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REVISTA
GBECAM
Ano I • número 1
2º semestre 2010
Gramado
Destaques do congresso
Câncer de Mama Gramado 2010
Artigos
Seleção e análise
de artigos nacionais
e internacionais
Entrevista
O oncologista
Ricardo Caponero
faz um raio X do
câncer de mama
no Brasil
t
-.
J
€
Proporcionando o futuro
do tratamento do cincer de mama
paraas pacientes de hoje.
GBECAM
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Mais uma ferramenta
Grupo Brasileiro de Estudos do Câncer de
Mama (GBECAM) completou em março
deste ano cinco anos de pioneirismo no Brasil.
Começamos tímidos, mas cercados do apoio
de profissionais competentes e comprometidos, e munidos de vontade de contribuir com a
pesquisa e a divulgação de informações sobre o
câncer de mama no país.
Os esforços deram resultado. Crescemos
de forma gradual e sólida e aprimoramos o que
julgamos ser nossa missão principal: implementar e facilitar a realização de estudos clínicos multi-institucionais de qualidade científica e
ética em câncer de mama no Brasil, além de
implementar e auxiliar programas educativos
de esclarecimento e prevenção da doença.
Com o tempo, percebemos a necessidade
de aumentar nosso escopo de ação na produção e na divulgação de informações científicas sobre o câncer de mama. Uma das formas
encontradas para tanto foi a Conferência
Brasileira de Câncer de Mama – Enfoque San
Antonio, um fórum em que profissionais de
diversas especialidades se reúnem anualmente
para discutir os avanços e as novidades na área.
O encontro, que em 2011 chega a sua 5ª
edição, vem se consolidando como um dos
principais eventos do gênero no Brasil.
O
Desse mesmo raciocínio surgiu a ideia da
Revista GBECAM. Mais do que uma ferramenta
para divulgação do grupo e fortalecimento de
imagem, queremos com ela cumprir um dos
nossos objetivos de estatuto: disseminar para a
classe médica e para o público em geral, por
meio de publicações, seminários e outros
canais, novas modalidades de tratamento e
prevenção do câncer feminino.
A Revista GBECAM, de periodicidade
semestral, será distribuída gratuitamente aos
membros do grupo e a instituições públicas e
privadas de ensino e pesquisa, além de órgãos
governamentais que atuem nessa área. Em suas
páginas você encontrará novas formas de tratamento e prevenção do câncer feminino e os
estudos que estão sendo conduzidos pelo GBECAM. De suas páginas esperamos que você leve
informação e atualização para o melhor
desempenho da arte médica.
Porque nós, do GBECAM, acreditamos que,
com conhecimento científico de qualidade e
credibilidade, já teremos andado boa parte do
caminho na luta contra o câncer de mama.
Sergio D. Simon
Editor clínico
GBECAM - Grupo Brasileiro
de Estudos do Câncer de Mama
Tel.: (11) 2679-6093
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Site: www.gbecam.org.br
Carlos Barrios
Diretor de relações
internacionais
A Revista GBECAM é uma publicação
semestral do Grupo Brasileiro
de Estudos do Câncer de Mama
e é distribuída gratuitamente
a seus membros, além de
profissionais e instituições
envolvidos na área de câncer
de mama. A reprodução parcial
ou total de seus artigos é proibida.
Cláudia Vasconcelos
Coordenadora executiva
Tiragem: 2 mil exemplares
Impressão: Ipsis Gráfica e Editora
Sergio D. Simon
Editor clínico
José Bines
Diretor científico
Edição e produção:
>> SUMÁRIO
4 Panorama
Confira os destaques da 5 edição do congresso
Câncer de Mama Gramado
a
9 Ponto de vista Uma seleção
e análise dos principais estudos de
câncer de mama no mundo
14 Mais GBECAM
Conheça a
história e os projetos desse grupo
pioneiro no Brasil
16 Diálogo SUS, acesso a medicamentos, atendimento multidisciplinar em câncer de mama: uma análise
pelo oncologista Ricardo Caponero
20 Pesquisa clínica Artigos
de autores brasileiros em instituições nacionais na literatura do câncer de mama
23 Encontro Comunidade científica e indústria farmacêutica: juntas
por um objetivo comum
Rua João Álvares Soares, 1223
Campo Belo – 04609-002
São Paulo – SP
Tel.: (11) 2478-6985
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25 Giro De tudo um pouco: iniciativas, terceiro setor, dicas de leitura
Jornalista responsável
Lilian Liang – Mtb 26.817
E-mail: [email protected]
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>> panorama
Destaques do congresso
Câncer de Mama Gramado 2010
congresso Câncer de Mama Gramado
chegou à sua quinta edição com discussões acaloradas, interatividade e novas iniciativas. Sob coordenação cuidadosa do oncologista Carlos H. Barrios, diretor do Centro de
Pesquisa em Oncologia do Hospital São Lucas
da PUC de Porto Alegre (RS) e diretor do Instituto do Câncer do Hospital Mãe de Deus, e do
mastologista Antonio Frasson, coordenador do
Centro de Mama do Hospital da PUC-RS, o
evento reuniu cerca de 360 participantes entre
26 e 28 de agosto.
“Nosso objetivo principal é criar um cenário
em que especialistas tenham a oportunidade de
discutir os principais avanços no tratamento de
pacientes com câncer de mama e se manter
atualizados”, explicou Barrios.
Para ele, proporcionar um fórum em que
especialistas possam debater e trocar experiências
é salutar para identificar pontos críticos e melhorar as disparidades na prevenção, no diagnóstico e
no tratamento no Brasil, que só em 2010 terá 50
mil novos casos de câncer de mama.
“O tratamento do câncer, principalmente
do câncer de mama, tem evoluído de forma
fantástica, com redução de mortalidade, em
países desenvolvidos. Lamentavelmente não é
o que acontece no Brasil, onde a mortalidade
continua aumentando. Isso significa que os
benefícios dos avanços tecnológicos e científicos recebidos pelas pacientes de câncer de
mama fora do Brasil não estão sendo aplicados
em toda a nossa população”, disse.
Segundo Barrios, tal problemática é
comum em outros países da América Latina.
Por isso, ele vê com bons olhos e muito otimismo a crescente internacionalização do encontro, que neste ano contou com representantes
de pelo menos dez outros países, entre congressistas e palestrantes. “Essa abrangência,
essa internacionalização são importantes pela
troca de experiências e pela riqueza de participações”, comemorou.
Outro ponto ressaltado pelo especialista, e
que ele considera “uma batalha constante”, é
O
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conferir às sessões um caráter mais participativo. Para Barrios, a aproximação entre palestrante e plateia é um fator essencial para discussões mais ricas e o melhor aproveitamento
das sessões. Por isso, um de seus objetivos
constantes é encontrar formas eficazes e inovadoras de promover essa interatividade.
Barrios enfatizou que se o participante
tivesse de levar apenas uma lição de todo o
evento, que fosse a personalização do tratamento. “Não dá para tratar todas as pacientes
de câncer de mama do mesmo jeito. Médico e
paciente devem entender que se trata de uma
condição única, que precisa de uma abordagem diferenciada. Esse é o recado que deve
ser passado para a frente”, afirmou.
NCCN
Já tradicional ponto de encontro de grupos de
pesquisa clínica em câncer de mama, como o
Grupo Brasileiro de Estudos do Câncer de Mama (GBECAM) e o Grupo Latino-Americano de
Investigação Clínica em Oncologia (GLICO),
este ano Gramado também foi palco de uma
iniciativa pioneira: a elaboração de diretrizes
em câncer de mama e câncer de pulmão para
a América Latina, através de uma parceria entre
o GLICO e o National Comprehensive Cancer
Network (NCCN).
O NCCN é uma organização sem fins lucrativos formada por 21 dos principais centros de
câncer do mundo, cujo objetivo é melhorar a
qualidade e a eficácia do tratamento de
pacientes de câncer de todo tipo. Suas diretrizes são reconhecidas como o padrão ouro
para política clínica em oncologia e abordam
detecção, prevenção e redução de risco, diagnóstico, tratamento e cuidados paliativos.
Segundo Mohammad Jahanzeb, diretor
médico da Miller School of Medicine, da
Universidade de Miami, e conselheiro médico
para iniciativas globais do NCCN, as dificuldades
num projeto continental como esse é “trazer
todos os países para um território comum e
mantê-los em território comum”. “Como o
câncer, essa região é muito diversa. Em cada país
pode haver diferenças regionais e dentro de cada
região pode haver diferenças filosóficas”, explicou
Jahanzeb, que esteve envolvido numa iniciativa
similar para o Oriente Médio e o norte da África.
As diretrizes latino-americanas serão
baseadas nas norte-americanas, mas adaptadas
para o contexto local. “Existem muitas similaridades, mas há diferenças como acesso e custo
de tratamento na América Latina, que são
extremamente diversos”, explicou John Ward,
membro do painel de câncer de mama do
NCCN e professor de medicina da divisão de
oncologia da Universidade de Utah. “Um dos
principais desafios é conseguir adaptar as diretrizes a realidades econômicas e políticas diferentes.” Entretanto, é importante ressaltar que,
neste momento, as diretrizes GLICO-NCCN
para a América Latina levarão em consideração
a evidência médica disponível na literatura e não
aspectos de custo da tecnologia necessária.
Ao regionalizar as diretrizes, a América
Latina segue o exemplo de países como China,
Japão e Coreia do Sul, que já contam com suas
guias adaptadas. Na América Latina, os
primeiros esforços nesse sentido começaram
no final de 2009. Onze países – México, El
Salvador, Panamá, Venezuela, Colômbia, Equador, Peru, Chile, Argentina, Uruguai e Brasil –
abraçaram a iniciativa. Ao longo de 2010 foram
organizados dois painéis de especialistas latinoamericanos em câncer de mama e pulmão,
abrangendo oncologistas clínicos, cirurgiões,
radioterapeutas e patologistas para discutir as
guias de tratamento.
O trabalho para se chegar a um mapa que
possa guiar o médico em decisões relacionadas
ao câncer é longo e cheio de nuances. Ward, da
Universidade de Utah, ressaltou que um dos
principais desafios do NCCN é avaliar os “modismos” na área. Segundo o especialista, muitas
drogas ou procedimentos podem ser usados
por médicos ou solicitados por pacientes
porque parecem revolucionários.
“O painel evita seguir tendências e espera
Lilian Liang
Carlos Barrios e Antonio Frasson, John Ward e Mohammad Jahanzeb: congresso de Gramado deste ano contou com participação especial da equipe do NCCN
que haja dados claros antes de apoiar deter-
avaliar se algo que é estatisticamente significa-
rar ‘eficácia comparativa’. É um trabalho em
minada abordagem. Só porque algo parece
tivo se traduz em benefício real ao paciente.
andamento”, explicou.
bom não significa que seja bom. Se novos
“Um exemplo de algo que é estatistica-
O lançamento das diretrizes GLICO-NCCN
dados mostram que uma recomendação
mente significativo, mas talvez com benefício
para câncer de mama e câncer de pulmão está
anterior não é mais útil, ela é removida das
limitado ao paciente, é o uso do bevacizu-
previsto para dezembro. “Essas diretrizes têm
diretrizes. Todos os anos, as diretrizes têm
mabe em conjunção com quimioterapia no
implicações muito importantes graças à credi-
uma página mostrando as mudanças em
câncer de mama metastático. Estudos mos-
bilidade que o NCCN carrega. Com isso, espe-
relação às guias anteriores, para que todos
tram uma pequena melhora na sobrevida livre
ramos poder ter um impacto local em termos
tenham ciência das alterações”, disse.
de doença, mas nenhuma melhora em sobre-
de como o tratamento deve ser feito, de como
Outra dificuldade destacada por Ward na
vida global. É caro e, embora raras, há toxici-
se manejam as pacientes, o que pode aumen-
elaboração de diretrizes é determinar medidas
dades sérias. Atualmente o NCCN está traba-
tar a qualidade de tratamento em toda a
de eficácia comparativa. Em outras palavras:
lhando em melhores formas para se incorpo-
América Latina”, concluiu Barrios.
A detecção precoce da doença metastática é importante e pode alterar o prognóstico?
Mário Alberto Costa Oncologista clínico do Instituto Nacional de Câncer e da Oncoclínica, Rio de Janeiro, membro da
Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica, da American Society of Clinical Oncology e da Sociedade Brasileira de Mastologia,
membro do Grupo Brasileiro de Estudos do Câncer de Mama (GBECAM).
m dos temas que geraram mais discussão na quinta edição do
congresso Câncer de Mama Gramado foi a detecção precoce da
doença metastática e até que ponto o rápido início do tratamento
pode melhorar os resultados e favorecer nossas pacientes.
O câncer de mama é uma doença impactante, que responde por
aproximadamente 11 mil mortes entre as mulheres brasileiras a cada
ano. Nos EUA, trata-se da segunda maior causa de morte por câncer,
com mais de 39 mil óbitos/ano.1 Na maioria absoluta dos casos, o óbito
deve-se ao desenvolvimento de metástase à distância.
Sabemos que 5% a 10% das pacientes se apresentam com doença
disseminada no diagnóstico. Na doença localizada, estima-se que cerca
de 30% das pacientes com linfonodos negativos e 50% daquelas com linfonodos positivos irão desenvolver metástase à distância. A despeito dos
grandes avanços obtidos nos últimos anos no tratamento sistêmico do
câncer de mama metastático (CMM) e do relato de melhora progressiva
dos resultados,2,3 a sobrevida mediana ainda é de apenas 24 a 36 meses.
U
Os principais objetivos do tratamento do CMM são oferecer
tratamento paliativo adequado, melhorar a qualidade de vida e pro-
longar o tempo de vida. Embora seja tentada, a cura é improvável.
Apenas de 5% a 10% da população está viva em cinco anos e de 2%
a 4% acima de dez anos. Entre os fatores que influenciam na sobrevida no CMM temos características clínicas como performance status, idade, intervalo livre de doença, número de sítios metastáticos e
presença de doença visceral, características relacionadas à biologia
tumoral como grau de diferenciação, receptores hormonais e perfil
molecular, tratamento adjuvante prévio e o tratamento da doença
metastática propriamente dita. Modelos como o desenvolvido por
Yamamoto e cols, que consideram a história de quimioterapia adjuvante prévia, presença de metástase linfonodal ou hepática, DHL
elevada e intervalo livre de recorrência alocando a população com
CMM em grupos de baixo, médio e alto risco, podem ajudar na estimativa do prognóstico de sobrevida.4
A recorrência de um câncer de mama é sempre um momento
difícil para nossas pacientes. Em mais de 70% dos casos o diagnóstico
se dá no intervalo entre as visitas de rotina, estando elas sintomáticas
na maioria das vezes.16
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Dois grandes estudos conduzidos há aproximadamente 20 anos
procuraram avaliar se a detecção precoce da doença metastática interfere
no prognóstico e faz com que o tratamento seja mais eficiente com
aumento da sobrevida ou da chance de cura. No estudo de Del Turco e
cols, 1.243 pacientes foram randomizadas entre seguimento clínico com
consultas, exame físico e mamografia ou seguimento intensivo aos quais se
adicionavam radiografia de tórax e mamografia a cada seis meses. Foi
possível antecipar a recorrência no grupo com seguimento intensivo, mas
essa antecipação não levou a qualquer melhora nas taxas de sobrevida em
dez anos.5,6 O estudo do grupo italiano GIVIO também avaliou o seguimento intensivo em 1.320 pacientes. Não houve benefício na qualidade de vida
ou sobrevida.7 Mais recentemente, uma revisão de Cochrane avaliou os
dados de todos os quatro estudos randomizados que testaram a eficácia
das diferentes políticas de seguimento após o tratamento primário de
câncer de mama estádios I, II e III em 3.055 mulheres. Mais uma vez, não
houve diferença em relação à sobrevida global ou à sobrevida livre de
doença, mesmo na análise de subgrupos considerando idade, tamanho de
tumor e linfonodos, reforçando a ideia de que seguimento baseado em
exame físico periódico e mamografia anual é tão efetivo quanto controle
mais intensivo baseado em testes laboratoriais e de imagem.8
Marcadores tumorais como CA 15.3 ou CEA podem antecipar a recorrência em cinco a seis meses, mas não há estudos prospectivos mostrando impacto favorável em relação a sobrevida, qualidade de vida, redução
de toxicidade ou custo-efetividade.10,14 Além disso, os níveis de CEA e CA
15.3 flutuam significativamente e sua sensibilidade e especificidade para
detecção de recorrência são baixas. Exames de imagem como tomografia
computadorizada realizada de rotina também não se mostraram úteis.13
Um pequeno percentual de pacientes com doença metastática limitada pode ser tratado com terapia multimodal envolvendo metastatectomia
e intenção “curativa”. Não se sabe se essas pacientes são mais bem identificadas através de um seguimento rigoroso. Em relação à metástase pulmonar, em 416 pacientes em controle com exame do tórax, um estudo
diagnosticou apenas nove metástases pulmonares isoladas em 148 casos
de recidiva. Havia seis metástases solitárias e em cinco delas ocorreu nova
progressão da doença dentro de cinco meses.12 Metástase hepática geralmente significa doença disseminada, e menos de 10% das pacientes
evoluem com comprometimento hepático isolado. É pouco provável que
seguimento com tomografia computadorizada faça diferença.
Quando analisamos o potencial de um teste para diagnóstico de
recorrência, é preciso tomar cuidado, pois comparações não ajustadas
em relação ao momento do diagnóstico da recidiva (lead-time bias) ou
à velocidade de progressão da doença (length bias) podem dar a falsa
impressão de que a antecipação do diagnóstico (diagnóstico “precoce”)
traz benefício. Na realidade, apenas aumentamos o tempo de observação e/ou de tratamento ou tratamos aparentemente melhor patologias mais indolentes e de melhor prognóstico, mas o tempo de sobrevida permanece inalterado.9
Não se sabe se novos exames como PET-TC podem ajudar. PET-TC
é mais sensível que outros exames de imagem e marcadores tumorais
para detectar recorrência. Uma metanálise reviu os estudos com FDGPET na avaliação de recorrência e metástase em pacientes com câncer
de mama. A sensibilidade mediana foi de 92,7%, a especificidade mediana
de 81,6%, e a taxa de falso-positivo de 11%.11 Entretanto, o benefício em
relação à sobrevida ou à qualidade de vida não foi testado.
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Revista GBECAM
Provavelmente, mesmo em casos de recidiva diagnosticada precocemente pelo PET, já estamos ante uma situação de doença relativamente
avançada em termos biológicos e a terapia atualmente disponível não é
tão eficaz a ponto de permitir que essa antecipação faça diferença. Além
disso, há muitas dúvidas em relação ao PET e a outros testes. Por exemplo, qual a população a ser avaliada com PET? Qual a periodicidade? Qual
o risco de segunda neoplasia induzida pela alta carga de irradiação repetida com frequência? E em pacientes com risco de recidiva no sistema
nervoso central, como aquelas com tumor triplo-negativo ou HER-2 positivo, deve-se recomendar ressonância magnética do crânio? Se ela for
normal, quando deve ser repetida? Certamente, há muitas perguntas não
respondidas e espaço para testar prospectivamente o impacto de novos
exames como presença de células tumorais circulantes, novos marcadores mais sensíveis e específicos e novos métodos de imagem.
Para o momento, seguem valendo diretrizes estabelecidas como as
da ASCO, que recomenda avaliação periódica com história clínica,
exame físico, autoexame da mama, mamografia, exame ginecológico,
imediata avaliação de novos sinais e sintomas e aconselhamento
genético para subgrupos com maior risco de câncer hereditário. As
pacientes devem ser orientadas quanto a sintomas que podem estar
relacionados à recorrência, como dor, dispneia, presença de nódulos e
cefaleia. Não se recomendam de rotina avaliação com exames de
sangue, marcadores tumorais, exames de imagem como cintilografia
óssea, ultrassonografia, tomografia computadorizada, ressonância magnética ou PET.17 Claro que é mais fácil seguir tais recomendações quando estamos atuando dentro de grandes instituições como o INCA ou o
MD Anderson, onde são estabelecidos protocolos de seguimento e conduta para pacientes oncológicos. Algumas vezes no consultório, frente a
frente com uma paciente de risco para recorrência, o médico deve ter
sensibilidade e flexibilidade e a conduta precisa ser individualizada.
Embora nossas pacientes se sintam mais seguras quando são acompanhadas de forma mais intensiva,15 tais exames não substituem atenção
médica e psicológica adequadas. A realização de exames, por vezes
desnecessários, pode gerar mais ansiedade ainda. Devemos lembrar também que há muitos falso-positivos e negativos, que em muitas das vezes
o tratamento precoce só aumenta o tempo em que a paciente fica
exposta a esse tratamento e a sua toxicidade e que exames mais modernos e sofisticados implicam maior custo, que nem sempre é efetivo.
Referências
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3. Chia S K et al. Cancer 110: 973-979, 2007.
4. Yamamoto N et al. J Clin Oncol 16: 2401, 1998.
5. Del Turco M R et al. JAMA 271: 1593-1597, 1994.
6. Palli D et al. JAMA 281: 1586, 1999.
7. The GIVIO Investigators. JAMA 271: 1587-1592, 1994.
8. Rojas et al. Cochrane Database Syst Rev 1: CD001768, 2005.
9. Black W C and Welch H G. N Engl J Med 328: 1237-1243, 1993.
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13. Drotman M B et al. Am J Roentgenol 176(6): 1433-1436, 2001.
14. Molina R et al. Breast Cancer Res Treat 36(1): 41-48, 1995.
15. Morris S et al. Postgrad Med J 68: 904-907,1992.
16. Hiramanek H. Postgrad Med J 80: 172-176, 2004.
17. ASCO Expert Panel. J Clinl Oncol 24: 5091-5097, 2006.
Avanços no manejo cirúrgico do câncer de mama
Antonio Frasson Professor adjunto doutor da Faculdade de Medicina da PUC-RS, coordenador do Centro de Mama da
PUC-RS, Felipe Zerwes Professor assistente doutor da Faculdade de Medicina da PUC-RS e Betina Vollbrecht Médica
assistente mestre do Centro de Mama da PUC-RS
urante o evento Gramado 2010, os temas abordados do ponto de
vista cirúrgico incluíram: avaliação radiológica pré-operatória
antes de cirurgia conservadora; opções de tratamento cirúrgico para
tumores iniciais; uso da quimioterapia pré-operatória com finalidade de
tratamento conservador; papel da cirurgia em pacientes com doença
metastática; importância da ressecção de metástases em pacientes
com carcinoma metastático; e abordagem cirúrgica com mastectomia
(e o tipo de mastectomia), quando necessária.
D
Avaliação pré-operatória
O diagnóstico é baseado nos exames clínico, radiológico e patológico.
O exame radiológico consiste de mamografia bilateral exclusiva em
pacientes com mamas lipossubstituídas. Em pacientes mais jovens, ou
com mamas densas, ou com exame mamográfico falso-negativo, a
ultrassonografia mamária é o exame complementar de escolha. A
ressonância magnética mamária com contraste não é um procedimento de rotina, mas deve ser realizada sempre que as informações
obtidas com mamografia e ultrassom forem consideradas insuficientes
para a escolha de um tratamento conservador seguro.
O exame patológico deve ser obtido preferencialmente através da
punção biópsia com agulha grossa (PAG), também denominada de trucut ou core-biopsy. Em situações em que não for possível realizar uma
PAG, deve ser realizada uma punção aspirativa com agulha fina (PAAF).
Este método, porém, apresenta um maior número de falso-negativos,
além de não diferenciar entre lesão infiltrante e intraductal, nem permitir avaliação imuno-histoquímica.
A avaliação pré-operatória das pacientes deve incluir: hemograma
completo, contagem de plaquetas, exames de coagulação (TP e KTTP),
testes funcionais hepáticos (TGO, TGP) e renais (creatinina) e fosfatase
alcalina. Os exames de rastreamento sistêmicos não são indicados em
pacientes assintomáticas (exceção nos casos de T3N1). Caso ocorra
alguma alteração nos exames sanguíneos ou a paciente apresente
algum sinal ou sintoma, indica-se uma investigação sistêmica.
A avaliação da patologia deve incluir tipo e grau histológico, determinação de receptores hormonais, status do HER2 e avaliação de Ki67.
Tratamento cirúrgico
A cirurgia conservadora é preconizada nas pacientes que não apresentem contraindicação (ver tabela ao lado).
A biópsia do linfonodo sentinela, realizada por equipe experiente na
técnica, é a cirurgia de escolha em pacientes com axila negativa.
Naquelas com axila clinicamente positiva podemos realizar PAAF ou
PAG, guiadas por ultrassonografia mamária, para avaliação do linfonodo. Em casos de negatividade, realizamos linfonodo sentinela; em
Contraindicações de cirurgia conservadora mamária
Contraindicações
absolutas
Contraindicações
relativas
- microcalcificações
extensas e difusas
- gestação
- tumores multicêntricos
- impossibilidade de
margens livres
- lesões muito grandes
em relação ao volume
da mama
- radioterapia torácica
prévia
- tumores > 5,0 cm
- doenças vasculares do
colágeno em atividade
(lúpus ou esclerodermia,
exceto artrite reumatoide)
- pacientes jovens com
mutação de BRCA
- desejo da paciente
casos de positividade, procede-se ao esvaziamento axilar diretamente.
Nos casos de mastectomia, devemos oferecer a oportunidade de
reconstrução mamária. Podemos realizar técnicas de oncoplástica ou
terapia neoadjuvante em pacientes com tumores unifocais de maiores
dimensões e que não apresentem outra contraindicação para o tratamento conservador, se a lesão tumoral diminuir de tamanho.
Quanto ao tipo de mastectomia, se clássica, com preservação de
pele ou com conservação de pele, aréola e mamilo, não há nenhum
estudo que tenha comparado as técnicas, e a opção por uma ou
outra é absolutamente empírica. No entanto, há uma grande
tendência mundial para a conservação da pele, aréola e mamilo,
sempre que o tumor se localizar longe do complexo areolomamilar
(distância superior a 3 cm), sendo o risco de recorrência cutânea e
subcutânea muito mais relacionado com as características biológicas do tumor, com o tamanho do tumor e com sua distância em
relação à pele do que propriamente com a conservação do complexo areolomamilar.
Quimioterapia neoadjuvante ou quimioterapia primária
Para pacientes com tumores unifocais que, em função do tamanho do
tumor, não sejam candidatas a cirurgia conservadora, a quimioterapia
pré-operatória pode ser uma alternativa viável tanto para aumentar as
chances de tratamento conservador quanto para testar a eficácia do
esquema quimioterápico escolhido. Em relação à biópsia do linfonodo
sentinela nessas circunstâncias, em pacientes com axila clinicamente
Revista GBECAM
7
>> panorama
negativa, ela pode ser realizada tanto antes quanto depois da
quimioterapia, sem vantagens conclusivas de uma alternativa sobre a
outra. Naquelas pacientes com linfonodos clinicamente suspeitos, é
aconselhável avaliá-los antes de começar o tratamento sistêmico. Isso
pode ser realizado utilizando punção aspirativa ou core-biopsy guiada
por ultrassonografia. Nos casos de linfonodos positivos pré-quimioterapia, a recomendação é o esvaziamento axilar radical no momento da
cirurgia, seja ela conservadora, seja mastectomia.
Radioterapia
A radioterapia pós-operatória faz parte do tratamento conservador do
câncer de mama e a sua realização é fortemente recomendada.
O guideline de 2010 do NCCN (National Comprehensive Cancer
Network) americano, baseado em estudo randomizado (categoria 1 de
indicação), faz uma exceção para pacientes com 70 anos ou mais,
com pT1N0 e receptores hormonais positivos submetidas a cirurgia
conservadora (com margens livres). Nesses casos, a radioterapia pode
ser evitada quando utilizado tamoxifeno.
Quando a quimioterapia adjuvante for indicada, normalmente realizase a radioterapia após a finalização da quimioterapia.
Tratamento sistêmico
O principal objetivo do tratamento sistêmico adjuvante é controlar
qualquer depósito remanescente de doença, reduzindo a taxa de
recidiva e melhorando a sobrevida a longo prazo.
Em outro artigo no Lancet em 2005, o EBCTCG analisou os efeitos
da quimioterapia e da hormonioterapia na recidiva local e na sobrevida em 15 anos em pacientes com carcinoma de mama inicial.
Foram analisados 194 estudos randomizados iniciados em 1995,
com mais de 144 mil mulheres e 46 mil óbitos. Mulheres com receptores hormonais positivos que receberam tamoxifeno por pelo menos
alguns anos tiveram uma melhora substancial na sobrevida a longo
prazo, independentemente de fatores como idade, status linfonodal e
quimioterapia concomitante. O maior benefício foi demonstrado em
pacientes que receberam cinco anos de tamoxifeno, com uma
redução média nos óbitos por câncer de mama em 15 anos de aproximadamente 9%.
A proporção de mulheres que sobreviveram por pelo menos 15
anos após o tratamento quando elas tinham menos de 50 anos foi 10%
maior quando elas foram submetidas a alguns ciclos de poliquimioterapia (mais de um agente) após a cirurgia. Entre mulheres de 50 a 69
anos, a melhora na sobrevida foi de 3%. Havia um número pouco
expressivo de pacientes acima de 70 anos nos estudos avaliados para
uma conclusão definitiva.
Os benefícios foram maiores para regimes que continham antraciclinas se comparados aos com CMF (ciclofosfamida, metotrexate e
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5-fluorouracil). Mulheres pré-menopáusicas submetidas a ablação
ovariana, quando na ausência de quimioterapia, tiveram uma melhor
sobrevida a longo prazo.
A combinação de quimioterapia com antraciclina e tamoxifeno
pode reduzir o risco de óbito por câncer de mama em mais da metade
em mulheres com menos de 50 anos e um pouco menos em mulheres de 50 a 69 anos.
Por incluir somente estudos que estavam finalizados em 2000,
este artigo não inclui estudos com inibidores da aromatase, taxanos e
trastuzumabe.
O guideline da NCCN de 2010 coloca os taxanos na lista de
regimes de adjuvância preferenciais, geralmente em esquemas contendo também antracíclicos.
O mesmo guideline e as recomendações da Sociedade Europeia
de Oncologia Clínica (ESMO) indicam trastuzumabe para todas as
pacientes com HER2 + com tumores acima de 1 cm ou com axila positiva com qualquer dimensão tumoral, acompanhado de quimioterapia adjuvante. As indicações de inibidores da aromatase podem ser
mais bem estudadas no capítulo específico de hormonioterapia.
Cirurgia mamária em paciente com doença metastática, ou cirurgia da metástase em pacientes com câncer de mama
Apesar de não existirem estudos randomizados que demonstrem os
benefícios da ressecção de tumores mamários em pacientes que apresentem doença sistêmica, estudos pareados têm demonstrado os
benefícios da remoção de doença grosseira, tanto mamária quanto
extramamária, em pacientes com doença sistêmica. A maior sobrevida observada, que pode ser decorrente apenas de uma seleção de
pacientes que vão a cirurgia e que têm melhor prognóstico, acaba
sendo um fator motivador importante para o controle global de
pacientes com doença grosseira. Por esse motivo, e de um modo
geral, após uma avaliação sistêmica cuidadosa, pacientes com doença
localizada não letal de imediato tendem a ser manejadas cirurgicamente sempre que a cirurgia for possível, no sentido de extirpar
doença grosseira e contribuir para o controle local e sistêmico de
pacientes no estádio IV.
Conclusão
A abordagem da paciente com tumor inicial deve ser multidisciplinar
com planejamento terapêutico inicial, que deve prever tipo de cirurgia
(setorectomia, mastectomia, adenomastectomia), tipo de reconstrução
(retalhos locais, mamoplastias, reconstrução com prótese ou expansor,
lembo miocutâneo), uso de radioterapia (parcial ou total) e necessidade
de tratamento sistêmico. Essa reflexão inicial é importante para evitar
que uma atitude cirúrgica intempestiva inviabilize algumas das opções
terapêuticas ou sequência em que elas deveriam ser realizadas.
Ponto de vista
Atualizações em câncer de mama
Uma seleção e análise dos principais artigos
internacionais nos últimos meses
Por Sergio D. Simon
Relação entre o emprego de terapia de reposição
hormonal (TRH) e câncer de mama: novos dados
fato de o estrógeno isolado causar
grande aumento do câncer de endométrio já era bem conhecido nos anos 90.
Uma metanálise de Grady em 1996, abrangendo 30 estudos randomizados, mostrava
que o uso na menopausa de estrógenos isolados (”unopposed estrogen therapy”) aumentava significativamente (em até quatro
vezes) o risco de câncer de endométrio, e
que esse risco persistia bastante elevado
mesmo muitos anos após a parada do uso de
estrógenos. Por esse motivo, a reposição
hormonal passou a ser feita, em mulheres
não histerectomizadas, com a combinação
de estrógeno e progestágenos (e+p). O
estrógeno seria o componente útil no tratamento dos sintomas da menopausa,
enquanto a progesterona teria o efeito protetor sobre o endométrio.
Entretanto, o aumento do risco de
câncer de mama com o uso de TRH com a
combinação estrógeno + progestágeno ficou
demonstrado no estudo conhecido como
WHI (Women’s Health Initiative), publicado
em 2002. Nesse estudo, 16.608 mulheres
foram randomizadas para receber a combinação de E+P (estrógenos equinos conjugados 0,625 mg/dia + acetato de medroxiprogesterona 2,5 mg/dia) ou placebo. Uma breve
nota no JAMA-Express em julho daquele ano
informava que o comitê de segurança do
estudo recomendara sua suspensão, uma
vez que, após 5,2 anos de seguimento, havia
aumento de risco não só de câncer de
O
mama, mas também de doença cardiovascular, tromboembolismo pulmonar e acidente vascular cerebral. Para câncer de
mama, o hazard ratio atingira naquele
momento 1,26 (IC95%=1,00-1,59). Numa
análise do mesmo estudo, mais específica
para a relação entre câncer de mama e TRH,
Chlebowski1 publicou em janeiro de 2003,
também no JAMA, que a combinação E+P
aumentara o número absoluto de casos de
câncer de mama de 185 para 245, com um
hazard ratio de 1,24, com valor estatístico
altamente significante. O grau e o tipo histológico não variaram, mas o tamanho dos
tumores era maior e o estádio inicial era mais
avançado no grupo que recebeu a combinação E+P do que no grupo placebo.
Ainda em 2003, Beral2 relatou o estudo
britânico Million Women Study, no Lancet.
Nele, dados similares foram observados: um
aumento significativo de câncer de mama
nas mulheres que faziam uso da combinação de E+P, de tibolona e mesmo de
estrógenos isolados. O risco da combinação,
entretanto, foi bem maior para a combinação E+P, com um hazard ratio de 2,00
(IC95%=1,88-2,12), p<0,0001 (HR = 1,45 para
tibolona; HR = 1,30 para estradiol isolado).
Numa atualização do WHI apresentada
recentemente na ASCO de 2010, Chlebowski, agora apresentando dados de 41.449
mulheres observadas ao longo do período
total de 11 anos, mostrou que não só houve
mais câncer de mama no grupo que rece-
beu TRH (385 vs. 295 casos) como também
esses tumores tinham mais risco de comprometer a axila (p=0,02). A mortalidade diretamente atribuída ao câncer de mama
também foi maior, bem como a morte por
qualquer causa após o diagnóstico do
câncer de mama.
Com a publicação inicial do estudo
WHI, seguida pela publicação do estudo
britânico, o número das usuárias de TRH
nos EUA começou a cair já em 2002 e caiu
abruptamente, em mais de 40%, em 2003.
Provavelmente como consequência disso,
a partir desse mesmo ano foi observada,
pela primeira vez na história, uma queda
no número absoluto de casos de câncer de
mama no país. Ravdin apresentou na
ASCO de 2007 uma avaliação da incidência de câncer de mama nos EUA no período de 2002 a 2004, mostrando queda de
cerca de 7% no número de casos de
câncer de mama. Essa queda foi observada
em todos os estados do país, e restringiuse aos casos de câncer de mama com
receptores hormonais positivos.
Em agosto de 2010, T. Saxena et al. publicaram um novo estudo3 observacional de
professoras da Califórnia no qual demonstram que mulheres que usaram estrógeno
por mais de 15 anos tiveram um risco 19%
maior do que as mulheres que nunca haviam
usado estrógeno. As mulheres que haviam
usado a combinação E+P, entretanto, apresentaram um risco 83% maior do que as que
Revista GBECAM
9
Ponto de vista
nunca haviam feito TRH. Foram estudadas
56.867 mulheres peri e pós-menopausadas,
das quais 2.857 (5%) apresentaram carcinoma
invasivo de mama, num seguimento mediano de 9,8 anos. Um dado interessante do
estudo é que o risco foi proporcionalmente
maior quanto maior o tempo de exposição,
mas somente para as mulheres com índice
de massa corporal (IMC) < do que 29,9 kg/m2,
mas não para as obesas (IMC>30). Outro dado
significativo foi que esse risco se restringia
não só aos tumores que tinham receptores
de estrógeno e de progesterona positivos,
como também aos tumores HER2+, fato
ainda não conhecido.
Esse estudo recente de Saxena traz
alguns dados provocativos. Primeiramente,
chama a atenção o fato de haver aumento do
risco para tumores HER2+. Esse fato
aparentemente surpreendeu os próprios
autores, uma vez que se acredita que
reposição hormonal afete somente células
hormônio-dependentes, aumentando o número de tumores hormônio-dependentes,
que seriam estimulados pela TRH. Como
existe uma relação inversa entre presença de
receptores hormonais e presença de amplificação do gene HER2, será necessária maior
investigação nessa área. É possível que se
trate de artefato estatístico, mas, por outro
lado, não se pode ignorar um achado que
atinge significância num estudo desse porte.
Segundo, o risco de câncer de mama aumen-
ta significativamente nas mulheres com
sobrepeso, mas parece não se modificar nas
mulheres obesas. É possível que o aumento
de estradiol sérico causado pela TRH seja
mais importante para as mulheres não obesas, uma vez que as obesas, por serem portadoras de grande massa de tecido adiposo e,
consequentemente, de grande quantidade de
aromatase, já apresentam um nível circulante
de estrógenos mais elevado. Nesse caso, o
estrógeno adicional da TRH faria pouca diferença no aumento de risco.
Esses conhecimentos recentes têm levado a uma mudança profunda no câncer
de mama. Primeiramente, a própria epidemiologia da doença parece haver mudado. Numa recente revisão epidemiológica da
doença, Verkooijen e colaboradores4 mostram que entre os períodos de 2001-2002 e
2005-2006 houve uma queda muito significante, de cerca de 22%, na incidência de
câncer de mama observada nos EUA e em
vários países europeus. Temporalmente,
essa queda está certamente relacionada à
diminuição no uso da TRH. Essa diminuição
de incidência de mama tem sido bem mais
acentuada nas mulheres na faixa de 50-60
anos, e tem sido maior entre os tumores
RH+. Em segundo lugar, houve uma
mudança importante de atitude por parte
das mulheres nesses países: há muita
resistência por parte delas ao uso da TRH, e
esta tem sido de duração muito mais curta.
Mesmo assim, estima-se que, ainda hoje,
cerca de 30 milhões de mulheres americanas ainda façam uso de TRH.
A dimensão do problema ainda não é
bem conhecida em nosso meio, mas a
grande quantidade de dados apresentados
na última década deve levar a mudanças
significativas no uso da TRH também no
Brasil. Recomenda-se uma discussão ampla
dos riscos e benefícios com cada paciente
que tenha real indicação de TRH.
Referências:
1. Chlebowski RT, Hendrix SL et al.: Influence
of estrogen plus progestin on breast cancer
and mammography in healthy postmenopausal women: The Women’s Health
Initiative trial.
JAMA. 2003 Jun
25;289(24):3243-53.
2. Beral V: Breast Cancer and hormonereplacement therapy in the Million Women
Study. Lancet 2003 Aug 9;362(9382):419-27.
3. Saxena T, Lee E et al.: Menopausal hormone therapy and subsequent risk of specific invasive breast cancer subtypes in the
California Teachers Study. Cancer Epidemiol
Biomarkers Prev. 2010 Sep;19(9):2366-78.
Epub 2010 Aug 10.
4. Verkooijen HM, Bouchardy C et al.: The
incidence of breast cancer and changes in
the use of hormone replacement therapy: a
review of the evidence. Maturitas. 2009 Oct
20;64(2):80-5. Epub 2009 Aug 25.
Imuno-histoquímica pode auxiliar na escolha da quimioterapia adjuvante
ois estudos recentes mostram que o
estudo cuidadoso da imuno-histoquímica do câncer de mama de uma
paciente pode auxiliar na escolha dos melhores agentes quimioterápicos para o
tratamento adjuvante.
No primeiro deles, Hugh e colaboradores1, em nome dos pesquisadores do
D
BCIRG, investigaram o papel prognóstico e
preditivo da tipagem em subgrupos mole-
10
Revista GBECAM
culares de câncer de mama nas pacientes
do estudo BCIRG0012 (também conhecido
como “TAC vs. FAC”). Esse estudo, de 1.491
mulheres, mostrara vantagem de sobrevida
livre de progressão e sobrevida global para
as pacientes que haviam recebido a combinação de docetaxel na adjuvância. Num
seguimento mediano de 55 meses, a taxa
de sobrevida livre de doença (o endpoint
primário do estudo) era de 75% para as
pacientes do grupo TAC, vs. 68% para as
pacientes do grupo FAC, representando
uma redução de 28% no risco de recidiva.
A sobrevida global estimada aos cinco
anos era de 87% para o grupo TAC vs. 81%
para o grupo FAC, resultando numa
diminuição de 30% do risco de morte.
Baseado nesse estudo, o TAC passou a ser
um dos protocolos de tratamento adjuvante mais utilizados em vários países do
Imuno-histoquímica pode auxiliar na escolha da quimioterapia adjuvante
(continuação)
mundo, inclusive no Brasil.
Nesse estudo, 1.350 casos (91% dos
casos do estudo original) tiveram sua
imuno-histoquímica revista e, como resultado, as pacientes foram classificadas em quatro subtipos tumorais: 1) “Triplo-negativas”
(RE-, RP-, HER2-); 2) “HER2 positivas” (RE-,
RP-, HER2+); 3) Luminal B (RE+, RP+ e ou
HER2+ ou KI67 elevado); e 4) Luminal A
(RE+, RP+, HER2 negativo e Ki67 baixo).
É importante lembrar que os estudos de
imuno-histoquímica e FISH foram todos
realizados em laboratório central e lidos
exclusivamente por uma única patologista (a
própria dra. Judith Hugh). Ao final da análise,
14,5% das pacientes foram subclassificadas
como “triplo-negativas”, 8,5% como “HER2
positivas”, 61,1% como “Luminal B” e 15,9%
como “Luminal A”.
Analisada como um todo, a população
tratada com docetaxel teve um hazard ratio
de 0,73 (IC95%= 0,58-0,91, p=0,051). As
pacientes do grupo Luminal B mostraram
uma melhora estatisticamente significativa de
SLD, favorecendo o docetaxel, com SLD aos
três anos de 85,2% vs. 70% (HR = 0,66, IC95%
= 0,46-0,95, p=0,025). Houve diferença marginal favorecendo o esquema TAC nos subgrupos triplo-negativo e HER2 positivas, com
SLD aos três anos de 73,5% vs. 60% e 76,4% vs.
60,3%, respectivamente (p=0,051 e 0,068,
respectivamente). Já no grupo Luminal A não
houve nenhuma diferença quanto ao tipo de
quimioterapia utilizada: 92,2% e 89,3% de SLD
com TAC e FAC, respectivamente (p=0,472).
O segundo estudo nessa área é de
Penault-Llorca e colaboradores3, que utilizam o valor do Ki67 para avaliar o efeito da
introdução do docetaxel na adjuvância. O
antígeno Ki67 (também conhecido como
KI67 ou MKI67) é uma proteína de localização nuclear codificada pelo gene MKI 67.
Aparentemente, essa proteína é importante
na proliferação celular e está associada à
transcrição de RNA no ribossomo, uma vez
que a inativação do Ki67 leva à inibição da
síntese ribossomal de RNA. Na interfase, sua
localização é puramente nuclear, mas
durante a mitose o antígeno migra para a
superfície dos cromossomas. Ele pode ser
localizado em todas as fases proliferativas da
célula (G1, S, G2 e mitose), mas não na fase
de repouso (G0), sendo, portanto, um excelente marcador de proliferação.
Os autores analisaram a relação entre o
Ki67 e o efeito do docetaxel nas pacientes
receptor de estrógeno-positivas que haviam
participado do estudo francês PACS01. No
estudo original4, 1.999 pacientes com câncer
de mama linfonodo positivo haviam sido randomizadas para receber seis ciclos de FEC100
ou três ciclos de FEC100, seguidos de três ciclos de docetaxel 100 mg/m2, demonstrando
uma redução de 17% no risco de recidiva
(HR=0,83, IC95%=0,69-0,99). Das 1.999
pacientes do estudo original, 1.190 espécimes
foram coletados (55% dos casos), dos quais
798 foram classificados como RE-positivos e
incluídos nesse estudo. O ponto de corte do
escore de Ki67 foi de 20% (positivo = escore >
20%). Os grupos Ki67-negativos e Ki67-positivos foram bem balanceados quanto à idade,
tamanho do tumor e número de linfonodos
acometidos. Em termos de grau tumoral, as
pacientes Ki67-negativas tinham tumores
graus 1 e 2 em 91% dos casos, enquanto as
Ki67-positivas tinham tumores graus 1 e 2 em
apenas 48% dos casos, certamente devido à
diferente biologia desses dois grupos de
tumores. 79% dos tumores foram tidos como
Ki67-negativos (escore de Ki67 <20%) e 21%
foram classificados como Ki67-positivos
(escore > 20%).
Quando analisadas em relação à eficácia
da droga, viu-se que o hazard ratio de TAC
vs. FAC foi de 0,51 (0,26-1,01) para as
pacientes com Ki67 elevado. Já para as
pacientes Ki67-negativas, o HR foi de 1,03
(0,69-1,55). A sobrevida livre de doença aos
cinco anos foi de 81% vs. 84% nas pacientes
Ki67 negativas e positivas tratadas com
FEC/Taxotere, enquanto a SLD foi de 81% vs.
62% nas pacientes Ki67 negativas e positivas
tratadas com FEC somente. Ou seja, para as
pacientes com Ki67 alto, a introdução do
docetaxel aumentou a SLD de 62% para 81%,
enquanto nas pacientes com Ki67 baixo
praticamente não houve modificação da SLD
com a introdução do taxano.
Assim, ambos os estudos demonstram
que os tumores classificados como Luminal
A (estudo de Hugh) ou os tumores com REpositivos com baixo índice proliferativo
(estudo de Penault-Llorca) não se beneficiam, na prática, de taxanos na adjuvância.
Isso vai de acordo com dados pré-clínicos,
que mostram que células muito ricas em
receptores hormonais são geralmente de
crescimento lento e, portanto, são relativamente insensíveis a agentes quimioterápicos
que agem preferencialmente na fase de
divisão celular. Tendo-se em conta que os
tumores do tipo Luminal A são, em muitas
séries, os mais frequentemente diagnosticados, especialmente na população pósmenopausa, esses achados de imuno-histoquímica têm implicações práticas importantes na escolha da quimioterapia adjuvante mais apropriada para essas pacientes.
Além disso, fica ressaltada a importância do
docetaxel para as pacientes de subgrupos
mais agressivos, ou de Ki67 mais elevado.
Referências:
1. Hugh J, Hanson J et al.: Breast cancer subtypes and response to docetaxel in nodepositive breast cancer: use of an immunohistochemical definition in the BCIRG 001
trial. J Clin Oncol 2009 27:1168-1176.
2. Martin M, Pienkowski T et al.: Adjuvant
docetaxel for node-positive breast cancer. N
Engl J Med 2005; 352:2302-2313.
3. Penault-Llorca F, André F et al. Ki67
expression and docetaxel efficacy in patients
with estrogen-receptor positive breast cancer. J Clin Oncol 2009 27:2809-2815.
4. Roché H, Fumoleau P et al.: Sequential
adjuvant epirubicin based and docetaxel
chemotherapy for node-positive breast cancer patients : The FNCLCC PACS01 Trial. J
Clin Oncol 2006 24: 5664-5671.
Revista GBECAM
11
Ponto de vista
Considerações sobre o impacto da introdução de terapias biológicas
dirigidas (trastuzumabe) no tratamento do câncer de mama
em dúvida, um dos avanços mais importantes da oncologia moderna nas últimas
duas décadas foi o desenvolvimento do conceito do tratamento individualizado. Embora
do ponto de vista intuitivo todos reconheçamos que existe uma heterogeneidade
importante na evolução de casos teoricamente semelhantes da perspectiva clínica,
somente nos últimos anos é que desenvolvemos a capacidade de separar pacientes segundo critérios bem definidos, com vantagens
prognósticas e preditivas. A consequência
prática desse conceito é identificarmos esses
subgrupos de forma diferente, a ponto de não
somente tratarmos esses pacientes de maneira
distinta, mas também de desenvolvermos
pesquisa em cada grupo, separadamente.
Permanece sem explicação como, por
S
tanto tempo, não fizemos uma diferenciação clara entre as populações de pacientes
com ou sem expressão de receptores hormonais. Inúmeros estudos foram desenhados e conduzidos sem uma preocupação
com o conceito de que a expressão hormonal poderia identificar doenças de comportamento biológico diferente.
Essa dificuldade parece finalmente estar
sendo superada. A identificação da anormalidade de HER2, receptor de membrana que é
parte de uma família de receptores de fatores
de crescimento, tem sido instrumental nesse
processo coletivo destes últimos 20 anos. De
uma expressão normal de apenas 1.0002.000 moléculas de HER2 por célula, esse
subgrupo de tumores passa a apresentar
2.000.000 de moléculas na sua membrana,
com consequências biológicas importantes.
Outro elemento crítico para a nossa evolução
nesse sentido tem sido a capacidade, praticamente universal, de identificar esses tumores/
pacientes com a técnica de imuno-histoquímica, que democratizou nossa habilidade
de subclassificar o câncer de mama.
O desenvolvimento do anticorpo trastuzumabe, dirigido especificamente a bloquear
a sinalização alterada de HER2 nesse grupo
de tumores, levou sem dúvida a uma mudan-
12
Revista GBECAM
ça na história natural da doença nessas
pacientes. Primeiro foram as evidências de
aumento na sobrevida de pacientes com
doença metastática. Depois, dados de vários
estudos demonstraram melhor prognóstico
para as pacientes que recebiam esse anticorpo de forma adjuvante e neoadjuvante.
Mesmo assim, a caracterização de subgrupos
de câncer de mama com história natural e
prognóstico diferentes ainda carecia de uma
comparação prognóstica com outros grupos.
Num artigo publicado no Journal of
Clinical Oncology, Dawood e colaboradores
revisam de forma retrospectiva as evoluções
de pacientes com câncer de mama avançado
tratadas no MD Anderson Cancer Center. As
pacientes são separadas em três grupos,
segundo expressão de receptores por imunohistoquímica: pacientes com expressão de
receptor HER2 que não receberam trastuzumabe; pacientes com expressão de HER2
que receberam trastuzumabe; e, finalmente,
pacientes sem expressão de HER2 tratadas
com quimioterapia. A evolução desses grupos foi posteriormente comparada. Embora
os autores reconheçam as limitações desse
tipo de trabalho, a análise demonstrou, de
forma clara, que o prognóstico das pacientes
HER2 positivas se modificou com a introdução do tratamento específico.
O prognóstico da doença HER2+ é pior
do que o das pacientes que não apresentam
essa alteração. O tratamento com trastuzumabe, no entanto, melhora tal prognóstico,
tornando-o equivalente àquele das pacientes
HER2-. Mesmo retrospectiva, a análise representa a confirmação de um impacto clinicamente evidente na nossa prática clínica.
Um único reparo que poderia ser acrescentado às limitações da análise é a diferenciação do grupo HER2- entre as triplo-negativas (receptores hormonais e HER2 negativas) e aquelas ER ou PR positivas e HER2-.
Isso provavelmente resultaria em duas curvas de sobrevida muito diferentes, melhorando a sobrevida daquelas que expressam
receptores hormonais – onde encontramos
as Luminais A e B – ao serem retiradas do
grupo as pacientes de pior prognóstico sem
expressão desses receptores. Seria interessante saber se o resultado final seria o
mesmo. Os autores reconhecem parcialmente tal situação numa resposta ao questionamento de um grupo italiano, que
comentou um estudo fase II prospectivamente realizado, no qual as diferenças entre
os dois grupos de pacientes (HER2+ e
HER2-) foram inicialmente observadas.
Referências:
1. Sorlie T, Perou CM, Tibshirani R, et al.:
Gene expression patterns of breast carcinomas distinguish tumor subclasses with clinical implications. Proc Natl Acad Sci U S A
98:10869-10874, 2001.
2. Slamon DJ, Clark GM, Wong SG, et al.:
Human breast cancer: Correlation of relapse
and survival with amplification of the HER2/neu oncogene. Sci- ence 235:177-182, 1987.
3. Slamon DJ, Leyland-Jones B, Shak S, et al.:
Use of chemotherapy plus a monoclonal
antibody against HER2 for metastatic breast
cancer that overexpresses HER2. N Engl J
Med 344:783-792, 2001.
4. Dawood S, Broglio K, Buzdar AU, et al.:
Prognosis of women with metastatic breast
cancer by HER2 status and trastuzumab
treatment: An institutional-based review. J
Clin Oncol 28:92-98, 2010.
5. Papaldo P, Fabi A, Ferretti G, et al.: A phase
II study on metastatic breast cancer patients
treated with weekly vinorelbine with or without trastuzumab according to HER2 expression: Changing the natural history of HER2positive disease. Ann Oncol 17:630-636, 2006.
6. Piccart-Gebhart MJ, Procter M, LeylandJones B, et al.: Trastuzumab after adjuvant
chemo- therapy in HER2-positive breast
cancer. N Engl J Med 353:1659-1672, 2005.
7. Ferretti G, Fabi A, Felici A, et al.: Improved
prognosis by trastuzumab of women with
HER2-positive breast cancer compared with
those with HER2- negative disease. J Clin
Oncol 28:e337, 2010.
Implicações do bloqueio de múltiplas vias: o “crosstalk”
entre os receptores hormonais e HER2
doença receptor hormonal positiva é biologicamente heterogênea: nem todas as
pacientes que expressam receptores respondem da mesma forma às manipulações
endócrinas. Mesmo reconhecendo a presença de receptores hormonais como um
aspecto importante para caracterizar o câncer
de mama, nossa capacidade para diferenciar
diferentes populações dentro desse grupo
ainda deve ser considerada muito limitada.
Um dos aspectos de maior limitação nesse
sentido é não conhecermos de forma adequada os mecanismos por meio dos quais a
doença originalmente endócrino-sensível se
torna resistente. Aparentemente, a célula
A
tumoral no início depende da sinalização
através dos receptores de estrógeno e progesterona para sobrevivência e crescimento.
Quando tal sinalização é bloqueada com alguma estratégia endócrina, essa célula desenvolve
estímulos através de vias alternativas para substituir e manter seus processos fundamentais.
A sinalização alternativa através de receptores de fatores de crescimento representa um
mecanismo de desenvolvimento de resistência endócrina que vem sendo reconhecido
como uma das formas que a célula tumoral
utiliza para burlar o bloqueio hormonal. Tal
conceito é importante porque levanta a possibilidade de estabelecermos um bloqueio concomitante, tanto da sinalização da via hormonal quanto da via de fatores de crescimento, como uma estratégia de tratamento que
possa ser mais eficaz e retardar ou evitar o
desenvolvimento de resistência hormonal.
Dados pré-clínicos em modelos animais
sugerem que a combinação de diferentes
agentes alvo-dirigidos apresenta maior eficácia contra linhagens celulares com expressão
tanto de receptores hormonais como de
HER2. Do ponto de vista clínico, essa situação
identifica um subgrupo particular de pacientes com câncer de mama que poderia ser
chamado de “triplo-positivo”. Pouco conhecemos da biologia específica desses tumores,
que, provavelmente, são classificados por sua
expressão genética entre os tumores Lu-
minais B. A percepção é que, neles, existe
uma resistência parcial ao tratamento hormonal ou pelo menos menor sensibilidade à
manipulação endócrina.
Entre os mecanismos de resistência
primária ao tratamento hormonal reconhecemos a hiperexpressão de EGFR ou de HER2,
por isso o bloqueio concomitante das duas
vias tem sido considerado uma alternativa terapêutica. Dois estudos randomizados de fase III têm explorado estratégia. O primeiro,
TAnDEM, tratou pacientes com câncer de
mama metastático com HER2 e receptor hormonal positivo. As pacientes foram randomizadas a receber anastrozol como agente
único ou a combinação de anastrozol com
trastuzumabe. Várias informações foram geradas com esse estudo. A primeira é que a
resposta ao tratamento hormonal isolado
nesse grupo de pacientes é muito pobre, de
apenas 6%. O tempo para progressão também
é muito curto, 2,4 meses. Esses números atestam para a relativa resistência desses tumores
a manipulações hormonais. A combinação
com o bloqueio concomitante da via HER2
com o anticorpo monoclonal resultou numa
melhor resposta e num prolongamento significativo no tempo para progressão, 4,8 meses
(p=0,0016), confirmando que o bloqueio das
duas vias oferece melhores resultados.
O segundo estudo, de Johnston e colaboradores, analisou pacientes com câncer de
mama metastático com receptores hormonais
positivos. Mais de 1.200 pacientes foram incluídas, independentemente da expressão de
receptores hormonais, na projeção de que
cerca de 120 delas também fossem HER2+. As
pacientes foram randomizadas a receber letrozol como agente único ou a combinação do
inibidor de aromatase (IA) com lapatinibe.
Tanto a resposta objetiva (15% vs. 28%) quanto
o tempo para progressão (3,0 vs. 8,2 meses)
foram superiores para o grupo tratado com o
bloqueio duplo.
Na população HER2 negativa não houve
diferenças significativas, embora uma análise
retrospectiva tenha demonstrado que o sub-
grupo que apresentava progressão de
doença em menos de seis meses de descontinuação do tamoxifeno (“mais resistente”)
parecia apresentar maior benefício com o
uso da combinação quando comparado ao
IA isolado. Essa análise foi retrospectiva e não
atingiu significância estatística, devendo portanto ser considerada exploratória.
Com essas evidências, podemos concluir
que essa população triplo-positiva tem, em
geral, uma sobrevida livre de progressão muito
curta com hormonioterapia, é relativamente
resistente ao tratamento endócrino isolado e
que esses resultados parecem melhorar com a
combinação de hormonioterapia e bloqueio da
via do HER2. Uma pergunta que permanece
sem resposta é a relativa vantagem de tratar
esse grupo de pacientes com quimioterapia.
Nenhum estudo até agora abordou esse questionamento de forma definitiva.
Referências:
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and Placebo As First-Line Therapy for
Postmenopausal Hormone Receptor–Positive
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Revista GBECAM
13
Divulgação
>> mais GBECAM
Um grupo pioneiro
Criado há cinco anos por um grupo de oncologistas, o GBECAM
hoje se firma como referência na elaboração e desenvolvimento
de estudos clínicos na área de câncer de mama
Por Cláudia Vasconcelos
A
abrangência nacional nos próximos três anos.
para a incorporação de novas terapias à
O GBECAM participa atualmente de vários
prática médica. Somente através da chamada
protocolos clínicos internacionais. Também
O estudo CIBOMA 2004/01 é um estudo mul-
medicina baseada em evidências podemos dar
estão em andamento alguns protocolos
ticêntrico, fase IV/III, aberto, randomizado, que
passos concretos na direção dos avanços no
nacionais, originados pelo próprio grupo.
avalia a eficácia de capecitabina (Xeloda) após
pesquisa clínica é o único método eficaz
CIBOMA 2004/01
Os estudos clínicos conduzidos pelo GBE-
quimioterapia neoadjuvante e/ou adjuvante
É esse o caso do câncer de mama: uma
CAM são inicialmente selecionados para
padrão em pacientes com câncer de mama
patologia complexa, que exige sempre um
atender às necessidades das pacientes de
ressecável, triplo-negativo. O objetivo primá-
grande número de estudos clínicos, com dife-
câncer de mama – somente então eles são
rio desse estudo é comparar a sobrevida livre
rentes perguntas científicas a ser respondidas. A
distribuídos entre instituições e investi-
de doença cinco após a terapia de manu-
realização de tais estudos clínicos, porém, com
gadores afiliados pelo país. Os estudos são
tenção, com oito ciclos de capecitabina, à
o cuidado ético e a precisão científica
preparados e desenvolvidos em parceria com
observação, em pacientes com câncer de
necessários, só seria possível se houvesse um
as áreas de desenvolvimento e pesquisa de
mama operável, triplo-negativo, que recebe-
grande esforço conjunto de investigadores e
indústrias farmacêuticas e grupos coopera-
ram tratamento quimioterápico neoadjuvante
centros de pesquisa.
tivos internacionais, como o Grupo Inter-
e/ou adjuvante padrão.
entendimento e do tratamento do câncer.
A partir dessa premissa, um grupo de
nacional de Mama (BIG), a Coalizão Ibero-
Esse estudo internacional randomizará 876
oncologistas brasileiros interessados e compro-
Americana de Pesquisa em Oncologia Ma-
mulheres portadoras de câncer de mama tri-
metidos com o estudo e o tratamento do
mária (CIBOMA) e o Grupo Español de Inves-
plo-negativo na Espanha, Brasil, México, Chile,
câncer de mama fundou, em 11 de março de
tigación del Cáncer de Mama (GEICAM). Há
Colômbia e Venezuela. A primeira paciente foi
2005, o Grupo Brasileiro de Estudos do Câncer
ainda estudos de iniciativa do próprio GBE-
recrutada em outubro de 2006 e o recrutamen-
de Mama (GBECAM), organização indepen-
CAM, através de seus membros e de sua
to será concluído em dezembro de 2010. As
dente e sem fins lucrativos, cujo principal obje-
comissão científica.
pacientes do braço A receberão capecitabina
tivo é desenvolver, implementar e facilitar a
14
Estudos em andamento
Promover uma reunião brasileira sobre o
1.000 mg/m2, duas vezes ao dia durante
realização de estudos clínicos multi-institu-
câncer de mama é uma das metas iniciais já
14 dias, seguidos de um período de descanso
cionais de qualidade científica e ética em cân-
alcançadas pelo GBECAM. A Conferência
de sete dias, durante oito ciclos. As pacientes
cer de mama no Brasil, bem como implemen-
Brasileira de Câncer de Mama, rumo à sua quin-
do braço B serão apenas observadas. Todas as
tar e auxiliar programas educativos de esclare-
ta edição, é realizada anualmente e foca nos
pacientes serão acompanhadas por cinco anos.
cimento e prevenção da doença.
principais trabalhos apresentados na reunião
O estudo CIBOMA é uma iniciativa da
Sediado em São Paulo, o GBECAM conta
anual de San Antonio, no Texas, EUA. Ela reúne
Coalizão Ibero-Americana de Pesquisa em
hoje com membros em 32 grandes centros de
em São Paulo cerca de 500 profissionais de
Oncologia Mamária (CIBOMA), com apoio do
câncer no Rio Grande do Sul, Santa Catarina,
todo o Brasil, entre oncologistas clínicos, mas-
laboratório farmacêutico Roche.
São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Goiás,
tologistas, radiologistas e patologistas envolvi-
Rio Grande do Norte e Bahia. Espera-se uma
dos no tratamento do câncer de mama.
Revista GBECAM
Participam desse estudo nove centros
nacionais, e até 1º de setembro de 2010
foram recrutadas 207 pacientes brasileiras.
Destas, 128 foram randomizadas para o estudo. O Brasil é o segundo país com maior
recrutamento, atrás somente da Espanha, país
idealizador do protocolo.
ALTTO
O estudo ALTTO é um estudo internacional,
randomizado, multicêntrico, fase III de lapatinibe, trastuzumabe, sequenciamento ou combinação dessas drogas no tratamento adjuvante
de pacientes portadores de câncer de mama
HER2 positivo (Study no. BIG 2-06/N06D/
EGF106708). O objetivo primário desse estudo é
comparar a sobrevida livre de doença entre os
braços contendo lapatinibe e o braço monoterapia trastuzumabe.
O estudo ALTTO está sendo conduzido em
1,3 mil centros de 50 países. A primeira paciente
foi recrutada em junho de 2007. Os pacientes
serão tratados por 52 semanas e acompanhados por dez anos.
O estudo ALTTO é uma iniciativa de dois
grupos acadêmicos – Breast International Group
(BIG) e North Central Cancer Treatment Group
(NCCTG) – e é patrocinado pela GlaxoSmithKline.
Participam desse estudo dez centros
brasileiros. Até 1º de setembro de 2010 foram
recrutadas 124 pacientes brasileiras e, destas, 98
foram randomizadas para o estudo.
NeoALTTO
O estudo NeoALTTO (Neo-adjuvant lapatinib
and/or Trastuzumab Treatment Optimisation
Study) é um estudo internacional randomizado, multicêntrico, fase III de neoadjuvância
com lapatinibe, trastuzumabe ou sua combinação com paclitaxel em câncer de mama
HER2 positivo.
Esse estudo recrutou 450 mulheres portadoras de câncer de mama HER2 positivo em 30
países. A primeira paciente foi recrutada em
setembro de 2007 e o recrutamento foi encerrado em dezembro de 2009. As pacientes receberão tratamento por 52 semanas (18 semanas
pré-cirurgia e 34 semanas pós-cirurgia).
O estudo NeoALTTO é uma iniciativa dos
grupos acadêmicos Breast International Group
(BIG) e SOLid Tumour Intensification (SOLTI),
baseado na Espanha, e patrocinado pela
GlaxoSmithKline.
Foram recrutadas 11 pacientes para esse
estudo e oito foram randomizadas em três centros brasileiros.
CAP Neo
Trata-se de um estudo de fase II, de tratamento neoadjuvante de pacientes com câncer de
mama localmente avançado, triplo-negativo,
com o esquema CAP – ciclofosfamida, adriamicina e cisplatina. Esse é um estudo de iniciativa do GBECAM, sem patrocínio, conduzido
como colaboração acadêmica entre as instituições participantes.
O objetivo primário desse estudo é avaliar a
taxa de resposta patológica completa após
tratamento neoadjuvante com seis ciclos de
CAP em pacientes do sexo feminino com
câncer de mama localmente avançado (estágios IIB, IIIA e IIIB), triplo-negativo. A definição
de resposta patológica completa baseia-se na
ausência de neoplasia invasiva residual em
material cirúrgico de axila e mama e será descrita de acordo com critérios TNM.
O estudo CAP Neo está sendo conduzido
em três centros brasileiros, que recrutaram 34
pacientes até 1º de setembro de 2010. Esse
estudo foi iniciado em dezembro de 2007 no
Instituto Nacional de Câncer (INCA). O recrutamento será encerrado em dezembro de 2010.
Projeto Étnico
O GBECAM conduzirá a partir de 2011 o Projeto
Étnico, que pretende estudar prospectivamente
as subpopulações étnicas brasileiras: índias/
mestiças; negras/mulatas; brancas. Serão estudadas 81 mulheres em cada subgrupo, nas seguintes regiões: região amazônica; região da
Bahia/Rio de Janeiro; região de São Paulo/Porto
Alegre. As pacientes recentemente diagnosticadas com câncer de mama terão amostras
coletadas para a realização de IHQ (ER, PR,
HER2, EGFR, citoqueratinas 5/6, 14 e 17, p63, ki67
e p53), hibridização genômica comparativa
(aCGH), análise molecular detalhada por TMA,
aberrações cromossômicas e mutações, além
de mapeamento genético com alelos específicos das populações.
Esse é o primeiro estudo clínico nacional
que avalia fenótipos brasileiros. O grupo acredita que a melhor compreensão do perfil de subtipos moleculares de câncer de mama pode
contribuir na decisão quanto à melhor opção
terapêutica e, consequentemente, na utilização
dos recursos terapêuticos de forma adequada.
Projeto AMAZONA
Observando a carência de informações refinadas sobre características do câncer de mama
no Brasil, excluindo indicadores de incidência,
prevalência e mortalidade, o GBECAM implementou o projeto AMAZONA, que visa também
observar a diversidade de tratamento entre as
regiões do país.
O nome do projeto foi originado da lenda
das amazonas, mulheres guerreiras que não
hesitavam em queimar ou comprimir um seio
para facilitar o uso do arco e flecha e, assim,
lutar melhor contra o inimigo. É uma homenagem às mulheres brasileiras que enfrentam o
câncer de mama.
O presente projeto é um amplo levantamento retrospectivo de casuística de pacientes de câncer de mama em 28 instituições de
saúde, entre clínicas e hospitais (públicos e
privados), considerando aspectos epidemiológicos, de diagnóstico e de tratamento do
câncer de mama.
O estudo analisou todos os casos de câncer
de mama registrados nas instituições participantes entre 2001 e 2006. A coleta teve por
finalidade a mensuração da casuística de câncer
de mama (em ambos os sexos) registrada, o
atendimento oferecido e a descrição da sobrevida observada nessa população.
O manuseio do câncer de mama é complexo e tem se desenvolvido muito rapidamente
nos últimos anos, com novos agentes terapêuticos disponíveis. A paisagem terapêutica se
desenvolverá ainda mais através desse registro
nacional e pioneiro.
Em 2011, o GBECAM implementará a continuação desse projeto para analisar e atualizar a
coorte de pacientes de 2006.
Revista GBECAM
15
>> diálogo
“Determinação política e dinheiro
resolvem o problema”
Sistema Único de Saúde, acesso a medicamentos de alto custo, necessidade de equipes multidisciplinares
e mais bem preparadas – nada escapa da minuciosa análise do oncologista clínico Ricardo Caponero
Lilian Liang
dessa diferença de sobrevida. Em sua opinião,
quais seriam os principais fatores que poderiam
explicar essa diferença?
Ricardo Caponero – Com relação ao diagnósti-
O
papas na língua, sobre diagnóstico precoce e
por câncer entre as mulheres no Brasil.
atendimento pelo SUS, acesso a medicamentos
Dados do Instituto Nacional de Câncer (INCA)
de alto custo e o que pode ser feito para ofere-
câncer de mama é a maior causa de morte
estimam que cerca de 50 mil novos casos são
cer um atendimento mais multidisciplinar e
diagnosticados anualmente. Dessas mulheres, a
adequado às pacientes de câncer de mama. A
vasta maioria recebe tratamento através do
seguir, os principais trechos da conversa.
Sistema Único de Saúde (SUS), que nesta entre-
Revista GBECAM – Um recente trabalho conduzido pelo GBECAM, o AMAZONA, indica que as
pacientes tratadas no SUS apresentam pior
sobrevida que pacientes do mercado privado. O
estudo indica que acesso a tratamento e diagnóstico tardio seriam as duas principais causas
vista é analisado pelo oncologista clínico
paulista Ricardo Caponero, atual presidente da
Associação Brasileira de Cuidados Paliativos.
Com vasta experiência nos setores público
e privado da medicina, Caponero fala, sem
16
Revista GBECAM
co, o primeiro empecilho é a dificuldade de
marcação e acesso, além da demora para receber o resultado.
As pacientes mais pobres têm mais dificuldade para procurar o serviço médico. Muitas
são mães solteiras, arrimo de família. Um projeto da dra. Maria Caleffi (presidente da Femama),
em Porto Alegre, constatou que as mulheres
adiavam ou não faziam a mamografia para não
faltar ao trabalho, pois o período seria descontado. Hoje a mulher tem de se ausentar duas
vezes: uma para marcar, outra para fazer o
exame. Por isso, uma das propostas da Femama
é para que os empresários liberem as mulheres
na idade de fazer mamografia por um período,
sem que a ausência seja descontada, como no
caso dos doadores de sangue, que têm o dia
abonado. Não precisa nem ser uma lei, que seja
um acordo de cavalheiros.
Existe também um problema cultural. As
pessoas não entendem que é um exame de
fato importante, que pode fazer diferença para
ela. Quanto menor o nível cultural, mais difícil
entender isso. Algumas mulheres nem sabem o
que é mamografia. Outras dizem que “quem
procura acha”, então não têm de procurar pelo
em ovo. Então a mulher não sente nada, mas
tem de faltar ao trabalho e ter o dia descontado
para fazer um exame que não é agradável e que
vai achar algo ruim nela. Tudo isso dificulta a
procura pelo serviço.
Quando ela finalmente procura o serviço,
há o problema de acesso. Apesar de haver um
número suficiente de mamógrafos no país, eles
não estão adequadamente distribuídos. Em São
RG – Recentemente houve uma revisão nos valores das APACs para tratamento de câncer pelo
SUS. No entanto algumas drogas, mesmo com
benefícios clínicos comprovados, não estão
disponíveis universalmente na rede pública.
Como o governo poderia incorporar essas drogas para tratamento pela rede pública?
grande de mulheres. Portanto raciocina-se
to dos exames. Nos municípios que não têm
Caponero – Essa é uma decisão política. O
encanada, por exemplo, talvez a prioridade
mamógrafo a situação é ainda pior, pois a
dinheiro é finito, mas é uma questão de prioridade. A Organização Mundial de Saúde
(OMS) diz que o ideal para países em desenvolvimento é investir 10% do PIB em saúde. O
Brasil investe entre 2,5% e 3%. Temos priorizado o pré-sal, a transposição do Rio São
Francisco, que são obras importantes, mas
que colocam de lado saúde e educação. Na
Suíça, o governo paga trastuzumabe para
qualquer tumor, independentemente do
tamanho. Se tem HER2, tem direito a trastuzumabe. Os americanos também dão acesso, mesmo gastando hoje 17% do PIB em
saúde. É preciso fazer uma priorização.
não seja dar Herceptin. Mas isso é inadmissí-
Paulo deve haver cerca de 200, mas há municípios do interior que não têm nenhum. Em
muitos casos o mamógrafo existe, mas instalálo, fazer a manutenção, manter um técnico e
um médico radiologista é outra história.
Outro problema de acesso é o agendamen-
paciente tem de se deslocar até o município
vizinho, ou mesmo para uma cidade maior.
Algumas instituições encontram formas criativas para driblar o problema, como o Hospital de
Câncer de Barretos, que tem um caminhão que
leva o aparelho para cidades mais distantes. A
vantagem do caminhão é que ele vai até a
porta da fábrica, por exemplo, e a mulher não
precisa faltar ao trabalho.
O segundo empecilho é que, uma vez que
o exame volte alterado, a indicação é complementar com um ultrassom ou fazer biópsia da
mama. Há uma grande demora para conseguir
assim: quanto isso vai custar por um ano ou
mais em doença metastática? Não temos
esse dinheiro. Então não pagamos, porque
não temos essa verba para saúde. E isso é
legítimo. Numa cidade em que apenas 10% da
população tem acesso a esgoto e água
vel quando se veem corrupção, desvio de verbas e os absurdos que se gastam com projetos que não acrescentam nada.
Temos um modelo de aids que é modelo
no mundo inteiro e o tratamento de câncer
está uma lástima. Por quê? Porque os pacientes
de aids são mais ricos, fazem mais barulho,
brigam mais. É desproporcional. Câncer é a
prioridade número um? Talvez não seja. Nós
temos, em Belém, uma das maiores incidências
de câncer de colo do útero do mundo, mas o
governo brasileiro diz que a vacina para HPV é
muito cara e que não será dada pelo SUS. O
marcar a biópsia e, se ela for positiva, para mar-
governo está certo ou errado? Claro que custa
car a cirurgia. A Faculdade de Medicina de
caro. Claro que é um problema de alguns mi-
Jundiaí fez uma pesquisa que mostrou que o
tempo médio entre uma mamografia suspeita e
a cirurgia da mama era de 170 dias: três meses
da suspeita para a biópsia, três meses da biópia
para a cirurgia. Só que em 170 dias o que era
precoce já não é mais precoce.
Esse é o chamado “tempo da roda”, em que
a paciente fica esperando a engrenagem funcionar para que as coisas andem. Alguns hospi-
"Existe um problema
cultural. As pessoas não
entendem que a
mamografia é um exame
de fato importante.
Algumas nem sabem
o que é mamografia."
tais conseguiram resolver esse problema de
lhões de reais. Mas então deixe claro que não se
trata de uma prioridade.
Outro ponto importante: quando o presidente Obama discutiu a reforma de saúde nos
EUA, foi uma discussão pública, não uma canetada de gabinete. Aqui não existe essa transparência política. Apesar de vivermos num governo democrático, a transparência das decisões
políticas não existe. Elas são todas feitas a portas
fechadas, com base nos lobbies que se estabelecem. Enquanto isso, falta dinheiro na saúde.
forma satisfatória. O hospital Pérola Byington
resolveu isso com uma mudança política:
tiraram o serviço de cuidados paliativos, mini-
Essa falta de investimento faz diferença, e
mizaram quimioterapia, mas maximizaram re-
não dá para admitir – é até antiético – que
solutividade cirúrgica. Portanto, a paciente
uma paciente que tem indicação para usar
chega com uma suspeita, é examinada, faz a
Herceptin não tenha acesso regular a ele pelo
RG – A Secretaria Estadual de Saúde de São
Paulo criou, recentemente, uma lista de medicamentos de alto custo que estão sendo disponibilizados no estado. Em sua opinião, quais são os
prós e contras desse modelo? Ele poderia servir
de referência para outros estados?
mamografia, se necessário faz o ultrassom, já
SUS. Já é um remédio mais do que consagra-
colhe material para biópsia e na próxima sema-
do, aprovado no mundo todo, com vários tra-
Caponero – O pró desse modelo é que ele faci-
na já tem o resultado. Eles conseguiram
balhos científicos. Hoje todos os convênios
litou o acesso. A história por trás dele é que os
resolver bem pelo menos essa primeira fase.
pagam, todas as pacientes usam, por que não
pacientes processavam o Estado para conse-
Barretos também conseguiu dar mais acesso a
vale para o SUS? Porque para o SUS não conta
guir o medicamento, e o Estado geralmente
tratamento e agilizou o atendimento – hoje
só a validade científica, mas o impacto finan-
perdia. Em vista disso, a própria Procuradoria
suas estatísticas são comparáveis aos hospitais
ceiro. E qual é o problema? Estima-se que
Geral do Estado sugeriu que se fizesse um pro-
particulares. Isso mostra que determinação
hoje 20% das pacientes com câncer de mama
grama em que o governo estabelecesse que
política, dinheiro, vontade e disposição para
tenham HER2+. Temos 49 mil casos novos.
remédios daria, facilitando o acesso a eles. Foi
fazer resolvem o problema.
Vinte por cento de 49 mil é um número muito
um acordo de cavalheiros entre a Defensoria
Revista GBECAM
17
>> diálogo
Pública e a Secretaria Estadual de Saúde. Não
virou portaria, não virou decreto, não virou lei –
é uma decisão política.
O lado ruim disso é que, exatamente por
ser uma decisão política, há muita instabilidade. Isso deveria ser um modelo para outros
estados? Não. Deveria ser uma medida estabelecida por lei, definindo os medicamentos a
que o paciente tem e não tem direito. Dessa
forma, o governo estabelece que esse é o programa de saúde, que funciona dessa forma e
não adianta processar.
Mas suponhamos que você processe a
prefeitura e ela seja obrigada a dar o remédio.
Em São Paulo isso não é problema, porque a
verba é grande, mas numa cidade de 10 mil
habitantes a prefeitura pode ir à falência se tiver
de comprar remédios de alto custo. Para evitar
isso, existe uma lei que determina que você só
pode comprometer uma parte de seu orçamento. Se o comprometimento for maior, o
governo municipal pode se negar a pagar. O
problema disso é que a saúde virou uma gestão
tripartite, em que são corresponsáveis o
município, o Estado e a Federação. Então não
existe mais um único responsável. O município
é responsável parcialmente. Ele pode não ter
dinheiro, mas o Estado tem. Se o Estado não
tiver, a Federação tem. Portanto, na prática até
essa lei pode ser questionada.
Outra razão por que a APAC paulista, que
foi o nome que se deu a essa medida, não é
generalizável é o fato de a legislação brasileira
ser federal, ao contrário dos EUA, que têm legislações estaduais. Se isso virar uma portaria, ela
não pode ser estadual, porque o SUS é federal.
O Estado gerencia, na gestão tripartite, uma
parte do dinheiro do SUS. Portanto, não posso
dizer, dentro do SUS, que quem nasceu em São
Paulo tem direito a determinada droga e quem
nasceu no Rio de Janeiro não tem. É discriminação, qualquer advogado ganha em primeira
instância citando a violação do primeiro artigo
da Constituição. Por isso se trata de um acordo
de cavalheiros, porque no papel seria muito
mais difícil fazer valer.
O governo não precisa, nem tem como, dar
tudo a todos. Mas acredito ser necessário rever
a noção de que “saúde é um direito do cidadão
e um dever do Estado, que todo cidadão deve
ter acesso à saúde amplo e irrestrito”. No último
encontro da SBOC (Sociedade Brasileira de
Oncologia Clínica) houve quem achasse que o
18
Revista GBECAM
artigo 146 da Constituição deveria ser retirado.
Lógico que se trata de um exagero, mas não há
dúvida de que são necessários limites. Em
muitos países, como nos EUA, não há acesso
universal à saúde. No Brasil, vende-se a noção
de que isso é realidade, quando na verdade não
é. O erro desse processo está na sua hipocrisia,
em o governo dizer que dá tudo, que o paciente tem acesso a tudo, porque isso não
acontece no dia a dia. É a hipocrisia da Constituição e do sistema público de saúde.
"Não adianta fazer o
diagnóstico se não puder
tratar. As coisas têm de ir
juntas e esse tratamento
tem de ser rápido e efetivo."
RG – Além do acesso a tratamento, outro
provável motivo indicado pelo trabalho do GBECAM para explicar a pior sobrevida de pacientes
no SUS é o diagnóstico tardio. Em 2009 foi
aprovada a Lei 11.664, que garante acesso a
mamografia anual pelo SUS para todas as mulheres acima de 40 anos. Pensando no diagnóstico das mulheres com câncer de mama, além
do acesso à mamografia garantido por lei, quais
seriam outras ações do Estado para assegurar
o diagnóstico precoce, otimizando a infraestrutura do SUS? Programas de screening seriam
uma alternativa viável?
que se peça mamografia a cada dois anos. E
talvez haja um grupo de alto risco, que talvez
precise fazer ressonância.
Outro aspecto é a questão genética: hoje as
pacientes não têm acesso a teste genético.
Sabemos que 30% dos casos de câncer de
mama têm histórico familiar e 10% têm
antecedentes de genética (BRCA-1 e BRCA-2), e
essas pacientes ficam na fila de mamografia
como as outras. É preciso estratificar o risco e
rastrear essas pacientes de forma diferente.
Portanto, não é só questão de dar acesso,
mas aprimorar a avaliação do risco. Essa lei foi
um grande progresso, porque agora a paciente
tem o direito de fazer a mamografia. Falta agora
melhorar. O ideal seria que, durante a consulta,
o médico fizesse uma avaliação do risco da
paciente para, com base nisso, estabelecer o
programa de rastreamento mais adequado.
Com isso reduz-se o custo, melhora-se a efetividade, estratifica-se o risco e faz-se o exame
em quem de fato precisa.
Mas não adianta fazer o diagnóstico se não
puder tratar. As coisas têm de ir juntas. É preciso
dar condições de diagnóstico e tratamento juntos. E esse tratamento tem de ser rápido e efetivo. Não adianta fazer um belo diagnóstico e
depois tratar de forma inadequada.
RG – Na sua opinião, o SUS carece de infraestrutura (hospitais, leitos, aparelhos etc.) para o
tratamento do câncer de mama ou há uma falta
de otimização dos recursos existentes? Há como
reorganizar o atendimento nos Centros de Alta
Complexidade integrando com as Unidades
Básicas de Saúde para otimização da capacidade
de atendimento do SUS?
Caponero – Screening é um bom começo, mas
Caponero – Os recursos existem, mas estão
não é suficiente. Quando você começa a rastrear entre os 40 e 50 anos, a efetividade é
muito baixa. Achar um caso a cada 2 mil
mamografias ainda não é um exame adequado
– gasta-se muito dinheiro para achar poucos
casos. Precisamos refinar nosso rastreamento. E
a forma de refinar é a que os americanos estão
fazendo: estratificar o risco. Para as pacientes
com risco ao longo da vida maior que 20%,
pede-se ressonância magnética. Se elas têm
mais risco, rastreia-se mais de perto. Em outros
países, pede-se mamografia a cada dois anos. A
cada dois anos teremos muito câncer de intervalo? Se o grupo de risco for estratificado, não.
Talvez tenhamos um grupo de baixo risco, em
mal utilizados, porque a ineficiência é muito
grande e porque esses recursos não estão
adequadamente dimensionados. Existe, por
exemplo, uma demanda de pedidos de exame
maior do que se consegue realizar. Muitos
pacientes que têm doenças banais, que tinham de ser tratados na rede básica de saúde,
vão para os hospitais grandes. Já houve inclusive uma proposta do governo para resolver
isso: fazer uma hierarquização da saúde em
que houvesse postos de saúde para atenção
primária. Quando houvesse uma coisa mais
séria, seria mandada para uma rede secundária. E só os casos mais complexos chegariam à rede terciária. Mas hoje a paciente tem
corrimento e vai ao posto de saúde, daí ou o
posto não tem médico, ou o médico não
podia atender, ou não podia fazer o exame. A
paciente acaba indo ao hospital. Essa falta de
hierarquização acaba sobrecarregando quem
tem resolutividade.
Também falta capacitação profissional.
Muitas vezes, o médico do posto de saúde não
tem condições para fazer o exame adequado,
porque tem 30 mulheres esperando para serem
atendidas. Outras vezes ele não sabe da
importância do exame adequado, porque não
tem formação para isso. Apalpar a mama não é
uma coisa fácil. Então não adianta pedir um
programa de rastreamento para o prontosocorro ou posto de saúde se o profissional não
souber apalpar a mama.
Essa capacitação profissional deficiente
gera atendimentos redundantes e não resolutivos. A paciente que foi mal examinada ou não
teve os exames bem interpretados vai voltar
para a roda, porque o problema dela não foi
resolvido da primeira vez, e os recursos acabam
sendo usados de forma inadequada. Precisa-se,
então, de uma organização de recursos financeiros e humanos.
A saúde também precisa ser estruturada
em todos os níveis. Se existe uma porta de
entrada na rede de saúde, essa porta tem de
ser eficiente para os problemas que aparecem. Se sabemos que vamos precisar de dez
radiografias por dia, devemos ter a capacidade para fazer dez radiografias por dia. Hoje,
muitas vezes o paciente fica internado para
fazer um exame, porque a marcação é muito
demorada e com internação o processo é
mais rápido. Só que, assim, se desperdiçam
recursos. Não posso internar pacientes para
esperar por um exame. Isso se resolve com
planejamento. Essa deficiência é que sobrecarrega o sistema.
RG – O diagnóstico e o tratamento do câncer de
mama são multidisciplinares, envolvendo uma
série de especialidades como ginecologia, mastologia, patologia e oncologia. Há algo que poderia ser feito com os médicos de cada uma dessas
especialidades para um diagnóstico mais preciso, reduzindo o tempo entre o diagnóstico e o
tratamento das pacientes com câncer de mama?
Caponero – Com certeza. É preciso dar a formação adequada para todas as especialidades.
Todos têm de ser peritos no que fazem. E
temos de facilitar a comunicação. Que laboratórios de especialidade são eficazes, isso
qualquer faculdade de medicina sabe. O
Hospital das Clínicas em São Paulo tem a Liga
da Dor, a Liga da Sífilis, a Liga da Febre
Reumática... São profissionais de várias especialidades que em determinado momento se
juntam num único lugar e fazem o atendimento de pacientes com aquela patologia. São
mutirões de esforço concentrado para atender
uma especialidade. Para algumas situações,
com ligas bem estabelecidas, com programas
bem estabelecidos, fazer ambulatórios de
especialidade facilita muito o processo.
"No Brasil, vende-se a
noção de que o acesso
universal à saúde é
realidade, quando na
verdade não é. O erro
desse processo está
na sua hipocrisia."
Do ponto de vista particular isso é muito
difícil, porque é preciso volume para funcionar. Mas volume o governo tem. Uma
solução seria concentrar o atendimento de
determinadas condições em um determinado
dia, por exemplo. É mais eficaz, com mais resolutividade. E isso é factível.
Alguns convênios já fazem isso. Os convênios têm problemas mas também tem
soluções boas. A Amil fez um centro chamado
Total Care, um ambulatório de múltiplas especialidades. O doente sai de lá com o problema
resolvido. Numa especialidade em que se precisa de um radioterapeuta, de um cirurgião e do
oncologista, se todos estiverem trabalhando
juntos no mesmo lugar em períodos concentrados, é possível otimizar recursos. Talvez não
seja possível para todas as especialidades, mas
para as mais prevalentes.
No hospital Pérola Byington, por exemplo, a
paciente é examinada pelo mastologista. Se forem necessários uma mamografia ou um ultrassom, o radiologista já está lá para fazer.
Também já está lá o profissional que vai olhar
os exames e, se for preciso fazer biópsia, o
cirurgião também está disponível. Isso é a prova
de que é possível funcionar de forma integrada.
Essa é a forma adequada de se trabalhar.
RG – Pensando nisso, como você vê o futuro para
o tratamento de câncer de mama pelo SUS?
Caponero – Vejo um sistema nebuloso, porque
trabalhamos com o sistema de APAC que foi
criado em 1999: os mesmos valores, os mesmos
procedimentos, como se em 12 anos a medicina
não tivesse mudado nada. Agora saíram algumas
APACs novas, que dão acesso a MabThera para
alguns linfomas, mas foi a mudança da perfumaria. A essência do tratamento continua não
tendo direito a Herceptin, continua não tendo
direito a outros tipos de tratamento, alguns
portes diminuíram de valor, ou seja, não resolveu
nada. Os pacientes com linfoma que precisariam
receber MabThera foram beneficiados, mas o
resto continuou na mesma. Não houve uma
mudança geral do sistema.
Isso tem um grande impacto político,
porque pela primeira vez é incluída alguma
droga desde o Glivec. E ela foi incluída exatamente porque o impacto financeiro dela não é
tão grande. Apesar de o custo ser alto, o número
de beneficiados é pequeno. Já o trastuzumabe,
que tem um benefício muito mais consistente e
comprovado, não é incluído porque o impacto
financeiro é muito maior. O mesmo acontece
com a vacina para HPV. Então a decisão não é
só pelo valor científico da descoberta, mas pelo
impacto econômico que isso está tendo. Não dá
para dizer que não foi um progresso, mas se não
se reformar o sistema de financiamento, se não
forem estabelecidas regras claras, vejo um
futuro pouco animador.
A falta de financiamento da saúde também passa pela má remuneração dos médicos. Hoje, nos hospitais do SUS, o médico recebe salário do Estado. Mas para colocar um
credenciado conveniado com o SUS, o valor
de uma consulta para especialista hoje é
R$ 10 e para o clínico R$ 7, e já foi um grande
aumento. E aí está nosso problema, porque o
profissional tem de atender 30 mulheres por
hora para poder fazer volume. Ele não vai
conseguir fazer um exame adequado de mamas assim. A gente precisa de um financiamento adequado para a saúde e de uma
saúde de nível. Diante do nível de remuneração que se tem de SUS e convênio, você
não consegue fazer uma boa medicina.
Revista GBECAM
19
>> pesquisa clínica
Artigos brasileiros sobre
câncer de mama em 2010
Por José Bines
esta sessão reproduzimos algumas contribuições de autores brasileiros em instituições nacionais, dentro da literatura de câncer
de mama. Buscamos em revistas indexadas,
onde encontramos uma lista extensa (e, esperamos, crescente).
Fizemos uma seleção baseada na relevância do artigo, destacando temas variados dentro
do universo de câncer de mama. O abstract é
apresentado, seguido de um breve comentário.
Esperamos aperfeiçoar esse módulo nos
próximos exemplares e, para isso, agradecemos
a colaboração dos leitores, através da sugestão
de artigos que tenham chamado sua atenção
ao longo do ano. Esta também é uma grande
oportunidade para conhecermos as diversas
linhas de pesquisa em curso no país e um estímulo para futuras colaborações.
N
¬
No evidence for an association of
human papillomavirus and breast
carcinoma. Breast Cancer Res Treat.
amplified, quantified and tested for DNA subtypes 6, 11, 16, and 18 by PCR. The research carried out in 79 samples of HPV DNA, proved negative. Our study demonstrates no association
between the most prevalent types of HPV and
breast cancer.
Comentário:
A associação causal do papilomavírus com o
câncer de mama é controversa. Apesar de o
estudo brasileiro não ter mostrado correlação, o
debate continua. Metanálise publicada na mesma revista contradiz os resultados acima. (Li N,
et al. Breast Cancer Res Treat 2010 Aug 26)
¬
Immediate breast reconstruction
with transverse latissimus dorsi
flap does not affect the short-term
recovery of shoulder range of motion after
mastectomy. Breast Cancer Res Treat. 2010
May;121(1):121-31.
Ann Plast Surg. 2010 Apr;64(4):402-8.
Silva RG Jr, da Silva BB.
Department of Pathology, Federal University of
Piauí, Teresina, Brazil.
de Oliveira RR, Pinto e Silva MP, Gurgel MS,
Pastori-Filho L, Sarian LO.
Department of Obstetrics and Gynecology,
University of Campinas, Campinas, São Paulo,
Brazil.
Abstract
Breast cancer represents a serious public health
problem worldwide, for its high incidence, morbidity, mortality, and its high cost treatment. It is
known that breast cancer is a multifactorial disease, possessing various risk factors, among
which include hormonal factors, genetic and
environmental. The role of viruses in breast carcinogenesis is controversial. This study aims to
evaluate the expression of HPV 6, 11, 16, and 18
by polymerase chain reaction (PCR) in invasive
ductal breast carcinoma. We analyzed 90
women diagnosed with invasive ductal breast
carcinoma, of which the extracted DNA was
Abstract
Immediate breast reconstruction, depending on
the surgical strategy, can result in anatomic
modifications that may affect the shoulder
apparatus. This study compares the recovery of
shoulder range of motion (ROM), after mastectomy, in women with and without immediate
breast reconstruction with latissimus dorsi flap
(LDF). This was a prospective study with 87
women who underwent mastectomy (41 with
LDF). Shoulder ROM was assessed with
goniometry, with a universal full-circle manual
goniometer, prior to surgery, and on a weekly
basis during the first 4 weeks postoperatively.
2010 Aug 24.
20
Revista GBECAM
Reconstruction with LDF was not associated
with a decrease in shoulder ROM (P = 0.84). By
the end of the 4-week assessment program,
women in both groups still had an average
reduction of 30 degrees in their shoulder ROM
compared with baseline. Factors significantly
associated with a reduction in shoulder ROM
during the recovery period were complete dissection of the axilla, current smoking behavior,
and presence of painful axillary cords. It is likely
that breast reconstruction with LDF has little or
no effect on shoulder ROM in the immediate
postoperative period. It is also possible that LDF
effects (if any) are overridden by the major
reduction (over 30% in the immediate postoperative period, subsiding partially during the first
weeks postoperatively) in shoulder ROM caused
by mastectomy.
Comentário:
A observação prospectiva de mulheres submetidas a mastectomia após câncer de mama e
reconstrução com o grande dorsal não sugere
comprometimento da mobilidade do ombro.
Recomendações habituais quanto a exercícios
e utilização de pesos vêm sendo revisitadas em
câncer de mama. A utilização de exercícios precoces após a cirurgia tem se mostrado estratégia importante. Porém, essa recomendação
deve ser contrabalançada com a possibilidade
de maior acúmulo de seroma.
¬
Adherence to a Breast Cancer
Screening Program and its Predictors in Underserved Women in
Southern Brazil. Cancer Epidemiol Biomarkers
Prev. 2010 Aug 17.
Caleffi M, Ribeiro RA, Bedin Júnior AJ, ViegasButzke JM, Baldisserotto FD, Skonieski G,
Giacomazzi J, Camey SA, Ashton-Prolla P.
1Serviço de Mastologia, Hospital Moinhos de
Vento/Nucleo Mama Porto Alegre.
Abstract
BACKGROUND: Adherence to breast cancer
(BC) screening is a key element to ensure effectiveness of programs aiming at downstaging of
BC. In this study, we evaluated adherence to a
screening program and its predictors in underserved women in southern Brazil.
METHODS: Attendance to the program,
which is based on yearly mammogram and clinical examination, was evaluated prospectively.
Mean time frames between visits were calculated. Possible predictors of adherence (defined as
mean intervals </= 18 months), such as socioeconomic indicators and health/lifestyle behaviors, were investigated.
RESULTS: 3,749 women (age 51 +/- 8 years,
illiteracy rate 6.8%, 57.4% with parity >/=3) were
analyzed. Median time between screening
rounds was 16.5 months (IQR = 13.1-25.7),
median number of rounds attended was 3 (IQR
= 2 - 4); 57.6% had mean intervals </= 18 and
71% </= 24 months. The most important independent predictors of adherence were high
genetic risk (RR=1.25, 95% CI 1.11-1.40), illiteracy
(RR=0.77, 95% CI = 0.67-0.90), parity >/= 5
(RR=0.89, 95% CI 0.83-0.96) and smoking
(RR=0.82, 95% CI = 0.77-0.88).
CONCLUSIONS: Although the proposed
screening interval was one year, compliance to
biannual screening (accepted in several internationals programs) was high, especially when
considering the low socio-economic level of
the sample. Impact: This project aims to test a
breast cancer screening model for underserved
populations in limited resource countries,
where adherence is an issue. The identification
of worst adherence predictors can point to
interventions in order to improve outcomes of
similar public health screening strategies.
Comentário:
A detecção precoce através da mamografia é
uma das principais estratégias para a
diminuição da mortalidade por câncer de
mama. Como a utilização dos programas de
rastreamento pelas mulheres constitui etapa
essencial para o seu sucesso, é relevante a
busca de fatores que possam diminuir a
aderência. Dadas as dimensões continentais do
país, com suas diferenças socioeconômicas, as
razões de não aderência e, por conseguinte, as
estratégias para vencê-las provavelmente são
distintas para cada região.
¬
Overall survival and post-progression survival in advanced breast
cancer: a review of recent randomized clinical trials. J Clin Oncol. 2010 Apr
lhores objetivos em estudos clínicos de câncer
de mama avançado. Embora a maioria dos
estudos recentes raramente utilize sobrevida
global como objetivo principal, sobrevida livre
de progressão não constitui substituto nesse
cenário. Uma vez que os subtipos de câncer de
mama apresentam diferentes características
moleculares, clínicas, resposta a terapia e pro-
10;28(11):1958-62.
gressão a linhas sucessivas, devemos ter objetivos distintos para cada subgrupo?
Saad ED, Katz A, Buyse M.
Dendrix Research, Rua Joaquim Floriano, 72/24
Sao Paulo, Brazil 04534-000. [email protected]
¬
Abstract
With the availability of several lines of therapy,
overall survival (OS) has been progressively substituted by progression-free survival (PFS) and
other tumor-based assessments as the primary
efficacy end point in advanced breast cancer trials. We investigated the frequency and determinants of OS gain in the recent literature and the
duration of post-progression survival (PPS)
according to treatment type and line. We used
PubMed to search for phase III trials on systemic
antineoplastic therapies published between
January 1998 and December 2007 in 11 leading
journals. The primary end point was the one
stated explicitly, used for N calculation, or listed
first. Significant gain was considered as reported
P < .05 for superiority trials or proven non-inferiority or equivalence otherwise. We retrieved 76
trials, and gain in OS was reported in 15 cases
(19.7%). The median gain in OS was 4.7 months,
and such gain was more frequent when there
was significant gain in PFS and in second-line
and third-line trials. The average median OS was
20.7 months in trials assessing first-line
chemotherapy and 31.1 months with first-line
hormone therapy. The median proportion of OS
accounted for by PPS was significantly longer in
hormone therapy trials than in chemotherapy
trials, but varied little across treatment lines. A
statistically significant gain in OS has been
reported in about one in five recent phase III trials in advanced breast cancer, despite the fact
that OS has seldom been used as the primary
end point. PPS represents nearly two thirds of
patient survival after on-trial disease progression.
Comentário:
Há uma grande discussão a respeito dos me-
Phase III randomized trial of sunitinib versus capecitabine in patients with previously treated
HER2-negative advanced breast cancer.
Barrios CH, Liu MC, Lee SC, Vanlemmens L,
Ferrero JM, Tabei T, Pivot X, Iwata H, Aogi K,
Lugo-Quintana R, Harbeck N, Brickman MJ,
Zhang K, Kern KA, Martin M.
PUCRS School of Medicine, Centro de Pesquisa
em Oncologia, Jardim Botanico, Porto Alegre,
RS, 90610-000, Brazil. [email protected]
Abstract
This multicenter, randomized, open-label phase
III trial (planned enrollment: 700 patients) was
conducted to test the hypothesis that singleagent sunitinib improves progression-free survival
(PFS) compared with capecitabine as treatment
for advanced breast cancer (ABC). Patients with
HER2-negative ABC that recurred after anthracycline and taxane therapy were randomized (1:1)
to sunitinib 37.5 mg/day or capecitabine 1,250
mg/m(2) (1,000 mg/m(2) in patients >65 years)
BID on days 1-14 q3w. The independent datamonitoring committee (DMC) determined during
the first interim analysis (238 patients randomized
to sunitinib, 244 to capecitabine) that the trial be
terminated due to futility in reaching the primary
endpoint. No statistical evidence supported the
hypothesis that sunitinib improved PFS compared
with capecitabine (one-sided P = 0.999). The data
indicated that PFS was shorter with sunitinib than
capecitabine (median 2.8 vs. 4.2 months, respectively; HR, 1.47; 95% CI, 1.16-1.87; two-sided P =
0.002). Median overall survival (15.3 vs. 24.6
months; HR, 1.17; two-sided P = 0.350) and objective response rates (11 vs. 16%; odds ratio, 0.65; P
= 0.109) were numerically inferior with sunitinib
versus capecitabine. While no new or unexpected
safety findings were reported, sunitinib treatment
was associated with higher frequencies and
Revista GBECAM
21
>> pesquisa clínica
greater severities of many common adverse
events (AEs) compared with capecitabine, resulting in more temporary discontinuations due to
AEs with sunitinib (66 vs. 51%). The relative dose
intensity was lower with sunitinib than
capecitabine (73 vs. 95%). Based on these efficacy
and safety results, sunitinib should not be used as
monotherapy for patients with ABC.
Comentário:
Capecitabina é uma opção consagrada de
tratamento em câncer de mama após a progressão a antraciclinas e taxanes. Alguns estudos sugerem benefício da combinação de
capecitabina com outros agentes, embora
associados com aumento da toxicidade. A
comparação de sunitinib isolado com
capecitabina mostrou-se inferior, levando à
interrupção do estudo.
¬
Estrogen receptor-positive breast
carcinomas in younger women are
different from those of older
women: a pathological and immunohistochemical study. Breast. 2010 Apr;19(2):137-41.
Bacchi LM, Corpa M, Santos PP, Bacchi CE,
Carvalho FM.
Department of Pathology, Faculdade de
Medicina da Universidade de Sao Paulo, Sao
Paulo, SP, Brazil.
Abstract
The higher frequency of triple-negative and
HER-2-positive tumors detected in younger
patients has been suggested as an explanation for the more aggressive tumor types
observed in this age group. However, estrogen receptor (ER)-positive tumors are the
most frequent subtype of breast carcinomas
identified, even in younger patients. In this
retrospective study, the morphological and
immunohistochemical profiles of ER-positive
breast carcinomas from women 35 yrs and
younger that were diagnosed between 1997
and 2007 were evaluated. From these cases,
213 were selected based on the availability of
pathology reports and paraffin blocks. For
comparison, 117 consecutive cases of breast
carcinomas diagnosed in patients >60 yrs
from 2006 were included. Paraffin-embedded
tumors were stained for expression of ER,
progesterone receptor (PR), human epidermal
growth factor receptor 2 (HER-2), Ki-67 antigen, epidermal growth factor receptor (EGFR),
cytokeratin 5/6, p53, vimentin, CD117, and p63
using tissue microarrays. ER-positive carcinomas were diagnosed in 120 (56.1%) samples of
the younger patient group and in 92 (78.6%)
samples of the older patient group. Of these
ER-positive carcinomas, 48 (40%) from the
younger patient group presented the subtype
luminal A, compared with 53 (57.6%) from the
older patient group (p=0.01). Tumors from the
younger patient group were also associated
with increased vascular involvement, coexpression of HER-2, and decreased expression of CD117. These results highlight differences in expression markers and the pathology of ER-positive tumors detected in younger
women, with a notable characteristic being
co-expression of HER-2.
Comentário:
Pacientes com menos de 35 anos apresentam câncer de mama com características de
maior agressividade. Mesmo considerandose apenas câncer receptor hormonal positivo,
elas apresentam menor porcentagem de
tumores com perfil luminal A, maior invasão
vascular, assim como coexpressão de HER-2.
Essas características devem ser levadas em
consideração na determinação do tratamento sistêmico.
Diretor científico do GBECAM é eleito para Conselho Consultivo do BIG
oncologista clínico carioca José Bines,
diretor científico do Grupo Brasileiro de
Estudos do Câncer de Mama (GBECAM),
médico sênior do Instituto Nacional de
Câncer (INCA) e membro de comitê da
American Society of Clinical Oncology
(ASCO), foi recentemente eleito para o
Conselho Consultivo do Breast International
Group (BIG, na sigla em inglês), uma organização sem fins lucrativos para grupos
acadêmicos de pesquisa em câncer de mama no mundo todo, sediado em Bruxelas, na Bélgica.
O novo Conselho Consultivo foi eleito na última Assembleia Geral
da organização, em Chicago. Apresentado pela nova estrutura de governo criada no início do ano, o Conselho Consultivo auxiliará o Conselho Executivo e a sede do BIG a cumprir seus deveres e responsabi-
O
22
Revista GBECAM
lidades. O grupo é formado por 15 pessoas, entre profissionais em
começo de carreira e pesquisadores mais experientes, para trazer uma
variedade de habilidades e conhecimentos para o BIG.
O Conselho Consultivo para o período de 2010-2014 é formado
pelos seguintes nomes: Fabrice André, Philippe Bedard, Gouri Shankar
Bhattacharyya, José Bines, Fran Boyle, Boon Chua, Giuseppe Curigliano,
Carsten Denkert, Peter Dubsky, John Forbes, Karen Gelmon, Sibylle
Loibl, Kathy Pricthard, Alastair Thompson e Giuseppe Viale.
O BIG facilita a pesquisa sobre câncer de mama em nível internacional ao estimular a cooperação entre seus membros – entre
eles, o GBECAM – e outras redes acadêmicas, e colabora com a
indústria farmacêutica, mas sempre trabalhando independente dela.
Segundo descrição do grupo em seu website: “A cooperação em
larga escala é crucial para fazer avanços significativos na pesquisa
sobre o câncer de mama, reduzir o desperdício de esforços duplicados e servir melhor aqueles afetados pela doença”.
>> encontro
Câncer de mama – Gramado 2010
Fotos: Lilian Liang
A 5ª edição do congresso Câncer de Mama Gramado 2010 reuniu cerca de 360 participantes entre 26 e 28
de agosto em Gramado, no Rio Grande do Sul. Durante três dias, oncologistas, mastologistas e patologistas
brasileiros e estrangeiros debateram os últimos avanços na área. Também estiveram presentes representantes de laboratórios que investem maciçamente em pesquisa e em novos medicamentos para a condição,
que só em 2010 atingirá cerca de 50 mil mulheres. Confira as imagens desse encontro.
AstraZeneca Mário Sérgio Marques, Selma Kochen, Alexandre Soares,
Vivian Low e Paulo Amado
Palestra
Roche Luciano Del Mestre, Silvio Villani, Renata Maezono,
Beatriz Alves e Lissandro Teixeira
Revista GBECAM
23
Novartis Paula Marins, Alfeu Silva, Eduardo Rydz, Marcelo Pegorini
e Luciana Foss
J&J Marco Antunes, Janaína Mazoni, Dilmar Baldicera, Anahy
Diniz, Flavia Manzoni e Alberto Ribeiro
Ao lado, Ana Paula Granado e Cláudia Vasconcelos;
acima, Sergio Simon, Antonio Frasson e José Bines
Sanofi Aventis Eder Backes
Carlos Barrios e Antonio Frasson
Pfizer Ana Raquel Gomes, Mariana Fonseca, Paulo Garrido, Luís Brustolin e Simone Marques
24
Revista GBECAM
>> giro
Simone Simon
Divulgação
Campanha de autoestima incentiva
pacientes de câncer de mama
esde 2009 o laboratório AstraZeneca
vem investindo na autoestima de
mulheres que passam pelo tratamento
contra o câncer de mama.
A Campanha de Autoestima, como foi
chamada, promove reuniões bimensais
em clínicas e hospitais em todo o Brasil,
em que a paciente participa de palestras e
atividades que abordem a questão, considerada crucial para uma atitude positiva da
paciente diante do tratamento.
A campanha já atingiu cerca de 420
pessoas, entre mulheres e familiares, e passou por Campinas, Caxias do Sul, Fortaleza,
Goiânia, Recife, Rio de Janeiro, São Paulo, São José dos Campos, Natal, Porto Alegre, Belo
Horizonte, Salvador e Curitiba.
Um dos pontos altos dos encontros, que colocam a teoria em prática, são as sessões
de fotos, nas quais as pacientes são convidadas a se enfeitar com adereços e posar para
um fotógrafo. A melhor foto é impressa e entregue às pacientes. Uma seleção das melhores fotos do ano passado se transformou no calendário da AstraZeneca de 2010.
“Nosso foco é trabalhar a humanização, o resgate e a manutenção da autoestima,
que muitas vezes é difícil de ser restabelecida. Acreditamos que, com isso, as mulheres
ganhem mais confiança para superar as dificuldades”, diz Selma Kochen, diretora de
marca da AstraZeneca.
D
Femama lança Outubro Rosa 2010
com foco em investimento na saúde
Femama –
Federação
Brasileira
de
Instituições
Filantrópicas de
Apoio à Saúde da
Mama – promove pelo terceiro ano consecutivo a campanha Outubro Rosa. O
lançamento da edição de 2010, cujo mote
é “Sem investimento, o câncer de mama
não tem tratamento”, aconteceu no dia 5
de outubro, com a iluminação de rosa do
Cristo Redentor, no Rio de Janeiro.
A ideia é chamar a atenção para a
A
necessidade de se investir na saúde das
mulheres brasileiras, em especial na saúde
da mama. Estima-se que cerca de 50 mil
novos casos de câncer de mama sejam
diagnosticados no Brasil anualmente.
Na terceira edição da campanha, a
Femama pretende dar continuidade ao
sucesso obtido no ano passado com o
tema “Mamografia: Agora é Lei!”, cujo objetivo foi tornar realidade nos vários estados brasileiros o que promete a Lei
11.664/2008, de 29 de abril de 2009, que
garante o acesso à mamografia para mulheres acima de 40 anos.
Pfizer oferece
programa de
informação a
usuárias de
Aromasin
Programa Mais Mulher, uma iniciativa da Pfizer, é um programa completo de apoio a pacientes com câncer
de mama usuárias de Aromasin
(exemestano), com o objetivo de mantêlas bem informadas sobre a doença e
seu tratamento.
A iniciativa é divulgada pelo próprio
médico ou por materiais do laboratório
na clínica oncológica. Ao se cadastrar no
programa pelo número 0800 12 66 44,
a paciente recebe materiais informativos, bem como dicas de saúde e bemestar. Outro benefício oferecido é a
entrega do medicamento prescrito,
adquirido pela Pfizer mediante apresentação de prescrição, diretamente no
local informado pela paciente ao efetuar
o cadastro.
O
Mais informações:
www.pfizeroncologia.com.br
Revista GBECAM
25
Reprodução
>> dica de leitura
O
Bad Blood:
The Tuskegee
Syphilis Experiment
James H. Jones
Por Cláudia Vasconcelos
26
livro aborda um tema que provoca grandes reflexões em pesquisa
clínica: a ética na condução de
estudos clínicos.
O estudo Tuskegee foi conduzido pelo
Serviço Público dos Estados Unidos no
Alabama no período de 1932 a 1972. Seu
objetivo era acompanhar a evolução natural
da sífilis, sem que os pacientes fossem tratados. Foram recrutados 600 homens negros,
sendo 399 portadores de sífilis e 201 sem a
doença. Os pacientes não deram consentimento informado, nem foram informados
de que eram portadores da doença. As informações eram de que tinham “sangue ruim”
e de que receberiam tratamento médico
gratuito, refeições nos dias dos exames e
auxílio funeral.
A inadequação ética dos primeiros anos
de condução desse estudo, quando não
havia terapêutica disponível, foi a omissão
do diagnóstico e do esclarecimento do
prognóstico, além da ausência do termo de
consentimento. Mesmo no início da década
de 50, quando já estava disponível a penicilina, tratamento padrão para a doença, os
pacientes permaneceram sendo observados
sem nenhuma terapia.
O estudo somente foi encerrado em 26
de julho de 1972, 40 anos depois, após a
denúncia da repórter Jean Heller no jornal
Revista GBECAM
The New York Times. Por ocasião do encerramento do estudo, apenas 74 pacientes
participantes permaneciam vivos, 25 haviam
morrido em decorrência da doença e 100 de
complicações relacionadas à doença. Além
disso, 40 esposas dos pacientes haviam sido
infectadas e 19 recém-nascidos eram portadores de sífilis congênita.
Foram publicados vários artigos científicos relatando os dados do estudo, cujos
títulos não deixavam dúvida de que o obje-
tivo era somente a observação, e não o
tratamento – sem nenhuma repercussão
na comunidade científica. O artigo que
relata os dados de 30 anos de acompanhamento do estudo foi publicado após o
advento da penicilina.1
Em 1969, James H. Jones, historiador e
professor de história do Arkansas, especialista em assuntos bioéticos, teve acesso
aos documentos do estudo, mas deduziu
que ele já tivesse sido descontinuado.
Posteriormente, liderou uma comissão de
bioética que exigiu desculpas formais do
governo americano aos oito sobreviventes
do estudo e às famílias de todos os participantes. Em uma solenidade na Casa
Branca, em 16 de maio de 1997, 65 anos
depois do início do estudo, o então presidente Bill Clinton pediu desculpas formais
aos sobreviventes e suas famílias.2
Como consequência dessa tragédia, o
Departamento de Saúde, Educação e
Bem-Estar (HEW, na sigla em inglês) estabeleceu legislação que constituiria os
Comitês Institucionais de Revisão (IRB, na
sigla em inglês), com requerimento de
avaliação ética prévia de estudos envolvendo seres humanos.
O legado do estudo Tuskegee força a
comunidade científica a reavaliar continuamente a ética na condução da pesquisa clínica, principalmente no que diz respeito à população vulnerável.
1. Donald H. Rockwell, Anne Roff Yobs e M.
Brittain Moore Jr. The Tuskegee Study of
Untreated Syphilis - The 30th Year of Observation. Arch Intern Med. 1964;114(6):792-798.
2. AN APOLOGY 65 YEARS LATE. Online News
Hour. Disponível em: www.pbs.org/newshour/
bb/health/may97/ tuskegee_5-16.html.
1
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