Banzo [microform] - University of Illinois Urbana
Transcrição
Banzo [microform] - University of Illinois Urbana
COELHO NETTO Nasceu em Ca- M X 1 a s nlião) a r a.( em 20 ãc FfTerefro 1864. E' hoje o prosador mais IIhistre do Brazil. A sua obra triumplia pela sua belleza Coelho peia e sua opulência, 6 das mais applaudldas e en- jNfetto raizadas. Nos seus livros ha •empre um es- crlptor mlllionarlo, cuja leriihra um prosa rlir>- Bouro InexTiaurlvel de pedras preciosas. Na sua obra fecunda o admirável, ha phantasia, piedade e ardor. Na galeria das suas figuras passam algumas maravilhosamente esculpidas. NSo é um mero analysta, apesar de excelso: o pintor é magnifico e o poeta Tae cantando, na própria abundância e graça da sua flora, maravilhosamente d'olro e sangue Grande romancista e Inegualavel contista, tem artigos de critica, phantasia, rltomelloa e bailadas toda a escala chromatlca, resplandecente e poética d'um escrlptor de raça. laborioso « jorte. Hoje a obra de Coelho Netto é conHeclda em todos os recantos onde se falia a língua portugueza, graças ás edições lançada* no mercado pela Llvrirla Cbar- m I i t oron. VICENTE DE CARVALHO Poemas ãa Versos $60 S60 Canções, 1 vol e Mociãa^de. 1 ROMERO SILVIO Discursos, 1 vol $5d vol Martins Pena, vol 1 América TjaHna, ÍP40 1 vol Provocações públicas cartas c deiates (artigos, e '"iscursos), 1 vo! S8C Quadros sinièiicos, 1 vol ALFREDO VARELA 3SÕ0 Revoluções Gisplaíinas, 2 vol EUCLIDES DA CUNHA A' margem da história, 1 vol GARCIA REDONDO '. Balada de frutas, 1 vol Através da Europa, 1 vol Crónicas, 1 voj Cara aleyre A mulhí-r. Mania* Conferências — — e e A cacoêtas. mais .•?.->o íJíi.s inteligência dos aniplantas. Discurso. 1 vol. JOÃO DO R:0 Cinematógrafo, vol Os dias cróriiofis passam, 1 cariíicus, 1 STO ?70 vol GUERRA JUNQUEIRO A A Velhice do Padre Eterno, Vitória da França, 1 vol. Baptismo do Amor, 1 vol. Pátria, edição, 1 vol Fints patrim, 1 vol. ... O Crime, 1 vol Lagrima, 1 vol Oração ao Pão, 1 vol Oração à Luz, 1 vol Marcha do ódio, 1 vol A entrar no prelo; 2.» 07-ação à Flor. Oração ao Homem. A sair brevemente; Jnidcde do Sêr. ... 1 .. vol. i.*;oo |10 $20 $80 $30 $20 $10 $12 $20 $39 LIBRARY OF THE UNIVERSITY OF ILLINOIS AT URBANA-CHAMPAIGN 369.9 C65ban Bnnzo POWrO — Imprensa Aojcrna COELHO nETTO COtiLHO HtíTO RHZO ^1 m PORTO Liuraria Cl^cirôron, ôe Lello & Irmão, Rua àas Carmelitas. 144 eõitiirp? liO €sphynge, Sertão, AESMO naCTOR 600 vol 1 600 vol 1 )\gua de Juventa, ^ bico de peana, l^ornanceiro, 1 vol. vol. 1 vol. 7P'0 ^^00 . 1.", 1 vol 500 . 500 . yvíiragem, romance, Oeatro, ... vol Jardim das Oliveiras, f abulario, 700 vol 1 1 1 vol 600 ........ vol. 1 800 400 ZTheatro, vol. 2." Quebranto (ZTheatro), vol. )\pologos, ^ysterio do l^ei J^atal, 1 500 vol. 7ÔÔ /lor .no negro No Õ 500 vol 1 Javerno em prelo, a seguir Xei phaatasma • paraiso Xajah de pendejab )\ Conquista j\ ^Tormenta ÕXurbilhão litteraria 1 vol. 1 vol. 1 vol. 2 vol. ... A propriedade prelo em novas edições: Capital federal O O 500 A-.» e artística está garantida 1 vol. 1 vol. 1 vol. em todos os palzes que adheriram á convenção de Berne. (Lei portugueza de 18 de Março de 1911 — Lei brazileira^^ n." 2.577, de 17 de Janeiro de 1912). n Silvio BEViLncQun 1910. BAMZO A António Lobo AixiNHO e secco, curvado em carapinha em gancho, maçarocas, ralas fal- ripas de bigode amarello de sarro, tufos de barba hispidos como parasitas, este era Sabino, o negro mais velho d'aquellas redondesas, desde a Barra até o Paty. Em cajado, passo lerdo, um com o urucungo e o sacco de couro a tiracollo, o pito nos beiços, corria tudo, descançando á sombra das arvores ou nos ranchos e tejupares dos caminhos, quando não meio dos campos, ao Apparecia nas tempo de festa e, sol, villas se entre o e sentava gado no solto. nas cidades como conhecia todos em os BANZO IO sitios fazendas, e como em ia entrando ás porteiras terra própria, falando a todos, sem- pre risonho. O urucungo annunciava-o; sabiam crian- ças a recebel-o, davam-lhe comida, molambos. O sacco vil, ia numa alegria sercorpo em dança de urso, bojando e bambaleava o com gatimonhas elle, ridiculas, picando as aspas da combúca, grato á bondade das crianças em que se ajuntavam circulo, rindo, batendo as palmas. A's vezes ia para a mão e o á chegada dos que recolhia era para fumo e cachaça. tinha casa. Casa para grande. na e, arrastava-se á beira dos carros, estendida, jeremiando á sua miséria, Não é estação esperar os no banco trens. Cocbilava comboios, a Mas o das fazenda que? o matto seu ponto predilecto era Lages, á sombra duma gamelleira, num cômoro. Nas Lages escravo, vivera desde que chegara d'Afri- ca, ali passando Roberto» que dum elle íôra senhor a outro, até «nhô carregara á «cacunda», ensinara a andar a cavallo, levara ao collegio, BANZO no trabalho, á som- vira casar, envelhecendo bra da casa. «Nhô Roberto» era mau, enfesado, sem- pre de cara amarrada, gritando por tudo e «agarrado» como Um dia, já andava que elle só. depois da Lei, «nhô Roberto», na entrou nervoso, uma laranja. Foi um tempo saber de desculpa — pôl-o para o inferno Estava ! horta e chupando achou-o sentado perto do rego, quente, não quiz fora. livre, «Que os fosse canalhas que o sustentassem». Sahiu sem rumo, andou muito tempo a tôa, passou fome, bateu os dentes de teve febre, tuma-se frio, pensou morrer; mas a gente acos- com tudo. Sempre achou cari- dade. Um dia soube da morte de (Nosso Senhor não dorme!) fosse e, nhô Roberto como a fazenda comprada pelo coronel Chico Amaral, homem de bom coração, com muita saudade elle, que já andava daquelles fundões, botou o pé no caminho. Achou tudo mudado: casas novas, de telha, BANZO 12 A machinas, gente branca na roça... gamellei- ra lá estava, cada vez mais bonita. Receberam-no bem tejaram-no, espantado mesmo d'elle — os conhecidos mandou ainda estar vivo, com um dar-lhe comida e presenteou-o velho que lhe chegava aos pés. Nosso Senhor ha de ajudal-o Volta e meia ! ! mexia, levava um dia lá o en- contravam debaixo da gamelleira, dum capote Homem bom... Bom mesmo lá estava: virava, tempos sem apparecer, mas lando á beira fes- o coronel Chico Amaral, cantaro- foguinho de folhas seccas, pão duro, entre burundangas: latas velhas, embrulhos de farinha, restos de comida, xinhos de taquaras e uma fei- garrafinha de ca- chaça. Ah passava os dias e a gente da fazenda, de pena, mandava-lhe de comer e os que pas- savam, á tardinha, tronco, offereciam-lhe vendo-o um canto encostado em ao casa para dormir. Elle ria agradecido e ficava sob a galharia verde tocando e cantando, o somno até que o prostrava. A's vezes, de manhan, quando o procura- • ^. -;r.-^vr"AitUài^!>..c *??' V BANZO 13 coitado foi, E Volta...» ! Quando lhe sumia os olhos um ciciando beça branca atiral-a voltava. perguntavam, quantos annos encarquilhava tinha cia «Tio Sabino já havia desapparecido: vam, em o amarfanhado, rosto rugas, aproava o queixo risinho frouxo e sacudia a ca- num gesto abandonado que pare- pelo tempo dentro. Então revolvia as fundas reminiscências. Falava do vira rei D. João vi, «manátas» dos na Corte, dos senhores que tivera, das haviam lindas donas d'antanho, dé casas que sido demolidas, (jue de arvores mortas, ribeiros •iesapparecidos, maltas devastadas, tudo (|uo vira na como aquellas pedras que lá estavam no Pa- correnteza da vida onde ficara, rahyba velho olhando o passar das aguas. Idade, ria um sabia lá! gesto No seu tempo —e que abarcava o horizonte tudo aquillo era matto. Bicho assim nhava os dedos. Casa, uma Cidade, era luna rua só cima. cor- Mas então ! — e api- aqui, outra acolá com é (jue era a igreja lá fesla ! ! em Semana Santa, S. João, Natal, Espirito Santo... Éh ! BANZO 14 Largo não poder andar íicava da geiílc carros de bois, — eram cavalhada chibanle liteiras, arreiada de prata, cada mída que fazia gosto, escravatura limpa, tudo gente moça. Fazenda, não vê que era como agora Mesa ! comida bôa. Fartura era posta, ('aptiveii'o brabo, era ficava abi. ahn isso... tinha o seu gancho. Tempo bom mas ! negro (piando o senbor ganhava, também, E, descre- ! vendo, dramatisavH [)ittorescameiUe os episódios imitando: a musica: Ichundia tcliumba f rondai* o espoucar (h)s ! dos dos bindjalhar bem. morteiros: bom ! cheeeem... sinos; ! tchumba ! foguetes e o es- tró ló bem, Ijum ró de len ! o den o reboliço dos carros rinchando: liiiiim... os cavallos resfolgando; o rumorejo do povo: ááaah os pre- frrrú ! gõe^í dos doceiros, dos leiloeiros de prendas, o ! batuque africano ao som dos tambores: prú cu tú A ! prú cu tú ! negrada, que o cercava attenta, ria dos racontos. Pediam-ltie minúcias, lhe episódios, conservava e lendas, elle, recordavam- casos (jue a tradição sentado no chão, estirando V BANZO 15 * com as pernas, oí? como eiicoscoradas tas, pés a prumo, de solas chajmlas de pachyderme, narrava. Trem de chegar tão a com cada moce- engeiilieh'os, chapéu largo, pagodislas como para andar no matto elles sós; e dia de hontem. Viríi isso era ... turma dos botas, ! ferro elles — furavam nem tatu po- De[)ois tudo. os trabalhadores abrindo picadas, gente onça na enxada e no machado, cavando, fazendo ca- minho; morro não era nada para Vira estender os elles. cruzar as pontes trilhos, dinheiro naquelle tempo andava a tôa. e o As mulatas E um é cpie aproveitavam. dia — êh estrada fervia que dia 1 nem grande gente na f procissão ! trem numa fumaceira de coivara: tchá tchá, oooô Ahn Boi corria espantado, berrando tchá —o ! ! ! ficava olhando de longe, besta, cavallo reben- tavam cabrestos disparando por esses mattos, cachorro zunia: cain tivesse apanbado ! ! cain gallinhas patos na lagoa quando um ! nem que voavam que nem cain tiro ! eslronda e o bicho passou rabeando, embandeirado, cheio BANZO i6 de gente graúda: fazendeiros, generaes, mo- ahn ças... ! foi-se e embora! Muita gente rezou de medo. Eu tudo de cima d'uma barranca, vi coração batendo assim: pú, pú, pú mesmo E o a ! o Bonito ! passou damnado, bicho fervendo; fumaça espoucava da chaminé em cachimba- da grande. Eh ! E trouxe tudo deixando por e foi gente branca ... A gente deixava num lugar e quan- Parecia coisa de encanto. de uns poucos de mezes ir do apparecia trouxe cidades ! trouxe machinismos, ahi, de boca aberta vendo lá ficava tudo mudado: casas novas, negócios sortidos como os da Corte, igreja, circo de cavaliinhos, Trem de ferro ia como na terra brava botica c o rnaUo, que é delle? comendo tudo, lai e qual depois do roçado (piando a plantação brota. O mal era o fogo. Bastava nha da machina para levar E era uma campanha aceiros e que fazia o ! um faiscasi- cannavial. a gente toda fazendo fogo lambendo, medo. uma cada labareda BANZO nem Muita gente ferro, queria vêr o trem de quanto mais entrar nha Junqueira, do Palmeiral, que tocava e cantava, essa do bicho. Quando teve de quem operação, disse ! Nhá Joannimoça prendada, nelle. nunca quiz saber ir á Corte, para a foi e voltou de carro de bois. Povo custou a acostumar-se. Depois os padres diziam que era o trem que é e então trazia as febres e os peccados, que foi medo mesmo. «E no tempo da guerra?» perguntavam. Eh não ! bandão na, matto comeu gente... vai... Barnabé delles. coitado Não sabe apanhou ! íicou lá, Eu estive vai, Braz ficou lá, um Desse tempo só Venâncio mi- está nos Quatis, cego de todo. nada, pergunta só. Lei grande já elle sem vista, para que ? Tinha senhor, vivia na fazenda... e agora? está lá morrendo no escuro, come hoje, amanhan não come, conforme Deus quer. Liberdade... pois sim... gente anda é que gosta. morrendo a tôa, urubu ^•^31' ÍI TUDO mudara para Sabino. lr'ora toda niia, pedra, Num ]'ica, A (erra. oii- frondosa de maltas, estava escalvada, mostrando lanlios de lombos de rochas, grotas sem agua. ponto e noutro tocos assignalavam der- rubadas, lanços de morros offereciam o aspecto lúgubre de borralhos ennegrecidos de toros carbonisados. ras raro tolhiço: O uma um Nas plantações vasquei- arvore copava — era tudo ralo, fim de vida. Parahyba, dantes caudaloso, barulhan- do nas pedras em cachões borbulhantes, ás vez€s crescendo tanto que transbordava ala- gando extensamente as margens de onde os BANZO 20 moradores ali íugiain ahaiidoiiaiulo as casas — eslava seccaiido. Barcos carregados iam agora e viidiam e as leves pirogas, se os canoeiros não eram destros, iam batendo nos cabeços, roçando coroas de areia, lias curo, em tíio raso corria o como lameiro grosso, rio, es- lodo elle feito das barrancas esboroadas, que fossem rolan- do derretidas para o mar. O próprio ceu descorado esmaecia, cada vez mais pallido. Sabino sentia a morte da natureza: tudo eslava acabando. Em certa fazenda, que tivera fama pelo esplendor da sua capella, seguindo Iha entre culturas novas, o olbar compadecido. uma Iri- parou relanceando Reconhecia o sitio, mas notava mudanças, falta de alguma De repente lembrou-se de uma arvore coisa. grande que como que da, ali houvera e, dolhos parados, a viu levantar-se esgalhada, folhú- espalhando sombra larga. E era um mun- do de gente embaixo: carreiros, crioulas os filhos de mama, rapaziada da roça, com tudo BANZO 21 emquanto o junto, te as hervas, que nem fogo, sol amollecia languidamen- na estrada, estrallava e lá longe, quente no campo, o mon- jollo batia. O alto, cafesal, dum verde escuro, reluzia no tão cerrado que não se via negro, nem signal de palhoça — um vulto de e lá estava o com o sapesal amarelcobrindo-o como uma grenha de ve- serro secco, agreste, lento lhice. Entrava nas capoeiras, direito a um rumo: desilludia-se. A fonte... isso foi no matto, escondida. era ficar ali, uma O seu gosto, ! era bem em moço, tomar o seu banho á fresca, ouvindo os pássaros, tristeza á espera de alguém que apparecia sempre de sopetão, assustada, pedindo pressa, com medo de ser apanhada, desde, porém, que se lhe atirava nos braços esquecia tudo. Com a Eh um os nervos. corpo de rapariga ! lembrança o sangue estuava-lhe . nas veias gastas, força, ! fluido O o coração batia-lhe com de volúpia electrisava-lhe silencio era doce, a sombra BANZO 22 fresca: só a agua fazia voavam por lavadeiras um leve ruido e as E entre os juncos. a fonte? delia apenas restavam pedras seccas, a areia E ia atorroada e o hervaçal. elle pensava no Parahyba, coitado morrendo á mingua porque as riam por toda a parte. Quando pobre apanhava um uma que mor- chovia sim, o fartão d'agua, mola do ceu. Estava acabando O fontes ! como es- ! — era Para achar uma cova — próprio cemitério desapparecera mattaria brava ! cheio — seria preciso roçar aquillo certa occasião, mettendo afoitamente e estava tudo. Em pelo caminho funéreo, pau. Levantou-a, achou, beijou-a uma cruz de devotamente e, ([uerendo fincal-a, de novo, na terra, partiuse, de podre. para evitar que fosse profanada, desfez o symbolo e guardou os pedaços no Então, sacco para queimal-os quando fizesse fogo. «(Cruz de Nosso Senhor não se deixa atirada, e cruz de cemitério enlão!» E, ra embravecida olhando a ter- em maninho, commentou: BANZO «3 ((Quanta gente Tortulhos estranha expluiam florescência nos de amarellos espalhavam-se ro. ' nem paiol.» troncos numa Isso aqui está que ! joás putrilagem, como contas de ou- Tresandava a humidade. Caminhando no matto do, dentro da sombra alto c fria, emmaranha- resvalava em cal- anda aqui: deirões. «Isso c cova de tatu. Tatu comeu e ficou». De quando em quando um arrulho dorido E tudo passava no silencio. Que tristeza ! era assim. Nas Lages é que elle sentia mais a devas- tação do tempo: a casa fora reformada, os ma- caminhos mudados, plantações novas, chinismos. outra, do A bem dizer a tempo antigo só cômoro, a gamelleira, lá mesma elle e a em terra era arvore do cima. Os animaes não pareciam o que eram: uns louros grandes, lustrosos, quasi sem chifres, lerdos, pesados, préstimo, sentindo-se nos pastos, morrendo á aguentavam uma logo, carneiros toa; cavallos tirada, frouxos, muito gordos, mas sem que não aguando feios. Qual! BANZO H E os bichinhos do mallo então cigarras passarinhos do seu tempo e cantavam d'aquelle modo na malta e Pois até elles. ? tonta licava A ? gente entrava — era mna alegria nas arvores, tudo voando. Marrecas, isso era um é nunca acabar á beira d'agua o caboré de noite e de dia o urubu tocaiando Nem sapo olhando a agora anum á noite, lua, e o d'aqui, pula d'ah, ? e o de cima. Bacurau, quem vê mais ! gente estava, lá e ? A sentada no terreiro, bacurau vinha vindo, pula E agora mansinho. ? aca- bou. Fruta, quem se importava com dono. E" cerca de custa arame por dinheiro. para remédio, matto, ? matto Hoje tudo tem eslava cheio, era só apanhar. limão isso ahi fora; um Folha de laranjeira um punhadinho; um tostão. E lastimava as crianças, nascidas tarde, numa era mesquinha e de melancolia, com o mundo velho, desconsolado e vasio. Attribuía todos os males da terra e a tristeza do ceu ao colono branco. Odiava-o. Se avistava ai- BANZO < gum na estrada, desviava-se, deixava-o passar e voltava-se se^uindo-o coru o olhar alé perdel-o de vista. Era o usurpador que entrara apoderandose de feito, destruindo o que elles tiaviam tudo, matando a terra, Gente amaldiçoada ura branco carpisse, e ao espalhando a Não podia ! tristeza. admittir que entrasse no cafesal de enxada, colhesse, rodasse café no terreiro jungisse bois ao carro e atrelasse mulas trol)^, morasse em palhoças, dançasse nas eiras, rezasse na capella, moesse canna, plan- tasse mandioca. Não comprehendia que um seu Amati, que elle italiano, como conhecera esfrangalhado, sem vintém, chegasse a ser dono de fazenda. Não, a terra era d 'elles que a desbrava- ram e plantaram para os senhores. brancos abriam negócios, compravam montavam ofíicinas, seu -Barbosa, um até ilhéu, E os sitios, governavam como que mandava num mundo de gente no tempo das eleições. E os negros morriam de fome nos caminhos, não tinham onde niorar, ninguém os BANZO 26 (jueria, eram ora-lhes ingrata, lava acabando. mas I{ra a o Paralivba seccasse to — queria A }.«ersegiii(l()s. própria terra estava morrendo, sua vingança. es- Quando — e não demorava mui- ver. Sentava-se nos barrancos e ficava olhando sem os horisontes largos, esquecido de tudo, sentir o sol. Picava o urucungo cantarolando. Por fim levantava-se. Hesitava e niettia pelo um momento pensando no rumo primeiro atalho, ao acaso, desse onde desse. Se tinha alguma o mesmo, punha-se te, comia, senão era coisa, a caminho vagarosamen- resmungando, cantarolando. Onde Escolhia anoitecia, ficava. abrigado, estendia-se no chão o somno, olhava o ceu. mais ciani-lhe hizes (jue lua sem trisk3s, E quasi apagadas, chegar como vigília, e a alumiando baça. aquillo branqueava, o rio ficava canto as estreitas pare- Dantes, isso sim, o luar era — ludo até e, vasquejam num, fim de brilho, um como de uma claro belleza como dia; prata, a gente via longe BANZO 27 e era uma pagodeira de violas; nos tempos de festa samba, calêrelô, batuque, baile na casa dos senhores o a negrada contente, solta pelos caminhos, cada crioula que fazia gosto. Agora era a sanfona do italiano, enjoada, que ^ nem dava dava os dias extinctos, o bom coisa geito. Accendia o cachimbo veiro, uma t. fumando, recordo a felicidade capti- Cochilava acordando, tempo. Noite comprida a instantes, sarapantado. Quando começava ! a clarear levantava-se. Os pássaros cantavam alegres. Na pureza do azul alumiava-se a madrugada. Fazia frio. E elle sabia pelo frescor da relva esmaltada de orvalho diamantino, tando um fumo tindo a vida, leve, o andando ia guiava-se por despertar alegre, crianças, tinir de louça, o bom e, elle. vozes de um nunciava-se á esmola ciado. elle: ou á porta, sapateava dedi- lhando nervosamente o urucungo voz (jue chorava Sen- cheiro quente do café coando, a fome apertava com ])arava á cancella avis- e, numa canto melancólico, an- com anciã de suppli- ^-?Is"7ir-sri-Jir',ir-;)í-^1ls-Ji5-7ir-jK"7it-7ir-jp~;ir ^IsÃSffç ^?^^•n^^^l^^^^•^^|5^^^";l^-;l^ny;^^^7^^^^;^^^^;^ III eoi na estação que ronel Chico elle soube que o co- Amaral mandara pôr abai- xo a gamelleira do cômoro. Eslava sentado no banco, trem, quando lhe deram á espera do a noticia. Ouiz levantar-se, não poude, bambo das pernas, com os olhos manando lagrimas, a garganta arrochada. O pagem dade». A das Lages descreveu a «mal- arvore custara a cahir. no machado, rapaziada a direita, Gente bôa levara toda manhan batendo e a arvore dura, teimonem nada Os passarinhos voavam em sa... ! BANZO 30 volta, assustados, riuoia gjúlaria que atordoa- povo assim para ver a bichona va, balho Suaram ! Lá para Um ! tra- ! o meio dia, lanhada, escorrendo sumo, começou a estalar. Fazia pena ! A gente fugiu de perto, abriu campo, e come- um çou o puxa-puxa: homens. vinte Qual cabo grosso, mais de A ! bicha balançava, mas nada de cahir. Metteran\ o machado de novo ringía, Mamede Foi gritou. melleira bambeou, mais e, com um estremeceu até uma debandada um que seu e a ga- sacalão do cabo estouro, virou cahindo, e o chão com o baque. Tomou o cômoro, com a mattaria. Grande mundo teve pena. E porque ? ludo ficou coberto mesmo Todo ! o scisma de nhá Donga. cahiu lá em cima Só porque um e o Dr. Barbosa disse que moça começou seu coronel Chico mandou fora por causa da arvore, a pedir, a pedir e metter o machado. a Fazia dó. Os nhos andaram tontos, chorando no aqui, êh ! ora ali, até parecia raio arranjando casa. praga passariar, ora Abelhas... e aquillo lá em cima BANZO ficou desamparado, Irisle, vasio... até parecia que linha morrido gente. pagem. wSabino ouvira calado, d'olho.s no Accendeu o cachimbo, baixou a cabeça descahindo o corpo, com e. os braços abando- nados, ficou immovel. Um trem chegou. Passageiros saltaram, os pobres correram á esmola alrolando, ge- mendo, uma moeda cahiu-lhe aos de longe e elle na mesma pés, atirada allitude. Outros trens e nada: o velho não tinha forças nas pernas, não podia comsigo. A' tardinha, quando o armazém e começaram accenderam tou-se a custo e sahiu. a fechar a agencia, levan- Pela linha, da esta- ção ás Lages, era menos de légua, d'um lado, o rio, ras, em do outro lado, além da cerca, lavou- o brejal do Mosqueiro, lirios, sempre aberto o sitio do Fabiano, o cannavial de seu Amati, a vendinha do Esteves, num alto, e as Lages. Foi indo, devagarinho, parando a espaços para descançar á beira dos boeiros ou nas rampas da estrada. i-^^^B^.'T ,> ".~»ç í^s^i-íp .'V-z-í.,.'-'' *«'i':-'',-^e..'-- '-.vrTr-:.;'- .-' ' • "' f '-, . '«. f^ « ^ 1' "^ *r'% BANZO 32 A lúa subia grande c clara, redonda e os trilhos aluiniavani Lá em baixo um ziam como dois regos d'agua. vozeiro de agouro. A's vezes, na distancia, olhava aqui, ali Ninguém um fa- ! cão ladrava. uma A' frente, rente da terra, lha Os sapos o rio tremei uzia. luz verme- Por entre os mattos solitária. cortava a sombra uma nesga de claridade. Sempre que uma via arvore alta, com a fronde luzindo ao luar, o negro parava contemplativo cungo. maçhinalmente. picava o uru- e, O som triste como que então gemia, meneava a cabeça o despertava: e, levantando os olhos, fitava o ceu estrellado. Noite linda ! A voz do rio era como uma prece na solidão. Perto da turma, para que não o vissem na linha, desceu a barranca agarrando-se ás hervas, arrimando-se ao cajado e foi beiran- do o rio merencoreo. A's vezes saltava batendo d'estalo nagua. vam surdamente e um peixe Corujas voa- na sombra da espessura accendiam-se vagalumes. BANZO 33 Passada a casa da turma tomou á estrada, atravessou cautelosamente o pontilhão. Pareceu-lhe ouvir o estridor longinquo de um Parou á comboio. escuta, levantando a num cabeça serenamente, sem medo. Adiante, tudo era corte, escuro; descia trem áquella hora. não nada, atraz, Era o rio roncan- Foi-se. do. Reconhecendo o viçoso cannavial do Amati parou: era como lhava ao vento. um mar Na dourado e maru- collina, entre eucalyptus, alvejava a morada, tão branca como a pró- Quem diria pria lua. Era um dos donos da terra. Começara na reta. annos depois, com fazendas e trabalhando de pica- estrada, Desapparecera uns seu Marianno, tempos, um macho quinquilharias. tudo, até Valença e ! um dia, voltara, carregado de Batera com indo á praça o aquillo a morte de sitio, havia de appareter para compral-o quem o ita- Seu Carlos da botica garantia que elle ? liano. arranjara a yida passando notas falsas, O <n" BANZO 34 caso é que comprou a terra e lá estava: linha engenho a vapor, uma boiada hmpa, cafesal na cidade. No seu tempo an- novo e prédios dava roto, descalço, carregando ferramentas, comendo em marmitas, dormindo ao que peior olhando. E escravo. estava ali relento, ! Ficou Era assim... Sorte de cada um. Adiante, a venda do Esteves, outro. Ainda linha estava aberta, luz. Era o ponto dos colonos, jogo fervia lá dentro até de As vezes sabiam brigas, facadas, sinha. ros. manhãti- Mas seu Esteves era homem, zangado a vida delle. Quando ninguém podia com mal parada, entrava, apartava os via a coisa parceiros, botava tudo para fora e fechava a poria. Só um hespanhol quiz pegar com o português o outro elle, mas não deu tempo: zuniu o cacete e tombou na com garrucha estrada, é tudo, quasi morto. Estava rico, colonos fazia só um em compras negocião e tava dinheiro e no jogo era No tempo de café aos ainda empres- uma vassoura. de Manésinho aquillo não era BANZO 35 um nada, ranchinho a Lá de sapé, com uma umas garrafas de pipa de cachaça, ama tôa, cerveja, barrica de bolachas e lalas de sardinhas. estava: negocio grande. era mulato, não linha sorte. mudou gou, Português che- tudo. Quando passou o córrego pelas alpondras o coração bateu-llie d'esbarro. h^slava nas Enlrou mui de passo, espreilajido. Lages. A Mas Manésinho fazenda dormia na alvura do luar. Em baixo, em das machinas; a i-enqiie, uii! os paióes, a casa lado o moinho. Em ci- ma, na extrema da alameda de palmeiras, a casa senhorial vasta, estendida com um em janellas, largo portão sobre a varanda coberta de trepadeiras. Os terreiros branqueavam como areaes em funda, obscura, luzindo e reflexos metalli- a matta ainda fazia resahir mais claro cos, o casario silente. O negro subiu a rampa devagarinho, aos bocados, parando para uma respirar: sentia o angustia no coração peito opprimido, como se |h'o apertassem. BANZO 36 Um vulto de animal passou lentamente Os na estrada desapparecendo na sombra. sapos faziam na horta e no um estrupido azoinanti- meio do eaminho que levava ao pomai- uma poça reln/ia como um com eslrellas. No silencio pairava um um som vago, relininte como ta nas conchas. (3 ])edaro de ceu férvido o cpie se escu- murmu- ao longe, rio, ruido, rava. Sabino olhava — era toda a sua Instantaneamente um bando das revoluteou. na sombra. giu a casa antiga, vida, toda! de figuras lépi- Lá no fundo senzalas por engenho, o curral no outeiro — fora, ali foi sur- o um mo- mento, tudo sumiu no luar. Era o passado cjue subia evocação da saudade. Lm cão acuou á distancia, mou-o e cauda, veiíi, instante, sahiu o animal, do tempo numa ('am.inhou. debaixo d'uma rosnando. O carreta, negro agachaiido-se. a inli- dar á de rojo, feslejal-o, segiiiu-o mas retrocedeu ladrando. Foi As pernas tremiam-lhe, a um indo. cabeça enchia-se-lhe BANZO 37 como de fumo, sombras empanna- aturdida, vam-lhe os olhos. Quando enfrentou com a casa grande era doce o aroma do jardim que esteve um tão instante encostado mesmo — mas não era assim Ali — costumava na porta da cosinha. ficar até tarde, os olhos á gozando-o. á cerca, Quantos annos espera de Maria Rosa. ! Tempo vôa Mas parecia que fora hontem, modo que ainda sentia o cheiro do ! a corpo. Olhava: ludo não ve ! em No silencio. seu tempo, Aquella hora a rapaziada andava furando os mattos, uns atraz de muljieres, outros capiangando e rapariga ia quem não levava a sua encolhido pelas bibocas com sac- cos de café para a venda. Onde estava essa gente toda com o matto em cima. A por elle D 'ali bom. um agua correndo por com um murmúrio ao cômoro era Mas um ? na canal passava leve. instante, caminho estava cançado. Sentou-se pedra e ficou banzando. terra, numa BANZO 38 Quanta coisa ! Reviu tudo como Os illusão num so- Por fim levanlou-se. nho, gozando a morle. uma gallos cantavam, cigarra chiou na do luar. Quando chegou parecia amortalhada a cima a arvore cahida em luz: as folhas avul- tavam em monte, o trouco estendi a-se como uma columna enorme. O negro ficou estatelado, Teve lagrimas silenciosas. olhando, um arquejo, com to- mou o urucungo a mãos ambas, estendeu os braços como se offerecesse o instrumento á morta. Um som partiu, lúgubre. Não poude mais: amolleceu nas pernas, cahiu entre as folhas, de bruços. De manhan, quando a gente subiu para talhar a arvore e limpar o cômoro, que ia á frente, Mamede, interrompeu a algazarra gre dos companheiros ale- com uma exclamação espavorida: — Uai — Que ra, !^ é mostrou Cruz ? ! Que um Correram todos curiosos: é ? E o capataz, que recua- vulto entre as folhas murchas. BANZO 39 —A modo que tio Sabino... Aproxima- ram-se, examinaram. — E' mesmo... Era o negro — deitado entre as folhas peito, da arvore, com o urucungo no os olhos ainda abertos, morto. MAU SANGUE A-ymiiaiMBlIlItliaiMilWItlllMniaUlimUIIIIWIWIUHmWWIIMIWIIIIIWMMllM^ AVWWVWWVVVVVWV FOI um reboliço, um leva-leva entre os caboclos arranchados sob o alpendre do negocio, quando Chico Redomão, saltando do pangaré, esbaforido, alagado em suor, com a cabeça ardendo da soalheira brava, disse, atirando uma relhada a um dos grossos moi- rões de cabiuna: — Hoje o dia começou mal. jado Estou arran- ! — Mode quê — Topei com ? perguntaram. o diabo do Penador. ve alvoroço e a caboclada, em tumulto, api- nhando-se em volta do peão, indagou mada: Houalar- BANZO 44 — Onde, homem —-Debaixo damnado do —E com o signal da pangaré nos quartos e passei juntei o de largo rente. elle, ? Fechei o corpo ! ? tinhoso junto d você, creatura — Uai cruz, de Deus do mubuseiro, dormindo. E o numa arrancada doida. Elle vem vindo por ahi. — E' que já fez coisa. Capitão Libanio, o do negocio, perguntou lá do fundo, no seu vozeirão que estrondava: — Que — E' o : gente é, ? Penador que vem tocado. — Quem ? — O Penador. — Tá louco! exclamou Libanio Por aqui mesmo sarcástico. é que em tom elle não passa. — Espera um instantinho... — Garanto que aqui não elle passa. E inflammou-se, sahiu ao alpendre, d'olhos es- bogalhados, misa de arregaçando as mangas da ca- riscadinho. alto e grosso, Era um homenzarão guedelhudo, d'olhos sanguíneos BANZO 45 e sempre chispando áscuas de fúria; cara lar- marcada em piques ga, balofa, côr de tijollo, Reluzia de suor e laivos de varíola. e, num que lhe arrebitava o lábio superior, os riclus denles appareciam, grandes e amarellos. Fe- chou os punhos altaneiro entre os caboclos, e, arquejando de ódio, esbravejou: — Se aquelle mofino ragem no porta. elle peito Diabos c'um é homem, se tem co- que bote o pé aqui na minha me levem eu não estourar se tiro. — Coisa ruim ! resmungou, com um chocho rascante, um mu- rapazola macilento, que passava e repassava a faca alisando sobre a coxa compridas palhas de milho. de melenas arrepiadas, flanco, que cachimbava a um cachimbo na palma da mão em tom velho, bolsa de couro se arrastando as alpercatas tou Um canto, adiantou- e, batendo com o callosa, pergun- socegado: — Vosmecé também tem queixa desse feliz, e, ao sou capitão ? in- Libanio voltou-se d'impeto carregando o cenho, os olhos a fagulharem, crispado e rouco, com as veias túrgidas late-: BANZO 46 jando, depois de encarar murro ao avançou um passo. e caipora (jueixa (1'esse E ? santo salva; fonte em que Se eu quem não \c- leni ? nem benção qu'esse nuildiio pisa 'I'erra iiiii bramindo: peito, — Eu!? rilio velho, aiirou 110 de bota a boea, elle lima cabrocha esgrouviada rebolou sécca. em que nos molambos murmurou jazia e damente, d'olhos perdidos, sem tirar sur- o ca- chimbo dos beiços: — Passarinho sarinlio cala a tá cantando, boca, elle passa, pas- cahe do bate as azas, ramo, morto. — E' verdade! afíirmaram E Libanio no. — Quem nada ? calças, ílan em tom sotur- coiitinou: não se queixa dessa alma dam! Aprumou-se, deu um sacão ás puxando-as ao ventre impado, esten- deu os grossos braços cabelludos e, de ca- carranca fechada, esteve um mo- mento a grunhir, roxo de cólera. Súbito, beça alta, d'arremettida, lompeu Irada fulgnraiUe e. ao a !iui)a, sol, pulou na es- atesando o braço, sacolejando o corpo desconforme, exclamou íií;,íè- BANZO 47 rancoroso, travando as palavras entre os dentes que rilhavam: — Juro por esta do que luz me que eslá excommungado se aquelle alumian- tiver o an*o- um passo para aifirmou com uma patada diante. Não dá á terra dura e secca de onde subiu uma poeira fina. E rugiu: Tão certo como &er hoje seComo gunda feira das almas, como elle jo de chegar aqui não dá mais ! ! com a minha comedeira de dois canos que Que venha, está la dentro. tenho queixa... ! E' boa! se é capaz ! Seu Aos bufos tornou ao alpendre de vagar, remoendo a fúria, e, filando o olhar sinistro no velho imperturbável, insistiu: todo o Tenho queixa, sim. Tenho, como mundo — Mas ! queixa de que, seu capitão? banio ficou um momento como verdadeiro espanto. Por fim, Li- aturdido, em atirando os braços, deu as costas ao interlocutor: — Ora ! E, violento, afogueado Você pa- rece que nasceu hontem, pai. : Quem sabe!? Já viram? Parece que nasceu hontem. — Estou rondando os setenta, capitão. BANZO 48 — E não conhece o Penador — Só douvir nomear. —-Ah só d'ouvir ! ? nomear? Pois tudo que A se diz delle é verdade. cabrocha resmo- neou macambusia: —E muita coisa não se conta porque não Roça sécca da manhan se sabe. o sol é o sol, íoi morre no campo, nada Quem ! Penador p'ra noite, que leva a culpa. é peste. Qual Animal peste, qual quizer procure os passos do ha de achar. Criança está no collo e da mãi brincando, de repente revira os olhos, estremece antes de receber a benção, mor- e, E doença anda assim? Doença... re. sangue do Penador. Até a E' o sombra d esse mal- dito faz mal. — Está ouvindo ? regougou Eibanio. O velho acenou de cabeça, sempre a sorrir, incrédulo. Libanio irritado, como oífendido na honra, bradou aos caboclos: E' verdade ou não é, gente ? — Uai Verdade pura. — Olhe, Redomão sabe ! desse diabo. Pergunte. toda a historia Todos os olhos vol- BANZO 49 \ \ \ taram-se para o peão, que sahia do negocio um conferindo Iroco. — Redomão — Qu gente — Vem contar a historia do Penador. — Uai Então ainda preciso contar isso ' ! e lá, ! é ! Quem não sabe ? E o peão, alentado e airoso curibóca, riscando a terra da chilena, a larga roseta ri- um em perguntando — Quem com adiantou-se vagarosamente, sonho. Parou, relanceou volta, ? é ahi em tom olhar alegre chocarreiro: que não conhece a historia do Penador? — Este camarada, explicou Libanio, mos- trando o velho, sempre impassivel. casquinou guinada um e, risinho. Redomão Jogou o corpo numa de cabeça baixa, enrolando^o ci- garrro, falou ao velho: — Ainda que mal é d 'aqui ? — Não sou. — Está se vendo. — Estou aqui de Bom pergunte: Vosmecê não Jesus. passagem. Vou p'ra BANZO 50 — Vai no bom e, leiíipo. Acceiídeu o cigarro s€ntando-se no poial, o curibóca começou: Pois então escute lá a historia depois, se acliar do que rir, ria do Penador e á sua vontade. Os caboclos atropellaram-se aos empurrões, formando roda, uns de cócoras, firma- dos nas pon(as dos pés, outros estirados de flanco, Q o busto soerguido sobre o cotovello. velho encostou-se a fumando, com um um dos esteios, sempre riso escarninho estampado no rosto. Longe rinchava um carro de bois com tridente e monótono soldo; anuns piavam nas moitas próximas e, rebrilhar a estrada, Redomão tas. — Ali nho, é es- ao sol cáustico, que fazia moscas esvoaçavam ton- poz-se a falar: por detraz d'aquelle assim, nhô Barreiros, o Frutal. o sitio de Vosmecê conhece cen'i- ? O velho af firmou: — Hen-hen — Terra que vale ouro ! mo ! Pois que começou a trabalhar o do Penador. O moço bom como dono d'aquelle elle só, nhô foi ali mes- mau sangue sitio Pires, era um casado BANZO 51 coJii a moça mais bonita destas paragens, nhá Cabello era Nunca Lina. ali nunca mais hei de como de nita ! E ver. tanto tinha de bo- um Foi bôa. choro de fazer pena por esses ranchos quando coitada ! A nem igual vi morreu, ella em tom cabrocha accrescentou plangente: cm — Ainda hoje se chora. —-Ainda hoje os caboclos confirmaram ! E acenos compadecidos. — Nhô filhinho, — era Pires elle, que nem louro aproveitar a terra, foi á mulher e a Vi lia Velha e ajustou camaradas: gente destorcida Penador veiu no bando. raphim. um inglez — querendo serviço. p'r'o O nome delle é Se- Moço, bôa cara, boas maneiras vivo na enxada que era um gosto. e Foi logo ganhando a estima dos patrões e merecia, isso merecia. roçar um derrubar Não havia matto, para cavar uma arvore. Pires não cabia lembra, capitão gente, outro em ? si Só como um elle aceiro, Braço valente de contente. falava do ! para para Nhô Vosmecê sitio, da sua das plantações, da colheita e já pen- BANZO 52 sava com em coiiiprar mais as d'elle, (|iiando, acordou gemendo com alnui da O que Lina manliaii, iihá foi esse que, de seu vigário estava entrando no lardinlia, tio uma gemido e para emendar lei'i-as o Santissimo no abrir da e. moça subia para essa morte foi o ceu, nem eu com si- lua, a os anjos. A sei conlar. casa ficou fecliada e nliô Pires, escaveirado, cliorava que nem criança. pelos caminhos, Sabia de noile cemitério beirar o ia genle ouvia o choro delle, triste, cortar o coração mais duro. Nem bem um mez quando passado de com o e triste a de havia pequeno cahiu febre. — Êh ! sangue, rosnaram com terror. Re- domão olhou em volta e proseguiu: Nhô Pires fez tudo mandou longe buscar um doutor, mas qual a criança ia aca- — : ! bando devagarinho. Que remédio?! dor estava no sitio pena, ia ficar com nhô Que dôr min. Nhô o Lá foi! Pires, cavando coitado Penador na terra, !... e, de Pena- noite, com Pires perto do curu! minha Mãi do ceu. Emíim... Ficou só e trabalhando e o sangue < BANZO 53 do Penador fazendo ingralidão. Níiô Pires não podia adivinhar. O tempo correu levando moço, coitado a trisleza e o balho com numa toada, todo o tra- Era desde o ama- sua gente. a nhecer alé as Ave Marias entrou no ! um malhar de ferro mundo vergando a espi- nha, suando no duro e a terra... p'ra traz! Nhô Pires semeava, o sol matava a semente; tornava a semear, a chuva varria tudo. mecê nem já viu a terra gente. séria. dava que, juizo, O adoecer Frutal ficou ? pois adoece que em petição de mi- A vida de nhô Pires desandava, desanmesmo e tanto elle soffreu, tanto perdeu uma manhan, sem fazer conta do prevendeu o a silio nhô Barreiros. depois do negocio que nhá Malvina lhe fale nalma Nhá Malvina pelo Vos- Foi — Deus — disse a razão da desgraça. ! conhecia gente de azedume do suor e foi mau sangue uma ponto passar vez perto do Penador para vêr que elle era dos taes. O mal estava e ninguém sabe delle. sitio, Nhô desappareceu tou a cavallo conta do feito. Nhô e, Pires até monhoje, Barreiros tomou despediu o Penador e, sem '-:^fii BANZO 54 cm pouco lempo bolou (lespeza maior, que nem do, um brinco. aquillo Pcnador ganhou o mun- Irahalhaiido onde topava que fazer. iVlas mão numa que era ponlo pôr a íôsse, era aquella da ponte nova e coisa, íôsse o Serviu ccí'l(v.a. obras ijas aconteceu o que aconteceu. Entrou de canqieiro no Monte Alegre e deu uma gado que peste no propósito. Ganhou fama mesmo um desHoje não ha quem foi ! não conheça o Penador, ninguém quer saber d'el]e, nem de graça. que ha de fazer? Se entra o numa A gente tem pena, elle, roça e furla de uma noite, com adiantou-se e, fome, espiga de milho, amanhece praguejado. milharal mas Libanio estendendo o braço na direcção do cerro, disse: — Olhe, ali havia lhor deste lugar, é d'ella ? fonte, a agua me- Ficaram as pedras por muito Peior que raio —E uma como Que o d amuado bebeu... favor. ! vive essa creatura? perguntou o velho. — Sei lá ! exclamou Libanio, com ódio. cabrocha explicou, sempre amazorrada: A BANZO 55 — E' o cachorro. — Que — Uin E' elle cachorro tinlioso ? que anda sempre com elle. que dá tudo. — O cachorro — Cachorro... ? O diabo é que O é. velho sorriu. — Vosmecê mão. não acredita? bradou Redo- Pois olhe, debaixo do está pertinho elle Se vosmecê quer umbuseiro. vêr sua vida virar d'aqui, duma vez vá ter com elle, lá. Nesse momento uma voz de criança bra- dou na estrada: «Olha o Penador!» Outras vozes cresceram: «Mofino boclos levantaram-se ! em dos; saltaram á estrada. Penador !» alvoroço, O Os ca- alarma- velho seguiu-os. Libanio correu ao negocio e voltou empu- nhando uma garrucha de dois canos. O sol ardia. lustrosas, scintillavam. cidos subia madas e As arvores immoveis, muilo um Dos capins amolle- cheiro quente de silvas quei- a estrada amarella, poenta, esten- dia-se direita' por entre o macegal. BANZO Um homem farta e inculta, esfarrapado, descalço, barba um velho chapéu de palha en- com um cão no rastro, vinha vindo lenlamente, vergado como a um terrado na cabeça, Por vezes cambaleava grande peso. sombra tremia ao a mão em sol. O e a sua velho olhava, com que um pala, e a cabrocha, tirara murmu- rosário do seio, repassava as contas, rando exorcismos. — E' — E'! elle! O ho- numa nuvem de poeira, luminosa como um halo. De instante a fina Houve um mem e silencio de hesitação. avançava revirando tante parava, como á procura de alguma tia-se nos mattos, farejando, da, virando, coisa. a O ins- cabeça cão met- sabia á estra- sempre de focinho baixo, em farisco aqui, De repente TJbanio adiantou-se com arrogância, empunhando a garrucha engaah. tilhada : — Volta vai bala ! Volta p'ra traz, Penador, senão ! — Volta, desgraçado; intimaram os ca- : BANZO 57 O homem bócios. sem esteve a olliar, estacou, o mais leve movimento, hirto ao sol. — Volta! Elle íez um Não gesto trazia ás costas, e, teima, Libanio. insistiu rebuscando o sacco que puxou-o á frente, tirou uma tomou-a a mãos ambas, acenou com cuia, derreando a cabeça ella á boca, de beber e, com em menção toda a íorça que lhe restava, rouquejou: — Agua — Vai beber no inferno, ! respondeu o capitão. O seu sangue ruim velho ! murmurou com- movido — - Isso é falta de caridade, gente. — Uai está O ! Redomão, chasqueou com pena? vosmecê Apois... porque não vai lá? velho deu d'hombros e, enchendo o cachim- tornou vagarosamenie ao alpendre res- bo, mungando. — Ah! Um você não volta? rugiu tiro atroou, pado. O Libanio. rolou no silencio do descam- velho precipito u-se na estrada es- pavorido e ainda poude vêr o infehz que fugia a correr, com o sacco a saltar-lhe ás costas. BANZO 58 sempre seguido do cão. E os caboclos riam ás gargalhadas sapateando no pó. — Este mas só mod'assiislar, disse Libanio, foi se elle leimasse o outro ia damnado P'ra longe, sangue mesmo, duro. !, Regressaram todos ao alpendre em ., e o velho, resposta á troça que lhe fizeram, engrolou meio desapontado: — Eu não digo que não acredite, mas uma sede d'agua não se nega a ninguém, migo que — Uai não foi uma ini- seja. ! E vosmecê não levar — Não ve é um coisa. estava ahi ? como ? ! exclamou Esse é Falar agachados no matto O mordendo cartuchos. e, da roda. dos taes que empurram a gente p'r'o fogo e ficam a cabeça sorrindo um velho meneou com accendendo o cachimbo, recolheu-se, de novo, ao seu canto, junto ao poial. Kedomão, sempre uma palmada alegre, atirou-lhe ao hombro. — E' assim mesmo, compadre Seguro morreu de velho. De ! tolo é Deixa lá ! que você não tem nada. E, ajustando ao queixo a bar- BANZO 59 beta do chapéu, sahiu do alpendre. Bom, mas o serviço me chamando. Até amanhan Foi ao tellieiro, puxou o pangaré gente, a prosa está bôa, está ! cabresto, rijo, montou-o d'um sacudiu o braço cavallo arrancou em salto num e, pelo picando-o adeus geral. O galope arrojado. Uma nuvem de poeira levantou-se na estrada, houve um desabrido ladrar de cães e, de novo, o silencio cahiu na reverberação entorpecida e estuante do sol. NO RANCHO -''- -" - ' . f -',~ls: ^l/y^ •/, y/f .if %i, .1/ .ti^.M/. «i/.My. >i/_»i/..M/_\l/-^|KV'ri)^ jfe.jU..ala.jtí .^^f M^ .Mr..llt-<'-<^..<i^.Jfe-alg.J'g.>K A Medeiros e Albuquerque' Osólo, a de areia fofa e adusta, macega arrepiada aspecto misérrimo de Lanhos ipueira. uma fendiam com a e secca, tinha o vasta, a esturrada terra friável, d 'uma côr dessorada, esbarrondando-se esfarellada ao cauto pisar das mulas. De longe em colossaes, herva em das luras longe, á maneira de marcos avultavam negros penhascos com tufos pelos rebordos em ou rompendo vibrissas hispidas. Altos mandacarus retorciam-se angustiados, zeas espalmando avidamente as hnguas brône, em tomo, em viço hostil, aspas os gravatas resequidos. eriçavam •".-" '^ÍXfT?^-"- BANZO 64 Por em rampa, lava a vezes, abrupto, o terreno fugia, resva- quebrava-se hervagem espinhenta e os em escalões sob animaes ladea- vam moutas douradas e navalhantes, esmaltadas das «gemmas d'ovo)) dos jóás, sentindo debaixo das patas o vácuo dos caldeirões, o cavado das grotas. Para las um lado, em muralha ameiada d'ares- agudas, eram os alcantis de pedra núa e, assoalhando aridamente a planicie calcinada, alvos lençóes d'areia, dunas pojadas, d'um brilho vitreo, micante que deslumbrava. Sentia-se em fluido tremulo morno, A as uma rútilo, do vageiro deserto. ar coqueiro derreava-se, com palmas esfarrapadas, algumas pendidas, O abafava. um espaços, adustão de rescaldo subir esperneando ao já mortas, longo do caule como enormes centopeias. Anuns reluzentes abalavam em vôo molle, cangado, piando; pousavam em ramos frágeis equilibraiido-se zurzida pelo oscillantemente. sol, seguia em E chouto, a tropa, sacole- jando os surrões no rastro da Faisca^ a mula "«aw-f^ç-^w^íí^s»!^^" BANZO 65 que batia os cascos, dianteira, espalhando sacudindo airosamente os guisos da areia, com cabeçada, o chocalho a cascavellar o ry- thmo da marcha. Eram oito animaes de cargueiro, rijos, piso firme, vaqueanos naquelle rumo. lavam seguros atravéz da planicie de Desfi- árida, rasa, sem nesga de sombra nem húmida frescura d'agua. Dos tos hirsutos capins pennugentos gafanho- em enxames espirravam Lagartos esfusiavam met- estrallejo rispido. no silencio fulguran- tendo-se pelas taliscas e, te e tórpido, voejando com por vezes, sentia-se, um hausto abrasado como o offêgo ancioso da terra nos paroxismos da fecundação. O céu, dum cerúleo polido de esmalte, re- sem nuvem: luzia, vasto, iinpassivel, em redente azul, phano, a serra, como alta envolta e e longe, em fumo frondosa, dia- fechava o horizonte. A Faisca pimponeava arrastando o com- boio no seu garbo sal e, lustrosos, os surrões de ringiam dessorando, aos vascolejos nos ;í:w:í<; BANZO 66 flancos das alimárias, por vezes, tiniam em cujas palas ferradas, pedras. dono da o velho sitiante, Soeiro, alentado caboclo, já grisalho, toral de couro, com tropa, o seu pei- chapéu cabano d'abas abati- das, rifle ás costas, deixava-se levar ao passo picado do pangaré, taciturno, o relho a na coxa, os olhos semicerrados prumo em somno- lencia. Os comboieiros, um negro e um caboclo acobreado, estugavam os animaes, galopando ora a um á frente, flanco, ora a outro, aos atitos; quasi em])arelhado com e, a Faisca, Jão, filho de Soeiro, rapazote de doze annos reforçados, com um chapeirão de carnaúba e vestia sertaneja, bolsa e faca, trefegava no lombo do macho, bambeando as pernas, atirar a relhadas a esmo espantando as mo- rissocas. Haviam deixado e, á a villa ao depois do almoço e sombra d'um umbu, uma lá romper d'alva sesta preguiçosa iam de batida, esti- rão fora, porque Soeiro, amollentado, com a cabeça a eslalar e as pernas frouxas, doridas ' 'í. '~ srVí^^íS*?;-''™*^ VÍÍ^Tn:--^-;--.!: BANZO 67 nas juntas, ancciava pela casa, forçando a viagem para poderem chegar na larde do dia seguinte. Iam feitos ao rancho iVAgua santa, além da serra, nos bravios da outra banda: pela doce lá, sombra da e de estrada, Ioda entre arvores, por vezes limpidamente corlada por um ribeiro sereno, sali iriam de madrugada, ao rumoroso acordar das pombas. Ao fim da garganta escabrosa, eidre bar- rancas escalavradas por um em escaras de granito, solo áspero onde o passo dos animaes estrallava sobre a crosta de lages faiscantes, appareceram arvores de larga fronde. 'Mas o que poz em alvoroço a companhia foi a niouta de buritys annunciadores d'agua. Era uma ponta viçosa de matta. Homens e animaes resfolegaram antegozando a d'um pequeno descanço naquelle O terreno subia em acclive, delicia refugio. duro e secco, mal vestido de hervagens intanguidas. Bandos de jandaias passavam chalrando na direcção do arvoredo e as mulas, ávida da sede, romperam na pressa a trote, apezar das '.. '''Z^WíS^,! BANZO 68 vozes dos coníboieiros qu€ receiavam pelos suiTões. Mas gritos. a Faísca, afogueada, desaltendia aos Foi necessário correr, largar as mon- tadas no encalço da tropa que, com um resoante rebater das cangalhas, xo, frou- arran- cava a galope amotinado, direito ao malto, cheio do chirrio estridente das cigarras. A Faísca enveredou esmagando as hervas, com os surrões aos esbarros pelos troncos em fila, seguiram-na as outras mulas; e e, os coníboieiros, varejando o cerrado, arremetle- ram em desapoderada corrida.. Jão conseguiu tomar a frente á recua e, hirlo nos estribos, aos berros, atirava relha- das contendo os animaes que se juntaram em foi bolo, refugando. O ar fino, cheiroso, do interior sombrio um refresco reparador para todos. Sentia- se o aroma picante das resinas e o cheiro hú- mido dos aguaçaes lodosos. Borboletas voavam e, de espaço a espaço, escassilhos das francas, i»()i' entre os ramos insinuando-se pelos um raio de sol descia BANZO 69 a em abriíido-se terra, disco luminoso nos de folhas ou rebrilhando tremulo balseiros nas marnotas enxameadas de moscas reluzentes. O comboio um grosso cipó leiros a um penetrava a passo. em Por vezes redouça forçava os caval- curvarem-se sobre os animaes ou era tronco, atravessado na trilha, coberto de torlulhos como um cadáver a rebentar em po- dridão. Um soído perenne zunia no silencio au- gusto. Teias d'aranhas oscillavam abertas entre os ([ue, galhos e os insectos fugiam-lhes ainda não raro, desviando-se, d'azas, em vivo golpe da que se lhes antolhava diante, es- barrassem em outra, escondida na sombra, onde ficavam captivos. E zumbiam vibrando desesperadamente as azas, se em esforços de arrancarem á cilada; e a aranha, ao centro, impassivel, quedava encolhida, certa da se- gurança da presa. Iam os comboieiros vagarosamente quan- do a Faisca, que se desviara para da, uma estra- estacou d'orelhas tesas, olhando a fito. BANZO 70 O resto da Irópa íisbarrou cspaiilado, anl«í um muro que, subi lamente, se houvesse Alguma erguido. como coisa assuslara os animaes, detendo-os. Eífectivamente, por entre os ramos, subia um fumo lento e azul brilhando volta ao atravessar Jão, espalmando um a em gaze re- raio de sol. mão na garupa do ma- cho, voltou-se para Soeiro: — A mode que tem gente na beira d'agua. — Mió disse o com indifferença. sitiante ! A agua defluia com um brando murmúrio por baixo das hervas; espelhando, aqui, em abertas até sahir livre correr crystallina sobre lodo em que se um num ali, rego e dis- negro fundo de desgrenhavam raizes capi lia- res. Insectos fmos, ágeis, resvalavam na superfície lisa da corrente investindo a tro lado e ral)eavam negros bobós, em cardumes um em forma e a ou- de cravo, charfurdando na vasa ao perceberem os intrusos. Os animaes, lameiro, atolando- se lascivamente no baixaram o focinho, e puzeram-se i^^.-r:-' > -.^-í"- ?. 'i BANZO 71 a agitando a cauda, sorver sôfregos, com que zurziam os moscardos. Roncos e borbo- rygmos sahiam-lhes do tes, ventre, e, por instan- rolou soturno, reboante na quietação sil- vestre o grugrulejo sedento da recua a desalterar-s€. Os cavalleiros apearam e Jão, que se met- tera afoitamente ao um penhasco, matto, olhando. quedou junto Os comboieiros a se- guiram-lhe as pegadas; só o sitiante conservou-se montado, as mãos juntas, pousadas no pescoço do animal, afrouxando as rédeas para que elle bebesse. Matutava dislrahido, a olhar os altos chados em rama espessa por entre a qual, fe- com o bolir da aragem, appareciam bocadinhos de céu dando a impressão de flores azues abertas lá em cima, ao sol. Japys chasqueavam e rendeiras davam talos repenicados A um çaram á como estrillos es- de bilros. aceno de Jão os comboieiros avansorrelfa, cautelosos, mostrou-lhes á beira da to á nascente, um e o rapazola pequena lagoa, jun- grande velho magro, com BANZO 72 hombros em OS resalto giboso e espalhada dum sobre os remendos á farta pelo peito, casacão sovado, a barba longa e amarella co- mo estriga de milho. Curvado sobre um fogo de gravetos, que as taiobas protegiam do ponta da faca, um sacco de pedra, uma silencio d'allamão. diz, Um ramo, numa e, Os fai Jão que interrom- pasmado cochichando: é gente d'aqui, não. é! afíirmou o negro. Oia bem. Job ? O Tem geito Até parece, mal com- criatura baptisada oce seu dos santos. Aquillo é barba parando, o Judeu Errante. di O o largo chapéu de feltro. jazia — Não — Não na arvore, era alto e em gancho como o lona pendia dum comboieiros olhavam e peu o assava, tassalho de carne. bordão, encostado a terminava vento, ? ! outro, Oia só. Qui é qui encolhendo os hom- bros, exclamou: — Eu Jão perguntou — Ocê tem corage — Eu? Qu'é qu'eu tenho sei ao negro: ! di fala, Eu, não ! Seja quem fô, não Tarquino c'o esse é ? bicho? da minha con- BANZO 73 E deu ta. O volta. caboclo seguiu-o. ainda ficou a olhar, boquiaberto. Mas Jão o velho Soeiro, ao ter noticia do encontro, qliiz ver o homem apeando a e, rédeas do pangaré a chapinhando no lodo Ao estrallejo a cabeça biblica um custo, prendeu as galho e caminhou flaccido. da folhagem o velho voltou e, dando com o sitiante, car- regou o sobr'olho encarando-o immovel, com o naco de carne a rechinar ao lume. Os ossos do rosto saltavam-lhe sob a pelle crestada; a fronte, nha um pas, escampada e lisa, ti- brilho ebúrneo; a barba espalhava-se- no peito llie alta, e os cabellos brancos, em falri- esvoaçavam á viração. Os olhos pequenos, agudos, dum tallico, azul me- luziam no fundo das orbitas sob a es- pessa macega das sobrancelhas, e recurvo, em gume, o nariz avultava-lhe no roshostil como um bico de abutre. Não fez menção de erguer-se, mantendo- afiado o, se impassivel. Soeiro saudou-o: — Deus lhe dê boa tarde. maneceu immovel, O homem sereno, d'olhos filos. per- Os BANZO 74 em comboieiros agruparam-se móde qui não intende. presago, ajuntou: —O do si- negro sussurrou: tiante e o —A volta que ? Quem sabe E, em tom ! perguntou Soeiro, impressio- nado. — Uai Não ! A gente no mundo topa di tudo. dixe qui elle anda pur ahi penando — Quem, criatura — Antonce mecê não ? ? sabe ? e baixando a voz: o Judeu Errante. Oie bem nesse home. Onde que é já si viu genfansim? E o negro afastou-se persignando-se. Soeiro não desfitava os olhos do velho: — Ainda d 'aqui um ? que mal pergunte: vosmecê O homem olhar atrevido, relanceou o grupo mas levando é com o pedaço de carne ao lume poz-se a viral-o na ponta da laca, cerrando os olhos á fumaça que subia dos gravetos. — Pôde sê estrangêro, disse o negro. — D'onde? — Sei O outro também E' dessa lá terra ! é. lá damnada onde mataram Nos'Sinhô. BANZO 75 seu Oie, quem fô, tocando perde a ! o mió é a genie Quem topa no com'ansim não se Bam'embora ! caboclo Bamo íiá. mundo com seja esse veio nunca mais levanta a cabeça. sorte, Tesconjuro O ansim capitão, íoi ! o primeiro a retroceder ca- bisbaixo, enrolando pensativamente o cigarro. Jão seguiu-o, tirou o macho pela rédea, montou sem dizer palavra e abriu a marcha. Os comboieiros tocaram os animaes. Soeiro quiz insistir com o velho. «Talvez estivesse perdido...» mas o negro bradou: — Bamo, seu ansim, nós não cheguemo hoje nAgua Santa. E modi quê... E Soeiro, não do solitário, Mamparriando capitão. obtendo resposta alguma montou o pangaré e já o choca- lho da Faisca tilintava longe quando elle ri- lhou a esporas o cavalio, que arrancou num galão esparrimando lama e foi-se patejando • no terreno molle. Sahiram ao sol vre, á luz plena, tos e, na segurança do ar emquanto os animaes trotavam no macegal, aqui, ali, li- refei- acogu- -MW BANZO 76 lado 0111 cupins, foram os coinboieiros coni- mentaiido o encontro. — O bicho qu'é damnado — Oiie barba — E ocê arreparô nos óio Jão, é feio ! ! ? macho, á frente, virou o para salto treito, caminho (]ar fel-o subir a que um ia re- á irópa no trilho es- entre barrancos, e esperou os compa- nheiros. A Faisca passou nimi e loí>o a recua em chouto tira-tira socado. firme Guando os comboieiros chegaram Jão deu d'esporas ao macho e emparelhou com elles. — A mode qu'ocê também não sympathisô có hcim Jãosinho veio, d "h ombros. E oce, uma cusparada llio, Job ? O ? O rapazola deu caboclo pinchou endireitando-se no lombi- e, disse: — Queira Deus ! Ocês não se alembra do caso de majó Rufino, do Engenho da Cariman? — Eu ouvi conta, disse Jão e, macho para a ilharga do caboclo, conta. Ocê foi de lá, não foi ? — Fui vaqueiro, — E anlonce ? tocando o pediu: por minha desgraça. Mas ^i : BANZO 77 — Majó Rufino era home de valia e acabo como acabo. Seu capitão deve s'alembrá. E Soeiro acenou de cabeça affirmando. o caboclo narrou no silencio atiento: com trovoada um appareceu Não nem d'onde era não que Uma dum noite, relampo, veio no copia pedindo pouso. quem dixe Rufino, brava, no alumia acreditava vinha. Majó nessas cosa, abriu a porta e arrecebeu o pilingrino. que quando o elle lampião tremeu, Dixe poz o pé na sala a luz do as viga todas estrallaram uma criança pagan, que lava drumindo numa estêra, acordo, sento sosinha e choro. Majó Rufino nem cumu coisa... O veio não se detô na rede nem toco no prato de comida e ando toda a noite no quarto, bangu, bangu. de cá pra lá, de lá pra cá, falando só. De manhãsinha sahiu e bateu pé sem dexá rastro. Foi a desgraça que entro naquella casa. quê nem pruquê, que o anno não o cannaviá p'r'o dia, foi Sem de secca. deu em murcha e mirro da noite o gado cahia no campo bambo das perna, ca lingua pendurada, e morria. Clodina, muié forte que fazia gosto, teve Nhá uma BANZO 78 dô morreu som dá lcm[)0 (3 |>'ra em andava meio avuado, deu já um majó Rufino, raio poz fogo no paio ale que que nada, dizô bar- baridade conti-a Nós'Sinhò, querendo quebra os santo da capella, melte o Uma noite desappareceu e, machado no artá. ninguém até hoje, Diz que anda co Judeu Errante. sa])e delle. Verdade ou mentira, o causo aconteceu. O Engeiíiio tá lá, que isso tudo terra boa, mió é Não é verdade, seu capitão? Soeiro aííirmou. Gado que pasta naqueties campo morre dempache; fruta da- não lia e ninguém qué. nem passarinho come. quellas arves — E oco viu o Job — Eu, não; graças a Deus veio, Quem da. ine Tilo selleiro. A o foi ! Tava na maia- Firmiana, mãi do Calaram-se. luz crua caminho conto ? do sol scintillava crepitava, árido, nas pedras, sob o passo dos Da sombra de um umbu, sohtario no páramo alvacento, um bando de pombas abalou com estridor d'azas demandando os animaes. alcantis oni"elados de matlo palhiço. Pegões de vento adusto revolviam a poeira BANZO levantando turbilhões que percorriam o agro em espiras torvelinh antes levando denvolta Nuvens cresciam túmidas folhas seccas. ac- cumulando-se na barra do céu empannado de nevoaça; O Longe em placável. pio dave soava. suor, olhos enervava. e o calor abafava, morte na fulguração im- silencio era de abanando as longe, em queixume, um Os animaes reluziam de orelhas, de cabeça baixa, desfilando semi-cerrados, em chouto moUe. Súbito: O' gente bradou Soeiro, sustan- ! do o pangaré, a móde que nós O negro releve a mula e, bamo errado. tirando o pito da boca, retrucou; — Uai ! Antonce vosmicê não conhece o Pedregá, seu capitão Daqui a um Nós tamo no Pedregá. ? nadinha é a Lagoa d'Anta e co- meça o caminho bom, por meio dos cajuêro. E rindo: Havia de tê graça, gente veia perde rumo. Mas o sitiante insistiu: — E aquella matta acolá — Matta Apois aquillo lulo é o ? Vosmecê lá esquecido ? ? Sem Buritysá responder, o ? si- BANZO 8o locou o pangaré e o negro atirou a tiante mula pelo que areal balofo no rastro do comboio, uma longe levantando ia Soeiro gemia poeirada d'ouro. entalando as rédeas esquecidas nulos, animal. Sentia apuado que a cabeça nas no pescoço do como um capacete de ferro lhe fosse apertando a cabeça, es- magando-a, varando-a, e uma sede abrasada fazia-o recorrer, de instante a instante, á bor- racha, mas a agua grossa, morna, salobra, causava-lhe repugnância. Cuspinhava enjoado e do cavallo, ardendo soalheira, tonto, a em lá febre, ia á discrição queimado pela bambear como ébrio, sem consciência do caminho que seguia. Nuvens densas, escuras, subiam atropeladas no céu de cobalto, fma assediando o sol. nesga alcancou-o e logo larga sombra rapidamente correu, alastrou a planicie arenosa. Era a tormenta improvisa, traiçoeiro da tempestade estival. sol, Os o assalto raios do escapando-se do sossobro, refrangiam feixe sobre as collinas atraz; e á frente era o em que haviam ficado negrume tempestuoso. BANZO 8i Surdos O riiiiiorcs roUiiiiliavaiu. caJjoclo bradou: — Apcrla, geiíle Agua ! veia lá hi, não tarda nada. Siricóra lá cantando. ^- O mió é a gente Tá disse o negro. li pro loca BurijLisiu nieniu e a genle Oca no ranciío de Pajehú. — No num rancho de Pajehú! exclamou Jão arremesso de espanto. — Ocê tem medo, Deus de vida uma e saúde a quem noite sósinho, (|uando houve Jãosinlio a ? já Bobage drumiu ali ! no tempo das inleicão. queima do coroné Fer- nande. — Ocê — Uai Eu ? ! Garrucha veia queria come só e Deus. E não vi senão bacurau e de voz só a do cururú no brejo. e Pajehú Antes ali fez um O lugá é bom rancho p'r'agu€ntá tempo. no gazaiado do que dibaxo de chu- va por este estirão mardito. com eu... o relho o arvoredo, Oie ! e apontou na baixada. Vol- tando-se, então, no lombilho, encheu a voz e falou a Soeiro distanciado: Capitão, o mió ! ' BANZO 82 é a gente toca p'r'o rauclio de Pajetiú, de catií ante o tempo. Soeiro não respondeu e com a cabeça lombada, anciando e gemendo, á distancia, parecia coctiilar no lombo do pangaré que acompanhava passivamente o comboio. Toca ordenou o negro, e o caboclo, — ! esporeando — Toca a mula, o rapazola, a laca. a tropa. A E a Jão: p'r'o Buritysá. Rija lufada e bradou uma levantou tomando a poeira dianteira, densa estalou Faísca amiudou o passo puxando trágico, a um clarão livido, ribom- bou o estampido do primeiro trovão. ff -ffí-, II OBuriiysal era uma explosão de ver- dura. Depois da imnicnsa, rasa amarelleiíla cie, e desolada planí- ou branca sob o areal nado, queimando e reluzindo ao sol, calci- avultava improvisa aquella matta soberba como a ex- pansão violenta do húmus recalcado, o rebojo impetuoso da seiva abafada sob o solo rido, do impermeável daquelles paramos, em viço sobrenatural, Era um um affiuin- dando á paizagem plethorica a grandeza desconforme de raíso no limite de tór- um pa- inferno. luxuriante, acceitoso oásis ex- tremando-se da inclemente Ihanura, com as BANZO «4 foiílcs cm borhiillios oscaclioaiiles, íios ligei- ros e cryslalliiios tragua scr|)eaiido, ras Iraidoras sob liervaçaes, troncos mons- palmeiras esbeltas, íétos truosos, abafei- em rendas delicadas, mimosas, avencas e tramas aéreas de cipoaes que parasitas enfeitavam como oscillando de leve ao sopro floridas cestas, da aragem. A terra molle, paslosa e negra, reçumava em apojadura perenne como um peito túrgido que dessorasse alagadoramente escoando, aos as golfos, sobras revessadas pelas raízes fartas. As veredas desappareciam da noite para o ao pullular fantástico das hervas. dia torno da raiz resaltada vam dum Em tronco rebenta- renovos, enfolhavam-se, eram, em breve, outras arvores. Os ramos vergavam frondes, unidas e altas, espessamente, densas, pareciam as a copa duma só arvore prodigiosa onde se juntavam, com um dores e macacos silvos, e, chalreio, um grasnido atroa- guinchos, pios: aves, saguis, sem descontinuar, choviam, em BAN ZO 85 eslalidante saraivada, coquilhos, frutos, cascas de arA^ores lhos seccos, como animaes se divertissem esbultiando a que os agasalhava Uma os floresta e nutria. lagoa escura espraiava-se adorme- cidamente, larga e quieta, bre. se ga- Em torno, eram hervas intonsas, res pendidas, in^mersas, pelas em sombra margens resvaladías, flores bizarras, ram"os arriados lúgu- com arvo- as folhas apodrecendo nagua velada e su- bindo erectas da marnóta, dentre folhas em patena ou em discos de bordos revirados, nymphéas languidas abriam ficas corollas magni- de íinas pétalas transparentes, embalsa- mando venenosamente o ar. E a vida do vasto rebalso pelo era animada vôo enxameado das moscas luzentes, das lavandiscas que esfusiavam, dos mangan- gás que zuniam, dos grandes besouros que passavam d'arremesso inflectia num e, não raro, o pium bote de frecha, levando no ferrão o virus que inflamma e abre a carne em fe- rida. Cotias ariscas atravessavam as abertas BANZO 86 aos com l)()ca e, scntavam-se levando a comida á i)inclios, as ao mais snblil folhagem. olhando |)alas, ])idici(), desconfiadas melliam-se sob a cantavam Siricoras beira á d'agna. Por vezes, com remontava tuni forle baler d'azas, dum o cerrado ás franças mualta- neiras. Triste, fúnebre, na espessura e, a espaços o nrú gemia longe, araponga metallica a rangia limando o canto até resoar, d'impeto, em golpe de malho que repercutia tinindo. A sombra era culava e, fria, um como fechando mysteriosos, ar de caverna cir- o interior com aranhas estendiam as todos os pontos — entre sellos tei^s em os galhos altos, nas redes dos cipós, no caule dos arbustos, na herva rasteira que reluzia húmida. Era á entrada dessa opulência bruta, cer- cada de matto aggressivo, que se acaçapava, como a esconder-se, a choça chamada —o rancho de Pajehú. O frente, comboio caminhou vagaroso, Jão á guiando a Faísca em direcção á matta. BANZO 87 Obumbrava em crepúsculo. O céu alumia- va-se aos successivos, trémulos relâmpagos. Trovões rolavam, estrondavam Longe, na deserta e em secco. funérea planície, raios zebravam o negror das nuvens. Pegões de vento levantavam turbilhões de poeira. Mal chegados ao rancho os comboieiros apearam, descarregaram os animaes, ram-nos no cercado arrumavam e, solta- recolhendo á palhoça, os surrões quando ouviram as primeiras gottas de chuva bater, estralar nas folhas como pedradas e, logo em seguida, fragorosamente, despejou-se o aguaceiro. O indifferente a tudo, velho, manta no chão mãos á e deitou-se estendeu a gemendo, com as cabeça, rolando desatinado, sem res- O ne- ponder ás perguntas que lhe faziam. gro aqueceu a passóca, poz a cha- fez lume, ao fogo. leira Soeiro rejeitou o alimento, gemendo, encolhendo as pernas doídas como se lh'as A houvessem marretado. noite veiu vindo tenebrosa. começaram te, ora em a coaxar, ora soturno gargarejado soído. Os sapos ou vibran- Os grillos ' I. BANZO 88 em rumorejo eslrillavain ao e, do vento, as frondes levantavam como estrondoso de rijo lufar um rumor cachoeiras precipita- das. Tarquinio accendeu o pito que laivava de rubro o pa- jiuito á fogueira, Ihiço da clioça de cócoras e, e ensanguentava os esteios fazendo dançar sinistras sombras desproporcionadas, lembrou o valente cangaceiro, ter- ror daquellas paragens, Pajehú, que ali vivera homisiado, sahindo, á noite, a assaltar com- com boios, dispersando-os só a fama terrível do seu nome. Tarquinio conhecia a vida do famanaz que tinha pacto com o demónio e contava-a em voz surda e pausada. A Por e, lenha vezes, crepitava na cerca, amainando ceram á faiscas. dos animaes bufava a tormenta, discos de luar des- terra, pelos troncos, estrellejando um clarões pallidos escorreram luziram nas poças d'agua e nas húmidas folhas e enxames de vagalumes romperam No scintillando. recesso da brenha um som rouco re- '«.V, ff!?? ff- : BANZO 89 Os animaes estropearam na booií. cerca, assustados. — Oia ^ fez-se como um onça... ! medo ôi^se a todos attentos silencio de horror, á espera do novo rugido. Soeiro sentou-se de golpe, joelhos, ancioso. diu agua em com o caboclo; e mãos nos as Rolou olhos despanto, pe- voz escassa e a borracha e só, afflicta. Jão acudiu sentiu o calor então, que abrasava o velho. — A mode quocé O vellio tá cum nhôr febre, pai. não respondeu deixando-se cahir nos arreios, gemendo. O rapazóte communi- cou aos companheiros o seu cuidado: — Ocês conhece febre — Quem não conhece — Então vê o veio ? ? si boclo foi do velho, não tem de vagar, passou a mão tomou-lhe o pulso, offego do peito e, ? O ca- pela testa sentiu-lhe o recuando, acócorou-se junlo á fogueira — Febrão Tá quemando. — Vá vê qu'a gente aqui ! - modelle... disse o negro. fica amenhan BANZO 90 — Isso isem 10 falara, do só bravo d'hoje. foi cum dò Eu tam- de cabeça, e o rapazote, que comprimiu as têmporas. — Han ! Os companheiros fez o caboclo. fitaram nelle os olhos sarapantados. Elle puxou uma brasa para o cachimbo, calcou-a no fumo e, repetiu o arranque: baforando Han uma fumaça, ! — Que perguntou Tarquinio. — Deus queira Deus queira Foi o é ? ! ! dia- bo que mando a gente entra naquella caatinga damnada. — O véío — Han! — Eu também ? quiaberto, ! com o rosto reluzindo á os cabellos fulva, já pensei nelle. arrepellados, Jão, bo- chamma olhava ora um, ora outro dos companheiros. Rajadas de vento marulhavam na matta, vozes indefmiveis passavam na quietude. O luar clareava creando perspectivas estranhas — fundos de grutas, altares, vultos amorta- lhados. O caboclo sahiu á beira da trilha olhando o-^ BANZO 91 ( as estrellas nítidas que apparcciani a noite, pelos raros da folhagem escura. As arvores como que do-se em preguiçamentos se moviam Lorcen- voluptuosos, incli- nando-se umas sobre as outras a combinarem traições outra vez, trágico, soturno, o ru- e, gido atroou, rolou mais longo. Um todos, dos animaes resfolegou na cerca e arrojaram-se d'encontro atropelados, á estacada abalando-a. — E' a damnada memo, juntando-se ao caboclo um instante, e, depois de attentar apanhou o entrou, ao meio da trilha e detonou. ribombou em e houve disse o negro, um Um rifle, grande echo farfalho de folhas fuga precipite de patas. E sahiu como o silencio res- tabeleceu-se mais profundo. Soeiro poz-se a resmungar palavras vagas, tontas, incomprehensiveis. se delle. O Jão acercou- velho agita va-se, encolhia, esti- rava as pernas, jogava os braços debatendo-se angustiado. Sentou-se circumvagando o olhar, poz-se de pé, aturdido, trahindo o rosto como estremunhado con- em caramunhas. -' BANZO 92 De gente Ouiz andar, mas !» os bambea- oscillou, Jão amparou-o nos bra- rain-lhe as pernas. ços, «Bamo, repente, avançando, ordenou: sentar-se junto á fogueira íel-o comboieiros viram, á luz, e, com assombro, os olhos do velho enormes, esbogalhados e toda como apodrecida. O a cara sarapintada ne- gro, escancellando a boca, mirava o patrão. De repente, mou atirando a attenção — Job, do caboclo. bixiga ? O ! Oia bem. caboclo não respon- olhos accenderam-se-lhe intensa- alumiados para a visão mente, cha- cotoveliada, oia na cara do capitão. Não parece deu, mas os bixiga uma sinistra. segredou o negro recuando E' instin- ctivamente e cuspinhou. Soeiro descahiu, estendendo-se no chão, guardado pelo fdho. Os comboieiros esgueiraram-se sussurrando, foram ficar ao tempo, longe da peste pútrida. A noite foi lenta, apavorante tificações da matta. vam o do luar com as mys- e os sussurros mysleriosos Os comboieiros, ao relento, olha- lume que vermelhejava no rancho, e ?^-1 BANZO como o saliJu pó velho a([uielasse — Onde — Aqui, adormecido, Jão procurando-os. aiile pé, é qu'ocês tão ? disse o negro e o rapazóte, guia- do pela voz, encaminhou-se achando os dois sentados na raiz duma arvore. — Ocês me deixaram sósinho. — A gente tava aqui. Calados accenderam os pitos e puzeram-se a fumar. com a fogueirinha accesa, sepe. O Os animaes lembrava rancho, um pre- inquietos farejavam. da madrugada retranzia como no frio inverno. O Nos ramos madrugadores altos boliam os pássaros o ar acinzentava-se penei- e rado de névoa rala que subia, ondulava como fumarada. Um A malta exhalava fragrante. chalrado rompeu o concerto das aves; estrallaram bicos gloria vívida da de tucanos e alegre, na manhan, luminosa e lavada, os pássaros preludiaram e começou o cântico de Laudes, o eterno e festivo louvor da natureza — as em que tudo entra, concorre ao coro aguas, o vento, os ramos, as pequeni- nas folhas, o insecto, o pássaro, e todos os BANZO 94 ajiiinacs cada qual á sua maneira formando o unisono magnifico que recebe o sol. Jão, que fora diversas vezes espiar o ve- quando lho, clareou, inclinando-se sobre elle, não conteve o horror: — Gente eiros, num E' bixiga ! Oia ! Os comboi- ! impulso de curiosidade, chegaram á beira do velho e olhai-am estarrecidos. rosto vultuoso, vergões, era uma chaga grossas eram as de as hedionda. Os lá- arroxeados davam á boca o bios túmidos, aspecto de empollado cyanótico, uma mascara O em um pálpebras inchadas, de brilho baço. esponjosa, as orelhas lazaro e os olhos, sumiam num solj laivo As pústulas tumentes agglo- meravam-se em núcleos e viam-se-lhe as mãos papulosas, estygmas. peito, descia o pescoço rubro, Queimava como um maculado de braselr-o e o no offêgo da respiração opressa, subia, fazendo ranger o couro do peito- ral. O horror estatelou o rapazola junto ao velho que parecia acabar na combustão da febre. t^iíti^Si- » BANZO 95 De joelhos, as vados no mãos postas, os olhos cra- Deus, só nelle. Súbito, a uma fora, numa dos, correu, poz-se ideia, procurou os companheiros de pé, em rezava devo lamente fiado pai, e, vendo-os restea de sol, juntos, amedrontae, numa voz arrancos, com la- arrebatadamente, rispida, silvante, disse aos grimas borbotoando: — Gente, veio Judeu. em cima A man. ocês tão vendo Foi elle ! ? E agora o veio, foi é a desgraça como no engenho da de nós genie viu elle, o Cari- teve perto delle, no ar que elle respirou, no caminho que elle pi- A sou. ra me gente pegou mardição. Nossa Senhovalha ! Nossa Senhora me valha ! E, agarrando a cabeça a mãos ambas, curvado, poz-se a andar, ((Nossa Senhora todo gyro-gyrar a me clamando: valha, a nós todo ! a nós ! Os comboieiros, immoveis, com pena e terror, não acharam uma palavra de consolação, inertes, tolhidos, abobados. Os animaes resfolegavam na ciosos pela ração da manhan e, cerca, em an- toda a BANZO 96 malta, das vozes das cigarras, eslridiila a vida acordava hilare. Os comboieiros arraçoaram os aniinacs cuidaram do almoço aqiiecendo-o ra do rancbo, a pretexto do incommodar Por vezes com um fora, á bei- fumo que podia o capitão. Soeiro não dava accordo de tumefacto, c si, denegrido, a respiração áspera e curta. rouquejo estrangulava-se-llie na garganta. Jão, que não se lhe tirava de ao pé, incli- nava-se sobre elle mado da erupção d'olhos muito abertos, pasviolenta do mal. Ainda na posto que se queixasse de dores e véspera, molleza de corpo, ninguém o senão molestado da viagem, e diria doente, já trazia no sangue o veneno da peste que o apodrecia em vida. Fio a olhos. fio as lagrimas corriam-lhe dos Os comboieiros chamavam-no, nem se voltava, ora de pé, ora de cócoras, enxo- tando as moscas que esvoaçavam ávidas em Como ha- torno do moribundo. via de entrar em casa E pensava: sem elle? Que diria BANZO 97 á mãi E onde ás irmans ? velha, naquella matta, tão longe o deixaria tão só ! ! Soprava uma aragem fresca e tia-se lor como chegado da febre que ia ça, Tomou ? sentindo-a sen- Seria o ca- fogo. consumindo o corpo do communicava em velho que se lhe labaredas um a elle o pulso, crescida e invisiveis premiu a cabeôca, azoinada, atroando rumores cavernosos. Fogachos abrasavam-lhe o rosto, inflamavam-lhe os olhos ardidos. Numa suspeita levantou-se dirigin- do-se aos comboieiros: — Genie, febre. Vê mode qu'eu tamem a aqui. tô Estendeu o pulso ao negro que o tomou em dois dedos, com mal farçada repugnância. se. Tem? O cum Um momento dis- fitaram- negro hesitou; por fim disse: — Ocê meio quente, Jãosinho. — A cabeça me doendo e me sentindo tá tá bambo das Não vá eu tê apanhado Isso pega, Tarquino ? a doença. — Uai perna. tô nem visgo. Quando dá numa casa, varre. Mas não fica scismando. --Mas não é bom abusa, aconselhou o ! qui BANZO 98 Ansim ciim'ansim, seu caboclo. tado...! A agora capitão, coi- é a gente se precata. E o negro, sentencioso e grave: — Isso foi o judeu Bem ! qu'eu dixe. Seu capitão tèmô, tá hi. um momento Jão ficou O absorto, a olhar. sol penetrava pelo crivo das frondes, Ihetava o solo húmido, descia enviezadamente nas reluzia em pa- folhas, faixas polvilhadas d'atomos. Os comboieiros esvasiaram as borrachas para renovarem a provisão dagua na fonte próxima e foram indo de vagar, pelo matto denso, Jão ficou ao conversando baixinho. tempo, airado ! num Grandes formigas cruzavam-se tri- Ihosinho carreando óvulos, migas de lolhas; elle olhava-as como entretido, mas o pensa- mento estava longe, na casa. Via-a no doce socego, alva diante do terreiro liso, com a criação a mariscar cacarejando e alegre, os pombos esvoaçando, a^ e estendido, navial .,-i-P(..07^.-.,->..\ií;i num Itácoros grunhindo amarellado d'ouro, o can- pegando com a várzea do aiToz e BANZO 99 liiiuki, onde as lonf^iiKjiiu, a iiionlanlia cres|)a guaribas roíicavaiii as aiiiiuiiciaiido chu- vas. Um suspiro escapou-se-Ihe do peito. volta tornando ao rancho, do agachou-se junto com contemplando-lhe, velho Deu piedosa lernura, o monstruoso rosto aboslellado, sem feições e inerte. A immobilidade do corpo impressionou-o. chamar baixinho: «Nhôr Nhôr Poz-se a pai Sacudi u~o pelos hombros sentindo-o !» pai ! flácido. «Nhôr pai !» Ergueu-se horrorisado sem, todavia, acreditar na em fim, grita: um Houve «Nhôr morte pai chamou-o, por e !» Nada. grasnar espalhafatoso no ar- voredo, azas rufiaram e a vozeada das maitacas passou num estardalhaço. Voltou o si- lencio e a voz solitária do urii melancólico gemeu monotonamente no fundo do bosque. Jão cahiu de joelhos, mãos postas, chorando: Senhora «Minha mãi do ceu ! » e, ! diante do corpo, Minha Nossa sem sentir a ílÈd:£í' BANZO lOO orphandade, só pensava, como infame, no abandono em quella solidão, coitado A que o em um ia crime deixar na- ! voz dos comboieiros tirou-o do estupor em que do em cahira. Sahiu-lhes ao encontro, lava- criança perdida, dizer num lagrimas, verdade a a descorçoamento soluçar, sem animo de Encostou-se triste. de a um inclinou a cabeça ao braço e ficou tronco, chorando. — Que Jãosinho — Morreu Nem a ? é, ! um rancho cante. gente viu. Mas no grugrulejo lúgubre resoou ras- Precipitaram-se os três e viram o ve- lho escancellando a boca, retesando-se, horrivel na deformação túmida do em grossos beiços batendo com os rosto, palpitação con- vulsa até que, serenando, aquietou. Um raio de atravessando punha-lhe nos da palha, uma sol, aureola como de uma cabellos aberta brancos santo. Os comboieiros, immoveis, olhavam silenciosos. Jão, de joelhos, as mãos nos olhos, soluçava desesperado. 'VlHiíagi^- --:.-:-. .-'..'. rLCÍ..£' -•:-;-...,•„'• - •' :.. --:- .-A. .:. ..-. ._...- -r^i^^-A'.^il.^^:rãr :-'\-'-''J'\ ..->. BANZO lOI Repentina lufada espalhou a cinza da O gueira. foi-lhe negro retrocedeu, sahiu; o caboclo nos passos ficaram junto á arvore, ao e, um momento — Ocê qué sabe, Jãosinho disse por fim Tarquinio, cumeçando Job, nós tamem, Tá ardendo em a pinta. não si sol, calados, tá c'a bicha. e c'a cara fo- foge... febre E nós tamem, O caboclo, de cócoras sobre as pontas dos pés, picava fumo na palma da mão. — E ocê qui acha — Eu Encararam-se. ? ? o mesmo, covarde O pensamento e supersticioso era nò espirito nenhum, porém, tinha coragem de ambos, de o dizer. O negro poz-se a andar entre duas arvores coçando arrepelladamente a ca- O rapinha. gou lume —A qui não, e caboclo atulhou o cachimbo, pe- chupou a fumaça. gente deve di murmurou não digo tê caridade, o negro, mas num causo ansim, morre atoa... Si ainda a gente pudesse dá remedo... Ocê não acha? deu d'hombros, sahí. Vai indifferente. di galope, O O mió caboclo é a gente chega im casa, conta a BANZO :io2 pôde desgraça, que nós Irazê faz ? tenta a morte — Ocê qué — Ocê vai — Ocê — Apois...! — E os anima? — Os anima que Aqui, seccorro. só. ? í ? indo... gente vorta. Indo es- coteiro a gente vai mais depressa. Ocê não fica; a ? O caboclo levantou a caum momento olhando o rapazote acha qu'é mió beça, ficou sentado no fundo do rancho, immovel junto ao cadáver do pai. com a cabeça, desalentado e gro, receiando mou-o. toca Commoveu-se que Antonces ? elle se com e meneou pena. O ne- arrependesse, ani- Bamo ou não ? A gente de madrugada, no canta do gallo, tá e, batendo em casa. — E Jãosinho — Jãosinho?... ? franqueza cruel. criatura ? pesteando tudo ? febre, fitou O negro, Ocè não vê Ocê qué O teve então, qu'elle tá qu'elle a cum vá por ahi caboclo carregou o cenho, duramente o companlieiro. Uai ! anton- BANZO 103 ce que curpa por ahi cum S'ocê qué tem os outro da arvore. O gente ha d'i sinão... não. Deu-lhe as costas de do a faca da A pesteado espaiando a morte? bamo, í, ? mau humor, tiran- e, poz-se a lanhar o tronco cinta, caboclo guaiou: Ai ai ! len- e, ! tamente, foi-se matto dentro, pensando. A serenidade do bosque contrastava a flagrância da luz despejando-se tes por todas as abertas, a em enfeitar, a com torren- aquecer o interior versudo onde as folhas douradas tremeluziam, bailando á leve respiração das auras. O ziziar e o cicio tinham na brenha Na das cigarras man- uma zoada estridente. faina do cibo, do reparo dos ninhos, os pássaros mal piavam, em ramo. voando de ramo Borboletas desferiam deciso, hesitantes, em alôr in- como desorientadas no en- trelaço da ramaria. Os animaes da tropa, inquietos na cerca, escouceavam, pinoteavam, aos búíidos. Tarquinio, sentado na raiz da arvore, ras- pava a terra com a ponta da faca, interrom- pendo o desfdar laborioso das formigas, fa- . BANZO 104 zendo-as desviarem-se; em Ímpeto de raiva esmagava-as resmmigando contra súbita ,0 companheiro, não se conformando com o des- acabar como os patrões que tino de no rancho: um ardendo joelhos, Assobiaram golpe, lencio attento. com a cabeça entre os em febre. no matto. Levantou-se Outro assobio varoij o de si- morno: era o caboclo que o chamava. Sorriu conteíite, elle, estavam estirado, morto; outro senta- todo encolhido, do, lá com a de que certeza emfim, decidira partir, fugindo á morle E que os rondava mysteriosamente. foi-se, a correr, na direcção do appello. abalavam Rolas com estrepitoso nas hervas altas como um nadador entrando ao mar, com agua pelo peito. ^í- ' - bater passagem do negro, que bracejava d'azas á . . . '. - V ^..-'- : •'..•I III 1 Ão, no silencio de M somno em que deu por tara a floresta, falta se aquie- dos com- Relanceou o olhar febricitado boieiros. torno: discos de sol amedalhavam o em chão, reluziam nos surrões suados. Rolas mariscavam em volta do rancho confiadas no quiete d'aquelle abrigo sempre deserto e, além do vôo surdo das aves, instantes estalava moinhava, cabia de Onde estariam matto, talvez um ramo, folha re- leve. elles ? catando frutos no banhando-se na o cachimbo, mas, uma a fonte. Tomou ao desembainhar a faca para picar o fumo, desistiu com repugnância. O cheiro ácido do morto enjoou-o. BANZO io6 manga do casaco Levanloii-sc passando a pela jDOca e, indo e vindo no rancho, cabis- ruminava o pensamento torturante de baixo, do afastar-se de pai, o deixar na floresta abandonado sem que, ao menos uma vez, a sua gente lhe enfeitasse a sepultura e accen- uma desse Essa vela á sua cabeceira. porém, ideia, se do enterro. fel-o deter-se: lembrou- Era tempo. Deviam começar antes da noite porque o corpo já estava mau Para que os animaes, o cheiro. com tatú- péba principalmente, não profanassem o cacobril-o-iam de terra e de folhas fa- dáver, zendo pesar sobre ellas as trassem. Pobre velho O ! sol devia estar a pino á beira do rancho, em pedras que encon- porta-voz A e !» quino Job! Oooh ! sinistro, Chegou á boca retumbantemente: resoou profunda. «Tar- floresta crebro, mãos juntou as bradou «Eoooh no ceu. ! gente !...» Novamente, aos latidos, o éco estrugiu cavo, rolando na espessidão. «Uai!...» Ficou á espera, olhando, attento. Por ve- zes parecia-lhe ouvir resposta de muito longe BANZO 107 em alongado «Oooh !» e, Hepeliu vozeio. quente, tou-se a !?» A cabeça esta- em, dores, as pernas afrouxavam-se- lava-lhe e, aboiado: preoccupado, murmurou: «Mas onde se metteu essa gente Ihe o um Pouco numa quebreira lassa, encos- dos esteios. a pouco, Ihe o espirito o em lenta invasão, tomou- pensamento da morte. Olhou, remirou as mãos, ora uma, ora outra, arre- gaçou as mangas do casaco e examinou os Alargaram-se-lhe os olhos apavora- braços. dos ao descobrirem nódoas na pelle morena; premiu-as. tocou-as, precipite ; O coração batia-lhe depressa, porém, voltou-lhe a calma repellindo a ideia sombria. Lançou um rá- pido olhar ao cadáver coalhado de moscas e sahiu. Sentia sede. Embrenhou-se vagarosamente seguindo a vereda batida, retorcida sombreada em até á fonte quasi colleios, húmida, sumida na luxu- riante vegetação da qual sobresahiam os buritys graciosos. A agua vinha d 'alto, derivava tando nas pedras, crystalina e em fios sal- ligeira, atoa- BANZO io8 Ihaiido as pomas lisas dos pedrouços, corren- do sobre o limo avelludado até cahir na bacia formando bolhas diaphanas, limpida, espelhando o arvoredo e deixando transparecer o fundo de areia e seixos brancos. Jão agachou-se, tomou curvou-a em calha e, uma folha larga, encostando-a á pedra onde a agua era mais abundante, canahzou-a bebendo á boca, a goles ávidos. As ramas farfalharam. se de golpe, sarapantado, guir na penumbra de-negra. O fria, rapazote voltou- procurando distin- entre a folhagem ver- coração encheu-se-lhe, travou- se-lhe a garganta, immobihsaram-se A O os olhos, muito abertos, fitos. merencorea paragem lembrou-lhe a la- goa da caatinga onde lhes apparecera o velho errante. Sobresaltou-se pondo-se firme, á espreita, correndo o olhar assombrado pelo bosque. Adivinhava a presença funesta do amaldiçoado, sentia-o, experimentava o seu prestigio mahgno. EUe devia andar e, um perto, tocaiando-o momento, demorando o olhar em um -'íj; BANZO 109 ponto, viu crescer uma sombra o lypo do penitente: um grande velho abor- doado ao cajado, sacco ás longas, amarellentas, gado sinistro, e côr de marfim, pelle, afeiçoando costas, as barbas o olhar carre- soltas, a fronte escampada e Arrepiou-se-lhe luzindo. eriçaram-se-lhe os lisa, cabellos, a um frio medo p^a- intenso gelou-o. Foi instantânea a visão, como ralysou-o estarrecido, poder pre mas enraizado, na densa espessura sem os olhos sem- tirar-se daquelle ponto, fitos o em que se lhe mostrara o trasgo. Era peste, elle, o judeu maligno, arrazador dos campos. grande sacco de onde tirava, semeador da Lá ia com o a mancheias, todas as calamidades, desde as pedras gela- das que espalhava nas tempestades até as guerras. A' sua passagem as fontes o arvoredo esmarria, o estancavam, gado tombava desca- deirado, fervilhavam bicheiras nas malhadas e, não raro, no cahir de céu escurecia, crepitava uma tarde azul, o e uma nuvem de •4-:í;: BANZO IIO gafanhotos baixava sobre as roças ialando-as, de [)oiiia a ponta, nas horas breves de uma noite. Era E elle ! Soeiro lá no rancho assigna- estava lando a sua passagem dentro e, em iodo o sertão verde estaria em tomo com das lambendo sedentamente o orvalho nas folhas, os ri^)s em em gente faminta clamando rendo pouco, alvoroço o gado levantando o choro triste cacimbas seccas, em ipueiras e a preces, percor- campos em procissões amercea- os doras. Tremia sem a ouvir o crispado fôlego, de medo, murmúrio d'agua que como um choro de angus- pereniic lhe soava trágico tia. mas querendo fugir, emmaranharam os pés nas enredi- Arrancou-se, por fim, logo se lhe ças das hervas; vacillou, um coqueirinho novo gando-o, choveram-lhe gotas d'agua. do, sem e, Safou-se com no e, de encontro a foi o impulso, verrosto finíssimas a correr, desatina- altentar no caminho, metteu-se ao BANZO líi matto, abalsoii-se, perdcndo-se no labyrintho espesso. Voltou procurando a trilha. Eram só ar- vores, cada vez mais robustas e unidas, en- leadas em cipós vigorosos, alongando raizes avergoadas á flor da terra empastada de lodo onde os pés chapinhavam. Voos assustavam-no mos que elle, ao relaxar dos ra- e, na fuga, levava ante o peito, tornando á posição natural, vergastando folhas, era em como se um fúria sanguinária, 'is inimigo o perseguisse quebrando galhos, der- rubando troncos. Não se atrevia a olhar para certo traz, de dar de rosto com a figura funesta do judeu maldito. Por fim a Orientou-se, trilha acalcanhada appareceu. entrou por ella de arranque, correndo e já avistava o tecto do rancho quando uma estropeada o A fez estacar. matta parecia vir abaixo arrazada; es- trondo formidável crescia como á aproxima- ção de uma catastrophe e súbito, aos saltos, um um animal atravessou a lóle amontoado, atropelando-se, passou atra- ;ílttíáí:^sé^^*X.kâ^Í-'>-*&.;:aS.-ÍÍ.* -.' trilha, outro, e ^iliaá; 4^. «->(.,', i^ ^, . V _., -AU, BANZO 112 vancadamente, em arvores apertando-se de encontro ás desabrida carreira com um surdo estrupido nas hervas. Apezar do terror, no relance Era reconheceu a Faisca. que fiel, lá ia espavorida desapoderada. Quem maes ? e, ella, pós Jão fugitivo, a ella, bestinha a recua • soltado e espantado os ani- teria Quem, senão o elle, judeu Num ? ápice chegou ao cercado, achou-o vasio, lan- çados por terra os travessões da tronqueira. Ficou arvoado, olhos d'agua. encheram-se-lhe tonto, os Quiz chamar, mas conteve-se transido de medo, certo de que só elle, ma- o hgno, lhe responderia. Os comboieiros... com nha sumido, nalguma talvez grota, certeza elle os coitados ! As lagrimas bentaram-lhe por entre soluços, um cadáver por companhia. gir, mas como Como com Pensou em fu- aventurar-se sósinho, 3 pé, naquelle deserto, já Não conhecia re- sentindó-se só e fraco, sob o prestigio do pesteador, ? ti- nas aguas escuras ou com a noite a cahir? os caminhos, era a primeira BANZO 113 viagem que fazia a serra brava, e tinlia a matta grande, fechada, onde as suçuaranas erravam e o Se afoito. caapóra assombrava o viajante ainda passasse alguém, algum comboio... Caminhou até á orla da floresta, olhou a immensa planura ao O sol um numa flammejava occaso deslumbrante de ouro de frouxo da tarde. e purpura, e o sol, reluzia tremulo e brilho de lamina, para o outro lado a serra fulguração alta, azulada, em- butida no céu violáceo, esfumava-se em névoa com o desenho rendilhado do seu arvoredo em fino retraço, resahindo como bordado a matiz em de seda. tela Não havia sulco de caminho, era a ex- tensão vaga, desnorteada, profunda. Senhora, valei-me tamente, invocou chorando reentrou resignado, rancho onde Ficou !» jazia o e, tornando len- ao morto. um momento como desprendido de e, «Nossa sem pensar, Olhou em torno parado, si. vendo os surrões, caminhou pondo-se a examinal-os. Lá estavam também as mantas BANZO 114 de de couro crú, os baixeiros, pelle, as cilhas mas faltavam os de Job e de Tarquinio, e as suas borrachas e os seus viam suspendido Procurou-os no se-lhe sentiu-se dido. A a uma rifles elles ha- das vigas. pouco a pouco, gerando- e, espirito a ainda mais suspeita só, mais da traição, per- infeliz, esperança, porém, justificou o des- apparecimento dos evadidos: vessem sabido Não que se em busca «Talvez hou- de alguma coisa...» conformava com a crueldade co- varde do abandono e, longe de descorçoar ante as provas da fuga dos comboieiros, tirou delias razões de tranquillidade attento aos e, desde então, rumores vagos da brenha, sabia á beira do rancho se ouvia algum ruido, con- tando vêr os companheiros de volta va sempre a E mesma os animaes ? — e acha- solidão. esses sim, arrancado achando o caminho esses livre, haviam talvez por esquecimento dos comboieiros. Sentou-se junto aos surrões, molle, dorido, a cabeça atordoada, em fogo, com uma sede que lhe resequia e encoscorava a boca. .]»'.' :.- ;i-.-^iJí-4áMfeai'vi*-i -"-?.. BANZO 115 O íarliim de carniça apezar da aragem A que se recolhiam O som no distincto crescia silencio e o barulho das frondes Vozes além aqui, forte, as Os escachôo. crepúsculo escurecia d'agua longínqua tornava-se vam queixumes A o e soturnamente. vento mais sempre reinante. regosijava ao canto das aves floresta rápido. empestava o ambiente fresca amor que reviçamento, com acordaram guisalhando. noite evocava os seus lanle um e a espaços, a arvores ramalhavam grillos o mysterio do lança- tristes a comparsas para eterniza, selva, que em se cons- infillra nos veios de pedra, que deflue na correnteza das aguas, que percorre os troncos irradiando em seiva aos espalha como perdida em do a flor d'agua, ramos mais delgados, que prestigio dando a se uma semente terra safara a força da vida, abrin- no ramo, tirando da rocha a gotta fazendo rebentar na podridão dos madeiros mortos o tenro novedio, multipli- cando os germens na terra num e nas aguas pullular prodigioso e silencioso de en- canto. . '' í ' ' r\ BANZO ii6 Era feria, a irrigação semiiuil da natureza re- grande o pliillro do amor universal operando na treva discreta a perpetua e admi- em esca- rável maravilha da reproducção. Nimbos de mas de prata, luar cahiram no solo as folhas luziam e aos voos baixos, ás corridinhas, os curiangús sabiam das moitas demandando a larga planura por onde a lua, solitária no céu immenso casulo de algodão sua a claridade como um liso, conio um aberto, estendia tornando o deserto triste alvo areal, infinito nem sombras. Jão arquejava, com como o céu, sem fronteiras da cabeça, encostado a Na as um mãos por baixo surrão. sua desventura sentia-se pequenino, como no tempo de menino quando, no copiar do sitio, em noites como aquella, no frágil aconchego da familia, sentava-se na barra da saia da mãi, com a cabeça nos seus lhos, bellos, joe- sentindo-lhe os dedos meigos nos ca- ouvindo-lhe a voz lenta e carinhosa dizer as aventuras das historias, o poder dos génios e das fadas, ^k^'f vJ - a riqueza das cidades ^%,;i-;:^. . , _;-i(K'í; 'X- ;."; ^'f'^ * BANZO 117 grandes, dos palácios reaes onde se celebra- vam com as bodas de princezas de cabellos de ouro príncipes formosos e valentes, que ha- viam vencido dragões em cavernas amontoadas d'ossos. E pensando, recordando, sentia lagrimas descerem-lhe pela face e, com um olhar que via atravez do espaço, longe panhava o viver domestico. a com acom- Aquella hora, mãi e as irmans, sentadas no tando ! copiar, con- preoccupadas com elles, já, talvez, a demora, caladas, attentas aos ruidos subtis da do, noite, de quando voltavam-se, em quan- para o caminho illuminado ou ciranda- vam preparando a ceia e alva e beijús de leite — coalhada fresca que se esfarelavam en- dedos. tre os Os lábios commovida. E intima, no íalava-lhe numa palpitação peito, a voz d'alma tremiam-lhe com humilde ternura: «Minha mãi- mim ?! Reza Nossa Senhora que me sinha do coração, que vai sê de por mim, sarve ! E pede a ocê, Nóca, minha irman; e ocê mem, Thereza, pede; pede, Nossa Senhora modeu.» gente; pede ta- a BANZO ii8 E, a 110 suave scena oratório, mãos relumbrar do sonho, parecia-lhe vêr — as mulheres correndo ao ajoelharein-se juntas, postas, á pequenina Farfalhejo de rogarem, de imagem, estrépito de galtios follias, arrebataram-no do arroubo. Seriam comboieiros ? Esticou o pescoço, franziu as pálpebras olhando agudamente, a O os elles, fito. luar alvadio dava á floresta funéreo e fantasmagórico um aspecto — sombras bizarras oscillavam lentas, lampejos iterativos alumia- vam profundidades: folhas levantavam-se do chão, pareciam vivas e rolavam no levar da aragem. A espaços, um rangido rascava irri- tante. Um vulto esgueirou vagaroso, boca, reseccou-se-lhe os arderain-lhc coração estacou para aos rebates. os dentes, Quiz num Jão estremeceu beirando o rancho. repio; sorrateiro ar- instantaneamente a olhos esbraseados, o arremetter precipite, Encolheu-se tiritando, batendo hirto, reconhecendo uma onça. levaiitar-se, tomar o rifle, ali nho, ao alcance da mão, encostado a perti- um dos rç-<-.: ^_-.y;y...-^,^^j^.y.-^..^:- BANZO 119 mas temendo avisar a com o rumor, quedou. esteios, ciar-se As folhas seccas crepitavam sob as palas ínacías do animal subtil e elle abafava com estrangulado, uma do, denun- fera, sem ar, as veias túrgidas latejan- sensação de vasio no ventre que arfava. O ruido trépido distanciou-se, perdeu-se, abrindo-se um silencio pávido. um Súbito, porém, baque resoou no cado, paus estalaram, rolaram e um cer- resfolego longo bufou fremente. Jão aos poucos, soerguendo nas per- foi-se, nas tremulas, que vergavam, apoiou-se em um dos surrões, estendeu mollemente o braço apanhando o zel-o a O rifle e, pelo cano, mal poude tra- si. coração batia-lhe tão forte que todo o rancho e a floresta parecia-lhe estrondar com as pulsações desordenadas. ras inchavam-lhe uma surdina e, fina, va á maneira de até o cérebro. As têmpo- nos ouvidos azoados, era percuciente que os penetra- uma verruma, terebrando-os BANZO 120 A garganta secca, travada, a vista turva, a instantes fulminada por um. fusilar iriado, braços bambos, as pernas entorpecidas, Jão esmorecia. O aberto e assombrado, olhar, circumvagava espreitando em relances de agonia. A quietação aterrava. Uma sombra appareceu no luar, em frente em seguida a fera, agachada, resvalo, em surdo caminhar attento. ao rancho, logo quasi de Parou, folhas com no chão varrendo as esticou-se a cauda. Olhava embevecida; surdo rugido trovejou-lhe no peito. um Súbito, voluptuosamente, afocinhou as hervas. De , Ímpeto, lesta, poz-se de pé e, íirmando- se nas patas trazeiras, levantou-se, alta, enor- me, apoiada ao esteio; curvou-se, retesou-se e, nervosa, poz-se a raspar a madeira ás unhadas. Ficou immovel, d'orelhas murchas, mas entrou a ondular em reboleios de volú- a agachar-se, a esticar-se pia, tos elásticos e a retorcia-se-lhe em em movimen- cauda flagellava as folhas, colleios serpentinos. Derreando a cabeça abriu escancellada- iiiM.,^!:- BANZO 121 mente a fauce em bocejo roncante cahir sobre as palas molle, ruido, como se o solo fosse e deixou-se pousando sem uma alfombra fofa. em Esteve a olhar embevecida; por fim, passo entrou no rancho lento, leve, e, arisca, desconfiada, pé ante pé, chegou ao cadáver. Estacou com corcoveada, arrepellos rugindo, hispida, do lombo fulvo; volteou o uma corpo farejando-o aos búfidos; avançou das patas sorrateiramente, tocou-o se o sentisse bulir tou d'impeto a um ou com fitas. elle brincasse, sal- lado. Sentou-se, á distancia, Ihas como e, Lentamente foi em guarda, d'ore- levantando a ca- beça, o pescoço retezo e poz-se a fariscar aos rónquidos. e Os olhos reluziam-lhe em brasas Jão via-lhe a corpulência formidável, a monstruosa cabeça eriçada de cerdas. Poz-se de novo de pé, adiantou um passo. Nesse instante o pequeno, que apoiara o em um sentiu-o surrão, e, fez um movimento. A rifle fera rápida, voltou a cabeça e os olhos accesos coruscaram. Descahiu sobre as an- BANZO 122 cabeça a prumo, altenta. Jão relrahia-se ca.s, como em se procurasse desapparecer mo, suslinlia si mes- revollado contra a rcs[)iraçã(), o sangue cujo estuar parecia-lhe estrondoso: nem pestanejava. çou, parando a A um fera decidiu-se e avan- passo dos surrões. Vagarosamente agactiou-se sobre as paestendidas tas um momento, e, manteve a altitude esculptural, mas de o lombo, vergastando, varrendo a a bufar, com terra a cauda, rugiu rouca e rastejando, resvalando como um reptil, pas, adiantou-se cauta. fôlego, deglutindo Subiu-lhe dos. golpe, encolhendo em um O o olhar chis- anciã, d'olhos mareja- grito a muito á boca, custo conteve-o; a alma retransida ya-lhe em pequeno susteve o no coração: «Minha mãi ! murmura- Minha mãi- sinha...! Uma explosão de lagrimas inundou-lhe o rosto. As veias túrgidas, engurgiladas vam a mais Sem ar, c inclia- mais como se fossem estourar. todo o corpo travado os dedos duros, em paralysia, as narinas afiando, cerrava os dentes aperrando as mandíbulas que tri- « BANZO 123 luravam e os cabellos cresciam-lhe espetados na cabeça como aculeos de ouriço. A com segura da presa, magnetisava-a onça, os olhos relumbrantes. Jão foi em assestando a arma, pol-a mas quando mira, quiz dar ao gatilho sentiu os dedos presos, forcejou, já sem calma, trincan- do o beiço. Súbito do tiro um clarão expludiu e o estrondo ribombou longamente no rancho, ro- como em lou pela floresta reproduzindo-se tiroteio. Um em miado hiato, forte, foram, longo, agoniado, resoou em seguida, arranques esmorecidos como se a fera estertorasse arrocho de estrangulamento. O em corpo, roja- do longe, no salto supremo, escabujava entre as hervas, aos rebolos, ora de flanco, ora de borco. Ainda soergueu-se, arrastou-se, trambo- lho u adiante aos rouquejos, até immobilisarse e calar. Um grande vento passou estrupidando nos ramos, e Jão, sem animo de deixar a BANZO 124 sua trincheira de surrões, olhava o monstro, ao luar claro, e voltava os ahalido, lá fora, olhos para o corpo do pai, sob na sombra; luz, e poz-se uma fita de a tremer ante os dois cadáveres. um Sentia calor de brazido; cabeça a andava-lhe á roda, anciãs subiam-lhe ao pei- O to. fusas, espirito nublou-se-lhe ideias con- rumores estranhos chegaram-lhe aos ouvidos — era toda a floresta que soltávamos Lá vinham seus monstros. tados, em elles desembes- galopando patejando lerdos, céleres, aos galões ágeis, de rastos, aos voos. Jão ouvia a estropeada desabrida, cada vez mais próxima e já avistava os animaes de aspectos sobrenaturaes, corpulentos, vestindo e desapparecendo dissolvidos in- no luar. A tidos. como visão tresvariava, O que de passagem elle os demais sen- apalpava ou apenas tocava dava-lhe sensações estranhas j de calor ou de frio, viscida, pastosa; o llie de aspereza ou moUe, aroma silvestre cheirava- a almiscar de alimárias, :, um acre íortum rj^i^^íLii^^^âÉi^ iv-w'^> 'r^.:.S:^ iá^À -L BANZO 125 de fauna em cio; ante seus olhos lumes fátuos fagulhavam, coriscavam em sigmas e discos e elle tomava-os pela phosphorescencia iriada das pupillas cervaes. As arvores abalavam-se em sacudindo farfalhosamente via de ruirem, as frondes aos esbarros dos brutos; as hervas dobravam-se, estalejavam sob as patas velozes. O pequeno outro. Impávido, Era os olhos alargados e re- desafiava brilhantes, Um ergueu-se transfigurado. bestialidade a calor intenso envolvia-o como hostil. se os sur- rões ardessem, sentia a pelle empolar-se, despegar-se-lhe da carne queimadura. Então, o escorchamento de Os beiços ardiam-lhe em carne viva; a lingua era rifle, num uma sem mais sola, áspera e dura. empunhando Bambeava nas considerar, deixou o seu refugio. pernas frouxas como se lh'as houvessem desligado dum longo e apertado arrocho. Oscillando, cho, mas agarrou-se ao esteio do ran- sentiu-o tão quente que o deixou. Nos olhos atormentava-o uma sensação de areia, batia as pálpebras e, com isso, mais BANZO 126 80 Ibe irritava o prurito. Passou pelo cadáver um cheiro morno, pútri- do pai que exhalava Sahiu ao do, nauseante. terreiro. o corpo da onça estirado de flanco. enorme Ihe como de e Mais se lhe accendeu o tou a cabeça de golpe cesse por um Pareceu- chammejando. fogo, calor, arfava. como e, Levan- a lua appare- vão da ramagem, alva e redon- com encarou-a reluzindo, da, Lá estava ódio. Era a sua luz que o queimava e incendiava a flo- resta, Refugiou-se no escuro d'um moutal, mas o calor seguiu-o, era elle que ardia e as folhas comburiam, as hervas eram cáusticos, os cipós deixavam uma sensação urticanie, subiam flammas tremulas da caldava como se viesse terra, o ar es- dum forno. em estridor Zoavam-lhe os ouvidos tínuo, a con- boca secca encoscorava-se-lhc e nas têmporas eram latejos, martelladas que o atordoavam. Um relâmpago deslumbrou-o, guiu-se-lhe, outro, outro em outro se- surdas e crebras explosões. , M-jásís', BANZO 127 De novo o eslrondo cresceu temeroso como se viesse da' brenha. Jão estava encarado com a selva lembrando-se de uma numa volta róe da narrativa em andava em que ouvira historia mente, do casa — Jãosinho instantanea- e, encarnou o he- delirio, da espada, que aventuras atravez da floresta en- cantada, combatendo dragões de escamas de ferro hálito e de fogo, vencendo gigantes, talhando arvores colossaes, fendendo roche- dos com a sua espada infrangivel que cem homens não conseguiam levantar do chão. -E Joãosinho da espada era elle. Cresceu a medir-se com o mysterio, affronlar-se pelo delirio. fogo. O com a os poderes da selva, levado Parou, levantou o e fez rifle arvoredo atroou soturno, mas o seu corpo enfraquecido não resistiu ao recuo da arma — tombou agonia, levou as em mãos desesperadamente, a terra e, em súbita á cabeça apertando -a gemer, como se lh''a atravessassem com pregos e a fossem abrindo, lascando e triturando-lhe os miolos. Atirou-se na relva aos ais ! rolando, re- : BANZO 128 bolcando-se na frescura das folhas húmidas. mas as Soergueu-se, forças faltaram-lhe e recahiu mais agoniado, rangendo os dentes, recravando as unhas na terra, a arrancar pu- nhados de hervas. Um um peso arriou-se-lhe no peito como se tronco houvesse abatido sobre gando-o e a cabeça, loroso, como que Mas dôr a esmado- se lhe despegava do corpo. amortecendo, foi elle num atordoamento abrandando e cessou. A pelle crispava-se-lhe tremuras e todo ardia esbraseado. elle Abriu os olhos mente, a e calada e — um em tudo fulgurou em em torno, clarão queimou-os mas, noite ennegreceu, um frio instantanea- fez-se profunda de neve roçou-lhe o corpo rispido arrepio. Estremeceu, um rouquejo escapou-se-lhe da boca. O e, ao lento mover dos ramos, pelos raros das fo- lhas, escorriam faixas de luz ao longo dos luar reluzia na folhagem espessa BANZO i2g abriam-se livores no solo escuro. troncos, De tou, repente, sibilantemente em sonho, talvez, e tenebrosa uma foi uma cigarra canem toda a brenha alacridade juvenil de aurora. : f^f^.^: = .^^^\?f-:^i'-y^^'--f^-.'yn^pp . f ••• ESCRÚPULO \.i.,,?:.-.. ' ^lK^SL7^':::-'7lèà ^L : RLCANÇAXDO O alto da ladeira, Florindo resfolegou de rosto ao mar, vaslo e lampejando, liso, lá em baixo, íumo, ás ultimas fulgurações do O sem vela ou sol. céu empallidecia exangue e a linha da costa, desde a ponta de Santo António até as barrancas alcantiladas de Porto Seguro, em recorte que se esbatia do verde escuro ao violete, ia esmaecendo sob a pulverisação íinissima da névoa. Na sas, praia, abria-se onde o Aracacahy, d'aguas ra- em derramada barra, definindo para o mar, os coqueiros pareciam de bronze — uns ^$e\ã*^Í.'r-r^:-L\''''!^''\y^^':':-^^-\':ír'-'-' com erectos, -- - -'.," .' ' „ '-'.-^ as palmas - ' -';' em .-.."", . .-ít- plumas, ': . / ; _. . . -i ' - .->• -^l ^-i^:."-i.•s„*»i:»«S^ . ..í^' vi"r«-i ;' BANZO 134 outros por como desgrenhados descabidos, elles se um houvesse passado a fúria de cyclone. As ondas rolavam na praia aos rebolos, alastrando o areal de espumas frouxas e o soído pontos, com das cigarras crescia appello, sahindo de estridente desesperado á Bandos de no de frente ou a em de um em ora filas, linha estirada ou em rosário uma sentença. descrevendo figuras jandaias, ar, ondular ao vento, neira os medida que o crepúsculo baixava a serenidade inflexivel de estranhas num lodos preces pela allura, voavam como uma circulo, fosse (jiie avançando á fita ma- esparzindo em rumo ao mar; logo, porém, em, graciosa evolução, retroce- diam, sempre a chalrar, e perdiam-se nos longes da terra. A caieira, megava; mar num canto da praia, ainda fu- a dentro, a baixinha da Coroa Vermelha ensanguentava as aguas, como lapiz de coral e em um terra a cruz dos Capuxi- nhos abria os largos braços, sohtaria e sem Deus. -L,.iV,^. BANZO 135 Florindo sentou-se á beira do matlo, todo emmaranhado na hervagem densa do melão de S. Caetano, e ali ficou a olhar distrahida- mente as pombas que ainda mariscavam, a ouvir um insistente, a derrubar aderno monótono ali resôo, alguém por perto, áquelle resto de sol macio. A tarde esfriava; estreitas limpidamente surgiam no céu com um brilho puro, diaman- que a sombra a mais e mais avivava. tino, O caboclo tomou o isqueiro, e esteve um momento feriu a olhar a lume mecha in- cendiada; por fim, tirando o cigarro de traz da orelha, accendeu-o com as e, esticando as pernas, mãos espalmadas nos joelhos, quedou pensando, a soprar de leve frouxas baforadas. Subia gente do ribeiro da Fonte, mulhecrianças, rolando barrilotes res, ou trazendo á cabeça latas e vasilhas de barro. Saudavam-no, elle correspondia mungo, desleixado, e deixava-se em res- estar inerte, banzando. Mas unia voz lesto fel-o e ficou á escuta. mover-se. A Ergueu-se voz era meiga e BANZO 136 afinada, esparzindo nos ares doces uma quei- xa de amor. Florindo sorriu e o seu rosto largo, côr Avançou de cobre, transfigurou-se. soprando longe a ponta de cigarro resoluto e, metten- do-se por entre uns cajueiros que beiravam a cobertos da folhagem espessa da jarri- trilha, nha, ali A ficou á espreita. voz aproximava-se sempre meiga; por fim a dona alto da la- Era uma moreninha côr de jambo, deira. linda assomou vagarosa ao ! O corpo fino, esbelto, ondulava voluptuosamente ao passo demorado; o rosto redondo, de linhas ainda to num infantis, vinha aber- sorriso de enlevo e os olhos brandos, amortecidos e negros, como os cabellos, cer- ravam-se como Descalça, em com se-lhe as pernas, nudas, bem feitas preguiça. o vestido sungado, viam- até quasi aos joelhos, e, como car- o casaco se lhe houvesse molhado apegando-se-lhe á carne, o colló desenhava-se-lhe, como em nudez — os pequeninos peitos rijos apontados, appare- cendo sob a transparência da chilinha húmida. BANZO 137 Devagarinho, o braço em no entretida com canto, curva airosa para manter a bilha, caminhava. Florindo sorria espiando-a pelas abertas da trepadeira enlaçada nos ramos. Viu-a passar e lesto, subtil pé ante salto, como seu esconderijo pé, o lançando-lhe as da cabeça. assustada a sussuarana, deixou, A e ia mãos e, rápido, num á bilha, tirou-lha moreninha soltou um grito correr quando o caboclo, to- mando-lhe o braço, fel-a voltar-se. Dando com elle a rir, fez um momo, estalou um muchocho e, endireitando o busto, fitou nelle os olhos apertadinhos, reprehensivo a — Eu Florindo logo um vi ! em Ocê não tem modo não, ? — Bonita ! exclamou o caboclo messo agachado do corpo — Ah! — Qu'é foi ? gesto gracioso e tempo. qu'ocê num arre- Fala! que ágil. prometteu ? Ella baixou o rosto e poz-se a torcer a ponta do casaco encharcado. E murmurou: — Oia só isto... Oia como estou d'agua... BANZO 138 — Escuta. — Que é — Uma — ? coisa... Diz... '- a — Aqui, si ras Tomou-lhe o braço, tirou-a afastando as hervas ás braçadas, en- e, com trou não. no mattagal espesso. As cigar- ella iam calando o chirrio, terra e os bemtevis nos nuavam mas os grillos na ramos ainda conti- o cântico vesperal. Ouvia-se a voz merencorea e soturna das ondas na praia. O cheiro das hervas e da coirama em- balsamava o No ar. matto cerrado e Florindo levava a cinta, beijava-a, e fresca já a noite era escura, moreninha abraçada pela sentindo-lhe a pelle que lhe deixava nos lábios húmida um sabor sylvestre e daquelle corpo flexível despren- dia-seum fluido capitoso de mocidade que o estonteava. Caminhavam pisando ramos quebrando galhos seccos. Si- iam por aquelles meandros, ella verdes, lenciosos lá as folhas, apartando BANZO 139 voltava-se ás vezes um tronco, muchocho, apegava-se resistindo. remordendo os um, e den- ella amol- brincando com as ou repuxando raminhos tenros. Súbito, A a a resmungava lábios, languida, deixava-se levar, lecida, flores Elle um abrindo-lhe os dedos, gosa, dando com os olhos e, um estalava delle, . morena porém, uma badalada vibrou. estacou, cabeça a atienta. Outra badalada, outra em e, fito, seguida, sonora- mente, repiques alegres. O coração da morena bateu forte. D'im- peto refugiu ao caboclo escapando-se-lhe do braço e, frente a frente, vissem no escuro, busto a prumo, fez a cabeça e, posto (|ue mal se encararam-se e um ella, de aceno negativo com ajuntando o gesto á palavra, ar- quejou: — Não! E deu — Que é que tem, — Não, Florindo. volta. nha madrinha. tola Ocê não — Antonce — Tá chamando ? Nossa Senhora tá é mi- uvindo o sino? ? p'r'ó Mez de Maria. E' :,<>>(!«•: -í BANZO 140 a festa bom de minha madrinha. Não Deus me livre. pensa nisso. Nem ! E, é sem vollar-se, quasi a correr, saltando os mattos, a repuxar a saia que se prendia nos sempre fugia, joás, a ouvir os repiques do sino, cada vez mais vivos, chamando a gente daquelles cobes para o Florindo, animo de Mez de Maria. também supersticioso, não teve mas quando chegaram aos resistir; cajueiros elle agarrou-a, tirou-a de novo a em com o e, voz cálida, si que tremia, concordando seu escrúpulo, pediu-lhe: — Oia, da reza ocê tem razão... mas... e depois Depois da reza ocê vem ? — Não, casa... Pois Florindo. não é mió A gente ? tem de se ? — S. João ainda vem tão longe ! suspirou o caboclo escarapellando a grenha. — Quá E longe! Farta menos mez. ocê quê sabe, Florindo? não ó a primeira vez que minha madrinha feita, ocê não se alembra dobre de sino a dum Nosso ? c elle me ? sárva. Daquella quem podia espera não começou a toca Pai...? !dí;':/V-..^i--vVi^fc:;«^. BANZO 141 — P'r'o veio Trahira... — Antonce Não, Florindo, ? minha ma- drinha não qué. — Isso — Luxo é luxo... E ! nh'alma móde ocê qué que eu perca mi- tolice, ! E Recolheram não, Iam sahindo persignou-se. quando pertinho uma luziu precipitados dum duas velhas seguidas Tudo Isso não. Na hora sagrada tem seu tempo. não home? isso á estrada lanterna tremula. viram e passar cão. — E' nhá mais a rezadeira. — E o caboclo sussurrou ao ouvido da morena: — Escuta... e depois da reza? Rita, E'. Hoje a noite é de lua. — Não... não... minha madrinha não qué. — Ah! o caboclo. Ocê também é fez muito aborrecida. um resposta, desse bilha, elle avançou como E, e, tregou a boca le um e, sem passo para apanhar a segurando-a pelos hom- bros, insoffrido, pediu — Tá bom, a mt)rena, em voz plangente: beijo só. Ella cedeu, en- longamente, ficaram naquel- êxtase até que a moreninha, num safanão, BANZO 142 repelliu-0 sorvendo nhou a bilha Ião um longo hausto e apa- estabanadamente que toda a agua extravasou. O num parado, caboclo, abatimento tórpido, chamou-a: — Geninha deitou a correr e de na primeira alvura do luar que longe, emborcando — Tá inteira vendo com abria, a bilha, disse: seu diabo jou, Ella ! ? ? sede. Tá vendo o quocê arran- Fazê a gente passa a noite Coisa ruim ! E deitou a correr por entre as sebes cheirosas, como uma O rindo louca. sino repicava alegre e hirto, da estrada, tremendo como de no meio o frio, boclo ficou ao luar, plantado, immovel um ca- como tronco. ^hié'*Ír'-,„ ATTRflCÇnO DA TERRA iÉiiililM^ .jí=ítík^S.>.^3£^t<CÍ-:^%K / Ho tis, ilhcii lábido, eriçado em áspero, dum árido, amigado em pomas amarello e alcan- cristas foraminosas, poído em fm'nas e socavas por onde arremettiam d'impeto, aos estouros, grossos golfões de mar. a prumo, tesa. mastreando um pincaro, tava escalavrada a torre do pliarol. avul- Como uma ostra apegava-se-lhe ao sopé a casa do pharoleiro. Em. torno e acima do escolho revoavam gaivotas. Aqui, ali, em pontos salteados, eruptos agaves ouriçavam espathas; hervas bravias, hispidas irrompiam dos lanhos. BANZO 146 Crustáceos fervilhavam nas orilhas do pealgas côr de limo que boiavam iiedío entre como enormes arachnideos. esguedelhadas O oceano, infinito e serto aflorado de túmido, rutilava de- espumas e os barcos, que surgiam nas extremas do horizonte, pareciam em vôo baixar do céu doce sereno, singrando em no alor das névoas que fluiam ao deslise. sopro do vento brando. Nos illieu dias límpidos, sob o azul fúlgido, o sobrenadava de ouro no faiscante brilho das aguas, com uma em esvoaçavam férvida; aves orla de re- espuma bandos, inves- tiam d'alto á vaga, remontavam batendo ás azas largas ou ficavam em repouso no ba- louço da onda preando o peixe que esfusiava rápido. Com os aguaceiros do inverno, no furor dos ventos, sob as vergastas das chuvas, o ilhéu retranzia-se. Os vagalhões assaltavam-no, subiam-lhe pelas encostas ás grimpas rebentando estron- dosamente em cachões despuma, despeja- vam-se catadupejantes pelas rampas alagando os desvãos, chegando em frouxos lençóes á BANZO 147 casa e, por toda narle, o mar eslrondava, o vento zunia, sentia-se a em chuva rufiava em bátegas e além do adensado ne- torno, voeiro que isolava o escolho, a madría tro- nando, rebòos de trovões, uivos do vento de longe a em borrasca, e, uma gaivota, rompendo pousava num ermo e ficava a longe, tremer, arrufada, oscillando ao vendaval. Habitavam e a filha e um o ilhéu o pharoleiro, a mulher ajudante, Bruno, antigo patrão de barco. Os dois homens, unidos pela soledade, davam-se como irmãos nos, de — poucas nas ora falas, ribas e, ainda que tacitur- passavam os dias juntos concertando redes, afu- roando o peixe nas madrigueiras, se não jo- gando sentados num escalão da rocha, quando não se mettiam lá em cima, no lanter- nim, bmpando, lubrificando o apparelho, re- parando estragos do vento no tempo das aguas. A pelle mulher, cabocla franzina e secca, de tanada como a dos homens, mourejava , '.í^JsrifWíT BANZO 148 da manhansinha á noite nella com fervia, e, emcfuanto a pa- appetitoso cheiro de gui- sados praieiros: peixe e mariscos, de longe um em longe na tina que, pouco de carne secca — curvada homem ora um, ora outro en- com agua do algibe, lavava cantando modas da sua villa sertaneja, tão verde entre chia cheirosas e fresca balsas, numa ranchos, com córregos, e intimidade laranjaes louras de canna e milho. murmurante de de palhoças feliz em flor e roças Acompanhava-lhe a voz guaiada o marulho monótono das ondas em A (juebrança. alegria do degredo era a pequena Sara. Nascida o parcel. ali, ali criada, o seu mundo era Percorrendo-o de extremo a extre- mo, descalça, cabello ao vento, indifferente ao Ímpeto das ondas, sempre molhada da cuspinhagem da ressaca, conhecia-lhe todos os desvios, desde as pontas mais Íngremes até a grota onde o mar gorgolejava expluindo ás detonações e os labyrinthos e canaes pro- fundos onde, gubre, sob uma névoa cerúlea e lu- luziam balseiros dagua fuzilando em BANZO 149 lampejos argentinos ao espadanar fugitivo dos peixes. Passava horas alapardada nessas cryptas soturnas escarrancliada aspas da rocha, ás em arestas, agarrada grilando para ouvir o resôo do echo que se prolongava e retum- em hava rolos de sojn pelas anfracturas da lapa. Conhecia os pendores, as escarpas lanha- em das preferidas dos lagartos, escaleiras, ás vezes tão cheias delles que, com ciam o á distancia, remexer dos bichos, as rochas paremover-se, arfar, sacudir o dorso ao sol. A mãi prendia-a á casa dando-lhe servi- ços para tel-a sempre junto a si, receiosa d'algum desastre naquelles passos perigosos, e, ao explodir resoante de vaga mais estron- dosa, se a não via a procural-a, perto, lançava-se afflicta chamando-a aos gritos, corren- do pelo espinhaço do penedío, resvalando aos abysmos, debruçando-se das com ella onde ari-ibas até dar estivesse. Encontrava-a, umas vezes defendendo BANZO 150 heroicamente o ninho das gaivotas: de pé num anfracto, tras, as gordas ratazanas que chiavam fugin- apedrejando, a cascas de os- do de roldão, lambusadas no glúten dos ovos Ou destruídos. numa então chan, remanso Hmpido de mar, tão ante raso, um Uso e transparente que se lhe via o fundo amarellento, que se atropellavam cevar peixes a engalfinhados, arremettendo ao lambisco. O mar — pelo se não tinha segredos para a pequena bolhar ou crispar da superfície sabia eram levas de garoupas ou cardumes de sardinhas que passavam; roteava por pluir de espumas a um ex- marcha dos tubarões, distinguia ao longe as a^uas-vivas. Mas nclle o seu prazer — era lando ao — e iam-se-lhe os olhos seguir as cabriolas dos botos ro- lai'go Se avistava eminaraiihado em rebolcos IímiIos. uma vela 011 vulto (\e paqueje em cabos, atufado em fumo, recordando as cm scisnia conversas que ouvia em casa sobre a a mysteriosa singrando nu rica, lisni-a toira, hisirosa, caliia terra cheia de cidades farias, grande ondulada e em BANZO • 151 montes encrespados de fios selvas, de riachos, estendida reluzindo em campos em vastos como o mar, coalhados de rebanhos tenros, com pastorinhos mimosos e bem vestidos como os dos chromos. e verdes Sempre, porém, turbando a doce ção das bellezas da terra idealisa- pensava na fértil, Não a comprehendia senão como um esqueleto armado de foice, rompendo das nuvens, direita aos homens, como as gaivo- morte. tas quando colhem o vôo E sobre o peixe arisco. arrepiada, relanceando e abatem na vaga tremia, em encolhia-se torno os olhos cheios de medo. Mas a serenidade do céu e do oceano tranquilisavam-na e reentrava no doce sonho. Então pensava ções, cuja parede, em Deus, no Deus das ora- imagem num quadro soffredora lá estava, á cercado de sempre-vivas; Deus, o creador de tudo, o Pai dos homens que navegam e das dos peixes e estreitas que brilham, das gaivotas, do sol e da lua, senhor do céu e do mar; Deus, que lá estava, entre luzes eternas, na igreja sonora, á sua BANZO 152 espera para baptisal-a, a abençoal-a, mão direita. Então desejava a terra si sob a sua com tomal-a anciã, sentia Ímpetos de arrojar-sc ao mar, nadando, seguir os navios atravez do céu d 'além, e entrar ás cidades ao dados som dos por entre sinos, e jardins floridos, grandes sol- bois, fontes borbulhantes e principes vestidos de seda, com espadins de ouro como nas historias. e chapéus de plumas, A's vezes chorava frenética num grande ódio ás aguas e áffuelle céu ((uc lhe encobria a terra desejada. Bruno, quando falava lhe um estendia os braços para noite, as estreitas c dizia-lhe: «E' longamente, a enchiam e de^ ponto onde, E até ella á ficava olhando que os olhos se lhe sombras. Mas não comprehendia tomava por brincadeira o que lhe afíirmava o pai da immensidade do mundo, um «capital» luziam mais abundantes, ali !» fito, da correndo largo gesto (jue circulava o âmbito do horizonte: — Por toda a parte ha terra, praias altas, BANZO 153 com coqueiraes em palmas de areias brancas dentro cidades cheias de palácios, e lá p'ra cheias de mercados, do, pássaros, muita gente, musicas. Não, a terra lá ficava, onde luziam as num monte com carruagens rodan- azul, como dizia o mais estreitas com arvores Bruno, claras, alta. cheias de pas- sarinhos. E quando chegava provisões. e a rir, ao Sara exultava o barco das illieu Ia feliz. a correr escorregando nas lombas, saltando das cúspides até á cascalheira da orla e, em alvoroço, pulava á proa, ia pela bancada fes- como para tejando, abraçando os tripulantes sentir o cheiro que elles Iraziam da lerra e es- quadriídiando, rebuscando nos vãos do barco como a buscar alguma coisa de nava, recolhia tudo iiaes, — folhas, os liomcns demoravam no e, acenando-lhes E, jor- emquanto não os dei- quando partiam, su- bia ao lanternim do pharol minando o mar, exami- pedaços de cascas de frutas, seixos. xava com perguntas lá e ficava-se ilhéu, e, a com um panno lá de cima, do- contemplal-os, até que a vela BANZO 154 do Í3arco, pequenina, Uma com coníundia-se espumas que cotonavam as o oceano. tarde disse-lhc o pai, aíagando-lhe os cabellos salitrados: — Quando mandar fizeres dez annos, se o contrario, irás Deus não comnosco á terra me veja, baptisar-te. — Contanto que a morte não murmurou. A mãi rompeu de repellão: Ah tola Ocê pensa que a morte anda — ! ! na terra como a gente?... — Pois então — Boba — Ella não sabe, ?! ! pai. E Morte não se vè tanto lá como — Aqui, não. — Graças Deus a K ! desculpou o a cabocla, supersticiosa, eJcplicou: —A parte, coitada e está em toda a aqui. ! bemdisse o pharoleiro. a pequena, depois de considerar: — Mas annos então só quando ? — Só. —E ainda falta muito ? eu fizer dez BANZO 155 — Dois. umbral Tens oito. Sara encostou-se ao de cabeça baixa, e, num pensamento. O sol baixava ali contida íicoii enorme, d'um fulgor me- reverberando ao rez das aguas que re- tálico, lumbravam e o céu áureo, flabellares, chovia gloriosamente estriado a traços uma poeira em ampolas de ouro. Vagas rolavam pesadas coruscantes e todo o oceano reluzia picado em scintillações. O disco astral tocou a linha do horizonte com um brilho fremente e o mar, sob o occaso ardido, inflammou-se rutilando. um Foi so, num descer de pluma, o sol mergulhou. Houve um ridade ali um deslumbramento rápido. Vagaro- êxtase; ondas brincaram e a cla- foi-sc, aos poucos, apagando brilho ainda, esmaecendo te. Por em lustro oleoso. fim, uma Levantou-se um — sciíitillação a luz, o mar aipii, candenreluziu vento fresco, abrolhavam nas aguas frouxeis brancos, e, á luz meiga, aos bandos, vieram vindo as gaivotas e ba- rulhavam entrando ás furnas ou reuiiindo-se r" . :-'^m BANZO 156 num ficavam immoveis, ainda gozando alto, o anoitecer. Fez-se escuro silencio. num Súbito, jacto explosivo, o clarão do pharol tremeiuziu, largo e extenso, nas aguas. Bruno na estava lá vigilia do primeiro quarto. A familia recolheu á A casa. candeia aclarou o interior aceiado. O pharoleiro sentou-se accendeu o cachimbo A zando. cabocla domésticos ia e — guardando peças de roupa. junto e ficou-se a á mesa, fumar, ban- vinha nos arranjos a dobrando louça, Sara metteu-se a um canto encolhida, o rosto na mão, a olhar a folhinha em chromo bucólico, onde um moinho velejava alto, num colle, de parede, sobre um pregada fundo risonho de céus azues e cam- pos louros. «Estavam pequena. Tantos va e, um a ! Era ali os dias, pensava a d'ali que a mãi os tira- um, de manhãsinha, ainda escuro mal os despegava, logo o aguas. E menos !...» se ella sol furtasse alguns rompia das ! um, pelo BANZO 157 Relanceou o olhar lavam dislrahidos. de leve, foi appareceu em e, nou em — os volta pais es- Levantoii->e devagariniio destacando a folha, outra logo baixo. Instinctivamente incli- a cabeça lançando os olhos para a porta, a ver se havia claridade de sol Sorriu persistia. e, — a escuridão arrancando a d'impeto, amarfanhou-a, metteu-a no seio folha, e, dis- farçadamente, pé ante pé, caminhou direito sahiu cosendo-se curvada, á porta, a parede, amiudou e, com os passos, lançou-se, por fim, a correr. Enveredou por entre as penhas, trepou escarpa caleada a luar do ferviam mar prateado onde em brilhos. lançou-o ás aguas. revolveu-o, ar, por lombadas e chegou á que pareciam de gesso, arestas beira e, espumas as Tirou o papel do O levou-o á seio. vento apanhou-o no . Sara não o viu cahir. Olhava, em longe, lenta mas grila: a voz da cabocla veiu de «Sara!» Voltou-se. preguiçava na rampa, os pés em húmida caricia. A onda envolveu do-lhe «Sara !» Lindo, BANZO 158 E O luar palhetava as aguas. como longe ia Quem se deria d'uma S. bom cima, na bom! que pai... pertinho das estrellas... Po- perto, de a fosse Ali sim, ir em seria o pharoleiro lá Ah! lua? a luz do pharol, ! Thiago, correr na estrada outra, a brincar por ali fora. Que ! Um lume riscou os apagou-se no ares, mar; outro passou; além eram muitos voando. «Deus te guie!» balbuciou a pequena. E, longe, a voz afflicta: «Sara!» Fez-se de volta sem pressa, céu, com a saiita espadanando -ao d'ollios no vento e res- valava ao longo d'uma fraga, apoiando-se ás anfractuosidades, quando sentiu-se agarrada, sacudida aos safanões pela mãi, que rugia por entre dentes cerrados: — Onde é que ocê não toma emenda te quero lá fora, Empurrou-a. e, A ? Eu foi, já de noite diabinho ? Ocê não disse que não ? Já p'.ra pequena tropeçou na dentro ! soleira desamparada, rolou de borco aos pés do pharoleiro, chorando. O homem levantou-se BANZO 159 de golpe, estendendo o braço a defender a filha: — Deixa ella, cida, explodia que tirara mem A Alaria! ameaças, mostrando o tamanco do pé. Deixa ella levantando a criança. acolheu-a, cabocla, enfure- ! insistiu o ho- E, sentando-se, ahsando-lhe os cabellos húmidos, afagando-lhe o peito ripado sob fria. «Olha só como ocê tá camisa a molhada ! Tua mãi tem razão. Vai mudar essa roupa.» Mas a pequena agarrou-se-lhe mais ao pescoço, com medo. O mar á noite é perigoso, minha filha. Tua mãi tem razão. Ocê não vê a gente aqui com o pharol acceso ? p'ra quê ? p'ra que os navegantes vejam do mar. A Qu'é qu'ocê foi fazer lá os em perigos baixo ? pequena sussurrou: — Fui botar o dia — Hein Como é ? ? Que fora. Botar o dia fora ?! dia ? — O dia d'ah, — P'ra quê ? Elle insistiu: inintelligiveis. — Como é da folhinha. Ella tartamudeou palavras ? BANZO i6o — d'eu tempo passar mais depressa mo- P'r'o ir lá em lerra. O pharoleiro não conteve o riso. — Boba ! A cabocla resmungava á beira do fogo escaldando, aos sacolejos d'agua, o homem, muito meigo, mas sacco de café: e o dando á voz expressão — Isso não se faz, A não acabou. toma tira o dia ainda papel da fo- Ninguém o sol novo. é peccado; Nosso castiga. A' ideia de vibrou com O filha. do tempo, a dianteira Senhor minha gente só lhinha de manhan, aconselhou: terrifica, num castigo de Deus estremeção violento boquiaberta, abraçou-se um num com c, esgazeada, o pai afundando o rosto no pensando com arrependimento: a folha pequena grande medo supersticioso, peito robuslo a que se achegara. apanhar a E chorava, ((Se pudesse que lançara ás aguas, com o dia ainda vivo... Se pudesse!...» Recusou a ceia de café e bolacha e, dei- tando-se, não pôde conciliar o somno, tortu- rada pelo remorso daquelle peccado. As ondas fragoravam no silencio e o es- . BANZO i6i trondo escachoante aterrava-a e commovia-a como gemer do se fosse o agoniado dia a de- bater-se no mar. Os A pais recolheram-se. lamparina ficou num sobre a mesa vasquejando tremer de sombras. Revolvendo-se na cama, insomne, em coração com o estúos, o ouvido attento, escutava estarrecidamente os rumores nocturnos. O crebro bater da porta ás lufadas do vento fazia-a tremer ! . . Cobriu a cabeça e, com encolhida, os joelhos no queixo, immovel, poz-se a rezar. Por num vezes, uivo de tortura, o vento en- chia a noite de angustia. Mas andaram na sala; o pharoleiro pigarreou, tossiu. um uma tinir de louça. Abriu-se Houve luz mais clara. Então, repelUndo a coberta, Sara sen- tou-se e, o pai. em voz surda, estrangulada, chamou O pharoleiro acudiu, agasalhado em grosso casacão, um gorro de lan enterrado até ás orelhas. — Uai — Que 11 ! ocê tá acordada. horas são ? BANZO l€2 — E' quasi meia-noite. — Ainda não é amanhan? — Ainda não. — Está custando tanto E !... nhecer mais, — Como nhando se pai ? não amanhecer ? Ocê não disse que eu botei — Ora ! fora, ? Por causa do dia ainda vivo?... Accendeu o cachimbo. de medo. Fel-a deitar-se, Nosso Senhor perdoa por não faças mais, ouviste E, te tá so- ? — Papai deixa meu não ama- se tomando a para revezar-se ? cobri u-a. Mas vez. Dorme. lanterna, com esla Dorme, foi-se o Bruno, lá vagarosa- em cima. Sara, dantes irrequieta e afoita, desteme- rosa nas abaladas pelo ilhéu, ás ribas e penhascaes, algares e cafurnas, retrahiu-se em Mal sabia ao re- temor desde essa monte fronteiro á casa de onde olhava o azul ao sol mosos, noite. ou dum mar verde sujo nos dias bru- quando as gaivotas revoavam mais assanhadas, ás voltas nos ares fuscos ou ras- BANZO 163 Ali ficava contemplativa, tejando a espuma. abstrahida em scismas de Emmagrecia uma tristeza. a olhos vistos, sacudida por tosse rouca que lhe recavava o peito. numa A's vezes deitava-se com a cabeça a uma sensação de em repentinas, com medo de que e, enlapava-se descia as furnas, vissem, como todo o corpo, Chorava sem causa, em se estivesse ao sol. crises a boca secca e acre, doer, calor molleza flácida, e, a na solidão sombria, as lagrimas corriam-lhe dos olhos em silencio. Dezembro estava te. O mar tinto, dum resplandecia broslado de espuma. nuvem — todo fimbria, com o sol ceu, sem uma em disco enorme e corus- Madrugadas e crepús- eram maravilhas de serenidade e Na roleiro, côr. tarde de 31, ao fim do jantar, o pha- que olhava os longes, falou da demo- ra do barco das provisões. preoccupada com o se O azul forte, re- translúcido de fimbria á elle refulgurava. cante, culos a findar, radioso e quen- importam elles facto, com E a cabocla, já resmungou: «Bem a gente. Estão en^ BANZO 164 têm terra, Mez de tudo... mais que se arranjem». No palavra, fumando. Bruno não silencio a Os ora! festas, disse pequena fa- lou timidamente: —E a folhinha que está no fim... Já não tem para amanhan. — ca... disse o pharoleiro E', O anno está acabado, —E o outro ? com indifferen- i^racas a Deus! perguntou Sara de olhos muito abertos. — O outro? O outro ha-de — Se chegarem, ajuntou vir... elles melancolia presaga. A' noite, ella com antes de dei- tar-se, ainda ouviu a mãi alludir ás festas do Xatal em terra, recordar os bailados pas- toris, a visitação dos presepes, os ranchos de Reis, toda a suave poesia do mez santo. ali, ali mudo. o mar, o Lá para taram-na porta. —o mar E deserto, infinito, e o céu as tantas estridores desper- quarto rugia aos esbarros da Pelas frinchas e abertas entravam vores do relâmpagos e a casa aquecia li- em um abafamento asphyxiante. Sentou-se na cama. Houve um estrépito BANZO 165 de raio e logo, com furioso estardalhaço, em um chuva haJeu nas telhas a estrondar de pedradas. A cabocla saltou da reu descalça á mesa foi collocal-a e, cama tomando a lamparina, na commoda, gem do Senhor espavorida, cor- diante da ima- dos Passos. Outro estrépito estalou luziu ao clarão pallido. e toda a casa re- Golpes de vento aba- lavam as vidraças, pannos lufavam nas cordas agitando sombras trágicas e as vagas estrugiam investindo ao ilhéu, o embate violento e, em ouvia-se-lhes seguida, no desman- char das aguas, o ruido fervente das espumas que se esparramavam alagadoramente. vões detonavam, ribombavam rolando Tro- em re- percussão profunda. Os dois homens lá estavam em lanternim da torre, illuminando o cima, no mar áspero. E a chuva cabia torrencial, ás rajadas, com a fúria de trombas d 'agua que rebentassem sobre a casa. Sara, encolhida, rezava, não por pelos que vinham da terra, pelos si, mas que deviam BANZO i66 no largo barco das pro- vir sobre as vagas, visões, trazendo os dias não viessem, E seria mundo do ! mar sem «Nosso sol ? Nosso Senhor nos salve !» cabocla vestiu-se eslabanadamente, em- biocou-se no châle, alguma um Tremia, batia ? borrasca furiosa, o houvessem naufragado? se Senhor nos salve A o sol viria e, lá fora, á esbravejava. Que não chegassem a se como folhinha, os dentes E se lempo com a do anno novo. coisa, foi ao armário caminhou e, tomando direita á porta Teve bater sonoro de tamancos. com um mo- mento de hesitação medrosa, mas, resmungando, persignou-se loquele, e, decidida, passou atravez de uma deu volta ao lufada e, met- tendo a mão-4)ela abertura por onde o vento esfusiava, fechou a porta. Sara na tiritava, cama Tentou retranzida, em retorcendo para levantar-se pharol, ficar lá Sentou-se batia os dentes. as seguir a mas tremia tão escura talvez, tanto e a noite estava ' !... mãi ao cima, no meio da gente, olhando o mar alumiado, descobrindo, o barco, mãos. BANZO 167 Um trovão explo- diu violento, estatelando-a no meio do quar- Desceu devagannho. «Minha to. Nossa Senhora Correu !» ao canto onde se achava a folhinha, olhou-a de com medo; longe, apalpou-a, adiantou-se, quiz levantar a folha do ultimo dia que esta- va ao papelão. collada mas não evitou rasgar cautelosa, Insistiu um pedaço da margem, conseguiu destacal-a e o fundo 'levantou-a, appareceu, branco e vasio. Era o fim. E o sangue bateu-lhe no coração oppresso, contrangeu-se-lhe a garganta de estrangulamento. a porta, com fugir... Quiz em um arroxo gritar, correr para Foi de encontro á cama, a cabeça a zoar, os olhos em fogo, flam- mejando ascuas. O quarto alumiou-se fulgor. mais Um forte, estampido como em um fremiu, outro logo se o ceu houvesse rebentado. Dirigiu-se á porta, quando tranho repercutiu lá fora. em instantâneo um ruido es- Clareou de novo, Deviam ser, Os relâmpagos abriam-se seguidos como luz tremula que o vento tão luz fúnebre. com o sol. Seriam elles ? agi- BANZO i68 lasse como fazia á Era o parina. tempestuosas, chamma escassa da lam- que vinha pelas aguas sol subindo, descendo nas vagas roleiras. Envolveu-se no cobertor, correu á porta, deu volta ao loquete. do-se com A parede. A na O batente, escancaran- o Ímpeto da ventania, lamparina apagou-se. chuva grossa escachoava, sala. levou-a á A pequena ficou em diante bátegas, da treva recebendo no corpo as ríspidas cordas d'agua e novo clarão, afuzilando o negrume, offus- cou-a. De como Ímpeto, se a ímpellíssem, lan- çou-se de ilhéu afora, atravez da tormenta. Ao deflagrar dos relâmpagos o massiço emergia trágico, reluzindo, como immensa toda envolta' uma vaga em espuma. Sara não sentia a chuva — ia em frente, direita á riba de onde lançara o dia ao mar. Escorregava em e, cristas, resvaladios, mettia os pés encharcada, po, corria. em com tropeçava em cascabulhagem a roupa apegada ao cor- » BANZO i6g O oceano estrondava vidos viam-se-lhes aguas as clarões, quando, e reluziam aos lí- negras, alámbores de escarcéus, altos, soberbos vagalhões emplumados de espuma e longe, no brilho sinistro, marouço enca- o pellava-se conflagrado, arremettendo ao ilhéu precipitoso, desordenado, sotopondo-se uns a outros, cavalgando-se e rebentavam na costa saxea tonitruosamente. Sara estacou num alto, chorando. abria-se de instante a instante catrizes e tudo flammejava em em torno, livor. E fitas Era o fim do mundo do ceu te nuvens fulvas ceu ci- e vagalhões, Trovões estalavam com estrondo de catastrophe, vam. em O de fogo serpea! «Virgem Mai ! o sol ? que seria que o trouxera ! feito delle ? E o ilhéu ? Pobre genlá andava também em pedaços no mar. Eram as espumas encapelladas que lhe pareciam crostas da ilha, boiando aos rebolões na borrasca. Não esperou mais. Na anciã desvairada de vêr lançou-se, em delirio, pelas lombadas do es- s colho. BANZO 170 Subia ás rampas, num Súbito, Lá vinba o barco grito de triumpbo. vinha, com aos vallados. descia relumbrar mais largo, teve o sol. Vira-o bem, num ! um Lá flagrante. Lá vinha Eram os homens que traziam o Hvro do Anno Novo, as folhas de luz, as fo! lhas de sol. Escorregou cabiu num pela entre penhas, vão, raivava engasgado. fre e, antes da escarpa, onde o mar Afundou nagua de cho- que se pudesse agarrar a alguma a vaga, aresta, encosta que subia, recuando em re- sorvo, arrastou-a. Debatendo-se na profundeza, entalada entre bordas penhascosas, escabujava, sentindo correr sobre ella o tonta, desatinada, fões d'agua, mar furioso. Ergueu-se arrevessando gol- afflicta, com os cabellos empastados no em agonia, agarrou-se á pedra rosto. Aterrada, — outra vaga arrancou-a, embrulhou-a, le- vou-a aos rebolcos e encontrões pelas bordas do rochedo, atirou-a á penha, trouxe-a de boleio e deixou-a varada numa re- chanfradura. ! BANZO 171 Ainda um gritar, mas ainda clarão, um ribombo. Ia outra vaga passou, tomou-a,. le- vou-a acima, repuxoli-a de rasto e assim, durante a noite, corpo andou naquella re- o douça d'agua, acima e abaixo, no ao vallo, rythmo dos vagalhões. Pela madrugada abonançou, o vento cahiu, o mar, ainda crespo e lúrido, arrufado de espumas, rolava grosso. riam ao vento, o rasgões de azul e brilhou um ceu um instante, íoi As nuvens cor- limpando-se em sol triste appareceu, sumiu; reappareceu, ainda o cobriram nimbus até que surgiu vre em campo azul vívido, li- resplandecente, espalhando no ar e nas aguas e pelo costão do ilhéu a claridade e o calor do novo dia. Três vultos iam e vinham por alcantis e algares bradando desesperadamente. votas celebravam do bom tempo. fundo do vallo As em voos barulhentos a O mar ia ficando azul, ia e gai- volta e no vinha na mareta o corpo da pequenina que não vira o sol novo e a terra verde além do mar, além do ceu, além •. •^3' TRAIÇAO EM Janeiro, á noite, plena estação das aguas, num lanço de terras altas á beira do Amazonas. Luar. O túmido, rio espraiado, vagaroso, coalhado de scintillações. rancas, escavadas em rolava As bar- sulcos e taliscas, pa- reciam de pedra e as arvores, cuja raimagem pendida rastejava nos remansos, fulguravam como enfolhadas de prata. Suave respiro movia as frondes altas. Por vezes a agua estalava batida de chapa pelo salto de um peixe; galhos, oscillando em lan- guidos meneios, ringiam, crepitavam ou era o trisso rispido, silvante dos esvoaçavam estonteados, morcegos que BANZO 176 Na margem opposta, entre arvores densas, mna luz lívida fitava; de longe em longe sumia como a um bater de pálpebra, para, de novo, rebrilhar immovel. Súbito extin- guiu-se. Marcos, que tocaiava, collado a avançou de rasto, um tronco, mansinho, parando a al- guns passos da vereda que levava ao rancho. <(E' agora murmurou. Apagou ! a luz é por- que vem.» Arfava em anciã de fadiga. Corriam-lhe crispações pelo corpo, eriçavam-se-lhe os cabellos, um a espaços arrepiava-se sentindo lento, como macio repasse de pluma ao longo da espinha; na garganta, áspera e secca, o hálito rascava; braços rijos, terra os olhos eram brazas. Os mãos espalmadas na corpo inclinado, mas retesos, as amparavam o como, pela attitude forçada, os joelhos se lhe fossem curvando trémulos, frouxos, firmou-os no solo ficando de quatro, agachado como uma onça á ruido, a vista um espreita. Attento, sem perder duramente fincada no leve chapinhar de rio, ouviu pá cavando as aguas BANZO 177 e logo, negrejando na esteira lucilante do destacou-se, luar, em relevo de esmalte, a uma montaria. «Era elle, sombra ligeira de Lúcio. Lá vinha o famanaz. Canáia Não ! haviam mentido no Barracão.» lhe E com rilhava os dentes raspando o chão as unhas. A montaria proejou á terra deslisando por entre as canaranas que arfavam e o homem saltou galgando lesto a barranca. o barco a uma raiz, Amarrou e iscando lume, accendeu o cigarro mettendo-se á vereda com seguran- ça de dono. Era um latagão airoso, O robustamente entroncado. cury, descabido sobre a fronte núa. Tinha bom porte, chapéu de nuca, a um de ori- deixava-lhe quê de insolência em no requebro do andar moroso, passo aber- to e arrastado. um Violeiro e cantador de fama, era rigo quando pegava o desafio, sempre aggres- sivo nas tiradas, chasqueando, pondo em salto os ridiculos dos companheiros. duma festa fmdara, com espavorido 'fM,i<:\'^:^ér:r'-J's~~i -'i..ã^;:^.iíSÀíiiíhS,'JÍí:\ií-:f pe- re- Mais tumulto, ' '~'-<-.".;'>. ..-j»fc<'''ja^i^<ig!í". BANZO 178 ás arrancadas do mulato. petulante «Eh ! e, seu mulato?» no incendidos, em que jazia Pancadas retroaram no em seguida, a voz de Lúcio: Oue faceira ? olhos da posição se tirou logo os nelle como paralysado. rancho desapparecer passar, viu-o Cravou mas não deveras e ! Marcos mal to. Homem é dormindo sem isso ? Thn cão ladrou. ((Maroto!...» Marcos cerrou os punhos, estalaram-lhe os dentes vulso, retorcendo-se e, com num furor con- constricções na voz angustiada, resmungou impropérios. Esteve lun momento como deslembrado de immovel, inerte, Por cruzando os braços, balançando a fim, tudo. cabeça emmaranhada: ((E' se verdade desgraça. ! Uma nhada na miséria, fartai-a, E é assim que um homem de muiô apa- porcaria (]ue clle limpara, acolhera, assim lhe pagava o hencncio.» piu por entre dentes, com raia !» asco: Enveredou pelo matto sem Cus- ((Eta, bi- sentir os ca- rapanans que zumbiam. Sapos coaxavam em BANZO 179 gargarejo ou tinindo metalicamente; oulros, em tom cavo, c longe, de vôo, a pareciam soluçar, a espaços, da lúa agourentava o 777ãi silencio. As hervas pareciam vivas com prendiam-no, detinham-no ter garras: as suas viges Folhas largas batiam- eriçadas de espinhos. cordas de cipós enleavam-no. Ihe no rosto, Elle seguia de vagar, pensativo, a ver a trai- ção infame. ruim !» Mas «Ah! o corpo da cafusa. cheirando a silvas, os muié... muié... rijo, bicho azeitonado, seus olhos negros, que- brados de volúpia, os cabellos crespos sempre com uma referto, flor a ornal-os, o collo bicando a camisa de crivo, redondo, tão clieia de dengues, retrahindo-se, toda encolhida, á menção de mordicando, um carinho, com os a cabeça lombada, dentinhos brancos, a polpa carnal do beiço rubro... «Ah! A muié... Bem mentira pegara e, que lhe haviam como Gurupá, com os syrios, O outro, lá dito. o julgavam em estavam, os cães. aproveitando-se da valentia, vivia BANZO i8o vida de desencaminhar raparigas. iiaquella Mas se um tanto tiavia de fazer que, dia... só não havia Deus.» indo. Ia pensando Deteve-se tão e, distrahido, em Estava frente do rancho. transluzia pelas Mas a tirando o A frestas. claridade Nio tecto uma sombra, mucúra palhiço ia e vinha certo. que, assahys, accendeu o tauary. isqueiro, petiscou e interior uns entre curiosidade picou-o e, de ainda que o coração lhe batesse aos arrancos, in- chando, subindo como se lhe fosse saltar pela boca, arriscou-se decia ao luar, ao terreiro branco como que resplan- um canto de ])raia. Chegou á porta agachando-se, e, ouviu vozes, percebeu o palavriado molle da cafusa, os seus resmungos voluptuosos e as meiguices devassas do mulato. cioso, sôfrego buscava Desvairou-se e an- frestas, ora empinan- do-se nas pontas dos pés, ora agachando-se, com o rosto de encontro ás paredes ásperas, num furor dade. em que havia estuos de sensuali- BANZO i8i Chegou nome uma envolvel-o, a e, vêr os vultos e ouviu o seu a efargalhada de zombaria. Proseguiu arrastando-se ao longo dos mu- em busca circulando o rancho, ros, de aberta por onde pudesse vêr tudo, uma toda a infâmia. De repente, num folhas, se, ! chamou-o baixinho, avançanMaroto Ouiz fugir, ! O !» o cão tomou-lhe o passo. Diabo de cachorro No mesmo se e o busto — Quem o braço, !» «Ma- murmurou. instante a janella escancarou- do mulato appareceu: lá Uai hi ? boclo no terreiro, Recuou animal acirrava- negaceando de longe. investia aos saltos, roto farfalho de recuanso, o cão, que dormia en- Elle «Maroto do: um abalou de fugida latindo desabri- rodilhado, damente. porém, com hirto, um momento mtimou: Eh Descobrira o ca- ! tremendo ao logo, 1 luar. porém, esticando camarada, se vem de recado vá dizendo que a resposta tá qui. E apontava a garrucha. O caboclo rolou como fulminado, as mãos BANZO 182 na cabeça cm num o, bradou rclransido, bolo, írcucsi covarde: — Não nliora me male, não... Por Nossa Se- ! — E' elle sussurrou a cafusa. Lúcio teve ! uma exclamação — E' anlão... rando assim aiflicto, Marco océ, — Pois de surpresa, as ? e perguntou: ? Como é que se Sentou-se tolbido, vai ati- a respirar mãos ao peito contendo o coração O cão, reconbecendo-o, ro- que o suf focava. deava-o de rastos, saltava, acenando A cauda, a rosnar ganidos. com a porta abriu-se. Lúcio sahiu ao terreiro acompanbado da ca- com uma fusa que cobrira o collo Acercaram-se do caboclo que levantaram-no e os ção, formaram um três, toallia. jazia prostrado, esquecidos da trai- grupo em torno do qual o cão rabeava trefego. — Mas Marco... Oce escapou de bôa. — Foi Nossa Senhora, sussuri*bu a caocê. fusa. —-Nossa cio vexado. Senhora... é... Houve um silen- A' voz languida, arraslada e ma- BANZO 183 da traidora cia no esi)irit() (Jo uma idéa sinistra laiiipejoii Lucio aniparava-o, caboclc». iiieiitiiRlo-Ilio: — En numa vim a({ui môdella gritaria di fazê mi ctiamou (|ui A medo. caí usa fez-se assustada confirmando as palavras do amante; — Eu sempre disse que este lugar era assombrado. Foi Deus que os meus fez nem grito, senão... mal seu Lúcio ouvi sei memo. lima creatura sósintia neste desamparo. Marcos gemia, curvando-se, a repassar mão no pela surpreza, chão. O ventre concavo. mulato, Marcos aconselhou surdamente. ? ? tro. A abatido coçava a cabeça, d'olhos no — Guarda essa arma... — Que arma Uai Ocô inda do a E, rindo, ! espalmou as Mas por pouco, heim ? com memãos. Tá lá dentá Ocê nasceu hoje. cafnsa, embaraçada, para fugir á situação, lembrou um rancho. Marcos seguiu-a com ccso uma uma e, café e logo desappareceu no um olhar ac- gemendo, encostou-se ao tronco de seringueira, accusando dores agudas perna; torcia-se, estirava os em braços, BANZO 184 rangia os dentes, offegando. O mulato per- guntou: — Que — Geilo. é ? Foi geilo que eu dei no cahir. Sacudia os braços estalando os dedos frouxos. — Espera... em terra tirou-a a e, E tomando bom a faca, perna do caboclo, es- um de Marcos fuzilaram, cou a rictus contrahiu-lhe Levou a mão apertou-a rijamente lento arremesso, joelho Nesse instante os olhos pulso. o rosto macilento. um mulato poz o á cinta, sae, num vio- que o levou sobre o mulato, embebeu-lh'a toda nas costas, com um rugido selvagem. — Desgraçado em lando O ro- violeiro terra sobre gorgolões de sangue. outro, vendo-o debater-se, volteou-o rápido, tre. arquejou o ! num salto de fera, e, rasgou-lhe o ven- Ainda o mulato soergueu-se de borco apresentando o dorso á arma que o varou uma, duas vezes cido, até que o. corpo abateu flac- estremeceu e ficou retorcido sobre a sangueira que negrejava. BANZO 185 Marcos sorria contemplando a sua victi- ma, o famanaz temido. — Tá hi disse por fim; e respirou larga- ! Então, virando o cadáver, expoz-lhe mente. o rosto desfigurado ao luar. Os olhos muito uma expressão de es- abertos e baços tinham Tá panto, a boca estava cheia de terra. hi ! Erguendo-se, então, chamou aforçurado: — Lina E Vem ! cá. pariga insistiu: Corre com porta, Olha A ! Corre Ouvindo os passos precipitados da ria. bros Vem. depressa E ra- cafusa appareceu á a camisa a escorrer-lhe dos em riste. hom- Corre. moslrou-lhe o cadáver. rapariga estacou tremer. A os peitos firmes, lisos, ! ! ! De repente, num atordoamento, a relanceando um olhar de pavor, fez menção de fugir para a banda do rio. O caboclo agarrou-a por e sentiu-a cahir um braço de joelhos, esforçando-se por juntar as mãos, chorosa, meiga, implorando d'olhos enternecidos: — Não cafusa, ! não Não, meu bem. Não mata a sua ! — Biraia! resmungou com despreso. Tá BANZO i86 hi... uni home? hisloria do Tá ocè pensava que era só affronla P]iilã() sabia de tudo e arranjei essa T.u Gurupá niodc apanha A mulher Iremia, a boca entreaberta e a vergonha. hi. d'olhos esbogalhados, mostrando dentes brancos Um balbuciava inintelligiveis rogos. car estonteante, almis- expandia-se-lhe do lascivo, corpo suado. O caboclo levantou-á de Ímpeto do a faca na liainha, ficou a amasia. Arrancou-a a passou-lhe um um si enfian- e, instante a fitar com brutalidade, braço á volta do pescoço, com o outro cingiu-ltie a cinta attrahindo-a, esma- gando-lhe o cotio de encontro ao peito ripado e, em com a boca a queimar-lhe o rosto, arrancadas: Era assim, beini ? agora... t^iu estranhamente, forcejando a mulher. Um instante ella defendeu-se, disse Pois com com medo, mas, comprehendendo a intenção do homem, deixou-se dáver, ergueu-s(\ beijava-a animal em com vencer, cahiu sobre o ca- tombou adiante frenesi, repasto. e o caboclo rosnando como um BANZO 187 E o cão, que se deitara á distancia, a ca- beça entre as patas, olhava ])ujanieiitos fito dos corpos, acenava festivamente, ganindo. e, aos esca- com a cauda SC . f casadiiíha "BnaiwoatniuiiufliiuiiuiaiuuiinajiiuiiifanHMtiitimiruuiiutrasiaBKtfníiiiMwaisiMsunwii;'^ WWSAAAAAy^^\0^^8^ Qi AMJO ta gada da i JL i Bcjijainiji (lL'.-a[)]>arc(:cu iia vol- do caminho que, áqiiella grande com entristecia tarde, rotas, Lina, leira AAA0AAAAAAA/«AAA» AA^rt^A^ AA^n^^A< o lioi-a apa- gemer das que o acompanliára até a gamele ali, sob a fronde vasta, onde já parecia noite, apertando-o nos braços, mo- Ihando-lhe o rosto de lagrimas, lembrara-Ihe, com soluços, a sua promessa de honra, dei- xou-se cahir á beira da barranca e os olhos se lhe enxugaram acompanhassem fitos na terra, como se o desfilar afanoso das formi- gas que carreavam achegas para as luras. Acima do monte o céu era um tapiz es- braseado com o rastro do sol que ficara na? BANZO 192 Um nuvens. bando de jandaias passava em direcção á montanha, descrevendo curvas on- íechando-se dulantes, halo ou seguindo com tida, adiante, o em em como um circulo linha direita, logo par- dispersar das aves, tornavam-se a ajuntar que, e compondo arabescos no espaço. levantava os olhos. de espinhos, crescia Por vezes, mais seguiam Lina não além da cerca um mugido rouco. Ci- garras cantavam vésperas e já os bacuráos, em voos molles, sabiam dos mattos passeian- do na areia branca. As cabanas ennegreciam, como enormes cubos de apparecendo cinza entre as ar- vores escuras. Soaram Lina com a as Ave Marias. arrancou um cabeça; passou a pelos olhos e, meneando suspiro, manga do casaco tomando um. graveto, poz-se a riscar a terra. De novo as lagrimas subi- ram-lhe do coração dolorido e começaram a pingar em gotteiras no pó fino da estrada, justamente na trilha das formigas. Algumas paravam, desviavam-se da amargura; houve BANZO 193 uma, porém, que não fugiu a tempo apanhada por uma baga de pranto. foi Em an- morte poz-se o insecto a debater-se, ciãs de subiu á tona veu e afflicto, mas a terra ávida sor- lagrima e a formiga, achando-se a limpou-se e fugiu esticou as pernas, secco, em como se escapasse de uma borrasca; e, topando com as companheiras, detinha-se um momento como se lhes referisse o desasligeira em que tre estivera prestes a perecer. Lina parecia entretida com a scena das formigas, ge ! mas o seu espirito estava tão lon- iam tão longe os seus pensamentos...! Benjamin... lá partira! fôra-se ra, em Aquella ho- como o Pachola, lagoa; com mais um tão fogoso cavallo já devia ir beirando a antes do pouco, ! nascer da Pouso de Santo André e, lua, estaria no de manhan, a barca da carreira o levaria á cidade, áquella cidade maldita que parecia ter encanto porque raro era o moço que de por necessidade, lá voltava; e se regressava á villa, algum, ficava macambusio, não achando prazer em nada, como IS o Romão, da olaria, que mais parecia ^ ! BANZO 194 uma alma penada do que Se jamin. não voltasse? elle via de voltar e ella gente. E ella Ai ! tinha toda a sua sorte ligada ao Ben- d"ella... — tinha ! Mas, não a mãi, tinha as que era mais que noiva, ! irmans bem elle ha- sa- bia. Era uma morena hombros cinta airosa, delgada, largos, rosto redondo, cabellos far- olhos negros e grandes, tos e corridos, de uma doçura que fazia pena, tão tristes pare- A pequenina e carnuda, tinha ciam. uma boca, riqueza nos dentes alvos e as faces, côr de jambo, eram tão coradas que as companheiras diziam pre — que ella parecia andar sem- com vergonha. O andar era um meneio em que as cadeiras jogando docemente, ços em — eram todo o corpo se compromettia balanço, eram os bra- era o collo, papo de rola, subindo e baixando com o respirar macio, como cançado. viçosos, E que voz ! Dezoito annos os mais viçosos do sertão min sabia quão doces eram os ! Benja- beijos daquella boca, como eram macios moso e languido o seu sorriso, dengosas as aquelles braços, mi- BANZO em suas palavras sempre quebradas como nascidas em Desde queixas, Amaram-se. pranto. na o primeiro encontro, festa do mez de Maria, nunca mais, houve outra mulher Lina esqueceu os seus e para Benjamin, muitos adoradores que eram, a todos os rapazes da tos moços que por até estabelecido a tocar em villa, ali dizer, não contando mui- passavam, na Barra bem um d'elles chegara d' Alva, (]ue casamento. Só depois da noite de amor jamin expoz-lhe a sua idéa de ir Ben- foi .que á cidade pro- curar emprego. A vida ali era difficil: a roca não dava e a sua gente, por mais que se matasse, mal para comer. Que eram redes e crivos ? Quem comprava cuias, por míi\< bem pinta- fazia das que fossem tinham um ? As pobres mulheres não minuto de descanço mesma miséria. E ainda uma delias fosse esperar o o comprador de não ! tudo... e e era sempre era preciso que a regatão que era por quanto la á cidade aventurar, drinho que podia empregal-o ? ! Assim tinha lá o pae, logo que se BANZO 196 collocasse, viria buscal-a, e juntos, casados, viveriam Se felizes. falado assim antes lhe houvesse elle daquella noite, por certo que não teria acon- Mas tecido o que acontecera. mal estava o feito. Verdade que Benjamin era rapaz é sério, havia de cumprir a promessa. Escurecia. Já os vagalumes iam e vinham; em as estrellas, lá minosos e a lua cima, abriam os olhos lu- começava a estender na terra a sua roupa branca. Pobre lua de quando montes tanto linho, tanta renda ! ella e nas e perf umava-a ! Des- estendia a sua cambraia nos campinas, clareava-a nos rios em flores ! Desde quando ! ? É para que o noivo saiba t[ue está prompto todo o hndo enxoval por ella dado, e o noivo sempre a Ella também mesma fugir... fiado e bor- Pobre lua linha toda a sua roupa bran- ca na arca, entre favas de cumaru. em quando ! tirava-a, est'endia-a ao De sol, vez nos ramos^ para que não ganhasse mofo, e ficava a olhar, pensando no seu noivado. BANZO 197 E Benjamin partira. — Emfim... Deus grande! suspirou a é morena entrando na palhoça. A velha fazia serão á luz da candeia e na rede o curumin cantarolava, balançandoda lua que entrava pela porta, aberta sobre o silencio e a solidão dos campos adorse á luz mecidos. Três mezes por outra, jamin, ! Todas as semanas, uma vez morena vêr lá ia a a gente de Ben- contar saudades. pedir noticias, velha e as duas mocinhas trabalhavam. eram sempre as mesmas palavras — Benjamin... cidade e nem Ficavam as se Benjamin apanhou-se na as quatro arfando, tristes: lembra da gente. moças fazendo lhados, A E em crivo, cheia silencio: a velha e Lina de olhos mode angustia. Fora, ao sol escaldante, no sujo terreiro, gaUinhas BANZO ig8 cacarejavam espalhando cheiro avinhado da Senlia-se cisco. moenda e os o besouros en- travam, corriam os cantos da casa, esbarrando, zumbindo: por fim partiam de lanço des- ;apparecendo nos ares quentes. — E onde — Eu sei tão grande ! está elle ! suspirava a velha. Aquillo é Cidade... han home num mundo sempre assim: nem ? má ! Vão se apanha é que eu não rogo, ;alembrá de nós, mió: isso si acha é não. praga Óie, Si elle se não se alembrá, seja Terra p'ra sipultura é que não feliz. um home criado, faz qui Deus o ajude. passarinho. lá Fio daquelles. farta. E, inclinando-se sobre a almofada, continua- va trabalhar. a com o c Lina ainda ficava olhando, oração apertado, as lagrimas crescen- Por fim despedia-se. do-lhe nos olhos. Prolongava, casa, em passos lentos, a volta á mettendo-se ás veredas mais desertas, a evitar a gente da villa que começava a mur- murar chasqueando da sua magreza. Falando só, parava á sombra das res, esmagando arvo- folhas entre os dedos, mirava- BANZO 199 se nos córregos a mão apalpando o pelo ventre, sentindo-o crescer. Os indícios da maternidade tornavam-se, Não dia a dia, mais evidentes. E que estava gravida. Benjamin venir passando rosto, sua vergonha irmão e, frente, ? liavia seria delia ? duvida: Como pre- dizer-lhe a sua desgraça, ? Em a casa refugia á mãi e ao se succedia encontrarem-^e frente a sempre achava meios de voltar-se para esconder a barriga. A' noite, na rede, ficava d'olhos abertos, As pensando no seu destino. cio, saltava ao chão vezes, no pé ante pé, e, ia silen- para os fundos da casa, abria a porta, sentava-se em na soleira face da noite e chorava, lamen- tando a sua desventura. Se alguém por palavras versasse seu tristes. com estado, o ali A passasse ouviria as suas infeliz falava como noivo iníírato. lembrava-lhe a se con- Dizia-lhe sua o promessa, perguntava-lhe se não tinha pena do pequeni- Que no que ia E como andaria na ella, nascer ? dos a bua deshonra ? seria d'elle, villa, sem expondo Ai! delia... pai ? a to- BANZO 200 Ao clarear d'al\a recolhia-se devagarinho, meltia-se na rede para levantar-se pouco de- pois e começar o serviço. cendo-se com em aqiielles As^^im, eiifraqiie- sem comer vigílias, sempre e pensamentos, emmagrecia... e o venlre resallava ainda mais. O ia-se rosto redondo, de pelle macia e corada, tornando anguloso, os olhos, entre culos denegridos, já não tinham a cír- ternura antiga e a graça airosa do andar perdera-se no lento tava. E e em que se nem noticia. pesado passo de Benjamin ? Outro mez passou, ainda outro. arras- Uma ma- nhan, atravessando a praça da igreja, pareceu-lhe ouvir o seu depois uma porta de um nome gargalhada. negocio, um entre risos de mofa, — era, Voltou-se^ á grupo de mulheres, entre as quaes a Ouinóta, que se perdera com um soldado e andava á gandaia, ora uin, ora com outro, com esmolambada, descalça e suja, ás vezes bêbeda, cahindo pelos mattos onde, não raro, era encontrada dormindo, descom- posta. Ouinóta chamou-a e, por entre a rincha- BANZO 201 velhada escarninlia, com palavras alludiu, torpes e gestos desabridos, á sua miséria. Lina sentiu todo o sangue subir-lhe ao Quiz correr, rosto. as pernas vergaram-se- como o coração batia Ihe, nuvem A uma a rebentar; escureceu-lhe a vista. em vagabunda, que cambaleava, indo, esbarrões, paredes, ás escancellando a ria boca desdentada; as companheiras puxaramlevaram-na, na, á força, para o interior do negocio. A morena, atordoada, com ouvidos, um becco, zoeira nos entre palho- deu volta pelos fundos da egreja ças, a enfiou por uma correr, Benjamin. offegante, em entrou As mulheres lá e. quasi de casa estavam traba- lhando. — Ainda — Nada que va nada ? Benjamin tava perdido. ! tirasse o sentido d'elle. uma penna módescrevê mais Ella Si elle não achap'r'os seu quanto p'r'os outro. — Mas Benjamin me deve um — Reparo Reparo de que ? ? reparo. 'BANZO 202 — ProineíttMi — Pois smi casar c()tni)ii<((). Promessa de casainenlo ! como jura em boca de faz como se esquece. — -Mas — Lai — De a criança — Ião bem é se não pode esquecer... elle Ocê cunfia demais em Benjamin ! Guando um homem certo. uma moca faz mal com sua obrigação é casar a ! ella. — Má Benjamin má a ocê — Olhe aqui. Então, apartando fez ! Ç(.s. ? impado. As três mulheres olharam mento, sérias: de repente, porém, mocas derreou-se sobre riso tomou a mas a irman: pé, filando os olhos para um mouma almofada, a a velha, das rir, o pondo-se de duros na morena, cresceu ella raivosa: — Tá hi ! Tá hi ! E' mod'isso que Benja- min não escreve. Eu logo gabundas que estragam os vi ! fio São essas vada gente. mod'ocê memo, sua offerecida, que embora íeja os bra- descruzando o chalé, mostrou o ventre d'aqui. assim ? Oué é Foi elle foi-se que eu tenho qu'ocô BANZO 203 — Tão vendo só...!? resmungou moças — Pois sabe !... entonces não querem vê ! ? immove], empallidecia remordendo Lina, os lábios, cando. com Fez os olhos muito seccos, um gesto, um —^Ah! E as fais- traçou o chalé e bal- buciou: «Pois sim... Deus é grande!» lha fez das amuada, accrescentou: e a outra, — Quem uma A E riu duas moças riram com ella. vai-te embora. escarninha. Lina sahiu cambaleando. Desnorteada, numa caminho estreito em olhando o céu: por fim, falando, gesticulando, lhe escorrera sem foi tempo parada, até á cerca, voltou, esteve um. se pelo ve- gesto de repulsa e nojo: decisão, metteu- passo de fuga. sentir o chalé d'um hombro e ia, que de rastos pelo chão, varrendo as folhas. Era o tempo das gavam em enxames, flores e as abelhas che- attrahidas pelo perfume. BANZO 204 Os laranjaes rescendiam, nas aguas branqueavam res pintalgavam-se, os as copas das arvo- Sabiam ninbadas d'aves lirios. pelos e, ramos, á beira do córrego, nas montas, era um ensaio continuo de cantos: pios, pipillos, gorgeios da e, desde a madrugada até o cahir não cessava a noite, modulada em alegria, vários tons a que se juntavam o secco chiar das cigarras e o rispido estrillar dos gafanhotos. Os campos, ao amanhecer, de orvalho; era uma scintillavam delicia seguir por elles fora sentindo a frescura e o aroma, vendo as pombas rufiarem rem em direcção as azas e as jassanans fugiás aguas. Foi nesse tempo risonho, ao luar de chegando á casa esbaforida, chamou e, sem ventre alto, nhando e, cravando os olhos no meneou com a cabeça, desgre- as falripas ás unhadas: — Ah ! a filha lhe dar tempo, logo que a viu, foi-lhe arrebatando o chalé diabo uma que a velha cabocla, mãi da morena, noite, ? ! praga... ! Onde ocê se metteu, seu E mescondendo, rabúda !... Enton- BANZO 205 ce ocê, em vez de cuida do qui fazê, andava por ahi buscando home?... E Benjamin, Oiasóisso... Um porcaria já p'ra como cada hora. Poz-se a esmurrar o rosto, o peito, o ventre túmido da filha. E ocê pensa que eu hei de do mundo Acha pouco o qu'ocê come ? Já E, curvando-se, fincou o braço magro mostrando a porta. Já nem um mi- cria fio ? ! ! nuto mais no que é reça aqui meu Já E não me ! ! queu sou capaz de te acaba... appa- Rua ! Falava por entre os dentes cerrados e as palavras pareciam rangidos. sonsa aqui dentro... tão Sem vergonha ! E Rua! O curumin olhava estarrecido, encantoado junto á arca com as faces em fogo, sem uma palavra, traçou e Lina, os olhos sec- cos, o chalé e foi sahindo. A estrada parecia de neve. Ao estridor metallico dos sapos respondiam os bacuraus saltando ao clarão da lua. A velha acompanhou a filha, empurrou-a, com a porta e já de dentro ainda braA morena hesitou um momento, dou: Rua logo, porém decidiu-se seguindo o mesmo bateu ! BANZO 206 caminho por onde fora com Benjamin naquela tarde melancólica do adeus. Chegando á gamelleira ramos se sob a treva dos grande metteu- e ali ficou immo- vel. Crescia o concerto nocturno: eram os grillos, eram os morcegos esvoaçando longe, de espaço a espaço, O dos caborés. e, mais o agouro triste cheiro das flores passava na viração e o luar, cada vez mais claro, esten- dendo-se largamente por toda a paizagem A morena quieta. rolando, foi-se, sahiu da sombra perdeu-se entre e, os canta- mattos floridos. Na manhan seguinte, cedo, antes da missa, Lina appareceu na mento em chalé, froíite, tre rio, aconteci- coberta de flores. posto sobre os cabellos, dobras pelos hombros como santa, um a sua chegada. Viera do lado do O e foi villa uma cahia-lhe um manto de coroa de açucenas cercava-lhe a do collo pendia as mãos, seccava, presas nas rendas, um e, ramo, outro en- por todo o corpo, sahindo dos rasgões do BANZO 207 eram vestido, de laranjeira flores, ria maio- ria. como a reco- pagode ruidoso. Gente Ajuntaram-se os da nhecessem, foi um villa e, apparecia ás janellas, chegava ás portas, os paravam tropeiros recuas e todos riam as em da rapariga que caminhava, impassivel, ao cruzeiro, junto porta, as Então — Ocê sonha beça, vai casa como e, foi uma enclavi- Um povaréu voz troçou-a: A morena ? affirmasse, uma chuva á mãos nhadas sobre o ventre enorme. seguia-a. Parou ainda fechada. direcção á igreja, voltou-se ri- sacudindo a ca- de flores. A gargalhada estrondou. — Tá — E o home fresca... ? Onde tá o marido ? O sino começou a dobrar á missa. Abriu-se a porta da rapariga. multidão avançou seguindo a a igreja, O sacristão, vendo-a sob aquelles um velho muito azedo, enfeites, e ouvindo a assuada do povo, tomou-lhe o passo: — Onde muié ? Mas que você vem ê a morena, ? Você tá louca, negaceando com a BANZO 208 corpo, passou airosa netrou na igreja. lher — E' sou, uma mu- pena: ocês não tá vendo loucura?... Lina, pósito... a turba pe- ella, então, que Foi, murmurou com — Gentes, com e, uma qu'isso é rapariga de tanto pro- Não caçoa, não. Deus castiga. memo, concordaram. E o riso todos ficaram immoveis, ces- contemplando a morena, que se postara junto ao altar-mór, como uma noiva moquem a tirou dah, despe- quieta, de olhos baixos, Foi o vigário desta. dindo o povo: — Que uma Então vocês não têm dó de é ? pobre de Christo se ria ? commentando outros em tom vigário, de que Isto é coisa O Vão-se embora. lencio, O ? povo sahiu o caso, uns com em si- pena, de mofa. depois da missa, a morena á casa, mas foi um convencer a velha a aceitar a acompanhou trabalho para filha que en- louquecera. — Então você não tem coração, Quer que sua filha ande por ahi animal sem dono ? criatura ? como um Peccou, não digo o con- BANZO 2og mas para Irario, castigo basta a infelicida- Tenha de de haver perdido a razão. miseri- córdia. —E o — Deixe seu vigário íio, vir, ? ha de criar-se com a graça de Deus. — 0Í8, mim e o ella ella fica por causa de vosmecê, por bom podia morre. Tanto casamento mão dum diabo vai cahi na porcaria como aquelle... — Deixe olhe: A lá! Deixe lá... E' sua fdha. K mais perdoou Nosso Senhor... morena estrellas ficou, mas todas as noites, com ou chuvaradas, era a mesma peni- tencia de noivado. berta de flores e, Lá ia, estrada fora, co- sob a gamelleira grande, abrigava-se até o romper do dia, quando os sanhassos começavam o canto. E ficou-lhe a alcunha de «Casadinha». Uma manhan um recoveiro deu por debaixo da arvore nupcial, flores, guma Puxou 14 morta. Quando estendida entre a apalpava sentiu al- coisa, molle, sob os vestidos o ella, corpo da finada, húmidos. arrastou-o e na BANZO 210 terra, rolou sobre as folhas e as flores murchas, uma encolhida, como criança roxa, quasi negra e toda mãos na olhos fechados, como como de faminta; os mir, gelada. frio; as boca, a dor- //VZ?/C£ Pag. Banzo 7 Mau sangue No rancho 41 61 Escrúpulo 131 Attracção da terra Traição Casadinha 143 ~ . 173 189 — COLECÇÃO LUSITÂNIA Cada na, volu;iie, elcgaiitemente em ene. percali- $õO ctvs. Volumes publicados até Janeiro de 19I9i — muiva^ãijj por C. C. Branco. ao piibtt, por C. C. Hraaco. Euòcbio Macário, ^oy C. C. Branco. 4 Vorja, pox C. C. Branco, Variais de Atuur, por Soror Mariana, õ tí e 7 A o««a Senhora de Parie, por V. Uugo. 8 Amurei do Diabo, por C. C. Branco. '1 Á''yci L'iis de Sonò-j, por A i-an-t-it. 10 Joné tsáiísamo e MatOr-u, ou (la íe matará, pox C. C. Branco. 11 e 12 Madame Bovary, por Flaubert. ló Menina e Moca, por Bernardim Ribeiro. li Bruàiltíra de PrasinSf-^poi C. C. Branco. 15 CamõCH, por A. Garrett. 10 Romance dum homem rico, por C. Branco. IT Curlus do meu moinho, por A. Daudet. 18 Fítí/d no «uhterràneVj por C. C. Branco. ly VUíyens ííu minha terra, por A. Garrett. 2u Varnisco de Vítor Hugo Jotsè Alves, por C. C. Branco. ; 21 liujael, por Lamartine. '' 'J-2 Arru de SanfAnu, por A. Garrett.' ' "^'8 i/(/.:-fiuo 6 Silva, por C« C. Branco 24 e 2.5 Noi-fnta t três, por V. Uugo. 20 A [ivli</:';sn, per Diilerot. ,.) 2"{ Litív; (íe Con»olaiHio, por C- C. Branco. Att!/'i, Rcné, o Vitimo Ahencerragem, por 28 Chateaubriand. 2t> e 30 Últimos dias .de Por-ipeia, por Lord Lytton. Hl Muíiieres da Beira, por Ab&i Botulbo. 82 O ^Ijageme de Santarém e /,'. fíiípo de i 2 o Ut — liique^us Aiiiut — — — — — — — — — — — — — — — C ' ' — — — — — — — ^ — Vilhena, Gairett. — Fior a'Ahsa, por Lamartine. — iícría Fonte, por C. C. Branco. ?i 85 — O Dr. Mateus, Dor Erbmana-Cha36 — Cláudio, por Lamartine. 37 — a as Vametias, por A. Dumas. 38 — /som Jesus do Monte, por C. C. Branco. — Manon Lescaut, peio Abade de Prévost. io — Oonins escolhidos, por Braijdáo. 41 — O* Sacrificados, por Grave. 42 — O Senhor Deputado, por L. Pinto. 48 Eugenia Grandet, por Balzac. 44 — Os Que amam e os que sofrem, por Grave. 45 — Infâmia de Frei Quintino, por U. Lou; '; "^ , ; [)or ^ 3.3 (/íj.- '"''''' llM^^y ilutitre trlan. JJaiiKj A^o ' 3í» J. J. J. <sW J. reiro. ^^^ :^:t -1 >•