Banzo [microform] - University of Illinois Urbana

Transcrição

Banzo [microform] - University of Illinois Urbana
COELHO NETTO
Nasceu em Ca-
M
X 1 a s
nlião)
a r a.(
em 20 ãc
FfTerefro 1864.
E' hoje o prosador mais
IIhistre do Brazil.
A sua obra triumplia pela sua
belleza
Coelho
peia
e
sua opulência, 6
das
mais
applaudldas e en-
jNfetto
raizadas.
Nos
seus
livros
ha
•empre
um
es-
crlptor mlllionarlo,
cuja
leriihra
um
prosa
rlir>-
Bouro
InexTiaurlvel de pedras
preciosas. Na sua obra fecunda o admirável, ha phantasia,
piedade e ardor. Na galeria
das suas figuras passam algumas maravilhosamente esculpidas. NSo é um mero analysta,
apesar de excelso: o pintor é magnifico e
o poeta Tae cantando, na própria abundância e graça da sua flora, maravilhosamente d'olro e sangue
Grande romancista e Inegualavel contista, tem artigos
de
critica, phantasia, rltomelloa e
bailadas
toda a escala chromatlca, resplandecente
e poética d'um escrlptor de raça.
laborioso
« jorte. Hoje a obra de Coelho Netto é conHeclda em todos os recantos onde se falia
a língua portugueza, graças ás edições
lançada* no mercado pela Llvrirla Cbar-
m
I
i
t
oron.
VICENTE DE CARVALHO
Poemas
ãa
Versos
$60
S60
Canções, 1 vol
e
Mociãa^de.
1
ROMERO
SILVIO
Discursos,
1
vol
$5d
vol
Martins Pena,
vol
1
América TjaHna,
ÍP40
1 vol
Provocações
públicas
cartas
c deiates (artigos,
e '"iscursos), 1 vo!
S8C
Quadros sinièiicos, 1 vol
ALFREDO VARELA
3SÕ0
Revoluções Gisplaíinas, 2 vol
EUCLIDES DA CUNHA
A'
margem da história, 1 vol
GARCIA REDONDO
'.
Balada de frutas, 1 vol
Através da Europa, 1 vol
Crónicas, 1 voj
Cara aleyre
A mulhí-r. Mania*
Conferências
—
—
e
e
A
cacoêtas.
mais
.•?.->o
íJíi.s
inteligência dos aniplantas. Discurso. 1 vol.
JOÃO DO R:0
Cinematógrafo,
vol
Os dias
cróriiofis
passam,
1
cariíicus,
1
STO
?70
vol
GUERRA JUNQUEIRO
A
A
Velhice do Padre Eterno,
Vitória da França, 1 vol.
Baptismo do Amor, 1
vol.
Pátria,
edição, 1 vol
Fints patrim, 1 vol. ...
O Crime, 1 vol
Lagrima, 1 vol
Oração ao Pão, 1 vol
Oração à Luz, 1 vol
Marcha do ódio, 1 vol
A entrar no prelo;
2.»
07-ação à Flor.
Oração ao Homem.
A sair brevemente;
Jnidcde do Sêr.
...
1
..
vol.
i.*;oo
|10
$20
$80
$30
$20
$10
$12
$20
$39
LIBRARY OF THE
UNIVERSITY OF ILLINOIS
AT URBANA-CHAMPAIGN
369.9
C65ban
Bnnzo
POWrO — Imprensa
Aojcrna
COELHO nETTO
COtiLHO HtíTO
RHZO
^1
m
PORTO
Liuraria Cl^cirôron, ôe Lello & Irmão,
Rua àas Carmelitas. 144
eõitiirp?
liO
€sphynge,
Sertão,
AESMO naCTOR
600
vol
1
600
vol
1
)\gua de Juventa,
^
bico de peana,
l^ornanceiro,
1
vol.
vol.
1
vol.
7P'0
^^00
.
1.",
1
vol
500
.
500
.
yvíiragem, romance,
Oeatro,
...
vol
Jardim das Oliveiras,
f abulario,
700
vol
1
1
1
vol
600
........
vol.
1
800
400
ZTheatro, vol. 2."
Quebranto (ZTheatro), vol.
)\pologos,
^ysterio do
l^ei
J^atal,
1
500
vol.
7ÔÔ
/lor
.no
negro
No
Õ
500
vol
1
Javerno em
prelo, a seguir
Xei phaatasma
•
paraiso
Xajah de pendejab
)\ Conquista
j\ ^Tormenta
ÕXurbilhão
litteraria
1
vol.
1
vol.
1
vol.
2 vol.
...
A propriedade
prelo
em novas edições:
Capital federal
O
O
500
A-.»
e artística está garantida
1
vol.
1
vol.
1
vol.
em todos os
palzes que adheriram á convenção de Berne. (Lei portugueza de 18 de
Março de 1911
—
Lei brazileira^^ n." 2.577, de 17 de Janeiro de 1912).
n
Silvio BEViLncQun
1910.
BAMZO
A António Lobo
AixiNHO e secco, curvado
em
carapinha
em
gancho,
maçarocas, ralas
fal-
ripas de bigode amarello de sarro, tufos de
barba hispidos como parasitas, este era Sabino, o
negro mais velho d'aquellas redondesas,
desde a Barra até o Paty.
Em
cajado,
passo lerdo,
um
com
o
urucungo e o
sacco de couro a tiracollo, o pito
nos beiços, corria tudo, descançando á sombra das arvores ou nos ranchos e tejupares
dos caminhos,
quando não
meio dos campos, ao
Apparecia nas
tempo de
festa
e,
sol,
villas
se
entre o
e
sentava
gado
no
solto.
nas cidades
como conhecia todos
em
os
BANZO
IO
sitios
fazendas,
e
como em
ia
entrando ás porteiras
terra própria, falando a todos, sem-
pre risonho.
O
urucungo annunciava-o; sabiam crian-
ças a recebel-o, davam-lhe comida, molambos.
O
sacco
vil,
ia
numa alegria sercorpo em dança de urso,
bojando e
bambaleava o
com gatimonhas
elle,
ridiculas,
picando as aspas
da combúca, grato á bondade das crianças
em
que se ajuntavam
circulo, rindo,
batendo
as palmas.
A's vezes ia para
a
mão
e o
á chegada dos
que recolhia era para fumo e cachaça.
tinha casa. Casa para
grande.
na
e,
arrastava-se á beira dos carros,
estendida, jeremiando á sua miséria,
Não
é
estação esperar os
no banco
trens. Cocbilava
comboios,
a
Mas
o
das
fazenda
que? o matto
seu ponto predilecto era
Lages,
á
sombra
duma
gamelleira,
num cômoro. Nas Lages
escravo,
vivera desde que chegara d'Afri-
ca,
ali
passando
Roberto» que
dum
elle
íôra
senhor a outro, até «nhô
carregara
á
«cacunda»,
ensinara a andar a cavallo, levara ao collegio,
BANZO
no trabalho, á som-
vira casar, envelhecendo
bra da casa.
«Nhô Roberto»
era mau, enfesado, sem-
pre de cara amarrada, gritando por tudo e
«agarrado» como
Um
dia, já
andava
que
elle só.
depois da Lei, «nhô Roberto»,
na
entrou
nervoso,
uma
laranja. Foi
um tempo
saber de desculpa
— pôl-o
para o inferno
Estava
!
horta
e
chupando
achou-o sentado perto do rego,
quente, não quiz
fora.
livre,
«Que
os
fosse
canalhas
que o sustentassem».
Sahiu sem rumo, andou muito tempo a
tôa,
passou fome, bateu os dentes de
teve febre,
tuma-se
frio,
pensou morrer; mas a gente acos-
com
tudo.
Sempre
achou
cari-
dade.
Um
dia soube da morte de
(Nosso Senhor não dorme!)
fosse
e,
nhô Roberto
como
a fazenda
comprada pelo coronel Chico Amaral,
homem
de
bom
coração,
com muita saudade
elle,
que
já
andava
daquelles fundões, botou
o pé no caminho.
Achou tudo mudado: casas novas, de
telha,
BANZO
12
A
machinas, gente branca na roça...
gamellei-
ra lá estava, cada vez mais bonita.
Receberam-no bem
tejaram-no,
espantado
mesmo
d'elle
— os
conhecidos
mandou
ainda estar vivo,
com um
dar-lhe comida e presenteou-o
velho que lhe chegava aos pés.
Nosso Senhor ha de ajudal-o
Volta e meia
!
!
mexia, levava
um
dia lá o en-
contravam debaixo da gamelleira,
dum
capote
Homem bom...
Bom mesmo
lá estava: virava,
tempos sem apparecer, mas
lando á beira
fes-
o coronel Chico Amaral,
cantaro-
foguinho de folhas seccas,
pão duro,
entre burundangas: latas velhas,
embrulhos de farinha, restos de comida,
xinhos de taquaras e
uma
fei-
garrafinha de ca-
chaça.
Ah
passava os dias e a gente da fazenda,
de pena, mandava-lhe de comer e os que pas-
savam,
á
tardinha,
tronco, offereciam-lhe
vendo-o
um
canto
encostado
em
ao
casa para
dormir. Elle ria agradecido e ficava sob a
galharia verde tocando e cantando,
o
somno
até
que
o prostrava.
A's vezes, de
manhan, quando
o procura-
•
^. -;r.-^vr"AitUài^!>..c
*??'
V
BANZO
13
coitado
foi,
E
Volta...»
!
Quando
lhe
sumia os olhos
um
ciciando
beça branca
atiral-a
voltava.
perguntavam, quantos annos
encarquilhava
tinha
cia
«Tio Sabino já
havia desapparecido:
vam,
em
o
amarfanhado,
rosto
rugas, aproava o queixo
risinho frouxo e sacudia a ca-
num
gesto abandonado que pare-
pelo tempo dentro.
Então revolvia as fundas reminiscências.
Falava do
vira
rei
D. João
vi,
«manátas»
dos
na Corte, dos senhores que
tivera,
das
haviam
lindas donas d'antanho, dé casas que
sido demolidas,
(jue
de arvores mortas, ribeiros
•iesapparecidos, maltas devastadas, tudo (|uo
vira
na
como
aquellas pedras que lá estavam no Pa-
correnteza
da
vida
onde
ficara,
rahyba velho olhando o passar das aguas.
Idade,
ria
um
sabia lá!
gesto
No
seu tempo
—e
que abarcava o horizonte
tudo aquillo era matto. Bicho assim
nhava os dedos. Casa, uma
Cidade, era luna rua só
cima.
cor-
Mas então
!
—
e api-
aqui, outra acolá
com
é (jue era
a igreja lá
fesla
!
!
em
Semana
Santa, S. João, Natal, Espirito Santo...
Éh
!
BANZO
14
Largo
não poder andar
íicava da geiílc
carros de bois,
— eram
cavalhada chibanle
liteiras,
arreiada de prata, cada mída que fazia gosto,
escravatura limpa, tudo gente moça. Fazenda,
não vê que era como agora
Mesa
!
comida bôa. Fartura era
posta,
('aptiveii'o
brabo,
era
ficava
abi.
ahn
isso...
tinha o seu gancho.
Tempo bom
mas
!
negro
(piando o senbor ganhava,
também,
E, descre-
!
vendo, dramatisavH [)ittorescameiUe os episódios imitando: a musica: Ichundia
tcliumba
f
rondai*
o espoucar (h)s
!
dos
dos
bindjalhar
bem.
morteiros:
bom
!
cheeeem...
sinos;
!
tchumba
!
foguetes e o es-
tró
ló
bem,
Ijum
ró
de
len
!
o
den
o reboliço dos carros rinchando:
liiiiim...
os cavallos resfolgando;
o rumorejo do povo:
ááaah
os pre-
frrrú
!
gõe^í
dos doceiros, dos leiloeiros de prendas,
o
!
batuque africano ao som dos tambores:
prú cu tú
A
!
prú cu
tú
!
negrada, que o cercava attenta, ria dos
racontos. Pediam-ltie minúcias,
lhe episódios,
conservava e
lendas,
elle,
recordavam-
casos (jue a tradição
sentado no chão, estirando
V
BANZO
15
*
com
as pernas,
oí?
como
eiicoscoradas
tas,
pés a prumo, de solas chajmlas de pachyderme,
narrava.
Trem de
chegar
tão
a
com
cada moce-
engeiilieh'os,
chapéu largo, pagodislas como
para andar no matto
elles sós; e
dia
de hontem. Viríi
isso era
...
turma dos
botas,
!
ferro
elles
— furavam
nem
tatu po-
De[)ois
tudo.
os
trabalhadores abrindo picadas, gente onça na
enxada
e
no machado, cavando, fazendo ca-
minho; morro não era nada para
Vira estender os
elles.
cruzar as pontes
trilhos,
dinheiro naquelle tempo andava a tôa.
e o
As mulatas
E um
é cpie aproveitavam.
dia
— êh
estrada fervia que
dia
1
nem
grande
gente na
f
procissão
!
trem
numa fumaceira de coivara: tchá
tchá, oooô Ahn
Boi corria espantado,
berrando
tchá
—o
!
!
!
ficava olhando de longe, besta, cavallo reben-
tavam cabrestos disparando por esses mattos,
cachorro zunia: cain
tivesse
apanbado
!
!
cain
gallinhas
patos na lagoa quando
um
!
nem que
voavam que nem
cain
tiro
!
eslronda e o
bicho passou rabeando, embandeirado, cheio
BANZO
i6
de gente graúda: fazendeiros, generaes, mo-
ahn
ças...
!
foi-se
e
embora!
Muita gente
rezou de medo.
Eu
tudo de cima d'uma barranca,
vi
coração batendo assim: pú, pú, pú
mesmo
E o
a
!
o
Bonito
!
passou damnado,
bicho
fervendo;
fumaça espoucava da chaminé em cachimba-
da grande. Eh
!
E
trouxe tudo
deixando por
e foi
gente branca
...
A
gente deixava
num
lugar e quan-
Parecia coisa de encanto.
de
uns poucos de mezes
ir
do apparecia
trouxe cidades
!
trouxe machinismos,
ahi,
de boca aberta vendo
lá ficava
tudo mudado: casas novas, negócios sortidos
como
os da Corte, igreja, circo de cavaliinhos,
Trem de ferro ia
como na terra brava
botica c o rnaUo, que é delle?
comendo
tudo, lai e qual
depois do roçado (piando a plantação brota.
O mal
era o fogo. Bastava
nha da machina para levar
E
era
uma campanha
aceiros e
que
fazia
o
!
um
faiscasi-
cannavial.
a gente toda fazendo
fogo lambendo,
medo.
uma
cada labareda
BANZO
nem
Muita gente
ferro,
queria vêr o trem de
quanto mais entrar
nha Junqueira, do Palmeiral,
que tocava
e cantava, essa
do bicho. Quando teve de
quem
operação,
disse
!
Nhá Joannimoça prendada,
nelle.
nunca quiz saber
ir
á Corte, para a
foi e
voltou de carro
de bois. Povo custou a acostumar-se.
Depois os padres diziam que era o trem
que
é
e então
trazia as febres e os peccados,
que
foi
medo mesmo.
«E no tempo da guerra?» perguntavam.
Eh
não
!
bandão
na,
matto comeu gente...
vai...
Barnabé
delles.
coitado
Não sabe
apanhou
!
íicou
lá,
Eu
estive vai,
Braz ficou
lá,
um
Desse tempo só Venâncio mi-
está nos Quatis, cego de todo.
nada, pergunta só. Lei grande já
elle
sem
vista,
para que
?
Tinha
senhor, vivia na fazenda... e agora? está lá
morrendo no escuro, come
hoje,
amanhan
não come, conforme Deus quer. Liberdade...
pois sim... gente anda
é
que gosta.
morrendo a
tôa,
urubu
^•^31'
ÍI
TUDO
mudara para Sabino.
lr'ora
toda
niia,
pedra,
Num
]'ica,
A
(erra.
oii-
frondosa de maltas, estava
escalvada,
mostrando
lanlios
de
lombos de rochas, grotas sem agua.
ponto
e
noutro tocos assignalavam der-
rubadas, lanços de morros offereciam o aspecto lúgubre de borralhos ennegrecidos de
toros carbonisados.
ras raro
tolhiço:
O
uma
um
Nas plantações vasquei-
arvore copava
— era tudo
ralo,
fim de vida.
Parahyba, dantes caudaloso, barulhan-
do nas pedras
em
cachões borbulhantes, ás
vez€s crescendo tanto que transbordava ala-
gando extensamente as margens de onde os
BANZO
20
moradores
ali
íugiain
ahaiidoiiaiulo as casas
—
eslava seccaiido.
Barcos carregados iam
agora
e viidiam e
as leves pirogas, se os canoeiros não eram
destros, iam batendo nos cabeços, roçando
coroas de areia,
lias
curo,
em
tíio
raso corria o
como
lameiro grosso,
rio, es-
lodo elle
feito
das barrancas esboroadas, que fossem rolan-
do derretidas para o mar.
O
próprio ceu descorado esmaecia, cada
vez mais pallido.
Sabino sentia a morte da natureza: tudo
eslava acabando.
Em
certa fazenda,
que tivera fama pelo
esplendor da sua capella, seguindo
Iha entre culturas novas,
o
olbar
compadecido.
uma
Iri-
parou relanceando
Reconhecia
o
sitio,
mas notava mudanças, falta de alguma
De repente lembrou-se de uma arvore
coisa.
grande que
como que
da,
ali
houvera
e,
dolhos parados,
a viu levantar-se esgalhada, folhú-
espalhando sombra larga.
E
era
um mun-
do de gente embaixo: carreiros, crioulas
os filhos de
mama, rapaziada da
roça,
com
tudo
BANZO
21
emquanto o
junto,
te
as hervas,
que nem fogo,
sol amollecia
languidamen-
na estrada,
estrallava
e lá longe,
quente
no campo, o mon-
jollo batia.
O
alto,
cafesal,
dum
verde escuro, reluzia no
tão cerrado que não se via
negro,
nem
signal de palhoça
—
um
vulto de
e lá estava o
com o sapesal amarelcobrindo-o como uma grenha de ve-
serro secco, agreste,
lento
lhice.
Entrava nas capoeiras, direito a
um
rumo:
desilludia-se.
A
fonte... isso foi
no matto, escondida.
era ficar
ali,
uma
O
seu gosto,
!
era
bem
em moço,
tomar o seu banho
á fresca,
ouvindo os pássaros,
tristeza
á
espera
de
alguém
que apparecia sempre de sopetão, assustada,
pedindo pressa, com medo de ser apanhada,
desde, porém, que se lhe atirava nos braços
esquecia tudo.
Com
a
Eh
um
os nervos.
corpo de rapariga
!
lembrança o sangue estuava-lhe
.
nas veias gastas,
força,
!
fluido
O
o
coração batia-lhe
com
de volúpia electrisava-lhe
silencio
era doce,
a
sombra
BANZO
22
fresca: só a
agua
fazia
voavam por
lavadeiras
um
leve ruido e as
E
entre os juncos.
a
fonte? delia apenas restavam pedras seccas,
a areia
E
ia
atorroada e o hervaçal.
elle
pensava no Parahyba, coitado
morrendo á mingua porque as
riam por toda a parte. Quando
pobre apanhava
um
uma
que
mor-
chovia sim, o
fartão d'agua,
mola do ceu. Estava acabando
O
fontes
!
como
es-
!
— era
Para achar uma cova —
próprio cemitério desapparecera
mattaria brava
!
cheio — seria
preciso roçar aquillo
certa occasião,
mettendo afoitamente
e estava
tudo.
Em
pelo caminho funéreo,
pau.
Levantou-a,
achou,
beijou-a
uma
cruz de
devotamente
e,
([uerendo fincal-a, de novo, na terra, partiuse,
de podre.
para evitar que fosse profanada,
desfez o symbolo e guardou os pedaços no
Então,
sacco para queimal-os quando fizesse fogo.
«(Cruz de
Nosso Senhor não
se deixa atirada,
e cruz de cemitério enlão!» E,
ra
embravecida
olhando a
ter-
em maninho, commentou:
BANZO
«3
((Quanta gente
Tortulhos
estranha
expluiam
florescência
nos
de
amarellos espalhavam-se
ro.
'
nem
paiol.»
troncos
numa
Isso aqui está que
!
joás
putrilagem,
como contas de ou-
Tresandava a humidade.
Caminhando no matto
do, dentro
da sombra
alto c
fria,
emmaranha-
resvalava
em
cal-
anda aqui:
deirões. «Isso c cova de tatu. Tatu
comeu e ficou».
De quando em quando um arrulho dorido
E tudo
passava no silencio. Que tristeza
!
era assim.
Nas Lages
é
que
elle sentia
mais a devas-
tação do tempo: a casa fora reformada, os
ma-
caminhos mudados, plantações novas,
chinismos.
outra, do
A bem
dizer a
tempo antigo só
cômoro, a gamelleira,
lá
mesma
elle e a
em
terra era
arvore do
cima.
Os animaes não pareciam o que eram: uns
louros grandes, lustrosos, quasi sem chifres,
lerdos, pesados,
préstimo,
sentindo-se nos pastos,
morrendo á
aguentavam uma
logo, carneiros
toa; cavallos
tirada,
frouxos,
muito gordos, mas
sem
que não
aguando
feios.
Qual!
BANZO
H
E
os bichinhos do mallo
então cigarras
passarinhos do seu tempo
e
cantavam d'aquelle modo
na malta
e
Pois
até elles.
?
tonta
licava
A
?
gente entrava
— era
mna
alegria
nas arvores, tudo voando. Marrecas, isso era
um
é
nunca acabar á beira d'agua
o caboré de noite e de dia o
urubu tocaiando
Nem
sapo
olhando a
agora
anum
á noite,
lua, e o
d'aqui, pula d'ah,
?
e o
de cima.
Bacurau, quem vê mais
!
gente estava,
lá
e
?
A
sentada no terreiro,
bacurau vinha vindo, pula
E agora
mansinho.
?
aca-
bou.
Fruta,
quem
se importava
com
dono.
E" cerca de
custa
arame por
dinheiro.
para remédio,
matto,
?
matto
Hoje tudo tem
eslava cheio, era só apanhar.
limão
isso
ahi fora;
um
Folha de laranjeira
um
punhadinho;
um
tostão.
E lastimava as crianças, nascidas tarde,
numa era mesquinha e de melancolia, com o
mundo velho, desconsolado e vasio. Attribuía
todos os males da terra e a tristeza do ceu
ao colono branco.
Odiava-o.
Se avistava
ai-
BANZO
<
gum na
estrada, desviava-se, deixava-o passar
e voltava-se se^uindo-o coru o olhar alé perdel-o de vista.
Era o usurpador que entrara apoderandose de
feito,
destruindo o que elles tiaviam
tudo,
matando a
terra,
Gente amaldiçoada
ura branco
carpisse,
e
ao
espalhando a
Não podia
!
tristeza.
admittir que
entrasse no cafesal de enxada,
colhesse,
rodasse café no terreiro
jungisse bois ao carro e atrelasse mulas
trol)^,
morasse em palhoças, dançasse nas
eiras, rezasse
na capella, moesse canna, plan-
tasse mandioca.
Não comprehendia que um
seu Amati, que
elle
italiano,
como
conhecera esfrangalhado,
sem vintém, chegasse
a ser
dono de fazenda.
Não, a terra era d 'elles que a desbrava-
ram
e
plantaram para os senhores.
brancos abriam negócios, compravam
montavam
ofíicinas,
seu -Barbosa,
um
até
ilhéu,
E
os
sitios,
governavam como
que mandava
num
mundo de gente no tempo das eleições.
E os negros morriam de fome nos caminhos,
não tinham onde niorar, ninguém os
BANZO
26
(jueria,
eram
ora-lhes ingrata,
lava acabando.
mas
I{ra a
o Paralivba seccasse
to
— queria
A
}.«ersegiii(l()s.
própria terra
estava morrendo,
sua vingança.
es-
Quando
— e não demorava mui-
ver.
Sentava-se nos barrancos e ficava olhando
sem
os horisontes largos, esquecido de tudo,
sentir o sol.
Picava o urucungo cantarolando.
Por fim levantava-se.
Hesitava
e niettia pelo
um momento
pensando no rumo
primeiro atalho, ao acaso, desse
onde desse.
Se tinha alguma
o
mesmo, punha-se
te,
comia, senão era
coisa,
a
caminho vagarosamen-
resmungando, cantarolando.
Onde
Escolhia
anoitecia, ficava.
abrigado, estendia-se no chão
o somno, olhava o ceu.
mais
ciani-lhe
hizes (jue
lua
sem
trisk3s,
E
quasi apagadas,
chegar
como
vigília,
e a
alumiando baça.
aquillo branqueava,
o rio ficava
canto
as estreitas pare-
Dantes, isso sim, o luar era
— ludo
até
e,
vasquejam num, fim de
brilho,
um
como de
uma
claro
belleza
como
dia;
prata, a gente via longe
BANZO
27
e era
uma pagodeira
de violas; nos tempos
de festa samba, calêrelô, batuque, baile na
casa dos senhores o a negrada contente, solta
pelos caminhos, cada crioula que fazia gosto.
Agora era
a sanfona do italiano,
enjoada, que
^
nem dava
dava os dias extinctos,
o
bom
coisa
geito.
Accendia o cachimbo
veiro,
uma
t.
fumando, recordo
a felicidade
capti-
Cochilava acordando,
tempo.
Noite comprida
a instantes, sarapantado.
Quando começava
!
a clarear levantava-se.
Os pássaros cantavam alegres. Na pureza
do azul alumiava-se a madrugada. Fazia frio.
E
elle
sabia pelo frescor da relva esmaltada
de orvalho diamantino,
tando
um fumo
tindo a vida,
leve,
o
andando
ia
guiava-se por
despertar alegre,
crianças, tinir de louça, o
bom
e,
elle.
vozes de
um
nunciava-se á esmola
ciado.
elle:
ou á porta, sapateava dedi-
lhando nervosamente o urucungo
voz (jue chorava
Sen-
cheiro quente
do café coando, a fome apertava com
])arava á cancella
avis-
e,
numa
canto melancólico, an-
com
anciã de suppli-
^-?Is"7ir-sri-Jir',ir-;)í-^1ls-Ji5-7ir-jK"7it-7ir-jp~;ir
^IsÃSffç
^?^^•n^^^l^^^^•^^|5^^^";l^-;l^ny;^^^7^^^^;^^^^;^
III
eoi
na estação que
ronel Chico
elle
soube que o co-
Amaral mandara pôr
abai-
xo a gamelleira do cômoro.
Eslava sentado no banco,
trem,
quando
lhe
deram
á
espera do
a noticia.
Ouiz levantar-se, não poude, bambo das
pernas,
com
os olhos
manando
lagrimas,
a
garganta arrochada.
O pagem
dade».
A
das Lages descreveu a «mal-
arvore custara a cahir.
no machado, rapaziada
a
direita,
Gente bôa
levara toda
manhan batendo e a arvore dura, teimonem nada Os passarinhos voavam em
sa...
!
BANZO
30
volta, assustados, riuoia gjúlaria
que atordoa-
povo assim para ver a bichona
va,
balho
Suaram
!
Lá para
Um
!
tra-
!
o meio dia, lanhada, escorrendo
sumo, começou a estalar.
Fazia pena
!
A
gente fugiu de perto, abriu campo, e come-
um
çou o puxa-puxa:
homens.
vinte
Qual
cabo grosso, mais de
A
!
bicha
balançava,
mas nada de cahir.
Metteran\ o machado de novo
ringía,
Mamede
Foi
gritou.
melleira bambeou, mais
e,
com um
estremeceu
até
uma debandada
um
que seu
e a ga-
sacalão do cabo
estouro, virou cahindo, e o chão
com
o baque.
Tomou
o cômoro,
com a mattaria. Grande
mundo teve pena. E porque ?
ludo ficou coberto
mesmo Todo
!
o
scisma de nhá Donga.
cahiu lá
em cima
Só porque um
e o Dr. Barbosa disse que
moça começou
seu coronel Chico mandou
fora por causa da arvore,
a pedir,
a pedir e
metter o machado.
a
Fazia dó.
Os
nhos andaram tontos, chorando no
aqui,
êh
!
ora
ali,
até parecia
raio
arranjando casa.
praga
passariar,
ora
Abelhas...
e aquillo lá
em cima
BANZO
ficou
desamparado,
Irisle, vasio...
até parecia
que linha morrido gente.
pagem.
wSabino ouvira calado, d'olho.s no
Accendeu o cachimbo, baixou a cabeça
descahindo o corpo,
com
e.
os braços abando-
nados, ficou immovel.
Um
trem chegou.
Passageiros saltaram,
os pobres correram á esmola alrolando, ge-
mendo, uma moeda cahiu-lhe aos
de longe e
elle
na
mesma
pés, atirada
allitude.
Outros trens e nada: o velho não tinha forças nas pernas, não podia comsigo.
A' tardinha, quando
o
armazém
e
começaram
accenderam
tou-se a custo e sahiu.
a fechar
a agencia,
levan-
Pela linha, da esta-
ção ás Lages, era menos de légua, d'um lado,
o
rio,
ras,
em
do outro lado, além da cerca, lavou-
o brejal do Mosqueiro,
lirios,
sempre aberto
o sitio do Fabiano, o cannavial de
seu Amati, a vendinha do Esteves,
num
alto,
e as Lages.
Foi indo, devagarinho, parando a espaços para descançar á beira dos boeiros ou
nas rampas da estrada.
i-^^^B^.'T
,>
".~ȍ
í^s^i-íp
.'V-z-í.,.'-'' *«'i':-'',-^e..'--
'-.vrTr-:.;'-
.-'
'
•
"'
f
'-,
.
'«.
f^ «
^
1'
"^
*r'%
BANZO
32
A
lúa subia grande c clara, redonda e os
trilhos
aluiniavani
Lá em baixo
um
ziam
como
dois regos d'agua.
vozeiro de agouro.
A's vezes, na distancia,
olhava
aqui,
ali
Ninguém
um
fa-
!
cão ladrava.
uma
A' frente, rente da terra,
lha
Os sapos
o rio tremei uzia.
luz
verme-
Por entre os mattos
solitária.
cortava a sombra
uma nesga
de
claridade.
Sempre que
uma
via
arvore
alta,
com
a
fronde luzindo ao luar, o negro parava contemplativo
cungo.
maçhinalmente. picava o uru-
e,
O som
triste
como que
então gemia, meneava a cabeça
o despertava:
e,
levantando
os olhos, fitava o ceu estrellado.
Noite linda
!
A
voz do rio era
como uma
prece na solidão.
Perto da turma, para que não o vissem na
linha,
desceu a
barranca
agarrando-se
ás
hervas, arrimando-se ao cajado e foi beiran-
do o
rio
merencoreo.
A's vezes
saltava batendo d'estalo nagua.
vam surdamente
e
um
peixe
Corujas voa-
na sombra da espessura
accendiam-se vagalumes.
BANZO
33
Passada a casa da turma tomou á estrada,
atravessou cautelosamente o pontilhão.
Pareceu-lhe ouvir o estridor longinquo de
um
Parou á
comboio.
escuta,
levantando a
num
cabeça serenamente, sem medo. Adiante,
tudo
era
corte,
escuro;
descia trem áquella hora.
não
nada,
atraz,
Era o
rio roncan-
Foi-se.
do.
Reconhecendo o viçoso cannavial do Amati
parou: era como
lhava ao vento.
um mar
Na
dourado
e
maru-
collina, entre eucalyptus,
alvejava a morada, tão branca
como
a pró-
Quem
diria
pria lua.
Era
um
dos donos da terra.
Começara na
reta.
annos depois, com
fazendas
e
trabalhando de pica-
estrada,
Desapparecera
uns
seu Marianno,
tempos,
um macho
quinquilharias.
tudo, até Valença e
!
um
dia,
voltara,
carregado de
Batera
com
indo á praça o
aquillo
a morte de
sitio,
havia de appareter para compral-o
quem
o
ita-
Seu Carlos da botica garantia que
elle
?
liano.
arranjara a yida passando notas falsas,
O
<n"
BANZO
34
caso é que comprou a terra e
lá estava: linha
engenho a vapor, uma boiada hmpa, cafesal
na cidade. No seu tempo an-
novo
e prédios
dava
roto, descalço,
carregando ferramentas,
comendo em marmitas, dormindo ao
que
peior
olhando.
E
escravo.
estava
ali
relento,
!
Ficou
Era assim... Sorte de cada um.
Adiante, a venda do Esteves, outro. Ainda
linha
estava aberta,
luz.
Era o ponto dos
colonos, jogo fervia lá dentro até de
As vezes sabiam brigas, facadas,
sinha.
ros.
manhãti-
Mas seu Esteves era homem, zangado
a vida delle. Quando
ninguém podia com
mal parada, entrava, apartava os
via a coisa
parceiros,
botava tudo para fora e fechava
a poria.
Só
um
hespanhol quiz pegar com
o português
o outro
elle,
mas
não deu tempo: zuniu o cacete e
tombou na
com garrucha
estrada,
é
tudo, quasi morto.
Estava
rico,
colonos fazia
só
um
em compras
negocião
e
tava dinheiro e no jogo era
No tempo
de café aos
ainda empres-
uma
vassoura.
de Manésinho aquillo não era
BANZO
35
um
nada,
ranchinho a
Lá
de sapé,
com uma
umas garrafas de
pipa de cachaça,
ama
tôa,
cerveja,
barrica de bolachas e lalas de sardinhas.
estava: negocio grande.
era mulato, não linha sorte.
mudou
gou,
Português che-
tudo.
Quando passou
o córrego pelas alpondras
o coração bateu-llie
d'esbarro.
h^slava
nas
Enlrou mui de passo, espreilajido.
Lages.
A
Mas Manésinho
fazenda dormia na alvura do luar.
Em
baixo,
em
das machinas; a
i-enqiie,
uii!
os paióes, a casa
lado o moinho.
Em
ci-
ma, na extrema da alameda de palmeiras,
a casa senhorial vasta, estendida
com um
em
janellas,
largo portão sobre a varanda coberta
de trepadeiras.
Os
terreiros
branqueavam como areaes
em
funda, obscura, luzindo
e
reflexos metalli-
a matta ainda fazia resahir mais claro
cos,
o casario silente.
O
negro subiu a rampa devagarinho, aos
bocados,
parando para
uma
respirar:
sentia
o
angustia no coração
peito
opprimido,
como
se |h'o apertassem.
BANZO
36
Um
vulto
de animal passou lentamente
Os
na estrada desapparecendo na sombra.
sapos faziam na horta
e no
um
estrupido azoinanti-
meio do eaminho que levava ao pomai-
uma poça reln/ia como um
com eslrellas.
No silencio pairava um
um som vago, relininte como
ta
nas conchas.
(3
])edaro de ceu
férvido
o cpie se escu-
murmu-
ao longe,
rio,
ruido,
rava.
Sabino olhava
— era toda a sua
Instantaneamente
um bando
das revoluteou. na sombra.
giu a casa antiga,
vida, toda!
de figuras lépi-
Lá no fundo
senzalas por
engenho, o curral no outeiro
—
fora,
ali
foi
sur-
o
um mo-
mento, tudo sumiu no luar.
Era o passado
cjue subia
evocação da saudade.
Lm
cão
acuou á
distancia,
mou-o
e
cauda,
veiíi,
instante,
sahiu
o
animal,
do tempo
numa
('am.inhou.
debaixo
d'uma
rosnando.
O
carreta,
negro
agachaiido-se.
a
inli-
dar á
de rojo, feslejal-o, segiiiu-o
mas retrocedeu ladrando. Foi
As pernas tremiam-lhe,
a
um
indo.
cabeça enchia-se-lhe
BANZO
37
como de fumo,
sombras empanna-
aturdida,
vam-lhe os olhos.
Quando enfrentou com a casa grande era
doce o aroma do jardim que esteve um
tão
instante encostado
mesmo
— mas
não era
assim
Ali
— costumava
na porta da cosinha.
ficar até tarde, os olhos
á
gozando-o.
á cerca,
Quantos annos
espera de Maria Rosa.
!
Tempo vôa Mas parecia que fora hontem,
modo que ainda sentia o cheiro do
!
a
corpo.
Olhava: ludo
não ve
!
em
No
silencio.
seu tempo,
Aquella hora a rapaziada andava
furando os mattos, uns atraz de muljieres,
outros capiangando e
rapariga
ia
quem não
levava a sua
encolhido pelas bibocas
com
sac-
cos de café para a venda.
Onde estava essa gente toda
com o matto em cima.
A
por
elle
D 'ali
bom.
um
agua correndo por
com um murmúrio
ao cômoro era
Mas
um
?
na
canal passava
leve.
instante,
caminho
estava cançado. Sentou-se
pedra e ficou banzando.
terra,
numa
BANZO
38
Quanta coisa
!
Reviu tudo como
Os
illusão
num
so-
Por fim levanlou-se.
nho, gozando a morle.
uma
gallos cantavam,
cigarra chiou na
do luar.
Quando chegou
parecia amortalhada
a cima a arvore cahida
em
luz: as folhas avul-
tavam em monte, o trouco estendi a-se como
uma columna enorme.
O negro ficou estatelado,
Teve
lagrimas silenciosas.
olhando,
um
arquejo,
com
to-
mou o urucungo a mãos ambas, estendeu os
braços como se offerecesse o instrumento á
morta.
Um
som
partiu, lúgubre.
Não poude
mais: amolleceu nas pernas, cahiu entre as
folhas,
de bruços.
De manhan, quando
a gente subiu para
talhar a arvore e limpar o cômoro,
que
ia á frente,
Mamede,
interrompeu a algazarra
gre dos companheiros
ale-
com uma exclamação
espavorida:
— Uai
— Que
ra,
!^
é
mostrou
Cruz
?
!
Que
um
Correram todos curiosos:
é ?
E
o capataz, que recua-
vulto entre as folhas murchas.
BANZO
39
—A
modo que
tio
Sabino... Aproxima-
ram-se, examinaram.
— E' mesmo... Era o negro — deitado entre as folhas
peito,
da arvore, com o urucungo no
os olhos ainda abertos, morto.
MAU SANGUE
A-ymiiaiMBlIlItliaiMilWItlllMniaUlimUIIIIWIWIUHmWWIIMIWIIIIIWMMllM^
AVWWVWWVVVVVWV
FOI
um
reboliço,
um
leva-leva entre os
caboclos arranchados sob o alpendre
do negocio, quando Chico Redomão, saltando
do pangaré, esbaforido, alagado
em
suor,
com
a cabeça ardendo da soalheira brava, disse,
atirando
uma
relhada a
um
dos grossos moi-
rões de cabiuna:
— Hoje o dia começou mal.
jado
Estou arran-
!
— Mode quê
— Topei com
?
perguntaram.
o diabo do Penador.
ve alvoroço e a caboclada,
em
tumulto, api-
nhando-se em volta do peão, indagou
mada:
Houalar-
BANZO
44
— Onde,
homem
—-Debaixo
damnado do
—E
com
o signal da
pangaré nos quartos e passei
juntei o
de largo
rente.
elle,
?
Fechei o corpo
!
?
tinhoso junto d
você, creatura
— Uai
cruz,
de Deus
do mubuseiro, dormindo. E o
numa arrancada
doida.
Elle
vem
vindo por ahi.
— E'
que
já fez coisa.
Capitão Libanio,
o do negocio, perguntou lá do fundo, no seu
vozeirão que estrondava:
— Que
— E' o
:
gente
é,
?
Penador que vem tocado.
— Quem
?
— O Penador.
— Tá louco! exclamou
Libanio
Por aqui mesmo
sarcástico.
é
que
em tom
elle
não
passa.
— Espera um instantinho...
— Garanto que
aqui não
elle
passa.
E
inflammou-se, sahiu ao alpendre, d'olhos es-
bogalhados,
misa
de
arregaçando as mangas da ca-
riscadinho.
alto e grosso,
Era
um
homenzarão
guedelhudo, d'olhos sanguíneos
BANZO
45
e
sempre chispando áscuas de
fúria; cara lar-
marcada em piques
ga, balofa, côr de tijollo,
Reluzia de suor
e laivos de varíola.
e,
num
que lhe arrebitava o lábio superior, os
riclus
denles appareciam, grandes e amarellos. Fe-
chou os punhos
altaneiro entre os caboclos,
e,
arquejando de ódio, esbravejou:
— Se aquelle mofino
ragem no
porta.
elle
peito
Diabos
c'um
é
homem,
se
tem co-
que bote o pé aqui na minha
me levem
eu não estourar
se
tiro.
— Coisa
ruim
!
resmungou, com
um
chocho rascante,
um mu-
rapazola macilento, que
passava e repassava a faca alisando sobre a
coxa compridas palhas de milho.
de melenas arrepiadas,
flanco,
que cachimbava a
um
cachimbo na palma da mão
em tom
velho,
bolsa de couro
se arrastando as alpercatas
tou
Um
canto, adiantou-
e,
batendo com o
callosa,
pergun-
socegado:
— Vosmecé também tem queixa desse
feliz,
e,
ao
sou capitão
?
in-
Libanio voltou-se d'impeto
carregando o cenho, os olhos a fagulharem,
crispado e rouco,
com
as veias túrgidas
late-:
BANZO
46
jando, depois de encarar
murro ao
avançou um passo.
e
caipora
(jueixa (1'esse
E
?
santo salva; fonte
em que
Se eu
quem não
\c-
leni ?
nem benção
qu'esse nuildiio pisa
'I'erra
iiiii
bramindo:
peito,
— Eu!?
rilio
velho, aiirou
110
de
bota a boea,
elle
lima cabrocha esgrouviada rebolou
sécca.
em que
nos molambos
murmurou
jazia e
damente, d'olhos perdidos,
sem
tirar
sur-
o ca-
chimbo dos beiços:
— Passarinho
sarinlio cala
a
tá
cantando,
boca,
elle passa,
pas-
cahe do
bate as azas,
ramo, morto.
— E'
verdade! afíirmaram
E Libanio
no.
— Quem
nada
?
calças,
ílan
em tom
sotur-
coiitinou:
não se queixa dessa alma dam!
Aprumou-se, deu
um
sacão ás
puxando-as ao ventre impado, esten-
deu os grossos braços cabelludos
e,
de ca-
carranca fechada, esteve
um mo-
mento a grunhir, roxo de cólera.
Súbito,
beça
alta,
d'arremettida,
lompeu
Irada fulgnraiUe
e.
ao
a !iui)a,
sol,
pulou na es-
atesando o braço,
sacolejando o corpo desconforme, exclamou
íií;,íè-
BANZO
47
rancoroso, travando as palavras entre os dentes
que rilhavam:
— Juro por esta
do que
luz
me
que eslá
excommungado
se aquelle
alumian-
tiver o an*o-
um passo para
aifirmou com uma patada
diante. Não dá
á terra dura e secca de onde subiu uma poeira
fina. E rugiu: Tão certo como &er hoje seComo
gunda feira das almas, como elle
jo
de chegar aqui não dá mais
!
!
com
a
minha comedeira de dois canos que
Que venha,
está la dentro.
tenho queixa...
!
E' boa!
se é capaz
!
Seu
Aos bufos tornou
ao alpendre de vagar, remoendo a fúria,
e,
filando o olhar sinistro no velho imperturbável, insistiu:
todo o
Tenho queixa, sim. Tenho, como
mundo
— Mas
!
queixa de que, seu capitão?
banio ficou
um momento como
verdadeiro
espanto.
Por
fim,
Li-
aturdido,
em
atirando
os
braços, deu as costas ao interlocutor:
— Ora
!
E, violento,
afogueado Você pa-
rece que nasceu hontem, pai.
:
Quem sabe!?
Já viram? Parece que nasceu hontem.
— Estou rondando
os setenta, capitão.
BANZO
48
— E não conhece o Penador
— Só douvir nomear.
—-Ah
só d'ouvir
!
?
nomear? Pois tudo que
A
se diz delle é verdade.
cabrocha resmo-
neou macambusia:
—E
muita coisa não se conta porque não
Roça sécca da manhan
se sabe.
o sol é
o sol,
íoi
morre no campo,
nada
Quem
!
Penador
p'ra noite,
que leva
a culpa.
é peste.
Qual
Animal
peste,
qual
quizer procure os passos do
ha de achar. Criança está no collo
e
da mãi brincando, de repente revira os olhos,
estremece
antes de receber a benção, mor-
e,
E doença anda assim?
Doença...
re.
sangue do Penador. Até
a
E' o
sombra d esse mal-
dito faz mal.
— Está
ouvindo
?
regougou Eibanio.
O
velho acenou de cabeça, sempre a sorrir, incrédulo.
Libanio irritado,
como
oífendido na
honra, bradou aos caboclos: E' verdade ou
não
é,
gente
?
— Uai Verdade pura.
— Olhe, Redomão sabe
!
desse diabo.
Pergunte.
toda
a
historia
Todos os olhos
vol-
BANZO
49
\
\
\
taram-se para o peão, que sahia do negocio
um
conferindo
Iroco.
— Redomão
— Qu
gente
— Vem contar a historia do Penador.
— Uai Então ainda preciso contar isso
'
!
e
lá,
!
é
!
Quem não
sabe
?
E
o peão, alentado e airoso
curibóca, riscando a terra
da chilena,
a larga roseta
ri-
um
em
perguntando
— Quem
com
adiantou-se vagarosamente,
sonho. Parou, relanceou
volta,
?
é ahi
em tom
olhar alegre
chocarreiro:
que não conhece a historia
do Penador?
— Este camarada,
explicou Libanio, mos-
trando o velho, sempre impassivel.
casquinou
guinada
um
e,
risinho.
Redomão
Jogou o corpo numa
de cabeça baixa, enrolando^o
ci-
garrro, falou ao velho:
— Ainda que mal
é
d 'aqui
?
— Não sou.
— Está se vendo.
— Estou aqui de
Bom
pergunte: Vosmecê não
Jesus.
passagem.
Vou
p'ra
BANZO
50
— Vai no bom
e,
leiíipo.
Acceiídeu o cigarro
s€ntando-se no poial, o curibóca começou:
Pois então escute
lá a historia
depois, se acliar do que
rir, ria
do Penador
e
á sua vontade.
Os caboclos atropellaram-se aos empurrões,
formando roda, uns de cócoras, firma-
dos nas pon(as dos pés, outros estirados de
flanco,
Q
o busto soerguido sobre o cotovello.
velho encostou-se a
fumando, com
um
um
dos esteios, sempre
riso escarninho
estampado
no rosto.
Longe rinchava um carro de bois com
tridente e
monótono soldo; anuns piavam nas
moitas próximas
e,
rebrilhar a estrada,
Redomão
tas.
— Ali
nho,
é
es-
ao sol cáustico, que fazia
moscas esvoaçavam
ton-
poz-se a falar:
por detraz d'aquelle
assim,
nhô Barreiros, o Frutal.
o sitio de
Vosmecê conhece
cen'i-
?
O
velho af firmou:
— Hen-hen
— Terra que vale ouro
!
mo
!
Pois
que começou a trabalhar o
do Penador.
O
moço bom como
dono d'aquelle
elle só,
nhô
foi ali
mes-
mau sangue
sitio
Pires,
era
um
casado
BANZO
51
coJii a
moça mais bonita
destas paragens, nhá
Cabello era
Nunca
Lina.
ali
nunca mais hei de
como de
nita
!
E
ver.
tanto tinha de bo-
um
Foi
bôa.
choro de fazer
pena por esses ranchos quando
coitada
!
A
nem
igual
vi
morreu,
ella
em tom
cabrocha accrescentou
plangente:
cm
— Ainda hoje se
chora.
—-Ainda hoje
os caboclos confirmaram
!
E
acenos compadecidos.
— Nhô
filhinho,
— era
Pires
elle,
que nem
louro
aproveitar a terra,
foi á
mulher e
a
Vi lia Velha e ajustou
camaradas: gente destorcida
Penador veiu no bando.
raphim.
um
inglez — querendo
serviço.
p'r'o
O nome
delle é Se-
Moço, bôa cara, boas maneiras
vivo na enxada que era
um
gosto.
e
Foi logo
ganhando a estima dos patrões e merecia,
isso merecia.
roçar
um
derrubar
Não havia
matto, para cavar
uma
arvore.
Pires não cabia
lembra, capitão
gente,
outro
em
?
si
Só
como
um
elle
aceiro,
Braço valente
de contente.
falava do
!
para
para
Nhô
Vosmecê
sitio,
da sua
das plantações, da colheita e já pen-
BANZO
52
sava
com
em
coiiiprar mais
as d'elle, (|iiando,
acordou gemendo
com
alnui da
O
que
Lina
manliaii, iihá
foi
esse que, de
seu vigário estava entrando no
lardinlia,
tio
uma
gemido
e
para emendar
lei'i-as
o Santissimo
no abrir da
e.
moça subia para
essa morte
foi
o ceu,
nem eu
com
si-
lua,
a
os anjos.
A
sei conlar.
casa ficou fecliada e nliô Pires, escaveirado,
cliorava
que nem criança.
pelos caminhos,
Sabia de noile
cemitério
beirar o
ia
genle ouvia o choro delle,
triste,
cortar o coração mais duro.
Nem bem
um mez quando
passado de
com
o
e
triste
a
de
havia
pequeno cahiu
febre.
— Êh
!
sangue, rosnaram
com
terror.
Re-
domão olhou em volta e proseguiu:
Nhô Pires fez tudo mandou longe buscar um doutor, mas qual
a criança ia aca-
—
:
!
bando devagarinho.
Que remédio?!
dor estava no
sitio
pena, ia ficar
com nhô
Que dôr
min.
Nhô
o
Lá
foi!
Pires,
cavando
coitado
Penador na
terra,
!...
e,
de
Pena-
noite,
com
Pires perto do curu!
minha Mãi do
ceu.
Emíim... Ficou só e
trabalhando e o sangue
<
BANZO
53
do Penador fazendo ingralidão.
Níiô Pires
não podia adivinhar. O tempo correu levando
moço, coitado
a trisleza e o
balho
com
numa
toada, todo o
tra-
Era desde o ama-
sua gente.
a
nhecer alé as Ave Marias
entrou no
!
um
malhar de ferro
mundo vergando
a espi-
nha, suando no duro e a terra... p'ra traz!
Nhô
Pires semeava, o sol matava a semente;
tornava a semear, a chuva varria tudo.
mecê
nem
já viu a terra
gente.
séria.
dava
que,
juizo,
O
adoecer
Frutal ficou
?
pois adoece que
em
petição de mi-
A vida de nhô Pires desandava, desanmesmo e tanto elle soffreu, tanto perdeu
uma manhan, sem fazer conta do prevendeu o
a
silio
nhô Barreiros.
depois do negocio que nhá Malvina
lhe fale
nalma
Nhá Malvina
pelo
Vos-
Foi
— Deus
— disse a razão da desgraça.
!
conhecia gente de
azedume do suor
e foi
mau sangue
uma
ponto passar
vez perto do Penador para vêr que elle era
dos taes.
O mal
estava
e
ninguém sabe
delle.
sitio,
Nhô
desappareceu
tou a cavallo
conta do
feito.
Nhô
e,
Pires
até
monhoje,
Barreiros tomou
despediu o Penador
e,
sem
'-:^fii
BANZO
54
cm pouco lempo bolou
(lespeza maior,
que nem
do,
um
brinco.
aquillo
Pcnador ganhou o mun-
Irahalhaiido onde topava que fazer.
iVlas
mão numa
que
era ponlo pôr a
íôsse,
era aquella
da ponte nova
e
coisa, íôsse o
Serviu
ccí'l(v.a.
obras
ijas
aconteceu o que aconteceu.
Entrou de canqieiro no Monte Alegre e deu
uma
gado que
peste no
propósito.
Ganhou fama
mesmo um desHoje não ha quem
foi
!
não conheça o Penador, ninguém quer saber
d'el]e,
nem
de graça.
que ha de fazer? Se
entra
o
numa
A
gente tem pena,
elle,
roça e furla
de
uma
noite,
com
adiantou-se
e,
fome,
espiga de milho,
amanhece praguejado.
milharal
mas
Libanio
estendendo o braço na direcção
do cerro, disse:
— Olhe,
ali
havia
lhor deste lugar,
é d'ella
?
fonte,
a
agua me-
Ficaram as pedras por muito
Peior que raio
—E
uma
como
Que
o d amuado bebeu...
favor.
!
vive essa creatura? perguntou
o velho.
— Sei
lá
!
exclamou Libanio, com
ódio.
cabrocha explicou, sempre amazorrada:
A
BANZO
55
— E'
o cachorro.
— Que
— Uin
E' elle
cachorro
tinlioso
?
que anda sempre com
elle.
que dá tudo.
— O cachorro
— Cachorro...
?
O
diabo é que
O
é.
velho
sorriu.
— Vosmecê
mão.
não acredita? bradou Redo-
Pois olhe,
debaixo
do
está pertinho
elle
Se vosmecê quer
umbuseiro.
vêr sua vida virar
d'aqui,
duma
vez vá ter
com
elle,
lá.
Nesse momento
uma
voz de criança bra-
dou na estrada: «Olha o Penador!» Outras
vozes cresceram: «Mofino
boclos levantaram-se
!
em
dos; saltaram á estrada.
Penador
!»
alvoroço,
O
Os
ca-
alarma-
velho seguiu-os.
Libanio correu ao negocio e voltou empu-
nhando uma garrucha de dois canos.
O
sol ardia.
lustrosas,
scintillavam.
cidos subia
madas e
As arvores immoveis, muilo
um
Dos capins amolle-
cheiro quente de silvas quei-
a estrada amarella,
poenta, esten-
dia-se direita' por entre o macegal.
BANZO
Um homem
farta e inculta,
esfarrapado, descalço, barba
um
velho chapéu de palha en-
com um cão no rastro,
vinha vindo lenlamente, vergado como a um
terrado na cabeça,
Por vezes cambaleava
grande peso.
sombra tremia ao
a
mão em
sol.
O
e a
sua
velho olhava,
com
que
um
pala, e a cabrocha,
tirara
murmu-
rosário do seio, repassava as contas,
rando exorcismos.
— E'
— E'!
elle!
O
ho-
numa nuvem de poeira,
luminosa como um halo. De instante a
fina
Houve um
mem
e
silencio de hesitação.
avançava
revirando
tante
parava,
como
á procura de
alguma
tia-se
nos mattos,
farejando,
da,
virando,
coisa.
a
O
ins-
cabeça
cão met-
sabia á estra-
sempre de focinho baixo, em farisco
aqui,
De repente TJbanio adiantou-se com
arrogância, empunhando a garrucha engaah.
tilhada
:
— Volta
vai bala
!
Volta p'ra
traz,
Penador, senão
!
— Volta,
desgraçado; intimaram os ca-
:
BANZO
57
O homem
bócios.
sem
esteve a olliar,
estacou,
o mais leve movimento, hirto ao sol.
— Volta!
Elle íez
um
Não
gesto
trazia ás costas,
e,
teima,
Libanio.
insistiu
rebuscando o sacco que
puxou-o á
frente,
tirou
uma
tomou-a a mãos ambas, acenou com
cuia,
derreando a cabeça
ella á boca,
de beber
e,
com
em menção
toda a íorça que lhe restava,
rouquejou:
— Agua
— Vai beber no inferno,
!
respondeu o capitão.
O
seu sangue ruim
velho
!
murmurou com-
movido
—
-
Isso é falta de caridade, gente.
— Uai
está
O
!
Redomão,
chasqueou
com pena?
vosmecê
Apois... porque não vai lá?
velho deu d'hombros
e,
enchendo o cachim-
tornou vagarosamenie ao alpendre res-
bo,
mungando.
— Ah!
Um
você não volta? rugiu
tiro atroou,
pado.
O
Libanio.
rolou no silencio do descam-
velho precipito u-se na estrada es-
pavorido e ainda poude vêr o infehz que fugia
a correr,
com o sacco
a saltar-lhe ás costas.
BANZO
58
sempre seguido do cão. E os caboclos riam
ás gargalhadas sapateando no pó.
— Este
mas
só mod'assiislar, disse Libanio,
foi
se elle leimasse o outro ia
damnado
P'ra longe, sangue
mesmo, duro.
!,
Regressaram todos ao alpendre
em
.,
e o velho,
resposta á troça que lhe fizeram, engrolou
meio desapontado:
— Eu não digo que não
acredite,
mas uma
sede d'agua não se nega a ninguém,
migo que
— Uai
não
foi
uma
ini-
seja.
!
E vosmecê não
levar
— Não ve
é
um
coisa.
estava ahi
?
como
?
!
exclamou
Esse
é
Falar
agachados no matto
O
mordendo cartuchos.
e,
da roda.
dos taes que empurram
a gente p'r'o fogo e ficam
a cabeça sorrindo
um
velho
meneou com
accendendo o cachimbo,
recolheu-se, de novo, ao seu canto, junto ao
poial.
Kedomão, sempre
uma palmada
alegre,
atirou-lhe
ao hombro.
— E' assim mesmo,
compadre
Seguro morreu de velho.
De
!
tolo é
Deixa
lá
!
que você
não tem nada. E, ajustando ao queixo a bar-
BANZO
59
beta do chapéu,
sahiu do alpendre.
Bom,
mas o serviço
me chamando. Até amanhan
Foi ao tellieiro, puxou o pangaré
gente, a prosa está bôa,
está
!
cabresto,
rijo,
montou-o d'um
sacudiu o braço
cavallo arrancou
em
salto
num
e,
pelo
picando-o
adeus geral.
O
galope arrojado.
Uma nuvem de poeira levantou-se na estrada, houve um desabrido ladrar de cães e,
de novo, o silencio cahiu na reverberação entorpecida e estuante do sol.
NO RANCHO
-''-
-" - '
.
f -',~ls:
^l/y^
•/,
y/f
.if
%i,
.1/ .ti^.M/.
«i/.My.
>i/_»i/..M/_\l/-^|KV'ri)^ jfe.jU..ala.jtí
.^^f
M^ .Mr..llt-<'-<^..<i^.Jfe-alg.J'g.>K
A Medeiros e Albuquerque'
Osólo,
a
de areia fofa e adusta,
macega arrepiada
aspecto misérrimo de
Lanhos
ipueira.
uma
fendiam
com
a
e secca, tinha o
vasta,
a
esturrada
terra
friável,
d 'uma côr dessorada, esbarrondando-se esfarellada ao cauto pisar das mulas.
De longe em
colossaes,
herva
em
das luras
longe, á maneira de
marcos
avultavam negros penhascos com
tufos pelos rebordos
em
ou rompendo
vibrissas hispidas.
Altos mandacarus retorciam-se angustiados,
zeas
espalmando avidamente as hnguas brône,
em
tomo,
em
viço hostil,
aspas os gravatas resequidos.
eriçavam
•".-" '^ÍXfT?^-"-
BANZO
64
Por
em rampa,
lava
a
vezes, abrupto, o terreno fugia, resva-
quebrava-se
hervagem espinhenta
e os
em
escalões sob
animaes ladea-
vam moutas douradas e navalhantes, esmaltadas das «gemmas d'ovo)) dos jóás, sentindo
debaixo das patas o vácuo dos caldeirões, o
cavado das grotas.
Para
las
um
lado,
em muralha ameiada
d'ares-
agudas, eram os alcantis de pedra núa
e,
assoalhando aridamente a planicie calcinada,
alvos lençóes d'areia,
dunas pojadas, d'um
brilho vitreo, micante que deslumbrava.
Sentia-se
em
fluido tremulo
morno,
A
as
uma
rútilo,
do vageiro deserto.
ar
coqueiro derreava-se, com
palmas esfarrapadas, algumas
pendidas,
O
abafava.
um
espaços,
adustão de rescaldo subir
esperneando
ao
já mortas,
longo
do
caule
como enormes centopeias.
Anuns reluzentes abalavam em vôo molle,
cangado, piando; pousavam em ramos frágeis
equilibraiido-se
zurzida pelo
oscillantemente.
sol,
seguia
em
E
chouto,
a
tropa,
sacole-
jando os surrões no rastro da Faisca^ a mula
"«aw-f^ç-^w^íí^s»!^^"
BANZO
65
que batia os cascos,
dianteira,
espalhando
sacudindo airosamente os guisos da
areia,
com
cabeçada,
o chocalho a cascavellar o ry-
thmo da marcha.
Eram
oito
animaes de cargueiro,
rijos,
piso firme, vaqueanos naquelle rumo.
lavam seguros atravéz da planicie
de
Desfi-
árida, rasa,
sem nesga de sombra nem húmida frescura
d'agua.
Dos
tos
hirsutos capins pennugentos gafanho-
em enxames
espirravam
Lagartos esfusiavam met-
estrallejo rispido.
no silencio fulguran-
tendo-se pelas taliscas e,
te e tórpido,
voejando com
por vezes,
sentia-se,
um
hausto
abrasado como o offêgo ancioso da terra nos
paroxismos da fecundação.
O
céu,
dum
cerúleo polido de esmalte, re-
sem nuvem:
luzia, vasto, iinpassivel,
em
redente azul,
phano,
a serra,
como
alta
envolta
e
e longe,
em fumo
frondosa,
dia-
fechava o
horizonte.
A
Faisca pimponeava arrastando o com-
boio no seu garbo
sal
e,
lustrosos, os surrões de
ringiam dessorando,
aos vascolejos nos
;í:w:í<;
BANZO
66
flancos das alimárias,
por vezes, tiniam
em
cujas palas ferradas,
pedras.
dono da
o velho sitiante,
Soeiro,
alentado caboclo, já grisalho,
toral de couro,
com
tropa,
o seu pei-
chapéu cabano d'abas abati-
das, rifle ás costas, deixava-se levar ao passo
picado do pangaré, taciturno, o relho a
na coxa, os olhos semicerrados
prumo
em somno-
lencia.
Os comboieiros, um negro
e
um
caboclo
acobreado, estugavam os animaes, galopando
ora a
um
á frente,
flanco,
ora a outro, aos atitos;
quasi em])arelhado
com
e,
a Faisca,
Jão, filho de Soeiro, rapazote de doze annos
reforçados,
com um chapeirão de carnaúba
e vestia sertaneja, bolsa e faca, trefegava
no
lombo do macho, bambeando as pernas,
atirar
a
relhadas a esmo espantando as mo-
rissocas.
Haviam deixado
e,
á
a villa ao
depois do almoço e
sombra d'um umbu,
uma
lá
romper
d'alva
sesta preguiçosa
iam de
batida, esti-
rão fora, porque Soeiro, amollentado,
com
a
cabeça a eslalar e as pernas frouxas, doridas
'
'í. '~
srVí^^íS*?;-''™*^
VÍÍ^Tn:--^-;--.!:
BANZO
67
nas juntas,
ancciava pela casa,
forçando
a
viagem para poderem chegar na larde do dia
seguinte.
Iam
feitos
ao rancho iVAgua santa, além
da serra, nos bravios da outra banda:
pela doce
lá,
sombra da
e de
estrada, Ioda entre
arvores, por vezes limpidamente corlada por
um
ribeiro sereno,
sali
iriam de madrugada,
ao rumoroso acordar das pombas.
Ao
fim da garganta escabrosa, eidre bar-
rancas escalavradas
por
um
em
escaras de granito,
solo áspero onde o passo dos animaes
estrallava sobre a crosta de lages faiscantes,
appareceram arvores de larga fronde. 'Mas
o que poz
em
alvoroço a companhia
foi
a
niouta de buritys annunciadores d'agua.
Era uma ponta viçosa de matta. Homens
e
animaes resfolegaram antegozando a
d'um pequeno descanço naquelle
O
terreno subia
em
acclive,
delicia
refugio.
duro e secco,
mal vestido de hervagens intanguidas. Bandos de jandaias passavam chalrando na direcção do arvoredo e as mulas,
ávida da sede,
romperam
na pressa
a trote, apezar das
'..
'''Z^WíS^,!
BANZO
68
vozes dos coníboieiros qu€ receiavam pelos
suiTões.
Mas
gritos.
a Faísca, afogueada, desaltendia aos
Foi necessário correr, largar as mon-
tadas no encalço da tropa que,
com um
resoante rebater das cangalhas,
xo,
frou-
arran-
cava a galope amotinado, direito ao malto,
cheio do chirrio estridente das cigarras.
A
Faísca enveredou esmagando as hervas,
com os surrões aos esbarros pelos troncos
em fila, seguiram-na as outras mulas; e
e,
os
coníboieiros, varejando o cerrado, arremetle-
ram em desapoderada
corrida..
Jão conseguiu tomar a frente á recua
e,
hirlo nos estribos, aos berros, atirava relha-
das contendo os animaes que se juntaram
em
foi
bolo,
refugando.
O ar fino, cheiroso, do interior sombrio
um refresco reparador para todos. Sentia-
se o
aroma picante das resinas
e o cheiro hú-
mido dos aguaçaes lodosos.
Borboletas voavam
e,
de espaço a espaço,
escassilhos das francas,
i»()i'
entre
os
ramos
insinuando-se pelos
um
raio de sol descia
BANZO
69
a
em
abriíido-se
terra,
disco luminoso nos
de folhas ou rebrilhando tremulo
balseiros
nas marnotas enxameadas de moscas reluzentes.
O comboio
um
grosso cipó
leiros a
um
penetrava a passo.
em
Por vezes
redouça forçava os caval-
curvarem-se sobre os animaes ou era
tronco, atravessado na trilha, coberto de
torlulhos
como um cadáver
a rebentar
em
po-
dridão.
Um
soído perenne zunia no silencio au-
gusto. Teias d'aranhas oscillavam abertas entre os
([ue,
galhos e os insectos fugiam-lhes ainda
não raro, desviando-se,
d'azas,
em
vivo golpe
da que se lhes antolhava diante, es-
barrassem
em
outra,
escondida na sombra,
onde ficavam captivos. E zumbiam vibrando
desesperadamente as azas,
se
em
esforços de
arrancarem á cilada; e a aranha, ao centro,
impassivel,
quedava encolhida, certa da
se-
gurança da presa.
Iam
os comboieiros vagarosamente quan-
do a Faisca, que se desviara para
da,
uma
estra-
estacou d'orelhas tesas, olhando a
fito.
BANZO
70
O
resto da Irópa íisbarrou cspaiilado,
anl«í
um muro
que, subi lamente, se houvesse
Alguma
erguido.
como
coisa assuslara os animaes,
detendo-os.
Eífectivamente, por entre os ramos, subia
um fumo
lento e azul brilhando
volta ao atravessar
Jão,
espalmando
um
a
em
gaze re-
raio de sol.
mão na garupa do ma-
cho, voltou-se para Soeiro:
— A mode que tem gente na beira d'agua.
— Mió disse o
com indifferença.
sitiante
!
A agua
defluia
com um brando murmúrio
por baixo das hervas; espelhando, aqui,
em
abertas até sahir livre
correr crystallina sobre
lodo
em que
se
um
num
ali,
rego e dis-
negro fundo de
desgrenhavam
raizes capi lia-
res.
Insectos fmos, ágeis, resvalavam na superfície lisa
da corrente investindo a
tro lado e
ral)eavam
negros bobós,
em cardumes
um
em forma
e a ou-
de cravo,
charfurdando na vasa
ao perceberem os intrusos.
Os animaes,
lameiro,
atolando- se lascivamente no
baixaram o focinho,
e
puzeram-se
i^^.-r:-'
>
-.^-í"-
?.
'i
BANZO
71
a
agitando a cauda,
sorver sôfregos,
com
que zurziam os moscardos. Roncos e borbo-
rygmos sahiam-lhes do
tes,
ventre,
e,
por
instan-
rolou soturno, reboante na quietação
sil-
vestre o grugrulejo sedento da recua a desalterar-s€.
Os
cavalleiros
apearam e Jão, que se met-
tera afoitamente ao
um
penhasco,
matto,
olhando.
quedou junto
Os comboieiros
a
se-
guiram-lhe as pegadas; só o sitiante conservou-se montado,
as
mãos
juntas,
pousadas
no pescoço do animal, afrouxando as rédeas
para que
elle
bebesse.
Matutava dislrahido, a olhar os altos
chados
em rama
espessa por entre a qual,
fe-
com
o bolir da aragem, appareciam bocadinhos
de céu dando a impressão de flores azues
abertas lá
em
cima, ao sol.
Japys chasqueavam e rendeiras davam
talos repenicados
A um
çaram á
como
estrillos
es-
de bilros.
aceno de Jão os comboieiros avansorrelfa,
cautelosos,
mostrou-lhes á beira da
to á nascente,
um
e o rapazola
pequena lagoa, jun-
grande velho magro, com
BANZO
72
hombros em
OS
resalto giboso e espalhada
dum
sobre os remendos
á farta pelo peito,
casacão sovado, a barba longa e amarella co-
mo
estriga de milho.
Curvado sobre
um
fogo de gravetos, que
as taiobas protegiam do
ponta da faca,
um
sacco de
pedra,
uma
silencio
d'allamão.
diz,
Um
ramo,
numa
e,
Os
fai
Jão que interrom-
pasmado cochichando:
é gente d'aqui, não.
é! afíirmou o negro.
Oia bem.
Job
?
O
Tem
geito
Até parece, mal com-
criatura baptisada
oce
seu
dos santos.
Aquillo é barba
parando, o Judeu Errante.
di
O
o largo chapéu de feltro.
jazia
— Não
— Não
na
arvore, era alto e
em gancho como o
lona pendia dum
comboieiros olhavam e
peu o
assava,
tassalho de carne.
bordão, encostado a
terminava
vento,
?
!
outro,
Oia
só.
Qui
é qui
encolhendo os hom-
bros, exclamou:
— Eu
Jão perguntou
— Ocê tem corage
— Eu? Qu'é qu'eu tenho
sei
ao negro:
!
di fala,
Eu, não
!
Seja
quem
fô,
não
Tarquino
c'o esse
é
?
bicho?
da minha con-
BANZO
73
E deu
ta.
O
volta.
caboclo seguiu-o.
ainda ficou a olhar, boquiaberto.
Mas
Jão
o velho
Soeiro, ao ter noticia do encontro, qliiz ver
o
homem
apeando a
e,
rédeas do pangaré a
chapinhando no lodo
Ao
estrallejo
a cabeça biblica
um
custo,
prendeu as
galho e caminhou
flaccido.
da folhagem o velho voltou
e,
dando com o
sitiante, car-
regou o sobr'olho encarando-o immovel, com
o naco de carne a rechinar ao lume.
Os ossos do
rosto saltavam-lhe sob a pelle
crestada; a fronte,
nha
um
pas,
escampada
e lisa,
ti-
brilho ebúrneo; a barba espalhava-se-
no peito
llie
alta,
e os cabellos brancos,
em
falri-
esvoaçavam á viração.
Os olhos pequenos, agudos, dum
tallico,
azul
me-
luziam no fundo das orbitas sob a es-
pessa macega das sobrancelhas, e recurvo,
em gume, o nariz avultava-lhe no roshostil como um bico de abutre.
Não fez menção de erguer-se, mantendo-
afiado
o,
se impassivel.
Soeiro saudou-o:
— Deus lhe dê boa tarde.
maneceu immovel,
O homem
sereno, d'olhos
filos.
per-
Os
BANZO
74
em
comboieiros agruparam-se
móde
qui não intende.
presago, ajuntou:
—O
do
si-
negro sussurrou:
tiante e o
—A
volta
que
?
Quem
sabe
E,
em tom
!
perguntou Soeiro, impressio-
nado.
— Uai
Não
!
A
gente no
mundo
topa di tudo.
dixe qui elle anda pur ahi penando
— Quem, criatura
— Antonce mecê não
?
?
sabe
?
e
baixando
a voz: o
Judeu Errante. Oie bem nesse home.
Onde
que
é
já si viu
genfansim? E o negro
afastou-se persignando-se.
Soeiro não desfitava os olhos do velho:
— Ainda
d 'aqui
um
?
que mal pergunte: vosmecê
O homem
olhar atrevido,
relanceou o grupo
mas levando
é
com
o pedaço de
carne ao lume poz-se a viral-o na ponta da
laca,
cerrando os olhos á fumaça que subia
dos gravetos.
— Pôde sê estrangêro, disse o negro.
— D'onde?
— Sei O outro também E' dessa
lá
terra
!
é.
lá
damnada onde mataram Nos'Sinhô.
BANZO
75
seu
Oie,
quem
fô,
tocando
perde a
!
o
mió
é a genie
Quem
topa no
com'ansim
não se
Bam'embora
!
caboclo
Bamo
íiá.
mundo com
seja
esse veio
nunca mais levanta a cabeça.
sorte,
Tesconjuro
O
ansim
capitão,
íoi
!
o primeiro a retroceder ca-
bisbaixo, enrolando pensativamente o cigarro.
Jão seguiu-o, tirou o macho pela rédea,
montou sem
dizer palavra e abriu a marcha.
Os comboieiros tocaram os animaes. Soeiro
quiz insistir com o velho. «Talvez estivesse
perdido...» mas o negro bradou:
— Bamo,
seu
ansim, nós não
cheguemo hoje nAgua Santa.
E modi quê...
E Soeiro, não
do
solitário,
Mamparriando
capitão.
obtendo resposta alguma
montou
o pangaré e já o choca-
lho da Faisca tilintava longe
quando
elle ri-
lhou a esporas o cavalio, que arrancou
num
galão esparrimando lama e foi-se patejando
•
no terreno molle.
Sahiram ao
sol
vre, á luz plena,
tos
e,
na segurança do ar
emquanto os animaes
trotavam no macegal,
aqui,
ali,
li-
refei-
acogu-
-MW
BANZO
76
lado
0111
cupins, foram os coinboieiros coni-
mentaiido o encontro.
— O bicho
qu'é damnado
— Oiie barba
— E ocê arreparô nos óio Jão,
é feio
!
!
?
macho,
á frente, virou o
para
salto
treito,
caminho
(]ar
fel-o
subir a
que
um
ia
re-
á irópa no trilho es-
entre barrancos, e esperou os compa-
nheiros.
A
Faisca passou nimi
e loí>o a recua
em chouto
tira-tira
socado.
firme
Guando
os
comboieiros chegaram Jão deu d'esporas ao
macho
e
emparelhou com
elles.
— A mode qu'ocê também não sympathisô
có
hcim Jãosinho
veio,
d "h ombros.
E
oce,
uma cusparada
llio,
Job
?
O
?
O
rapazola
deu
caboclo pinchou
endireitando-se no lombi-
e,
disse:
— Queira
Deus
!
Ocês não
se
alembra do
caso de majó Rufino, do Engenho da Cariman?
— Eu
ouvi conta, disse Jão
e,
macho para a ilharga do caboclo,
conta. Ocê foi de lá, não foi ?
— Fui vaqueiro,
— E anlonce
?
tocando o
pediu:
por minha desgraça.
Mas
^i
:
BANZO
77
— Majó Rufino era home de valia e acabo
como acabo. Seu
capitão deve s'alembrá.
E
Soeiro acenou de cabeça
affirmando.
o
caboclo narrou no silencio atiento:
com trovoada
um
appareceu
Não
nem d'onde
era
não
que
Uma
dum
noite,
relampo,
veio no copia pedindo pouso.
quem
dixe
Rufino,
brava, no alumia
acreditava
vinha.
Majó
nessas
cosa,
abriu a porta e arrecebeu o pilingrino.
que quando
o
elle
lampião tremeu,
Dixe
poz o pé na sala a luz do
as
viga todas estrallaram
uma criança pagan, que lava drumindo
numa estêra, acordo, sento sosinha e choro.
Majó Rufino nem cumu coisa... O veio não
se detô na rede nem toco no prato de comida
e
ando toda a noite no quarto, bangu, bangu.
de cá pra
lá,
de lá pra
cá,
falando só.
De
manhãsinha sahiu e bateu pé sem dexá rastro.
Foi a desgraça que entro naquella casa.
quê nem pruquê, que o anno não
o cannaviá
p'r'o dia,
foi
Sem
de secca.
deu em murcha e mirro da noite
o gado cahia no campo bambo das
perna, ca lingua pendurada, e morria.
Clodina, muié forte que fazia gosto, teve
Nhá
uma
BANZO
78
dô
morreu som dá lcm[)0
(3
|>'ra
em
andava meio avuado, deu
já
um
majó Rufino,
raio poz fogo no paio ale que
que
nada,
dizô bar-
baridade conti-a Nós'Sinhò, querendo quebra
os santo da capella, melte o
Uma
noite desappareceu
e,
machado no artá.
ninguém
até hoje,
Diz que anda co Judeu Errante.
sa])e delle.
Verdade ou mentira, o causo
aconteceu.
O
Engeiíiio
tá lá,
que
isso
tudo
terra boa,
mió
é
Não é verdade, seu
capitão? Soeiro aííirmou. Gado que pasta
naqueties campo morre dempache; fruta da-
não
lia
e
ninguém qué.
nem passarinho come.
quellas arves
— E oco viu o
Job
— Eu, não; graças a Deus
veio,
Quem
da.
ine
Tilo selleiro.
A
o
foi
!
Tava na maia-
Firmiana,
mãi do
Calaram-se.
luz crua
caminho
conto
?
do
sol scintillava
crepitava,
árido,
nas pedras,
sob o passo dos
Da sombra de um umbu, sohtario
no páramo alvacento, um bando de pombas
abalou com estridor d'azas demandando os
animaes.
alcantis oni"elados de matlo palhiço.
Pegões de vento adusto revolviam a poeira
BANZO
levantando turbilhões que percorriam o agro
em
espiras torvelinh antes levando denvolta
Nuvens cresciam túmidas
folhas seccas.
ac-
cumulando-se na barra do céu empannado de
nevoaça;
O
Longe em
placável.
pio
dave soava.
suor,
olhos
enervava.
e o calor abafava,
morte na fulguração im-
silencio era de
abanando as
longe,
em
queixume,
um
Os animaes reluziam de
orelhas, de cabeça baixa,
desfilando
semi-cerrados,
em
chouto
moUe.
Súbito: O' gente
bradou Soeiro, sustan-
!
do o pangaré, a móde que nós
O
negro releve a mula
e,
bamo
errado.
tirando o pito da
boca, retrucou;
— Uai
!
Antonce vosmicê não conhece o
Pedregá, seu capitão
Daqui
a
um
Nós tamo no Pedregá.
?
nadinha é a Lagoa d'Anta e co-
meça o caminho bom, por meio dos cajuêro.
E
rindo: Havia de tê graça, gente veia perde
rumo. Mas o
sitiante insistiu:
— E aquella matta acolá
— Matta Apois aquillo
lulo é o
?
Vosmecê
lá
esquecido
?
?
Sem
Buritysá
responder, o
?
si-
BANZO
8o
locou o pangaré e o negro atirou a
tiante
mula pelo
que
areal balofo no rastro do comboio,
uma
longe levantando
ia
Soeiro
gemia
poeirada d'ouro.
entalando
as rédeas esquecidas
nulos,
animal.
Sentia
apuado que
a
cabeça
nas
no pescoço do
como um capacete de
ferro
lhe fosse apertando a cabeça, es-
magando-a, varando-a, e
uma
sede abrasada
fazia-o recorrer, de instante a instante, á bor-
racha,
mas
a
agua grossa, morna, salobra,
causava-lhe repugnância.
Cuspinhava enjoado e
do cavallo, ardendo
soalheira, tonto, a
em
lá
febre,
ia
á
discrição
queimado pela
bambear como
ébrio,
sem
consciência do caminho que seguia.
Nuvens densas, escuras, subiam atropeladas no céu de cobalto,
fma
assediando o
sol.
nesga alcancou-o e logo larga sombra
rapidamente correu, alastrou a planicie arenosa.
Era
a
tormenta improvisa,
traiçoeiro da tempestade estival.
sol,
Os
o assalto
raios do
escapando-se do sossobro, refrangiam
feixe
sobre
as
collinas
atraz; e á frente era o
em
que haviam ficado
negrume tempestuoso.
BANZO
8i
Surdos
O
riiiiiorcs roUiiiiliavaiu.
caJjoclo
bradou:
— Apcrla,
geiíle
Agua
!
veia
lá
hi,
não
tarda nada. Siricóra lá cantando.
^-
O mió
é
a gente
Tá
disse o negro.
li
pro
loca
BurijLisiu
nieniu e a genle Oca no
ranciío de Pajehú.
— No
num
rancho de Pajehú! exclamou Jão
arremesso de espanto.
— Ocê
tem medo,
Deus de vida
uma
e
saúde a quem
noite sósinho,
(|uando
houve
Jãosinlio
a
?
já
Bobage
drumiu ali
!
no tempo das inleicão.
queima
do
coroné
Fer-
nande.
— Ocê
— Uai
Eu
?
!
Garrucha veia queria come
só e Deus.
E não
vi
senão bacurau e de
voz só a do cururú no brejo.
e
Pajehú
Antes
ali
fez
um
O
lugá é
bom
rancho p'r'agu€ntá tempo.
no gazaiado do que dibaxo de chu-
va por este estirão mardito.
com
eu...
o relho o arvoredo,
Oie
!
e apontou
na baixada.
Vol-
tando-se, então, no lombilho, encheu a voz e
falou a Soeiro distanciado:
Capitão, o mió
!
'
BANZO
82
é a gente toca p'r'o rauclio de Pajetiú,
de
catií
ante
o tempo.
Soeiro não respondeu e
com
a
cabeça
lombada, anciando e gemendo, á distancia,
parecia coctiilar no lombo do pangaré que
acompanhava passivamente o comboio.
Toca ordenou o negro, e o caboclo,
—
!
esporeando
— Toca
a mula,
o rapazola,
a laca.
a tropa.
A
E
a Jão:
p'r'o Buritysá.
Rija lufada
e
bradou
uma
levantou
tomando
a
poeira
dianteira,
densa
estalou
Faísca amiudou o passo puxando
trágico, a
um
clarão livido, ribom-
bou o estampido do primeiro trovão.
ff
-ffí-,
II
OBuriiysal
era
uma explosão
de ver-
dura.
Depois da imnicnsa, rasa
amarelleiíla
cie,
e
desolada planí-
ou branca sob o areal
nado, queimando e reluzindo ao
sol,
calci-
avultava
improvisa aquella matta soberba como a ex-
pansão violenta do húmus recalcado, o rebojo
impetuoso da seiva abafada sob o solo
rido,
do
impermeável daquelles paramos,
em
viço sobrenatural,
Era
um
um
affiuin-
dando á paizagem
plethorica a grandeza desconforme de
raíso no limite de
tór-
um
pa-
inferno.
luxuriante,
acceitoso
oásis ex-
tremando-se da inclemente Ihanura, com as
BANZO
«4
foiílcs
cm
borhiillios oscaclioaiiles,
íios ligei-
ros e cryslalliiios tragua scr|)eaiido,
ras Iraidoras sob liervaçaes,
troncos mons-
palmeiras esbeltas, íétos
truosos,
abafei-
em
rendas
delicadas, mimosas, avencas e tramas aéreas
de
cipoaes
que parasitas enfeitavam como
oscillando de leve ao sopro
floridas cestas,
da aragem.
A terra molle, paslosa e negra, reçumava
em apojadura perenne como um peito túrgido
que dessorasse alagadoramente escoando, aos
as
golfos,
sobras
revessadas
pelas
raízes
fartas.
As veredas desappareciam da
noite para o
ao pullular fantástico das hervas.
dia
torno da raiz resaltada
vam
dum
Em
tronco rebenta-
renovos, enfolhavam-se, eram,
em
breve,
outras arvores.
Os ramos vergavam
frondes,
unidas
e
altas,
espessamente,
densas,
pareciam
as
a
copa duma só arvore prodigiosa onde se juntavam,
com um
dores e
macacos
silvos,
e,
chalreio,
um
grasnido atroa-
guinchos, pios: aves, saguis,
sem descontinuar, choviam, em
BAN ZO
85
eslalidante saraivada,
coquilhos,
frutos,
cascas de arA^ores
lhos seccos,
como
animaes se divertissem esbultiando a
que os agasalhava
Uma
os
floresta
e nutria.
lagoa escura espraiava-se adorme-
cidamente, larga e quieta,
bre.
se
ga-
Em
torno,
eram hervas
intonsas,
res pendidas,
in^mersas,
pelas
em sombra
margens
resvaladías,
flores bizarras,
ram"os arriados
lúgu-
com
arvo-
as folhas
apodrecendo nagua velada
e
su-
bindo erectas da marnóta, dentre folhas
em
patena ou
em
discos
de bordos revirados,
nymphéas languidas abriam
ficas
corollas magni-
de íinas pétalas transparentes, embalsa-
mando venenosamente o ar.
E a vida do vasto rebalso
pelo
era animada
vôo enxameado das moscas luzentes,
das lavandiscas que esfusiavam, dos mangan-
gás que zuniam, dos grandes besouros que
passavam d'arremesso
inflectia
num
e,
não raro, o pium
bote de frecha, levando no ferrão
o virus que inflamma e abre a carne
em
fe-
rida.
Cotias
ariscas
atravessavam as abertas
BANZO
86
aos
com
l)()ca
e,
scntavam-se levando a comida á
i)inclios,
as
ao mais snblil
folhagem.
olhando
|)alas,
])idici(),
desconfiadas
melliam-se sob a
cantavam
Siricoras
beira
á
d'agna.
Por
vezes,
com
remontava
tuni
forle baler d'azas,
dum
o
cerrado ás franças
mualta-
neiras.
Triste,
fúnebre,
na espessura
e,
a
espaços o nrú gemia
longe,
araponga metallica
a
rangia limando o canto até resoar, d'impeto,
em
golpe de malho que repercutia tinindo.
A
sombra era
culava
e,
fria,
um
como fechando
mysteriosos,
ar de caverna cir-
o interior
com
aranhas estendiam as
todos os pontos
— entre
sellos
tei^s
em
os galhos altos, nas
redes dos cipós, no caule dos arbustos, na
herva rasteira que reluzia húmida.
Era á entrada dessa opulência bruta,
cer-
cada de matto aggressivo, que se acaçapava,
como
a esconder-se,
a choça
chamada
—o
rancho de Pajehú.
O
frente,
comboio caminhou vagaroso, Jão á
guiando a Faísca em direcção á matta.
BANZO
87
Obumbrava em
crepúsculo.
O
céu alumia-
va-se aos successivos, trémulos relâmpagos.
Trovões rolavam, estrondavam
Longe,
na
deserta
e
em
secco.
funérea
planície,
raios zebravam o negror das nuvens.
Pegões
de vento levantavam turbilhões de poeira.
Mal chegados ao rancho os comboieiros
apearam, descarregaram os animaes,
ram-nos no cercado
arrumavam
e,
solta-
recolhendo á palhoça,
os surrões
quando ouviram as
primeiras gottas de chuva bater, estralar nas
folhas
como pedradas
e,
logo
em
seguida,
fragorosamente, despejou-se o aguaceiro.
O
indifferente a tudo,
velho,
manta no chão
mãos á
e deitou-se
estendeu a
gemendo, com as
cabeça, rolando desatinado,
sem
res-
O
ne-
ponder ás perguntas que lhe faziam.
gro
aqueceu a passóca, poz a cha-
fez lume,
ao fogo.
leira
Soeiro rejeitou o alimento,
gemendo, encolhendo as pernas doídas como
se lh'as
A
houvessem marretado.
noite veiu vindo tenebrosa.
começaram
te,
ora
em
a coaxar, ora soturno
gargarejado soído.
Os sapos
ou vibran-
Os
grillos
'
I.
BANZO
88
em rumorejo
eslrillavain
ao
e,
do vento, as frondes levantavam
como
estrondoso
de
rijo
lufar
um rumor
cachoeiras
precipita-
das.
Tarquinio accendeu o pito
que laivava de rubro o pa-
jiuito á fogueira,
Ihiço
da clioça
de cócoras
e,
e
ensanguentava os esteios
fazendo dançar sinistras sombras desproporcionadas, lembrou o valente cangaceiro, ter-
ror daquellas paragens, Pajehú, que
ali
vivera
homisiado, sahindo, á noite, a assaltar com-
com
boios, dispersando-os só
a
fama
terrível
do seu nome.
Tarquinio
conhecia
a
vida
do famanaz
que tinha pacto com o demónio e contava-a
em
voz surda e pausada.
A
Por
e,
lenha
vezes,
crepitava
na cerca,
amainando
ceram á
faiscas.
dos animaes bufava
a tormenta, discos de luar des-
terra,
pelos troncos,
estrellejando
um
clarões pallidos escorreram
luziram nas poças d'agua e
nas húmidas folhas e enxames de vagalumes
romperam
No
scintillando.
recesso da brenha
um som
rouco re-
'«.V,
ff!?? ff-
:
BANZO
89
Os animaes estropearam na
booií.
cerca,
assustados.
— Oia
^
fez-se
como
um
onça...
!
medo
ôi^se a
todos attentos
silencio de horror,
á espera do novo rugido.
Soeiro sentou-se de golpe,
joelhos,
ancioso.
diu agua
em
com
o caboclo; e
mãos nos
as
Rolou olhos despanto, pe-
voz escassa e
a borracha e só,
afflicta.
Jão acudiu
sentiu o calor
então,
que abrasava o velho.
— A mode quocé
O
vellio
tá
cum
nhôr
febre,
pai.
não respondeu deixando-se cahir
nos arreios, gemendo.
O
rapazóte communi-
cou aos companheiros o seu cuidado:
— Ocês conhece febre
— Quem não conhece
— Então vê o veio
?
?
si
boclo
foi
do velho,
não tem
de vagar, passou a
mão
tomou-lhe o pulso,
offego do peito
e,
?
O
ca-
pela testa
sentiu-lhe
o
recuando, acócorou-se junlo
á fogueira
— Febrão Tá quemando.
— Vá vê qu'a gente
aqui
!
-
modelle... disse o negro.
fica
amenhan
BANZO
90
— Isso
isem
10
falara,
do só bravo d'hoje.
foi
cum dò
Eu tam-
de cabeça, e o rapazote, que
comprimiu as têmporas.
— Han
!
Os companheiros
fez o caboclo.
fitaram nelle os olhos sarapantados.
Elle
puxou uma brasa para o cachimbo,
calcou-a no fumo
e,
repetiu o arranque:
baforando
Han
uma
fumaça,
!
— Que perguntou Tarquinio.
— Deus queira Deus queira Foi o
é ?
!
!
dia-
bo que mando a gente entra naquella caatinga damnada.
— O véío
— Han!
— Eu também
?
quiaberto,
!
com
o rosto reluzindo á
os cabellos
fulva,
já pensei nelle.
arrepellados,
Jão,
bo-
chamma
olhava ora
um, ora outro dos companheiros.
Rajadas de vento marulhavam na matta,
vozes indefmiveis passavam na quietude.
O
luar clareava creando perspectivas estranhas
— fundos
de grutas, altares, vultos amorta-
lhados.
O
caboclo sahiu á beira da trilha olhando
o-^
BANZO
91
(
as estrellas nítidas que apparcciani
a noite,
pelos raros da folhagem escura.
As arvores como que
do-se
em preguiçamentos
se
moviam
Lorcen-
voluptuosos, incli-
nando-se umas sobre as outras a combinarem
traições
outra vez, trágico, soturno, o ru-
e,
gido atroou, rolou mais longo.
Um
todos,
dos animaes resfolegou na cerca e
arrojaram-se d'encontro
atropelados,
á estacada abalando-a.
— E'
a
damnada memo,
juntando-se ao caboclo
um
instante,
e,
depois de attentar
apanhou o
entrou,
ao meio da trilha e detonou.
ribombou
em
e
houve
disse o negro,
um
Um
rifle,
grande echo
farfalho de folhas
fuga precipite de patas.
E
sahiu
como
o silencio res-
tabeleceu-se mais profundo.
Soeiro poz-se a resmungar palavras vagas, tontas, incomprehensiveis.
se delle.
O
Jão acercou-
velho agita va-se, encolhia,
esti-
rava as pernas, jogava os braços debatendo-se
angustiado.
Sentou-se circumvagando o olhar, poz-se
de pé,
aturdido,
trahindo o rosto
como estremunhado con-
em
caramunhas.
-'
BANZO
92
De
gente
Ouiz andar, mas
!»
os
bambea-
oscillou,
Jão amparou-o nos bra-
rain-lhe as pernas.
ços,
«Bamo,
repente, avançando, ordenou:
sentar-se junto á fogueira
íel-o
comboieiros
viram,
á luz,
e,
com assombro,
os
olhos do velho enormes, esbogalhados e toda
como apodrecida. O
a cara sarapintada
ne-
gro, escancellando a boca, mirava o patrão.
De
repente,
mou
atirando
a attenção
— Job,
do caboclo.
bixiga
?
O
!
Oia bem.
caboclo não respon-
olhos accenderam-se-lhe intensa-
alumiados para a visão
mente,
cha-
cotoveliada,
oia na cara do capitão.
Não parece
deu, mas os
bixiga
uma
sinistra.
segredou o negro recuando
E'
instin-
ctivamente e cuspinhou.
Soeiro descahiu, estendendo-se no chão,
guardado pelo fdho. Os comboieiros esgueiraram-se sussurrando, foram
ficar
ao tempo,
longe da peste pútrida.
A
noite foi lenta, apavorante
tificações
da matta.
vam
o
do luar
com
as
mys-
e os sussurros mysleriosos
Os comboieiros, ao
relento,
olha-
lume que vermelhejava no rancho,
e
?^-1
BANZO
como
o
saliJu
pó
velho
a([uielasse
— Onde
— Aqui,
adormecido,
Jão
procurando-os.
aiile pé,
é qu'ocês tão ?
disse o negro e o rapazóte, guia-
do pela voz, encaminhou-se achando os dois
sentados na raiz
duma
arvore.
— Ocês me deixaram sósinho.
— A gente tava aqui. Calados accenderam
os pitos e puzeram-se a fumar.
com
a fogueirinha accesa,
sepe.
O
Os animaes
lembrava
rancho,
um
pre-
inquietos farejavam.
da madrugada retranzia como no
frio
inverno.
O
Nos ramos
madrugadores
altos
boliam os pássaros
o ar acinzentava-se penei-
e
rado de névoa rala que subia, ondulava como
fumarada.
Um
A
malta exhalava fragrante.
chalrado rompeu o concerto das aves;
estrallaram bicos
gloria vívida da
de tucanos e alegre,
na
manhan, luminosa e lavada,
os pássaros preludiaram e
começou
o cântico
de Laudes, o eterno e festivo louvor da natureza
— as
em que
tudo entra, concorre ao coro
aguas, o vento, os ramos, as pequeni-
nas folhas, o insecto, o pássaro, e todos os
BANZO
94
ajiiinacs
cada qual á sua maneira formando
o unisono magnifico que recebe o sol.
Jão, que fora diversas vezes espiar o ve-
quando
lho,
clareou, inclinando-se sobre
elle,
não conteve o horror:
— Gente
eiros,
num
E' bixiga
!
Oia
!
Os comboi-
!
impulso de curiosidade, chegaram
á beira do velho e olhai-am estarrecidos.
rosto
vultuoso,
vergões, era
uma chaga
grossas eram as de
as
hedionda.
Os
lá-
arroxeados davam á boca o
bios túmidos,
aspecto de
empollado
cyanótico,
uma mascara
O
em
um
pálpebras inchadas,
de brilho baço.
esponjosa, as orelhas
lazaro e os olhos,
sumiam num
solj
laivo
As pústulas tumentes agglo-
meravam-se em núcleos e viam-se-lhe as mãos
papulosas,
estygmas.
peito,
descia
o
pescoço rubro,
Queimava como
um
maculado de
braselr-o
e o
no offêgo da respiração opressa, subia,
fazendo
ranger
o
couro
do
peito-
ral.
O
horror estatelou o rapazola junto ao
velho que parecia acabar na combustão da
febre.
t^iíti^Si-
»
BANZO
95
De
joelhos, as
vados no
mãos
postas, os olhos cra-
Deus, só nelle.
Súbito, a
uma
fora,
numa
dos,
correu,
poz-se
ideia,
procurou os companheiros
de pé,
em
rezava devo lamente fiado
pai,
e,
vendo-os
restea de sol, juntos, amedrontae,
numa voz
arrancos, com la-
arrebatadamente,
rispida, silvante, disse aos
grimas borbotoando:
— Gente,
veio Judeu.
em cima
A
man.
ocês tão vendo
Foi elle
!
?
E agora
o veio,
foi
é a
desgraça
como no engenho da
de nós
genie viu
elle,
o
Cari-
teve perto delle,
no
ar que elle respirou, no caminho que elle pi-
A
sou.
ra
me
gente pegou mardição. Nossa Senhovalha
!
Nossa Senhora me valha
!
E,
agarrando a cabeça a mãos ambas, curvado,
poz-se
a
andar,
((Nossa Senhora
todo
gyro-gyrar
a
me
clamando:
valha, a nós todo
!
a nós
!
Os comboieiros, immoveis, com pena e
terror, não acharam uma palavra de consolação, inertes, tolhidos, abobados.
Os animaes resfolegavam na
ciosos pela ração da
manhan
e,
cerca,
em
an-
toda a
BANZO
96
malta,
das vozes das cigarras,
eslridiila
a
vida acordava hilare.
Os comboieiros arraçoaram os aniinacs
cuidaram do almoço aqiiecendo-o
ra do rancbo, a pretexto do
incommodar
Por vezes
com
um
fora, á bei-
fumo que podia
o capitão.
Soeiro não dava accordo de
tumefacto,
c
si,
denegrido,
a respiração áspera e curta.
rouquejo estrangulava-se-llie na
garganta.
Jão, que não se lhe tirava de ao pé, incli-
nava-se sobre
elle
mado da erupção
d'olhos muito abertos, pasviolenta do mal.
Ainda na
posto que se queixasse de dores e
véspera,
molleza de corpo,
ninguém o
senão molestado da viagem, e
diria
doente,
já trazia
no
sangue o veneno da peste que o apodrecia
em
vida.
Fio a
olhos.
fio
as
lagrimas corriam-lhe dos
Os comboieiros chamavam-no, nem
se voltava, ora de pé, ora de cócoras, enxo-
tando as moscas que esvoaçavam ávidas
em
Como
ha-
torno do moribundo.
via de entrar
em
casa
E
pensava:
sem
elle?
Que
diria
BANZO
97
á
mãi
E onde
ás irmans ?
velha,
naquella matta, tão longe
o deixaria
tão só
!
!
Soprava uma aragem fresca e
tia-se
lor
como chegado
da febre que
ia
ça,
Tomou
?
sentindo-a
sen-
Seria o ca-
fogo.
consumindo o corpo do
communicava em
velho que se lhe
labaredas
um
a
elle
o pulso,
crescida
e
invisiveis
premiu a cabeôca,
azoinada,
atroando rumores cavernosos. Fogachos abrasavam-lhe o rosto, inflamavam-lhe os olhos
ardidos.
Numa
suspeita levantou-se dirigin-
do-se aos comboieiros:
— Genie,
febre.
Vê
mode qu'eu tamem
a
aqui.
tô
Estendeu o pulso ao negro
que o tomou em dois dedos, com mal
farçada repugnância.
se.
Tem? O
cum
Um
momento
dis-
fitaram-
negro hesitou; por fim disse:
— Ocê meio quente, Jãosinho.
— A cabeça me doendo e me sentindo
tá
tá
bambo das
Não vá eu
tê
apanhado
Isso pega, Tarquino ?
a doença.
— Uai
perna.
tô
nem visgo. Quando dá numa
casa, varre. Mas não fica scismando.
--Mas não é bom abusa, aconselhou o
!
qui
BANZO
98
Ansim ciim'ansim, seu
caboclo.
tado...!
A
agora
capitão, coi-
é a gente se precata.
E
o
negro, sentencioso e grave:
— Isso
foi o
judeu
Bem
!
qu'eu dixe. Seu
capitão tèmô, tá hi.
um momento
Jão ficou
O
absorto, a olhar.
sol penetrava pelo crivo das frondes,
Ihetava
o solo húmido,
descia enviezadamente
nas
reluzia
em
pa-
folhas,
faixas polvilhadas
d'atomos.
Os comboieiros esvasiaram
as borrachas
para renovarem a provisão dagua na fonte
próxima e foram indo de vagar, pelo matto
denso,
Jão ficou ao
conversando baixinho.
tempo, airado
!
num
Grandes formigas cruzavam-se
tri-
Ihosinho carreando óvulos, migas de lolhas;
elle
olhava-as
como
entretido,
mas
o pensa-
mento estava longe, na casa. Via-a no doce
socego,
alva diante do terreiro
liso,
com
a
criação a mariscar cacarejando e alegre, os
pombos esvoaçando, a^
e estendido,
navial
.,-i-P(..07^.-.,->..\ií;i
num
Itácoros
grunhindo
amarellado d'ouro, o can-
pegando com
a
várzea
do aiToz
e
BANZO
99
liiiuki,
onde as
lonf^iiKjiiu, a iiionlanlia cres|)a
guaribas
roíicavaiii
as
aiiiiuiiciaiido
chu-
vas.
Um
suspiro escapou-se-Ihe do peito.
volta tornando ao rancho,
do
agachou-se junto
com
contemplando-lhe,
velho
Deu
piedosa
lernura, o monstruoso rosto aboslellado,
sem
feições e inerte.
A immobilidade do
corpo impressionou-o.
chamar baixinho: «Nhôr
Nhôr
Poz-se
a
pai
Sacudi u~o pelos hombros sentindo-o
!»
pai
!
flácido.
«Nhôr
pai
!»
Ergueu-se horrorisado sem,
todavia, acreditar na
em
fim,
grita:
um
Houve
«Nhôr
morte
pai
chamou-o, por
e
!»
Nada.
grasnar espalhafatoso no ar-
voredo, azas rufiaram e a vozeada das maitacas passou
num
estardalhaço.
Voltou o
si-
lencio e a voz solitária do urii melancólico
gemeu monotonamente no fundo do bosque.
Jão cahiu de joelhos, mãos postas, chorando:
Senhora
«Minha mãi do ceu
!
»
e,
!
diante do corpo,
Minha Nossa
sem
sentir a
ílÈd:£í'
BANZO
lOO
orphandade, só pensava, como
infame, no abandono
em
quella solidão, coitado
A
que o
em um
ia
crime
deixar na-
!
voz dos comboieiros tirou-o do estupor
em que
do em
cahira.
Sahiu-lhes ao encontro, lava-
criança perdida,
dizer
num
lagrimas,
verdade
a
a
descorçoamento
soluçar,
sem animo de
Encostou-se
triste.
de
a
um
inclinou a cabeça ao braço e ficou
tronco,
chorando.
— Que Jãosinho
— Morreu Nem a
?
é,
!
um
rancho
cante.
gente viu.
Mas no
grugrulejo lúgubre resoou ras-
Precipitaram-se os três e viram o ve-
lho escancellando a boca, retesando-se, horrivel
na deformação túmida do
em
grossos beiços batendo
com os
rosto,
palpitação con-
vulsa até que, serenando, aquietou.
Um
raio de
atravessando
punha-lhe nos
da palha,
uma
sol,
aureola
como de
uma
cabellos
aberta
brancos
santo.
Os comboieiros, immoveis, olhavam silenciosos. Jão, de joelhos, as mãos nos olhos,
soluçava desesperado.
'VlHiíagi^- --:.-:-.
.-'..'. rLCÍ..£'
-•:-;-...,•„'•
-
•'
:..
--:-
.-A.
.:.
..-.
._...-
-r^i^^-A'.^il.^^:rãr
:-'\-'-''J'\
..->.
BANZO
lOI
Repentina lufada espalhou a cinza da
O
gueira.
foi-lhe
negro retrocedeu, sahiu; o caboclo
nos passos
ficaram
junto á arvore, ao
e,
um momento
— Ocê qué sabe,
Jãosinho
disse por fim Tarquinio,
cumeçando
Job, nós tamem,
Tá ardendo em
a pinta.
não
si
sol,
calados,
tá c'a bicha.
e c'a cara
fo-
foge...
febre
E nós tamem,
O
caboclo, de
cócoras sobre as pontas dos pés, picava fumo
na palma da mão.
— E ocê qui acha
— Eu Encararam-se.
?
?
o
mesmo, covarde
O pensamento
e supersticioso
era
nò espirito
nenhum, porém, tinha coragem
de ambos,
de o dizer.
O
negro poz-se a andar entre
duas arvores coçando arrepelladamente a ca-
O
rapinha.
gou lume
—A
qui não,
e
caboclo atulhou o cachimbo, pe-
chupou a fumaça.
gente deve di
murmurou
não digo
tê caridade,
o negro,
mas num causo
ansim, morre atoa... Si ainda a gente pudesse
dá remedo... Ocê não acha?
deu d'hombros,
sahí.
Vai
indifferente.
di galope,
O
O
mió
caboclo
é a gente
chega im casa, conta a
BANZO
:io2
pôde
desgraça,
que nós
Irazê
faz ? tenta a
morte
— Ocê qué
— Ocê vai
— Ocê
— Apois...!
— E os anima?
— Os anima
que
Aqui,
seccorro.
só.
?
í
?
indo...
gente vorta.
Indo es-
coteiro a gente vai mais depressa.
Ocê não
fica; a
?
O caboclo levantou a caum momento olhando o rapazote
acha qu'é mió
beça, ficou
sentado no fundo do rancho, immovel junto
ao cadáver do pai.
com
a cabeça, desalentado e
gro, receiando
mou-o.
toca
Commoveu-se
que
Antonces
?
elle se
com
e
meneou
pena.
O
ne-
arrependesse, ani-
Bamo ou não
?
A
gente
de madrugada, no canta do gallo, tá
e,
batendo
em
casa.
— E Jãosinho
— Jãosinho?...
?
franqueza cruel.
criatura
?
pesteando tudo
?
febre,
fitou
O
negro,
Ocè não vê
Ocê qué
O
teve
então,
qu'elle tá
qu'elle
a
cum
vá por ahi
caboclo carregou o cenho,
duramente o companlieiro. Uai
!
anton-
BANZO
103
ce que curpa
por ahi
cum
S'ocê qué
tem os outro
da arvore.
O
gente ha
d'i
sinão... não.
Deu-lhe as costas de
do a faca da
A
pesteado espaiando a morte?
bamo,
í,
?
mau humor,
tiran-
e,
poz-se a lanhar o tronco
cinta,
caboclo guaiou: Ai
ai
!
len-
e,
!
tamente, foi-se matto dentro, pensando.
A
serenidade do bosque contrastava
a flagrância da luz despejando-se
tes
por todas as abertas, a
em
enfeitar, a
com
torren-
aquecer
o interior versudo onde as folhas douradas
tremeluziam, bailando á leve respiração das
auras.
O
ziziar e o cicio
tinham na brenha
Na
das cigarras man-
uma zoada
estridente.
faina do cibo, do reparo dos ninhos,
os pássaros mal piavam,
em ramo.
voando de ramo
Borboletas desferiam
deciso, hesitantes,
em
alôr in-
como desorientadas no
en-
trelaço da ramaria.
Os animaes da
tropa, inquietos
na cerca,
escouceavam, pinoteavam, aos búíidos.
Tarquinio, sentado na raiz da arvore, ras-
pava a terra com a ponta da
faca, interrom-
pendo o desfdar laborioso das formigas,
fa-
.
BANZO
104
zendo-as desviarem-se;
em
Ímpeto de raiva
esmagava-as resmmigando contra
súbita
,0
companheiro, não se conformando com o des-
acabar como os patrões que
tino de
no rancho:
um
ardendo
joelhos,
Assobiaram
golpe,
lencio
attento.
com
a cabeça entre os
em
febre.
no
matto.
Levantou-se
Outro assobio varoij o
de
si-
morno: era o caboclo que o chamava.
Sorriu conteíite,
elle,
estavam
estirado, morto; outro senta-
todo encolhido,
do,
lá
com
a
de que
certeza
emfim, decidira partir, fugindo á morle
E
que os rondava mysteriosamente.
foi-se,
a correr, na direcção do appello.
abalavam
Rolas
com
estrepitoso
nas hervas altas como
um
nadador entrando
ao mar, com agua pelo peito.
^í-
'
-
bater
passagem do negro, que bracejava
d'azas á
.
.
.
'.
-
V
^..-'-
:
•'..•I
III
1 Ão, no silencio de
M
somno em que
deu por
tara a floresta,
falta
se aquie-
dos com-
Relanceou o olhar febricitado
boieiros.
torno: discos de sol
amedalhavam
o
em
chão,
reluziam nos surrões suados.
Rolas mariscavam
em
volta
do rancho
confiadas no quiete d'aquelle abrigo sempre
deserto
e,
além do vôo surdo das aves,
instantes estalava
moinhava, cabia de
Onde estariam
matto,
talvez
um
ramo,
folha re-
leve.
elles ?
catando frutos no
banhando-se na
o cachimbo, mas,
uma
a
fonte.
Tomou
ao desembainhar a faca
para picar o fumo, desistiu com repugnância.
O
cheiro ácido do morto enjoou-o.
BANZO
io6
manga do casaco
Levanloii-sc passando a
pela jDOca
e,
indo e vindo no rancho, cabis-
ruminava o pensamento torturante de
baixo,
do
afastar-se
de
pai,
o
deixar na
floresta
abandonado sem que, ao menos uma
vez,
a
sua gente lhe enfeitasse a sepultura e accen-
uma
desse
Essa
vela á sua cabeceira.
porém,
ideia,
se do enterro.
fel-o deter-se:
lembrou-
Era tempo. Deviam começar
antes da noite porque o corpo já estava
mau
Para que os animaes, o
cheiro.
com
tatú-
péba principalmente, não profanassem o cacobril-o-iam de terra e de folhas fa-
dáver,
zendo pesar sobre
ellas as
trassem. Pobre velho
O
!
sol devia estar a pino
á beira do rancho,
em
pedras que encon-
porta-voz
A
e
!»
quino
Job! Oooh
!
sinistro,
Chegou
á boca
retumbantemente:
resoou profunda. «Tar-
floresta
crebro,
mãos
juntou as
bradou
«Eoooh
no ceu.
!
gente
!...»
Novamente,
aos latidos, o éco estrugiu
cavo, rolando na espessidão.
«Uai!...»
Ficou á espera, olhando, attento.
Por
ve-
zes parecia-lhe ouvir resposta de muito longe
BANZO
107
em alongado
«Oooh
!»
e,
Hepeliu
vozeio.
quente,
tou-se a
!?»
A
cabeça esta-
em, dores, as pernas afrouxavam-se-
lava-lhe
e,
aboiado:
preoccupado, murmurou: «Mas
onde se metteu essa gente
Ihe
o
um
Pouco
numa
quebreira lassa, encos-
dos esteios.
a pouco,
Ihe o espirito o
em
lenta invasão,
tomou-
pensamento da morte. Olhou,
remirou as mãos, ora uma, ora outra, arre-
gaçou as mangas do casaco
e
examinou os
Alargaram-se-lhe os olhos apavora-
braços.
dos ao descobrirem nódoas na pelle morena;
premiu-as.
tocou-as,
precipite
;
O
coração
batia-lhe
depressa, porém, voltou-lhe a calma
repellindo a ideia sombria.
Lançou
um
rá-
pido olhar ao cadáver coalhado de moscas e
sahiu.
Sentia sede.
Embrenhou-se vagarosamente seguindo a
vereda batida, retorcida
sombreada
em
até á fonte quasi
colleios,
húmida,
sumida na luxu-
riante vegetação da qual sobresahiam os buritys graciosos.
A
agua vinha d 'alto, derivava
tando nas pedras, crystalina e
em
fios sal-
ligeira,
atoa-
BANZO
io8
Ihaiido as
pomas
lisas
dos pedrouços, corren-
do sobre o limo avelludado
até cahir
na bacia
formando bolhas diaphanas, limpida, espelhando o arvoredo e deixando transparecer
o fundo de areia e seixos brancos.
Jão agachou-se, tomou
curvou-a
em
calha
e,
uma
folha larga,
encostando-a á pedra
onde a agua era mais abundante, canahzou-a
bebendo
á boca,
a goles ávidos.
As ramas farfalharam.
se de golpe, sarapantado,
guir na penumbra
de-negra.
O
fria,
rapazote voltou-
procurando
distin-
entre a folhagem ver-
coração encheu-se-lhe, travou-
se-lhe a garganta,
immobihsaram-se
A
O
os olhos,
muito abertos,
fitos.
merencorea paragem lembrou-lhe a
la-
goa da caatinga onde lhes apparecera o velho
errante.
Sobresaltou-se pondo-se firme, á espreita,
correndo o olhar assombrado pelo bosque.
Adivinhava a presença funesta do amaldiçoado,
sentia-o,
experimentava o seu prestigio
mahgno. EUe devia andar
e,
um
perto, tocaiando-o
momento, demorando o olhar
em um
-'íj;
BANZO
109
ponto,
viu
crescer
uma sombra
o lypo do penitente:
um
grande velho abor-
doado ao cajado, sacco ás
longas,
amarellentas,
gado
sinistro,
e
côr de marfim,
pelle,
afeiçoando
costas,
as barbas
o olhar carre-
soltas,
a fronte escampada e
Arrepiou-se-lhe
luzindo.
eriçaram-se-lhe
os
lisa,
cabellos,
a
um
frio
medo
p^a-
intenso gelou-o.
Foi instantânea a visão,
como
ralysou-o estarrecido,
poder
pre
mas
enraizado,
na densa espessura
sem
os olhos sem-
tirar-se daquelle ponto,
fitos
o
em que
se lhe
mostrara o trasgo.
Era
peste,
elle,
o judeu maligno,
arrazador dos campos.
grande sacco de onde
tirava,
semeador da
Lá
ia
com
o
a mancheias,
todas as calamidades, desde as pedras gela-
das que espalhava nas tempestades até as
guerras.
A' sua passagem
as fontes
o arvoredo esmarria, o
estancavam,
gado tombava desca-
deirado, fervilhavam bicheiras nas malhadas
e,
não raro, no cahir de
céu escurecia,
crepitava
uma tarde azul, o
e uma nuvem de
•4-:í;:
BANZO
IIO
gafanhotos baixava sobre as roças ialando-as,
de
[)oiiia
a ponta,
nas horas breves de
uma
noite.
Era
E
elle
!
Soeiro
lá
no rancho assigna-
estava
lando a sua passagem
dentro
e,
em
iodo o sertão verde estaria
em tomo
com
das
lambendo sedentamente o
orvalho nas folhas, os
ri^)s
em
em
gente faminta clamando
rendo
pouco,
alvoroço
o gado levantando o choro triste
cacimbas seccas,
em
ipueiras e a
preces,
percor-
campos em procissões amercea-
os
doras.
Tremia sem
a
ouvir
o
crispado
fôlego,
de medo,
murmúrio d'agua que
como um choro de angus-
pereniic
lhe soava trágico
tia.
mas querendo fugir,
emmaranharam os pés nas enredi-
Arrancou-se, por fim,
logo se lhe
ças das hervas; vacillou,
um
coqueirinho novo
gando-o,
choveram-lhe
gotas d'agua.
do,
sem
e,
Safou-se
com
no
e,
de encontro a
foi
o impulso, verrosto
finíssimas
a correr, desatina-
altentar no caminho,
metteu-se ao
BANZO
líi
matto, abalsoii-se, perdcndo-se no labyrintho
espesso.
Voltou procurando
a trilha.
Eram
só ar-
vores,
cada vez mais robustas e unidas, en-
leadas
em
cipós vigorosos, alongando raizes
avergoadas á
flor
da terra empastada de lodo
onde os pés chapinhavam.
Voos assustavam-no
mos que
elle,
ao relaxar dos ra-
e,
na fuga, levava ante o
peito,
tornando á posição natural, vergastando
folhas, era
em
como
se
um
fúria sanguinária,
'is
inimigo o perseguisse
quebrando galhos, der-
rubando troncos. Não se atrevia a olhar para
certo
traz,
de dar de rosto com a figura
funesta do judeu maldito.
Por fim a
Orientou-se,
trilha
acalcanhada appareceu.
entrou por
ella
de arranque,
correndo e já avistava o tecto do rancho
quando uma estropeada o
A
fez estacar.
matta parecia vir abaixo arrazada; es-
trondo formidável crescia como á aproxima-
ção de
uma
catastrophe e súbito, aos saltos,
um
um
animal atravessou a
lóle
amontoado, atropelando-se, passou atra-
;ílttíáí:^sé^^*X.kâ^Í-'>-*&.;:aS.-ÍÍ.* -.'
trilha,
outro, e
^iliaá; 4^. «->(.,', i^ ^, . V _., -AU,
BANZO
112
vancadamente,
em
arvores
apertando-se de encontro ás
desabrida carreira
com um surdo
estrupido nas hervas.
Apezar do
terror,
no relance
Era
reconheceu a Faisca.
que
fiel,
lá ia
espavorida
desapoderada.
Quem
maes
?
e,
ella,
pós
Jão
fugitivo,
a
ella,
bestinha
a recua
•
soltado e espantado os ani-
teria
Quem, senão
o
elle,
judeu
Num
?
ápice chegou ao cercado, achou-o vasio, lan-
çados por terra os travessões da tronqueira.
Ficou
arvoado,
olhos d'agua.
encheram-se-lhe
tonto,
os
Quiz chamar, mas conteve-se
transido de medo, certo de que só
elle,
ma-
o
hgno, lhe responderia.
Os comboieiros... com
nha sumido,
nalguma
talvez
grota,
certeza elle os
coitados
!
As lagrimas
bentaram-lhe por entre soluços,
um
cadáver por companhia.
gir,
mas como
Como
com
Pensou em
fu-
aventurar-se sósinho,
3 pé, naquelle deserto, já
Não conhecia
re-
sentindó-se
só e fraco, sob o prestigio do pesteador,
?
ti-
nas aguas escuras ou
com
a noite a cahir?
os caminhos, era a primeira
BANZO
113
viagem que
fazia
a serra brava,
e tinlia
a
matta grande, fechada, onde as suçuaranas
erravam
e o
Se
afoito.
caapóra assombrava o viajante
ainda
passasse
alguém,
algum
comboio...
Caminhou
até á orla da floresta, olhou a
immensa planura ao
O
sol
um
numa
flammejava
occaso
deslumbrante de ouro
de
frouxo da tarde.
e
purpura,
e o
sol,
reluzia tremulo e
brilho de lamina,
para o outro lado a serra
fulguração
alta,
azulada, em-
butida no céu violáceo, esfumava-se
em névoa
com o desenho rendilhado do seu arvoredo
em fino retraço, resahindo como bordado a
matiz
em
de seda.
tela
Não havia
sulco de caminho,
era a ex-
tensão vaga, desnorteada, profunda.
Senhora, valei-me
tamente,
invocou chorando
reentrou
resignado,
rancho onde
Ficou
!»
jazia o
e,
tornando
len-
ao
morto.
um momento
como desprendido de
e,
«Nossa
sem pensar,
Olhou em torno
parado,
si.
vendo os surrões, caminhou pondo-se a
examinal-os.
Lá estavam também
as mantas
BANZO
114
de
de couro crú, os baixeiros,
pelle, as cilhas
mas faltavam
os de Job e de Tarquinio, e as
suas borrachas e os seus
viam suspendido
Procurou-os
no
se-lhe
sentiu-se
dido.
A
a
uma
rifles
elles ha-
das vigas.
pouco a pouco, gerando-
e,
espirito
a
ainda mais
suspeita
só,
mais
da
traição,
per-
infeliz,
esperança, porém, justificou o des-
apparecimento dos evadidos:
vessem sabido
Não
que
se
em busca
«Talvez hou-
de alguma coisa...»
conformava com a crueldade co-
varde do abandono
e,
longe de descorçoar
ante as provas da fuga dos comboieiros, tirou
delias razões de tranquillidade
attento aos
e,
desde então,
rumores vagos da brenha, sabia
á beira do rancho se ouvia algum ruido, con-
tando vêr os companheiros de volta
va sempre a
E
mesma
os animaes
?
— e acha-
solidão.
esses sim,
arrancado achando o caminho
esses
livre,
haviam
talvez
por esquecimento dos comboieiros.
Sentou-se junto aos surrões, molle, dorido,
a cabeça atordoada,
em
fogo,
com uma
sede que lhe resequia e encoscorava a boca.
.]»'.'
:.-
;i-.-^iJí-4áMfeai'vi*-i -"-?..
BANZO
115
O
íarliim de carniça
apezar da aragem
A
que se recolhiam
O som
no
distincto
crescia
silencio e o barulho das frondes
Vozes
além
aqui,
forte, as
Os
escachôo.
crepúsculo escurecia
d'agua longínqua tornava-se
vam queixumes
A
o
e
soturnamente.
vento mais
sempre reinante.
regosijava ao canto das aves
floresta
rápido.
empestava o ambiente
fresca
amor que
reviçamento,
com
acordaram guisalhando.
noite evocava os seus
lanle
um
e a espaços, a
arvores ramalhavam
grillos
o mysterio do
lança-
tristes
a
comparsas para
eterniza,
selva,
que
em
se
cons-
infillra
nos veios de pedra, que deflue na correnteza
das aguas, que percorre os troncos irradiando
em
seiva aos
espalha
como
perdida
em
do a
flor
d'agua,
ramos mais delgados, que
prestigio
dando
a
se
uma semente
terra safara a força da vida, abrin-
no ramo, tirando da rocha a gotta
fazendo
rebentar na
podridão dos
madeiros mortos o tenro novedio, multipli-
cando os germens na terra
num
e
nas
aguas
pullular prodigioso e silencioso de en-
canto.
.
''
í
'
'
r\
BANZO
ii6
Era
feria,
a
irrigação semiiuil da natureza re-
grande
o
pliillro
do amor universal
operando na treva discreta a perpetua
e
admi-
em
esca-
rável maravilha da reproducção.
Nimbos de
mas de prata,
luar cahiram no solo
as folhas luziam e aos voos
baixos, ás corridinhas, os curiangús sabiam
das moitas demandando a larga planura por
onde a
lua,
solitária
no céu
immenso casulo de algodão
sua
a
claridade
como um
liso,
conio
um
aberto, estendia
tornando o deserto
triste
alvo areal, infinito
nem sombras.
Jão arquejava, com
como
o céu,
sem
fronteiras
da cabeça, encostado a
Na
as
um
mãos por baixo
surrão.
sua desventura sentia-se pequenino,
como no tempo de menino quando, no
copiar do sitio, em noites como aquella, no
frágil
aconchego da
familia,
sentava-se na barra
da saia da mãi, com a cabeça nos seus
lhos,
bellos,
joe-
sentindo-lhe os dedos meigos nos ca-
ouvindo-lhe a voz lenta e carinhosa
dizer as aventuras das historias, o poder dos
génios e das fadas,
^k^'f vJ
-
a riqueza
das cidades
^%,;i-;:^.
.
,
_;-i(K'í;
'X-
;.";
^'f'^
*
BANZO
117
grandes, dos palácios reaes onde se celebra-
vam
com
as bodas de princezas de cabellos de ouro
príncipes formosos e valentes,
que ha-
viam vencido dragões em cavernas amontoadas d'ossos.
E
pensando, recordando, sentia
lagrimas descerem-lhe pela face
e,
com um
olhar que via atravez do espaço, longe
panhava o viver domestico.
a
com
acom-
Aquella hora,
mãi e as irmans, sentadas no
tando
!
copiar, con-
preoccupadas com
elles, já, talvez,
a demora, caladas, attentas aos ruidos subtis
da
do,
noite,
de quando
voltavam-se,
em
quan-
para o caminho illuminado ou ciranda-
vam preparando
a
ceia
e alva e beijús de leite
— coalhada
fresca
que se esfarelavam en-
dedos.
tre os
Os
lábios
commovida. E intima, no
íalava-lhe
numa
palpitação
peito, a
voz d'alma
tremiam-lhe
com humilde
ternura: «Minha mãi-
mim ?! Reza
Nossa Senhora que me
sinha do coração, que vai sê de
por mim,
sarve
!
E
pede a
ocê,
Nóca, minha irman; e ocê
mem, Thereza, pede; pede,
Nossa Senhora modeu.»
gente; pede
ta-
a
BANZO
ii8
E,
a
110
suave
scena
oratório,
mãos
relumbrar do sonho, parecia-lhe vêr
— as
mulheres correndo ao
ajoelharein-se
juntas,
postas, á pequenina
Farfalhejo de
rogarem, de
imagem,
estrépito de galtios
follias,
arrebataram-no do arroubo. Seriam
comboieiros
?
Esticou o pescoço, franziu as
pálpebras olhando agudamente, a
O
os
elles,
fito.
luar alvadio dava á floresta
funéreo e fantasmagórico
um
aspecto
— sombras bizarras
oscillavam lentas, lampejos iterativos alumia-
vam
profundidades: folhas levantavam-se do
chão, pareciam vivas e rolavam no levar da
aragem.
A
espaços,
um
rangido rascava
irri-
tante.
Um
vulto esgueirou vagaroso,
boca,
reseccou-se-lhe
os
arderain-lhc
coração estacou para
aos rebates.
os
dentes,
Quiz
num
Jão estremeceu
beirando o rancho.
repio;
sorrateiro
ar-
instantaneamente
a
olhos esbraseados,
o
arremetter precipite,
Encolheu-se tiritando, batendo
hirto,
reconhecendo uma onça.
levaiitar-se,
tomar o
rifle,
ali
nho, ao alcance da mão, encostado a
perti-
um
dos
rç-<-.: ^_-.y;y...-^,^^j^.y.-^..^:-
BANZO
119
mas temendo avisar a
com o rumor, quedou.
esteios,
ciar-se
As
folhas seccas crepitavam sob as palas
ínacías do animal subtil e elle abafava
com
estrangulado,
uma
do,
denun-
fera,
sem
ar,
as veias túrgidas latejan-
sensação de vasio no ventre que
arfava.
O
ruido trépido distanciou-se, perdeu-se,
abrindo-se
um
silencio pávido.
um
Súbito, porém,
baque resoou no
cado, paus estalaram, rolaram e
um
cer-
resfolego
longo bufou fremente.
Jão
aos poucos, soerguendo nas per-
foi-se,
nas tremulas, que vergavam, apoiou-se
em um
dos surrões, estendeu mollemente o braço
apanhando o
zel-o a
O
rifle
e,
pelo cano, mal poude tra-
si.
coração batia-lhe tão forte que todo
o rancho e a floresta parecia-lhe estrondar
com
as pulsações desordenadas.
ras inchavam-lhe
uma
surdina
e,
fina,
va á maneira de
até o cérebro.
As têmpo-
nos ouvidos azoados, era
percuciente que os penetra-
uma verruma,
terebrando-os
BANZO
120
A
garganta secca, travada, a vista turva,
a instantes fulminada por um. fusilar iriado,
braços bambos, as pernas entorpecidas, Jão
esmorecia.
O
aberto e assombrado,
olhar,
circumvagava
espreitando
em
relances
de
agonia.
A quietação aterrava.
Uma sombra appareceu
no luar, em frente
em seguida a fera, agachada,
resvalo, em surdo caminhar attento.
ao rancho, logo
quasi de
Parou,
folhas
com
no chão varrendo as
esticou-se
a cauda.
Olhava embevecida;
surdo rugido trovejou-lhe no peito.
um
Súbito,
voluptuosamente, afocinhou as hervas.
De
,
Ímpeto,
lesta,
poz-se de pé
e,
íirmando-
se nas patas trazeiras, levantou-se, alta, enor-
me, apoiada ao esteio; curvou-se, retesou-se
e,
nervosa,
poz-se a raspar a madeira
ás
unhadas. Ficou immovel, d'orelhas murchas,
mas entrou
a ondular
em
reboleios de volú-
a agachar-se, a esticar-se
pia,
tos elásticos e a
retorcia-se-lhe
em
em movimen-
cauda flagellava as
folhas,
colleios serpentinos.
Derreando a cabeça abriu escancellada-
iiiM.,^!:-
BANZO
121
mente a fauce em bocejo roncante
cahir sobre as palas molle,
ruido,
como
se o solo fosse
e deixou-se
pousando sem
uma
alfombra
fofa.
em
Esteve a olhar embevecida; por fim,
passo
entrou no rancho
lento, leve,
e,
arisca,
desconfiada, pé ante pé, chegou ao cadáver.
Estacou
com
corcoveada,
arrepellos
rugindo,
hispida,
do lombo fulvo; volteou o
uma
corpo farejando-o aos búfidos; avançou
das patas sorrateiramente, tocou-o
se o sentisse bulir
tou d'impeto a
um
ou com
fitas.
elle brincasse, sal-
lado.
Sentou-se, á distancia,
Ihas
como
e,
Lentamente
foi
em
guarda, d'ore-
levantando a ca-
beça, o pescoço retezo e poz-se a fariscar aos
rónquidos.
e
Os olhos reluziam-lhe em brasas
Jão via-lhe a corpulência formidável,
a
monstruosa cabeça eriçada de cerdas.
Poz-se de novo de pé, adiantou
um
passo.
Nesse instante o pequeno, que apoiara o
em um
sentiu-o
surrão,
e,
fez
um
movimento.
A
rifle
fera
rápida, voltou a cabeça e os olhos
accesos coruscaram.
Descahiu sobre as an-
BANZO
122
cabeça a prumo, altenta. Jão relrahia-se
ca.s,
como
em
se procurasse desapparecer
mo, suslinlia
si
mes-
revollado contra
a rcs[)iraçã(),
o sangue cujo estuar parecia-lhe estrondoso:
nem
pestanejava.
çou,
parando a
A
um
fera decidiu-se e avan-
passo dos surrões.
Vagarosamente agactiou-se sobre as paestendidas
tas
um momento,
e,
manteve a
altitude esculptural,
mas de
o lombo,
vergastando, varrendo a
a bufar,
com
terra
a cauda, rugiu rouca e rastejando,
resvalando
como um
reptil,
pas, adiantou-se cauta.
fôlego, deglutindo
Subiu-lhe
dos.
golpe, encolhendo
em
um
O
o olhar
chis-
anciã, d'olhos mareja-
grito
a muito
á boca,
custo conteve-o; a alma retransida
ya-lhe
em
pequeno susteve o
no coração: «Minha mãi
!
murmura-
Minha mãi-
sinha...!
Uma
explosão de lagrimas inundou-lhe o
rosto.
As veias túrgidas, engurgiladas
vam
a
mais
Sem
ar,
c
inclia-
mais como se fossem estourar.
todo o corpo travado
os dedos duros,
em
paralysia,
as narinas afiando,
cerrava
os dentes aperrando as mandíbulas que
tri-
«
BANZO
123
luravam
e os cabellos cresciam-lhe espetados
na cabeça como aculeos de ouriço.
A
com
segura da presa, magnetisava-a
onça,
os olhos relumbrantes.
Jão
foi
em
assestando a arma, pol-a
mas quando
mira,
quiz dar ao gatilho sentiu os
dedos presos, forcejou,
já
sem calma,
trincan-
do o beiço.
Súbito
do
tiro
um
clarão expludiu e o estrondo
ribombou longamente no rancho,
ro-
como em
lou pela floresta reproduzindo-se
tiroteio.
Um
em
miado
hiato,
forte,
foram,
longo, agoniado, resoou
em
seguida,
arranques
esmorecidos como se a fera estertorasse
arrocho de estrangulamento.
O
em
corpo, roja-
do longe, no salto supremo, escabujava entre
as hervas, aos rebolos, ora de flanco, ora de
borco.
Ainda soergueu-se,
arrastou-se,
trambo-
lho u adiante aos rouquejos, até immobilisarse e calar.
Um
grande
vento
passou estrupidando
nos ramos, e Jão, sem animo de deixar a
BANZO
124
sua trincheira de surrões, olhava o monstro,
ao luar claro, e voltava os
ahalido,
lá fora,
olhos para o corpo do pai, sob
na sombra;
luz,
e poz-se
uma
fita
de
a tremer ante os
dois cadáveres.
um
Sentia
calor
de
brazido;
cabeça
a
andava-lhe á roda, anciãs subiam-lhe ao pei-
O
to.
fusas,
espirito nublou-se-lhe
ideias con-
rumores estranhos chegaram-lhe aos
ouvidos
— era
toda a floresta que soltávamos
Lá vinham
seus monstros.
tados,
em
elles
desembes-
galopando
patejando lerdos,
céleres,
aos galões ágeis, de rastos, aos voos.
Jão ouvia a estropeada desabrida, cada
vez mais próxima e já avistava os animaes
de aspectos sobrenaturaes,
corpulentos,
vestindo
e
desapparecendo
dissolvidos
in-
no
luar.
A
tidos.
como
visão tresvariava,
O
que
de passagem
elle
os demais sen-
apalpava ou apenas tocava
dava-lhe
sensações estranhas
j
de calor ou de
frio,
viscida, pastosa; o
llie
de aspereza ou moUe,
aroma
silvestre cheirava-
a almiscar de alimárias,
:,
um
acre íortum
rj^i^^íLii^^^âÉi^ iv-w'^> 'r^.:.S:^
iá^À
-L
BANZO
125
de fauna
em
cio; ante
seus olhos lumes fátuos
fagulhavam, coriscavam
em
sigmas
e discos
e elle tomava-os pela phosphorescencia iriada
das pupillas cervaes.
As arvores abalavam-se em
sacudindo
farfalhosamente
via de ruirem,
as
frondes
aos
esbarros dos brutos; as hervas dobravam-se,
estalejavam sob as patas velozes.
O pequeno
outro.
Impávido,
Era
os olhos alargados e re-
desafiava
brilhantes,
Um
ergueu-se transfigurado.
bestialidade
a
calor intenso envolvia-o
como
hostil.
se os sur-
rões ardessem, sentia a pelle empolar-se, despegar-se-lhe da carne
queimadura.
Então,
o
escorchamento de
Os beiços ardiam-lhe em carne
viva; a lingua era
rifle,
num
uma
sem mais
sola,
áspera e dura.
empunhando
Bambeava nas
considerar,
deixou o seu refugio.
pernas frouxas como se lh'as houvessem desligado
dum
longo e apertado arrocho.
Oscillando,
cho,
mas
agarrou-se ao esteio do ran-
sentiu-o tão quente que o deixou.
Nos olhos atormentava-o uma sensação de
areia,
batia as pálpebras
e,
com
isso,
mais
BANZO
126
80 Ibe irritava o prurito.
Passou pelo cadáver
um
cheiro morno, pútri-
do pai que exhalava
Sahiu ao
do, nauseante.
terreiro.
o corpo da onça estirado de flanco.
enorme
Ihe
como de
e
Mais se lhe accendeu o
tou a cabeça de golpe
cesse por
um
Pareceu-
chammejando.
fogo,
calor, arfava.
como
e,
Levan-
a lua appare-
vão da ramagem, alva e redon-
com
encarou-a
reluzindo,
da,
Lá estava
ódio.
Era a
sua luz que o queimava e incendiava a
flo-
resta,
Refugiou-se no escuro d'um moutal,
mas
o calor seguiu-o, era elle que ardia e as folhas
comburiam, as hervas eram cáusticos,
os cipós deixavam
uma
sensação urticanie,
subiam flammas tremulas da
caldava
como
se viesse
terra,
o ar es-
dum forno.
em estridor
Zoavam-lhe os ouvidos
tínuo, a
con-
boca secca encoscorava-se-lhc e nas
têmporas eram
latejos,
martelladas que
o
atordoavam.
Um
relâmpago deslumbrou-o,
guiu-se-lhe, outro, outro
em
outro
se-
surdas e crebras
explosões.
,
M-jásís',
BANZO
127
De novo o eslrondo cresceu temeroso
como se viesse da' brenha. Jão estava encarado com a selva lembrando-se de uma
numa
volta
róe da narrativa
em
andava
em
que ouvira
historia
mente,
do
casa
— Jãosinho
instantanea-
e,
encarnou o he-
delirio,
da espada, que
aventuras atravez da floresta en-
cantada, combatendo dragões de escamas de
ferro
hálito
e
de fogo,
vencendo gigantes,
talhando arvores colossaes, fendendo roche-
dos
com
a sua espada infrangivel
que cem
homens não conseguiam levantar do chão.
-E Joãosinho da espada era
elle.
Cresceu a medir-se com o mysterio,
affronlar-se
pelo delirio.
fogo.
O
com
a
os poderes da selva, levado
Parou,
levantou o
e fez
rifle
arvoredo atroou soturno,
mas
o
seu corpo enfraquecido não resistiu ao recuo
da arma
— tombou
agonia, levou as
em
mãos
desesperadamente,
a
terra
e,
em
súbita
á cabeça apertando -a
gemer,
como
se
lh''a
atravessassem com pregos e a fossem abrindo, lascando e triturando-lhe os miolos.
Atirou-se na relva aos ais
!
rolando,
re-
:
BANZO
128
bolcando-se na frescura das folhas húmidas.
mas as
Soergueu-se,
forças
faltaram-lhe
e
recahiu mais agoniado, rangendo os dentes,
recravando as unhas na
terra, a
arrancar pu-
nhados de hervas.
Um
um
peso arriou-se-lhe no peito como se
tronco houvesse abatido sobre
gando-o
e a cabeça,
loroso,
como que
Mas
dôr
a
esmado-
se lhe despegava do corpo.
amortecendo,
foi
elle
num atordoamento
abrandando
e
cessou.
A
pelle crispava-se-lhe
tremuras e todo
ardia esbraseado.
elle
Abriu os olhos
mente,
a
e calada e
— um
em
tudo fulgurou
em
em
torno,
clarão queimou-os
mas,
noite ennegreceu,
um
frio
instantanea-
fez-se
profunda
de neve roçou-lhe o corpo
rispido arrepio.
Estremeceu,
um
rouquejo escapou-se-lhe
da boca.
O
e,
ao
lento
mover dos ramos, pelos raros das
fo-
lhas,
escorriam faixas de luz ao longo dos
luar reluzia na folhagem espessa
BANZO
i2g
abriam-se livores no solo escuro.
troncos,
De
tou,
repente, sibilantemente
em
sonho, talvez, e
tenebrosa
uma
foi
uma cigarra canem toda a brenha
alacridade juvenil de aurora.
:
f^f^.^:
=
.^^^\?f-:^i'-y^^'--f^-.'yn^pp
.
f
•••
ESCRÚPULO
\.i.,,?:.-..
' ^lK^SL7^':::-'7lèà
^L :
RLCANÇAXDO
O alto da ladeira, Florindo
resfolegou de rosto ao mar, vaslo e
lampejando,
liso,
lá
em
baixo,
íumo, ás ultimas fulgurações do
O
sem
vela ou
sol.
céu empallidecia exangue e a linha da
costa,
desde a ponta de Santo António até
as barrancas alcantiladas de Porto Seguro,
em
recorte que se esbatia do verde escuro
ao
violete,
ia
esmaecendo sob a pulverisação
íinissima da névoa.
Na
sas,
praia,
abria-se
onde o Aracacahy, d'aguas ra-
em derramada
barra, definindo
para o mar, os coqueiros pareciam de bronze
— uns
^$e\ã*^Í.'r-r^:-L\''''!^''\y^^':':-^^-\':ír'-'-'
com
erectos,
--
-
-'.,"
.'
'
„
'-'.-^
as palmas
-
'
-';'
em
.-.."",
.
.-ít-
plumas,
':
.
/
;
_.
.
.
-i
'
-
.->•
-^l
^-i^:."-i.•s„*»i:»«S^ .
..í^'
vi"r«-i ;'
BANZO
134
outros
por
como
desgrenhados
descabidos,
elles
se
um
houvesse passado a fúria de
cyclone.
As ondas rolavam na praia aos
rebolos,
alastrando o areal de espumas frouxas e o
soído
pontos,
com
das
cigarras
crescia
appello,
sahindo
de
estridente
desesperado
á
Bandos de
no
de frente ou
a
em
de
um
em
ora
filas,
linha estirada
ou em
rosário
uma
sentença.
descrevendo figuras
jandaias,
ar,
ondular ao vento,
neira
os
medida que o crepúsculo baixava
a serenidade inflexivel de
estranhas
num
lodos
preces pela allura, voavam
como uma
circulo,
fosse
(jiie
avançando
á
fita
ma-
esparzindo
em rumo ao mar;
logo, porém, em, graciosa evolução, retroce-
diam,
sempre
a
chalrar,
e
perdiam-se nos
longes da terra.
A
caieira,
megava; mar
num
canto da praia, ainda fu-
a dentro,
a baixinha
da Coroa
Vermelha ensanguentava as aguas, como
lapiz
de coral e
em
um
terra a cruz dos Capuxi-
nhos abria os largos braços, sohtaria e sem
Deus.
-L,.iV,^.
BANZO
135
Florindo sentou-se á beira do matlo, todo
emmaranhado na hervagem densa do melão
de S. Caetano, e
ali
ficou a olhar distrahida-
mente as pombas que ainda mariscavam, a
ouvir
um
insistente,
a derrubar aderno
monótono
ali
resôo,
alguém
por perto, áquelle resto
de sol macio.
A
tarde esfriava; estreitas limpidamente
surgiam no céu com
um
brilho puro, diaman-
que a sombra a mais e mais avivava.
tino,
O
caboclo tomou o isqueiro,
e esteve
um momento
feriu
a olhar a
lume
mecha
in-
cendiada; por fim, tirando o cigarro de traz
da orelha, accendeu-o
com
as
e,
esticando as pernas,
mãos espalmadas nos
joelhos,
quedou
pensando, a soprar de leve frouxas baforadas.
Subia gente do ribeiro da Fonte, mulhecrianças, rolando barrilotes
res,
ou trazendo
á cabeça latas e vasilhas de barro.
Saudavam-no,
elle
correspondia
mungo, desleixado, e deixava-se
em
res-
estar inerte,
banzando.
Mas unia voz
lesto
fel-o
e ficou á escuta.
mover-se.
A
Ergueu-se
voz era meiga e
BANZO
136
afinada, esparzindo nos ares doces
uma
quei-
xa de amor.
Florindo sorriu e o seu rosto largo, côr
Avançou
de cobre, transfigurou-se.
soprando longe a ponta de cigarro
resoluto
e,
metten-
do-se por entre uns cajueiros que beiravam a
cobertos da folhagem espessa da jarri-
trilha,
nha,
ali
A
ficou á espreita.
voz aproximava-se sempre meiga; por
fim a dona
alto
da
la-
Era uma moreninha côr de jambo,
deira.
linda
assomou vagarosa ao
!
O
corpo
fino,
esbelto,
ondulava
voluptuosamente ao passo demorado; o rosto
redondo, de linhas ainda
to
num
infantis,
vinha aber-
sorriso de enlevo e os olhos brandos,
amortecidos e negros, como os cabellos, cer-
ravam-se como
Descalça,
em
com
se-lhe as pernas,
nudas,
bem
feitas
preguiça.
o vestido sungado,
viam-
até quasi aos joelhos,
e,
como
car-
o casaco se lhe
houvesse molhado apegando-se-lhe á carne,
o colló desenhava-se-lhe,
como em nudez
—
os pequeninos peitos rijos apontados, appare-
cendo sob
a transparência
da chilinha húmida.
BANZO
137
Devagarinho,
o braço
em
no
entretida
com
canto,
curva airosa para manter a bilha,
caminhava.
Florindo sorria espiando-a pelas abertas
da trepadeira enlaçada nos ramos. Viu-a passar e lesto, subtil
pé ante
salto,
como
seu esconderijo
pé, o
lançando-lhe as
da cabeça.
assustada
a sussuarana, deixou,
A
e ia
mãos
e,
rápido,
num
á bilha, tirou-lha
moreninha soltou
um
grito
correr quando o caboclo, to-
mando-lhe o braço,
fel-a
voltar-se.
Dando
com elle a rir, fez um momo, estalou um
muchocho e, endireitando o busto, fitou nelle
os olhos apertadinhos,
reprehensivo a
— Eu
Florindo
logo
um
vi
!
em
Ocê não tem modo não,
?
— Bonita
!
exclamou o caboclo
messo agachado do corpo
— Ah!
— Qu'é
foi ?
gesto gracioso e
tempo.
qu'ocê
num
arre-
Fala!
que
ágil.
prometteu
?
Ella baixou o rosto e poz-se a torcer
a ponta
do casaco encharcado. E murmurou:
— Oia só
isto...
Oia como estou d'agua...
BANZO
138
— Escuta.
— Que é
— Uma
—
?
coisa...
Diz...
'-
a
— Aqui,
si
ras
Tomou-lhe o braço,
tirou-a
afastando as hervas ás braçadas, en-
e,
com
trou
não.
no mattagal espesso. As cigar-
ella
iam calando o
chirrio,
terra e os bemtevis nos
nuavam
mas
os grillos na
ramos ainda
conti-
o cântico vesperal.
Ouvia-se a voz merencorea e soturna das
ondas na praia.
O
cheiro das hervas e da coirama em-
balsamava o
No
ar.
matto cerrado
e Florindo levava a
cinta,
beijava-a,
e fresca
já a noite era escura,
moreninha abraçada pela
sentindo-lhe a pelle
que lhe deixava nos lábios
húmida
um
sabor
sylvestre e daquelle corpo flexível despren-
dia-seum
fluido capitoso de
mocidade que o
estonteava.
Caminhavam pisando
ramos
quebrando galhos seccos.
Si-
iam por aquelles meandros,
ella
verdes,
lenciosos lá
as folhas, apartando
BANZO
139
voltava-se ás vezes
um
tronco,
muchocho, apegava-se
resistindo.
remordendo os
um, e
den-
ella
amol-
brincando com as
ou repuxando raminhos tenros.
Súbito,
A
a
a
resmungava
lábios, languida,
deixava-se levar,
lecida,
flores
Elle
um
abrindo-lhe os dedos,
gosa,
dando com os olhos
e,
um
estalava
delle,
.
morena
porém,
uma badalada
vibrou.
estacou,
cabeça a
atienta.
Outra badalada, outra
em
e,
fito,
seguida, sonora-
mente, repiques alegres.
O
coração da morena bateu
forte.
D'im-
peto refugiu ao caboclo escapando-se-lhe do
braço
e,
frente a
frente,
vissem no escuro,
busto a prumo, fez
a cabeça
e,
posto (|ue mal se
encararam-se e
um
ella,
de
aceno negativo com
ajuntando o gesto á palavra, ar-
quejou:
— Não! E deu
— Que é que tem,
— Não, Florindo.
volta.
nha madrinha.
tola
Ocê não
— Antonce
— Tá chamando
?
Nossa Senhora
tá
é mi-
uvindo o sino?
?
p'r'ó
Mez de Maria.
E'
:,<>>(!«•: -í
BANZO
140
a
festa
bom
de minha madrinha.
Não
Deus me
livre.
pensa nisso.
Nem
!
E,
é
sem
vollar-se, quasi a correr, saltando os mattos,
a
repuxar a saia que se prendia nos
sempre
fugia,
joás,
a ouvir os repiques do sino,
cada vez mais vivos, chamando a gente daquelles cobes para o
Florindo,
animo de
Mez de Maria.
também supersticioso, não teve
mas quando chegaram aos
resistir;
cajueiros elle agarrou-a, tirou-a de novo a
em
com o
e,
voz cálida,
si
que tremia, concordando
seu escrúpulo, pediu-lhe:
— Oia,
da reza
ocê tem razão... mas... e depois
Depois da reza ocê vem
?
— Não,
casa... Pois
Florindo.
não
é
mió
A
gente
?
tem
de
se
?
— S. João ainda vem tão longe
!
suspirou
o caboclo escarapellando a grenha.
— Quá
E
longe!
Farta menos
mez.
ocê quê sabe, Florindo? não ó a primeira
vez que minha madrinha
feita,
ocê não se alembra
dobre de sino
a
dum
Nosso
?
c
elle
me
?
sárva.
Daquella
quem podia espera
não começou a toca
Pai...?
!dí;':/V-..^i--vVi^fc:;«^.
BANZO
141
— P'r'o veio Trahira...
— Antonce Não, Florindo,
?
minha ma-
drinha não qué.
— Isso
— Luxo
é luxo...
E
!
nh'alma móde
ocê qué que eu perca mi-
tolice,
!
E
Recolheram
não,
Iam sahindo
persignou-se.
quando pertinho
uma
luziu
precipitados
dum
duas velhas seguidas
Tudo
Isso não.
Na hora sagrada
tem seu tempo.
não
home?
isso
á estrada
lanterna tremula.
viram
e
passar
cão.
— E' nhá
mais a rezadeira.
— E o caboclo sussurrou ao ouvido
da morena: — Escuta... e depois da reza?
Rita,
E'.
Hoje a noite
é de lua.
— Não... não... minha madrinha não qué.
— Ah!
o caboclo. Ocê também
é
fez
muito aborrecida.
um
resposta,
desse
bilha, elle
avançou
como
E,
e,
tregou a boca
le
um
e,
sem
passo para apanhar a
segurando-a pelos hom-
bros, insoffrido, pediu
— Tá bom,
a mt)rena,
em
voz plangente:
beijo só.
Ella cedeu, en-
longamente, ficaram naquel-
êxtase até que a moreninha,
num
safanão,
BANZO
142
repelliu-0 sorvendo
nhou
a bilha Ião
um
longo hausto e apa-
estabanadamente que toda a
agua extravasou.
O
num
parado,
caboclo,
abatimento tórpido, chamou-a:
— Geninha
deitou a correr e de
na primeira alvura do luar que
longe,
emborcando
— Tá
inteira
vendo
com
abria,
a bilha, disse:
seu diabo
jou,
Ella
!
?
?
sede.
Tá vendo
o
quocê arran-
Fazê a gente passa a noite
Coisa ruim
!
E
deitou a
correr por entre as sebes cheirosas,
como uma
O
rindo
louca.
sino repicava alegre e hirto,
da estrada,
tremendo como de
no meio
o
frio,
boclo ficou ao luar, plantado, immovel
um
ca-
como
tronco.
^hié'*Ír'-,„
ATTRflCÇnO DA TERRA
iÉiiililM^
.jí=ítík^S.>.^3£^t<CÍ-:^%K
/
Ho
tis,
ilhcii
lábido,
eriçado
em
áspero,
dum
árido,
amigado em pomas
amarello
e alcan-
cristas foraminosas, poído
em
fm'nas e socavas por onde arremettiam d'impeto, aos estouros, grossos golfões de mar. a
prumo,
tesa.
mastreando
um
pincaro,
tava escalavrada a torre do pliarol.
avul-
Como uma
ostra apegava-se-lhe ao sopé a casa do pharoleiro.
Em. torno
e
acima do escolho revoavam
gaivotas.
Aqui,
ali,
em
pontos salteados,
eruptos
agaves ouriçavam espathas; hervas bravias,
hispidas irrompiam dos lanhos.
BANZO
146
Crustáceos fervilhavam nas orilhas do pealgas côr de limo que boiavam
iiedío entre
como enormes arachnideos.
esguedelhadas
O
oceano,
infinito e
serto aflorado de
túmido, rutilava de-
espumas e os barcos, que
surgiam nas extremas do horizonte, pareciam
em vôo
baixar do céu
doce
sereno, singrando
em
no alor das névoas que fluiam ao
deslise.
sopro do vento brando.
Nos
illieu
dias límpidos,
sob o azul fúlgido, o
sobrenadava de ouro no faiscante
brilho das aguas,
com uma
em
esvoaçavam
férvida; aves
orla de
re-
espuma
bandos, inves-
tiam d'alto á vaga, remontavam batendo ás
azas largas ou ficavam
em
repouso no ba-
louço da onda preando o peixe que esfusiava
rápido.
Com
os aguaceiros do inverno,
no
furor dos ventos, sob as vergastas das chuvas,
o ilhéu retranzia-se.
Os vagalhões assaltavam-no, subiam-lhe
pelas encostas ás grimpas rebentando estron-
dosamente
em
cachões
despuma,
despeja-
vam-se catadupejantes pelas rampas alagando
os desvãos,
chegando
em
frouxos lençóes á
BANZO
147
casa
e,
por toda narle, o mar eslrondava, o
vento zunia,
sentia-se
a
em
chuva rufiava
em
bátegas e
além do adensado ne-
torno,
voeiro que isolava o escolho,
a
madría
tro-
nando, rebòos de trovões, uivos do vento
de longe
a
em
borrasca,
e,
uma gaivota, rompendo
pousava num ermo e ficava a
longe,
tremer, arrufada, oscillando ao vendaval.
Habitavam
e a filha e
um
o ilhéu o pharoleiro, a
mulher
ajudante, Bruno, antigo patrão
de barco.
Os
dois
homens,
unidos pela soledade,
davam-se como irmãos
nos, de
—
poucas
nas
ora
falas,
ribas
e,
ainda que tacitur-
passavam os dias juntos
concertando
redes,
afu-
roando o peixe nas madrigueiras, se não
jo-
gando sentados num escalão da rocha, quando não se mettiam
lá
em
cima,
no
lanter-
nim, bmpando, lubrificando o apparelho, re-
parando estragos do vento no tempo das
aguas.
A
pelle
mulher,
cabocla franzina e secca,
de
tanada como a dos homens, mourejava
,
'.í^JsrifWíT
BANZO
148
da manhansinha á noite
nella
com
fervia,
e,
emcfuanto a pa-
appetitoso cheiro de gui-
sados praieiros: peixe e mariscos, de longe
um
em
longe
na
tina que,
pouco de carne secca
— curvada
homem
ora um, ora outro
en-
com agua do algibe, lavava cantando
modas da sua villa sertaneja, tão verde entre
chia
cheirosas
e
fresca
balsas,
numa
ranchos, com
córregos,
e
intimidade
laranjaes
louras de canna e milho.
murmurante de
de palhoças
feliz
em
flor
e
roças
Acompanhava-lhe
a voz guaiada o
marulho monótono das ondas
em
A
(juebrança.
alegria do degredo era a
pequena Sara.
Nascida
o parcel.
ali,
ali
criada,
o seu
mundo
era
Percorrendo-o de extremo a extre-
mo, descalça, cabello ao vento, indifferente
ao Ímpeto das ondas,
sempre molhada da
cuspinhagem da ressaca, conhecia-lhe todos
os desvios,
desde as pontas mais Íngremes
até a grota
onde o mar gorgolejava expluindo
ás detonações e os labyrinthos e canaes pro-
fundos onde,
gubre,
sob
uma névoa
cerúlea e lu-
luziam balseiros dagua fuzilando
em
BANZO
149
lampejos argentinos
ao
espadanar
fugitivo
dos peixes.
Passava horas alapardada nessas cryptas
soturnas escarrancliada
aspas da rocha,
ás
em
arestas,
agarrada
grilando para ouvir o
resôo do echo que se prolongava e retum-
em
hava
rolos de sojn pelas anfracturas da
lapa.
Conhecia os pendores, as escarpas lanha-
em
das
preferidas dos lagartos,
escaleiras,
ás vezes tão cheias delles que,
com
ciam
o
á distancia,
remexer dos bichos, as rochas paremover-se,
arfar,
sacudir o
dorso
ao
sol.
A
mãi prendia-a
á casa dando-lhe servi-
ços para tel-a sempre junto
a
si,
receiosa
d'algum desastre naquelles passos perigosos,
e,
ao explodir resoante de vaga mais estron-
dosa,
se a
não via
a procural-a,
perto,
lançava-se afflicta
chamando-a aos
gritos, corren-
do pelo espinhaço do penedío, resvalando aos
abysmos, debruçando-se das
com
ella
onde
ari-ibas até
dar
estivesse.
Encontrava-a,
umas
vezes
defendendo
BANZO
150
heroicamente o ninho das gaivotas: de pé
num
anfracto,
tras,
as gordas ratazanas que chiavam fugin-
apedrejando, a cascas de os-
do de roldão, lambusadas no glúten dos ovos
Ou
destruídos.
numa
então
chan,
remanso Hmpido de mar, tão
ante
raso,
um
Uso e
transparente que se lhe via o fundo amarellento,
que se atropellavam
cevar peixes
a
engalfinhados, arremettendo ao lambisco.
O mar
— pelo
se
não tinha segredos para a pequena
bolhar ou crispar da superfície sabia
eram
levas de garoupas
ou cardumes de
sardinhas que passavam; roteava por
pluir
de
espumas
a
um
ex-
marcha dos tubarões,
distinguia ao longe as a^uas-vivas.
Mas
nclle
o seu prazer
— era
lando ao
—
e
iam-se-lhe os olhos
seguir as cabriolas dos botos ro-
lai'go
Se avistava
eminaraiihado
em rebolcos IímiIos.
uma vela 011 vulto (\e paqueje
em cabos, atufado em fumo,
recordando as
cm scisnia
conversas que ouvia em casa
sobre a
a mysteriosa
singrando nu
rica,
lisni-a
toira,
hisirosa, caliia
terra
cheia de cidades farias,
grande
ondulada
e
em
BANZO
•
151
montes encrespados de
fios
selvas,
de riachos, estendida
reluzindo
em campos
em
vastos
como o mar, coalhados de rebanhos
tenros, com pastorinhos mimosos e bem vestidos como os dos chromos.
e
verdes
Sempre, porém, turbando a doce
ção das bellezas da terra
idealisa-
pensava na
fértil,
Não a comprehendia senão como um
esqueleto armado de foice, rompendo das
nuvens, direita aos homens, como as gaivo-
morte.
tas
quando colhem o vôo
E
sobre o peixe arisco.
arrepiada,
relanceando
e
abatem na vaga
tremia,
em
encolhia-se
torno
os
olhos
cheios de medo.
Mas
a
serenidade do céu e do oceano
tranquilisavam-na e reentrava no doce sonho.
Então pensava
ções,
cuja
parede,
em
Deus, no Deus das ora-
imagem
num quadro
soffredora
lá
estava,
á
cercado de sempre-vivas;
Deus, o creador de tudo, o Pai dos homens
que navegam e das
dos peixes
e
estreitas
que brilham,
das gaivotas, do sol e da lua,
senhor do céu e do mar; Deus, que
lá estava,
entre luzes eternas, na igreja sonora, á sua
BANZO
152
espera para baptisal-a,
a
abençoal-a,
mão
direita.
Então desejava
a terra
si
sob a sua
com
tomal-a
anciã, sentia
Ímpetos de arrojar-sc ao mar, nadando, seguir os navios atravez do céu d 'além, e entrar
ás cidades ao
dados
som dos
por entre
sinos,
e jardins floridos,
grandes
sol-
bois, fontes
borbulhantes e principes vestidos de seda,
com espadins de ouro
como nas historias.
e
chapéus de plumas,
A's vezes chorava frenética
num grande
ódio ás aguas e áffuelle céu ((uc lhe encobria
a terra desejada.
Bruno,
quando
falava
lhe
um
estendia os braços para
noite,
as estreitas
c dizia-lhe:
«E'
longamente, a
enchiam
e
de^
ponto onde,
E
até
ella
á
ficava olhando
que os olhos se lhe
sombras. Mas não comprehendia
tomava por brincadeira o que
lhe afíirmava
o pai da immensidade do mundo,
um
«capital»
luziam mais abundantes,
ali !»
fito,
da
correndo
largo gesto (jue circulava o âmbito do
horizonte:
— Por toda
a parte
ha
terra, praias altas,
BANZO
153
com coqueiraes em palmas
de areias brancas
dentro cidades cheias de palácios,
e lá p'ra
cheias de mercados,
do, pássaros,
muita gente, musicas.
Não, a terra
lá
ficava,
onde luziam as
num monte
com carruagens rodan-
azul,
como
dizia o
mais
estreitas
com arvores
Bruno,
claras,
alta.
cheias de pas-
sarinhos.
E quando chegava
provisões.
e
a
rir,
ao
Sara exultava
o barco das
illieu
Ia
feliz.
a
correr
escorregando nas lombas, saltando
das cúspides até á cascalheira da orla
e,
em
alvoroço, pulava á proa, ia pela bancada fes-
como para
tejando, abraçando os tripulantes
sentir o cheiro
que
elles
Iraziam da lerra e es-
quadriídiando, rebuscando nos vãos do barco
como
a
buscar alguma coisa de
nava, recolhia tudo
iiaes,
—
folhas,
os liomcns
demoravam no
e,
acenando-lhes
E,
jor-
emquanto
não os
dei-
quando partiam,
su-
bia ao lanternim do pharol
minando o mar,
exami-
pedaços de
cascas de frutas, seixos.
xava com perguntas
lá e
ficava-se
ilhéu,
e,
a
com um panno
lá
de cima, do-
contemplal-os,
até
que a vela
BANZO
154
do
Í3arco,
pequenina,
Uma
com
coníundia-se
espumas que cotonavam
as
o oceano.
tarde disse-lhc o pai,
aíagando-lhe
os cabellos salitrados:
— Quando
mandar
fizeres dez annos, se
o contrario,
irás
Deus não
comnosco á
terra
me
veja,
baptisar-te.
— Contanto
que
a
morte não
murmurou. A mãi rompeu de repellão:
Ah tola Ocê pensa que a morte anda
—
!
!
na terra como a gente?...
— Pois então
— Boba
— Ella não sabe,
?!
!
pai.
E
Morte não se vè
tanto lá
como
— Aqui, não.
— Graças Deus
a
K
!
desculpou o
a cabocla, supersticiosa, eJcplicou:
—A
parte,
coitada
e está
em
toda a
aqui.
!
bemdisse o pharoleiro.
a pequena, depois de considerar:
— Mas
annos
então
só
quando
?
— Só.
—E
ainda
falta
muito
?
eu
fizer
dez
BANZO
155
— Dois.
umbral
Tens
oito.
Sara encostou-se ao
de cabeça baixa,
e,
num pensamento.
O sol baixava
ali
contida
íicoii
enorme, d'um fulgor me-
reverberando ao rez das aguas que re-
tálico,
lumbravam
e o céu áureo,
flabellares,
chovia gloriosamente
estriado a traços
uma poeira
em ampolas
de ouro. Vagas rolavam pesadas
coruscantes e todo o oceano reluzia picado
em
scintillações.
O
disco astral tocou a linha do horizonte
com um
brilho fremente e o mar, sob o occaso
ardido, inflammou-se rutilando.
um
Foi
so,
num
descer de pluma, o sol mergulhou.
Houve um
ridade
ali
um
deslumbramento rápido. Vagaro-
êxtase; ondas brincaram e a cla-
foi-sc,
aos poucos, apagando
brilho ainda,
esmaecendo
te.
Por
em
lustro oleoso.
fim,
uma
Levantou-se
um
—
sciíitillação
a luz, o
mar
aipii,
candenreluziu
vento fresco, abrolhavam
nas aguas frouxeis brancos,
e,
á luz meiga,
aos bandos, vieram vindo as gaivotas e ba-
rulhavam entrando ás furnas ou reuiiindo-se
r"
.
:-'^m
BANZO
156
num
ficavam immoveis, ainda gozando
alto,
o anoitecer. Fez-se escuro silencio.
num
Súbito,
jacto explosivo,
o clarão do
pharol tremeiuziu, largo e extenso, nas aguas.
Bruno
na
estava
lá
vigilia
do primeiro
quarto.
A
familia
recolheu
á
A
casa.
candeia
aclarou o interior aceiado.
O
pharoleiro
sentou-se
accendeu o cachimbo
A
zando.
cabocla
domésticos
ia
e
— guardando
peças de roupa.
junto
e ficou-se a
á
mesa,
fumar, ban-
vinha nos arranjos
a
dobrando
louça,
Sara metteu-se a
um
canto
encolhida, o rosto na mão, a olhar a folhinha
em chromo bucólico,
onde um moinho velejava alto, num colle,
de
parede,
sobre
um
pregada
fundo risonho de céus azues e cam-
pos louros. «Estavam
pequena. Tantos
va
e,
um
a
!
Era
ali
os dias, pensava a
d'ali
que a mãi os
tira-
um, de manhãsinha, ainda escuro
mal os despegava, logo o
aguas.
E
menos
!...»
se ella
sol
furtasse alguns
rompia das
!
um, pelo
BANZO
157
Relanceou o olhar
lavam dislrahidos.
de
leve,
foi
appareceu
em
e,
nou
em
— os
volta
pais es-
Levantoii->e devagariniio
destacando a folha, outra logo
baixo.
Instinctivamente incli-
a cabeça lançando os olhos para a porta,
a ver se havia claridade de sol
Sorriu
persistia.
e,
— a escuridão
arrancando a
d'impeto,
amarfanhou-a, metteu-a no seio
folha,
e,
dis-
farçadamente, pé ante pé, caminhou direito
sahiu
cosendo-se
curvada,
á
porta,
a
parede, amiudou
e,
com
os passos, lançou-se, por
fim, a correr.
Enveredou por entre as penhas, trepou
escarpa caleada a luar
do
ferviam
mar prateado onde
em
brilhos.
lançou-o ás aguas.
revolveu-o,
ar,
por lombadas e
chegou á
que pareciam de gesso,
arestas
beira
e,
espumas
as
Tirou o papel do
O
levou-o
á
seio.
vento apanhou-o no
.
Sara
não
o
viu
cahir.
Olhava,
em
longe,
lenta
mas
grila:
a
voz da cabocla veiu de
«Sara!» Voltou-se.
preguiçava na rampa,
os pés
em húmida
caricia.
A
onda
envolveu do-lhe
«Sara
!»
Lindo,
BANZO
158
E
O luar palhetava as aguas.
como
longe
ia
Quem
se
deria
d'uma
S.
bom
cima, na
bom!
que
pai...
pertinho das estrellas... Po-
perto,
de
a
fosse
Ali sim,
ir
em
seria o pharoleiro lá
Ah!
lua?
a luz do pharol,
!
Thiago,
correr na estrada
outra,
a
brincar
por
ali
fora.
Que
!
Um
lume riscou os
apagou-se no
ares,
mar; outro passou; além eram muitos voando.
«Deus
te
guie!» balbuciou a pequena.
E,
longe, a voz afflicta: «Sara!»
Fez-se de volta sem pressa,
céu,
com
a saiita
espadanando
-ao
d'ollios
no
vento e res-
valava ao longo d'uma fraga, apoiando-se ás
anfractuosidades, quando sentiu-se agarrada,
sacudida aos safanões pela mãi,
que rugia
por entre dentes cerrados:
— Onde
é
que ocê
não toma emenda
te
quero
lá fora,
Empurrou-a.
e,
A
?
Eu
foi,
já
de noite
diabinho
?
Ocê
não disse que não
?
Já
p'.ra
pequena tropeçou na
dentro
!
soleira
desamparada, rolou de borco aos pés do
pharoleiro, chorando.
O homem
levantou-se
BANZO
159
de golpe, estendendo o braço a defender a
filha:
— Deixa
ella,
cida, explodia
que
tirara
mem
A
Alaria!
ameaças, mostrando o tamanco
do pé.
Deixa
ella
levantando a criança.
acolheu-a,
cabocla, enfure-
!
insistiu o ho-
E,
sentando-se,
ahsando-lhe os cabellos húmidos,
afagando-lhe o peito ripado sob
fria.
«Olha só como ocê
tá
camisa
a
molhada
!
Tua
mãi tem razão. Vai mudar essa roupa.» Mas
a
pequena agarrou-se-lhe mais ao pescoço,
com medo. O mar á noite é perigoso, minha
filha.
Tua mãi tem razão. Ocê não vê a
gente aqui com o pharol acceso ? p'ra quê ?
p'ra
que os navegantes vejam
do mar.
A
Qu'é qu'ocê
foi
fazer lá
os
em
perigos
baixo
?
pequena sussurrou:
— Fui botar o dia
— Hein Como
é ?
?
Que
fora.
Botar o dia fora
?!
dia ?
— O dia d'ah,
— P'ra quê
?
Elle insistiu:
inintelligiveis.
— Como
é
da folhinha.
Ella tartamudeou palavras
?
BANZO
i6o
—
d'eu
tempo passar mais depressa mo-
P'r'o
ir lá
em
lerra.
O
pharoleiro não conteve
o riso.
— Boba
!
A
cabocla resmungava á beira
do fogo escaldando, aos sacolejos d'agua, o
homem, muito meigo, mas
sacco de café: e o
dando á voz expressão
— Isso
não
se faz,
A
não acabou.
toma
tira o
dia ainda
papel da
fo-
Ninguém
o sol novo.
é peccado;
Nosso
castiga.
A' ideia de
vibrou
com
O
filha.
do tempo,
a dianteira
Senhor
minha
gente só
lhinha de manhan,
aconselhou:
terrifica,
num
castigo de
Deus
estremeção violento
boquiaberta,
abraçou-se
um
num
com
c,
esgazeada,
o pai afundando o rosto no
pensando com arrependimento:
a folha
pequena
grande medo supersticioso,
peito robuslo a que se achegara.
apanhar
a
E
chorava,
((Se
pudesse
que lançara ás aguas, com
o dia ainda vivo... Se pudesse!...»
Recusou
a ceia de café e
bolacha
e,
dei-
tando-se, não pôde conciliar o somno, tortu-
rada pelo remorso daquelle peccado.
As ondas fragoravam no
silencio e o es-
.
BANZO
i6i
trondo escachoante aterrava-a e commovia-a
como
gemer do
se fosse o agoniado
dia a de-
bater-se no mar.
Os
A
pais recolheram-se.
lamparina ficou
num
sobre a mesa vasquejando
tremer de
sombras.
Revolvendo-se na cama, insomne,
em
coração
com
o
estúos, o ouvido attento, escutava
estarrecidamente os rumores nocturnos.
O
crebro bater da porta ás lufadas do vento
fazia-a tremer
! .
.
Cobriu a cabeça
e,
com
encolhida,
os
joelhos no queixo, immovel, poz-se a rezar.
Por
num
vezes,
uivo de tortura, o vento en-
chia a noite de angustia.
Mas andaram na
sala; o pharoleiro pigarreou,
tossiu.
um
uma
tinir
de louça.
Abriu-se
Houve
luz
mais
clara.
Então, repelUndo a coberta, Sara sen-
tou-se
e,
o pai.
em voz surda, estrangulada, chamou
O pharoleiro acudiu, agasalhado em
grosso casacão,
um
gorro de lan enterrado até
ás orelhas.
— Uai
— Que
11
!
ocê tá acordada.
horas são
?
BANZO
l€2
— E' quasi meia-noite.
— Ainda não é amanhan?
— Ainda não.
— Está custando tanto E
!...
nhecer mais,
— Como
nhando
se
pai
?
não amanhecer ? Ocê
não disse
que eu botei
— Ora
!
fora,
?
Por causa do dia
ainda vivo?...
Accendeu o cachimbo.
de medo.
Fel-a
deitar-se,
Nosso Senhor perdoa por
não faças mais, ouviste
E,
te
tá so-
?
— Papai
deixa
meu
não ama-
se
tomando a
para revezar-se
?
cobri u-a.
Mas
vez.
Dorme.
lanterna,
com
esla
Dorme,
foi-se
o Bruno, lá
vagarosa-
em
cima.
Sara, dantes irrequieta e afoita, desteme-
rosa nas abaladas pelo ilhéu, ás ribas e penhascaes, algares e cafurnas, retrahiu-se
em
Mal sabia ao
re-
temor desde essa
monte
fronteiro á casa de onde olhava o
azul ao sol
mosos,
noite.
ou
dum
mar
verde sujo nos dias bru-
quando as gaivotas revoavam mais
assanhadas, ás voltas nos ares fuscos ou ras-
BANZO
163
Ali ficava contemplativa,
tejando a espuma.
abstrahida
em
scismas de
Emmagrecia
uma
tristeza.
a olhos vistos, sacudida por
tosse rouca que lhe recavava o peito.
numa
A's vezes deitava-se
com a cabeça a
uma sensação de
em
repentinas,
com medo de que
e,
enlapava-se
descia as furnas,
vissem,
como
todo o corpo,
Chorava sem causa, em
se estivesse ao sol.
crises
a boca secca e acre,
doer,
calor
molleza flácida,
e,
a
na
solidão sombria, as lagrimas corriam-lhe dos
olhos
em
silencio.
Dezembro estava
te.
O mar
tinto,
dum
resplandecia
broslado de espuma.
nuvem
— todo
fimbria,
com
o sol
ceu,
sem uma
em
disco
enorme e corus-
Madrugadas e crepús-
eram maravilhas de serenidade e
Na
roleiro,
côr.
tarde de 31, ao fim do jantar, o pha-
que olhava os longes, falou da demo-
ra do barco das provisões.
preoccupada com o
se
O
azul forte, re-
translúcido de fimbria á
elle
refulgurava.
cante,
culos
a findar, radioso e quen-
importam
elles
facto,
com
E
a cabocla,
já
resmungou: «Bem
a gente.
Estão en^
BANZO
164
têm
terra,
Mez de
tudo...
mais que se arranjem».
No
palavra, fumando.
Bruno não
silencio a
Os
ora!
festas,
disse
pequena
fa-
lou timidamente:
—E
a folhinha que está
no
fim...
Já não
tem para amanhan.
—
ca...
disse o pharoleiro
E',
O
anno está acabado,
—E
o outro
?
com
indifferen-
i^racas a
Deus!
perguntou Sara de olhos
muito abertos.
— O outro? O outro ha-de
— Se
chegarem, ajuntou
vir...
elles
melancolia presaga.
A' noite,
ella
com
antes de dei-
tar-se,
ainda ouviu a mãi alludir ás festas do
Xatal
em
terra,
recordar os bailados pas-
toris,
a visitação dos presepes, os ranchos de
Reis,
toda a suave poesia do mez santo.
ali,
ali
mudo.
o mar, o
Lá para
taram-na
porta.
—o
mar
E
deserto, infinito, e o céu
as tantas estridores desper-
quarto rugia aos esbarros da
Pelas frinchas e abertas entravam
vores do relâmpagos e a casa aquecia
li-
em um
abafamento asphyxiante.
Sentou-se na cama.
Houve um
estrépito
BANZO
165
de raio e logo,
com
furioso estardalhaço,
em um
chuva haJeu nas telhas
a
estrondar de
pedradas.
A
cabocla saltou da
reu descalça á mesa
foi
collocal-a
e,
cama
tomando a lamparina,
na commoda,
gem do Senhor
espavorida, cor-
diante da ima-
dos Passos.
Outro estrépito estalou
luziu ao clarão pallido.
e toda a casa re-
Golpes de vento aba-
lavam as vidraças, pannos lufavam nas cordas agitando sombras trágicas e as vagas
estrugiam investindo ao ilhéu,
o embate violento
e,
em
ouvia-se-lhes
seguida, no desman-
char das aguas, o ruido fervente das espumas
que se esparramavam alagadoramente.
vões detonavam, ribombavam rolando
Tro-
em
re-
percussão profunda.
Os
dois
homens
lá
estavam
em
lanternim da torre, illuminando o
cima, no
mar
áspero.
E a chuva cabia torrencial, ás rajadas,
com a fúria de trombas d 'agua que rebentassem sobre
a casa.
Sara, encolhida, rezava, não por
pelos que
vinham da
terra, pelos
si,
mas
que deviam
BANZO
i66
no largo barco das pro-
vir sobre as vagas,
visões, trazendo os dias
não viessem,
E
seria
mundo
do
!
mar
sem
«Nosso
sol ?
Nosso Senhor nos salve
!»
cabocla vestiu-se eslabanadamente, em-
biocou-se no châle,
alguma
um
Tremia, batia
?
borrasca furiosa, o
houvessem naufragado?
se
Senhor nos salve
A
o sol
viria
e, lá fora, á
esbravejava.
Que
não chegassem a
se
como
folhinha,
os dentes
E se
lempo com a
do anno novo.
coisa,
foi
ao armário
caminhou
e,
tomando
direita á porta
Teve
bater sonoro de tamancos.
com
um mo-
mento de hesitação medrosa, mas, resmungando, persignou-se
loquele,
e,
decidida,
passou atravez de
uma
deu volta ao
lufada
e,
met-
tendo a mão-4)ela abertura por onde o vento
esfusiava, fechou a porta.
Sara
na
tiritava,
cama
Tentou
retranzida,
em
retorcendo
para
levantar-se
pharol, ficar lá
Sentou-se
batia os dentes.
as
seguir
a
mas tremia
tão escura
talvez,
tanto e a noite estava
'
!...
mãi ao
cima, no meio da gente,
olhando o mar alumiado, descobrindo,
o barco,
mãos.
BANZO
167
Um
trovão explo-
diu violento, estatelando-a no
meio do quar-
Desceu devagannho.
«Minha
to.
Nossa
Senhora
Correu
!»
ao
canto onde se achava a folhinha, olhou-a de
com medo;
longe,
apalpou-a,
adiantou-se,
quiz levantar a folha do ultimo dia que esta-
va
ao papelão.
collada
mas não
evitou rasgar
cautelosa,
Insistiu
um
pedaço da margem,
conseguiu destacal-a e o fundo
'levantou-a,
appareceu, branco e vasio. Era o fim.
E
o sangue bateu-lhe no coração oppresso,
contrangeu-se-lhe a garganta
de estrangulamento.
a porta,
com
fugir...
Quiz
em um
arroxo
gritar, correr
para
Foi de encontro á cama,
a cabeça a zoar, os olhos
em
fogo, flam-
mejando ascuas.
O
quarto alumiou-se
fulgor.
mais
Um
forte,
estampido
como
em um
fremiu,
outro
logo
se o ceu houvesse rebentado.
Dirigiu-se á porta,
quando
tranho repercutiu lá fora.
em
instantâneo
um
ruido es-
Clareou de novo,
Deviam
ser,
Os relâmpagos abriam-se
seguidos como luz tremula que o vento
tão
luz fúnebre.
com
o
sol.
Seriam
elles ?
agi-
BANZO
i68
lasse
como
fazia á
Era o
parina.
tempestuosas,
chamma
escassa da lam-
que vinha pelas aguas
sol
subindo,
descendo nas vagas
roleiras.
Envolveu-se no cobertor, correu á porta,
deu volta ao loquete.
do-se
com
A
parede.
A
na
O
batente, escancaran-
o Ímpeto da ventania,
lamparina apagou-se.
chuva grossa escachoava,
sala.
levou-a á
A pequena
ficou
em
diante
bátegas,
da treva
recebendo no corpo as ríspidas cordas d'agua
e
novo clarão, afuzilando o negrume,
offus-
cou-a.
De
como
Ímpeto,
se a ímpellíssem,
lan-
çou-se de ilhéu afora, atravez da tormenta.
Ao
deflagrar dos relâmpagos o massiço
emergia trágico, reluzindo, como
immensa toda
envolta'
uma vaga
em espuma.
Sara não sentia a chuva
—
ia
em
frente,
direita á riba de onde lançara o dia ao mar.
Escorregava
em
e,
cristas,
resvaladios,
mettia os pés
encharcada,
po, corria.
em
com
tropeçava
em cascabulhagem
a roupa
apegada ao cor-
»
BANZO
i6g
O
oceano estrondava
vidos
viam-se-lhes
aguas
as
clarões,
quando,
e
reluziam
aos
lí-
negras,
alámbores de escarcéus,
altos,
soberbos vagalhões emplumados de espuma
e longe,
no brilho
sinistro,
marouço enca-
o
pellava-se conflagrado, arremettendo ao ilhéu
precipitoso,
desordenado,
sotopondo-se uns
a outros, cavalgando-se e rebentavam na costa
saxea tonitruosamente.
Sara estacou
num
alto,
chorando.
abria-se de instante a instante
catrizes e tudo
flammejava
em
em
torno,
livor.
E
fitas
Era o fim do mundo
do ceu
te
nuvens
fulvas
ceu
ci-
e vagalhões,
Trovões estalavam com
estrondo de catastrophe,
vam.
em
O
de fogo serpea!
«Virgem Mai
!
o sol
?
que seria
que o trouxera
!
feito delle ?
E
o
ilhéu
?
Pobre genlá
andava
também em pedaços no mar. Eram as espumas encapelladas que lhe pareciam crostas da
ilha, boiando aos rebolões na borrasca. Não
esperou mais. Na anciã desvairada de vêr
lançou-se,
em
delirio,
pelas lombadas do es-
s
colho.
BANZO
170
Subia ás rampas,
num
Súbito,
Lá vinba o barco
grito de triumpbo.
vinha,
com
aos vallados.
descia
relumbrar mais largo, teve
o sol. Vira-o bem,
num
!
um
Lá
flagrante.
Lá vinha
Eram os homens que traziam o
Hvro do Anno Novo, as folhas de luz, as fo!
lhas de sol.
Escorregou
cabiu
num
pela
entre penhas,
vão,
raivava engasgado.
fre e, antes
da
escarpa,
onde o mar
Afundou nagua de cho-
que se pudesse agarrar a alguma
a vaga,
aresta,
encosta
que subia, recuando
em
re-
sorvo, arrastou-a.
Debatendo-se na profundeza, entalada entre
bordas penhascosas, escabujava, sentindo
correr sobre ella o
tonta,
desatinada,
fões d'agua,
mar
furioso.
Ergueu-se
arrevessando gol-
afflicta,
com
os cabellos empastados no
em
agonia, agarrou-se á pedra
rosto.
Aterrada,
— outra
vaga arrancou-a,
embrulhou-a,
le-
vou-a aos rebolcos e encontrões pelas bordas
do rochedo, atirou-a á penha, trouxe-a de
boleio e deixou-a varada
numa
re-
chanfradura.
!
BANZO
171
Ainda
um
gritar,
mas
ainda
clarão,
um
ribombo.
Ia
outra vaga passou, tomou-a,.
le-
vou-a acima, repuxoli-a de rasto e assim, durante a noite,
corpo andou naquella re-
o
douça d'agua, acima e abaixo, no
ao
vallo,
rythmo dos vagalhões.
Pela
madrugada
abonançou,
o
vento
cahiu, o mar, ainda crespo e lúrido, arrufado
de espumas, rolava grosso.
riam ao vento,
o
rasgões de azul e
brilhou
um
ceu
um
instante,
íoi
As nuvens
cor-
limpando-se
em
sol triste appareceu,
sumiu;
reappareceu,
ainda o cobriram nimbus até que surgiu
vre
em campo
azul vívido,
li-
resplandecente,
espalhando no ar e nas aguas e pelo costão
do ilhéu a claridade e o calor do novo
dia.
Três vultos iam e vinham por alcantis e
algares bradando desesperadamente.
votas celebravam
do
bom
tempo.
fundo do vallo
As
em voos barulhentos a
O mar ia ficando azul,
ia e
gai-
volta
e no
vinha na mareta o corpo
da pequenina que não vira o sol novo e a
terra verde
além do mar, além do ceu, além
•.
•^3'
TRAIÇAO
EM
Janeiro, á noite, plena estação das
aguas,
num
lanço de terras altas á
beira do Amazonas.
Luar.
O
túmido,
rio
espraiado,
vagaroso, coalhado de scintillações.
rancas,
escavadas
em
rolava
As bar-
sulcos e taliscas,
pa-
reciam de pedra e as arvores, cuja raimagem
pendida rastejava nos remansos, fulguravam
como enfolhadas de
prata.
Suave respiro movia as frondes
altas.
Por
vezes a agua estalava batida de chapa pelo
salto de
um
peixe; galhos, oscillando
em
lan-
guidos meneios, ringiam, crepitavam ou era
o trisso rispido,
silvante dos
esvoaçavam estonteados,
morcegos que
BANZO
176
Na margem opposta, entre arvores densas,
mna luz lívida fitava; de longe em longe
sumia como a um bater de pálpebra, para,
de novo,
rebrilhar immovel.
Súbito extin-
guiu-se.
Marcos, que tocaiava, collado a
avançou de
rasto,
um tronco,
mansinho, parando a
al-
guns passos da vereda que levava ao rancho.
<(E'
agora
murmurou. Apagou
!
a luz é por-
que vem.»
Arfava
em
anciã de fadiga.
Corriam-lhe
crispações pelo corpo, eriçavam-se-lhe os cabellos,
um
a espaços arrepiava-se sentindo
lento,
como
macio repasse de pluma ao longo
da espinha; na garganta, áspera e secca, o
hálito
rascava;
braços
rijos,
terra
os
olhos
eram
brazas.
Os
mãos espalmadas na
corpo inclinado, mas
retesos, as
amparavam
o
como, pela attitude forçada, os joelhos se lhe
fossem curvando trémulos, frouxos, firmou-os
no solo ficando de quatro, agachado como
uma onça
á
ruido, a vista
um
espreita.
Attento,
sem perder
duramente fincada no
leve chapinhar de
rio,
ouviu
pá cavando as aguas
BANZO
177
e
logo,
negrejando na esteira lucilante do
destacou-se,
luar,
em relevo de esmalte, a
uma montaria. «Era elle,
sombra
ligeira de
Lúcio.
Lá vinha o famanaz.
Canáia
Não
!
haviam mentido no Barracão.»
lhe
E
com
rilhava os dentes raspando o chão
as unhas.
A
montaria proejou á terra deslisando por
entre as canaranas
que arfavam e o homem
saltou galgando lesto a barranca.
o barco a
uma
raiz,
Amarrou
e iscando lume, accendeu
o cigarro mettendo-se á vereda
com seguran-
ça de dono.
Era
um
latagão
airoso,
O
robustamente entroncado.
cury,
descabido sobre
a fronte núa.
Tinha
bom
porte,
chapéu de
nuca,
a
um
de
ori-
deixava-lhe
quê de insolência
em
no requebro do andar moroso,
passo aber-
to e arrastado.
um
Violeiro e cantador de fama, era
rigo
quando pegava o
desafio,
sempre aggres-
sivo nas tiradas, chasqueando,
pondo em
salto
os ridiculos dos companheiros.
duma
festa
fmdara,
com espavorido
'fM,i<:\'^:^ér:r'-J's~~i -'i..ã^;:^.iíSÀíiiíhS,'JÍí:\ií-:f
pe-
re-
Mais
tumulto,
'
'~'-<-.".;'>. ..-j»fc<'''ja^i^<ig!í".
BANZO
178
ás arrancadas do mulato.
petulante
«Eh
!
e,
seu mulato?»
no
incendidos,
em que
jazia
Pancadas retroaram no
em
seguida, a voz de Lúcio:
Oue
faceira ?
olhos
da posição
se tirou
logo
os
nelle
como paralysado.
rancho
desapparecer
passar,
viu-o
Cravou
mas não
deveras e
!
Marcos
mal to.
Homem
é
dormindo sem
isso ?
Thn cão ladrou.
((Maroto!...»
Marcos cerrou os punhos, estalaram-lhe
os
dentes
vulso,
retorcendo-se
e,
com
num
furor con-
constricções na voz angustiada,
resmungou impropérios. Esteve lun momento
como deslembrado de
immovel,
inerte,
Por
cruzando os braços, balançando a
fim,
tudo.
cabeça emmaranhada:
((E'
se
verdade
desgraça.
!
Uma
nhada na miséria,
fartai-a,
E
é
assim que
um homem
de
muiô apa-
porcaria
(]ue clle limpara, acolhera,
assim lhe pagava o hencncio.»
piu
por entre dentes, com
raia
!»
asco:
Enveredou pelo matto sem
Cus-
((Eta,
bi-
sentir os ca-
rapanans que zumbiam. Sapos coaxavam
em
BANZO
179
gargarejo ou tinindo metalicamente; oulros,
em tom
cavo,
c longe,
de vôo, a
pareciam soluçar,
a espaços,
da lúa agourentava o
777ãi
silencio.
As
hervas
pareciam
vivas
com
prendiam-no, detinham-no
ter
garras:
as suas viges
Folhas largas batiam-
eriçadas de espinhos.
cordas de cipós enleavam-no.
Ihe no rosto,
Elle seguia de vagar, pensativo, a ver a trai-
ção
infame.
ruim
!»
Mas
«Ah!
o corpo da cafusa.
cheirando a
silvas, os
muié...
muié...
rijo,
bicho
azeitonado,
seus olhos negros, que-
brados de volúpia, os cabellos crespos sempre
com uma
referto,
flor a ornal-os, o collo
bicando a camisa de
crivo,
redondo,
tão clieia
de dengues, retrahindo-se, toda encolhida, á
menção de
mordicando,
um
carinho,
com
os
a cabeça lombada,
dentinhos brancos,
a
polpa carnal do beiço rubro...
«Ah!
A
muié...
Bem
mentira pegara
e,
que lhe haviam
como
Gurupá, com os syrios,
O
outro,
lá
dito.
o julgavam
em
estavam, os cães.
aproveitando-se da valentia,
vivia
BANZO
i8o
vida de desencaminhar raparigas.
iiaquella
Mas
se
um
tanto tiavia de fazer que,
dia...
só
não havia Deus.»
indo.
Ia
pensando
Deteve-se
tão
e,
distrahido,
em
Estava
frente do rancho.
transluzia
pelas
Mas
a
tirando o
A
frestas.
claridade
Nio
tecto
uma sombra, mucúra
palhiço ia e vinha
certo.
que,
assahys,
accendeu o tauary.
isqueiro, petiscou e
interior
uns
entre
curiosidade picou-o
e,
de
ainda
que o coração lhe batesse aos arrancos,
in-
chando, subindo como se lhe fosse saltar pela
boca,
arriscou-se
decia
ao
luar,
ao
terreiro
branco como
que resplan-
um
canto
de
])raia.
Chegou
á porta
agachando-se,
e,
ouviu
vozes, percebeu o palavriado molle da cafusa,
os seus resmungos voluptuosos e as meiguices devassas do mulato.
cioso, sôfrego
buscava
Desvairou-se e an-
frestas,
ora empinan-
do-se nas pontas dos pés, ora agachando-se,
com
o rosto de encontro ás paredes ásperas,
num
furor
dade.
em que
havia estuos de sensuali-
BANZO
i8i
Chegou
nome
uma
envolvel-o,
a
e,
vêr os vultos e ouviu o seu
a
efargalhada
de
zombaria.
Proseguiu arrastando-se ao longo dos mu-
em busca
circulando o rancho,
ros,
de
aberta por onde pudesse vêr tudo,
uma
toda a
infâmia.
De
repente,
num
folhas,
se,
!
chamou-o baixinho, avançanMaroto
Ouiz
fugir,
!
O
!»
o cão tomou-lhe o passo.
Diabo de cachorro
No mesmo
se e o busto
— Quem
o braço,
!»
«Ma-
murmurou.
instante a janella escancarou-
do mulato appareceu:
lá
Uai
hi ?
boclo no terreiro,
Recuou
animal acirrava-
negaceando de longe.
investia aos saltos,
roto
farfalho de
recuanso, o cão, que dormia en-
Elle
«Maroto
do:
um
abalou de fugida latindo desabri-
rodilhado,
damente.
porém, com
hirto,
um momento
mtimou: Eh
Descobrira o ca-
!
tremendo ao
logo,
1
luar.
porém, esticando
camarada, se vem de
recado vá dizendo que a resposta
tá qui.
E
apontava a garrucha.
O
caboclo rolou
como fulminado,
as
mãos
BANZO
182
na cabeça
cm
num
o,
bradou
rclransido,
bolo,
írcucsi covarde:
— Não
nliora
me
male,
não...
Por Nossa Se-
!
— E'
elle
sussurrou a cafusa. Lúcio teve
!
uma exclamação
— E'
anlão...
rando assim
aiflicto,
Marco
océ,
— Pois
de surpresa,
as
?
e
perguntou:
?
Como
é
que se
Sentou-se tolbido,
vai
ati-
a respirar
mãos ao
peito contendo o coração
O
cão, reconbecendo-o, ro-
que o suf focava.
deava-o de rastos, saltava, acenando
A
cauda, a rosnar ganidos.
com
a
porta abriu-se.
Lúcio sahiu ao terreiro acompanbado da ca-
com uma
fusa que cobrira o collo
Acercaram-se do caboclo que
levantaram-no e os
ção,
formaram
um
três,
toallia.
jazia prostrado,
esquecidos da
trai-
grupo em torno do qual
o cão rabeava trefego.
— Mas
Marco... Oce escapou de bôa.
— Foi Nossa Senhora, sussuri*bu a caocê.
fusa.
—-Nossa
cio vexado.
Senhora...
é...
Houve um
silen-
A' voz languida, arraslada e
ma-
BANZO
183
da traidora
cia
no
esi)irit()
(Jo
uma
idéa sinistra
laiiipejoii
Lucio aniparava-o,
caboclc».
iiieiitiiRlo-Ilio:
— En
numa
vim
a({ui
môdella
gritaria di fazê
mi ctiamou
(|ui
A
medo.
caí usa fez-se
assustada confirmando as palavras do amante;
— Eu sempre disse que este lugar era
assombrado. Foi Deus que
os
meus
fez
nem
grito, senão...
mal
seu Lúcio ouvi
sei
memo. lima
creatura sósintia neste desamparo.
Marcos gemia, curvando-se, a repassar
mão no
pela surpreza,
chão.
O
ventre concavo.
mulato,
Marcos aconselhou surdamente.
?
?
tro.
A
abatido
coçava a cabeça, d'olhos no
— Guarda essa arma...
— Que arma Uai Ocô inda
do
a
E, rindo,
!
espalmou as
Mas por pouco, heim
?
com memãos. Tá lá dentá
Ocê nasceu
hoje.
cafnsa, embaraçada, para fugir á situação,
lembrou
um
rancho.
Marcos seguiu-a com
ccso
uma
uma
e,
café
e
logo
desappareceu no
um
olhar ac-
gemendo, encostou-se ao tronco de
seringueira, accusando dores agudas
perna;
torcia-se,
estirava
os
em
braços,
BANZO
184
rangia os dentes, offegando.
O
mulato per-
guntou:
— Que
— Geilo.
é ?
Foi geilo que eu dei no cahir.
Sacudia os braços estalando os dedos frouxos.
— Espera...
em
terra
tirou-a a
e,
E
tomando
bom
a
faca,
perna do caboclo, es-
um
de Marcos fuzilaram,
cou a
rictus contrahiu-lhe
Levou
a
mão
apertou-a rijamente
lento arremesso,
joelho
Nesse instante os olhos
pulso.
o rosto macilento.
um
mulato poz
o
á cinta, sae,
num
vio-
que o levou sobre o mulato,
embebeu-lh'a toda nas costas, com
um
rugido
selvagem.
— Desgraçado
em
lando
O
ro-
violeiro
terra sobre gorgolões de sangue.
outro, vendo-o debater-se, volteou-o
rápido,
tre.
arquejou o
!
num
salto
de
fera,
e,
rasgou-lhe o ven-
Ainda o mulato soergueu-se de borco
apresentando o dorso á arma que o varou
uma, duas vezes
cido,
até
que
o.
corpo abateu
flac-
estremeceu e ficou retorcido sobre a
sangueira que negrejava.
BANZO
185
Marcos sorria contemplando a sua
victi-
ma, o famanaz temido.
— Tá
hi
disse por fim; e respirou larga-
!
Então, virando o cadáver, expoz-lhe
mente.
o rosto desfigurado ao luar.
Os olhos muito
uma
expressão de es-
abertos e baços tinham
Tá
panto, a boca estava cheia de terra.
hi
!
Erguendo-se, então, chamou aforçurado:
— Lina
E
Vem
!
cá.
pariga insistiu: Corre
com
porta,
Olha
A
!
Corre
Ouvindo os passos precipitados da
ria.
bros
Vem. depressa
E
ra-
cafusa appareceu á
a camisa a escorrer-lhe dos
em
riste.
hom-
Corre.
moslrou-lhe o cadáver.
rapariga estacou
tremer.
A
os peitos firmes,
lisos,
!
!
!
De
repente,
num
atordoamento, a
relanceando
um
olhar
de pavor, fez menção de fugir para a banda
do
rio.
O
caboclo agarrou-a por
e sentiu-a cahir
um
braço
de joelhos, esforçando-se por
juntar as mãos, chorosa, meiga, implorando
d'olhos enternecidos:
— Não
cafusa,
!
não
Não,
meu bem. Não mata
a sua
!
— Biraia!
resmungou com despreso. Tá
BANZO
i86
hi...
uni
home?
hisloria do
Tá
ocè pensava que era só affronla
P]iilã()
sabia de tudo e arranjei essa
T.u
Gurupá niodc apanha
A mulher
Iremia,
a boca entreaberta
e
a vergonha.
hi.
d'olhos esbogalhados,
mostrando dentes brancos
Um
balbuciava inintelligiveis rogos.
car estonteante,
almis-
expandia-se-lhe do
lascivo,
corpo suado.
O
caboclo levantou-á de Ímpeto
do a faca na
liainha, ficou
a amasia.
Arrancou-a a
passou-lhe
um
um
si
enfian-
e,
instante a fitar
com
brutalidade,
braço á volta do pescoço, com
o outro cingiu-ltie a cinta attrahindo-a, esma-
gando-lhe o cotio de encontro ao peito ripado
e,
em
com
a boca a queimar-lhe o rosto,
arrancadas:
Era
assim,
beini
?
agora... t^iu estranhamente, forcejando
a mulher.
Um
instante ella defendeu-se,
disse
Pois
com
com
medo, mas, comprehendendo a intenção do
homem, deixou-se
dáver, ergueu-s(\
beijava-a
animal
em
com
vencer, cahiu sobre o ca-
tombou adiante
frenesi,
repasto.
e o
caboclo
rosnando como
um
BANZO
187
E
o cão,
que se deitara á distancia, a ca-
beça entre as patas, olhava
])ujanieiitos
fito
dos corpos, acenava
festivamente, ganindo.
e,
aos esca-
com
a cauda
SC
.
f
casadiiíha
"BnaiwoatniuiiufliiuiiuiaiuuiinajiiuiiifanHMtiitimiruuiiutrasiaBKtfníiiiMwaisiMsunwii;'^
WWSAAAAAy^^\0^^8^
Qi
AMJO
ta
gada da
i
JL
i
Bcjijainiji (lL'.-a[)]>arc(:cu iia vol-
do caminho que, áqiiella
grande
com
entristecia
tarde,
rotas, Lina,
leira
AAA0AAAAAAA/«AAA» AA^rt^A^ AA^n^^A<
o
lioi-a
apa-
gemer das
que o acompanliára até a gamele
ali,
sob a fronde vasta, onde
já parecia noite, apertando-o nos braços,
mo-
Ihando-lhe o rosto de lagrimas, lembrara-Ihe,
com
soluços, a sua
promessa de honra,
dei-
xou-se cahir á beira da barranca e os olhos
se
lhe
enxugaram
acompanhassem
fitos
na
terra,
como
se
o desfilar afanoso das formi-
gas que carreavam achegas para as luras.
Acima do monte o céu
era
um
tapiz es-
braseado com o rastro do sol que ficara na?
BANZO
192
Um
nuvens.
bando de jandaias passava em
direcção á montanha, descrevendo curvas on-
íechando-se
dulantes,
halo ou seguindo
com
tida,
adiante,
o
em
em
como um
circulo
linha direita, logo par-
dispersar das aves,
tornavam-se a
ajuntar
que,
e
compondo arabescos no espaço.
levantava os olhos.
de espinhos, crescia
Por
vezes,
mais
seguiam
Lina não
além da cerca
um mugido
rouco.
Ci-
garras cantavam vésperas e já os bacuráos,
em
voos molles, sabiam dos mattos passeian-
do na areia branca.
As
cabanas
ennegreciam,
como enormes cubos de
apparecendo
cinza entre as ar-
vores escuras.
Soaram
Lina
com
a
as
Ave Marias.
arrancou
um
cabeça; passou a
pelos olhos
e,
meneando
suspiro,
manga do casaco
tomando um. graveto, poz-se
a riscar a terra.
De novo
as lagrimas subi-
ram-lhe do coração dolorido e começaram a
pingar
em
gotteiras no
pó
fino
da estrada,
justamente na trilha das formigas.
Algumas
paravam, desviavam-se da amargura; houve
BANZO
193
uma, porém, que não fugiu a tempo
apanhada por uma baga de pranto.
foi
Em
an-
morte poz-se o insecto a debater-se,
ciãs de
subiu á tona
veu
e
afflicto,
mas
a terra ávida sor-
lagrima e a formiga, achando-se
a
limpou-se e fugiu
esticou as pernas,
secco,
em
como se escapasse de uma borrasca;
e, topando com as companheiras, detinha-se
um momento como se lhes referisse o desasligeira
em que
tre
estivera prestes a perecer.
Lina parecia entretida com a scena das
formigas,
ge
!
mas
o seu espirito estava tão lon-
iam tão longe os seus pensamentos...!
Benjamin... lá partira! fôra-se
ra,
em
Aquella ho-
como o Pachola,
lagoa; com mais um
tão fogoso cavallo
já devia ir
beirando a
antes do
pouco,
!
nascer da
Pouso de Santo André
e,
lua,
estaria
no
de manhan, a barca
da carreira o levaria á cidade, áquella cidade
maldita que parecia ter encanto porque raro
era o
moço que de
por necessidade,
lá voltava; e se
regressava á
villa,
algum,
ficava
macambusio, não achando prazer em nada,
como
IS
o
Romão, da
olaria,
que mais parecia
^
!
BANZO
194
uma alma penada do que
Se
jamin.
não voltasse?
elle
via de voltar
e ella
gente.
E
ella
Ai
!
tinha toda a sua sorte ligada ao Ben-
d"ella...
— tinha
!
Mas, não
a mãi, tinha as
que era mais que noiva,
!
irmans
bem
elle
ha-
sa-
bia.
Era uma morena
hombros
cinta
airosa,
delgada,
largos, rosto redondo, cabellos far-
olhos negros e grandes,
tos e corridos,
de
uma doçura que
fazia pena, tão tristes pare-
A
pequenina e carnuda, tinha
ciam.
uma
boca,
riqueza nos dentes alvos e as faces, côr
de jambo, eram tão coradas que as companheiras diziam
pre
— que
ella
parecia andar sem-
com vergonha. O andar era um meneio
em que
as cadeiras jogando docemente,
ços
em
— eram
todo o corpo se compromettia
balanço,
eram os bra-
era o collo, papo de rola,
subindo e baixando com o respirar macio,
como cançado.
viçosos,
E
que voz
!
Dezoito annos
os mais viçosos do sertão
min sabia quão doces eram os
!
Benja-
beijos daquella
boca,
como eram macios
moso
e languido o seu sorriso, dengosas as
aquelles braços, mi-
BANZO
em
suas palavras sempre quebradas
como nascidas em
Desde
queixas,
Amaram-se.
pranto.
na
o primeiro encontro,
festa
do
mez de Maria, nunca
mais,
houve outra mulher
Lina esqueceu os seus
e
para Benjamin,
muitos adoradores que eram, a
todos os rapazes da
tos
moços que por
até estabelecido
a tocar
em
villa,
ali
dizer,
não contando mui-
passavam,
na Barra
bem
um
d'elles
chegara
d' Alva, (]ue
casamento.
Só depois da
noite de
amor
jamin expoz-lhe a sua idéa de
ir
Ben-
foi .que
á cidade pro-
curar emprego.
A
vida
ali
era
difficil:
a roca não dava e
a sua gente, por mais que se matasse,
mal
para comer. Que eram redes e crivos ?
Quem comprava cuias, por míi\< bem pinta-
fazia
das que fossem
tinham
um
?
As pobres mulheres não
minuto de descanço
mesma miséria. E ainda
uma delias fosse esperar o
o
comprador de
não
!
tudo... e
e era
sempre
era preciso que
a
regatão que era
por quanto
la á cidade aventurar,
drinho que podia empregal-o
?
!
Assim
tinha lá o pae,
logo que se
BANZO
196
collocasse, viria buscal-a, e juntos, casados,
viveriam
Se
felizes.
falado assim antes
lhe houvesse
elle
daquella noite, por certo que não teria acon-
Mas
tecido o que acontecera.
mal estava
o
feito.
Verdade
que Benjamin era rapaz
é
sério,
havia de cumprir a promessa.
Escurecia. Já os vagalumes iam e vinham;
em
as estrellas, lá
minosos
e a lua
cima, abriam os olhos lu-
começava
a estender
na terra
a sua roupa branca.
Pobre lua
de quando
montes
tanto linho, tanta renda
!
ella
e nas
e perf umava-a
!
Des-
estendia a sua cambraia nos
campinas, clareava-a nos rios
em
flores
!
Desde quando
!
?
É
para que o noivo saiba t[ue está prompto todo
o hndo enxoval por
ella
dado, e o noivo sempre a
Ella
também
mesma
fugir...
fiado e bor-
Pobre lua
linha toda a sua roupa bran-
ca na arca, entre favas de cumaru.
em quando
!
tirava-a,
est'endia-a
ao
De
sol,
vez
nos
ramos^ para que não ganhasse mofo, e ficava
a olhar, pensando no seu noivado.
BANZO
197
E Benjamin
partira.
— Emfim...
Deus
grande! suspirou a
é
morena entrando na palhoça.
A
velha fazia serão á luz da candeia e
na rede o curumin cantarolava, balançandoda lua que entrava pela porta, aberta
sobre o silencio e a solidão dos campos adorse á luz
mecidos.
Três mezes
por outra,
jamin,
!
Todas as semanas, uma vez
morena vêr
lá ia a
a gente de
Ben-
contar saudades.
pedir noticias,
velha e as duas mocinhas trabalhavam.
eram sempre
as
mesmas palavras
— Benjamin...
cidade e
nem
Ficavam
as
se
Benjamin apanhou-se na
as quatro
arfando,
tristes:
lembra da gente.
moças fazendo
lhados,
A
E
em
crivo,
cheia
silencio: a velha
e
Lina de olhos mode angustia.
Fora,
ao sol escaldante, no sujo terreiro, gaUinhas
BANZO
ig8
cacarejavam espalhando
cheiro avinhado da
Senlia-se
cisco.
moenda
e os
o
besouros en-
travam, corriam os cantos da casa, esbarrando, zumbindo: por fim partiam de lanço des-
;apparecendo nos ares quentes.
— E onde
— Eu
sei
tão grande
!
está elle
!
suspirava a velha. Aquillo é
Cidade... han
home num mundo
sempre assim:
nem
?
má
!
Vão
se
apanha
é que eu não rogo,
;alembrá de nós, mió:
isso
si
acha
é
não.
praga
Óie,
Si
elle
se
não se alembrá, seja
Terra p'ra sipultura é que não
feliz.
um
home
criado, faz qui
Deus o ajude.
passarinho.
lá
Fio
daquelles.
farta.
E, inclinando-se sobre a almofada, continua-
va
trabalhar.
a
com
o
c
Lina ainda ficava olhando,
oração apertado, as lagrimas crescen-
Por fim despedia-se.
do-lhe nos olhos.
Prolongava,
casa,
em
passos lentos, a volta á
mettendo-se ás veredas mais desertas,
a evitar a gente da
villa
que começava a mur-
murar chasqueando da sua magreza.
Falando só, parava á sombra das
res,
esmagando
arvo-
folhas entre os dedos, mirava-
BANZO
199
se nos córregos
a
mão
apalpando o
pelo ventre, sentindo-o crescer.
Os
indícios da maternidade tornavam-se,
Não
dia a dia, mais evidentes.
E que
estava gravida.
Benjamin
venir
passando
rosto,
sua vergonha
irmão
e,
frente,
?
liavia
seria delia
?
duvida:
Como
pre-
dizer-lhe a sua desgraça,
?
Em
a
casa refugia á mãi e ao
se succedia encontrarem-^e frente a
sempre achava meios de voltar-se para
esconder a barriga.
A' noite, na rede, ficava d'olhos abertos,
As
pensando no seu destino.
cio,
saltava ao chão
vezes,
no
pé ante pé,
e,
ia
silen-
para
os fundos da casa, abria a porta, sentava-se
em
na soleira
face da noite e chorava, lamen-
tando a sua desventura.
Se alguém por
palavras
versasse
seu
tristes.
com
estado,
o
ali
A
passasse ouviria as suas
infeliz falava
como
noivo iníírato.
lembrava-lhe
a
se con-
Dizia-lhe
sua
o
promessa,
perguntava-lhe se não tinha pena do pequeni-
Que
no que
ia
E
como andaria na
ella,
nascer
?
dos a bua deshonra
?
seria d'elle,
villa,
sem
expondo
Ai! delia...
pai
?
a to-
BANZO
200
Ao
clarear d'al\a recolhia-se devagarinho,
meltia-se na rede para levantar-se pouco de-
pois e começar o serviço.
cendo-se
com
em
aqiielles
As^^im,
eiifraqiie-
sem comer
vigílias,
sempre
e
pensamentos, emmagrecia... e o
venlre resallava ainda mais.
O
ia-se
rosto redondo, de pelle macia e corada,
tornando anguloso, os olhos, entre
culos denegridos,
já
não tinham
a
cír-
ternura
antiga e a graça airosa do andar perdera-se
no lento
tava.
E
e
em que se
nem noticia.
pesado passo
de Benjamin
?
Outro mez passou, ainda outro.
arras-
Uma ma-
nhan, atravessando a praça da igreja, pareceu-lhe ouvir o seu
depois
uma
porta de
um
nome
gargalhada.
negocio,
um
entre risos de mofa,
— era,
Voltou-se^
á
grupo de mulheres,
entre as quaes a Ouinóta, que se perdera
com
um
soldado e andava á gandaia, ora
uin,
ora
com
outro,
com
esmolambada, descalça
e suja,
ás vezes bêbeda, cahindo pelos mattos onde,
não
raro, era encontrada dormindo,
descom-
posta.
Ouinóta chamou-a
e,
por entre a rincha-
BANZO
201
velhada
escarninlia,
com palavras
alludiu,
torpes e gestos desabridos, á sua miséria.
Lina sentiu todo o sangue subir-lhe ao
Quiz correr,
rosto.
as pernas vergaram-se-
como
o coração batia
Ihe,
nuvem
A
uma
a rebentar;
escureceu-lhe a vista.
em
vagabunda, que cambaleava, indo,
esbarrões,
paredes,
ás
escancellando a
ria
boca desdentada; as companheiras puxaramlevaram-na,
na,
á força,
para o interior do
negocio.
A
morena, atordoada, com
ouvidos,
um
becco,
zoeira nos
entre palho-
deu volta pelos fundos da egreja
ças,
a
enfiou por
uma
correr,
Benjamin.
offegante,
em
entrou
As mulheres
lá
e.
quasi
de
casa
estavam traba-
lhando.
— Ainda
— Nada
que
va
nada
?
Benjamin tava perdido.
!
tirasse o sentido d'elle.
uma penna módescrevê
mais
Ella
Si elle não achap'r'os seu
quanto
p'r'os outro.
— Mas Benjamin me deve um
— Reparo Reparo de que
?
?
reparo.
'BANZO
202
— ProineíttMi
— Pois smi
casar
c()tni)ii<(().
Promessa de casainenlo
!
como jura em boca de
faz como se esquece.
— -Mas
— Lai
— De
a
criança
— Ião
bem
é
se
não pode esquecer...
elle
Ocê cunfia demais em Benjamin
!
Guando um homem
certo.
uma moca
faz
mal
com
sua obrigação é casar
a
!
ella.
— Má Benjamin má a ocê
— Olhe aqui. Então, apartando
fez
!
Ç(.s.
?
impado.
As
três
mulheres olharam
mento, sérias: de repente, porém,
mocas derreou-se sobre
riso
tomou
a
mas
a irman:
pé, filando os olhos
para
um mouma
almofada, a
a velha,
das
rir,
o
pondo-se de
duros na morena, cresceu
ella raivosa:
— Tá
hi
!
Tá
hi
!
E' mod'isso que Benja-
min não escreve. Eu logo
gabundas que estragam os
vi
!
fio
São essas vada gente.
mod'ocê memo, sua offerecida, que
embora
íeja
os bra-
descruzando o chalé, mostrou o ventre
d'aqui.
assim
?
Oué
é
Foi
elle foi-se
que eu tenho qu'ocô
BANZO
203
— Tão vendo só...!? resmungou
moças
— Pois
sabe
!...
entonces não querem vê
!
?
immove], empallidecia remordendo
Lina,
os lábios,
cando.
com
Fez
os olhos muito seccos,
um
gesto,
um
—^Ah!
E
as
fais-
traçou o chalé e bal-
buciou: «Pois sim... Deus é grande!»
lha fez
das
amuada, accrescentou:
e a outra,
— Quem
uma
A
E riu
duas moças riram com ella.
vai-te
embora.
escarninha.
Lina sahiu cambaleando. Desnorteada,
numa
caminho estreito em
olhando o céu: por
fim,
falando, gesticulando,
lhe escorrera
sem
foi
tempo parada,
até á cerca, voltou, esteve um.
se pelo
ve-
gesto de repulsa e nojo:
decisão, metteu-
passo de fuga.
sentir o chalé
d'um hombro
e
ia,
que
de rastos
pelo chão, varrendo as folhas.
Era o tempo das
gavam em enxames,
flores e as abelhas che-
attrahidas pelo perfume.
BANZO
204
Os laranjaes rescendiam,
nas aguas branqueavam
res pintalgavam-se,
os
as copas das arvo-
Sabiam ninbadas d'aves
lirios.
pelos
e,
ramos, á beira do córrego, nas montas, era
um
ensaio continuo de cantos: pios, pipillos,
gorgeios
da
e,
desde a madrugada até o cahir
não cessava a
noite,
modulada em
alegria,
vários tons a que se juntavam o secco chiar
das cigarras e o rispido estrillar dos gafanhotos.
Os campos, ao amanhecer,
de orvalho; era
uma
scintillavam
delicia seguir
por elles
fora sentindo a frescura e o aroma, vendo as
pombas rufiarem
rem em direcção
as azas e as jassanans fugiás aguas.
Foi nesse tempo risonho, ao luar de
chegando á casa esbaforida, chamou
e,
sem
ventre alto,
nhando
e,
cravando os olhos no
meneou com
a cabeça,
desgre-
as falripas ás unhadas:
— Ah
!
a filha
lhe dar tempo, logo que a viu, foi-lhe
arrebatando o chalé
diabo
uma
que a velha cabocla, mãi da morena,
noite,
?
!
praga...
!
Onde ocê
se metteu, seu
E mescondendo, rabúda
!...
Enton-
BANZO
205
ce ocê,
em
vez de cuida do qui fazê, andava
por ahi buscando home?...
E
Benjamin, Oiasóisso...
Um
porcaria
já p'ra
como
cada hora.
Poz-se a esmurrar o rosto, o peito, o ventre
túmido da
filha.
E
ocê pensa que eu hei de
do mundo
Acha pouco o qu'ocê
come ? Já E, curvando-se, fincou o braço
magro mostrando a porta. Já nem um mi-
cria
fio
?
!
!
nuto mais no que é
reça aqui
meu Já E não me
!
!
queu sou capaz de
te acaba...
appa-
Rua
!
Falava por entre os dentes cerrados e as palavras pareciam rangidos.
sonsa aqui dentro...
tão
Sem vergonha
!
E
Rua! O curumin
olhava estarrecido, encantoado junto á arca
com as faces em fogo,
sem uma palavra, traçou
e Lina,
os olhos sec-
cos,
o chalé e foi
sahindo.
A
estrada parecia de neve.
Ao
estridor
metallico dos sapos respondiam os bacuraus
saltando ao clarão da lua.
A
velha
acompanhou
a filha, empurrou-a,
com a porta e já de dentro ainda braA morena hesitou um momento,
dou: Rua
logo, porém decidiu-se seguindo o mesmo
bateu
!
BANZO
206
caminho por onde fora com Benjamin naquela
tarde melancólica do adeus.
Chegando
á
gamelleira
ramos
se sob a treva dos
grande metteu-
e ali ficou
immo-
vel.
Crescia o concerto nocturno: eram os grillos,
eram os morcegos esvoaçando
longe,
de espaço a espaço,
O
dos caborés.
e,
mais
o agouro triste
cheiro das flores passava na
viração e o luar, cada vez mais claro, esten-
dendo-se largamente por toda a paizagem
A morena
quieta.
rolando,
foi-se,
sahiu da sombra
perdeu-se
entre
e,
os
canta-
mattos
floridos.
Na manhan
seguinte, cedo, antes da missa,
Lina appareceu na
mento
em
chalé,
froíite,
tre
rio,
aconteci-
coberta de flores.
posto sobre os cabellos,
dobras pelos hombros como
santa,
um
a sua chegada.
Viera do lado do
O
e foi
villa
uma
cahia-lhe
um manto
de
coroa de açucenas cercava-lhe a
do collo pendia
as mãos,
seccava,
presas nas rendas,
um
e,
ramo, outro en-
por todo o corpo,
sahindo dos rasgões do
BANZO
207
eram
vestido,
de laranjeira
flores,
ria
maio-
ria.
como
a reco-
pagode ruidoso.
Gente
Ajuntaram-se os da
nhecessem,
foi
um
villa e,
apparecia ás janellas, chegava ás portas, os
paravam
tropeiros
recuas e todos riam
as
em
da rapariga que caminhava, impassivel,
ao cruzeiro,
junto
porta,
as
Então
— Ocê
sonha
beça,
vai casa
como
e,
foi
uma
enclavi-
Um
povaréu
voz troçou-a:
A morena
?
affirmasse,
uma chuva
á
mãos
nhadas sobre o ventre enorme.
seguia-a.
Parou
ainda fechada.
direcção á igreja,
voltou-se
ri-
sacudindo a ca-
de flores.
A
gargalhada
estrondou.
— Tá
— E o home
fresca...
?
Onde
tá o
marido
?
O
sino
começou a dobrar á missa. Abriu-se a porta
da
rapariga.
multidão avançou seguindo a
a
igreja,
O
sacristão,
vendo-a sob aquelles
um
velho muito azedo,
enfeites,
e
ouvindo a
assuada do povo, tomou-lhe o passo:
— Onde
muié
?
Mas
que você vem
ê
a
morena,
?
Você
tá louca,
negaceando com a
BANZO
208
corpo, passou airosa
netrou na igreja.
lher
— E'
sou,
uma mu-
pena:
ocês não tá vendo
loucura?... Lina,
pósito...
a turba pe-
ella,
então, que
Foi,
murmurou com
— Gentes,
com
e,
uma
qu'isso
é
rapariga de tanto pro-
Não caçoa, não. Deus castiga.
memo, concordaram. E o riso
todos ficaram immoveis,
ces-
contemplando
a morena, que se postara junto ao altar-mór,
como uma noiva moquem a tirou dah, despe-
quieta, de olhos baixos,
Foi o vigário
desta.
dindo o povo:
— Que
uma
Então vocês não têm dó de
é ?
pobre de Christo
se ria
?
commentando
outros
em tom
vigário,
de que
Isto é coisa
O
Vão-se embora.
lencio,
O
?
povo sahiu
o caso, uns
com
em
si-
pena,
de mofa.
depois da missa,
a morena á casa, mas
foi
um
convencer a velha a aceitar a
acompanhou
trabalho para
filha
que en-
louquecera.
— Então você não tem coração,
Quer
que sua filha ande por ahi
animal sem dono
?
criatura
?
como um
Peccou, não digo o con-
BANZO
2og
mas para
Irario,
castigo basta a infelicida-
Tenha
de de haver perdido a razão.
miseri-
córdia.
—E o
— Deixe
seu vigário
íio,
vir,
?
ha de criar-se com a graça
de Deus.
— 0Í8,
mim
e o
ella
ella fica
por causa de vosmecê, por
bom
podia morre. Tanto casamento
mão dum
diabo vai cahi na
porcaria
como
aquelle...
— Deixe
olhe:
A
lá!
Deixe
lá...
E' sua fdha.
K
mais perdoou Nosso Senhor...
morena
estrellas
ficou,
mas todas
as noites,
com
ou chuvaradas, era a mesma peni-
tencia de noivado.
berta de flores
e,
Lá
ia,
estrada fora,
co-
sob a gamelleira grande,
abrigava-se até o romper do dia, quando os
sanhassos começavam o canto.
E
ficou-lhe a alcunha de «Casadinha».
Uma manhan um
recoveiro deu por
debaixo da arvore nupcial,
flores,
guma
Puxou
14
morta.
Quando
estendida entre
a apalpava sentiu al-
coisa, molle, sob os vestidos
o
ella,
corpo da finada,
húmidos.
arrastou-o e na
BANZO
210
terra,
rolou
sobre as folhas e as flores murchas,
uma
encolhida,
como
criança roxa, quasi negra e toda
mãos na
olhos fechados, como
como de
faminta; os
mir, gelada.
frio;
as
boca,
a dor-
//VZ?/C£
Pag.
Banzo
7
Mau sangue
No rancho
41
61
Escrúpulo
131
Attracção da terra
Traição
Casadinha
143
~
.
173
189
—
COLECÇÃO LUSITÂNIA
Cada
na,
volu;iie,
elcgaiitemente
em
ene.
percali-
$õO ctvs.
Volumes publicados até Janeiro de 19I9i
—
muiva^ãijj por C. C. Branco.
ao piibtt, por C. C. Hraaco.
Euòcbio Macário, ^oy C. C. Branco.
4
Vorja, pox C. C. Branco,
Variais de Atuur, por Soror Mariana,
õ
tí e 7
A o««a Senhora de Parie, por V. Uugo.
8
Amurei do Diabo, por C. C. Branco.
'1
Á''yci L'iis de Sonò-j, por A
i-an-t-it.
10
Joné tsáiísamo e MatOr-u, ou (la íe matará, pox C. C. Branco.
11 e 12
Madame Bovary, por Flaubert.
ló
Menina e Moca, por Bernardim Ribeiro.
li
Bruàiltíra de PrasinSf-^poi C. C. Branco.
15
CamõCH, por A. Garrett.
10
Romance dum homem rico, por C.
Branco.
IT
Curlus do meu moinho, por A. Daudet.
18
Fítí/d no «uhterràneVj por C. C. Branco.
ly
VUíyens ííu minha terra, por A. Garrett.
2u
Varnisco de Vítor Hugo Jotsè Alves, por
C. C. Branco.
;
21
liujael, por Lamartine. ''
'J-2
Arru de SanfAnu, por A. Garrett.'
'
"^'8
i/(/.:-fiuo 6 Silva, por C« C. Branco
24 e 2.5
Noi-fnta t três, por V. Uugo.
20
A [ivli</:';sn, per Diilerot.
,.)
2"{
Litív; (íe Con»olaiHio, por C- C. Branco.
Att!/'i, Rcné, o Vitimo Ahencerragem, por
28
Chateaubriand.
2t> e 30
Últimos dias .de Por-ipeia, por Lord
Lytton.
Hl
Muíiieres da Beira, por Ab&i Botulbo.
82
O ^Ijageme de Santarém e /,'. fíiípo de
i
2
o
Ut
— liique^us
Aiiiut
—
—
—
—
—
—
— —
—
—
—
—
—
—
—
C
'
'
—
—
— —
—
—
—
^
—
Vilhena,
Gairett.
—
Fior a'Ahsa, por Lamartine.
— iícría
Fonte, por C. C. Branco.
?i
85 — O
Dr. Mateus, Dor Erbmana-Cha36 — Cláudio, por Lamartine.
37 —
a as Vametias, por A. Dumas.
38 —
/som Jesus do Monte, por C. C.
Branco.
— Manon Lescaut, peio Abade de Prévost.
io — Oonins escolhidos, por
Braijdáo.
41 — O* Sacrificados, por
Grave.
42 — O Senhor Deputado, por
L. Pinto.
48
Eugenia Grandet, por Balzac.
44 — Os Que amam e os que sofrem, por
Grave.
45 — Infâmia de Frei Quintino, por U. Lou;
';
"^
,
;
[)or
^
3.3
(/íj.-
'"'''''
llM^^y
ilutitre
trlan.
JJaiiKj
A^o
'
3í»
J.
J.
J.
<sW
J.
reiro.
^^^
:^:t
-1
>•