CAPÍTULO X - PIRÓLISE E TORREFAÇÃO DE BIOMASSA

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CAPÍTULO X - PIRÓLISE E TORREFAÇÃO DE BIOMASSA
CAPÍTULO X - PIRÓLISE E TORREFAÇÃO DE BIOMASSA
Carlos Alberto Luengo
Felix Eliecer Fonseca Felfli
Guilherme Bezzon
10.1 Processos Físico-Químicos da Pirólise de Biomassa.
A pirólise é um processo físico-químico no qual a biomassa é aquecida a
temperaturas relativamente baixas (500-800oC) em atmosfera não oxidante, dando
lugar à formação de um resíduo sólido rico em carbono (carvão) e uma fração volátil
composta de gases e vapores orgânicos condensáveis (licor pirolenhoso). As
proporções destes compostos dependem do método de pirólise empregado, dos
parâmetros do processo e das características do material a ser tratado (Beenackers &
Bridgwater).
O processo de pirólise consiste em um conjunto de complexas reações
químicas acompanhadas de processos de transferência de calor e massa. A
composição heterogênea das frações produzidas e as possíveis interações entre si
tornam ainda mais complexo o processo. As reações que incidem diretamente sobre o
substrato celulósico são denominadas reações primárias e aquelas que incidem na
decomposição dos produtos intermediários, tais como vapores orgânicos e
levoglucosan, são denominadas reações secundárias. Estas reações ocorrem durante a
degradação dos principais componentes da biomassa: a Hemicelulose, Celulose e
Lignina (Pinheiro et ali, 2001; Marcos Martin, 1989). A figura 8.1 mostra a análise
térmica da pirólise de resíduos de madeira em atmosfera de argônio (80 ml/min) e
taxa de aquecimento de 10 ºC/min, na qual podem ser observados os diferentes
estágios de degradação da biomassa durante a pirólise.
Tecnologias de Conversão da Biomassa
Figura 10.1 Análise térmica da pirólise de resíduos de madeira em atmosfera de
argônio.
A curva Termogravimétrica (TG) e Termogravimétrica Diferencial (DTG) da
figura 8.1 permitem concluir que o processo se desenvolve basicamente em três etapas
principais. A primeira etapa ocorre entre a temperatura ambiente e 180 ºC. Nesta
etapa, a biomassa absorve calor, liberando a umidade em forma de vapor de água,
apresentando um caráter fortemente endotérmico como mostra a curva de
Calorimetria Diferencial de Varredura (DSC). Entre 110 e 180 ºC ocorrem reações de
desidratação que envolvem os grupos –OH presentes nas moléculas dos
polissacarídeos.
A segunda etapa ocorre entre 180 ºC e 370 ºC, quando começam as reações
propriamente de pirólise. Entre 180 e 290 ºC ocorre a degradação da hemicelulose,
sendo parcialmente degradada a celulose e a lignina. Nesta faixa de temperaturas
ocorre a formação do composto intermediário levoglucosan e são liberadas moderadas
quantidades de CO, CO2 e ácido acético na forma de voláteis. As reações se tornam
exotérmicas a partir dos 250 ºC como mostra a curva DSC. Aos 290 ºC é alcançada a
máxima taxa de degradação da hemicelulose (curva DTG, pico I), e entre 290 e 370
ºC ocorre a degradação total da celulose atingindo a máxima taxa aos 370 ºC (curva
DTG, pico II). Nesta fase ocorre a quebra das ligações glicosídicas dos
polissacarídeos, dando lugar a uma grande emissão de voláteis, compostos por
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vapores orgânicos e altas concentrações de CO, H2, CH4 e CO2, verificando-se grande
formação de ácido acético, metanol e acetona. O alcatrão começa a se tornar
predominante com o aumento da temperatura.
A terceira etapa se desenvolve acima de 370 ºC, quando completa-se a
degradação da lignina ocorrendo a formação dos alcatrões pesados e a formação de
alguns hidrocarbonetos. A degradação da lignina é responsável pela formação de
cerca de 50% do carbono fixo no material sólido.
10.2 Influência da Matéria-prima e dos Parâmetros do Processo.
O tipo de biomassa e os parâmetros do processo têm influência decisiva no tipo de
produto resultante e nas proporções das frações sólidas, líquidas e gasosas obtidas. Os
principais parâmetros que têm influencia direta nos resultados do processo são
(Marcos Martin, 1989):
a)
Temperatura;
b)
Tempo de Residência;
c)
Taxa de Aquecimento;
d)
Pressão;
e)
Tipo de atmosfera;
f)
Uso de catalisadores.
Tabela 10.1 Influência da temperatura na composição química da fração sólida
da pirólise de eucaliptus (Felfli F. F., 2003).
Temperatura
(ºC)
100
230
250
300
450
C
(%)
44,63
50,32
53,87
61,96
86,41
H
(%)
5,81
5,82
5,47
4,17
2,99
N
(%)
0,22
0,56
0,17
0,7
0,61
O
(%)
48,84
42,40
39,89
32,17
9,19
Cinzas
(%)
0,50
0,90
0,60
1,00
0,8
Rendimento
(%)
87,50
81,50
67,00
27,00
PCS
(kJkg-1)
17439,00
19537,00
20617,00
22847,00
31087,00
A tabela 10.1 mostra a influência da temperatura na composição química da
madeira de Eucalipto, pode-se observar que na medida que a temperatura aumenta o
teor de carbono aumenta proporcionalmente e os teores de oxigênio e hidrogênio
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diminuem ostensivamente. Como conseqüência da destilação intensa, promovida pelo
aumento da temperatura, o rendimento da fração sólida diminui de forma substancial,
entretanto o poder calorífico superior (PCS) aumenta com a concentração de carbono
na composição do sólido.
A taxa de aquecimento também tem uma influência direta no processo. Quando a
pirólise ocorre com aumento muito rápido da temperatura, as reações químicas
favorecem a formação de frações voláteis (gás e líquidos), por outro lado quando o
aquecimento ocorre de forma gradual as reações favorecem a formação de frações
sólidas (carvão vegetal). A figura 8.2 mostra o efeito da taxa de aquecimento e a
temperatura na proporção das diferentes frações formadas durante a pirólise.
Temperatura (°C)
Aquecimento
ultra-rápido
Aquecimento
rápido
Aquecimento
intermediário
Aquecimento
lento
1000
500
Gás
Líquidos
Carvão
10
-2
1
10
2
10
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Tempo de residência (s)
Figura 10.2 Distribuição das frações sólidas, líquidas e gasosas em função da taxa
de aquecimento, tempo de residência e temperatura de processamento
(Mezerette C., & Girard P., 1991)
O aumento da pressão no reator pirolítico também favorece altos rendimentos
de sólidos e reduz consideravelmente as frações gasosas. Experimentos de pirólise
com o objetivo de obter altos rendimentos de carvão vegetal foram realizados no
"Hawaii Natural Energy Institute" - EUA. A pirólise foi realizada em câmaras seladas,
onde as amostras de biomassa foram submetidas a altas pressões (Antal Jr et ali.,
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1992). Nestes experimentos se observou que a água de formação e a umidade da
biomassa agem como um catalisador, aumentando o rendimento de produção do
carvão vegetal. Este processo se baseia na retenção por longo período das fases de
vapor que permanecem em contato com o sólido em pressões relativamente altas. Isto
favorece as reações secundárias que transformam os voláteis em carvão. Foram
realizados experimentos com pressões variando entre 10 e 25 atm, umidade entre 6 e
45 % (b.u.), com temperaturas de pirólise até 450°C. Foram obtidos carvões com
matéria volátil entre 9 e 35% (b.s.) e rendimentos de 43 a 47% de carvão vegetal em
relação à massa inicial seca (Antal Jr et ali., 1991; Antal Jr el ali., 1992)
As características finais dos produtos obtidos também dependem em grande
parte das propriedades físico-químicas da matéria-prima utilizada, por exemplo, a
maior parte das frações voláteis são formadas a partir da celulose e da hemicelulose.
Por outro lado a lignina contribui para a formação de cerca de 50% do carbono fixo na
fração sólida. Portanto, materiais com alto teor de lignina são mais apropriados para a
obtenção de alta concentração de carbono fixo na fração sólida. Outro fator
importante é a granulometria, a qual influência diretamente nos tipos de reações, por
exemplo, em pedaços muito grandes de madeira os voláteis permanecem no interior
do sólido por um período no qual são favorecidas as reações secundárias, enquanto
que nas partículas menores, os voláteis são eliminados rapidamente do interior do
sólido favorecendo a ocorrência das reações primárias (Marcos Martin, 1989).
A pirólise pode ser também realizada utilizando briquetes resultantes de
processos de compactação de resíduos vegetais (sub-produtos derivados de processos
agroindustriais, indústria madeireira e culturas agrícolas). Com a pirólise, esses
briquetes adquirem maiores teores de carbono e poder calorífico, podendo ser
utilizados com maior eficiência na produção de energia e também como redutores
siderúrgicos, com as vantagens de possuirem formato geométrico definido e alta
resistência mecânica.
No Grupo de Combustíveis Alternativos - UNICAMP (Bezzon, 1994), foram
realizados ensaios laboratoriais de briquetagem a quente e pirólise de serragem,
bagaço e palha de cana. Para a compactação, foi utilizada uma "Célula de Pressão
para Briquetagem a Quente", constituída basicamente de uma célula de aço com
pistão, acoplada a um forno elétrico e uma prensa manual de 15 ton. As temperaturas
utilizadas na célula foram 200 e 250 °C e as pressões foram de 20 e 25 MPa. Os
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briquetes apresentaram, em média, uma densidade de 1.000 kg/m³ e um poder
calorífico superior de 18.500 kJ/kg. Para realizar a pirólise dos briquetes produzidos
foi utilizado um "Sistema de Pirólise com Taxas de Aquecimento Controladas e
Atmosfera Inerte (Nitrogênio)" (ver figura 8.3).
As taxas de aquecimento utilizadas foram 2 e 3°C/min, enquanto que as
temperaturas finais de pirólise foram 350, 400 e 450°C. Os briquetes pirolisados
apresentaram em média uma densidade de 550 kg/m³ e um poder calorífico superior
de 26.000 kJ/kg.
Figura 10.3 Esquema do "Sistema de Pirólise com Taxas de Aquecimento
Controladas e Atmosfera Inerte (Nitrogênio) "(Bezzon, 1994).
10.3 Tecnologias para a Pirólise de Biomassa.
Um dos processos mais antigos de pirólise é a "carbonização" (geralmente
utilizado com madeira), o qual se caracteriza pelo uso de baixas taxas de aquecimento
com o objetivo de maximizar a produção de carvão vegetal. Outro processo
comumente realizado é chamado "destilação seca" ou "destrutiva", onde se empregam
taxas de aquecimento maiores e procura-se maximizar a produção de líquidos. Assim,
até o século passado, buscava-se a obtenção do carvão vegetal para uso doméstico e
como componente de tintas e remédios. Posteriormente, começou a ser utilizado na
siderurgia como redutor do Fe2O3 na produção de aços (Luengo & Cencig, 1988). No
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Tecnologias de Conversão da Biomassa
início deste século, a destilação (em retortas) da madeira tornou-se uma importante
fonte de metanol, ácido acético e acetona, colocando o carvão vegetal como um subproduto desses processos.
Em
épocas
contemporâneas,
verifica-se
um
interesse
crescente
no
desenvolvimento de formas diferentes de pirólise. Com o estudo dos mecanismos da
pirólise sugeriu-se a modificação substancial das proporções de gases, líquidos e
sólidos produzidos, através do aumento das taxas de aquecimento e variações da
temperatura final de pirólise, o que resulta em pirólise rápida, "flash", e ultra-rápida
que proporcionam altos rendimentos de líquidos ("bio-óleo"), acima de 70% (b.s.) em
escala de laboratório. Esses processos envolvem taxas de aquecimento muito altas,
combinadas com temperaturas em torno de 650°C e curtos tempos de residência com
rápido resfriamento dos produtos líquidos. A rápida reação minimiza a formação de
carvão e sob severas condições, aparentemente, o carvão não é formado. A
temperaturas maiores, maximiza-se a produção de gases. A pirólise, sob estas
condições, é classificada em pirólise rápida, "flash" e ultra-rápida de acordo com as
taxas de aquecimento e tempos de residência empregados. Podem ser realizados
processos, utilizando atmosferas inertes (p. ex. nitrogênio e vácuo) ou reativas como
p. ex. hidrogênio (hidropirólise) e metano (metanopirólise). Nesses casos, variam-se
os produtos obtidos, onde, em geral, conseguem-se compostos com menor teor de
oxigênio e melhores propriedades para serem utilizados como combustíveis ou
produtos químicos. A tabela 8.2 fornece as versões principais de tecnologias de
pirólise utilizadas, os parâmetros de operação e os produtos principais obtidos em
cada processo.
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Tecnologias de Conversão da Biomassa
Tabela 10.2 Versões da tecnologia de pirólise (Bridgwater & Bridge,
1991).
Processo
Pirólise
de Tempo
de
residênci
a
Carbonização
horas-dias
Convencional
5-30 min
Rápida
0.5-5s
“Flash” Pirólise <1s
Taxa
de Temperatura
aquecimento
máxima (°°C)
Produtos
principais
muito pequena
pequena
intermédia
alta
400
600
650
<650
ultra-rápida
<0.5s
muito alta
1000
Vácuo
2-30s
intermédia
400
Hidropirólise
<10s
alta
<500
Metanopirólise
<10s
alta
>700
carvão vegetal
bio-óleo, carvão e gás
bio-óleo
bio-óleo, gás
produtos químicos e gás
combustível
bio-óleo
bio-óleo e produtos
químicos
produtos químicos
10.3.1 Tecnologias de Carbonização
A carbonização da madeira é o mais antigo dos tratamentos térmicos de
biomassas. A madeira, queimada em ambientes fechados, se tornava preta e friável,
produzindo um combustível que não produzia fumaça nem chama e gerava um calor
mais intenso que a própria madeira. Começou-se assim, a produção de carvão vegetal
para utilização como fonte de energia nas habitações sem enchê-las de fumaça
(Juvilar, 1980).
Em seguida, através da produção de carvão vegetal em escala industrial foram
surgindo novos equipamentos para esses fins. Em geral, utilizam-se fornos que podem
ser classificados das seguintes formas:
i.Pelo aquecimento:
- fornos com aquecimento externo
- fornos com aquecimento interno
ii.Pela mobilidade:
- fornos fixos
- fornos portáteis
iii.Pela continuidade:
- fornos contínuos
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Tecnologias de Conversão da Biomassa
- fornos por cargas
Destacam-se os "fornos de superfície", amplamente difundidos no Estado de
Minas Gerais, com o objetivo de produzir carvão para a indústria siderúrgica. São
fornos de aquecimento interno, fixos e que trabalham por cargas, construídos com
tijolos comuns, possuem formato cilíndrico e estão fechados no topo por uma abóboda
também de tijolos. Todas as suas paredes ficam em contato com o ar externo (ver
figura 10.4). As vantagens destes fornos são: a carbonização simétrica, o resfriamento
mais rápido, a facilidade de vedação das entradas falsas de ar, o fácil controle da
manobra da carbonização, o seu baixo custo, a sua fácil construção e a possibilidade
de instalá-los acompanhando a exploração florestal, reduzindo-se custos de transporte
da madeira. Ressalta-se que nesses fornos não se consegue um controle rigoroso dos
parâmetros de carbonização. A energia necessária para o processo é obtida através da
combustão de parte do material a ser carbonizado, ocorrendo uma perda total dos
materiais voláteis que evoluem para a atmosfera (Juvilar, 1980).
Figura 10.4 Forno de alvenaria para a produção de carvão vegetal.
Algumas das principais indústrias siderúrgicas brasileiras (ACESITA, Belgo
Mineira e Mannesmann), utilizam carvão vegetal para a redução do minério de ferro e
na geração de energia. O carvão é produzido em fornos de alvenaria que permitem a
recuperação dos voláteis condensáveis. Possuem formato cilíndrico com o teto em
forma de cúpula, com duas portas e geralmente uma câmara de combustão abaixo do
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Tecnologias de Conversão da Biomassa
piso (Rocha, 1993; Luengo & Cencig, 1991). Esses fornos são utilizados em grupos
para otimizar a produção. Tipicamente, uma unidade de produção de carvão vegetal
produz aproximadamente 6.000 ton/ano de carvão, além do alcatrão, apresentando
rendimentos de 720 ton/ano de materiais condensáveis.
10.3.2 Tecnologias de Pirólise Convencional.
A pirólise convencional de madeira pode ser realizada comercialmente através
de um processo que visa a obtenção de carvão vegetal e produtos líquidos (bio-óleo)
desenvolvido pela "Bio-Alternativa S.A. - BASA", Suíça (Bio-alternative, 1991). O
esquema de uma planta piloto de 50 kg/h é mostrado na figura 8.5. A biomassa
utilizada é constituída por partículas de dimensões de 5 a 500 mm, que recebem um
tratamento prévio de secagem até níveis de 10-15% de umidade, sendo posteriormente
transportada para o topo do reator, onde a temperatura é de 120°C.
Biomassa
Triturador
Secador
Dosificador
Gás quente para
queima ou
geração de
potência
Separador
gás-líquido
Alimentador de
parafuso
Dosificador de
Bloqueio duplo
Reator de fluxo
descendente
Óleo
Ar
Ar
Carvão Vegetal
Figura 10.5 Diagrama de fluxo do processo de produção de carvão vegetal
(BASA)
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Tecnologias de Conversão da Biomassa
A unidade de pirólise é um cilindro vertical de 3 metros de comprimento e 1
metro de diâmetro. A alimentação da biomassa é feita através de um alimentador
horizontal de parafuso e um dosificador de bloqueio duplo. O calor necessário para a
reação é obtido através de combustão interna, regulada por um sistema de injeção de
ar dentro do reator. Na lateral interna do reator foram medidas temperaturas em torno
de 1.000°C, entretanto, as temperaturas no interior são menores, resultando em um
gradiente radial. A pressão do sistema encontra-se entre 200 e 500 Pa abaixo da
pressão atmosférica. O carvão é removido através de uma válvula rotatória na base do
reator, passando por um trocador de calor com água gelada, onde sai à temperatura de
40-50°C. Posteriormente é armazenado em sacos plásticos ou "containers", de aço. Os
gases produzidos saem do topo do reator a 120°C contendo compostos voláteis e água
e passam por um separador gás-líquido à temperaturas de 110-120°C, onde condensase o óleo, deixando-se passar os vapores de água e gases quentes que podem ser
utilizados em caldeiras ou resfriadores para a geração de potência.
A duração dos ensaios é de 3-5 horas. Os produtos líquidos foram utilizados
em caldeiras sem maiores problemas. O material sólido pode ser posteriormente
briquetado e utilizado como energético. O carvão possui uma quantidade de voláteis
entre 12 e 18% e um poder calorífico de 29,3-30,0 MJ/kg. O rendimento em % de
massa seca em relação à biomassa original é da ordem de 30% para o carvão e 15%
para o bio-óleo. O poder calorífico do gás combustível produzido é de 3,8-5,5
MJ/Nm³. A tabela 8.3 mostra composição desse gás.
Tabela 10.3 Análise do gás obtido pelo processo de pirólise da "Bio Aternativa
S.A.- BASA"(Bio-alternative, 1991).
Composto
CO2
CO
H2
N2
O2 e Hidrocarbonetos
% Vol.
13,2
16,3
7,9
48,4
14,2
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Tecnologias de Conversão da Biomassa
10.3.3 Tecnologias para a Pirólise Rápida e Ultra-Rápida
A pirólise ultra-rápida (PUR) utiliza dispositivos que permitem altas
velocidades de aquecimento e curtos tempos de residência, visando incrementar a
quebra das macromoléculas e assim, maximizar a produção de compostos orgânicos
líquidos e/ou gasosos.
Esses processos, em geral, são baseados em aquecimento indireto da biomassa,
como por exemplo, a transferência de calor por meio de um gás em contato com uma
superfície quente como a de uma parede de um reator no caso de um forno rotatório,
ou sólidos quentes como areia em um sistema de leito fluidizado. A transferência de
calor nesses processos é feita principalmente por convecção, embora a transferência
de calor por radiação pode também ser significante. O calor requerido pela pirólise
pode ser incrementado indiretamente de várias formas como: chama indireta, gás
quente ou metal líquido em fusão (Bridgwater & Bridge, 1991).
É muito importante a diferenciação entre os produtos primários, ou óleos, e os
produtos secundários, os alcatrões. Os líquidos obtidos em um processo de pirólise
rápida são primordialmente óleos primários, enquanto que uma pirólise lenta tende a
produzir óleos secundários ou alcatrões. Os óleos primários possuem baixa densidade,
são mais estáveis nas condições ambientes, menos sensitivos a contaminação da água
e apresentam homogeneidade maior.
O líquido produzido é composto de hidrocarbonetos oxigenados, com certa
porcentagem de água, proveniente de umidade ou produto da reação. Partículas de
carvão vegetal podem também estar presentes.
A quantidade de água presente é um fator muito importante por vários
aspectos: abaixa o poder calorífico do bio-óleo, afeta o ph (acidez), reduz a
viscosidade, influencia na estabilidade físico-química, reduz problemas potenciais de
poluição pela disposição de resíduos em água. A água presente é dificilmente
mensurada e removida, sendo normalmente utilizados processos de evaporação ou
destilação a temperaturas ao redor de 100°C ou mais, que em muitos casos acabam
causando mudanças físicas e químicas no líquido.
Em alguns processos, pode ser detectado um alto nível de partículas em
suspensão, que podem ser derivadas de carvão ou das cinzas da biomassa original.
Essas partículas podem ser separadas com a utilização de filtros (Bridgwater &
Bridge, 1991).
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Tecnologias de Conversão da Biomassa
São descritos a seguir alguns processos de pirólise rápida em desenvolvimento em
centros de pesquisa reconhecidos nessa área:
- Solar Energy Research Institute (SERI) – EUA (Diebold & Power, 1988):
A pirólise ablativa para a produção de líquidos e produtos químicos: A pirólise
ablativa tem como objetivo a produção de líquidos em larga escala, sendo que em
alguns casos consegue-se produzir gasolina, aromáticos como o benzeno, xileno e
tolueno, bem como frações químicas como os polifenóis.
Apresenta-se a seguir, o sistema desenvolvido pelo "SERI", que utiliza
partículas de biomassa com dimensões de aproximadamente 5 mm (figura 8.6). Essas
partículas são alimentadas no sistema, misturando-se com um gás de arraste (vapor
superaquecido ou nitrogênio a 700ºC) a alta velocidade, geralmente acima de 400 m/s.
Esse fluxo gás-biomassa entra tangencialmente em um reator de vórtice, onde as
partículas de biomassa adquirem um movimento circular em torno da parede do
reator. Possui formato cilíndrico com diâmetro de 13,4 cm e comprimento de 70 cm,
sendo aquecido externamente por três fornos elétricos, também cilíndricos. A
temperatura do reator deve estar limitada a 625°C para assegurar a produção de um
filme líquido entre as paredes e as partículas de biomassa. A seguir esse líquido
vaporiza-se e sai do reator. Temperaturas maiores devem ser evitadas, pois
possibilitam a formação de coque nas paredes do reator, dificultando o movimento das
partículas e a transferência de calor. As partículas maiores de carvão são recirculadas,
retornando ao fluxo de gás inicial, enquanto que as partículas finas, gases e vapores
saem axialmente do reator e passam a seguir por um ciclone a 450°C onde as
partículas pequenas de carvão são retiradas. Os gases e vapores passam por
condensadores e trocadores de calor, onde são separados produtos líquidos e gasosos.
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Tecnologias de Conversão da Biomassa
São obtidos rendimentos de 55% (b.s.) de óleo livre de umidade e 10% (b.s.)
de carvão. O líquido é altamente oxigenado, de coloração marrom escuro, com um Ph
em torno de 2 e 3. Devido a essa alta acidez, deve ser armazenado em tanques de aço
inox. O carvão obtido possui um teor de voláteis de 15-45% (b.s.), densidade aparente
entre 0,18 e 0,24 g/cm³ e um poder calorífico superior a 33 MJ/kg.
Trocador de
calor
Condensador
ciclónico
Gás a 5 °C
80 °C
Biomassa
Líquidos
reciclagem
de sólidos
Dosificador
de carga
(100 °C)
400 °C
Alimentador
Reator de
vortice
500 °C
625 °C
525 °C
Vapor
Superaquecido ou
nitrogênio a 700 °C
Aquecedores
do reator
450 °C
Ciclone
receptor de
carvão
Figura 10.6. Diagrama de fluxo do reator ablativo desenvolvido pelo "Solar
Research Institute (SERI)" (Diebold & Power, 1988).
- Georgia Tech. Research Institute (GTRI), USA:
Outro exemplo de pirólise rápida, desenvolvido visando a produção de
líquidos, foi idealizado pela "Georgia Tech Research Institute (GTRI)". O processo,
que proporciona altos rendimentos de líquidos, baseia-se na fluidização de partículas
de biomassa em um reator circular, entrando em contato com gases produtos da
combustão (Baker & Elliott, 1988). A figura 8.7 mostra um diagrama de fluxo do
processo.
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Tecnologias de Conversão da Biomassa
Lavador de gás
Água
Ciclone
Flare
Biomassa
Secador
de gás
Condensador
Perda no
alimentador p/
gravidade
Água Residual
Misturador
Gerador de gás
inerte
Ar/Propano
Óleo
Ar/Propano
Figura 10.7 Diagrama de fluxo do processo de pirólise rápida desenvolvida pelo
"Georgia Tech. Research Institute (GTRI)" (Baker & Elliott, 1988).
A biomassa é seca e moída a dimensões de 1,5 mm, sendo alimentada na parte
inferior do reator circular por meio de uma válvula rotativa. Paralelamente ocorre um
processo de combustão de gás propano em um fluxo de ar estequiométrico. As
partículas de biomassa misturam com os produtos da combustão, formando um fluxo
ascendente através do tubo do reator, onde ocorre o processo de pirólise. Os produtos
formados consistem em gases não condensáveis, vapor de água (umidade mais água
formada da reação da pirólise), bio-óleo e carvão. Através da utilização de ciclones e
condensadores consegue-se separar as partículas de carvão, os gases e o bio-óleo.
Foram obtidos rendimentos em torno de 50 a 60% de bio-óleo e 10 a 20% de carvão.
O óleo é altamente oxigenado, decompondo-se quando exposto à temperaturas
maiores que 190°C. As propriedades do "bio-óleo" produzidos com diferentes
tecnologias de pirólise são mostradas na tabela 8.4.
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Tecnologias de Conversão da Biomassa
Tabela 10.4. Propriedades do bio-óleo (Bridgwater & Bridge, 1991).
Análise elementar,
% peso (base úmida)
C
H
O
N
S
Cl
H/C
O/C
Umidade
pH
Cinza
Carbono
Viscosidade
PCS, MJ/kg
Peso específico (15/4°C)
Densidade, g/cm³ até 55°C
GTRI
SERI
BASA
39,5
7,5
52,6
<0,1
------2,28
1,00
29,0
---0,2
9,2
10 at
24,3
1,23
----
48,6
7,2
44,6
<0,1
------1,78
0,68
------------1300 at
22,3
---1,23
58,12
6,55
34,81
0,52
------1,35
0,45
4,5
2,7
<0,05
---250 at
22,2
---1,216
10.4 Torrefação de biomassa
A torrefação de biomassa desenvolve-se entre 220 e 300oC, embora alguns
autores recomendem não ultrapassar o limite de 280oC (Schwob, 1985). Nestas
condições a umidade é removida e a hemicelulose degradada, provocando a liberação
de ácido acético, frações de fenol e outros compostos de baixo poder calorífico. A
lignina e a celulose também sofrem uma ligeira despolimerização. O rendimento de
conversão varia entre 60 e 80% em função das condições de temperatura em que se
realiza o processo. O material resultante apresenta características intermediárias entre
o carvão e a biomassa original. O processo de torrefação tem como objetivo
concentrar a energia da biomassa em curto tempo e obter altos rendimentos, operando
com baixas taxas de aquecimento e temperaturas moderadas para permitir que os
voláteis de maior poder calorífico fiquem retidos no produto sólido denominado
Biomassa Torrefeita ou Torrificada (Antal, 1990; Doat J, 1985).
Durante a torrefação, podem ser identificados dois tipos de reações,
classificadas em reações de termocondensação e carbonização (Bourgeois, 1989;
Marcos Martin, 1989). Esta última é cineticamente lenta no domínio térmico da
torrefação, mas pode crescer bruscamente acima de 250oC, com reações fortemente
16
Tecnologias de Conversão da Biomassa
exotérmicas, o que pode conduzir a um aumento descontrolado da temperatura e,
conseqüentemente a uma carbonização total do material. Portanto, para garantir que o
processo se desenvolva no domínio térmico requerido é necessário evacuar o calor
gerado durante as reações parasitárias de carbonização. A experiência mostra que
estas reações começam nos pontos mais aquecidos da biomassa e se propagam
rapidamente ao resto do material, caso não seja evacuado o calor em excesso.
Também é recomendado que a torrefação seja executada em uma atmosfera neutra ou
redutiva,
para inibir
a oxidação
ou
ignição
do
material.
A expressão
termocondensação indica o processo no qual um material lenho-celulósico é
submetido a reações químicas acompanhadas de eliminação de água e com eventuais
reações de descarboxilação interna. É, em especial, o caso das reações que empregam
heterociclos do tipo Pentosano que podem provocar, por formação de pontes, a
eliminação de moléculas de água (Bourgeois, 1989). De acordo com o anterior, o
processo de torrefação é um tratamento bem definido e notavelmente diferente da
carbonização.
10.4.1 Propriedades da biomassa torrefeita.
As propriedades da biomassa torrefeita variam em função do tempo e
temperatura de processamento (Bourgois, 1985). Para cada combinação destas
variáveis pode-se obter produtos de diferentes propriedades energéticas, pois os teores
de voláteis e carbono fixo variam em função de cada combinação realizada. A
biomassa torrefeita em condições isotérmicas se caracteriza por apresentar um
conteúdo de hemicelulose inferior a 2%, de benzopireno inferior a 2 ppb, e
aproximadamente 1,8 % de pentosanos residuais (Bourgeois, 1989). O padrão comum
(Bourgois, 1985) é caracterizado por:
a) Alta densidade energética: Os voláteis de alto teor energético são conservados no
sólido.
b) Hidrofobia: Devido a transformações de caráter físico-químico a reabsorção de
umidade é praticamente nula durante a armazenagem. A umidade de equilíbrio
estabiliza-se em torno de 3%.
17
Tecnologias de Conversão da Biomassa
c) Ótimo balanço de durabilidade-friabilidade: A biomassa torrefeita se torna friável,
porém em menor grau que o carvão vegetal, o que facilita o manejo do material sem
perdas consideráveis na forma de finos.
Processando diferentes espécies de madeira achou-se que o poder calorífico da
madeira torrefeita se encontra entre 23 e 24 MJ/kg, e o teor de carbono fixo em torno
de 28 a 31%, sempre em função da temperatura e o tempo de tratamento. Nesses
experimentos obtiveram-se rendimentos de conversão entre 74 e 77%. Também, foi
demonstrado que para a madeira processada a 280oC o poder calorífico teve um
comportamento assintótico com relação ao aumento do tempo de residência, portanto
prolongar o tempo de residência indiscriminadamente com objetivo de melhorar as
características do produto final não oferece resultados favoráveis (Bourgois, 1985).
Experimentos de torrefação realizados com briquetes de resíduos de madeira,
no Grupo Combustíveis Alternativos (GCA) da UNICAMP, demonstraram a
viabilidade deste procedimento para melhorar as características dos briquetes e
mostraram a importância relativa dos parâmetros de torrefação. Por exemplo, como
pode ser observado na tabela 8.5, a temperatura tem uma influência predominante no
processo, pois quando a temperatura é aumentada em 22,7% (de 220 a 270oC) o poder
calorífico aumenta em média 10%. Entretanto, aumentos do tempo de residência de
até 200% (de 0,5 a 1 hora) proporcionam apenas 4% de incremento no poder
calorífico (Felfli F.F., et alii, 1999; Felfli F.F., 1999). Também é importante destacar a
resistência à umidade, demonstrada submetendo os briquetes torrefeitos a imersão em
água. Os briquetes torrificados permaneceram inalterados, enquanto que os briquetes
sem tratamento se desintegraram em apenas 10 minutos. Isto demonstra o caráter
hidrófobo da biomassa torrefeita. Resultados similares foram obtidos por outros
pesquisadores (Bhattacharya, 1990).
18
Tecnologias de Conversão da Biomassa
Tabela 10.5 Caracterização de briquetes de resíduos de madeira torrificados
(Felfli F.F., 1999)
Temperatur Tempo
a (oC)
(hr)
0,5
1
1,5
0,5
1
1,5
0,5
1
1,5
220
250
270
Voláteis
(%)
75,2
74,6
73,6
65,2
65,0
60,0
55,7
52,1
41,0
Carbono
Fixo
(%)
18,2
19,0
19,8
27,0
27,2
32,1
34,6
38,2
49,2
Cinzas
(%)
PCS
(kJ/kg)
6,6
6,4
6,6
7,8
7,8
7,9
9,7
9,7
9,8
20426
20989
21065
21209
22061
22674
22772
22981
23066
10.4.2 Aplicações da biomassa torrefeita
O controle dos parâmetros de torrefação permite que possam ser produzidos
combustíveis para diferentes propósitos. São várias as aplicações práticas, por
exemplo:
Combustível industrial e doméstico: Combustível, tanto para uso industrial
como doméstico. O fato da biomassa torrefeita possuir baixas emissões de fumaças
durante a combustão, além de poder ser estocada por longos períodos, facilita seu uso
doméstico (Bourgeois, 1985). Industrialmente, pode ser utilizada para a produção de
eletricidade através da queima em caldeiras para a produção de vapor, e também na
co-combustão com carvão mineral, o que traria benefícios ambientais pela redução de
emissões de dióxido de enxofre (Arcate, 2002).
Redução: Devido às características peculiares da madeira torrefeita esta
apresenta
potencialidade
para
ser
aplicada
como
redutor
na
indústria
eletrometalúrgica. Ensaios realizados num forno para a redução de silício, o qual
requer redutores reativos e de alta resistência mecânica, indicaram que a madeira
torrefeita teve um melhor desempenho que a mistura de carvão e madeira
tradicionalmente usada para estes propósitos (Girard & N. Shah, 1991).
Gaseificação: Devido ao alto grau de padronização da madeira torrefeita, sua
utilização nos gasogênios facilita a regulação e otimização destes equipamentos.
Embora este combustível possua menor valor energético específico que o carvão
19
Tecnologias de Conversão da Biomassa
vegetal, seu uso é mais conveniente, pois a madeira torrada é menos friável o que
evita a formação de pó e, portanto o gás obtido é mais limpo (Girard & N. Shah,
1991).
Retificação: A madeira torrefeita também pode ser usada como excelente
material de construção, pois esta combina três qualidades difíceis de encontrar em
madeiras comuns: hidrofobia, resistência mecânica e resistência às pragas, esta é uma
linha de pesquisa muito desenvolvida na França atualmente (Guyonnet, 1993).
10.4.3 Estado da arte de torrefação de biomassa
As primeiras publicações sobre tecnologias de torrefação de madeira datam de
inícios do século XX, mas o termo torrefação já era utilizado na França para designar
o processo de aquecimento intenso de materiais (ouro e produtos químicos, assim
como grãos) para eliminar a umidade. O termo “torrificado” tem origem na palavra
francesa torréfié que por sua vez se deriva do latim torrere. Na década de 1930 já
existiam patentes registradas sobre o processo de torrefação de madeira. Por exemplo,
em 1937, M. Josef Bouteille propõe modificacões em um sistema contínuo para
torrificar pequenos pedaços de madeira em um reator vertical contra-corrente. Neste
sistema era utilizado ar como fluido aquecedor, e para evitar a oxidação da madeira
era introduzido na corrente de ar um pequeno fluxo de vapores de hidrocarbonetos
(Bouteille, 1937).
Na década de 1940 foram propostos diferentes procedimentos e tecnologias
para produzir combustíveis torrificados, através do desfibramento da madeira,
desidratação, torrefação e posterior aglomeração ou briquetagem (Bethenod et alli,
1942; Pinel, 1949; Barrier, 1951). Estas operações requerem infraestrutura de grande
porte, e ainda, encontra-se a dificuldade de ter que se adicionar um ligante durante a
operação de aglomeração do material.
É importante ressaltar que nos anos em que estas tecnologias foram propostas
se deflagrava a Segunda Guerra Mundial. Na época havia uma necessidade estratégica
de procurar alternativas aos derivados do petróleo. Portanto, é nesse cenário que se
desenvolve a torrefação como método para melhorar a qualidade da madeira usada
nos gasogênios, que eventualmente produziriam gás para substituir os derivados do
petróleo. Com o fim da guerra e com os baixos preços do petróleo, os gasogênios
entraram em desuso e conseqüentemente a torrefação deixou de ser interessante, até
20
Tecnologias de Conversão da Biomassa
que na década de 1980 surgiu novamente o interesse na torrefação, mas desta vez se
procuravam mais aplicações além de combustível para gasogênio. Neste período
foram redefinidos alguns conceitos e procedimentos para a torrefação, estabelecendose de forma precisa os parâmetros e as características do processo.
Na literatura especializada são mencionadas algumas plantas demonstrativas
desenvolvidas na França, nos anos 80. Uma delas foi implementada entre 1985 e 1988
com apoio financeiro da Comunidade Européia (Girard & N Shah, 1991). Este projeto
foi executado pela companhia Le Bois Torréfié du Lot, localizada em Laval de Cere
(Pechiney Electrometallurgie). Nesta planta a torrefação é realizada num forno
rotatório com uma produção anual de 12 000 t (ver figura 10.8).
Figura 10.8 Planta de torrefação industrial em Laval de Cere (Girard & N.
Shah, 1991)
A transferência de calor se efetua através do contato das paredes quentes do
forno com a biomassa que é alimentada. As paredes do forno são aquecidas pelo
vapor produzido numa caldeira. Para obter bons resultados a biomassa deve ser
primeiramente seca e picada em pedaços de aproximadamente 10 mm antes de entrar
no forno de torrefação. Esta unidade foi posta em operação desde início do ano 1987
para fornecer madeira torrefeita na redução do silício.
Outra tecnologia, que também é mencionada na literatura, foi desenvolvida
pela companhia francesa Pillar. A planta foi projetada para produzir 2000 toneladas
por ano. O sistema proposto é constituído basicamente de um forno de túnel, dentro
do qual a madeira pode ser transportada através de duas câmaras. Na primeira, realiza21
Tecnologias de Conversão da Biomassa
se a secagem e na segunda a torrefação. O meio de aquecimento utilizado é o gás da
combustão forçado a passar através da madeira. Na figura 8.9 pode-se observar um
esquema desta planta. Nesse mesmo período, outras plantas de torrefação foram
desenvolvidas e comercializadas por industriais Franceses. Por exemplo, uma planta
com capacidade de 500 t por ano, desenvolvida pela firma Fages Habermann, e que
consistia em dois reatores nos quais o gás passava forçadamente através da madeira.
O objetivo desta planta era produzir madeira torrefeita para churrasqueiras e lareiras.
Este sistema foi testado pelo Center Technique Forestier Tropical (CTFT) do instituto
Cirad da França (Girard & N Shah , 1991).
Figura 10.9 Planta Pillar (Girard & N. Shah, 1991).
Recentemente uma tecnologia para secagem de materiais celulósicos com
vapor superaquecido (Stubbing, 1998) também tem sido recomendada para torrefação
de biomassa. Nesta invenção, a biomassa é torrefeita através de vapor superaquecido,
o qual é reciclado entre a biomassa e um sistema de aquecimento que fornece a
energia necessária para o processo (ver figura 8.10). Esta tecnologia tem a
particularidade de poder torrefazer pedaços de madeira ou briquetes com dimensões
relativamente grandes, porém é recomendável para produção em grande escala devido
à complexidade do sistema (Arcate, 2000).
22
Tecnologias de Conversão da Biomassa
Figura 10.10 Sistema “Airless Drying” para Torrefação de biomassa (Arcate,
2000)
No Grupo Combustíveis Alterntivos - UNICAMP foi desenvolvido um forno
em escala piloto para a torrefação de pedaços (toras) de madeira ou briquetes de
biomassa (figura 10.11). O forno trabalha em regime descontínuo e o tempo de
torrefação pode variar entre 3 e 5 horas em função das dimensões e do teor de
umidade da matéria-prima. Este equipamento pode torrefazer até 50 kg de madeira
por ciclo operacional, apresentando rendimentos gravimétricos entre 70 e 90 % em
função da temperatura de operação (Felfli, F.F. et alli, 2003).
23
Tecnologias de Conversão da Biomassa
Figura 10.11 Forno para a Torrefação de biomassa no GCA
(IFGW/UNICAMP).
24
Tecnologias de Conversão da Biomassa
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