Revista Desafios do Desenvolvimento, #76

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Revista Desafios do Desenvolvimento, #76
2013 • Ano 10 • nº 78
www.desafios.ipea.gov.br
Exemplar do Assinante
A articulação
dos emergentes
Brasil sedia Cúpula dos
BRICS em 2014 na busca
de sintonia e de um
banco em comum. Em
março, o Ipea reúne o
Conselho de Think Tanks
e o Foro Acadêmico
do grupo para trocar
dados e experiências
em políticas
socioeconômicas,
urbanas e ambientais
O desafio de ampliar
a produtividade
Entrevista
Abhijit Banerjee
Cidades para todos
irem e virem
Os primeiros traços do mapa de políticas
públicas setoriais para o desenvolvimento
por meio de ganhos em produtividade
Contrapartidas e crédito
ajudam pouco, mas ideias e
ativos vencem a pobreza
Propostas técnicas para a mobilidade
urbana oferecem resposta viável à
demanda das ruas engarrafadas
Entrevista
Abhijit Vinayak Banerjee
“Ativos e treinamento
deixam os pobres mais
ricos, produtivos,
felizes e saudáveis”
J o a n a C o s t a , M a r c o s H e c k s h e r,
Miguel Foguel e Carlos Henrique Corseuil*
(*) Joana Costa, Marcos Hecksher, Miguel Foguel e Carlos Henrique Corseuil são economistas do Ipea
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Desenvolvimento • 2013 • Ano 10 • nº 78
Leah Horgan
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A
pobreza extrema pode, sim, quase
sumir do mapa-múndi até 2030,
mas só se os ventos da economia
soprarem a favor. A melhor ação
internacional para ajudar é disseminar conhe-
“Quando você ensina no
nível da criança, o resultado
é melhor. Em muitos países,
o ensino está fora do ponto”
monitoramento e avaliação são coisas
distintas. Um sistema de monitoramento
é muito útil porque, com frequência, você
pensa estar fazendo algo com uma política,
cimento sobre o que realmente funciona para
está certo de que ocorre o que deveria,
vencer a miséria. Mas o que funciona? Em
mas, na verdade, nada está acontecendo.
vez de cumprir currículos escolares rígidos e
de ações contra a pobreza. O método
Tudo pode acontecer. Monitoramento é
ambiciosos, os resultados melhoram quando
lembra as pesquisas com novos remédios.
saber se estou fazendo o que penso estar.
se concentra o ensino em habilidades básicas
Cada iniciativa é aplicada a um grupo de
Já avaliação é saber se faz sentido o que
que cada grupo de alunos consiga de fato
beneficiários sorteado ao acaso e o efeito
estou tentando fazer. “Meu plano está
aprender. Transferir recursos para os mais
do programa é medido pela comparação
correto? Tenho a ideia certa sobre isso?”
pobres também funciona, mesmo que incon-
com um grupo de controle não sorteado
Para ser honesto, nem sempre sabemos
dicionalmente, pois exigir contrapartidas
da mesma população.
o suficiente. Pode parecer extremo, mas
tem mais efeitos na opinião pública do que
Na entrevista a seguir, Banerjee observa
sabemos sempre muito pouco sobre algo.
concretos frente aos montantes aplicados.
um consenso político no Brasil para superar
Pensamos saber como fazer programas
Microcrédito ajuda a comprar bens duráveis,
seu padrão histórico de “pressões populistas”,
sociais efetivos e, na maioria das vezes,
mas não costuma tirar da pobreza. Estimular
comenta a queda da pobreza no país, o aumento
conhecemos bem o problema, mas nem
a poupança dos pobres é desejável e viável,
no nível de aprendizagem dos estudantes e
sempre isso é muito útil. Todos concor-
embora seja difícil os bancos lucrarem ao
avalia positivamente a gestão macroeconômica
damos que educação é algo bom, mas
manterem suas contas.
brasileira. Os estudos que já viu sobre o Bolsa
o que fazer para melhorá-la? Sabemos
Essas respostas estão todas na ponta
Família lhe pareceram “plausíveis”, mas não
muito pouco. Se olharmos as evidências,
da língua do economista indiano Abhijit
receberam muita atenção sua por não serem
as políticas sugeridas por especialistas
Vinayak Banerjee, professor e pesquisador
experimentos aleatórios. O economista cita
muitas vezes não são bem-sucedidas.
do Massachusetts Institute of Technology
medidas anticorrupção via transparência que
Avaliar é descobrir se sabemos ou não o
(MIT), onde, junto com Esther Duflo, fundou
funcionaram no Brasil e vê oportunidades
que realmente deve ser feito.
e dirige desde 2003 o Abdul Latif Jammel
para os BRICS aprimorarem suas políticas
Poverty Action Lab (J-PAL). Em 2011,
com intercâmbios de ideias. Já a famosa
Desenvolvimento – Você é um especialista em experi-
os dois lançaram o livro Poor Economics,
recomendação de “dar o peixe e ensinar a
mentos aleatórios controlados para avaliar políticas. Quais
traduzido em Portugal como A Economia
pescar” ganha, curiosamente, a imagem de
são as vantagens e as limitações desse método?
dos Pobres: repensar de modo radical a
outro animal em um bem-sucedido experi-
Banerjee – O benefício é que experimentos
luta contra a pobreza global. A obra narra
mento com pobres de vários países. O relato
aleatórios são bastante exatos. Como saber
histórias de pessoas vivendo em condições
de Banerjee sugere outro jeito sustentável de
o efeito de um programa? Você pode
extremas que eles conheceram em dezenas
gerar prosperidade e felicidade: dar uma vaca
simplesmente pegar um lugar onde o
de países e associa seus casos particulares aos
e ensinar a ordenhar, literalmente.
programa está acontecendo e compará-lo
achados gerais das avaliações que o J-PAL
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Banerjee – São duas questões separadas:
com outro onde o programa não acontece
realizou. O reconhecido laboratório é uma
Desenvolvimento – Os países em desenvolvimento
ainda, o que seria uma alternativa a um
rede de pesquisadores afiliados, com um
geralmente não possuem bons sistemas de monitoramento
experimento. O problema nisso é que
escritório em cada continente, especializada
e avaliação de políticas públicas. Quais são os benefícios
os programas não costumam ser locali-
em experimentos aleatórios controlados
desses sistemas?
zados aleatoriamente. Em geral, quando
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David Baron
alguém escolhe um lugar para fazer um
novo programa, é porque lá existe algum
problema. Assim, se você verifica que
as pessoas ainda estão pobres onde há
uma ação contra a pobreza, não é devido
ao programa, já que ele foi introduzido
lá justamente por ser onde havia um
problema. Os experimentos evitam isso
porque, neles, para fins de estudo, os
programas são oferecidos localmente de
forma aleatória, o que permite comparar
os lugares. A principal restrição dos
experimentos é que leva tempo para
termos os resultados de cada avaliação.
Em educação, os mais rápidos levam de
um e meio a dois anos. Formuladores
de política nem sempre querem esperar
tanto, querem algo agora, mas saber o
que melhora a educação exige tempo,
paciência e recursos. Se eu usar os dados
já disponíveis, posso dar uma resposta
em duas semanas. Se quiser iniciar um
experimento aleatório agora, vou precisar
esperar o programa ser posto em prática
Esse é um caso bem replicado. São seis
até obter alguma resposta.
diferentes organizações, em lugares
muito diferentes, com o mesmo padrão
Desenvolvimento – É possível levar os resultados
de resultados. A princípio, poderia haver
de uma avaliação aleatória realizada em um país para a
resultados diferentes em outros lugares?
realidade de outro país?
Claro. Nesse caso, teríamos que realizar
“Há que se escolher se o
objetivo é transferir renda
para reduzir a pobreza ou
mudar comportamentos”
Banerjee – Um exemplo consistente é o
mais experimentos para compreender
ideia básica de que, com boa regulação,
microcrédito. Experimentos aleatórios
os motivos.
microcrédito é uma ferramenta útil para
bem feitos tiveram exatamente o mesmo
os pobres. Como um cartão de crédito.
padrão de resultados em seis países muito
Desenvolvimento – Mas você não é contra micro-
diferentes: México, Índia, Bósnia, Mongólia,
crédito, certo?
Desenvolvimento – Pode dar um exemplo de um
Marrocos e Etiópia. Não vemos mudança
Banerjee – Não, de modo algum. Pense
alguma na pobreza. Acesso a microcrédito
nisso como um banco para os pobres.
Banerjee – Sim, só que exige mais explicação,
não muda a pobreza. O que muda, então?
O que faço com um cartão de crédito?
porque envolve a forma de executar uma
Mudam os padrões de consumo. As pessoas
Quero comprar uma TV e não tenho o
ideia. Um problema comum na educação
adquirem mais bens duráveis. Consertam
dinheiro agora, então pago no cartão.
é a tirania do currículo. As escolas são
suas casas, compram uma vaca, uma TV,
É o que as pessoas pobres fazem, elas
comprometidas a cumpri-lo, mas as
uma bicicleta, telhado, uma moto, mas
compram coisas. Não entendo por que
crianças podem não estar aprendendo
não vemos mudanças reais nas rendas.
não deveríamos permitir que realizem
o currículo. Então, há duas visões de
Sistematicamente, vemos mudanças
seus projetos de consumo. Se ficarão mais
prioridade distintas: uma, no fim do ano,
em padrões de ocupação, em como as
felizes em comprar uma TV ou reparar
deve-se ter cumprido todo o currículo; a
pessoas passam seu tempo, mudanças
sua casa, devem ser capazes, o que o
outra, no fim do ano, cada criança deve ter
de comportamento, mas não na meta
microcrédito permite. Não vejo nada
desenvolvido certas habilidades básicas,
fundamental de redução da pobreza.
errado nisso. Sou totalmente a favor da
mesmo que não se complete o currículo.
programa que funcione bem em todo lugar?
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Há um programa chamado “Ensinando no
Nível Certo” que prioriza o aprendizado
básico em múltiplas localidades da Índia
PERFIL
e de Gana, onde achamos exatamente
Indiano, 52 anos, Abhijit Vinayak
conforme conta no livro Poor Economics,
os mesmos resultados, com ganhos
Banerjee é professor e pesquisador do
que procura derrubar mitos sobre o
muito grandes de desempenho em testes
Massachusetts Institute of Technology
comportamento dos pobres diante das
padronizados. Muitas vezes uma criança
(MIT), onde dirige o Abdul Latif Jammel
várias ações que tentam transformar suas
está num nível e o currículo a espera em
Poverty Action Lab (J-PAL) junto com
vidas. Banerjee é um dos nomes mais
outro. Quando você ensina no nível da
a economista francesa Esther Duflo (na
notórios da economia do desenvolvimento
criança, o resultado é melhor. Quando
foto, ao lado dele). Já lecionou também
e da econometria, com destaque por sua
ensina certos conceitos de física, mas a
em Princeton e em Harvard, onde obteve
liderança em pesquisas de campo com
criança ainda não dominou a matemática
o título de Ph.D em Economia, mesma
experimentos aleatórios controlados
básica, é claro que não aprenderá muito
área de sua graduação pela Universidade
em dezenas de países, onde já prestou
da física. Grande parte do problema em
de Calcutá e de seu mestrado pela
assessoria a diversas organizações
muitos países em desenvolvimento é que
Jawaharlal Nehru, de Nova Déli. Na
públicas e privadas, inclusive ao governo
o ensino está inteiramente fora do ponto.
infância, as pessoas pobres que conhecia
da Índia e ao Banco Mundial. Em 2013,
eram meninos que moravam perto de sua
foi convidado pelas Nações Unidas a
Desenvolvimento – Expandir a escala de um programa
casa em Calcutá. Eles podiam vencê-lo
integrar o painel de especialistas que
pode gerar resultados diferentes dos avaliados localmente
em qualquer esporte e ganhavam suas
discutirá a redefinição dos Objetivos de
em um piloto? Uma ONG avaliada, por exemplo, pode ter
bolas de gude em todas as disputas,
Desenvolvimento do Milênio após 2015.
eu poderia chegar a uma visão diferente
Desenvolvimento – Qual sua opinião sobre programas
Banerjee – Sim, só que muitos dos experi-
no final. Apenas me pareceram plausíveis
de transferência de renda em geral para reduzir a pobreza e
mentos que citei já são feitos por governos,
do jeito que foram feitos.
qual o papel das condicionalidades exigidas dos beneficiários?
pessoas muito motivadas na execução de um experimento,
o que talvez não se repita quando um governo o adota
em uma política pública de larga escala. Há exemplos de
expansões que funcionem?
Banerjee – Está claro que parte da razão
não por ONGs. Na educação, tipicamente,
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ONGs fornecem treinamento, insumos,
Desenvolvimento – Outros métodos de avaliação
para existirem condicionalidades é política.
mas os programas são executados pelos
devem ser considerados quando experimentos aleatórios
Apesar de não haver evidência empírica,
governos. Em microfinanças, vários
não são possíveis?
há uma ideia política de que não se deva
programas são feitos por organizações do
Banerjee – Algumas das avaliações mais
apenas dar dinheiro para as pessoas não
setor privado que são muito motivadas.
críveis não são experimentos. A questão
ficarem preguiçosas. A evidência empírica
Motivação não parece dar garantia de
é sempre a qualidade dos dados dispo-
existente é de que transferências condi-
resultados.
níveis. Se há dados de vários anos sobre
cionadas apresentam resultados melhores
um indicador de resultado e, no período
que as incondicionais. Um experimento
Desenvolvimento – O Brasil tem um grande programa
anterior à introdução do programa, ele
aleatório no Malawi mostrou que a
de transferência de renda condicionada, o Bolsa Família,
crescia à mesma velocidade nas regiões
presença da condicionalidade aumenta o
que não foi aleatorizado como o mexicano Progresa, mas
onde o programa foi aplicado e onde
efeito sobre educação. A condicionalidade
teve muitas avaliações. Quanto você conhece do programa,
não foi, evoluindo em paralelo, então é
ajuda. Uma questão não óbvia é se o custo
dessas avaliações e quão críveis as considera?
possível comparar e checar se as veloci-
de acompanhar as condicionalidades
Banerjee – Vi alguns artigos com avalia-
dades começam a divergir no período
vale a pena, uma vez que as transferên-
ções que me pareceram críveis, mas não
posterior. É o que as pessoas geralmente
cias de renda incondicionais também
os estudei cuidadosamente nem diria
fazem e é bastante crível. Só requer um
afetam positivamente a educação. Mas a
que empenhei muitas horas. Por não ser
grande número de informações críveis
questão mais interessante é se perguntar
experimento aleatório, não dediquei tanta
sobre o passado anterior ao programa,
se programas de transferências de renda
atenção e talvez não deva falar a respeito.
com evoluções paralelas, para que os
devem ser desenhados para prioritaria-
Se me pedissem para ler e avaliar os artigos,
novos dados sejam comparáveis.
mente mudar o comportamento social
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L. Barry Hetherington
com os incentivos a políticas populistas e
as pessoas ficaram mais orientadas para
o longo prazo, o que é muito bom. As
escolhas das políticas serão mais flexíveis
a meu ver. Todo país quer crescimento
de produtividade. Só que não é algo que
consigamos controlar muito, não está
em nossas mãos. Você deve melhorar a
educação e o ambiente para investimentos,
mas e aí? O Brasil tem feito muito. O
nível de aprendizado do país subiu muito
nos testes do Programa Internacional de
Avaliação de Alunos (Pisa/OCDE). Você
vê melhorias, mas o que fazer mais para
a produtividade crescer? Ninguém sabe
muito bem como acontece.
Desenvolvimento – Entre “pequenas” e “grandes”
questões a serem tratadas, qual o peso das políticas
macroeconômicas?
Banerjee – O Brasil tem uma política
macroeconômica muito boa. Compaou para principalmente dar dinheiro às
pessoas pobres. Se o objetivo deles for
mudar o comportamento social, então
eles são muito caros. O Progresa mudou
a educação no México, mas a um custo
“Os pobres pouparem
deve ser um objetivo e é
possível. Eles movimentam
dinheiro por celular”
muito alto. Se o objetivo do Progresa
rando com os Estados Unidos, o déficit
brasileiro é menor. Provavelmente, a
América Latina é o lugar com políticas
macroeconômicas mais conservadoras e
clássicas em todo o mundo. As moedas
não são supervalorizadas, o déficit não
é alto, estão fazendo tudo o que podem.
era dar dinheiro a pessoas pobres, o que
Desenvolvimento – O Brasil tem experimentado
importa é que elas receberam. Mas se
reduções de pobreza e desigualdade sem muito crescimento
Desenvolvimento – Talvez uma “pequena grande” questão
o objetivo for mudar comportamento,
econômico. É um caminho sustentável ou é preciso buscar
seja pouparmos pouco. Encorajar os pobres a economizar
então é necessário um melhor desenho
crescimento de produtividade?
é um objetivo possível e desejável? Como?
do programa. Por exemplo, um experi-
Banerjee – Quem iria dizer para não buscar
Banerjee – Sim, deve ser um objetivo e é
mento na Colômbia apresentou ganhos na
crescimento de produtividade? Quando se
possível. Pessoas pobres de México, Índia
educação similares aos do Progresa, mas
vê o histórico brasileiro, há muita redução
e Quênia, ao terem acesso a instrumentos
a um custo menor. No caso colombiano,
na pobreza e crescente consenso político
para poupar, aumentaram seu bem-estar
a entrega do dinheiro é adiada e a família
a favor de políticas menos populistas, o
e sua renda. Todas as evidências apontam
só recebe o dinheiro quando a criança
que deve ter consequências de longo prazo
para o fato de economizar ser algo bom.
termina o ensino médio. Obviamente, este
para o crescimento. Tendo a pensar: “faça
É caro para se fazer e os bancos pensam:
programa não reduz a pobreza, mas seu
o que pode ser feito”. Vamos consertar
“por que eu darei uma conta a alguém
desenho é melhor se o objetivo principal
os problemas que podemos. O Brasil
que vai colocar dois dólares nela?”. Mas
for mudar comportamento. Em suma, há
tem feito um bom trabalho de consertar
há indícios de que ficará mais barato,
que se escolher se o objetivo principal é
alguns problemas, o que é bom no longo
pois há muita inovação nesse campo. As
transferir renda para reduzir a pobreza ou
prazo. É um país que sempre sofreu
pessoas, mesmo nas classes mais baixas,
incentivar mudanças de comportamento.
muitas pressões populistas, estou errado?
estão movimentando seu dinheiro por
Os dois são legítimos.
A pobreza e a desigualdade caíram junto
celulares. Foi assim que fizeram no Quênia.
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Desenvolvimento – Existe a chamada armadilha da
pobreza? É muito difícil as famílias pobres alcançarem níveis
básicos de vida sem ajuda externa?
TRANSPARÊNCIA
Banerjee – Para um conjunto de pessoas,
Ao ressaltar a importância da
Ipea. Uma versão posterior do estudo
sim. O que não sei e gostaria de saber é
informação no combate à corrupção
venceu, em 2012, o prêmio Haralambos
o tamanho desse grupo, mas são pessoas
no Brasil, Banerjee faz referência ao
Simeonidis da Associação Nacional
que têm problemas demais para superar
trabalho de dois pesquisadores afiliados
dos Centros de Pós-Graduação em
ao mesmo tempo. Vivem em lugares onde
ao J-PAL, Claudio Ferraz e Frederico
Economia (Anpec). A dupla mostra
as escolas são ruins, não têm educação
Finan. Os primeiros resultados da
que auditorias da Controladoria-Geral
formal, não têm renda suficiente, não
pesquisa foram abordados em uma
da União (CGU) em municípios sorte-
têm tempo para focar no bem-estar das
matéria e um artigo da Desafios do
ados afetaram os resultados eleitorais,
crianças, o ambiente não é bom. Acho
Desenvolvimento n. 12, de julho de
especialmente onde havia rádios locais
que a pobreza replica a si mesma. Meu
2005, quando Ferraz trabalhava no
para divulgar as irregularidades.
palpite é esse, só não posso provar. Na
verdade, temos um experimento, que é
outro bem-sucedido caso de replicação
com os mais pobres dos pobres, os 5% de
ajuda. Outra coisa é produzir informação.
tão pouca informação sobre as políticas,
baixo, em diferentes países: Bangladesh,
Muita coisa boa é documentada, mas a
o passado dos candidatos, se alguém é
Índia, Peru, Gana, Paquistão, Costa Rica
mídia só procura más notícias, quando
corrupto. Como posso punir quem é
e outros. Você dá um ativo uma única vez
deveria mostrar as boas e as más. Há
corrupto se não sei quem é?
e treina as pessoas para usá-lo. Por ativo
muito a fazer para tornar a democracia
entenda-se uma vaca ou, dependendo do
mais efetiva. Democracia é muitas vezes
Desenvolvimento – Em março, o Ipea vai organizar
lugar, porcos, cabras ou mesmo porqui-
uma ferramenta cega. Não fazemos muito
no Rio o fórum acadêmico dos BRICS para discutir o
nhos-da-índia no caso do Peru, onde são
porque não sabemos muito. Estou em
intercâmbio de tecnologias em políticas para promover
criados para consumo da carne. Quatro
Boston, onde alguém ganhou a eleição
desenvolvimento urbano, ambiental e socioeconômico. Como
anos depois, essas pessoas ainda estão
para prefeito e não sei nada sobre ele, nem
as políticas sociais dos diferentes países do grupo podem
10-15% mais ricas, mais produtivas, mais
sobre o cara que competiu com ele. Há
complementar umas às outras?
felizes, mais saudáveis, tudo. Isso indica
uma armadilha da pobreza, pois elas não
chegariam lá sozinhas, como mostra o
grupo de controle. Elas não vendem a vaca
imediatamente. Criam bezerros, vendem
leite e ficam substancialmente melhor.
Desenvolvimento – Sem negar a importância de grandes
instituições, como direitos de propriedade e democracia,
seu livro propõe mudanças em pequenas instituições. O
que os países em desenvolvimento podem mudar para
reduzir a corrupção?
Banerjee – Há o exemplo de um estudo
muito bom do Brasil. Quando você publica
os resultados de auditorias municipais, o
prefeito que era corrupto perde a eleição. É
um padrão encontrado em muitos estudos.
Eleitores não têm informação suficiente,
não sabem quem é mau e pensam que
todos são corruptos. Prover informação
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CONTROVÉRSIA
Banerjee é conhecido como um dos
condições e características individuais
pioneiros na difusão de experimentos
difíceis de observar e descontar na
aleatórios controlados para avaliar
análise. Em um debate de alto nível com
ações públicas e privadas de combate
vídeo na internet, o economista Angus
à pobreza. Com o sorteio de beneficiá-
Deaton, professor de Princeton, lista
rios, a técnica busca isolar os efeitos de
desvantagens comuns em experimentos
uma intervenção ao comparar grupos
aleatórios e relativiza alguns resultados
de pessoas incialmente em situações
apresentados por Banerjee, assim como
praticamente “iguais”, selecionadas
a suposição de que o método experi-
ou não por mero acaso. Isso evita a
mental seja sempre mais confiável do
comparação direta entre grupos de
que análises mais tradicionais, como
pessoas possivelmente muito “diferentes”
as que buscam “isolar” as diferenças
que usam ou não um serviço (escola,
iniciais entre as pessoas com métodos
hospital, crédito etc.) em parte devido a
econométricos.
Leah Horgan
enormes possibilidades de aprendizado,
desde que se concentre o foco no nível
certo, discutindo programas específicos.
Desenvolvimento – O Banco Mundial propõe a meta
de reduzir a extrema pobreza a menos de 3% da população
mundial até 2030. É possível?
Banerjee – Certamente. Se decidirmos que
é prioridade, vai depender da continuação
do crescimento econômico. Há uma série
de fragilidades, especialmente nos países
ricos. Os Estados Unidos parecem estar
em um profundo problema político, uma
confusão. Não se sabe quão boas serão
as políticas, dada a pobre gestão política
atual. Vai depender muito da Europa. Se a
economia mundial entrar em crise, nada
vai acontecer, porque a China depende
dos Estados Unidos. Meu medo é porque
as maiores vulnerabilidades estão na
Europa, seguida dos Estados Unidos. Se
agirem juntos e elevarem sua demanda
por produtos, a pobreza cai rapidamente.
Como nos últimos 20 anos, não só
na China, mas também no Brasil, em
Bangladesh, na Índia, na Indonésia, em
vários países grandes.
Desenvolvimento – Para além desses resultados da
economia, há alguma ação global contra a pobreza que
possa ajudar, como grandes transferências de dinheiro,
Banerjee – Cada um desses países fez
coisas interessantes e bem-sucedidas.
O Brasil criou programas sociais com
grande sucesso, atingiu muitas pessoas
e vemos efeitos em redução da pobreza.
“Cada um dos BRICS
fez coisas interessantes e
bem-sucedidas. Há enormes
possibilidades de aprendizado”
As ideias são muito poderosas. Quando
por exemplo?
Banerjee – A maior coisa a ser feita é uma
transferência de pensamento. Dinheiro
é pequeno perto do pensamento. A
maioria dos pobres vive em países
grandes. Seus governos gastam a maior
focamos em grandes panoramas, apren-
uma conversa útil para ajudá-los. Útil
parte do dinheiro contra a pobreza,
demos pouco. O Brasil é uma demo-
é identificar sucessos e mostrar: «foi
que não vem de fora, mas dos próprios
cracia e a China, não, mas, em certo
assim que fizemos». Assim como os
países. O que pode haver é um suporte
sentido, a China tem democracias
fracassos: «tentamos isso e falhamos
para aprender a inovar e desenhar boas
locais muito efetivas, pois, nas vilas,
miseravelmente». A Índia está bem à
políticas. É onde a ajuda pode ser mais
eles têm muita competição política. Se
frente em microcrédito e sua experiência
importante. Se considerarmos todo o
você fizer perguntas no nível em que
é útil para o Brasil. Os erros indianos na
volume mundial de ajuda externa e
cada política pode ser mudada, tanto
regulação do microcrédito também são
multilateral, é uma pequena fração do
melhor. Eu concordo que precisam de
úteis. Há muitas histórias de inovação
que os países pobres e em desenvolvi-
democracia, mas não acho que esta seja
e como as sociedades reagiram, com
mento gastam em políticas sociais.
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