixas e comprometendo o comando e controle por cerca de uma hora. Os engajamentos seguiram ferozes, os objetivos foram conquistados no centro de Bagdá, e a permanência no centro da cidade dependeria apenas da manutenção do eixo de suprimento. O Cel Perkins sabia que a Brigada tinha apenas 4 horas de combustível a partir da linha de partida. Por fim, contando com reforços do escalão superior (advindos da 1ª Brigada), a 2ª Brigada assegurou suas posições e os eixos correspondentes, mantendo-se no terreno. 122 Figura 17: Dispositivo de manutenção do objetivo DIANE. Fonte: FONTENOT, DEGEN e TOHN, 2004. Na parte leste da cidade, a 1ª MARDIV / I MEF, composta por 4 regimentos (cada um de valor semelhante a uma brigada, com três batalhões) cruzou o rio Diyala e conquistou a Base Aérea de Rasheed em 08 de abril. No dia seguinte, prosseguiu seu avanço pela porção leste de Bagdá até estabelecer a ligação com a 3ª Div Inf, que expandia o objetivo conquistado e repelia pequenos contra-ataques iraquianos. (FERREIRA, 2003) Em 10 de abril, a 3ª Div Inf realizaria os últimos grandes ataques, por meio da 3ª Brigada, para consolidar o objetivo Titans, ao norte da cidade. Desarticuladas a Guarda Republicana e a Guarda Especial Republicana, seus soldados e oficiais retornaram para casa. Os paramilitares, milícias e mercenários internacionais esconderam-se, aguardando a definição de como os americanos iriam proceder. O regime estava derrubado, a campanha fora rápida, mas estava por vir a fase mais difícil da operação – a transição. 8.5 FALLUJAH A conquista de Bagdá marcou a derrota do regime de Saddam Hussein. Contudo, algumas batalhas se sucederam por diversas cidades no interior que representavam núcleos de resistência, mesmo após a declaração do Presidente dos 123 EUA de que estavam encerradas as grandes operações militares. O maior destes combates viria a acontecer um ano depois, na cidade de Fallujah. Fallujah está situada às margens do rio Eufrates, a 70 km a oeste de Bagdá. Com cerca de 200 mesquitas, era um importante centro regional sunita e sua população apoiava fortemente o partido Baath durante o governo de Saddam Hussein. Muitos dos habitantes eram extremistas árabes que repugnavam qualquer presença estrangeira. Em 2003, tinha uma população da ordem de 350.000 habitantes. A cidade ocupava cerca de 25 quilômetros quadrados e possuía 2.000 quarteirões, com ruas estreitas, becos e apenas algumas avenidas. Era cortada no sentido leste-oeste pela larga rodovia 10 (seis faixas), que dividia a cidade ao meio. Ao norte da rodovia ficavam as melhores casas e ao sul, as mais pobres. A maioria das casas tinha no máximo 02 andares. Desde a queda do regime em Bagdá, a cidade foi um foco de resistência constante, sendo ocupada por diversas tropas da coalizão, que não tiveram êxito em pacificar a área. Inclusive 02 batalhões das forças iraquianas livres que começavam a se estabelecer foram deslocados para a região, sem sucesso. No princípio de 2004, a situação no Iraque estava cada vez pior. No sul, milícias xiitas haviam assumido o controle de diversas cidades, enquanto em Fallujah aumentava a instabilidade. Após uma série de assassinatos e atos terroristas, a I Força Expedicionária de Fuzileiros Navais (I MEF), que estava com a responsabilidade sobre a cidade, desencadeou um primeiro grande ataque a Fallujah, em 04 de abril de 2004. Para o ataque, a cidade foi isolada com 02 batalhões enquanto 04 batalhões realizavam o investimento. Após a condução de uma preparação com ataques aéreos e de artilharia precisos sobre alvos identificados como focos de insurgentes, as tropas iniciaram a progressão na área urbana. Os combates foram intensos, casa a casa, quadra a quadra, com inúmeras baixas de ambos os lados. Após cinco dias de batalha, quando a I MEF já havia conquistado metade da cidade, o comando das Forças de Coalizão, em uma decisão política, ordenou a interrupção dos ataques. As baixas e os danos estavam grandes e eram explorados pela mídia. Altos integrantes do Novo Conselho de Governo do Iraque ameaçavam rejeitar a presença das forças de coalizão caso o ataque não cessasse. 124 Com o cessar-fogo por parte dos fuzileiros, os insurgentes voltaram a se armar e recompletaram suas reservas de munição e armamento aproveitando comboios de ajuda humanitária que chegavam à cidade. As tropas americanas deixaram a cidade no início de maio, mantendo, porém suas posições no isolamento da mesma. Fallujah passou a ser um símbolo da resistência ao Governo interino do Iraque, formado em junho de 2004. Com o agravamento da situação interna, o Governo decretou estado de emergência em grande parte do País e foi autorizado um novo ataque, que deveria ser forte o suficiente para obter resultados decisivos. Em 30 de outubro, foram iniciados os ataques aéreos e fogos de artilharia. No dia 05 de novembro, a energia elétrica foi cortada e panfletos foram lançados sobre a cidade alertando a população sobre o ataque iminente. Com isso, 70% a 90% dos habitantes deixaram seus lares e a população foi reduzida a cerca de 70.000 pessoas. Durante os meses que precederam o ataque, um massivo esforço de inteligência, utilizando forças especiais, imagens de satélites, veículos aéreos não tripulados (VANT) e informantes locais permitiram às tropas norte-americanas uma completa avaliação do inimigo a enfrentar. As forças insurgentes totalizavam cerca de 3.000 homens, dos quais aproximadamente 20% eram de milícias islâmicas estrangeiras. Acreditava-se ainda que Abu Musab al-Zarqawi, terrorista jordaniano da Al Qaeda, estava infiltrado na cidade e sua captura passou a ganhar alta prioridade. (FRANÇA, 2006) Os iraquianos haviam transformado a cidade em uma posição fortificada, com túneis escavados entre as posições e interligados com a rede de esgotos para permitir deslocamentos em segurança. Armadilhas e barricadas foram preparadas e uma grande quantidade de armamento e munição armazenada. Para a operação de ataque a Fallujah foi designado como comandante o Tenente-General Sattler, dos fuzileiros navais dos EUA (Marines). Segundo GOTT (2006), as forças envolvidas, de valor divisão, estavam assim organizadas: - Força-tarefa Regimento 1 (RCT-1) – composta pelo 3º Btl / 1º Rgt Fuz Nav, 3º Btl/ 5º Rgt Fuz Nav, Força-tarefa 2-7 CAV / 1ª Div Cav (nível Unidade) e uma companhia de carros de combate dos fuzileiros navais; - Força-tarefa Regimento 7 (RCT-7) – composta pelo 1º Btl / 8º Rgt Fuz Nav, 1º Btl/ 3º Rgt Fuz Nav e Força-tarefa 2-2 INF / 3ª Bda / 1ª Div Inf (nível Unidade) e uma companhia de carros de combate dos fuzileiros navais; 125 - 2ª Brigada / 1ª Divisão de Cavalaria - 05 batalhões iraquianos: 1º e 4º /IIF20, 5º e 6º / IAF21 e 36º Btl Comando. As forças iraquianas livres, que apoiavam a operação com 05 batalhões, deveriam ser empregadas para apoio às operações e tarefas de manutenção de objetivos e edificações já conquistadas. Contudo, também eram ideais para realização de ações em mesquitas que estivessem sendo usadas pelos insurgentes e para ações de controle de distúrbios. O planejamento da operação previu que a 2ª Brigada, juntamente com o 6º Btl /IIF, realizaria o isolamento da cidade, impedindo a saída ou entrada de insurgentes. A Forças-tarefas Regimento, que por sua constituição apresentavam valor semelhante a uma brigada, deveriam realizar o investimento progredindo de forma paralela, com a RCT-1 atacando pela porção oeste da cidade e a RCT-7 na parte leste. A manobra era simples, mas exigia a coordenação entre as diversas forças envolvidas: exército, fuzileiros navais e forças iraquianas. A surpresa tática foi atingida quanto à direção do ataque, por meio de uma ação diversionária realizada ao sul com uma intensificação de fogos e intensa movimentação de tropas. Isto atraiu a atenção do inimigo enquanto as Forças-tarefas preparavam-se para atacar pelo norte. O ataque começou no dia 07 de novembro, com uma ação preliminar rápida do 36º Btl Comando (iraquiano) para conquistar o Hospital Geral de Fallujah no oeste da cidade e do 3º Rgt de reconhecimento leve dos fuzileiros navais para assegurar as pontes ao sul do hospital. Dessa forma, estariam bloqueadas as rotas de fuga por oeste e garantida a utilização do hospital para atender baixas civis. 20 IIF – Iraqi Intervention Forces – Forças de intervenção iraquianas, embrião de novas forças policiais iraquianas. 21 IAF – Iraqi Army Forces – Forças do Exército Iraquiano, embrião do novo exército iraquiano. 126 Figura 18: Dispositivo para o ataque em 08 de novembro. Fonte: GOTT, 2006. Às primeiras horas do dia 08 de novembro, o ataque principal foi desencadeado, com as Forças-tarefas empregando os blindados em primeiro escalão acompanhados de elementos a pé. O combate se deu casa a casa, quadra a quadra. Fogos de artilharia, morteiros e dos carros de combate, além de ataques aéreos eram empregados para eliminar bolsões de resistência. A resistência foi grande, mas menos do que inicialmente esperado, confirmando a surpresa pretendida com a ação diversionária. À medida que era pressionado, o inimigo utilizava os túneis construídos para se deslocar e abandonar prédios atingidos. No dia seguinte, os fuzileiros navais ampliaram a frente de ataque, pressionando os insurgentes em toda a frente. Os bairros da parte norte da cidade já estavam tomados e a força atacante penetrava fundo na cidade. Em dado momento, os fogos aéreos e de artilharia tiveram que ser suspensos pela grande concentração de tropas na cidade e o risco de fratricídio. 127 Figura 19: Prosseguimento do ataque em 09 de novembro. Fonte: GOTT, 2006. A progressão era lenta, porém segura. Cada prédio e construção eram limpos, com a descoberta de inúmeros depósitos de munição e armamentos das forças insurgentes. Muitos desses estavam bem escondidos, provavelmente para serem utilizados após os combates para novas ações de resistência. A FT 2-2 INF foi a primeira tropa que atingiu a linha de controle FRAN (rodovia 10), bloqueando mais esta saída para as forças inimigas e criando uma nova alternativa para ressuprimento das tropas atacantes. No início do dia 11 de novembro, tanto a RCT-1 como a RCT-7 já haviam pressionado o inimigo para a porção sul da cidade. Com o alcance da linha de controle FRAN pelo escalão de ataque, as forças norte-americanas realizaram uma pausa para ressuprimento e coordenação, bem como assegurar a limpeza das áreas ultrapassadas. A maior parte das mesquitas e prédios importantes já havia sido conquistada, com destacada atuação das forças iraquianas na ocupação das primeiras. Ao fim do dia 11 de novembro, o ataque prosseguiu rumo à extremidade sul da cidade, balizada pela linha de controle JENA. 128 Figura 20: Prosseguimento do ataque em 11 de novembro. Fonte: GOTT, 2006 Os intensos combates perdurariam por mais três dias até que as tropas atacantes atingissem o limite sul da localidade. Mais de 300 insurgentes se renderam, muitos deles em uma única mesquita. Foram encontradas centenas de fuzis AK-47, munição anticarro, granadas de morteiro e explosivos improvisados em casas e mesquitas. Contudo, os comandantes norte-americanos temiam que cachês e locais de homizio tivessem sido ultrapassados e viessem a se transformar em novos focos de resistência. As Forças-Tarefas retornaram, então pela mesma zona de ação, “limpando” mais uma vez a cidade, agora no sentido sul-norte. Para este novo ataque, as forças foram divididas em suas frações mais elementares, a fim de que todos os lugares da localidade fossem revistados. Por fim, no dia 16 de novembro de 2004, a cidade de Fallujah foi considerada segura pelas forças de coalizão, embora pequenas ações ainda fossem desencadeadas nas próximas semanas. 129 Figura 21: Limpeza das áreas ultrapassadas em 15 de novembro. Fonte: GOTT, 2006 Ao término das ações grande parte das estruturas da cidade estava seriamente abalada. Mais de sessenta por cento das construções da cidade foram danificadas, vinte por cento foram destruídas por completo e sessenta por cento das mesquitas foram duramente atingidas. Iniciava-se o duro trabalho de reconstrução. Quanto às ações desencadeadas verifica-se o notável esforço de inteligência, que permitiu à forças atacantes o perfeito conhecimento acerca do inimigo e que o investimento fosse realizado em condições adequadas. Destaca-se ainda a perfeita integração e coordenação obtida entre as tropas do exército e dos fuzileiros navais, além da participação importante das forças livres iraquianas. Por fim, foi possível comprovar a experiência adquirida em combates urbanos durante a campanha terrestre para a conquista de Bagdá, conforme afirma GOTT (2006): Em novembro de 2004, as forças do exército e fuzileiros navais no Iraque haviam desenvolvido tremenda habilidade em táticas, técnicas e procedimentos no ambiente urbano. Muitos, senão a maioria, dos oficiais e praças eram veteranos da invasão do Iraque, em março e abril de 2003, e subseqüente ocupação do País. (tradução do autor) 130 9 ANÁLISE DOS RESULTADOS DA PESQUISA HISTÓRICA Os casos históricos estudados representam os maiores combates urbanos dos últimos quinze anos. Exércitos de todo o mundo estudam os detalhes destas batalhas, procurando depreender as lições aprendidas, a fim de aprimorarem suas doutrinas de emprego e se prepararem para o cenário mais provável das guerras do século XXI. A análise dos dados obtidos pela pesquisa histórica foi feita comparativamente com aspectos doutrinários dos países estudados e os resultados auferidos com a pesquisa de campo, a fim de que fosse possível chegar a conclusões pertinentes que tivessem validade efetiva para o aprimoramento da doutrina militar terrestre brasileira. O poder de combate necessário para a condução de um ataque a uma área edificada foi estabelecido como a variável dependente e seu estudo que a seguir é descrito foi conduzido buscando-se uma correlação com as variáveis independentes. Em cada análise, a fim de minimizar fatores externos, as variáveis intervenientes que não puderam ser isoladas, por tratar-se de emprego da metodologia de estudo ex-post-facto, tiveram sua influência avaliada. Para mensuração do poder de combate empregado pelos diversos países analisados e a fim de facilitar a comparação de estudo foram adotados como parâmetros o número de divisões, ou de brigadas empregadas no caso de emprego de apenas uma divisão. A maior dificuldade residiu na avaliação do Exército Russo, por sua constituição particular e a existência de um escalão acima de divisão denominado Grupo de Exércitos que não encontra similar na doutrina do Exército Brasileiro. 9.1 FORMA DE MANOBRA A forma de manobra utilizada pelos atacantes é considerada pelos exércitos estudados como um fator que acarreta diferenças no poder de combate necessário. Particularmente no caso de um ataque sistemático, casa a casa, considera-se a necessidade de um maior número de meios em relação a um ataque dirigido a pontos mais importantes da localidade. Em determinadas ações, as duas manobras podem ocorrer. Analisando particularmente a primeira batalha por Grozny verifica-se que inicialmente os russos buscaram o investimento seletivo, com a conquista do palácio presidencial e de mais 131 alguns pontos sensíveis. Contudo, por falhas no planejamento, insuficiência de meios e avaliação equivocada das possibilidades inimigas, o ataque inicial, da noite de 31 de dezembro de 1994, redundou em completo fracasso. Após reformular seu planejamento o exército russo optou pela continuação do ataque empregando uma progressão casa a casa, de forma sistemática. Tal medida, com a devida concentração de meios e modificação de procedimentos, resultou no sucesso tanto da campanha de 1995, quanto em 1999/2000. O quadro a seguir apresenta as formas de manobra adotadas nas batalhas estudadas na presente investigação. A fim de permitir uma separação em dois grupos homogêneos, as manobras que contemplem ataques a pontos importantes previamente selecionados, sem caracterizar o investimento sistemático casa a casa, serão definidas como ataques seletivos. Poder de combate Batalha Manobra Grozny I (ataque inicial) Ataque seletivo Grozny I (prosseguimento) Ataque sistemático Grozny IV Ataque sistemático 4 Grupos de Exércitos As Samawah Ataque sistemático 1 Brigada An Najaf Ataque seletivo 1 Divisão (2 Brigadas) Basra Ataque seletivo 1 Divisão (3 Brigadas) Bagdá Ataque seletivo 2 Divisões (7 Brigadas) Fallujah Ataque sistemático 1 Divisão (3 Brigadas) atacante 1 Divisão 4 Grupos de Exércitos (5 Divisões) Quadro 12: Manobras empregadas nas batalhas estudadas. Fonte: o autor. O quadro apresentado não permite inferências ou conclusões sobre a influência da forma de manobra no poder de combate necessário de forma isolada, pois há necessidade de verificação dos demais parâmetros estabelecidos. Nos estudos a seguir estes dados foram conjugados para obtenção de respostas mais efetivas. Por tratar-se de um ataque mal sucedido, a investida russa inicial sobre Grozny não foi estudada na comparação das demais variáveis. Sua apresentação neste item destaca apenas a possibilidade de formas de manobra diferentes em uma mesma campanha e a evidente diferença de meios entre as mesmas. 132 9.2 PODER DE COMBATE X TERRENO O próximo aspecto estudado foi o terreno, de acordo com o estudo apresentado e encontrando fundamentação doutrinária no que prescreve o Exército dos EUA, que estabelece uma correlação básica entre o poder de combate a ser empregado e o tamanho da cidade a ser atacada. Ressalta-se ainda que a ECEME também vem adotando esta correlação em alguns temas táticos que envolvem a conquista de cidades. Passou-se, então, à comparação dos casos históricos estudados. No quadro a seguir eles foram ordenados de acordo com o tamanho da cidade, expresso pela sua população total quando da época dos combates, sendo feita também uma correlação com a dimensão aproximada da área construída. Cidade Bagdá População Área da cidade 5.000.000 hab Basra 1.250.000 hab An Najaf Grozny I 500.000 hab 490.000 hab Poder de combate atacante 2 2 Divisões (7 Brigadas) 2 1 Divisão (3 Brigadas) 2 1 Divisão (2 Brigadas) 2 4 Grupos de Exércitos (5 Divisões) 2 4 Grupos de Exércitos 500 km 100 km 36 km 150 km Grozny IV 490.000 hab 150 km Fallujah 350.000 hab 25 km2 1 Divisão (3 Brigadas) As Samawah 100.000 hab 13 km2 1 Brigada Quadro 13: Relação tamanho da cidade x poder de combate empregado Fonte: o autor Os dados apresentados não apresentam relação de proporcionalidade entre o tamanho da cidade e o poder de combate empregado. Contudo, a situação se modifica quando se diferencia a forma de manobra empregada para a conquista da área urbana. As cidades de Fallujah, As Samawah e Grozny foram conquistadas por meio de um combate sistemático casa a casa, enquanto Bagdá, Basra e An Najaf, conforme apresentado na descrição das batalhas, foram conquistadas por meio de ataques focais, dirigidos a pontos e áreas importantes. Assim, analisando separadamente os combates, de acordo com a forma de manobra empregada, foi possível chegar a resultados que indicam relação entre o tamanho da cidade e o poder de combate da força atacante. Observando os resultados abaixo se identifica a perfeita correlação entre o tamanho da cidade e sua população e o poder de combate empregado, dentro da mesma forma de manobra. Percebe-se também a comprovação de que o ataque 133 sistemático necessita de um poder de combate significativamente superior, conforme estabelecem os exércitos estudados em suas publicações doutrinárias, sendo, portanto, mais adequado para cidades menores. Forma de manobra Ataque seletivo Ataque sistemático Cidade População Área Bagdá 5.000.000 hab 500 km2 1.250.000 hab 2 1 Divisão (3 Brigadas) Basra Poder de combate 100 km 2 Divisões (7 Brigadas) An Najaf 500.000 hab 36 km2 1 Divisão (2 Brigadas) Grozny I 490.000 hab 150 km2 4 Grupos de Exércitos (5 Divisões) Grozny IV 490.000 hab 150 km2 4 Grupos de Exércitos Fallujah 350.000 hab 25 km2 1 Divisão (3 Brigadas) As Samawah 100.000 hab 13 km2 1 Brigada Quadro 14: Influência da forma de manobra no poder de combate. Fonte: o autor Outra inferência possível a partir dos resultados acima é a observância do prescrito na doutrina do Exército dos EUA (ESTADOS UNIDOS, 2002a) que prevê o emprego do escalão brigada para ataques a cidades de até 100.000 habitantes e divisão ou escalões superiores para áreas urbanas maiores. De todos os casos analisados somente para a conquista de As Samawah (100.000 habitantes) foi empregada uma brigada, em todas as demais cidades o valor mínimo da tropa necessária a sua conquista foi uma divisão de exército. 9.3 PODER DE COMBATE X INIMIGO A revisão bibliográfica demonstrou que o inimigo em um combate em localidade, em geral não se apresenta como uma tropa regular e, quando esta se faz presente, muitas vezes combate misturada à população ou em conjunto com forças irregulares. Portanto, torna-se difícil uma avaliação precisa em termos de valor e a mensuração adequada para estabelecimento de uma correlação que possa indicar qual o poder relativo de combate necessário para a operação. A fim de estabelecer um parâmetro a ser estudado, a presente investigação procurou levantar os efetivos totais empregados pelos oponentes, buscando estabelecer uma correlação entre eles. Assim, verifica-se a possibilidade de correspondência de duas formas: a partir do escalão empregado e do seu efetivo. 134 Cidade Grozny IV Poder de combate empregado 4 Grupos de Exércitos Efetivo atacante 100.000 h Efetivo inimigo 5.000 h Proporção de forças 20:1 Bagdá 2 Divisões (7 Brigadas) 60.000 h 15.000 h 4:1 Grozny I 4 Grupos de Exércitos (5 Divisões) 50.000 h 10.000 h 5:1 Fallujah 1 Divisão (3 Brigadas) 38.000 h 3.000 h 13:1 Basra 1 Divisão (3 Brigadas) 22.000 h 2.000 h 11:1 An Najaf 1 Divisão (2 Brigadas) 12.000 h 2.000 h 6:1 1 Brigada 5.000 h 1.200 h 4:1 As Samawah Quadro 15: Poder de combate x efetivo inimigo Fonte: o autor Os dados da força atacante representam todo o efetivo empregado para a conquista da cidade, incluindo as tropas que conquistaram objetivos de isolamento e aquelas que efetivamente investiram sobre a localidade. Cabe ressaltar que o efetivo inimigo apresentado carece de maior precisão, em virtude de tratar-se em sua maioria de forças irregulares e os dados disponíveis serem, por vezes, conflitantes. A fim de minimizar possíveis erros procurou-se relacionar no quadro o maior valor atribuído às forças inimigas, representando assim a pior hipótese para as forças atacantes. Os dados de efetivo quando comparados são extremamente genéricos e sua aplicação pode suscitar dúvidas em especial pela diferença de natureza das tropas quando se compara um exército regular atacante com forças irregulares. Outro questionamento poderia ser em relação à utilização do valor total do efetivo atacante, incluindo tropas que não estariam diretamente envolvidas com o combate e não representariam propriamente os elementos de manobra. Entretanto, trata-se de uma generalização, visando estabelecer uma correlação básica ou um parâmetro inicial de estudo. Os fatores intervenientes relativos a cada operação em particular deverão ser cuidadosamente analisados quando do planejamento, buscando a realização das adaptações necessárias. Assim, em uma primeira análise, poder-se-ia afirmar que a relação de forças necessária para um ataque a uma área edificada é significativamente superior a de 3 atacantes por defensor preconizada nas publicações doutrinárias para operações em terreno convencional ou “aberto”. Tomando por base as batalhas estudadas 135 pode-se afirmar que o poder relativo de combate mínimo seja de 4 atacantes por defensor. Contudo, os dados de poder relativo de combate devem ser comparados com os demais já analisados, a fim de identificar se existe alguma correlação entre a proporção de forças e os fatores manobra e terreno. Manobra Ataque seletivo Ataque sistemático Cidade População Poder de combate Bagdá 5.000.000 hab 2 Divisões (7 Brigadas) Proporção de forças 4:1 Basra 1.250.000 hab 1 Divisão (3 Brigadas) 11:1 An Najaf 500.000 hab 1 Divisão (2 Brigadas) 6:1 Grozny I 490.000 hab 4 Grupos de Exércitos (5 Divisões) 5:1 Grozny IV 490.000 hab 4 Grupos de Exércitos 20:1 Fallujah 350.000 hab 1 Divisão (3 Brigadas) 13:1 As Samawah 100.000 hab 1 Brigada 4:1 Quadro 16: Poder relativo de combate x forma de manobra Fonte: o autor Observando os resultados no quadro acima, verifica-se que, em relação aos casos analisados, não há correlação que permita inferir uma proporção de forças ideal ou poder de combate a ser empregado em função da população da cidade ou da forma de manobra adotada. Os fatores intervenientes em cada operação fazem com que tal relação varie, mas sempre acima dos valores previstos para o terreno convencional. 9.4 PODER DE COMBATE X POPULAÇÃO A última variável estudada foi a população presente e as considerações civis decorrentes. Para tanto, verificou-se a quantidade de habitantes que permaneceu na cidade durante os ataques e procurou-se classificar sua atitude em relação às tropas atacantes como favorável, contrária ou neutra. Estes aspectos foram selecionados como indicadores da variável de estudo e considerados na pesquisa de campo como alguns dos mais relevantes relacionados a considerações civis. O critério de escolha, pois, abrangeu a importância e a facilidade de mensuração. Analisando os casos históricos relacionados, verifica-se que somente em Grozny IV e Fallujah houve uma redução significativa da população por ocasião do ataque, devido às fortes campanhas psicológicas desencadeadas pelas forças 136 atacantes. Nas demais cidades os combates foram desencadeados com a presença significativa de civis, com seus riscos e problemas decorrentes. 490.000 Pop remanescente 50.000 Atitude da Pop Contrária 4:1 5 milhões 5 milhões Neutra 4 Grupos de Exércitos (5 Divisões) 5:1 490.000 490.000 Contrária Fallujah 1 Divisão (3 Brigadas) 13:1 350.000 70.000 Contrária Basra 1 Divisão (3 Brigadas) 11:1 1,25 milhão Neutra An Najaf 1 Divisão (2 Brigadas) 6:1 500.000 500.000 Neutra 1 Brigada 4:1 100.000 100.000 Neutra Grozny IV Poder de combate empregado 4 Grupos de Exércitos Proporção de forças 20:1 Bagdá 2 Divisões (7 Brigadas) Grozny I Cidade As Samawah Pop Total 1,25 milhão Quadro 17: Influência da população no poder de combate Fonte: o autor As populações das cidades em que suas atitudes foram consideradas neutras não tiveram participação marcante em apoio a nenhuma das forças. É interessante abordar que tal situação, por vezes, foi conseguida pela própria força atacante, que desencadeou suas ações após uma minuciosa análise de inteligência e campanhas psicológicas, respeitando costumes e tradições locais e procurando sempre minimizar danos colaterais. Como exemplos destacam-se a atuação do exército britânico em Basra e a ação norte-americana em An Najaf. Assim, ao analisar o quadro acima, não é possível concluir que a variável população, sob a ótica dos indicadores número de civis e atitude, exerça influência significativa sobre o poder de combate necessário para a força atacante. Pode-se considerar que tal variável seja considerada como interveniente, isto é, merece ser estudada, modifica o cenário envolvido, mas não é capaz de determinar valores ou proporções para a variável dependente de estudo. 9.5 OUTROS FATORES INTERVENIENTES Como última análise dos casos históricos, cabe ressaltar a presença e influência de determinados fatores que, apesar de não serem determinantes para o estabelecimento do poder de combate atacante, geram conseqüências em sua aplicação. 137 Primeiramente, destaca-se no estudo do terreno o seu caráter multidimensional. A presença de subterrâneos utilizáveis diferencia o combate em áreas urbanas dos demais tipos de terreno. Em Grozny IV e em Fallujah, os defensores fizeram larga utilização de esgotos e galerias para se movimentar e surpreender taticamente os atacantes. Tais ações geraram preocupações maiores com as áreas já ultrapassadas, emprego de efetivos para protegê-las, redução do ritmo do combate e até mesmo manobras a fim de garantir a efetiva limpeza do terreno, como fizeram as tropas norte-americanas em Fallujah. Além do subsolo, o terreno urbano caracteriza-se por outra dimensão importante determinada pelas construções, seu número de pavimentos e interligação. Tal característica possibilita diferenças marcantes na manobra das forças e suas possibilidades. Exemplo significativo pode-se obter pela comparação do ataque inicial russo a Grozny em 31 de dezembro de 1994 e a segunda “corrida do trovão” norte-americana sobre Bagdá em 2003. As duas ações tinham grande semelhança em seus objetivos, quais sejam conquistar pontos importantes no centro das cidades atacadas, cujo valor simbólico e político levaria à derrocada do regime vigente e aceleraria o término dos combates, por infligir um pesado golpe nas forças defensoras. A manobra também era semelhante, representada por um ataque rápido, desencadeado por forças blindadas, sem preocupação com o combate casa a casa. Entretanto, o terreno era substancialmente diferente e influenciou principalmente na ação do inimigo. Em Grozny, as ruas eram mais estreitas e os prédios mais altos, facilitando o posicionamento de atiradores e a realização de emboscadas sobre a tropa atacante. Em Bagdá, o ataque se realizou sobre uma avenida larga, com edificações distantes e menores, de no máximo três andares. Não obstante forte ação do defensor, havia melhores campos de tiro para o atacante e alternativas para deslocamento, dificultando a interrupção do movimento. Aliado à influência do terreno, as tropas norte americanas haviam estudado exaustivamente as campanhas em Grozny e, esperando uma forte reação inimiga, trataram de não repetir erros observados. Primeiramente, estudaram detalhadamente o terreno. Imagens de satélite atualizadas estavam de posse de todos os escalões, possibilitando a perfeita orientação dentro da cidade. Em Grozny, as cartas disponíveis eram em escalas inadequadas e insuficientes para os escalões 138 menores. Assim, quando os chechenos iniciaram suas ações bloqueando ruas e canalizando o movimento russo, estes literalmente ficaram desorientados. Outro aspecto que diferenciou de forma marcante as campanhas, ajudando a explicar como o exército norte-americano conseguiu conquistar uma cidade muito maior que Grozny empregando menos tropas que os russos foi a atuação da inteligência de combate. Intensas ações desencadeadas pelas forças especiais e reconhecimentos realizados pelas tropas de vanguarda permitiram uma avaliação adequada do terreno e do inimigo, proporcionando planejamentos apropriados e rápida conquista da capital iraquiana, assim como das demais cidades envolvidas na campanha. Por fim, a preocupação com as considerações civis durante os combates no Iraque representou uma grande evolução em relação aos combates em Grozny, facilitando a realização dos combates e potencializando sucessos obtidos. As batalhas pela capital chechena foram combates de destruição, em que não havia preocupação com danos colaterais. De forma mais marcante, na primeira ofensiva, até mesmo os cidadãos de origem russa que se encontravam na cidade foram indistintamente afetados e se opuseram às forças atacantes. Em contrapartida, nas lutas no Iraque, a maioria dos ataques foi conduzida de forma seletiva, buscando alvos pontuais e procurando reduzir danos colaterais. Em determinadas cidades de importância religiosa ou onde se esperava maior apoio a Saddam, como An Najaf e Basra, procedimentos especiais foram cuidadosamente adotados, como respeito a lugares sagrados e a rituais religiosos, com intuito de não provocar reações na população e minimizar efeitos negativos na opinião pública local e mundial. Assim, pode-se inferir que os aspectos aqui abordados como intervenientes fazem parte da análise da situação e do planejamento de toda operação. O ambiente operacional urbano, possuidor de características particulares que variam de cidade a cidade, faz com que cada combate seja único. A generalização dos efeitos de cada fator se trata, portanto, de difícil e arriscada tarefa devendo, pois, limitar-se aos fatores mais importantes e que estarão presentes em todas as batalhas. 139 10 CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES As cidades do século XXI constituem um desafio para as operações militares, que cada vez mais serão travadas nesse ambiente operacional. O sucesso da campanha dependerá da perfeita compreensão dos princípios ilustrados no passado, aplicados ao conhecimento profundo das condições, tecnologia, organização e táticas do presente. Atendendo a tal corolário, esta investigação científica buscou basear seus procedimentos em experiências de um passado recente que representassem situações mais próximas da realidade que o Exército Brasileiro poderá vir a se defrontar caso o País participe de campanhas militares dessa natureza. Por meio de uma análise comparativa, observou-se que a doutrina brasileira de combate em localidades carece de maior profundidade e atualização, para contemplar as diversas evoluções dos fatores que interagem neste complexo ambiente. Verificou-se, no presente estudo, a evidente defasagem existente em relação aos exércitos dos Estados Unidos, Inglaterra e Espanha, bem como a preceitos da OTAN, que já consideram o combate urbano como uma tendência estabelecida e reformularam seus preceitos doutrinários, adaptando-os à realidade atual. Ao focar a pesquisa na determinação do poder de combate necessário para a realização de um ataque, a presente investigação tencionou solucionar uma questão basilar no planejamento operacional e servir de ponto de partida para estudos futuros que possam colaborar para a atualização da doutrina brasileira. O estudo detalhado do ambiente operacional urbano, realizado inicialmente, permitiu a verificação de suas particularidades e influências sobre o planejamento e a condução dos combates. Ao identificar os principais componentes dos aspectos físico e humano de uma área urbana esta pesquisa detalhou características que fazem com que cada cidade seja um ambiente único. Verificou-se a seguir, a partir do estudo das doutrinas dos países selecionados, quais seriam os possíveis fatores com maior influência sobre o poder de combate, a fim de conduzir o estudo dos casos históricos selecionados. Assim, determinou-se que o ponto de partida seria a investigação das variáveis manobra, terreno, inimigo e população. A fim de corroborar com as conclusões advindas da revisão bibliográfica realizada em manuais e publicações doutrinárias, estabeleceu-se uma metodologia 140 para uma pesquisa de campo que permitisse auferir impressões e opiniões de oficiais do Exército Brasileiro acerca do tema. Os resultados obtidos pela pesquisa de campo sofreram o devido tratamento estatístico e apresentaram-se significativos, permitindo o prosseguimento do estudo e comprovando a pertinência das variáveis selecionadas, a fim de verificar a validade da hipótese estabelecida por meio do estudo ex-post-facto das batalhas escolhidas. O estudo histórico de cada combate selecionado baseou-se em análises pósação das forças envolvidas, ensinamentos colhidos em centros de lições aprendidas, entrevistas publicadas de atores envolvidos e artigos especializados, buscando a maior proximidade com a realidade dos fatos observados e as fontes primárias do conhecimento. Contudo, ao tratar-se de eventos históricos, as descrições e análises sofrem sempre a influência da ótica do autor. Com intuito de minimizá-la, buscou-se em todos os casos a diversidade de fontes. A análise das batalhas permitiu a identificação do comportamento das variáveis de estudo e posterior confronto entre as mesmas, a fim de verificar suas relações de dependência e proporcionalidade. A interpretação de tais resultados foi feita tanto isoladamente em relação à variável dependente “poder de combate” quanto em conjunto, possibilitando conclusões mais adequadas. Em relação à variável manobra, foi possível verificar a congruência entre os dados colhidos na pesquisa doutrinária e na pesquisa de campo. Assim, conclui-se que as manobras de ataques seletivos apresentam-se como mais adequadas face à natureza dos conflitos modernos, devendo ser mais bem definidas e estudadas pela doutrina militar brasileira. Outro aspecto em relação à manobra que foi possível inferir das pesquisas desenvolvidas foi sua relação com o poder de combate necessário. Os casos históricos analisados na Chechênia e no Iraque permitiram a comprovação dos preceitos doutrinários da OTAN e do Espanha, que atestam a maior necessidade de poder de combate quando da realização de ataques sistemáticos, em detrimento de manobras pontuais ou seletivas. Partindo das conclusões obtidas em relação à manobra, a análise do fator terreno permitiu conclusões mais concretas acerca da problemática em questão. Primeiramente, verificou-se que as publicações doutrinárias nacionais não orientam efetivamente o estudo do terreno quando da realização do combate urbano. 141 Percebeu-se claramente a grande diferença de abordagem em relação aos países estudados e a necessidade de atualização dos manuais brasileiros. Em relação a parâmetros para a determinação do poder de combate, a pesquisa de campo apontou que uma análise adequada do terreno, em especial do tamanho da cidade, poderá orientar os planejamentos operacionais. Estes resultados se apresentaram coerentes com a pesquisa doutrinária, na qual particularmente o Exército dos EUA apresentou correlações gerais entre o poder de combate e o tamanho da cidade a ser atacada, determinado pelo seu número de habitantes. O estudo dos casos históricos apresentados ratificou as inferências anteriores e permitiu a confirmação dos dados obtidos no estudo da doutrina norte-americana. Assim, pode-se concluir que a correlação entre o tamanho da cidade (definido por sua população) e o poder necessário para um ataque deve ser a apresentada de forma genérica no quadro a seguir. Tamanho da cidade (Número de habitantes) Até 3.000 habitantes Escalão a ser empregado 3.000 a 100.000 habitantes Brigada Mais de 100.000 habitantes Divisão e superiores Batalhão e companhia Quadro 18: Relação tamanho da cidade x poder de combate necessário Fonte: o autor O quadro acima não faz distinção em relação à manobra utilizada, porque pela análise dos casos estudados não se verificou correlação que pudesse estabelecer uma diferenciação mais precisa. Contudo, permanecem válidos os preceitos de que uma manobra seletiva representa economia de meios e, portanto, apresenta-se mais adequada, em especial quando se tratar de cidades maiores. Os demais fatores que envolvem o terreno também foram levantados como importantes, com destaque para o caráter multidimensional do mesmo. Conclui-se que o estudo detalhado das dimensões subterrâneas e acima do solo, por dentro e sobre as edificações é de fundamental importância para o planejamento das operações. Por esta investigação buscar uma generalização capaz de atender ao maior número de situações, aspectos como existência de subterrâneos utilizáveis e altura e densidade de edifícios foram considerados como fatores intervenientes, que 142 devem ser analisados, mas não são considerados determinantes para obtenção de um parâmetro geral. Passando para o estudo do inimigo a ser enfrentado, verificou-se uma grande lacuna na doutrina brasileira, que, por ser muito antiga, não aborda com profundidade o tema e não particulariza a questão. Pela análise dos casos históricos expostos, coerente com o que prescrevem as doutrinas de todos os países estudados e corroborado pelos resultados da pesquisa de campo é possível inferir que o defensor em uma área urbana não será uma força regular atuando como tal. O cenário mais provável e que vem se repetindo ao longo dos últimos anos, como foi verificado na pesquisa histórica é de um inimigo irregular, composto por milícias, paramilitares e guerrilheiros, até mesmo com a presença de forças regulares, lutando muitas vezes misturadas à população civil. Definido o inimigo, o grande desafio passou a ser dimensioná-lo, a fim de obter resultados mais concretos e bases para o estabelecimento do poder relativo de combate. A solução encontrada foi a utilização do efetivo total como parâmetro de comparação, o que permitiu a generalização pretendida. Assim, tendo como base de comprovação a análise dos casos históricos selecionados, foi possível inicialmente inferir que o poder relativo de combate necessário em uma operação de ataque a uma área edificada deve ser significativamente superior em relação ao terreno convencional. Dessa forma, foi possível estabelecer como correlação mínima para este ambiente operacional a de 04 (quatro) atacantes por defensor. Mister destacar que este parâmetro é apresentado como o mínimo necessário, mas que todos os fatores da decisão devem ser interagidos em cada situação, conduzindo a decisões mais precisas e adaptadas ao cenário particular em tela. Como última variável analisada, a população aparece como importante componente das chamadas “considerações civis”, que já têm sido estudadas com profundidade pelos exércitos dos países abordados neste estudo. Neste ínterim, verifica-se mais uma lacuna na doutrina brasileira, que não aborda este fator em seu estudo de situação. Com base nas três vertentes desta investigação (doutrinária, de campo e histórica), foi possível concluir peremptoriamente que as considerações civis fazem 143 parte fundamental das operações em áreas urbanas e recomenda-se que tal assunto seja aprofundado em estudo específico para ser incluído nos planejamentos operacionais do Exército Brasileiro. Em relação à influência da população na determinação do poder de combate necessário para um ataque a uma área edificada, não foi possível estabelecer uma correlação genérica. Ainda assim, verificou-se que os fatores primordiais de estudo que podem trazer conseqüência direta sobre o planejamento são o efetivo existente e a atitude da população em relação à tropa atacante. Por fim, conjugando as conclusões obtidas pela análise de cada fator em particular, a investigação desenvolvida permitiu a confirmação da hipótese de estudo. Assim, com base nos dados apresentados, pode-se afirmar com significativo grau de certeza que é possível determinar o poder de combate necessário para a condução de um ataque em áreas edificadas pela análise das variáveis manobra, terreno, inimigo e população. Ressalta-se que conforme objetivos da presente pesquisa, não se tenciona resolver o problema por meras conjunções ou fórmulas matemáticas. Ao concluir positivamente em relação à hipótese, apresenta-se, entretanto, parâmetros iniciais em relação ao terreno e ao inimigo que devem ser observados no princípio do planejamento e fatores intervenientes como a população e a manobra que influenciam e conduzem o estudo. Os combates em ambiente urbano fazem parte de qualquer situação de conflito no século XXI. Para atender à necessidade de preparação adequada, as publicações doutrinárias brasileiras que tratam do assunto necessitam de uma revisão, adequando-as às novas configurações e implicações do combate moderno. Os fundamentos são imutáveis, no entanto, como foi observado nesta investigação científica, importantes aspectos ainda não são abordados nos manuais do Exército Brasileiro. Espera-se, por fim, que os resultados apresentados neste trabalho possam contribuir para o aperfeiçoamento da doutrina militar terrestre brasileira, auxiliando no preparo da Força Terrestre para os desafios a serem enfrentados no atual cenário mundial. ________________________________ JOÃO FELIPE DIAS ALVES – Maj Inf 144 REFERÊNCIAS BASTO, Luís Cláudio de Mattos. O emprego da Aviação do Exército no combate em áreas urbanas: um estudo. Dissertação. (Mestrado em Ciências Militares) – Escola de Comando e Estado-maior do Exército. Rio de Janeiro, 2003. BEEVOR, Anthony. Stalingrado – o cerco fatal. Tradução de Alda Porto. 2. ed. Rio de Janeiro: Record, 2002. 558p. BOWDEN, Mark. Falcão Negro em perigo: a história de uma guerra moderna. São Paulo: Landscape, 2001. BRASIL, Comando de Operações Terrestres (COTER). 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Sua participação é voluntária e as respostas serão de grande valia para o trabalho. O anonimato é assegurado e as opiniões e conceitos aqui relatados serão utilizados tão somente para a investigação em curso. 1ª Parte – Identificação da amostra 1) Assinale sua arma / quadro / Sv ( ) Inf ( ) Cav ( ) Art ( ) Eng ( ) Com ( ) MB ( ) Int 2) Turma de formação ( )1984 ( )1985 ( )1986 ( )1987 ( )1988 ( )1989 ( )1990 ( )1991 3) Assinale sua experiência/conhecimento anterior com relação ao tema de combate em áreas urbanas (não incluir experiências em operações de garantia da lei e da ordem): ( ) Adestramento nível Pel/ SU ( ) Adestramento nível Btl ( ) Adestramento nível Bda e superiores ( ) Exercícios de simulação de combate ( ) Temas da EsAO ( ) Projeto interdisciplinar do 2º ano da ECEME ( ) Livros, revistas e documentários sobre o assunto ( ) Manuais e publicações doutrinárias do Exército Brasileiro ( ) Manuais e publicações doutrinárias de outros exércitos ( ) Cursos de aperfeiçoamento no exterior ( ) Missões reais (citar) ________________________________________________ ( ) Outros (descrever) _________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ 151 2ª Parte – Questionamentos Responda os questionamentos abaixo com base em suas experiências e conhecimentos anteriores relativos a operações em ambiente urbano, nos conceitos transmitidos durante as palestras ministradas por ocasião do projeto interdisciplinar e nas conclusões decorrentes dos trabalhos em grupo. Importante! Todas as perguntas devem ser respondidas considerando o seguinte cenário: Uma força regular executando um ataque em uma área urbana. Favor não fazer qualquer relação com operações de garantia da lei e da ordem, operações de estabilidade e apoio ou de ajuda humanitária. 1) Em relação à manobra a ser realizada, assinale a opção que julgar mais adequada. Um ataque a uma localidade (fase do investimento) deve ser conduzido na forma de um combate sistemático, casa a casa, quarteirão a quarteirão: a. ( ) sempre b. ( ) na maioria das vezes c. ( ) apenas em determinados casos d. ( ) nunca 2) Considerando a possibilidade da não realização de um combate sistemático, casa a casa, quarteirão a quarteirão, assinale a alternativa que melhor expressa sua opinião em relação à afirmação abaixo. “A proporção de forças atacante X defensor (poder relativo de combate em termos apenas de número de peças de manobra) necessária para a condução de um ataque a localidade irá variar em função da manobra idealizada.” a. ( ) concordo totalmente b. ( ) concordo parcialmente c. ( ) discordo parcialmente d. ( ) discordo totalmente 3) Em relação ao inimigo, assinale dentre as opções abaixo aquela / aquelas que o Sr considera provável / prováveis de ser(em) enfrentada(s), atualmente, em um combate em localidade: a. ( ) Forças regulares combatendo de forma organizada b. ( ) Forças regulares atuando descaracterizadas, misturadas à população c. ( ) Forças paramilitares organizadas d. ( ) Forças irregulares (guerrilheiros, terroristas, etc) e. ( ) Grupos de resistência locais f. ( ) Outros _________________________________________________________ 152 4) Em relação ao terreno, assinale, dentre os itens abaixo, todos aqueles que o Sr considera exercerem influência marcante na determinação do poder de combate necessário à realização de um ataque a uma área edificada: a. ( ) tamanho da cidade b. ( ) densidade das construções (espaçamento entre casas e edifícios) c. ( ) número de pavimentos das construções d. ( ) largura das ruas e. ( ) tamanho dos quarteirões (largura e profundidade) f. ( ) número de pontos sensíveis na zona de ação (serviços essenciais, órgãos de governo, etc.) g. ( ) existência e características de subterrâneos (metrô, esgoto, etc.) h. ( ) existência e características de obras de arte ( viadutos, túneis, etc.) i. ( ) Outros _________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ 5) Considerando os meios necessários para a condução de um ataque a localidade assinale a alternativa que melhor expressa sua opinião em relação à afirmação abaixo. “Um combate em área urbana, em geral, pressupõe a adoção de determinadas regras de engajamento e impõe restrições ao apoio de fogo de Art e aéreo, reduzindo o poder de combate da força atacante. Tal redução pode influir no número de peças de manobra necessárias para o cumprimento da missão.” a. ( b. ( c. ( d. ( ) concordo totalmente ) concordo parcialmente ) discordo parcialmente ) discordo totalmente 6) Em relação à presença de civis no campo de batalha em uma operação de ataque a localidade, o Sr considera que ela irá ocorrer: a. ( b. ( c. ( d. ( ) sempre ) na maioria das vezes ) apenas em determinados casos ) nunca 7) Atualmente, muitos exércitos estão analisando as influências civis sobre as operações, sob o título “CONSIDERAÇÕES CIVIS”. Assinale sua opinião sobre a necessidade de se analisar o aspecto “CONSIDERAÇÕES CIVIS” durante o estudo de situação, particularmente em operações em ambiente urbano. a. ( b. ( c. ( d. ( ) concordo totalmente ) concordo parcialmente ) discordo parcialmente ) discordo totalmente 153 8) As CONSIDERAÇÕES CIVIS, segundo o manual de campanha FM 3-0 Operations (USA, 2001), do Exército dos EUA, envolvem “a população civil, sua cultura, organização e lideranças dentro da área de operações”. Com base no pressuposto acima e considerando a possibilidade de inclusão do aspecto “CONSIDERAÇÕES CIVIS” no estudo de situação do Exército Brasileiro, assinale, dentre as opções abaixo, todas aquelas que o Sr considera que devem ser incluídas na análise das “CONSIDERAÇÕES CIVIS”: a. ( ) quantidade de civis presentes b. ( ) etnias c. ( ) tendências políticas d. ( ) lideranças existentes e seu grau de influência sobre a população e. ( ) tendências e credos religiosos f. ( ) costumes e tradições locais g. ( ) atitude da população frente aos beligerantes h. ( ) aspectos legais i. ( ) opinião pública local j. ( ) opinião pública internacional l. ( ) presença de jornalistas e correspondentes de guerra m.( ) outros _________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ 9) Em relação à afirmação abaixo, assinale a alternativa que melhor expressa sua opinião. “As CONSIDERAÇÕES CIVIS têm influência marcante no planejamento e condução de operações em ambiente urbano e devem ser encaradas como um sexto fator de decisão, da mesma forma que MISSÃO, INIMIGO, TERRENO, MEIOS e TEMPO.” a. ( ) concordo totalmente b. ( ) concordo parcialmente c. ( ) discordo parcialmente d. ( ) discordo totalmente 10) Em sua opinião, considerando todos os fatores da decisão, a proporção de forças atacante X defensor (poder relativo de combate em termos apenas de número de peças de manobra) necessária para a condução de um ataque a localidade, quando comparada à exigida para um ataque em terreno convencional ou “aberto” deve ser: a. ( ) consideravelmente maior b. ( ) ligeiramente maior c. ( ) igual d. ( ) ligeiramente menor e. ( ) consideravelmente menor MUITO OBRIGADO PELA SUA COLABORAÇÃO!