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.: Aclíis do 3° Congresso Nacional de Psicologia da Saúde Organi/aclo por J. Ribeiro, I. Leal, e M. Dias 2000, Lisboa: ISPA Um olhar sobre um paradoxo o desejo de maternidade, a percepção da doença e o suporte social em mulheres grávidas e mães seropositivas para o VIH /. PINA CABRAL O ISABEL LEAL ("> A SIDA, enquanto fenômeno que abrange toda a dimensão biopsicossocial do indivíduo, tem-se tornado, ao longo destas duas últimas décadas, num dos campos privilegiados pela investigação cientifica em diferentes ramos do saber. Fruto desta constante investigação e evolução médica e medicamentosa, surge o panorama actual, em que a seropositividade para o vírus de imunodeficiência humana (VIH) assume cada vez mais os 322 (' Maternidade Dr. Alfredo da Cosia. ' ' Instituto Superior de Psicologia Aplicada, Lisboa. 32) l"( (INCÍUI SSO NACIONAL DL PSICOLOGIA DA S A I I I H contornos de uma doença crônica, que mistura problemas de ordem estritamente sanitária, exigências e reacções psicológicas, e necessidades ou preocupações de ordem social, que implicam o repensar de lodo nm projecto de vida, e exige a aprendizagem c o desenvolvimento de capacidades (comportamentais, cognitivas c emocionais) paia c.eiii o dia n dia. Para o ano 2000, as estimativas da OMS apontavam paia 1 2 a 18 milhões de casos de SIDA, e 30 a 40 milhões de sujeitos scroposilivos (Monlagnier, 1996). O sexo masculino tem sido o mais aliii)',ido pelo VIII, contudo os números apontam no sentido de uma crescente inlccção da população feminina, prevendo-se que num futuro próximo haja uma distribuição igualitária de casos de SIDA entre os dois sexos, lim 1997 o sexo feminino representava, a nível mundial, 41% dos adultos infectados, cm 1998 esse valor já tinha aumentado para 43%, não havendo nada que indique uma inversão dessa tendência (ONUSIDA, 1998). Existem actualmente cerca de 13.8 milhões de mulheres seropositivas (ONUSIDA, 1998), 86% das quais estão em idade fértil (Bedimo, Bessinger, & Kissinger, 1998). Em Portugal, segundo os números oficiais do segundo trimestre de 1999 (CNLCS, 1999), 15.5% (936 casos) do número total de casos de SIDA notificados pertencem a sujeitos do sexo feminino, sendo 79.2% dos quais mulheres com idades compreendidas entre os 20 e os 44 anos; verifica-se também que, desde 1983, as mulheres constituem um dos grupos populacionais em que a prevalência do VIH mais tem aumentado, a par da importância crescente das vias heterossexual e vertical na transmissão do vírus. Segundo diferentes autores, no final da segunda década da pandemia, as mulheres serão indiscutivelmente as mais afectadas, por razões de ordem biológica, epidemiológica e social e, no entanto, poucos têm sido os estudos que se têm centrado na infecção VIH no feminino. Jenkins e Coons (1996) sublinham o facto da generalização para a população feminina dos resultados encontrados em populações masculinas levar a conclusões erradas e modelos de intervenção inadequados, pois a vivência da seropositividade nas mulheres tem características próprias, que resultam das .i 2-1 T UM 01 IIAII '.1111111 li I'MI MIII MI , 1, 1, inn,.r. ik' gênero - há diferenças evidentes, por exemplo, no que i,-.,|iciia às responsabilidades no seio familiar, ao suporte comunitário, às jgtrttégiu de "coping". De todas as questões que concernem à infecção pelo VIH no sexo feminino, as que dizem respeito ao comportamento reprodutivo são as mais específicas, e as que mais têm sido estudadas. "VIH e gravidez não são apenas assuntos de saúde; tocam em quase todos os aspectos da vida de uma pessoa. Da sexualidade à economia à maternidade à moralidade, a doença influencia todo o espectro da sociedade em que nos inserimos" (Bedimo et ai, 1998, p. 177). Pelo risco de transmissão vertical, e pela reduzida esperança de vida da própria mulher, uma grávida seropositiva é muitas vezes pressionada, de forma mais ou menos explícita, no sentido da interrupção voluntária de gravidez (IVG) e da laqueação tubária, pois existe actualmente um consenso médico que aponta essa alternativa como sendo a mais razoável, "pensando na impossibilidade destas mulheres acompanharem o crescimento dos filhos, desenvolverem um comportamento afectivo de qualidade e, particularmente, nas probabilidades do bebê vir a adoecer posteriormente" (Marcelino, 1995, p. 58). Os técnicos tendem muitas vezes a centrarem-se mais na relação directa VIH+/IVG, esquecendo o desejo de maternidade que pode existir na grávida; porém, "para uma mulher naquele momento pode ser mais importante ser mãe, do que as questões associadas à seropositividade e à SIDA " (Pinto, 1995, p. 74). Nos casos em que uma mulher se recusa a fazer a IVG, ou que o diagnóstico de seropositividade é conhecido numa fase adiantada da gestação, são vários os problemas que, de acordo com esta autora, se colocam no decurso dessa gravidez considerada de alto risco: por um lado, saber se a gravidez contribui para uma evolução mais rápida da infecção; por outro lado, saber quais os efeitos da infecção na gravidez; e finalmente, as vivências da grávida seropositiva. As conseqüências de um diagnóstico de seropositividade para o VIH para uma mulher em idade fértil são particularmente pesadas, pois acresce-se a todas as dificuldades inerentes ao confronto com a sua própria mortalidade, 325 ITIINIIIU SSONAI IONAI Dl 1'SICOI l «.IA l IA VMIIU T UM 01 MAU M MIIM II 1'AIIAI'IIMI :i iltviNMo de desistir ou não de um aspecto importante da sua vida, corno é a questão da maternidade. Ter um filho é, para muitas mulheres, um "projecto central do Ser Mulher" (Alvarez, 1995, p. 33); contudo, no contexto de uma infecção V1H, esse desejo de ser mãe tem que ser pesado em relação ao conhecimento de que poderá passar o vírus para a criança e de que é pouco provável que sobreviva tempo suficiente para realizar plenamente o seu papel materno, até que a criança atinja a adultícia (Jemmott III & Miller, 1996). As tomadas de decisão no que respeita à reprodução é um assunto altamente complexo e sensível. Os factores que influenciam a mulher quando se vê confrontada com uma decisão desta natureza incluem a sua cultura, situação psicossocial e econômica, a influência do parceiro, família e amigos (Bedimo et ai., 1998). A gravidez dimensiona os papeis e as relações da mulher num novo contexto, torna-a mais dependente da ajuda de um sistema social de apoio e cria-lhe necessidades intensas de apoio amoroso, atenção e aceitação por parte dos outros. O modo como a sociedade a olha pode afectar profundamente a sua experiência e as possibilidades são imensas e imprevisíveis. A decisão de conceber uma criança ou de evitar a concepção na presença de uma infecção VIH é extremamente pessoal, e muitas vezes não é controlada pela mulher, podendo haver pressões externas e desejos internos, mais ou menos inconscientes, que tornam as decisões de gravidez nestas circunstâncias num conflito interno que será provavelmente marcado pela ansiedade e pela ambivalência. Muitas vezes, face a um projecto de vida ameaçado e restringido, surge na mulher o desejo de deixar algo dela para o parceiro ou para o mundo, pelo que a ansiedade acerca de uma potencial capacidade de engravidar no futuro pode ser omnipresente, e as decisões para atrasar o engravidar podem ser acompanhadas pelo medo de que aumente o risco de transmissão vertical, se a gravidez for adiada até um momento mais adiantado da infecção, em que será maior o risco de transmissão para o filho (Hankins, 1996) - para uma grávida seropositiva, assintomática, situa-se actualmente nos 8% a probabilidade de transmissão materno-fetal do vírus (desde que acompanhada a gravidez precocemente e com medicação adequada), o que se traduz numa probabilidade de 92% desta mulher ter um bebê saudável. As reacções psicológicas envolvidas num processo tão peculiar e delicado dependem duma série de condicionantes psicossociais; é possível, contudo, identificar algumas vivências negativas comuns a estas mulheres (Pinto, 1995), podendo surgir: sentimentos de culpa, quando a mulher toma consciência que se expôs directa ou indirectamente a situações que provocaram a infecção; negação da situação, sendo a gravidez e a perspectiva de morte vivenciadas como algo irreal, fantasiado; angústias relacionadas com a possibilidade de infecção do filho; auto-imagem de mãe e de mulher desvalorizada, muitas vezes na seqüência de uma reacção negativa por parte do meio em que a mulher se insere, onde geralmente prevalece a imagem de seropositiva sobre a de grávida, que é completamente esquecida e/ou desvalorizada. Contudo, se a nível social a seropositividade parece sobrepor-se à gravidez, psicologicamente tal não se verifica, tendo diversos autores constatado que a ameaça associada à infecção VIH passa a ocupar um plano secundário no que respeita às decisões no âmbito da gravidez e da maternidade, em que pesam mais as necessidades afectivas e os factores psicossociais. As mulheres não valorizam o facto de estarem doentes, parecendo que a gravidez fornece a sua própria protecção de equilíbrio contra um colapso psicológico (Bastos et ai., 1995). Na nossa cultura cristã-ocidental, a maternidade, enquanto conceito, assume-se como um projecto de longo prazo, envolvendo a suficiente prestação de cuidados e dádiva de amor que possibilitem um desenvolvimento sadio e harmonioso à criança recém-nascida (Leal, 1990). Num contexto de infecção pelo VIH, o projecto de maternidade assume uns parâmetros bem diferentes, pois muitas mães vão ter que se confrontar com o facto de que, por causa da SIDA, não poderão ser as mães que gostariam de ser para os seus filhos, havendo uma forte probabilidade de os filhos poderem, por um lado, ficar órfãos, e.por outro, adoecer e falecer num curto espaço de tempo (Jemmott III & Miller, 1996). A incerteza relativamente à sua saúde e à da criança, podem influenciar de forma significativa o 326 327 r< ONdUI SSO NA( IONAL I3I-: PSICOLOGIA DA SAÚDl: comportamento da mãe seropositiva, no que respeita aos cuidados maternos bem como todo o seu envolvimento emocional e afectivo durante os primeiros tempos de vida do seu bebê. Para as mulheres seropositivas, a maternidade constitui-se como um acontecimento não-normativo, em que a incerteza e a preocupação face ao futuro são uma constante. Pensar na gravidez e na maternidade num contexto de uma infecção VIH é pensar numa vivência emocional conturbada, em que a Vida - inerente ao nascimento de uma criança - e a Morte - ameaça subjacente ao VIH que paira sobre mãe e filho - surgem intrinsecamente ligadas. Sendo o entendimento psicológico dos fenômenos da gravidez e da maternidade no contexto de uma infecção VIH um campo de investigação recente, o presente trabalho caracteriza-se por ser um estudo exploratório que, como tal, se propôs a dois grandes objectivos: Contribuir para um melhor conhecimento da população de mulheres grávidas ou mães recentes que estejam infectadas por este vírus, apresentando uma caracterização bastante detalhada de uma amostra de utentes seropositivas para o VIH das consultas de Obstetrícia e Pediatria da Maternidade Dr. Alfredo da Costa. Averiguar do comportamento das variáveis Desejo de Maternidade, Percepção da Doença e Suporte Social nessa amostra, por serem variáveis que considerámos serem importantes para a vivência psicológica de uma situação desta natureza. MÉTODOS Participantes Dados os objectivos desta investigação, foram apenas dois os critérios de inclusão na amostra: serem mulheres seropositivas para o VIH (fase assintomática) e estarem grávidas ou terem sido mães recentemente. As dificuldades inerentes à recolha de uma amostra numa população tão específica, abordando uma questão ainda tão delicada e estigmatizante corno é a seropositividade para o VIH, levaram-nos a não introduzir neste estudo nenhum critério de exclusão, desde que as condições atrás referidas se verificassem, o que se traduziu numa amostra muito heterogênea. A nossa amostra é constituída por 14 mulheres seropositivas, das quais 8 estavam grávidas e 6 tinham sido mães há relativamente pouco tempo. As mulheres grávidas encontravam-se em diferentes momentos de gestação, e as idades dos bebês das mulheres do grupo das mães variavam também entre os 21 dias e os 14 meses (sendo a média de idades igual a 5.9 meses). A idade média dos sujeitos da nossa amostra é de 26.7 anos, sendo na sua maioria mulheres caucasianas, de nacionalidade portuguesa. No que respeita ao estado civil, apenas duas mulheres eram solteiras, vivendo as restantes maritalmente. Em termos de escolaridade, verifica-se uma predominância de sujeitos que freqüentaram o ensino secundário (7), seguido do ensino preparatório (4) e por último o ensino primário (3). Profissionalmente, a grande maioria não exerce qualquer tipo de actividade. Onze das mulheres da nossa amostra tinham pelo menos um filho, pelo que três estavam prestes a ser mães pela primeira vez, e cinco haviam-no sido recentemente. No que respeita à história obstétrica dos sujeitos da amostra, verificámos que havia mulheres com um elevado número de gravidezes anteriores, bem como mulheres em que esta gravidez era a primeira; e o número de mulheres que já haviam passado por uma situação de interrupção de gravidez (8) era ligeiramente superior ao das que não haviam passado por essa experiência. O número de gravidezes referidas como planeadas é ligeiramente inferior ao número de gravidezes não planeadas, sendo importante referir que, das mulheres que apresentaram a gravidez como tendo sido planeada, apenas uma já tinha conhecimento prévio da sua seropositividade para o VIH. Em relação ao conhecimento do diagnóstico, é notória a superioridade do número de sujeitos que só souberam da sua seropositividade para o VIH durante a gravidez (10), comparativamente aos que já o sabiam antes de engravidar. O tempo de diagnóstico destas mulheres variava entre as seis 328 .129 r c c INI ,Kl SSO NACIONAL D l: PSICOLOGIA DA SAÚDE comportamento da mãe seropositiva, no que respeita aos cuidados maternos bem como todo o seu envolvimento emocional e afectivo durante os primeiros tempos de vida do seu bebê. Para as mulheres seropositivas, a maternidade constitui-se como um acontecimento não-nortnativo, em que a incerteza e a preocupação face ao futuro são uma constante. Pensar na gravidez e na maternidade num contexto de uma infecção VIH é pensar numa vivência emocional conturbada, em que a Vida - inerente ao nascimento de uma criança - e a Morte - ameaça subjacente ao VIH que paira sobre mãe e filho - surgem intrinsecamente ligadas. Sendo o entendimento psicológico dos fenômenos da gravidez e da maternidade no contexto de uma infecção VIH um campo de investigação recente, o presente trabalho caracteriza-se por ser um estudo exploratório que, como tal, se propôs a dois grandes objectivos: Contribuir para um melhor conhecimento da população de mulheres grávidas ou mães recentes que estejam infectadas por este vírus, apresentando uma caracterização bastante detalhada de uma amostra de utentes seropositivas para o VIH das consultas de Obstetrícia e Pediatria da Maternidade Dr. Alfredo da Costa. Averiguar do comportamento das variáveis Desejo de Maternidade, Percepção da Doença e Suporte Social nessa amostra, por serem variáveis que considerámos serem importantes para a vivência psicológica de uma situação desta natureza. MÉTODOS Participanles Dados os objectivos desta investigação, foram apenas dois os critérios de inclusão na amostra: serem mulheres seropositivas para o VIH (fase assintomática) e estarem grávidas ou terem sido mães recentemente. As dificuldades inerentes à recolha de uma amostra numa população tão específica, abordando uma questão ainda tão delicada e estigmatizante T UM OI.IIAK SOIWI.O PARADOXO corno é a seropositividade para o VIH, levaram-nos a não introduzir neste estudo nenhum critério de exclusão, desde que as condições atrás referidas se verificassem, o que se traduziu numa amostra muito heterogênea. A nossa amostra é constituída por 14 mulheres seropositivas, das quais 8 estavam grávidas e 6 tinham sido mães há relativamente pouco tempo. As mulheres grávidas encontravam-se em diferentes momentos de gestação, e as idades dos bebês das mulheres do grupo das mães variavam também entre os 21 dias e os 14 meses (sendo a média de idades igual a 5.9 meses). A idade média dos sujeitos da nossa amostra é de 26.7 anos, sendo na sua maioria mulheres caucasianas, de nacionalidade portuguesa. No que respeita ao estado civil, apenas duas mulheres eram solteiras, vivendo as restantes maritalmente. Em termos de escolaridade, verifica-se uma predominância de sujeitos que freqüentaram o ensino secundário (7), seguido do ensino preparatório (4) e por último o ensino primário (3). Profissionalmente, a grande maioria não exerce qualquer tipo de actividade. Onze das mulheres da nossa amostra tinham pelo menos um filho, pelo que três estavam prestes a ser mães pela primeira vez, e cinco haviam-no sido recentemente. No que respeita à história obstétrica dos sujeitos da amostra, verificámos que havia mulheres com um elevado número de gravidezes anteriores, bem como mulheres em que esta gravidez era a primeira; e o número de mulheres que já haviam passado por uma situação de interrupção de gravidez (8) era ligeiramente superior ao das que não haviam passado por essa experiência. O número de gravidezes referidas como planeadas é ligeiramente inferior ao número de gravidezes não planeadas, sendo importante referir que, das mulheres que apresentaram a gravidez como tendo sido planeada, apenas uma já tinha conhecimento prévio da sua seropositividade para o VIH. Em relação ao conhecimento do diagnóstico, é notória a superioridade do número de sujeitos que só souberam da sua seropositividade para o VIH durante a gravidez (10), comparativamente aos que já o sabiam antes de engravidar. O tempo de diagnóstico destas mulheres variava entre as seis 329 3" CONGRESSO NACIONAL DE PSICOLOGIA DA SAÚDE semanas e os sete anos e meio, sendo de 17.2 meses o seu valor médio. O modo de transmissão do vírus identificado pelas próprias mulheres remete principalmente para contactos sexuais. A grande maioria das mulheres que constituem a amostra (12) partilharam o seu diagnóstico com os parceiros e/ou com familiares próximos; verificando-se que, de entre os doze homens que estavam a par da condição da sua parceira, seis não estavam infectados, três eram também seropositivos e os restantes não o sabiam. Segundo as mães, e apesar da tenra idade de alguns, os bebês eram todos seronegativos (exceptuando um, que ainda não sabia o diagnóstico). Material Na recolha do material necessário para a realização deste estudo, foram quatro os instrumentos utilizados: Questionário de Caracterização da Amostra, Questionário do Desejo de Maternidade (Leal, 1999); Illness Perception Questionnaire (Weinman, 1998) e Arizona Social Support Interview Schedule (Barrera, 1981). Questionário de Caracterização da Amostra - Com base nos factores apontados na literatura como influentes no que concerne às decisões e comportamento reprodutivo no contexto de uma infecção pelo VIH, construímos um questionário de caracterização específico para esta investigação, sendo abrangidos dados demográficos, dados relativos à gravidez e/ou maternidade e dados relativos ao diagnóstico VIH+. T UM OLHAR SOBRE O PARADOXO C1998), e visa aceder à representação cognitiva que um sujeito tem da sua doença; recorremos a uma versão revista do IPQ, traduzida por nós, visto não estar ainda disponível a tradução para a língua portuguesa. É constituído por três partes distintas, com diferentes tipos de questões aue remetem para as nove dimensões da percepção da doença que o questionário considera: Identidade, Duração, Duração Cíclica, Conseqüências, Controlo Pessoal, Controlo do Tratamento, Coerência, Representações Emocionais e Causas. Arizona Social Support Interview Schedule (ASSIS) - A escala de suporte social utilizada neste estudo foi desenvolvida por Barrera Jr (1981), e permite aceder a algumas características do suporte social percepcionado, nomeadamente no que respeita à rede social e ao julgamento subjectivo do sujeito acerca da adequação do suporte disponível e recebido. Abrange diferentes subdimensões do suporte social consideradas pelo autor: Ajuda Material, Suporte Activo Recebido, Relações Próximas, Aconselhamento, Feedback Positivo, Participação Social e Interacções Negativas. Procedimento Illness Perception Questionnaire (IPQ-R) - O questionário de percepção da doença utilizado foi criado por Weinman, Petrie, Moss-Morris e Horne A recolha da amostra para esta investigação foi realizada na Maternidade Dr. Alfredo da Costa, na Consulta Obstétrica de Alto Risco e na Consulta de Pediatria, com a colaboração de diferentes profissionais da instituição. Os protocolos da investigação eram constituídos pelos quatro questionários atrás descritos, sendo estes passados pela seguinte ordem: Questionário de Caracterização da Amostra; Questionário do Desejo de Maternidade; Questionário de Percepção da Doença e por último a Escala de Suporte Social. Na maioria dos casos os questionários foram preenchidos pelos sujeitos, contudo, algumas das mães, por estarem com os bebês ao colo, pediram para responder oralmente; esses pedidos foram aceites, pelo que colocámos nós as questões e assinalámos nos questionários as respostas por elas indicadas, todos os sujeitos responderam individualmente, sendo dadas informações ou esclarecidas dúvidas à medida que iam surgindo. 330 331 Questionário do Desejo de Maternidade - Para avaliar o desejo de maternidade foi utilizado um questionário construído por Leal (1999). Este questionário é constituído por 32 afirmações, a que os sujeitos respondem segundo uma escala de Likert; os itens são divididos pelas cinco dimensões consideradas: Necessidades do Casal, Estilo de Vida, Pressões Externas, Parentalidade e Necessidades Egóicas. UM OLHAR SOBRE O PARADOXO 3° CONGRESSO NACIONAL DE PSICOLOGIA DA SAÚDE RESULTADOS Recolhido o material, procedeu-se a uma análise descritiva dos resultados obtidos em cada um dos questionários, tendo presentes as limitações inerentes a uma amostra de pequena dimensão e muito heterogênea. De seguida serão apresentados os resultados mais significativos a que este estudo nos conduziu. Desejo de Maternidade - Relativamente a esta variável, pretendíamos averiguar quais, das dimensões consideradas, sobressairiam na nossa amostra. Observando os valores médios obtidos para cada dimensão, verificámos que a dimensão da Parentalidade se destaca ligeiramente, apresentando um valor elevado (4.5 numa escala de l a 5). De acordo com o que considerámos ser esta dimensão, podemos inferir que a disponibilidade e o desejo de cuidar de uma criança estão subjacentes ao desejo de ter um filho, revelando as mulheres da nossa amostra uma atitude muito positiva no que concerne à parentalidade, enquanto acto de amar e educar uma criança. A dimensão que surge com o segundo maior valor (3.74) é a que remete para as Necessidades Egóicas. Contrariamente à dimensão anterior, em que o desejo de maternidade surge relacionado com o "dar", o "tomar conta de", o "amar alguém", esta dimensão das necessidades egóicas remete principalmente para o "receber", para a satisfação de necessidades internas do próprio sujeito, sendo um filho desejado enquanto alguém que virá cumprir e satisfazer essas necessidades mais narcísicas. Na sua globalidade, verificou-se que para todas as dimensões se encontraram valores superiores a três, sendo pequena a variação entre elas. Esta proximidade entre os diversos valores traduz a complexa interligação entre as diferentes dimensões, permitindo-nos apenas realçar que são as dimensões relativas a factores internos ao sujeito as que surgem como mais importantes - parentalidade e necessidades egóicas - seguidas de perto pelas dimensões em que o ênfase é colocado em factores mais externos -necessidades de casal, pressões externas e estilo de vida. Percepção da Doença Com base nos resultados obtidos para o IPQ-R, foi feita uma análise da percepção que os sujeitos da amostra têm da sua seropositividade para o VIH. De um modo geral, podemos afirmar que a seropositividade é percepcionada como sendo assintomática, sendo no entanto referido o aparecimento cíclico de alguns sintomas que os nossos sujeitos associam à infecção VIH, dos quais se destacam a fadiga e a falta de força. Tendo em conta que a seropositividade, enquanto estádio de evolução da doença, se caracteriza pela ausência de sintomatologia atribuída ao VIH, será interessante pensar que os dois sintomas que as mulheres da amostra mais percepcionam como estando associados à sua infecção VIH fazem parte, juntamente com as dificuldades de sono, a perda de peso e as dores de cabeça (também referidas), das manifestações somáticas que mais freqüentemente surgem associadas a um mal-estar psicológico. A seropositividade é percepcionada como crônica, sendo considerada uma condição com alguma gravidade (3.49 numa escala de l a 5), com efeitos negativos no que concerne à forma como afectará a vida de cada indivíduo. A percepção que os sujeitos têm relativamente à eficácia do tratamento e à sua própria capacidade de controlar e influenciar a sua doença surgem com valores muito semelhantes, sendo provável uma forte ligação entre eles, pois a confiança que um sujeito tem no tratamento a que se submete irá certamente influenciar a sua percepção de controlo sobre a doença. No caso da nossa amostra, os valores são ambos superiores a três, o que indica que, embora não seja muito acentuada, há a percepção do tratamento como sendo relativamente eficaz e capaz de controlar a doença, tendo os próprios sujeitos alguma influência na forma como a doença se desenrola. Actualmente a infecção-VIH continua a ser incurável, havendo no entanto uma constante evolução medicamentosa, sendo possível, de facto, controlar cada vez mais a progressão da doença; assim, embora se saiba incurável, a esperança de uma cura a curto/médio prazo para o VIH é algo a que estas 332 333 3° CONORKSSO NACIONAL DE PSICOLOGIA DA SAÚDE RESULTADOS Recolhido o material, procedeu-se a uma análise descritiva dos resultados obtidos em cada um dos questionários, tendo presentes as limitações inerentes a uma amostra de pequena dimensão e muito heterogênea. De seguida serão apresentados os resultados mais significativos a que este estudo nos conduziu. Desejo de Maternidade - Relativamente a esta variável, pretendíamos averiguar quais, das dimensões consideradas, sobressairiam na nossa amostra. Observando os valores médios obtidos para cada dimensão, verificámos que a dimensão da Parentalidade se destaca ligeiramente, apresentando um valor elevado (4.5 numa escala de l a 5). De acordo com o que considerámos ser esta dimensão, podemos inferir que a disponibilidade e o desejo de cuidar de uma criança estão subjacentes ao desejo de ter um filho, revelando as mulheres da nossa amostra uma atitude muito positiva no que concerne à parentalidade, enquanto acto de amar e educar uma criança. A dimensão que surge com o segundo maior valor (3.74) é a que remete para as Necessidades Egóicas. Contrariamente à dimensão anterior, em que o desejo de maternidade surge relacionado com o "dar", o "tomar conta de", o "amar alguém", esta dimensão das necessidades egóicas remete principalmente para o "receber", para a satisfação de necessidades internas do próprio sujeito, sendo um filho desejado enquanto alguém que virá cumprir e satisfazer essas necessidades mais narcísicas. Na sua globalidade, verificou-se que para todas as dimensões se encontraram valores superiores a três, sendo pequena a variação entre elas. Esta proximidade entre os diversos valores traduz a complexa interligação entre as diferentes dimensões, permitindo-nos apenas realçar que são as dimensões relativas a factores internos ao sujeito as que surgem como mais importantes - parentalidade e necessidades egóicas - seguidas de perto pelas dimensões em que o ênfase é colocado em factores mais externos -necessidades de casal, pressões externas e estilo de vida. 332 UM OLHAR SOBRE O PARADOXO Percepção da Doença Com base nos resultados obtidos para o IPQ-R, foi feita uma análise da percepção que os sujeitos da amostra têm da sua seropositividade para o VIM. De um modo geral, podemos afirmar que a seropositividade é pcrccpcionatla como sendo assintomática, sendo no entanto referido o aparecimento cíclico de alguns sintomas que os nossos sujeitos associam à infecção VIII, dos quais se destacam a fadiga e a falta de força. Tendo em conta que a seropositividade, enquanto estádio de evolução da doença, se caracteriza pela ausência de sintomatologia atribuída ao VIH, será interessante pensar que os dois sintomas que as mulheres da amostra mais percepcionam como estando associados à sua infecção VIH fazem parte, juntamente com as dificuldades de sono, a perda de peso e as dores de cabeça (também referidas), das manifestações somáticas que mais freqüentemente surgem associadas a um mal-estar psicológico. A seropositividade é percepcionada como crônica, sendo considerada uma condição com alguma gravidade (3.49 numa escala de l a 5), com efeitos negativos no que concerne à forma como afectará a vida de cada indivíduo. A percepção que os sujeitos têm relativamente à eficácia do tratamento e à sua própria capacidade de controlar e influenciar a sua doença surgem com valores muito semelhantes, sendo provável uma forte ligação entre eles, pois a confiança que um sujeito tem no tratamento a que se submete irá certamente influenciar a sua percepção de controlo sobre a doença. No caso da nossa amostra, os valores são ambos superiores a três, o que indica que, embora não seja muito acentuada, há a percepção do tratamento como sendo relativamente eficaz e capaz de controlar a doença, tendo os próprios sujeitos alguma influência na forma como a doença se desenrola. Actualmente a infecção-VIH continua a ser incurável, havendo no entanto uma constante evolução medicamentosa, sendo possível, de facto, controlar cada vez mais a progressão da doença; assim, embora se saiba incurável, a esperança de uma cura a curto/médio prazo para o VIH é algo a que estas 333 3° CONGRESSO NACIONAL DE PSICOLOGIA DA SAÚDE UM OLHAR SOBRE O PARADOXO mulheres se referiram com freqüência, à medida que iam respondendo aos itens relativos a estas duas dimensões do questionário - Controlo do Tratamento e Controlo Pessoal. Para a amostra deste estudo, o valor médio encontrado na dimensão das Representações Emocionais foi de 3.7, o que, numa escala de l a 5, nos permite dizer que, de forma não muito acentuada, a seropositividade é representada de forma negativa, despertando sentimentos e afectos negativos nos sujeitos (e.g. medo, ansiedade, angústia, zanga, etc.). No que respeita à etiologia da doença, verificou-se que, embora os 14 sujeitos sejam unânimes cm considerar que a seropositividade para o VIH é causada por um vírus, há uma enorme variedade de factores a que consideram poder ser atribuída: factores externos e alheios ao sujeito (e.g. poluição ambiental, azar, cuidados médicos de má qualidade, etc.); factores externos que dependem do sujeito (e.g. trabalho cm excesso, problemas familiares, próprio comportamento, etc.) e factores internos ao próprio sujeito (e.g. estado emocional, personalidade, atitude mental, etc.). Suporte Social Percepcionado - Podemos, no que respeita ao Suporte Social da nossa amostra, resumir da seguinte forma os resultados obtidos: a maior rede de suporte socialpercepcionada foi ao nível das relações próximas e partilha de sentimentos, e menor a que tem a ver com contactos desagradáveis; a maior rede de suporte social utilizada, no mês anterior à participação nesta investigação, foi no que diz respeito ao lazer e descontracção, sendo de novo as pessoas com quem ocorreram contactos desagradáveis as que se registaram em menor número; a dimensão em que se verificou uma maior satisfação foi a da participação social, sendo ao nível do aconselhamento e orientação que a insatisfação foi maior; as relações próximas e o convívio e distracção foram os aspectos em que se verificaram valores mais elevados para a necessidade, sendo a ajuda material aquela em que a necessidade foi menor; o companheiro/marido destacou-se em todas as dimensões, como potencial e real prestador de suporte, seguido pelos irmãos e pela mãe; foram também estes elementos da rede social que foram referidos como intervenientes nas interacções negativas. 334 Destacamos, relativamente ao suporte social, o facto das redes de suporte percepcionadas serem bastante maiores do que as de facto utilizadas, o que nos inclina no sentido de haver uma sobrevalorização do suporte social percepcionado como disponível, que acaba por não se traduzir no suporte prestado. Consequentemente, surgiram os valores para a necessidade de suporte acima dos valores de satisfação com o suporte social de facto veiculado. Grávidas vs. Mães - Não pretendendo ser um estudo comparativo, mas não podendo ignorar as especificidades implícitas às condições de grávida e de mãe, fomos averiguando ao longo de toda a análise de resultados se existiam ou não diferenças estatisticamente significativas entre estes dois grupos distintos que constituíam a nossa amostra. Essa diferença apenas foi significativa ao nível do valor médio de sintomas sentidos desde o conhecimento do diagnóstico, em que as grávidas se destacaram (o que é compreensível, tendo em conta a sintomatologia própria de uma gravidez); ao nível da necessidade de aconselhamento, sendo maior a necessidade sentida pelas mães; ao nível do número de pessoas percepcionadas como potenciais fontes de contactos desagradáveis, referindo as grávidas uma maior rede de pessoas com quem poderiam ter interacções negativas e, finalmente, ao nível da dimensão Relações Próximas do suporte social, em que as mães percepcionaram uma maior rede de indivíduos com quem poderiam falar de questões pessoais e privadas. DISCUSSÃO Para lá do que está dito e ao nível de um entendimento mais global da vivência psicológica de uma gravidez ou maternidade recente, simultâneas a um diagnóstico de seropositividade para o VIH, pensamos que da realização deste estudo sobressai a paradoxalidade de alguns dos resultados obtidos. São disso mesmo exemplos a percepção da seropositividade como assintomática a par de uma percepção cíclica de alguns sintomas; a 335 3" CONGRESSO NACIONAL DE PSICOLOGIA DA SAÚDE percepção de redes de suporte social de dimensões consideráveis, a que se opõe a insatisfação e a necessidade de suporte de facto veiculado; etc. Este duplo registo de funcionamento, esta espécie de vivência paralela de duas realidades distintas - a Gravidez/Maternidade e a Seropositividade para o VIH - parecem coexistir, sem se negarem mutuamente, mas também sem entrarem em diálogo e produzirem uma genuína integração. Por outras palavras, poderíamos dizer que, desta pesquisa exploratória e com todos os limites que possamos considerar ainda assim persiste a idéia de que a mulher seropositiva e a mulher grávida/mãe co-habitam num mesmo corpo, não partilhando contudo o mesmo espaço emocional. Idéia que deverá ser mais profunda e sistematicamente investigada. T UM OLHAR SOBRE O PARADOXO Leal, I. (1990). Nota de Abertura. Análise Psicológica, 4 (VIII), 365-366. Marcclino, M. (1995). HIV e transmissão mãe/filho. Jornadas de Formação c Informação da REMA. Centro das Taipas - Colectânea de Textos 1995, 57-61. Montngnier, L. (1996). SIDA. Pactos e Esperanças. Instituto Pasteur < )Nl JSIl )A (1998). Lê point sur l'épidémie de SIDA: Décembre 1998. http: //www.unaids.org. Pinto, A. (1995). SIDA, gravidez e maternidade. Análise Psicológica, 1-2 (XIII), 73-78. Ribeiro, J. (1998). Psicologia e Saúde. Lisboa: ISPA. REFERÊNCIAS Alvarez, M. (1995). Esboços do feminino: Procura do materno? 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