patrícia canetti | priscila arantes | renata motta

Transcrição

patrícia canetti | priscila arantes | renata motta
pat r í c i a c a n et ti | priscil a arantes | renata mot ta (orgs.)
c o n e x õ e s tecnológic as
Patrícia Canetti | Priscila Arantes | Renata Motta (orgs.)
Cadernos Instituto Sergio Motta 12
Coleção Cultural
c o n e x õ e s t e cnológic as
Organização: Patrícia Canetti, Priscila Arantes e Renata Motta
Coordenação Editorial: Juliana Monachesi
Produção Editorial: Camila Duprat Martins
Textos: André Lemos, Brian Holmes, Daniela Kutschat Hanns, Hernani Dimantas,
João Antonio Zuffo, Jonas de Oliveira Junior, Karin Ohlenschläger, Lucas Bambozzi,
Patrícia Canetti, Priscila Arantes, Rejane Cantoni, Renata Motta
Revisão: Dulce Rosell Marques e Sylmara Beletti
Tradução: Camila Barreiros
Versão: Gavin Adams
Projeto Gráfico: Paula Astiz Design
Editoração Eletrônica: Ângela Mendes
ISBN 978-85-60824-00-7
CTP, Impressão e Acabamento: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo
Tiragem: 1.500 exemplares (português) | 1.000 exemplares (inglês)
São Paulo, Brasil, 2007
i n s t i t u to s e rgio mot ta
Presidente: Luiz Carlos Mendonça de Barros
Vice-Presidente (Conselho Deliberativo): Wilma Motta
Secretária Geral: Maria José Tenório de Paiva
Trav. Dorothy Poli Zioni, 7 | São Paulo-SP | 05016-070 | Brasil
T (5511) 3873-0279 | [email protected]
p r ê m i o s e r g i o mot ta de arte e tecnologia
Relações Institucionais: Wilma Motta
Coordenação Geral: Renata Motta
Curadora: Vitória Daniela Bousso
Coordenação de Projetos: Camila Duprat Martins
Coordenação de Produção: Luciana Dacar
Produção: Aline Gambin
Administração: Sadao Kitagawa
www.premiosergiomotta.org.br
sumário
co n e x õ e s t e c n o l ó g i c a s
05
co n e x õ e s c r í t i c a s
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Patrícia Canetti, Priscila Arantes, Renata Motta
Bodies and flows: táticas e estratégias do produtor de mídia ativista
Brian Holmes
Interfaces expandidas: conexões críticas
Lucas Bambozzi
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Software livre e globalização contra-hegemônica
André Lemos
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Multidão hiperlinkada: resistência e descentralização
Hernani Dimantas
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pe s q u i s a , f o r m a ç ã o e m e r c ado
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Medialabmadrid: da pesquisa básica ao impacto cultural
Karin Ohlenschläger
Laboratório de Sistemas Integráveis
João Antonio Zuffo
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Pesquisa e produção em interfaces emergentes: projeto OP_ERA
Daniela Kutschat Hanns e Rejane Cantoni
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Convergência tecnológica
Jonas de Oliveira Junior
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Debates: conexões tecnológicas
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fó r u m o n - l i n e
referências
Realizadores e participantes
Notas sobre os autores
Referências bibliográficas
13-110
113
115
119
123
conexõe s t e c n o l ó g i c a s
Patrícia Canetti, Priscila Arantes e Renata Motta
questões iniciais
Muitos analistas da sociedade e da cultura vêm afirmando que estamos
vivendo um verdadeiro choque do futuro, ocasionado, sobretudo, pelos avanços das tecnologias da informação. Aglutinado sob o rótulo de
revolução digital, este momento histórico vem se deslocando rumo à
formação de novos paradigmas, trazendo reverberações profundas para
diversas esferas da sociedade.
A partir de uma intensa reorganização dos sistemas produtivos, econômicos, espaciais e temporais, a globalização tem gerado novas topografias e relações mediadas pela conexão generalizada. Produzir, distribuir e circular a informação, enfim, estar conectado é um dos requisitos
básicos da cena contemporânea.
Nesta nova cartografia verifica-se, de um lado, uma versão otimista
e utópica que aposta em uma sociedade mais igualitária e democrática a partir da descentralização e participação reclamada pelas redes. Se
a cultura de massa configurou um processo de distribuição de produtos industrializados, de forma padronizada e centralizada com conteúdos ideológicos, a cultura em rede rompe com a emissão controlada e
proprietária, permitindo o direito à livre expressão em meios diversos
– blogs, sites pessoais, fotologs, peer to peer etc. – e uma maior participação da audiência na construção do conhecimento coletivo. Novas
formas de socialização e agrupamentos se conformam dentro de uma
cartografia líquida e rizomática.
Por outro lado, verifica-se um posicionamento crítico em relação a
estas versões, já que o desenvolvimento tecnológico se configura dentro
do atual estágio do sistema capitalista, cujo pilar de sustentação é a capacidade de acumulação do capital em uma economia de interconexão
eletrônica e midiática, e cujos objetivos estão na base dos novos conflitos sociais e das profundas desigualdades no acesso às oportunidades e à
melhoria da qualidade de vida.
Ancorados em um sistema de fluxos de informação de alta velocidade, os mercados financeiros e conglomerados empresariais pa5
conexões t ecn o l ó gic as
recem, de fato, adequar-se às novas configurações do poder nômade.
Um novo território se forma com base em novos serviços, em novas
estratégias de consumo e de vigilância, postulando os paradoxos da
cultura contemporânea.
Ao mesmo tempo, a aceleração temporal, o culto ao tempo real e
instantâneo e o não-lugar parecem colocar em cena novos formatos perceptivos. Sem um sentido claro de lugar, as audiências se tornam fluídas, movediças, potencializando uma percepção em zapping; dispersa,
instantânea e fragmentária.
Diante destas mudanças, torna-se fundamental alavancar discussões
entre diversos setores da sociedade para a construção de uma visão crítica em relação ao impacto das novas tecnologias no mundo contemporâneo. Dentro de uma abordagem transdisciplinar e dinâmica, a primeira
edição do Conexões Tecnológicas contou com uma ação on-line no Canal Contemporâneo e uma etapa presencial no dia 26 de maio de 2006
no Centro Universitário Senac – Unidade Lapa Scipião, em São Paulo. O
projeto congregou artistas, teóricos nacionais e internacionais, cientistas
e o setor empresarial no sentido de promover reflexões que enfrentem os
desafios colocados pelas novas tecnologias no cenário contemporâneo.
fo r m ato
Ao definirmos o campo de atuação do Conexões Tecnológicas, fomos
contaminadas pelas questões de que estávamos tratando. Se, inicialmente, trabalhamos no projeto de um fórum de debates, pensar e discutir as novas formas de conexão e os seus efeitos na sociedade e na arte
nos levaram a querer experimentar as novas práticas no próprio projeto
e a interferir no formato tradicional da dobradinha “mesas de debates e
publicação”.
Colher e pesquisar o tema na rede, promover uma maior “intimidade” entre público e palestrantes, estimular a discussão antes do evento e
proporcionar uma continuidade para além dele foram alguns dos objetivos que surgiram na formulação deste novo conceito e prática de fórum.
Usar as características inerentes à rede para ampliar o espaço/tempo do
evento se colocava como uma missão ambiciosa a ser trabalhada.
Com a parceria do Canal Contemporâneo, responsável pela difusão
na rede, desenvolvemos um pré-fórum on-line com os alunos do Centro
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realização
Conexões Tecnológicas configurou-se, então, como um projeto de reflexão, que visa instaurar um debate público, ampliando as ressonâncias e
as conexões em torno desse choque do futuro que vivenciamos hoje. O
projeto é resultado do entendimento comum da necessidade de extravasar essas discussões para além das fronteiras acadêmicas e foi formatado
a partir dos nossos diferentes perfis, mesclando experiências e atuações
teóricas, institucionais e de ativismo na rede.
O Instituto Sergio Motta acolheu a idéia desde o início e viabilizou
a sua realização, articulando as parcerias com o Centro Universitário
Senac – contando com o especial apoio e dedicação da Profa. Dra. Danie7
conexões t ecn o l ó gic as
Universitário Senac para elaborar e compartilhar pesquisas e discussões
de maneira informal. Os conteúdos mais interessantes foram transferidos para o fórum on-line aberto ao público e divulgado no informativo
do Canal.
O fórum on-line funcionou como uma preparação para aqueles que
iriam participar do fórum presencial, mas também informaria aos que
não podiam estar presentes para os debates em São Paulo. Foram publicadas apresentações sobre os palestrantes e seus trabalhos, links para
textos e trabalhos na rede, e as respostas a uma entrevista – realizada por
e-mail por Juliana Monachesi – que, divulgados aos poucos, serviram
para instigar a participação do público. A publicação da cobertura das
palestras e dos debates com o público no fórum presencial, divulgadas
após o evento, completaria o material de pesquisa disponibilizado online, servindo de esboço para a publicação do Conexões Tecnológicas.
Esta preparação opensource do evento se mantém disponível na
internet e serve como fonte de pesquisa permanente, que se completa
agora com a disponibilização on-line desta publicação.
Ao nos perguntarmos como poderíamos transformar eventos acadêmicos experimentando uma nova formatação no Conexões Tecnológicas, a exemplo do que já ocorre com a convergência de outros formatos
– televisão, jornais e revistas já se mesclam entre si e ao uso de celular e
internet –, não objetivamos um resultado específico, mas o processo de
livre expressão que nos levaria principalmente à ampliação da circulação de informação e conhecimento.
conexões t ecn o l ó gic as
la Kutschat Hanns e do coordenador de pós-graduação lato sensu Gley
Fabiano – e com o Canal Contemporâneo. O projeto contou, ainda, com
o patrocínio da Telefonica e os apoios da Secretaria do Estado da Cultura
de São Paulo e do Ministério da Cultura.
Desde 2000, o Instituto realiza o Prêmio Sergio Motta de Arte e Tecnologia, inserindo-se em lugar de destaque no fomento da produção artística contemporânea brasileira. Na sua 6ª edição, em 2005, o Instituto
Sergio Motta ampliou o escopo de atuação do Prêmio. Desdobrado em
uma ação bienal, passou a realizar, além da premiação propriamente
dita, outras ações no campo da reflexão (fórum de debates, publicações)
e da difusão (oficinas, exposições) das novas mídias. O Conexões Tecnológicas incluiu-se nesse novo calendário, consolidando essa importante
vertente de reflexão.
O projeto é resultante desse trabalho coletivo de criação intelectual
individual e institucional. O formato dinâmico, que incluiu ações online e presencial, foi implementado pela participação fundamental da
equipe, docentes e alunos do Centro Universitário Senac, dos palestrantes, dos debatedores convidados e do público, que participou ativamente tanto na fase on-line, quanto nas mesas presenciais.
Esta publicação é mais uma etapa do Conexões Tecnológicas. Incorpora os principais debates on-line e os conteúdos das apresentações e
debates realizados no Centro Universitário Senac – Unidade Lapa Scipião em maio de 2006, editados de forma a ampliar a discussão. Os textos foram organizados em dois blocos.
O primeiro, agrupado sob a nomenclatura Conexões Críticas, inclui
os textos dos palestrantes que fizeram parte da mesa da tarde no evento
e incorpora posicionamentos diversos em relação à democratização da
informação e os processos críticos referentes à globalização e à sociedade capitalista informacional.
O segundo bloco, Pesquisa, Formação e Mercado, aglutina os resumos das palestras apresentadas na parte da manhã do evento. São textos que apresentam um espectro amplo de experiências no campo da
produção artística e tecnológica: do artista individual, passando pelos
contextos institucionais públicos até a outra ponta, a da corporação
privada. Esse segundo bloco reúne também os debates referentes a essa
mesa do período da manhã. Finalmente, correndo paralelamente na
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9
conexões t ecn o l ó gic as
parte inferior da publicação, está uma edição dos conteúdos e debates
do Fórum on-line. Desejamos que esse conjunto de conteúdos, que também serão disponibilizados on-line (em versão PDF), sirva como fonte
de pesquisa continuada, potencializando o debate público nas próximas edições do Conexões Tecnológicas.
c o n e xõ e s crític as
reúne artigos que colocam em debate a democratização
da informação e os processos críticos referentes à globalização e à sociedade capitalista informacional. Software
livre, mídia ativismo, novas estratégias de resistência à
sociedade capitalista, são alguns dos pontos tratados.
bodies a n d f l ow s :
tátic as e e s t r at é g i a s d o
produto r d e m í d i a at i v i s ta
Brian Holmes
p r é - f ó r u m on-line
Alunos do Centro Universitário Senac – Unidade Lapa Scipião pesquisaram e discutiram os
temas do Conexões Tecnológicas, preparando o fórum presencial realizado em 26 de maio
de 2006. As colaborações, dos alunos dos cursos de graduação em Tecnologia em Design
de Multimídia e da pós-graduação lato sensu em Mídias Interativas, foram organizadas
aqui em ordem de postagem e parte do conteúdo foi resumida devido à utilização, por
parte dos alunos, do recurso – muito característico da cultura digital – do “copiar e colar”;
nestes casos, optou-se por resumir o tema de ensaios e entrevistas reproduzidos no préfórum on-line de modo a manter o registro daquilo que foi foco do interesse das pesquisas
do aluno sem, contudo, reproduzir a íntegra de conteúdos já disponíveis on-line em outros
sites: http://www.canalcontemporaneo.art.br/forum.
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fór um on -lin e
Nosso tema de hoje é a “democratização da informação voltada para a
sociedade”. Para entender como essa democratização poderia ser realizada, e o que poderia estar em seu caminho, falarei do paradoxo do produtor de mídia ativista, quando este fica dividido entre duas posições
contraditórias. Em primeiro lugar, a experiência corporificada do fluxo
coletivo na rua, em uma situação de experimentação ou protesto. Em
segundo lugar, a administração individual de um avatar, uma expressão
informatizada de si mesmo, circulando no espaço abstrato das redes de
comunicações globais. Como navegar nesta lacuna paradoxal, que, em
casos extremos, pode dar a sensação de uma identidade cindida? Eu me
basearei na minha própria experiência na Europa e nos Estados Unidos,
sem tentar fazer muitas generalizações sobre as condições dos produtores de mídia na América Latina. Mas acredito que chegaremos a um
terreno comum, pois o que está em jogo é uma das contradições básicas
da democracia.
A promessa democrática permanece não-cumprida – necessariamente. Isso porque os mecanismos de representação não podem “co-
conexõ es cr ít ic as
brir” o amplo espectro das demandas populares e das minorias, a não ser
encobrindo-as sob a linguagem da eficiência e do lucro. A contradição
tornou-se mais profunda na medida em que os partidos políticos, com
um grande número de membros comprometidos, foram substituídos
por máquinas eleitorais que fazem uso de campanhas de TV para angariar apoio para um candidato à presidência. A eficácia da representação
política para todos, exceto os grupos mais poderosos, tende a diminuir,
ainda que a exploração e exclusão social dos grupos mais fracos tendam
a se intensificar. Grandes promessas de mudar essas tendências são feitas a cada quatro ou cinco anos; mas as regras econômicas da competição internacional não permitem que elas se realizem. O que vemos
como resultado, em todo o mundo, são movimentos sociais, fluxos de
pessoas nas ruas, clamando pelos direitos democráticos básicos: liberdade, igualdade, redistribuição. Como os produtores de mídia se encaixam
nesses movimentos sociais? E o que significa “democratização” nesse
contexto?
A primeira democratização é o acesso à expressão, a segunda, à interpretação. O papel do produtor de mídia ativista é distribuir esses dois
potenciais. É, literalmente, entregá-los com total respeito e consciência
de seus diversos usos. Vamos pensar como isso funciona no nível mais
simples: o do protesto corporificado na rua. A influência mútua entre as
expressões individuais em uma multidão é uma experiência de emancipação, porque oferece um escape dos códigos dominantes da mídia de
massa, um escape na direção do processo ativo de produção de sentido.
fór um on -lin e
No dia 13 de abril de 2006, Marcelo Amorim chama a atenção dos participantes do
fórum para um artigo de Brian Holmes que trata das implicações da sociedade civil se
integrando em uma “arquitetura digital” de origem militar, com referências ao Situacionismo e a trabalhos de arte e tecnologia como o Minitasking, Heat Seeking (de Jordan
Crandall), e o grupo Yes Men.
Intitulado “Drifting Through the Grid: Psychogeography and Imperial Infrastructure” [À
deriva pela grelha: psicogeografia e infra-estrutura imperial], o texto de Brian Holmes
aborda os novos domínios gerados pelo conteúdo crítico de grandes movimentos sociais.
Ele cita como exemplo o contínuo prestígio da estética situacionista nos dias de hoje,
em um contexto que se transformou dramaticamente desde o início dos anos 1960. A
subversão do funcionalismo da grelha modernista nas cidades planejadas defendida pelo
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É através do exercício recíproco da liberdade expressiva que um movimento passa a reconhecer a si mesmo, a criar um território comum. O
produtor de mídia pode fornecer algumas formas iniciais, alguns dos
materiais brutos da expressão coletiva, porém, apenas a multidão pode
lhes trazer à vida e as transformar através do uso. E esses usos, por sua
vez, são capturados, transformados e redistribuídos, criando o desejo e
a latência utópica de imaginárias reuniões futuras. Grande parte dessa
recente onda de ação política popular pode ser atribuída à circulação
de imagens de discórdia e rebelião, que tem sido tornada possível pela
multiplicação da mídia audiovisual e da capacidade de distribuição da
internet.
Porém, a possibilidade de interpretar esta emergência da expressão
coletiva é fundamental, porque o território dos movimentos sociais não
é apenas utópico, é também um teatro de lutas. Atos de transgressão,
gestos de recusa e explosões de violência precisam ser todos explicados
por cada participante de maneiras diferentes, que ainda assim convergem em uma ampla afirmação de direitos democráticos, uma resposta
contra alguma injustiça, algum dano sofrido e sentido como insuportável. Para que um movimento possa manter o espaço que cria por meio
de sua expressão, são necessárias não apenas imagens, mas discursos
estruturados. Uma posição política deve ser sustentada, emoldurada
como um mapa claramente debatido, tanto do conflito em que está engajada, como do motivo que foi reivindicado em uma base afetiva. O
produtor de mídia ativista pode criar e distribuir este tipo de discurso
conexõ es cr ít ic as
Situacionismo ecoaria, segundo Holmes, na implementação global de uma arquitetura
midiática digital. As qualidades sensórias da deriva situacionista estariam presentes em
viagens hiperlinkadas pela paisagem da www, como nos projetos de “locative media” de
Ben Russel (headmap.org) ou Marc Tuters (gpster.net), que propõem trazer um sentido
personalizado de espaço utilizando tecnologia de posicionamento por satélite. Se o compartilhamento de dados e a produção de softwares abertos parecem apontar o caminho
para uma economia cooperativa, projetos de mapeamento como o Minitasking retratam
a rede de distribuição de arquivos Gnutella como uma sedutora galeria de músicas pop
piratas e clipes pornô. “As aspirações revolucionárias da deriva situacionista são difíceis
de localizar nas novas cartografias”, escreve Holmes. Daí em diante, passa a discorrer
sobre as tecnologias de comunicação global como infra-estrutura imperial. Assim como
fór um on -lin e
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conexõ es cr ít ic as
político, abrindo-o para a possibilidade de um debate coletivo. A arte da
produção de mídia alternativa está no esforço para reacender continuamente um debate em formas que são em si mesmas expressivas, belas,
inspiradoras, satíricas, dramáticas ou chocantes, carregadas de um potencial emotivo que possa ser compartilhado e também inscrito dentro
dos elementos discursivos que são essenciais à ação política.
A experiência dinâmica de expressões múltiplas que convergem em
um território e que estruturam este território em movimento é o que
eu chamarei de experiência de fluxo. O antropólogo e teórico da performance Victor Turner descreveu esta experiência de fluxo em um livro
chamado From Ritual to Theater: The Human Seriousness of Play [Do ritual
ao teatro: a seriedade humana da encenação]. Ele lista seis características
diferentes da experiência de fluxo: uma perda do ego; uma centralização
da atenção em um campo limitado de estímulo; uma fusão de ação e
sabedoria que elimina qualquer autoconsciência paralisante; uma sensação de estar no controle tanto de si como do ambiente; uma percepção
de demandas não contraditórias e coerentes para a ação; e finalmente
uma convicção de que a experiência é completa em si mesma, que não
necessita de outras metas ou recompensas.
Essa última característica é uma das coisas mais surpreendentes
sobre movimentos sociais: a convicção íntima e compartilhada de que
uma ação política séria, cujo objetivo explícito é consertar um erro mudando um costume, uma lei ou tratado, é, ao mesmo tempo, completa
em si mesma e sem necessidade de quaisquer outras conseqüências. Um
fór um on -lin e
os projetos que se valem de tecnologia GPS podem mapear trajetos subjetivos em uma
cidade de forma poética, como na obra RealTime, de Esther Polak, eles tendem a reforçar
o caráter de vigilância e controle da sociedade civil pelo governo.
No dia 17 de abril de 2006, Laís Cerullo destaca no fórum o texto “Realidades alteradas”, de Rejane Cantoni, publicado na revista on-line Cibercultura do Itaú Cultural, sobre
interfaces de realidade virtual em que se pode interagir com ilimitados depósitos de
informação binária.
Uma interface de ambiente virtual transforma cada movimento produzido pelo corpo
em informação binária, além de transformar códigos binários em informações sensórias a serem apreendidas pelo corpo. “O cenário mais exótico é transformar uma parte
do corpo em hardware (o que, do ponto de vista técnico, significa implantar chips
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movimento social em ação é um mundo expressivo em si mesmo, que
cria suas leis juntamente com seu território. Turner compara esta sensação de estar em fluxo com a experiência arcaica da communitas, ou seja,
da união espontânea e sem mediação com seus iguais.
Mas ao invés de simplesmente identificar a sensação de fluxo com
uma comunidade tradicional, ele a coloca preferencialmente ao lado
do que ele chama de “comportamento liminar”, que é o equivalente
moderno, secular e individualizado de ritual, associado nas sociedades
contemporâneas com arte, jogos, esporte e lazer – mas também com
o Carnaval e a revolução. Fluxo, diz Turner, “é uma das técnicas pelas
quais as pessoas procuram o ‘reino’ perdido ou ‘anti-reino’ da comunhão
direta, não mediada um com o outro, mesmo que uma severa submissão
a regras seja o formato no qual a comunhão possa ser induzida” [turner:
1982, p.58].
Vamos tentar nos ater a esse sentido de fluxo corporificado, sentí-lo
não só como é experimentado no protesto de rua, mas também em todos
os contextos nos quais o desejo político é inseparável de uma influência
mútua de expressões, seja em reuniões, workshops, festivais, projetos
em grupo ou eventos artísticos, momentos compartilhados de produção coletiva ou comunicação. Vamos tentar nos ater a ele precisamente
na medida em que ele nos escapa e se transforma em outra coisa, que
parece ser sua duplicata, simulacro ou oposto. Eu gostaria de abordar
esta transformação paradoxal da experiência de fluxo por meio de uma
observação aparentemente acidental do sociólogo contemporâneo Ma-
conexõ es cr ít ic as
diretamente no sistema nervoso central) e fazer o seu cérebro interagir diretamente
com o computador. A alternativa é optar por um hardware externo transparente, como
são as ‘cavernas’ imersivas cujas paredes são formadas por enormes telas de projeção.
“Em ambos os casos, basta que o operador do projetor ligue a tomada e sua percepção
da tecnologia como um objeto separado – uma ferramenta – irá desaparecer”, escreve
Cantoni, para, em seguida, destrinchar que “outro mundo” é esse, constituído de bits.
A artista aborda, por exemplo, as inúmeras possibilidades de interação com outras
pessoas em um ambiente virtual como o ciberespaço, dentre elas a de “conectar todos
os seus outputs e inputs ao aparato sensório de um robô remoto o que pode criar a
sensação de que você ‘habita’ o corpo dele”, o que implicaria em uma migrar para a
localização geográfica do robô. “Os problemas técnicos para alcançarmos tais capa-
fór um on -lin e
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conexõ es cr ít ic as
nuel Castells. Considerem esta citação extraída de A sociedade em rede,
parte de sua monumental trilogia A era da informação, na qual o sociólogo descreve seu encontro com o distrito de Belleville em Paris, em
uma tentativa de distinguir a experiência de lugares específicos daquela
das redes abstratas de comunicações, ou o que ele chama “o espaço de
fluxos”.
“Belleville foi, como para muitos imigrantes ao longo de sua história, meu
portão de entrada para Paris, em 1962. Como um exilado político de 20 anos de
idade, sem muito a perder exceto meus ideais revolucionários, fui acolhido por
um trabalhador espanhol da construção civil, um líder sindical anarquista, que
me apresentou à tradição do lugar. Nove anos depois, desta vez como sociólogo,
eu ainda andava em Belleville, trabalhando com comitês de trabalhadores imigrantes e estudando movimentos sociais contra a renovação urbana: as lutas
que rotulei como La Cité du Peuple, relatadas em meu primeiro livro. Mais
de 30 anos depois de nosso primeiro encontro, ambos Belleville e eu tínhamos
mudado. Mas Belleville ainda é um lugar, enquanto eu temo que eu pareça mais
com um fluxo...” [castells: 1996, pp. 453-54].
Este é, provavelmente, o único lugar na trilogia inteira em que Castells se engaja em uma reflexão pessoal; e é uma passagem que eu nunca
esqueci, após ler pela primeira vez seis ou sete anos atrás. O que significa “perder os ideais revolucionários” e sentir a experiência de lugares
se dissolvendo em espaços de fluxos? Vamos explorar este conceito: os
espaços de fluxos. Castells define espaço como “suporte material das práticas sociais de tempo compartilhado”. Um espaço “conecta práticas que
fór um on -lin e
cidades são muitos. As pesquisas indicam que ao menos uma parte desse cenário irá
acontecer”, conclui.
Ainda no dia 17 de abril, Juliana Garcia Sales traz para o fórum on-line uma entrevista
com Hernani Dimantas, publicada originalmente no site Imprensa Web.
A matéria destaca a formação de Dimantas, analista de mercado pós-graduado em
marketing pela Fundação Getúlio Vargas, e sua postura contrária a conceitos consagrados do marketing e da publicidade. “Hernani Dimantas procurou aplicar suas crenças no
novo mundo que surgia com a revolução digital. Listas e chats da web acostumaram-se a
ouvir suas colocações francas, pertinentes e perspicazes. Quem não concordou, na certa,
pelo menos ouviu sua voz. E é isso que sua atuação e e-zine www.marketinghacker.com.
br procuram fazer. Falar diretamente com os mercados com a voz visceral da honestida18
são simultâneas no tempo” [castells: 1996, p. 441]. Antes da emergência
das redes de comunicações, a coordenação das práticas no tempo sempre dependeu da ocupação de espaços compartilhados e, portanto, de
espaços geográficos específicos. Os espaços de fluxos emergem quando
atores sociais em locais distantes são conectados pela informação fluindo instantaneamente através de redes eletrônicas. Como observa Felix
Stalder em seu estudo sobre o trabalho de Castells, “fazer parte do espaço de fluxos significa fazer parte de um contexto cuja lógica funcional é
baseada na interação em tempo real, não importando em quais lugares
seus elementos constitutivos estão localizados” [stalder: 2006, p. 147].
Os mercados financeiros globais são o exemplo paradigmático. No espaço de fluxos, cada lugar é significativo apenas por sua capacidade de
permitir a transferência de informação.
O ponto forte da compreensão de Castells sobre sociedade em rede
é a percepção de que o espaço de fluxos é necessariamente construído e
embutido na arquitetura das cidades. Isso não é apenas verdade na medida em que as mais complexas trocas virtuais requerem a infra-estrutura técnica de alto nível das assim chamadas “cidades globais”. Além
desta estrutura, as elites financeiras, corporativas e governamentais
mundiais constroem ambientes cosmopolitas que incluem aeroportos,
distritos de negócios centrais, universidades de alto nível, complexos de
lazer e comunidades fechadas. Todos estes emprestam uma consistência
cultural ao seu foco principal que é informação. “Tornar-se um fluxo”
é, portanto, deixar locais específicos para trás e unir-se a uma circula-
conexõ es cr ít ic as
de de quem convive 14 horas por dia de olho na ‘escotilha virtual’, como gosta de definir.
Mas o Marketing Hacker não se resume à e-zine distribuída para 400 pessoas. Desenvolve
também um blog, sendo um dos pioneiros na web brasileira na disseminação e utilização
da ferramenta, classificada por Hernani como ‘novo trombone do oceano digital’. Assim
ele é apresentado pela entrevistadora Fernanda Riberti. A entrevista está disponível em
http://www.imprensaweb.com.br/index.php?display=ENTREVISTA&id=00005.
Nos dois posts seguintes, Juliana Garcia Sales disponibiliza outras entrevista com Hernani Dimantas, a primeira feita por Nemo Nox, do site http://www.burburinho.com, que
versa sobre a curiosa simbiose promovida entre marketing e cultura hacker.
Na entrevista, ele explica que Marketing Hacker é uma forma diferente de encarar a
relação entre tecnologia, trabalho e negócios: “O Marketing Hacker pretende mostrar
fór um on -lin e
19
conexõ es cr ít ic as
ção através de locais permutáveis, que se parecem entre si, e que são
estruturados de forma a facilitar o acesso aos fluxos de informação. Isso
significa, é claro, que a imensa maioria dos lugares – e até as ruas de uma
vizinhança como Belleville – é excluída do espaço de fluxos.
A capa do livro de Felix Stalder expressa isto de forma precisa, ao
representar a trama da rede de comunicações como uma cerca de correntes interligadas que amarra um mundo social, apesar de excluir muitos
outros. A lógica binária da inclusão/exclusão, da presença/ausência na
rede de comunicações, é característica da era da informação. Mas Stalder
também enfatiza os processos culturais e econômicos do que ele chama
conexões “perversas” à rede, “por meio das quais regiões e pessoas que são
sistematicamente excluídas da sociedade de redes entram nela novamente”. Com efeito, esse tipo de inclusão é “perverso” apenas em relação às
próprias normas de aceitação e legitimação que reforçam a exclusão inicial; e, desse modo, meramente revela a perversidade do sistema inteiro.
Os dois principais exemplos são o crime organizado e o fundamentalismo religioso. Ambos florescem em favelas, fábricas abandonadas e regiões isoladas do interior do país, e, a partir daí, irrompem agressivamente
dentro dos espaços privilegiados que Stalder denomina “uma sociedade
global hiperconectada que desconecta estruturalmente e desvaloriza regiões e populações inteiras, não apenas economicamente, mas, talvez até
de forma mais importante, culturalmente” [stalder: 2006, p. 98].
A questão da exclusão, e talvez até mais, da inclusão perversa, me
leva de volta ao nosso problema inicial: os obstáculos que surgem entre
fór um on -lin e
que a tecnologia tem favorecido um pensamento libertário e provocado um processo de
mutação nos mercados. Este pensamento começou nas universidades norte-americanas
e se identifica com a chamada cultura hacker”. Entendendo a internet como um meio
lógico de distribuição de idéias e de produção colaborativa, os hackers romperam os
velhos paradigmas da era industrial. “Neste cenário em mutação, percebi que o mundo
dos negócios não ficou incólume a estas mudanças. As pessoas em rede estavam fazendo
a diferença. A análise de como a sociedade tende a se rearranjar num modelo caótico,
interativo e colaborativo é o objeto do marketing hacker”, explica Hernani. Ao longo da
matéria, ele fala sobre migração de poder das empresas para as pessoas comuns, direitos
autorais na era do compartilhamento de arquivos e sobre o Manifesto Cluetrain, que
defende que “os mercados são conversações”: “Falar é barato, e o silêncio é fatal. A no20
produtores de mídia ativista e “a democratização da informação para
a sociedade”. Até que ponto as próprias mídias digitais em si tornamse tamanho obstáculo? Ou, sendo mais preciso: as imagens ativistas
da cultura das novas mídias representam uma versão menor, domesticada da inclusão “perversa”, recodificando a experiência de fluxo da
interação corporificada em informação digital, cuja presença não-corporificada dentro do espaço abstrato de fluxos serve apenas para “popularizar” e, portanto, legitimar a cultura das elites? A pergunta deve
ser considerada seriamente por todos aqueles que se preocupam com
a produção de mídia alternativa, ou com projetos artísticos orientados
para o que Suely Rolnik chama de “vida pública”. Mas isso significa
olhar para a totalidade da complexidade política das situações sociais
contemporâneas.
Aqui posso oferecer minha própria anedota. Recentemente estive
na Dinamarca, colaborando com a parada EuroMayday. Este evento tenta mobilizar os assim chamados “trabalhadores precários”, montando
protestos carnavalescos de rua que dramatizam as condições do trabalho de curta duração em uma economia altamente flexível. Eu queria
contribuir de alguma maneira ao evento EuroMayday, e também descobrir mais sobre as condições políticas na Dinamarca, um país moderno
e próspero onde o racismo explícito da extrema direita do Partido do
Povo Dinamarquês está crescendo. Nossa demonstração foi um evento
colorido com as doses certas de rebeldia e agressão, juntando anarquistas locais, artistas e produtores independentes de mídia. Entretanto,
conexõ es cr ít ic as
vidade que o Manifesto Cluetrain traz para a comunicação é muito bem expressada por
Eric Raymond, presidente da Open Sources Initiative: ‘O Cluetrain está para o marketing
e para as comunicações assim como o movimento dos códigos abertos está para o desenvolvimento de software – anárquico, bagunçado, rude e infinitamente mais poderoso
do que estas besteiras que se transformaram em sabedoria convencional’. É isso que
estamos vendo acontecer. Na internet qualquer pessoa pode ser um publisher. Pessoas
estão conseguindo mostrar as suas opiniões de maneira leve e solta, muito distante dos
caminhos impostos pela comunicação tradicional. E, de certa forma, essa voz pode ser
conquistada por um custo muito baixo. Falar é barato. As ferramentas estão disponíveis
para o nosso bel prazer. O silêncio é fatal. Como disse o Chacrinha, ‘quem não se comunica, se trombica’. Se você quer aparecer na rede deve falar”, sentencia Dimantas.
fór um on -lin e
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conexõ es cr ít ic as
manteve-se bem pequena (provavelmente umas 500 pessoas) e pareceu
estar focada em torno de um grupo de identidade facilmente previsível
– nada parecido com o enorme movimento que tinha acabado de se desvelar na França a respeito dos exatos mesmos temas.
Alguns dias depois, eu fiz essas observações a um dos organizadores,
perguntando como seria possível, na situação dinamarquesa, trazer mais
pessoas para o fluxo. Ele respondeu com uma discussão intrincada sobre
o lugar na sociedade de hoje daqueles que, desde os anos 1960, tentaram
representar as lutas de minorias e da contracultura, e que fizeram dessas
representações a base de seu poder cultural. Ele explicou como a direita populista ultrajou essas figuras, chamando-os de “hippies halal ” (de
forma a associá-los diretamente aos estrangeiros muçulmanos que eles
gostariam de banir da Dinamarca) e desdenhando deles como “juízes do
gosto” (de forma a sugerir seu poder indevido sobre as escolhas culturais
“politicamente corretas” impingidas pelo aparato estatal). Claramente,
meu amigo dinamarquês estava preocupado com os sucessos da direita
populista e com a fragilidade relativa de nossa posição esquerdista-autonôma. Ele me encorajou a ler um artigo do antropólogo e analista de
sistemas mundiais Jonathan Friedman sob o título sombrio “Champagne
Liberals and the New ‘Dangerous classes’ ” [Liberais do champanhe e as novas “classes perigosas”].
Friedman vai diretamente ao âmago do paradoxo enfrentado pelo
produtor de mídia ativista. Ele descreve um mundo de Estados-nações
se fragmentando no seu próprio núcleo em uma diáspora transnacional
fór um on -lin e
O aluno Filipe Negrão posta, em 19 de abril, o link do site do Medialabmadrid – o
mesmo que participou da concepção do Wikimap de Madri (www.wikimap.es) –, do
qual Karin Ohlenschläger é co-diretora: http://www.medialabmadrid.org/medialab. No
post seguinte, o estudante chama a atenção para apresentação de Ohlenschläger em
debate sobre arte eletrônica na edição de 2004 da feira internacional de arte de Atenas (Art Athina) sobre a obra/jogo The Making of Balkan Wars: The Game (http://www.
balkanwars.org).
No texto de 2004, reproduzido no portal do grupo Personal Cinema, Karin Ohlenschläger
trata da instalação virtual interativa “The Making of Balkan Wars: The Game”, desenvolvida em parceria entre o Personal Cinema e o Medialabmadrid na Espanha, depois da
instituição ter tomado contato com o trabalho do coletivo grego na ARCO de 2004, que
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sob as pressões do capitalismo globalizado. Essa fragmentação é marcada, nos extremos da pirâmide social, por dois fenômenos político-culturais opostos. O primeiro é um processo de “indigenização” pelo qual pessoas desencantadas com as promessas não-cumpridas da modernidade
e progresso escolhem, ao invés disso, identificarem-se numa base subnacional e fundamentalmente territorial, seja como grupos marginais
ou primitivos rebelados contra o Estado, ou, de forma oposta, como nacionalistas extremos, como o Partido do Povo Dinamarquês. O segundo,
processo literalmente oposto, diz respeito à formação do que Friedman
chama de uma “cultura cosmopolita híbrida” que celebra a diferença
e a alteridade como parte e parcela de uma mobilidade transnacional,
proporcionando, por meio disso, um tipo de cobertura cultural para as
realidades funcionais de uma administração transnacional ou imperial
que necessita reconhecer e explorar as diferenças culturais dentro de
suas populações ao redor do mundo. Friedman explica como os cosmopolitas híbridos ganharam prestígio e posição social explorando o que
ele chama de “barril de carne de porco global”, ou, em outras palavras,
fundos públicos que são desviados para a cultura cosmopolita das elites.
Ele enfatiza o aspecto de carreira desta trajetória:
“Uma pessoa com tal carreira é muito ligada aos seus equivalentes no sistema. A representatividade se torna menos importante do que a posição em si. E a
posição pode tomar uma nova postura moral. O cosmopolita é promovido a um
outro tipo de legitimidade. É cada vez mais associado a uma série de agendas
que podem contradizer as do Estado-nação” [friedman].
conexõ es cr ít ic as
teve um programa dedicado à Grécia. “Reconheço a importância relativa e o objetivo
funcional deste tipo de programa nacional, que nos permite adquirir um notável conhecimento de uma situação artística local”, elogia a curadora, apontando como sintoma
do mundo da arte midiática a descoberta em uma feira como a ARCO do nomadismo
vivenciado pelos artistas do mundo todo: “Os problemas de formação, produção e exibição compelem muitos artistas a estarem continuamente em movimento e a se ajustar a
uma forma de nomadismo urbano nesta ‘vila global’ mcluhanesca; a viverem conectados
com amigos e colaboradores em todas as partes do globo via internet e a se sentirem
em casa em qualquer cidade do planeta”.
O grupo Personal Cinema, original de Atenas, é um exemplo desta nova pluralidade
estrutural e funcional, segundo Ohlenschläger: mais de 50 artistas de 17 países diferen-
fór um on -lin e
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conexõ es cr ít ic as
Esta crítica, vindo de uma perspectiva esquerdista radical, reivindica que a celebração do multiculturalismo e de identidades híbridas
represente uma ideologia de globalização, às custas de populações limitadas ao território que tendem a se rebelar cada vez mais contra esta
posição cosmopolita. Pode-se facilmente ver que, se isso fosse verdade,
os produtores de mídia ativista, que utilizam as próprias ferramentas
do espaço de fluxos e que recebem apoio das elites para fazerem isso,
seriam um exemplo excelente do cosmopolitanismo híbrido. Seríamos
nós, de verdade, os “champagne liberals” de uma cultura globalizante
privilegiada, desfrutando de uma vista aérea e estetizada do caos colorido que explode violentamente nas ruas das cidades contemporâneas?
Eu penso que este é exatamente o perigo que o trabalho politizado
em novas mídias deve enfrentar. É o maior obstáculo no caminho da
“democratização da informação para a sociedade”. Ou, para dizer de outra forma, este é o ponto onde nós sentimos o paradoxo da cerca da rede
de comunicações, da emancipação pessoal dentro da opressão sistêmica, a estrutura básica da inclusão/exclusão. A imagem híbrida pode ser a
própria imagem de uma identidade cindida – a imagem de uma alienação estetizada. Houve uso maciço de tais imagens, uma cooptação quase total das tentativas de representar os movimentos de minorias e de
contracultura dos anos 1960 e 1970. Contra isso, os produtores de mídia
ativista podem reagir com as táticas da violência simbólica, enfatizando
a perversidade do sistema, como um grupo anônimo de ativistas em Los
Angeles fez quando eles usaram a internet para distribuir paródias de
fór um on -lin e
tes tomaram parte no projeto. O cenário expositivo virtual e ubíquo de The Making of
Balkan Wars: The Game não requer um espaço físico para ser apresentado. “O ambiente
que eles criaram é um espaço virtual que cada visitante pode adentrar e habitar ou
apenas passar por ele e contemplar ou interagir com os diferentes elementos visuais,
sonoros, gráficos e textuais de seu próprio terminal”, explica. “A ênfase deste tipo de
projeto não é no aspecto ligado ao objeto de arte, mas nos aspectos conceituais e processuais da arte. É uma arte que nos conduz na direção de novas áreas de pensamento e
experiência pelos meios de um jogo”. Para ela, o projeto The Making of Balkan Wars: The
Game recupera a essência do jogo como ferramenta para aquisição de experiência e de
livre pensamento, conforme formulação de Marcuse ou Debord, e recupera ainda a característica do jogo como ferramenta de comunicação para explorar a complexidade do
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comerciais do i-Pod da Apple, mostrando silhuetas de soldados iraquianos. Ou eles podem literalmente adotar um disfarce corporativo e entrar
na arena das elites para expor e simbolizar a violência da globalização
neoliberal, como fez recentemente o Yes Men [dupla de ativistas formada pelos famosos pranksters Mike Bonanno e Andy Bichlbaum] numa
conferência corporativa sobre gerenciamento de risco, quando eles revelaram os segredos que empresas como Dow mantêm escondidos.
Essas são as táticas do disfarce, as formas de operações bem-sucedidas dentro de uma identidade cindida, que os ativistas aprenderam com
os produtores culturais híbridos mais eficazes – ou seja, os Zapatistas no
México e seus patrocinadores ao redor do mundo. A distribuição gratuita deste tipo de trabalho é uma forma de manter a idéia de que é endereçado a todos, que é aberto ao uso de todos. E é verdade, distribuição
gratuita é essencial, é a única forma de abrir uma discussão mais ampla
sobre as demandas democráticas básicas por liberdade, igualdade e uma
redistribuição justa de recursos sociais.
O projeto Creative Commons marcou um esforço para transformar
essas táticas em estratégia, estendendo os princípios de software livre
para a produção cultural. Mas eu acho que as estratégias devem ir adiante agora. Quando a cerca da rede de comunicações é escalada por grupos
criminais organizados, fundamentalistas religiosos de todos os tipos, e
ainda de forma mais perigosa, nacionalistas de extrema direita reagindo contra fundamentalistas e organizações criminosas, chegou a hora
de se engajar em uma discussão muito mais profunda sobre a ordem
conexõ es cr ít ic as
mundo atual. “As regras deste jogo lidam com problemas de coexistência entre pessoas
de culturas, crenças e ideologias diversas. É um jogo que permite ao usuário colocar-se,
virtualmente, no lugar do outro, (...) no epicentro de um conflito global”.
No dia 22 de abril de 2006, Elaine Brisque disponibiliza no fórum a informação de que o
DVD OP_ERA: uma jornada através de dimensões paralelas e experimentos multisensoriais
está disponível no Centro Universitário Senac – Unidade Lapa Scipião.
Este DVD mostra o conceito do projeto OP_ERA por meio das palavras de Rejane Cantoni
e Daniela Kutschat, além de imagens da interatividade do usuário no ambiente proposto.
Elaine contribui para a pesquisa sobre o trabalho de Daniela e Rejane basicamente pelo
seu interesse no estudo de interfaces homem-computador e pelas dinâmicas de experimentação sensorial que seus trabalhos sugerem.
fór um on -lin e
25
conexõ es cr ít ic as
social contemporânea e suas possíveis transformações. Agora, mais do
que nunca, a pergunta é como mudar o próprio sistema de inclusão/exclusão que atualmente prevalece. Eu não digo que seja necessário abandonar as táticas híbridas do disfarce, que até agora forneceram as únicas
oportunidades reais para o debate político sobre o curso da globalização
neoliberal. Mas, conforme eventos violentos recentes têm mostrado ao
redor do mundo – nos Estados Unidos com o 11 de Setembro; na Espanha com as explosões de 11 de Março; na França com os tumultos da
banlieue e agora aqui em São Paulo [referência aos ataques orquestrados
pelo PCC em maio de 2006 na cidade] –, se quisermos manter o espaço
de uma sociedade democrática, precisaremos achar interpretações politicamente eficazes das “imagens de fogo” que marcam cada momento
da “inclusão perversa” dentro da sociedade de informação [cf. meu texto “Images of Fire: The Banlieue Riots and the Unanswered Questions of the
Welfare State”, em www.u-tangente.org, na seção “Meteors”]. O próprio
espaço de fluxos está agora totalmente corporificado, ocupado de uma
forma ou de outra pelas populações mundiais. Sua crise está totalmente
aberta.
fór um on -lin e
Marcelo Amorim traz para o fórum em 26 de abril de 2006 nova referência a Brian
Holmes, desta vez na forma de um artigo intitulado “Liar’s Poker – Representation of Politics/Politics of Representation”, sem referência de fonte, sobre blefes no jogo da arte.
Nesse longo ensaio a respeito dos limites da representação estética para a conquista
de efetividade política nas práticas artísticas, Brian Holmes defende que “sempre que
as pessoas falam sobre política em uma moldura artística, elas estão mentindo”. A farsa está na seguinte equação: em um período em que a relação com a política é um
dos mais legítimos argumentos para justificar a própria existência da arte, o tecido de
mentiras que envolve a presença de uma obra em um museu é tamanho que já não
se sabe se é o artista quem blefa ou se é o público ou a instituição que desconhecem
a realidade política. Porque ambos não podem coexistir [um artista engajado em um
26
interfac e s e x pa n d i da s :
conexõe s c r í t i c a s
Lucas Bambozzi
co n t e x to
movimento social e a conivência da instituição que o acolhe], segundo Holmes. “É fácil
para artistas prestarem atenção às injunções entre museu, revistas e mercado, que basicamente dizem o seguinte: ‘Retrate a política para mim’. Faça uma fotografia ou uma
escultura relacionada à política, represente o conflito político, como na instalação de
Thomas Hirschhorn Wirtschaftslandschaft Davos, mostrada no Kunsthaus Zürich quando
Hirschhorn ganhou o prêmio Young Swiss Art em 2001. (...) como a antiglobalização tem
sido um assunto quente, representá-la é uma maneira perfeita de se tornar popular em
um museu”, explica. “Como funciona o trabalho que retrata a política, quando associado
a um nome adequado e exibido dentro da moldura contemplativa da instituição de
arte? Invariavelmente ele produz enunciados como estes: ‘Eu represento as pessoas’,
ou ‘Eu represento um movimento social’, ou ‘Eu represento os excluídos’ – que são as
27
fór um on -lin e
Um dos elementos que movem o cenário atual das chamadas artes das
“novas mídias” é seu suposto teor político, que, por vezes, lhe empresta funcionalidade e acentua suas possibilidades de funcionamento em
rede, aproximando esta arte de pensamentos de compartilhamento, descentralização e atuação coletiva. Assim, as artes das novas mídias cresceram com as diversas formas de ativismo, mas esses elementos – o político e o artístico – nem sempre se unem de forma a produzir relevância
em ambos os campos.
As categorizações da arte em função de determinadas especificidades técnicas, como net-art, novas mídias, mobile-art ou arte tecnológica, muitas vezes levam à criação de nichos isolados, deslocados de suas
possibilidades de interoperabilidade com o contexto social, político ou
econômico que viabiliza essas manifestações.
As mídias atuais se prestam à mediação entre realidades distintas,
em sistemas bastante amplos, não necessariamente caracterizados pela
alta tecnologia, mas que envolvem sistemas ubíquos, de penetração em
vários ambientes e camadas sociais. Observamos a emergência do que
conexõ es cr ít ic as
vem sendo chamado de pervasive systems [sistemas pervasivos] – sistemas computacionais embutidos no dia-a-dia, ambientes de trabalho
e espaços transitórios, que nem sempre sabemos a que se prestam – a
nos facilitar serviços ou a nos constranger. Torna-se pertinente falar de
práticas culturais abrangentes, dentro das quais se inclui a arte, que se
deixem afetar pelo contexto em sua diversidade de nuances. Que contexto? Que soluções existem para as formas cada vez mais sofisticadas
de cooptação?
Em cidades como São Paulo, Johanesburgo ou Lima observa-se uma
diminuição crescente dos espaços públicos onde poderiam se estabelecer experiências de troca e compartilhamento. Erguem-se muros e grades, fecham-se os portões dos parques, os vidros dos carros e se convive
constantemente com o medo de encontros efetivos e o receio de que o
relacionamento com “o outro” (quando não é explicitamente de risco,
violento ou mesmo fatal) seja mais uma forma de drenagem da energia
vital a ser dispensada no cotidiano. Protegemo-nos dos estranhos, que
supostamente nos exaurem. Nessas cidades, criam-se bolhas protetoras
(imunes à da esfera pública), ambientes selados e blindados. Protegemonos da realidade dita “crua”, da vida pública.
A vida na cidade é uma experiência de ambivalências e se constitui,
ao mesmo tempo, de atração e repulsa. Em outras cidades – nas européias, por exemplo –, outros fenômenos ocorrem para contribuir com
formas de segregação de proporções similares. Richard Sennet descreve
o “medo do toque” (fear of touching) como uma espécie de pânico, uma
fór um on -lin e
mentiras clássicas da democracia representativa, quando está a serviço de ocultar interesses privados”. Holmes cita como exemplos as Documentas 10 (1997) e 11 (2002) e
os bastidores de legitimação institucional por trás de escolhas políticas de curadores e
temáticas das duas mostras.
No mesmo dia a estudante Lais Cerullo reproduz no fórum matéria publicada no caderno Link, O Estado de S. Paulo, do jornalista André Mascarenhas, a respeito da dupla
Cantoni-Kutschat: “Dupla mostra arte digital nos EUA – Pesquisadoras que desenvolvem
o projeto OP_ERA desde 1999 ganham bolsa para expor na Universidade da Califórnia”.
A reportagem trata da uma bolsa-exibição do Beall Center for Art Technology, oferecida
pela Universidade da Califórnia, nos EUA, que as duas artistas receberam em 2005 para
desenvolver a sexta etapa do projeto OP_ERA, intitulado Sonic Dimension. “Cantoni gosta
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síndrome observada em muitas cidades européias [sennet: 1994, pp. 212251]. Na Alemanha, difundiu-se, na educação elementar, o respeito a 80
centímetros de distância, que supostamente separam a privacidade de
cada um. Estas descrições, apesar de um tanto generalizadas, encontram
um paralelo no que Zygmunt Bauman denomina de “mixophobia”,
quando explica a existência de uma condição elementar em homens e
mulheres nascidos e criados num mundo desreguladamente individualizado e fluido, resultado de mudanças aceleradas e difusas. O medo de
se misturar (com o estrangeiro, o estranho), que se opõe ao ideal de “mixophilia”, é uma manifestação de forças voltadas a constituir pequenas
ilhas de semelhanças e mesmices, inundadas por um mar de variedades
e diferenças [bauman: 2003, p.31].
Em ambos os casos, a questão cultural cede espaço para que se acredite que o ambiente hostil coincide com o espaço público. A emergência
de um espaço virtual comum (que procuro não chamar de ciberespaço
para evitar referências a qualquer ciberutopia), com certas características públicas, tornou-se o ambiente no qual se guarda uma distância
segura dos medos e fobias. O trabalho em rede vem, de fato, sendo visto
como solução para o compartilhamento de atividades e encontros em
substituição aos desenvolvidos em espaços tipicamente urbanos, consumidores de tempo e energia vital. É um modelo de ambiente supostamente protegido (para não dizer “controlado”, termo que geraria questões que não cabem aqui), onde se expandem ideais de produtividade e
acessibilidade à informação.
conexõ es cr ít ic as
de definí-lo como uma ‘ferramenta de experimentação multisensorial de conceitos de
espaço’. A idéia, explica, é investigar as questões relativas ao corpo e ao espaço colocadas
pela física e pela arte. ‘A física fala da existência de mais de 11 dimensões. Então, já que
sozinhos só conseguimos ir até a terceira, porque não pegar o espectador e jogá-lo na
quarta dimensão, por exemplo? É um pouco esse o barato do projeto’, completa. (...) A
cada nova versão, Kutschat e Cantoni procuram discutir diferentes aspectos relativos a
modelos científicos e artísticos de espaço. ‘Agora nós estamos atrás de discutir a dimensão sonora do experimento’, explica Cantoni. A idéia, segundo a artista, é pensar como
um cego perceberia a passagem de uma dimensão a outra, uma vez que, nas instalações
anteriores, o elemento visual era ainda determinante. Inédita no Brasil, a obra será, de
acordo com a dupla, uma espécie de instrumento musical virtual”.
fór um on -lin e
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conexõ es cr ít ic as
Mas as redes também produzem seus efeitos colaterais. Não se trata
de questionar sua estrutura e potencial. O discurso de compartilhamento
e construção coletiva “deslocalizada” (everyone, everywhere) tem suas verdades e encantos. É adotado largamente por libertários e ativistas como
modelo que proporciona a troca e instrumentaliza as criações antes periféricas. Trata-se de um discurso pró-democratização dos meios de construção e acesso à informação que vem, por exemplo, delineando todo o
perfil de atuação do governo brasileiro e suas políticas digitais como modelo de pensamento aberto (uma pena que os que o praticam nem sempre tenham o pensamento tão aberto quanto o modelo que pregam).
Recentemente, porém, vimos surgir um pensamento crítico que
aponta as redes como fator de alienação com relação à participação
efetiva na construção da vida pública. Uma vez nas mãos e no discurso
das corporações que as viabilizam tecnicamente (operadoras de telefonia, fabricantes de software e dispositivos de comunicação), delineia-se
uma estrutura exploratória de trabalho imaterial sem medidas. A vida
é trabalho contínuo, não existe mais tempo “morto” para a reflexão ou
para caminhar em modo off-line. O trabalhador típico das redes tornouse parte dos nós e pontos de decisão que constituem as estratégias de
uma empresa, o que, em alguns casos, equivale a um colaborador em
tempo integral ou em constante estado de alerta. Nas palavras de Trebor
Scholz, “a insidiosa penetração da internet em todos os poros de nossa
vida constitui uma perspectiva de difícil aceitação, uma vez que, num
contexto mais eufórico, as redes eram apontadas como instrumental
fór um on -lin e
No post seguinte, também do dia 26 de abril, Elaine Brisque sugere a leitura de um artigo
de Arlindo Machado, que traz menções à obra de Daniela Kutschat e Rejane Cantoni, fornecendo o link: www.bb.com.br/appbb/portal/hs/exp4d/Apresentacao.jsp. “No texto temos
como situar a produção destas artistas no contexto estético cultural”, avisa a estudante.
Um histórico das poéticas tecnológicas no Brasil, escrito por ocasião da mostra “>=4D”,
que ocorreu no Centro Cultural Banco do Brasil de Brasília, o texto de Arlindo Machado
se detém especialmente nos trabalhos dos artistas participantes da curadoria: “O leque
de experiências, temáticas e meios invocados é amplo. Abrange a performance ao vivo
com interfaces telemáticas por Bia Medeiros e seu grupo; a conjugação de tele-robótica e vida artificial por Diana Domingues; as experiências com inteligência artificial por
Chico Marinho; a construção de ambiente imersivo interativo, habitável por avatares, por
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conexõ es cr ít ic as
com poder de fogo descentralizado e acessível, possibilidades sugestivas
para as multidões que dão corpo ao atual ‘império’”.
As práticas em rede atualmente se difundem e se sustentam muito
em torno de tecnologias pervasivas. A presença dos discursos corporativos nesse âmbito são mais evidentes, dando lugar a novas contradições,
apoiadas em pares já conhecidos (com nuances dialéticas), como a intimidade e a privacidade, “mixophobia” e “mixophilia”, representação e
mediação, realidade fabricada e realidade social, consumo (inclusão) e
exclusão tecnológica, cooptação e dissidência, acomodação e resistência.
1 . f o r m a s d e “ o c u pa ç ã o ” c o nduzidas pel as
co r p o r a ç õ e s o u p e l a i n d ú s tria cultural
Gilbertto Prado; a exploração de sensações corporais através de interfaces estimuláveis
por Luísa Paraguai Donati; a criação de padrões e simetrias matemáticas por Lygia Sabóia; o projeto Tracajá.net de mestiçagem de meios, trajetos e realidades por Maria Luiza
Fragoso; a construção de mundos com diferentes dimensões matemáticas por Rejane
Cantoni e Daniela Kutschat; a hibridização de imagens por Sílvio Zamboni; o isomorfismo entre texturas sonoras e formas visuais por Suzete Venturelli; a imersão estereoscópica em universos audiovisuais interativos por Tania Fraga”.
Em post do dia 28 de abril de 2006, o estudante Marcelo Amorim reproduz artigo de
Brian Holmes publicado no site da Université Tangente (http://ut.yt.t0.or.at/site/index.
html) que trata de Andy Warhol, Takashi Murakami, Luther Blisset e de como as subculturas são cooptadas pela indústria cultural.
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fór um on -lin e
Entre essas formas dicotômicas que nos prendem e nos confinam em
problemas superficiais, há lacunas, buracos, frestas para a circulação de
pensamentos, ações e ideologias. Meu argumento é que, no espaço entre esses pares, existem possibilidades que, muitas vezes, não são ocupadas por artistas ou ativistas, e sim pelas corporações. No espaço virtual,
que substitui formas de contato em que a mediação é menos aparente, é
muito mais efetiva a criação de mundos baseados na semiótica capitalista (Lazaratto). Nesses modelos de comunicação mediada pela lógica das
grandes corporações – as redes, os sistemas de telefonia sem fio, o ciberespaço –, as experiências de construção coletiva da vida pública se tornam menos possíveis ou, então, mais facilmente moldáveis pela lógica
de slogans como: “Solutions for a Small World” [Soluções para um mundo
conexõ es cr ít ic as
pequeno] (IBM), “Connecting People” [Conectando pessoas] (Nokia), “Viver
sem fronteiras” (TIM).
Formam-se bolhas protetoras, não-permeáveis, que separam a experiência individual do espaço público. Entre as frestas, antes possíveis
para trocas efetivas, crescem essas bolhas.
Por exemplo, no momento em que teóricos predizem os efeitos colaterais das redes e do excesso de mediação nas comunicações, a publicidade lança “manifestos” pelo uso da tecnologia móvel de forma consciente, “antivelocidade”. Chega a lembrar um texto brilhante de Milton
Santos (1926-2001) que previa que, no fenômeno dos deslocamentos entre centro/periferia e periferia/centro, observado de forma especial nos
países pobres, figuraria a lógica dos “homens lentos”, necessários para
quebrar a da rapidez de discurso dos “homens-rápidos” [santos: 1996, p.
268]. Está implícito no discurso do autor um propósito de valorização da
comunicação – e não apenas da informação – que se apóia também em
idéias como “emoção” como um antídoto para a globalização perversa.
Pois é exatamente nesta fresta que o comercial da TIM opera hoje.
No campo cultural, vale lembrar o quanto a produção cultural também se exerce de modo exploratório – e isso, de certo modo, atesta a precariedade do mundo da arte. Algumas frases que se mostram pertinentes a esse contexto: “Através de jogos de azar, lava-se dinheiro. Através da
cultura, muitas vezes, procura-se lavar consciências.” (André Martinez);
“Ou é marketing ou é cultural.” (Danilo Santos de Miranda).
O que quero ressaltar aqui é o quanto o pensamento corporativo
fór um on -lin e
O artigo inicia tratando da quebra de fronteiras entre arte e subculturas comerciais na
trajetória do artista japonês Takashi Murakami, que além de realizar trabalhos digitais de
papel de parede é o idealizador de exposições-manifesto, que pretendem “definir uma
nova arte japonesa”, como ocorreu em “Coloring Book”, em 2002, na Fundação Cartier
em Paris, uma mostra que apresentou obras de artistas que se apropriam da linguagem
dos mangás, além de brinquedos diversos, de mascotes a cartões de Pokemon. Também
em Paris, o Palais de Tokyo quer borrar esta distinção exibindo arte, design, moda etc. sob
o mote da “arte relacional”, afirma Holmes, uma vez que a instituição busca propiciar
experiências de uso e participação. “Este é um legado da arte relacional, que propunha
que o objeto artístico fosse um catalisador das formações subjetivas. O discurso da arte
relacional funcionou perfeitamente na cena francesa dos anos 1990. Ele adquiriu um
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vem inserindo ideologias (antes com acento “subversivo”) no âmbito das
tecnologias. A inexistência de exercício da vida pública em uma cidade
como São Paulo é ocupada por slogans, por marketing. É um vazio temporário que vai sendo suprido por estratégias de consumo. O que poderia
ser utilizado como mobilização se torna publicidade do potencial dessas
ferramentas. É o que se passa com o conceito de privacidade, por exemplo:
o acesso à intimidade alheia há muito já substitui a idéia de proximidade,
de compartilhamento. Outro exemplo é um comercial da Coca-Cola que
utiliza a idéia de flash-mob (ver Flash mob: uma nova fissura na sociedade do
espetáculo, em http://www.novae.inf.br/centrodaterra/nova_fissura.htm).
Por isso, os slogans funcionam tão bem na trama urbana, na qual as relações são mesmo difíceis. Esses discursos prometem que, por meio deles,
haverá uma participação maior no espaço “lá de fora”. São realidades fabricadas a partir de artifícios representacionais, baseados em estereótipos
e essencialidades que alisam, tornam inócuas as diferenças, e cômodas as
asperezas e nuances do que quer que estejamos chamando de realidade.
Este tipo de constatação virou lugar-comum, está em todo lugar: “...
os gestos e as palavras dos movimentos de contestação já foram absorvidos pela mídia e, portanto, pelo imaginário popular. Ou seja, já não produzem mais os efeitos almejados. Desgastados pela mídia, tornaram-se
peças da sociedade do espetáculo, marionetes em um mundo no qual a
imagem prevalece sobre o real” (Rodrigo Gurgel, em http://www.novae.
inf.br/rodrigo_gurgel/index.htm).
Caberia aos artistas enfrentar esse contexto.
conexõ es cr ít ic as
toque de exotismo e um maior potencial de distribuição com a adição do significante
‘Tokyo’, que conotava estilos de vida nomádicos e enigmas de sentido em um mundo
multicultural”, escreve Holmes. Em ambos os casos, há uma reinvindicação de herança
de Andy Warhol, tanto na forma do artista que produz pinturas kitsch em larga escala
com ajuda de assistentes, produzindo “tendências”, quanto na proposta experimental
de um espaço de arte (a la Factory). Ele segue argumentando que a funcionalização de
estilo subcultural dá vazão a um regime de produção semiótica, inseparável de um modo
de controle imperial.
“Como escapar a este paradigma? No decurso dos anos 1990, movimentos de rebelião
cultural começaram a se constituir sem assinaturas identificáveis, por meio da troca
divertida de nomes múltiplos, que se tornaram ‘fantasmas coletivos’ abertos à apro-
fór um on -lin e
33
conexõ es cr ít ic as
fór um on -lin e
2. e x p e r i ê n c i a s e s pa r s a s d e net-ativismo no
br a s i l
Num país que urge por soluções e enfrentamentos, que se orgulha de
ser a maior comunidade de social networking do mundo (cerca de 800
mil usuários, mais da metade do Orkut em 2004), impressiona o fato de,
mesmo tendo uma das maiores discrepâncias de distribuição de renda,
mais da metade de sua população (80 milhões de habitantes) possuir
telefone celular. Que tipo de uso da rede se faz no sentido de articulação política? Que tipo de projeto de ativismo midiático surgiu nesse
contexto?
Em termos quantitativos, existem muito poucos exemplos. O netativismo no Brasil toma emprestadas questões que não são imediatamente suas: proteção aos animais, jammings do tipo TV turn off,
protestos contra a Nike, contra os alimentos altamente calóricos e
gordurosos... O que existe de efetivo, em termos de net-ativismo, que
reflete os absurdos locais?
Como metodologia de observação, venho utilizando uma forma expandida do termo “interface” para me referir a trabalhos que operam
de forma a preencher as lacunas entre os pares dicotômicos referidos
acima. Mais do que uma metáfora, “interface” aqui pode ser um modelo, um dispositivo, um sistema que se infiltra (de forma transparente)
em situações reais, produzindo conexões no ambiente social público,
permitindo o fluxo crítico de questões que permeiam um determinado
contexto. Esse tipo de interface faria vir à tona formas de conscientipriação ilimitada. Em outras ocasiões, descrevi o potencial subversivo desta tendência
cultural, cujo mais famoso avatar é o ubíquo Luther Blissett. Tais práticas de des-identificação coletiva apontam campos mais amplos de experimentação cultural, (...) mas
o atual desenvolvimento do mercado mundial de arte, baseado em seu próprio star
system, deixa pouco espaço para explorar invenções deste tipo nos museus. A assinatura
do artista ainda atua como um mecanismo de fechamento, de copyright. (...) Apenas
quando artistas finalmente abandonarem estes espaços fechados – transbordando seus
limites por meio de práticas de circulação ilimitada – um novo sol vai se erguer sobre
o mundo da arte, que a escura estrela de Warhol ainda domina hoje”, conclui, sombrio,
Holmes.
34
zação, instrumentalizando o público/usuário de forma a integrá-lo no
espaço urbano, tendo em vista as responsabilidades de construção de
vida pública.
Observo a criação de mecanismos por parte de determinados projetos que produzem conexões entre artista, público e a suposta responsabilidade de criação de espaços compartilháveis (a tal vida pública) por
meio do que pode ser chamado de interfaces sociais baseadas na realidade (reality-based-interfaces). É uma expansão do termo “interfaces”, uma
relativização de sua carga tecnicista. “Reality-based-interfaces” seriam,
então, sistemas que envolvem diferentes tecnologias: a interface pode
ser a web, as redes, uma intervenção pública, uma instalação interativa, um outdoor modificado, uma série de ferramentas de comunicação
usadas para propósitos específicos. Sempre híbridas, as interfaces baseadas na realidade conectam situações e indivíduos, como dispositivos
que viabilizam perspectivas de fluxo, permitindo trocas para além de
funções técnicas.
Não está em questão, neste modelo, um postulado típico das mídias
interativas que aponta a interface como conteúdo, como mensagem. A
interface preenche a lacuna, mina os dualismos improdutivos, ocupa o
lugar do discurso como ação física, opera como ponte. Não sendo conteúdo, é uma proposta de mediação mínima, de eliminação de obstáculos.
São veículos intersticiais, “fronteiras compartilhadas”, conforme definido por Julio Plaza [plaza: 1986, p. 195].
Que projetos operam a partir desse modelo? Não incluo meu proje-
conexõ es cr ít ic as
f ó r u m o n - l ine
fór um on -lin e
Fórum aberto ao público para pesquisa e discussão sobre os temas do Conexões Tecnológicas, realizado em 26 de maio de 2006 no Centro Universitário Senac – Unidade Lapa
Scipião: http://www.canalcontemporaneo.art.br/forum. O fórum on-line foi mediado
pelo Leandro de Paula e pela Patrícia Canetti e contou com a atuação da jornalista Juliana
Monachesi, realizando entrevistas e a cobertura do fórum presencial.
m i n i - e n t r e vistas com os palestrantes
Artistas manejam o tempo como um volume programável
(entrevista com Karin Ohlenschläger)
1. O que o advento da internet modificou na sua vida pessoal e profissional?
35
conexõ es cr ít ic as
to meta4walls entre os que esboçaram alguma ação nesse sentido, pois
não foi criado para o contexto brasileiro, ou seja, não é representativo
das questões geradas aqui, e sim de meu envolvimento pessoal com o
cenário de controle e vigilância que observei na Inglaterra entre 2000
e 2002.
Houve projetos “heróicos”, como os Autolabs, laboratórios de mídia
tática criados a partir de uma rede de produtores de mídia independente que realizaram oficinas entre janeiro e junho de 2004 na Zona Leste
de São Paulo (os Autolabs foram geridos pelo Grupo Mídia Tática, que
tanto prometia em termos de modelo colaborativo e ruiu exatamente
por não se entender diante das possibilidades de expansão e visibilidade internacional. Ou seja, rendeu-se à vaidade dos comuns, dos artistas, das pequenas ambições que assolam a todos nós). Mas as ações
midiáticas, realizadas exclusivamente por meio das redes digitais, nem
sempre se sobressaem como atividade mais relevante na maioria dos
projetos.
Talvez seja por isso que alguns críticos, como Juliana Monachesi,
apontam o Canal Contemporâneo como “o exemplo brasileiro mais
contundente de art-net-ativismo”, segundo seu depoimento no site. O
Canal Contemporâneo é uma comunidade digital de arte contemporânea brasileira que faz circular informação e reflexão sobre arte. Sua
atuação tem caráter bastante ativista, especialmente na esfera das políticas públicas culturais (foi protagonista de ações como a que reverteu
a implantação do museu Guggenheim no Rio de Janeiro e conduziu o
fór um on -lin e
Profissionalmente mudou muito: o livre acesso e a circulação da informação que antes
requeria meses de trabalho, deslocamentos e viagens, eu o posso realizar agora em questão de segundos ou horas. Também facilitou muito o trabalho à distância, as colaborações e os modos e alcances da comunicação e participação em projetos.
Pessoalmente tanto mudou que estou vivendo com um pé na rede e com o outro em
terra, quero dizer, muitas vezes estou fisicamente presente, mas virtualmente ausente
e com a mente em outros lugares. Isto é maravilhoso no sentido em que amplia nosso
campo de ação, ainda que às vezes também possa ser desgarrador.
2. Em que termos a “democracia digital” pode ser considerada uma realidade?
A democracia digital segue sendo um assunto pendente. Só poderá existir se desaparecer a brecha digital e a desigualdade de acesso à informação e à educação. Segundo os
36
recente abaixo-assinado contra a censura de uma obra de Márcia X no
Centro Cultural Banco do Brasil, também no Rio).
Recentemente, circulou na web o projeto Calhau, desenvolvido por
Giselle Beiguelman e Facundo Guerra, que reverte a lógica da publicidade a favor de projetos autorais, poéticos, ou seja, que não vendem um
produto ou fazem mera promoção comercial (ao menos de forma tão
explícita, nos moldes dos banners mais conhecidos). Nas palavras dos
criadores: “Calhau é fragmentário e aderente ao sistema que corrompe.
Corre o risco de não ser visto. Responde assim à lógica da web, confundindo os espaços da arte, do entretenimento, da propaganda, da informação, do convívio e do consumo”.
O projeto Boombanner, do mineiro Fred Paulino (http://www.
boombanner.net), trilhou caminhos similares ao clonar sites “famosos”
– como o do New York Times, BBC, Le Monde, Aljazeera – inserindo, na
home page destes sites, um banner do tipo “nada a ver” com o conteúdo
esperado nesses veículos on-line.
Como mencionou Steve Dietz, a rede em si é bem mais interessante
do que a arte na rede. O texto do curador que evidencia a frase é desenganador: importa o contexto a que se refere a obra, pouco importam se
existem grandes artistas de net-arte, assim como pouco importam suas
denominações (se web-arte ou net-arte) ou a nacionalidade do trabalho
ou artista, pois esses atributos fazem sentido principalmente em termos
de estratégias. Importa observar o que a rede tem permitido acontecer,
seja em arte, ativismo ou conexões sociais. Fora do Brasil, seria interes-
conexõ es cr ít ic as
últimos dados da Cúpula Mundial sobre a Sociedade da Informação (CMSI) de Túnez,
“15% da população mundial, residente nos chamados países do Norte, controla mais de
85% de todos os recursos em telecomunicações. Em relação à conectividade, apenas um
país, Estados Unidos, controla 50% de todos os servidores de internet”. Resta-nos muito
trabalho pela frente, já que a rede tem um enorme potencial para a transformação das
práticas sociais de base.
3. Como a arte foi afetada pela “revolução digital”?
Na era da informática e das telecomunicações, as novas práticas artísticas encontram
possibilidades de expressão e experimentação sem precedentes. Não se trata apenas da
incorporação de novas ferramentas, mas de trabalhar com novos conceitos, linguagens e
dinâmicas relacionadas com a construção social da realidade.
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37
conexõ es cr ít ic as
sante projetos que mimetizam estratégias típicas da rede, que, de forma
enfática, se posicionam como ações que afetam tanto o sistema da arte
quanto o contexto político a que se refere. Falo de projetos como Technologies to the People (http://www.irational.org/tttp/TTTP), do espanhol
Daniel García Andújar; Mejor Vida Corp (http://www.irational.org/mvc/
english.html) e Mejor Vida Biotech (http://www.mvcbiotec.org), da mexicana Minerva Cuevas. Estes têm criado ocorrências midiáticas bastante
sugestivas ao produzir eventos que lidam diretamente com esta fricção
ou com a emergência de interfaces estéticas que fazem uma ponte entre
o mundo real e o virtual. Sempre redirecionando a navegação do usuário
para links externos, estes trabalhos produzem a sensação de que aquilo
que acontece em sessões on-line não é dissociado daquilo que acontece
na vida “real”.
Em experiências como as do grupo inglês The Blast Theory, há uma
sugestão interessante para se pensar algumas formas de interfaces híbridas (eles preferem chamar de mixed reality) nos “jogos” Can You See
Me Now? (2001) ou Uncle Roy All Around You (2003). Personagens reais
recebem informações via celular, GPS e aparelhos portáteis, cumprindo
tarefas que envolvem complexas trocas de informação entre usuários
on-line e outros que estão pelas ruas, configurando assim um ambiente
no qual deve existir um sincronismo de situações em espaços virtuais e
reais. Mas ali não há maiores intenções de se promoverem as conexões
de que falo aqui. Conectar simplesmente o espaço virtual e o real produz
conexões críticas?
fór um on -lin e
Muitos dos atuais projetos artísticos são efêmeros e intangíveis. Não se materializam
sobre tela, pedra ou metal, uma vez que se visualizam em suportes como vídeo, multimídia e outros dispositivos interativos. Os artistas plantam mundos fluídos e mutáveis;
constroem com ondas e partículas, com algoritmos de crescimento ou com códigos
genéticos. Trabalham com entidades híbridas e evolutivas. Concebem suas obras para
espaços dinâmicos e imersivos. Manejam o tempo como um volume programável com
distintas densidades. Conectam e relacionam diversos planos da realidade, abarcando
desde as escalas nanométricas da bioengenharia até as macroestruturas tecnoeconômicas das atuais dinâmicas globais. Hoje em dia, a arte explora as estruturas caóticas ou os
sistemas complexos. O artista participa na concepção de novos modelos que conectam
os processos locais de convivência com as dinâmicas globais da comunicação.
38
Vagamundo (http://www.ambriente.com/cart/index.html), de Ricardo
Zuñiga (Guatemala/usa), é um game que reflete as dificuldades e preconceitos sofridos por imigrantes latino-americanos vivendo em Nova Iorque.
O usuário deve se esforçar para conseguir trabalho ilegal e ser socialmente incluído na cadeia produtiva. É um projeto de um artista-ativista que
viu nesse formato uma forma de expressar a visão de sua própria condição, e para o qual ele desenvolveu formas de se lançar na trama urbana da
cidade.
Iniciei este texto problematizando o espaço público, tentando enxergar que tipo de dispositivos poderia operar no sentido de promover
uma maior aproximação com a realidade social, ou melhor: que tipo de
dispositivo pode ajudar a perfurar as bolhas que separam o sujeito de
sua experiência de vida pública? Não seria qualquer projeto que interessaria. A maioria lida com formas de representação da realidade e não
funciona como pontes para maiores trocas. Quais seriam as perspectivas e desafios de um ativismo atualizado em relação às redes móveis,
baseado em sistemas locativos e imerso na trama da cidade e de sua realidade social?
O trabalho de Antoni Abad fornece um exemplo de intervenção artística em espaços públicos por meio do uso de tecnologias móveis e
pervasivas. Abad vem produzindo desde 2004 uma série de projetos utilizando telefonia móvel e a web de forma a criar uma rede híbrida que
tem por objetivo conferir poder a minorias ou grupos marginais, tais
como motoristas de táxi na Cidade do México, ciganos em León e Lérida
conexõ es cr ít ic as
4. A informação ganhou outro significado no contexto da cultura digital?
A informação é a matéria-prima da cultura digital. Não é a quantidade de informação,
mas antes a qualidade dela que nos nutre e que aporta crescimento e riqueza intelectual,
emocional e material. É importante que aprendamos a utilizá-la, processá-la e transformá-la em alimento e conhecimento. É importante humanizar a conectividade, deslocar
ou ampliar seu desenvolvimento desde o entorno mercantil até os âmbitos social e
cultural.
5. Quais os três sites que você não passa um dia sem visitar?
www.google.com, www.wikipedia.org e, por questões de trabalho, www.medialabmadrid.
org.
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39
conexõ es cr ít ic as
[cidades espanholas], prostitutas em Madri, deficientes em Barcelona e
jovens motoboys em São Paulo (trabalho ainda a ser produzido). O artista tira partido da telefonia móvel de última geração, que permite que
conteúdo multimídia seja publicado imediatamente na internet através
de redes de transmissão de dados GPRS e UMTS. Méritos: a distribuição
de celulares e conexão sem fio à internet sobre uma arquitetura de modelo “muitos-para-muitos”, que, em troca, molda o uso da tecnologia
[bambozzi, 2006].
Num contexto em que a vontade de comunicação é substituída pela
capacidade de conexão técnica entre esferas privadas, num processo
contínuo de substituição das relações pela promessa de conectividade
a qualquer hora e em qualquer lugar, como poderia acontecer uma mediação que não se interponha ou crie obstáculos para as trocas efetivas
entre as pessoas? Por exemplo, a conectividade entre celular e celular
configuraria algo como bolhas isoladas, que sequer se friccionam. Como
discernir experiências de imersão no espaço público das representações
de realidade e seus arremedos atuais?
Atualmente, alguns trabalhos que emergem do cenário das novas
mídias apontam para questões dessa ordem, no sentido de que tornam a
mediação transparente, minimamente permeável e expandem efetivamente o termo “interface” para um modelo que viabiliza a comunicação
e proporciona pontos de contato entre “realidades” que, de outra forma,
não se cruzariam. Distanciando-se dos modelos das redes cognitivas
utópicas ou se negando a alimentar a economia baseada no consumo
fór um on -lin e
A ciência é copyleft avant la lettre
(entrevista com André Lemos)
1. Em poucas palavras, o que o advento da internet modificou na sua vida pessoal e
profissional?
Modificou completamente, desde a minha prática profissional como professor e pesquisador de Universidade, como enquanto usuário comum. Acho mesmo que na minha
profissão estamos saindo da Idade Média agora. O ideal de todo trabalho científico é a
circulação do conhecimento, a citação múltipla e cruzada, as influências de teorias, métodos, visões... A ciência é copyleft avant la lettre. A internet potencializa o que é próprio
do fazer científico: circulação de obras, pesquisadores, alunos, circulação de informações
as mais diversas, acesso planetário a livros, papers, filmes, fotos, áudio... Em um país
40
conexõ es cr ít ic as
de máquinas, o modelo de “interface baseada na realidade”, previsto por
esses trabalhos, estaria mais próximo de experiências de potencialização do pensamento crítico, do uso de dispositivos, de maneira a sugerir
enfrentamentos diante de novas formas de alienação que surgem embebidas nesses sistemas.
O que é intersticial ou liminar pode ser uma instância temporária. Assim são as “interfaces baseadas na realidade” como modelos que
tendem a ser promíscuos e se reproduzir, sendo substituídos por dispositivos normalizados que se tornam inócuos em relevar “realidades”
sociais e suas urgências. Se a ênfase recai na tecnologia e não nas relações que ela media, a tendência a celebrar revoluções de novas mídias
começa a parecer uma afirmação utópica do hype de mercado. Colocar
a ênfase na disseminação cultural de conceitos de novas mídias pode
levar à criação de máquinas sociais de eventos, aparatos de dominação
cultural.
3 . p c c * , a r e a l i dad e a i n da mais crua
como o Brasil, onde não temos nem livrarias nem bibliotecas equipadas, a internet é uma
dádiva e modificou completamente não o fazer ciência em sua essência, pelo menos não
totalmente, mas o acesso à produção científica e a pesquisadores ao redor do mundo.
2. Em que termos a “democracia digital” pode ser considerada uma realidade, na sua
opinião?
A democracia não é uma realidade nem fora da internet. Ela é um conceito normativo,
algo que buscamos como um ideal, como o Bem, a Verdade, o Belo, a Liberdade. A democracia não existe em sua plenitude, mas em sua imperfeição do real, na nossa construção
atual. Na internet ainda não há evidências de que possamos falar de uma democracia
virtual. Várias experiências falharam ao redor do mundo. Mas temos potências micropolíticas muito interessantes. Evidentemente a internet potencializa a troca informativa,
41
fór um on -lin e
Falamos de mercado, falamos de estratégias “táticas” de corporações, falamos de arte. Mas nada disso responde a um anseio anterior, íntimo:
Como fazer política a partir da cultura? Como fazer cultura a partir
da política? Gostaria mesmo de acreditar no mídia-ativismo como um
“movimento”, como propôs Brian Holmes nas vezes em que esteve aqui,
sempre tentando amarrar estas pontas soltas das ações com algum poder de transformação.
conexõ es cr ít ic as
Entretanto, a “realidade social” se apresenta de forma dura e implacável, especialmente numa cidade como São Paulo. Aqui acompanhamos a impotência da arte diante de muitos acontecimentos, como as
reintegrações de posse executadas com o auxílio da polícia; as decisões
bizarras dos governantes e o poderio de cooptação das corporações.
O espetáculo midiático desfilado pelo PCC assombrou todo e qualquer artista, mídia-ativista ou net-artista. A perspicácia do uso das tecnologias móveis reverbera agora não mais como discurso, e sim como
ativismo extremo. A estratégia do bloqueio aos transportes de massa
teve um impacto jamais visto. O poder de swarm (efeito enxame) ridicularizou ainda mais os modelos de flash-mobs que foram aqui ensaiados. A sociedade mal se organiza em rede de forma compartilhada. Os
800 mil usuários do Orkut não operam de forma a alimentar as esperanças de que a conectividade possa gerar comunidades atuantes e arranhem o poder biopolítico dos “impérios” invisíveis que atuam sobre
nós. Conforme sugerido por Giselle Beiguelman [cf. Fórum on-line Conexões Tecnológicas – www.canalcontemporaneo.art.br/forum]: “que
pensemos na amplitude desses fenômenos não só do ponto de vista das
frestas e dos circuitos sociais alternativos, mas também pelo ângulo da
microfísica do poder e de suas estratégias”. Isso nos lembra que o uso
das tecnologias de comunicação por parte do PCC não é exatamente
uma novidade nas ações midiáticas. Vimos como os índios Chiapas se
organizaram e os movimentos de Seattle, Praga e Gênova. Vemos formas
de resistência todos os dias. Mas as comparações não se equiparam mui-
fór um on -lin e
o contato entre pessoas, a formação de agrupamentos ou comunidades, mas não há
necessariamente engajamento político, troca de informações visando uma comunicação
plena para além da troca informativa mais imediata ou hedonista. Esta comunicação
plena (ideal, improvável e normativa também), só se daria pela razão exercitada em
busca de um consenso sobre o bem comum. Isso não existe nem na internet, nem fora
dela. Devemos buscar, efetivamente, formas de dinamizar o debate público e não apenas
o voto on-line, seja pela internet, por celulares ou por terminais.
3. Como a arte foi afetada pela “revolução digital”?
Desde as décadas de 1960 e 70 os artistas têm se interessado pela fusão arte-telecomunicação e, com o surgimento da informática, houve uma radicalização dessa fusão.
Formas artísticas novas surgem com as tecnologias digitais, como a arte robótica, a web
42
conexõ es cr ít ic as
to bem. Os efeitos colaterais se evidenciam de forma diferente. Se Orson
Welles foi o primeiro a entender o poder de uso estratégico das mídias
(com Guerra dos mundos, 1938) hoje quem nos ensina não são mais os ditos artistas. Os ditadores, os terroristas, a publicidade, as corporações (as
novas formas de guerra). Quem nos ensina hoje? Será com essa turma
que teremos que aprender estratégias mais complexas?
Segundo Lucio Agra [www.canalcontemporaneo.art.br/forum]: “A
midialização do evento permitiu a audiência recorde de programas-parasita, hospedeiros do miserê, do gênero ‘Cidade Alerta’. O ‘plantão’ não
saiu do ar...”. Normalização? “Vivemos numa sociedade cínica” (Cláudio
Lembo). Isso não é uma frase de um ativista, e sim do então governador
de São Paulo (em 2006). Mais uma inversão de posições?
ou net-arte, a arte em espaços virtuais... Assim como formas canônicas, como a música,
a dança, o teatro, a pintura. O mais importante, ao meu ver, é a possibilidade de ampliação, tanto dos formatos, como daqueles que podem hoje se apropriar das tecnologias de
comunicação e informação para produzir arte.
Os três pilares da cibercultura – liberação da emissão, conexão generalizada por redes
telemáticas e reconfiguração de formatos midiáticos e instituições sociais – possibilitam
novas formas de apropriação resultando em uma maior possibilidade de construção e
fruição coletiva de obras. Estamos vendo isso em trabalhos colaborativos em rede, em
formas de escrita em celulares e em blogs, em produção de fotos, vídeos e filmes... As
novas tecnologias democratizam o acesso aos meios de produção e fruição artística.
4. A informação ganhou outro significado no contexto da cultura digital?
43
fór um on -lin e
[*N.E.: O PCC – Primeiro Comando da Capital – é uma facção criminosa,
comandada por presos e foragidos no Brasil. Desde 2001 organizou diversas rebeliões em presídios, utilizando uma ampla estrutura de comunicação, por meio de telefones celulares e centrais telefônicas clandestinas. As ações do PCC se intensificaram em 2006, com ataques a forças
de segurança, agências bancárias e ônibus públicos, estabelecendo um
clima de tensão e histeria em diversas cidades brasileiras.]
software l i v r e e
glob aliz a ç ã o c o n t r a -h e g e m ô n i c a
André Lemos
Gostaria de lançar algumas questões sobre o desenvolvimento de softwares livres e as formas de apropriação cultural da atual cibercultura.
Para tanto, vamos discutir a dinâmica do que estamos chamando de
cibercultura, as formas de desenvolvimento dos softwares livres e do
copyleft, e terminar com uma análise sobre a atualidade dos princípios
da cibercultura. O exemplo do FOSS se enquadra em uma perspectiva
maior da cibercultura. Mostraremos, a seguir, três princípios que podem
nos ajudar a entender melhor a emergente cultura eletrônica mundial.
1. p r i n c í p i o s da c i b e r c u lt u r a
fór um on -lin e
Na cibercultura, a máxima é “a informação quer ser livre”, “distribua,
re-utilize, misture conteúdo”, “crie, edite e divulgue informações”.
Essa atitude criou a microinformática nos anos 1970, o movimento de
ficção cyberpunk nos anos 1980 e os cyberpunks reais (hackers, crackers, coders, geeks...). Hoje, nesse começo de século 21, surgem podcasts, blogs, sistemas peer to peer e softwares livres. Esses exemplos
podem ser traduzidos pelas três leis da cibercultura: emissão, conexão
e reconfiguração.
Informação, como diz Gregory Bateson, da escola de Palo Alto, é a “diferença que faz
uma diferença”. Informar é sempre dar nova forma a algo (in-formare). Assim, na era da
liberação da emissão, da circulação em rede e da reconfiguração da indústria cultural
massiva, o que estamos vendo é um novo valor da informação como circulação, agregação de criatividade e colaboração. Estamos vendo isso nos blogs, nos sistemas p2p, no
movimento dos softwares livres, nos podcasts, nas diversas formas da arte eletrônica
contemporânea. Informação hoje é mais do que in-formare. Trata-se de de-formare, pela
criação, pela extinção do valor da cópia, pela apropriação e pela circulação.
5. Quais os três sites que você não passa um dia sem visitar?
O Google, o meu blog Carnet de Notes (já que escrevo quase que diariamente) e o sites de informação nas áreas de tecnologia como o NYT, BBC, The Guardian, Wired, Libé, entre outros.
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Informação e lixo hoje são coisas muito próximas
(entrevista com Lucas Bambozzi)
1. Em poucas palavras, o que o advento da internet modificou na sua vida pessoal e
profissional?
Modificou drasticamente. Tanto para lados positivos quanto negativos. Não conseguiria
viver do meu trabalho sem o acesso às redes. O negativo é que trabalho muito mais, sem
ver necessariamente algo se concretizando, me esvaindo pelos buracos da rede. E mais
recentemente observo a grande diferença entre ter acesso [em ações voluntárias] e estar
conectado em tempo integral [em que há uma pressão para que se responda de forma
não-voluntária a demandas externas].
2. Em que termos a “democracia digital” pode ser considerada uma realidade?
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conexõ es cr ít ic as
A primeira lei é a liberação da emissão. Aqui o “faça você mesmo” significa “produza e distribua informação”. As diversas manifestações da
cultura eletrônica mostram que o que está em jogo, com a circulação
planetária de informação, é a emergência de vozes e discursos sem a necessidade de passar por “editores”. A máxima é “produza informação”.
Exemplos não faltam: chats, Orkut, MSN, blogs, fotologs, vlogs, podcasts, peer to peer (p2p), softwares livres...
A segunda lei é o princípio de conexão. Não basta produzir sem
circular. A máxima punk torna-se, aqui, “compartilhe, misture (remix),
colabore, distribua informação”. É o “tudo em rede”; a conexão generalizada (internet, wi-fi, RFID, bluetooth, celulares) em todos os lugares
(ubiqüidade) de homens, máquinas e objetos entre si.
Todos os produtos da era da informação são, ao mesmo tempo, liberação da emissão, difusão em rede e reconfiguração da cultura. Esta é a
terceira lei: reconfiguração de práticas sociais, instituições e modalidades midiáticas. Aqui o mote punk atualiza-se em: “dê sua parcela para
modificar a cultura vigente”. Essa modificação não é aniquilação, nem
simples substituição, e sim reorganização e convivência de formatos
midiáticos: jornal on-line e impresso, espaço urbano e redes, podcast e
rádio, TV e web, amigos de bar e de MSN.
A emissão generalizada (1a lei), distribuída em rede (2a lei), cria novos formatos e modifica outros, alterando a cultura – novas formas de
consumo de bens culturais, novas formatos de produção de bens simbó-
fór um on -lin e
em i ta , d i s t r i b ua . . . m o d i f i q u e!
conexõ es cr ít ic as
licos, novas visões sobre propriedade e autoria, personalização e massificação. Alguns exemplos atuais:
Podcasts – Com os podcasts, fazem-se e distribuem-se emissões sonoras.
Estas duas ações (fazer e distribuir) vão reconfigurar a mídia rádio. O fenômeno mundial de emissões sonoras, conhecido como podcast, surge
no final de 2004, e seu nome é um neologismo dos termos “iPod” (tocador de MP3, da Apple) e “broadcasting” (transmissão). Estima-se que há
mais de seis milhões de usuários no mundo (http://www.reuters.com/
newsArticle.jhtml?type=internetNews&storyID=8761417). Com um
computador doméstico e softwares gratuitos de edição de som e publicação, você faz sua emissão e a difunde pela internet. Usuários comuns e
gigantes da indústria cultural (BBC, por exemplo) produzem diariamente diversos tipos de emissão sob esse novo formato (news, talk shows,
guias de museus, leituras de livros clássicos...). Com os podcasts, vemos
a herança punk em ação: 1. liberação da emissão (qualquer pessoa pode
produzir uma emissão sonora); 2. princípio de conexão (distribuição livre por indexação de sites na rede – RSS); 3. reconfiguração dos formatos
de emissão de conteúdos sonoros (rádio massiva, podcasts, audioblogs).
Blogs – Com os blogs, outro fenômeno mundial, as mesmas leis estão
em jogo. A máxima é: “produza e distribua, você mesmo, textos, sons, vídeos, fotos”. Blogs são formas de publicação na internet em que qualquer
pessoa pode facilmente dispor e começar a emitir, seja seu diário pessoal, sejam informações jornalísticas ou emissões de áudio (audioblogs),
vídeos (vlogs) ou fotos (fotolog). Os blogs podem ainda funcionar em
fór um on -lin e
Há uma falsa idéia de acesso a meios digitais de informação. Por mais que tenham se
expandido, ainda há massas totalmente alheias a esse contexto.
3. Como a arte foi afetada pela “revolução digital”?
Acho que a arte que me interessa é afetada sempre pelo contexto à nossa volta. Prefiro ver essa chamada revolução digital como uma série de impactos que se produzem
localmente, em contextos distintos, produzindo questões e embates igualmente distintos. Quando um artista acerta sua mira para pontos de conflito [entre o contexto
tecnológico-digital e a subjetividade, por exemplo], direcionando nossa atenção para a
produção simbólica ligada a determinadas urgências, isso geralmente produz interesse
e nos afeta.
4. A informação ganhou outro significado no contexto da cultura digital?
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comunidades nas quais usuários/leitores comentam e adicionam novas
informações. Aparece claramente a liberação do pólo da emissão (qualquer um pode fazer seu blog), o princípio em rede (blogs estão em rede
e fazem referência a outros blogs) e a reconfiguração: novos formatos
de diários, de publicações jornalísticas, de emissões sonoras e imagéticas etc. Um exemplo interessante é a Wikipédia (http://www.wikipedia.
org), uma enciclopédia “faça você mesmo”, atualizada constantemente
por qualquer pessoa, de qualquer lugar do mundo.
Hoje, há a criação de um novo blog a cada segundo. A “blogosfera” dobra a cada seis meses, contando, segundo estatísticas, mais de 60
milhões de publicações. A liberação do pólo da emissão, o princípio
em rede e a conexão têm servido como instrumentos para que vozes
autênticas surjam, criando um contraponto à mídia clássica e à censura política. Os recentes problemas de corrupção no governo brasileiro
encontram, nos blogs, um instrumento de informação fora do esquema
das mídias de massa: cidadão comum para cidadão comum. Formam-se
o que alguns chamam de citizen media: mídias do cidadão (http://www.
cyberjournalist.net/citizen_media_monitor).
Redes p2p e softwares livres – O sistema de compartilhamento de arquivos, conhecido como redes peer to peer (p2p), como os atuais Kazaa, Limeware ou Gnutella, possibilita a troca mundial de arquivos de
diversos formatos. A máxima punk transforma-se em “o que eu tenho,
compartilho”, legalmente ou independente de direitos ou propriedades.
Os sistemas p2p vão reconfigurar as indústrias fonográfica e cinemato-
conexõ es cr ít ic as
Acho que sim. Passou a ser mais descartável, menos acreditada [não que antes fosse
mais fidedigna]. O fluxo de notícias via RSS ou os blogs vem produzindo um outro tipo
de leitor. Por outro lado, informação e lixo hoje são duas coisas muito próximas. Tanto
os filtros subjetivos [nós mesmos] como os spam-blockers têm dificuldade em distinguir
uma coisa da outra.
5. Quais os três sites que você não passa um dia sem visitar?
Não diria que acesso diariamente, pois depende das urgências ou procuras de cada dia.
A maior parte das informações que me interessam chega várias vezes ao dia por e-mail
e não via browser, como as listas Nettime, Crumb New Media Curating, Coro, Rhizome,
Digitofagia, Vjbr, Canal Contemporâneo, e-flux etc.
Diria que, além desses, freqüento muito: http://www.we-make-money-not-art.com [blog
fór um on -lin e
47
conexõ es cr ít ic as
gráfica, além de questionar noções como propriedade e direito de autor.
Vejam, por exemplo, o sistema de venda de música iTunes, da Apple,
ou o surgimento de licenças como GNU (softwares livres) ou Creative Commons (http://creativecommons.org/worldwide/br), mostrando
possibilidades de criação de novos acordos de distribuição, venda, uso
e cópia.
No caso dos softwares de código aberto, como veremos em detalhes,
emerge um novo formato de criação e de compartilhamento de inteligência no desenvolvimento de programas de computadores. Trata-se
de recombinações de linhas de códigos de forma aberta, livre e criativa,
construindo um dos mais interessantes fenômenos da cibercultura. O
lema aqui passa a ser “faça você mesmo os seus programas, colabore,
compartilhe e modifique códigos de forma a quebrar a hegemonia dos
softwares proprietários”. Os três princípios estão em marcha: liberação da emissão (qualquer um pode modificar o programa), conexão
(redes de colaboradores pelo mundo) e reconfiguração da indústria do
software proprietário. A liberação da emissão e o princípio em rede
estão reconfigurando a indústria proprietária, reforçando a cultura do
compartilhamento.
2. s o f t wa r e s l i v r e s e c o o p e ração mundial
fór um on -lin e
O Brasil tem sido reconhecido com um dos países em desenvolvimento
que mais tem realizado esforços governamentais para a adoção dos chamados softwares livres, tanto na sua administração direta, quanto em
de uma garota belga que compila informações sobre arte e tecnologia]; http://www.
google.com [difícil de assumir algo tão óbvio]; e o raio de algum site de Internet Banking!
Em breve teremos intensos infomovimentos de arte
(entrevista com João Antônio Zuffo)
1. Em poucas palavras, o que o advento da internet modificou na sua vida pessoal e
profissional?
A revolução da internet, na minha opinião, está apenas no início. A quantidade de informação disponível tornou obsoletas todas as enciclopédias impressas e a própria Wikipedia não consegue acompanhar o ritmo. É claro que é necessário selecionar a informação
e verificar o rigor e a precisão de sua fonte, porém, hoje, gasto pelo menos duas horas
48
projetos de inclusão digital com os telecentros. Eles utilizam programas
de fonte aberta como uma forma de lutar contra o gasto de milhares
de dólares com o pagamento de direito de utilização de softwares proprietários. A adoção de softwares livres tem sido um dos debates mais
importantes da atual cibercultura no Brasil e no mundo. Ele coloca em
questão o monopólio de firmas produtoras de softwares, que não oferecem ao usuário o direito de aceder ao código, e reforça a cultura do
compartilhamento, que chamaremos aqui de cultura copyleft, que tem
sido uma das principais esperanças da sociedade da informação e das
redes telemáticas.
Copyleft é uma cultura de colaboração que tem sido potencializada
pelo ciberespaço. O surgimento de formas de colaboração em rede é fundamental para compreender a migração de sistemas proprietários em
direção aos sistemas baseados em colaborações comunitárias ao redor
do mundo, os softwares de código aberto. Em segundo lugar, mostraremos as principais características destes softwares para, por fim, compreender as ações e estratégias do governo brasileiro na questão da adoção
dos softwares livres.
Para entender a revolução dos softwares de fonte aberta devemos, em
primeiro lugar, compreender a cultura do compartilhamento que está
em marcha nas redes informáticas. As novas tecnologias de comunicação
e informação têm potencializado o compartilhamento, a distribuição, a
cooperação e a apropriação dos bens simbólicos. A cibercultura está pondo em sinergia processos de cooperação, de troca e de modificação cria-
conexõ es cr ít ic as
diárias na busca de informações e não consigo acompanhar e ler todos os meus e-mails.
Sem dúvida, a vida pessoal e profissional é profundamente afetada, grande parte do meu
trabalho, atualmente, é feito em casa, coisa impensável 30 anos atrás.
2. Em que termos a “democracia digital” pode ser considerada uma realidade, na sua opinião?
A democracia digital ainda não é realidade hoje, mas sem dúvida será em pouco tempo,
não só pela queda de custo dos computadores de mesa e de comunicação em faixa larga,
mas também no sentido de que o computador pessoal tornar-se-á tão indispensável às
pessoas como o telefone celular.
3. Como a arte foi afetada pela “revolução digital”?
A revolução nas comunicações, sem dúvida, está afetando profundamente o conceito
de arte, embora isto ainda não seja percebido pela maioria das pessoas. Muitos artistas
fór um on -lin e
49
conexõ es cr ít ic as
tiva de obras, dada as características da tecnologia digital em rede. Esses
processos ganharam o nome genérico de copyleft, em oposição à lógica
proprietária do copyright que dominou a dinâmica sociocultural das
mídias de massa. A hipótese aqui é simples: o que vem sendo chamado
de copyleft é o que estrutura qualquer dinâmica identitária e cultural: a
troca, as influências mútuas, a cooperação. Barrar esse processo significaria frear o desenvolvimento e o progresso do conhecimento humano. A
batalha atual para adoção de softwares livres (ou de código aberto) tem,
no fundo, esse debate como mobilizador.
Não é preciso retornar à história da internet. Muitos já descreveram
a origem militar, científica e universitária da grande rede. Vamos ressaltar aqui o caráter de ambiência da comunicação, e, em conseqüência, de vetor comunitário. Devemos pensar menos no ciberespaço como
uma nova mídia – tal qual as mídias de massa (jornais, rádio, TV…) – e
mais como um ambiente midiático, como uma incubadora midiática
em que formas comunicativas surgem a cada dia (chats, ICQ, fóruns, email, blogs, web etc.). Como rede, o ciberespaço é aberto a priori, tendo
sua forma determinada pelo tempo, pela dinâmica social e pela constituição complexa dos nós das redes. A rede não é aqui um dispositivo fechado, e sim um lugar de passagem e de contato, crescendo em valor de
acordo com o crescimento do número de seus utilizadores. Da cultura
de massa centralizadora, massiva e fechada, com o ciberespaço, vemos a
expansão de uma cultura copyleft, personalizada, colaborativa e aberta
[musso: 1997].
fór um on -lin e
antes completamente desconhecidos estão começando a expor suas obras de arte em
seus blogs pessoais, provocando uma interatividade em nível planetário, até agora inédita. Sem dúvida, em breve teremos intensos infomovimentos de arte.
4. A informação ganhou outro significado no contexto da cultura digital?
A informação em larga escala, só limitada pela capacidade de nosso cérebro em absorvêla, está, sem dúvida, revolucionando toda a convivência social, inclusive nossos costumes
políticos, embora represente também uma enorme ameaça à privacidade.
5. Quais os três sites que você não passa um dia sem visitar?
A variedade de sites que acesso é muito grande e não existem sites específicos que visito diariamente, a não ser, obviamente, o Google e correlatos, como caminho de acesso
intermediário a outros sites.
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Como meio, a internet problematiza a forma midiática massiva de
divulgação cultural. Ela é o foco de irradiação de informação, conhecimento e troca de mensagens entre pessoas ao redor do mundo, abrindo
o pólo da emissão. Trata-se efetivamente da emergência de uma liberação do pólo da emissão (a emissão no ciberespaço não é controlada centralmente, todos podem emitir), e é essa liberação que, em nossa hipótese, vai marcar a cultura da rede contemporânea em suas mais diversas
manifestações: chats, jogos on-line, fotologs, weblogs, Wikipédia, peer
to peer para troca de músicas, filmes, fotos, textos, software livre (GNULinux).
A cibercultura contemporânea é fruto de influências mútuas, de
trabalho cooperativo, de criação e de livre circulação de informação por
meio dos novos dispositivos eletrônicos e telemáticos. Isso tem acontecido desde o surgimento da microinformática até o atual estágio da
internet. Não é por acaso que o processo de “napsterização” está irritando tanto a indústria cultural (da música e dos filmes). Trata-se da emergência de novas formas de consumo cultural que estão em circulação
virótica na cultura das redes, a ponto de autores como Lessing falarem
de uma “free culture” [lessing: 2004].
A cultura de massa marcou a esfera e a opinião públicas dos séculos
18 ao 20. Adorno [Adorno; Horkheimer, 1974] mostrou bem como a cultura de massa se configura como uma “indústria cultural”, distribuindo
os diversos produtos culturais de forma padronizada, em série, homogeneamente acessível, protegidos pela propriedade intelectual, como obra
conexõ es cr ít ic as
Somos links que se relacionam com outros links
fór um on -lin e
(entrevista com Hernani Dimantas)
1. Em poucas palavras, o que o advento da internet modificou na sua vida pessoal e profissional?
O maior impacto veio com a banda larga que modificou a relação de acesso à informação. Com o acesso discado o computador dava a impressão de mediar as informações,
pois se conectava e se desconectava na medida das necessidades. Com a banda larga o
computador passou a mediar as conversas em rede.
2. Em que termos a “democracia digital” pode ser considerada uma realidade?
Não gosto do termo democracia digital. Acho mais pertinente tratarmos da descentralização do poder catalisada pela conexão. Acredito que muitas vozes podem se elevar e
51
conexõ es cr ít ic as
inviolável (diga-se: cópia e circulação não autorizadas). Esta emissão,
controlada e proprietária, reduz a uma minoria as vozes de emissão da
informação e homogeneíza a recepção das massas. As mídias de massa controlam a emissão. A divulgação cultural, com raras exceções, fica
nas mãos daqueles que controlam os meios de comunicação, fonte de
poder político, de prestígio e de influência sobre o que é ou não dito às
massas.
Esta estrutura “massiva” está presente neste começo de século 21,
embora uma forma nova de criação, armazenagem e distribuição da informação, com o poder de estender como nunca visto o poder de emissão do cidadão comum, tenha aparecido e se popularizado das décadas
de 1970 a 1990 do século passado. Esta é a nova cultura das redes telemáticas, a cultura copyleft. Essa cultura copyleft coloca em xeque vários
princípios da cultura copyright (de massa) do século 20. Não estamos
falando em substituição, já que ambas as formas de produção e consumo midiáticos vão existir, e sim da emergência de um princípio em rede
que está colocando sinergias em contato, incentivando a troca e a apropriação criativa da informação. A cibercultura estaria na transição de
uma lógica da acumulação individualista, proprietária e privada, para
uma outra que incentiva a despesa improdutiva, as trocas, a cooperação,
a circulação de objetos e informações. Esse é o princípio emergente da
cultura contemporânea.
Atualmente, um dos maiores emblemas da cibercultura é o movimento dos desenvolvedores de softwares livres [silveira, cassino: 2003]
fór um on -lin e
que essas diversas vozes podem impactar o agenciamento coletivo e, assim, influenciar
a microfísica do poder.
3. Como a arte foi afetada pela “revolução digital”?
Uma sociedade em rede é caracterizada por um rizoma do conhecimento. Somos
links que se relacionam com outros links. A arte, nesse sentido, tende a absorver a
cultura do remix, do copyleft, em que a autoria é apenas uma referência de uma rede
de produção.
4. A informação ganhou outro significado no contexto da cultura digital?
No contexto da cibercultura, as tecnologias da informação e comunicação entram no
pensamento humano da mesma forma que as ciências entraram no contexto do modernismo. Apontar para a informação passou a ser uma característica de uma sociedade
52
e a idéia do copyleft, como vimos. O que há de importante nesses movimentos não são tanto as possibilidades técnicas, e sim as formas de
trabalho cooperativo que daí surgem. Mais ainda, trata-se de buscar
adicioná-los, modificá-los, sem a lógica proprietária, sem a dinâmica da
acumulação e do segredo. Talvez vejamos aqui algo que seja inverso à
lógica do capital e da acumulação econômica, que seja mais próximo da
despesa improdutiva, do excesso e dos momentos efervescentes que dão
vida a um corpo social [bataille: 1967].
A garantia da abertura de processos fechados e proprietários pode
enriquecer aquilo que temos de mais importante: a nossa inteligência
e os nossos capitais cultural, social e intelectual. Como mostra Lev Manovich, ao caracterizar as novas mídias, se, na era industrial, a cultura
era massiva, na qual “cada um deveria aproveitar os mesmos bens – e
compartilhar as mesmas crenças”, na era da cibercultura pós-industrial,
podemos pensar que “cada cidadão pode construir seu próprio estilo de
vida adaptado e ‘selecionar’ sua ideologia entre um vasto (mas não infinito) número de opções (…). A lógica da tecnologia de novas mídias
reflete esta nova lógica social” [manovich: 2001, p. 42].
Copyleft, Copyright e FOSS – Em breves palavras, podemos dizer que
o copyleft subverte combinações do copyright. Copyright é um modelo
de lei de direito autoral, estabelecido pela primeira lei do gênero, sancionada na Inglaterra em 1710. Nas jurisdições uniformizadas pelo tratado
internacional de Berna, em 1988, do qual o Brasil é signatário, estas leis
geram, para o autor, a liberdade de decidir sobre o usufruto e a disponi-
conexõ es cr ít ic as
hiperconectada. A cibercultura rompe com a metafísica padrão, liberando – além do
conhecimento – as noções de tempo, espaço e do ser.
5. Quais os três sites que você não passa um dia sem visitar?
http://www.google.com, http://www.novae.inf.br, http://www.bloglines.com.
fór um on -lin e
CONEXÕES CRÍTICAS
–
SELEÇÕES DE POSTS
Interfaces expandidas: conexões críticas, Lucas Bambozzi
Giselle Beiguelman
Enviada: Ter Mai 16, 2006 8:35 pm
Assunto: A caosmose do PCC [Cf. Nota do editor na p. 43]
Depois de ler o resumo de sua palestra [bastante estimulante] e ser intoxicada, à distân53
conexõ es cr ít ic as
bilidade da sua obra, além de outros direitos que vigem na ausência de
contrato particular para este fim, implicando obrigações correspondentes para quem dele usufrui. Em outras palavras, na linguagem hacker,
poderia-se dizer que o copyleft é um hacking do copyright. Um modelo
para contratos de adesão que busca corrigir falhas sociais no direito autoral padrão, sem quebrá-lo na tentativa, modelo do qual resultam as
quatro liberdades, como eixo, e os 13 artigos, como corpo da GPL (General Public License).
Softwares, códigos – Os chamados softwares livres são programas de
computador que têm como base uma licença que permite a modificação dos seus códigos-fonte. Por oposição, o software proprietário permite
apenas que você tenha uma licença de uso, sem poder conhecer ou modificar nada em seus códigos. O código-fonte é uma seqüência de instruções escritas em uma linguagem de programação que é depois traduzida
em linguagem-máquina, sendo executada por computadores. Podemos
classificar os softwares em programas proprietários (compramos uma
licença de uso), gratuitos (freeware), compartilhados (shareware) e livres
(free software). Os softwares livres podem ser utilizados, modificados em
seus códigos-fonte e copiados, desde que mantidos sob o mesmo regime.
O que permitiu o surgimento dos softwares livres foi a invenção de
uma licença de utilização do código-fonte em 1989. Nesse ano, Richard
Stallman cria a GPL e a Free Software Foundation (http://www.fsf.org), e
escreve o primeiro projeto de software livre: o GNU (acrônimo de “GNU
is not Unix”). A criação foi motivada pela proibição da AT&T de utiliza-
fór um on -lin e
cia, pela TV e pela web, com as imagens de São Paulo depois da ação do PCC, fico me
perguntando se interfaces sociais baseadas na realidade (reality-based-interfaces) estão
emergindo nas supostas frestas que críticos, artistas e ativistas pretendem ocupar e às
vezes de fato ocupam, ou se estão emergindo nas cicatrizes abertas de nossos processos
de interação social mais brutais.
O que mais me impressionou, nessa ação do PCC, foi a capacidade de incorporar pressupostos críticos sofisticados, como a idéia de espaços sem paredes e ação virótica. Por outro lado, me impressionou também, o cenário Guerra dos mundos de Orson Welles, que
colocou uma cidade inteira (e inclusive um país, no caso os EUA) em pânico, ao fazer um
uso radical da mídia (o rádio) levando-a ao limite de suas potencialidades. Repito: estou
acompanhando tudo de muito longe e pode ser que o que li sobre a força da boataria na
54
ção livre do sistema Unix. Esta licença não permite a apropriação privada dos trabalhos coletivos realizados, dando a todos a possibilidade
de transformar e livremente distribuir essas modificações. A partir daí,
milhares de comunidades ao redor do mundo começaram a desenvolver
o que veio a ser chamado de softwares livres, como o Linux (sistema
operacional criado pelo finlandês Linus Torwalds, em 1991), o Debian
(uma distribuição do GNU/Linux que define o conjunto de ferramentas
e a organização geral do sistema operacional como um todo). Existem
outras distribuições, como o Red Hat, Suse, Conectiva, Slackwares etc.
No Brasil, essas comunidades começam a ganhar visibilidade a partir do
Fórum Internacional de Software Livre, em Porto Alegre, em 2000.
As reações dos gigantes do software proprietário (cujo símbolo
maior é a Microsoft) têm sido ferozes e planetárias, sendo que uma das
tentativas mundiais é a de patentear os softwares, como nos EUA, onde
a Microsoft pateteou os “dois cliques no mouse”, e, a Amazon.com, a
“compra em um clique”. A comunidade européia, por exemplo, hesita
em adotar essa medida. Se aprovado mundialmente, ela irá, com certeza,
limitar a criatividade e a liberdade de uso das obras humanas intangíveis. Isso seria similar a patentear as letras do alfabeto: imaginem o que
seria do desenvolvimento futuro da literatura!
Código-fonte – Revolucionando muitas atividades sociais e econômicas, a internet modificou profundamente os negócios relacionados
com valores intangíveis das Tecnologias de Comunicação e Informação (TICs), como softwares, conteúdos digitais etc. Particularmente, ela
conexõ es cr ít ic as
web e por SMS seja exagerada. Mas ela é midiaticamente um dado.
Vou estar um tanto desconectada nos próximos dias, em um lugar muito isolado. Este
post, por isso, não é exatamente uma proposta de discussão, mas uma sugestão para
que pensemos na amplitude desses fenômenos não só dos pontos de vista das frestas
e dos circuitos sociais alternativos, mas também pelo ângulo da microfísica do poder e
de suas estratégias.
fór um on -lin e
Lucio Agra
Enviada: Qua Mai 17, 2006 11:58 am
Sem muita pretensão, respondendo à Giselle, pensando alto mesmo: acho que de todos
esses aspectos que você mencionou eu ficaria com a expansão virótica da informação.
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conexõ es cr ít ic as
criou novos modelos de negócios e novas modalidades de produção, de
distribuição e de empreendedorismo para os softwares, assim como diferentes maneiras de combiná-los. Os modelos novos de desenvolvimento
e licença, conhecidos coletivamente como software de fonte aberta/livre (ou FOSS, para Free/Open Software Source), emergiram e mostraram
seu valor. Isso se dá devido à exploração da descentralização e da cultura
copyleft da qual falávamos.
Podemos dizer que o código-fonte é uma expressão humana de um
trabalho intelectual. Esta produção passa a funcionar como um template, um molde para empacotar e distribuir produtos não tangíveis (softwares). Por exemplo, antes das máquinas de escrever, os manuscritos
seriam códigos-fonte para publicações literárias. Depois delas, as linguagens de programação de alto nível (a versão em que um programa é escrito originalmente por um ser humano) passaram a ser códigos-fonte de
um programa. A tradução automática (compilação) de uma linguagemmáquina para uma plataforma de hardware é o seu código de objeto. O
código de objeto é realmente o que funciona em um computador.
Livre, como discurso – A “revolução do downsize” afetou a economia das
TICs sob vários e importantes aspectos. Ela permitiu que os negócios de
software e hardware se separassem, motivados pelas novas avaliações de
risco de uma perseguição judicial de antitruste implantado pelo governo
dos EUA contra a IBM (por suas práticas monopolistas e predatórias em
aluguéis de hardware, em licenças do software e em contratos, ou seja,
o modelo monolítico prevalente). Para florescer independentemente,
fór um on -lin e
Ele, aliás, é fundamental em qualquer circunstância de confinamento e, se formos reparar bem, veremos que é usado desde muito tempo antes do aparecimento de tecnologias
da informação. Estas, por sua vez, forjadas em contextos de máquina de guerra derivam
seus procedimentos dessa genealogia.
Acho, por outro lado – e por isso seu depoimento à distância é tão importante – que a
maior vitória nesse caso é da midialização do evento porque isso permitiu a audiência
recorde de programas-parasita, hospedeiros do miserê, do gênero Cidade alerta. O “plantão” não saiu do ar...
leandrops
Enviada: Qua Mai 17, 2006 2:52 pm
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os negócios de produção e de licenciamento de softwares distribuíveis
tiveram que desenvolver seus próprios modelos. Assim, uma década antes do potencial para inter-redes e para a interconectividade amadurecer
em um jogo rico e diverso, criando padrões universais alcançados hoje
pela internet (com a inclusão do protocolo HTTP nos anos 1990), um
conjunto de modelos centralizadores foi escolhido pelo mercado. Por
falta de uma palavra melhor, e para ser contrastado com softwares livres
(FOSS), este conjunto de produção e licenças foi chamado de modelo
proprietário. Ele se articula na premissa de que as empresas de software
devem tratar o código-fonte como um segredo de negócio, sendo assim
uma propriedade guardada, como a receita para a Coca-Cola.
Por que FOSS? Por que fonte aberta? – O FOSS busca tratar o códigofonte como uma linguagem, como base de um conhecimento humano
aberto e livre, tal qual o discurso. Podemos então formular a pergunta
óbvia: por que instituir o modelo de código de fonte aberta? Se a compilação do código de objeto for automática e o código-fonte for livremente
disponível, ele estará fora das licenças do usuário para cópias individuais como fonte de rendimento para uma empresa de software. Como podem os programadores ganhar a vida ou o patrão pagar os salários desta
maneira? Como sobreviverá uma empresa se o seu trabalho intelectual
for tratado como commons (bem público), conseqüentemente disponível
a todos os concorrentes?
As licenças de FOSS não colocam o código em domínio público. Seus
autores ainda controlam o uso de seus trabalhos, mas não por meio do
conexõ es cr ít ic as
Assunto: resistência ou referência?
Sem deixar de citar a histeria causada pela rádio-transmissão de Guerra dos mundos em
outubro de 1938, Priscila Arantes aborda, em Poéticas da resistência, algumas das estratégias encontradas pela arte para comentar e, em último caso, intervir nos mecanismos
de comunicação de massa. O paralelo entre estas formas de resistência e o estabelecimento de novas mídias digitais parece, então, inevitável: ao por em xeque as noções de
partilha de conhecimento por reconfigurar o trânsito das informações, a sociedade em
rede ensaia identidades mais predispostas ao questionamento.
Lançando mão do termo citado por Giselle Beiguelman, a “ação virótica” da informação
encontraria na rede mais um veículo acrítico de disseminação ou um elemento diluidor
pela sua múltipla oferta de referências?
fór um on -lin e
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conexõ es cr ít ic as
controle do acesso às cópias individuais do código-objeto, instaladas nos
computadores ao redor do mundo. Em vez da competição e da privacidade no mercado, as licenças de FOSS fazem um desvio da visão proprietária, apontando para um controle pela cooperação. O FOSS distingue o
direito de acesso do direito de “re-uso” (para fazer trabalhos derivados
dele) e a autoria da propriedade do código.
Primeiro, devemos entender por que o código-fonte do software foi
fechado. Isso aconteceu somente quando o seu negócio desmembrouo dos hardwares, nos anos 1980. Em segundo lugar, por que a maioria
do desenvolvimento de softwares é in-house. Nestes casos, a dicotomia
proprietário-FOSS não necessita ser aplicada, já que não há qualquer
distribuição do software, qualquer licença geral do usuário. In-house,
como o código de fonte, deve ser tratado e se transforma em uma questão confidencial entre o programador e quem o contrata para escrever
o software, respondendo à empresa que o pagará e usará o software. Os
programadores podem assinar os contratos in-house que quiserem, sendo eles FOSS, no ciberespaço ou não.
O que faz um software de mercado, ajustado para a distribuição, é,
basicamente, a escala da demanda. Alguns projetos podem construir
a demanda pelo marketing, criando necessidades novas (como as versões “demo”, por exemplo), mas a maioria dos tipos de software tem a
demanda escalonada pelo nicho que ele pode ocupar no “ecossistema”
de valores intangíveis das TICs. Os softwares se tornam sempre mais
modulares, imbricados, complexos, interdependentes e empacotados
fór um on -lin e
Ricardo Rosas
Enviada: Qui Mai 18, 2006 11:17 am
Interessante lembrar, em relação ao comentário da Giselle, por exemplo, um fato noticiado a não menos de um mês no Jornal da Tarde sobre o boom de uso de chips de
celular roubados nas cadeias de São Paulo. Coincidiu um pouco com a pesquisa que
estou fazendo sobre gambiarras e, cada vez mais, é constatável o fato de que vivemos
uma abundância de tecnologias variadas, uma espécie de convergência cíbrida, que configuraria o que tenho chamado de “cultura do plug”, em que a versatilidade se dá em
tecnologias recombinantes, permitindo arranjos e improvisações as mais diversas, desde
os aparelhos móveis até as mixagens low com high-tech ou analógico com digital.
Por outro lado, também estes dispositivos, como ressalta o Lucas, acabam (sem julga58
por padrões. Assim, uma boa razão para que os mercados escolhessem
o modelo proprietário, em um estágio adiantado de independência do
negócio do software, pode ter sido sua capacidade de transformar efeitos
técnicos e semiológicos em econômicos, em direção ao monopolismo.
Enquanto um desktop de larga base e processos padrões emergia do
mercado de OS (com o Windows), a internet estava sendo construída
em padrões abertos e livres, pela meritocracia, pela colaboração e pelo
consenso.
Os softwares de hoje são trabalhos complexos, requerendo muitos programadores para construí-los. Para competir com sucesso com
os equivalentes proprietários, um projeto de FOSS tem que encontrar
uma maneira de compensar a falta do rendimento proveniente das licenças do usuário. Essa maneira é a colaboração aberta, e a chave do
seu sucesso, a motivação. Os milhares de codificadores se recusam a ser
vítimas passivas do fechamento do vendedor (basta ler um acordo de
licença proprietário do Extremidade-Usuário, o EULA, para entender o
que é isso). Basicamente, um projeto de FOSS requer uma licença livre,
padrões abertos e uma comunidade de colaboradores. Mas compreender como a colaboração rende contrapesos positivos para o desenvolvimento do software, do empreendedor e dos consumidores é uma tarefa
complexa [weber, 2004].
A maioria dos projetos que adquiriam um sucesso global – como o
GNU, o Linux, o BSD, o Apache e o Sendmail (líderes de mercado globais,
respectivamente, de servidores, correio e web), o Mozilla, o PHP, o MySQL,
conexõ es cr ít ic as
mentos morais), por se tornar interfaces que possibilitam a crítica, para o bem ou para
o mal. As revoltas interconectadas nas cadeias seriam apenas mais um sintoma do que
ainda está por vir.
fór um on -lin e
Marcus Bastos
Enviada: Qui Mai 18, 2006 8:05 pm
Perguntas: não dá para generalizar esse tipo de estratégia virótica de segunda (que aparece tanto na ação do PCC, quanto na forma como os boatos foram expandindo na
velocidade dos torpedos e scraps)? Não é um tipo de ação que já se tornou um dado da
cultura contemporânea? Não dá para relacionar (também sem julgamento moral) com
a forma como foram organizadas as manifestações contra o FMI em Seattle e Praga? Ou
59
conexõ es cr ít ic as
o KDE, o Debian etc.– tiveram, cada um, que desenvolver estratégias ad hoc
para enfrentar desafios de natureza distintas, indo de um pequeno número
de grupos de voluntários às cooperativas globais, com administração complexa, trabalhadores pagos e grandes corporações contribuintes. Para as
grandes corporações contribuintes ou para as pequenas lojas independentes de TIC, o payoff é medido pela demanda por serviços e suporte em um
mercado verdadeiramente livre, em que a competência esteja regulada pela
abertura. (A IBM terminou o ano de 2004 com uma reserva estimada, em
ordens de serviço, de US$ 116 bilhões. Só a parte de serviços relacionados
ao Linux rendeu, sozinha, duas vezes o valor em licenças do seu próprio – e
o maior do mundo – portfólio de patente de TIC. IBM 4Q04 quartely earnings, disponível em: http://www.ibm.com/investor/4q04/4q04earnings.
phtml).
Para os governos, entretanto, a linha inferior é política. As razões
para preferir FOSS para conduzir suas ações, sempre mais dependentes de tic, incluem autonomia tecnológica; soberania para assegurar
a transparência; libertação do fechamento (lock-ins) do vendedor; e a
independência dos padrões e dos formatos fechados ou proprietários.
Sinteticamente, podemos utilizar esses programas desde que: nenhuma restrição à distribuição gratuita de todo ou de partes do programa
seja imposta; o código-fonte do programa esteja disponível; o programa
possa aceitar modificações e distribuição; a licença exija que o código
modificado não seja distribuído se ele tiver um nome diferente do original; nenhuma discriminação de grupos ou pessoas seja autorizada;
fór um on -lin e
com o embate entre high-tech e low-tech na luta entre governo americano e Chiapas?
Ou com a onda dos flash mobs?
Claro que são exemplos de natureza e calibre diferentes, mas parece que tem elementos
comuns em todos, como o fator surpresa (em maior ou menor escala a cada caso), a
velocidade com que começam e terminam, o papel que redes (de computador, celulares,
etc) desempenham na organização desses acontecimentos e a forma como vem à tona
um fluxo sem centro e à margem, que desestabiliza algum tipo de ordem estabelecida.
Canal
Enviada: Sex Mai 19, 2006 9:06 am
“A criação de um mundo à parte é um rompimento – ainda que momentâneo – com a
60
nenhuma restrição de uso seja imposta; os direitos ligados ao programa
sejam aplicados a todos que o distribuíram; a licença não seja específica
a um único programa; a licença ligada a um software não possa restringir as características de outros softwares coligados; e a licença seja
tecnologicamente neutra [noisette, 2004].
As comunidades de desenvolvedores de softwares livres fazem com
que as modificações sejam mais rápidas, mais confiáveis e seguras. Isso se
deve ao grande número de pessoas trabalhando ao redor do mundo para
desenvolver melhorias nos programas. Eles estão livres das pressões das
empresas, das estratégias de marketing, que só apresentam novas versões
de ano em ano, além, é claro, do limite de programadores envolvidos com
um determinado produto. Esta comunidade de desenvolvedores está estimada em mais de 100 mil (programadores e projetistas), com a maioria
trabalhando voluntariamente em um ou mais projetos. Podemos dizer
que atualmente há mais de 10 milhões de usuários de sistemas operacionais e aplicativos distribuídos como FOSS.
A melhoria da qualidade e o grande número de desenvolvedores
têm feito os países adotarem a migração para softwares livres, como é o
caso do Brasil. Relatórios da comissão européia (Free Software/Open Source: Information Society Opportunities for Europe?, em http://eu.conecta.it)
e do governo americano (PITAC’s Panel on Open Source Software for High
End Computing, em http://www.itrd.gov) recomendam a ampliação do
uso de software livre e o financiamento pelo governo, direta ou indiretamente, do desenvolvimento de sistemas baseados em software livre.
conexõ es cr ít ic as
ordem. Não se trata apenas de um ato de contestação, pois os gestos e as palavras dos
movimentos de contestação já foram absorvidos pela mídia e, portanto, pelo imaginário
popular. Ou seja, já não produzem mais os efeitos almejados. Desgastados pela mídia,
tornaram-se peças da sociedade do espetáculo, marionetes em um mundo no qual a
imagem prevalece sobre o real”.
Leia o texto sobre o impacto social de ações como as dos flash mobs no sítio NovaE:
http://www.novae.inf.br/centrodaterra/nova_fissura.htm.
fór um on -lin e
Lucio Agra
Enviada: Sáb Mai 20, 2006 2:11 pm
Assunto: Velocidade
61
conexõ es cr ít ic as
A difusão do uso dos FOSS no Brasil pode trazer conseqüências importantes, tanto no que concerne à inclusão social, quanto aos fatores
econômicos e políticos. Podemos apontar algumas dessas conseqüências, como a possibilidade de criação de uma massa crítica para a produção de FOSS. A adoção de FOSS em países como o Brasil pode criar
condições para o estabelecimento de uma competência nacional nesse
domínio, trazendo benefícios sociais, culturais e econômicos. O governo brasileiro tem a ambição de migrar 80% dos postos de trabalho nas
instituições do governo de Windows para Linux nos próximos anos
para economizar em pagamentos de licenças e estimular a indústria de
informática nacional.
Alguns políticos têm denunciado o FOSS como um jogo de criança, uma experiência romântica de lunáticos ou como a última ameaça
comunista ao capitalismo. FOSS é uma opção ideológica, já que é uma
escolha que visa uma evolução mais socialmente equilibrada das TICs
e da sociedade de informação no Brasil. Mas também é um ajuste de
modelos para o atual mercado de software em meio à cultura copyleft.
O modelo proprietário, o melhor que o mercado poderia escolher antes
da experiência colaborativa da internet, perde eficiência com a revolução que a internet desencadeia [thomson, 2004]. Além disso, envelhecendo, os monopólios tendem a procurar, de forma abusiva, pela fonte
da juventude.
O exemplo do Brasil vem de uma política de TIC que tem optado
pela escolha de FOSS, com ações que visam migrações dos sistemas pro-
fór um on -lin e
Algumas das características que o Marcus elencou, tais como “surpresa”, “velocidade” e
outras, me fizeram lembrar de procedimentos caros à vanguarda futurista do início do
século. Ao cabo da primeira e segunda guerras mundiais, o mundo poluído que produzimos tornou-se tão evidente que a aceleração vanguardista parecia mais do que indesejável. Por outro lado, algumas de suas categorias mais prezadas foram reconduzidas à
cena cotidiana. Apesar de se ter dito que a poesia era impossível depois de Auschwitz, a
humanidade desejou acelerar-se novamente e fez crescer, a partir de extensões cerebrais,
o movimento nesta direção.
Marcus Bastos
Enviada: Dom Mai 21, 2006 11:28 pm
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prietários e de projetos de inclusão digital, cada um deles enfrentando
diferentes desafios e obstáculos.
Note-se que, onde FOSS serve como paradigma, o Ministro da Cultura do Brasil – o compositor e músico Gilberto Gil – é ativista. Ele foi um
dos primeiros artistas (reconhecidos no mundo) a liberar uma canção
sob a licença Creative Commons (qualquer trabalho intelectual que se
expresse sob formato digital pode ter uma licença CC, em que o criador
pode atribuir graus de liberdade que a licença reserva – sem custos ou
advogados – aos usuários e ao autor, a respeito de seu trabalho licenciado). No último Fórum Mundial Social, em Porto Alegre, ele se declarou
um hacker, fazendo alusão à filosofia hacker de liberdade de informação
e apropriação criativa das tecnologias digitais.
Uma outra personalidade que começou a se envolver com o FOSS
foi um executivo importante, o CEO da SUN Microsystems, Jonathan
Schwartz [schwartz: 2005], que recentemente escreveu, em seu blog
pessoal (e em português), uma mensagem de elogio e de sustentação ao
presidente Lula por sua política de TIC, pela escolha do FOSS e por suas
iniciativas de inclusão digital. Os projetos de inclusão digital com FOSS
são particularmente vantajosos já que, além de não haver custo algum
de licenciamento de software, não há também qualquer custo ou penalidade para migração de um sistema constituído no legado dos sistemas
fechados (locked-ins).
Parece não ser muito inteligente nos apegarmos a uma abordagem
simplória e legalista, sustentada por uma luta radical de construção e
conexõ es cr ít ic as
Assunto: vanguardas
O comentário do Lucio é bastante instigante. Lembram como alguns críticos das vanguardas apontam seu caráter militarista? Tem uma síntese, no texto bastante conhecido de
Affonso Romano Sant’Anna, “Aspectos psico-sociais e antropológicos da vanguarda”, de
que cito um trecho: “... a vanguarda vive num estado de contradição e paroxismos, o que
em si não é mal, ao contrário, mas que não deve ser escamoteado. Vanguarda não é um
monobloco. E constatar isso é começar a vê-la melhor. Por exemplo, tanto a vanguarda
quanto a neovanguarda alimentam ao mesmo tempo o racionalismo e o irracionalismo.
Ao mesmo tempo em que alguns movimentos falam de ‘geometria’, ‘ordem’ e ‘construção’, outros falam de ‘destruição’, ‘caos’ e ‘niilismo’. Assim, ao espírito industrial, formal,
limpo e frio da Bauhaus se contrapõe o Surrealismo, desencadeando forças do inscons-
fór um on -lin e
63
conexõ es cr ít ic as
reforço esotérico da propriedade intelectual. Parece apropriado para o
Brasil – e para outras nações parceiras com visões similares – agir em
colaboração para oferecer alternativas ao modelo proprietário. Se conservarmos a potência e incentivarmos as novas modalidades de FOSS no
país, isso já será um grande passo para a constituição de uma sociedade
da informação mais justa e democrática.
fór um on -lin e
ciente. Quer atenda ao pólo da razão ou da emoção, quer se confunda com estereótipos
apolíneos e dionisíacos, a vanguarda exibe a pulsão erótica violenta de seu criador. Sob a
racionalidade da máquina, estão os nervos, a bílis, as fezes e os orgasmos de seus inventores. Nessa linha de extremismos é que a vanguarda se caracteriza, num plano político, pela
opção ora pela esquerda, ora pela direita. Vanguarda é tanto um Maiakovski revolucionário, comunista, russo, quanto um Marinetti, italiano, fascista, apoiando Mussolini”.
Discutir a articulação entre a vanguarda e a prática política de seus artistas corre o
risco de incorrer em simplificação, mas parece bastante pertinente para os temas que
estamos discutindo. Será que inverter o olhar é útil para entender como a linguagem
faz política? Aí fico pensando se não seria então um bom momento para desacelerar,
regredir, contemplar.
64
multidã o h i p e r l i n k ada :
resistên c i a e d e s c e n t r a l i z a ç ã o
Hernani Dimantas
Marcus Bastos
Enviada: Dom Mai 21, 2006 11:29 pm
Assunto: Mudando de Assunto (para falar sobre a mesma coisa)
Algumas das coisas que o Lucio formula me fazem lembrar da relação entre acontecimentos recentes como os óbvios 11 de Setembro e os ataques do PCC e um sentido
mais amplo de termos como “performance” e “espetáculo”. Outra conexão?
leandrops
Enviada: Ter Mai 23, 2006 11:38 am
Assunto: O xyz de Luther Blissett
O “projeto” Luther Blissett é um dos melhores exemplos de net-ativismo, agindo na in65
fór um on -lin e
A sociedade em rede convive como o assincronismo, o tempo e o espaço
são desmontados pelas complexidades da própria rede, uma ruptura da metafísica padrão, como propõe David Weinberger, em The Web Methaphysics
[A metafísica da web]:
“Nossa metafísica cultural está baseada na divisão do mundo em discretos objetos. Esse processo de divisão raramente é consciente. Acontece através da linguagem, a qual é elaborada pelos poetas de vários tipos, incluindo cientistas, políticos,
marketeiros e adolescentes revoltados. (...) O modelo de containeres, como muitos
de nós suspeitamos, é inadequado. Ele simplifica demais as experiências”.
Sistemas complexos provocam a distensão dos momentos. É deveras reducionista fazer um recorte do ciberespaço considerando-o um
veículo de mídia de massa. Ou de entretenimento. Não é essa a idéia. A
crescente virtualização da sociedade pós-moderna tem trazido algumas
novas possibilidades para a humanidade. Conceitos como o de cidadania se tornam ineficazes quando analisados à luz do caos da sociedade
em rede. “Linkania” é termo do futuro. Cidadania, na essência, está vinculada (linkada?) a direitos e deveres. E, em vez de falarmos e exercemos
plenamente isso – discutir, ensinar, propagar –, falamos na vaga termi-
conexõ es cr ít ic as
nologia da cidadania [estraviz]. Linkania é a cidadania sem cidades, ou
seja, a humanidade tende a coexistir numa sociedade em rede. Linkania
tem a ver com as pessoas. Digo “pessoas” da forma mais abrangente, pois
estamos experimentando, nesse ambiente digital, percepções que não
faziam parte da nossa metafísica padrão. A cultura cibernética tende a
privilegiar as relações entre as pessoas, promove o link, a inter-relação.
Penso no ciberespaço como um novo lugar, muito embora a fronteira eletrônica extrapole a noção de lugar geográfico. Lugar ou não-lugar,
não faz diferença. E, nesse contexto, o lugar passa a ser definido como
uma interface cultural que tem, no link, a expressão do inter-relacionamento de pessoas e grupos, do tempo e do espaço [manovich: 2001; weinberger: 2002]. Lugar, assim, é um novo ambiente de relações, de links
entre coisas.
Mas por que discutir o lugar? Para analisar a resistência digital, a
organização cibernética de luta pela liberdade ou a infoguerra, o ciberterrorismo, as bombas de Londres, os cliques fumegantes nas periferias
informacionais devemos, primeiro, compreender como este caos interfere na concepção da sociedade, como se formam os links e como eles se
transformam em redes [antoun: 2004; barabási: 2003].
A internet é uma metáfora daquilo que entendemos como uma sociedade em rede hiperconectada. Ela não existe per se. Existem muitas internets. Por exemplo, os bancos a utilizam para interagir com seus clientes; as rádios reverberam o jabá on-line; UOL, AOL, Terra disponibilizam
o último suspiro da mídia de massa; os blogs nos mostram a diversidade
fór um on -lin e
terseção entre tecnologia, teoria crítica, arte e política radical. Personagem fictício, criado
por italianos, tornou-se um mito ao abordar de forma teórica e prática o caráter fictício
da informação e o poder virótico dos movimentos sociais midiaticamente estruturados.
Em “O xyz do net-ativismo”, Luther Blisset comenta o “ataque na rede”, posto em prática por trabalhos como o Electronic Disturbance Theater e LB/a.f.r.i.k.a. gruppe:
“Qual é o risco de ameaçar e provocar a mídia com simulações? Como controlar os
feedbacks e reações violentas? Como evitar ser cooptado ou desencadear um pânico
moral? De acordo com Stefan Wray, os ativistas devem se dar conta de que a política
é um teatro e que devem aprender a atuar: “estamos manipulando a esfera midiática,
estamos criando o hype (tendência), estamos fazendo congestionamento cultural
(culture jamming), estamos simulando ameaças e ação [...] somos atores! Isto é teatro
66
das vozes etc. Grande parte desses sistemas atua na manutenção das forças e na perpetuação do poder do capital globalizado, ou seja, aquilo que
chamamos mainstream, operado dentro da lógica do capitalismo imperial. No entanto, há uma pequena porção da internet que se descola dessa
lógica, constituindo um ambiente de compartilhamento de informações
e catalisação do conhecimento. Nesse sentido, percebemos que uma poderosa conversação global começou. Por meio da internet, pessoas estão
descobrindo e inventando novas maneiras de compartilhar rapidamente
conhecimento relevante. Como resultado direto, mercados estão ficando
mais espertos [levine; locke; searls; weinberger: 1999].
Internet são redes de links. Computadores são ferramentas. Interessante observar que o poder do império necessita desta hiperconexão. É
o império que faz a conexão de placas e cabos. É o império que mantém
a infra-estrutura física. Pois, pela necessidade de enfrentar a escassez do
capitalismo, o sistema procura aumentar a velocidade e a eficiência das
suas relações, ou melhor, os bancos precisam cada vez mais da rede para
sobreviver, assim como os conglomerados de comunicação. Esse sistema é paradoxal e provoca a sua própria contradição. Cria espaço para
catalisar a liberdade.
De um lado, o império, com seus armamentos atualizados pelos milionários investimentos e pelo poder da indústria bélica americana. Uma
produção em massa de destruição, alavancada pelos detentores do poder
imperial. Afinal, investimento militar é objeto de geração de renda e não
importa aos crápulas se o resultado final é conhecido. Morte, genocídio e
conexõ es cr ít ic as
político!”. Conheça o projeto Luther Blisset: http://www.lutherblissett.net. Leia o texto
traduzido por Ricardo Rosas no sítio rizoma.net: http://www.novae.inf.br/centrodaterra/
nova_fissura.htm.
fór um on -lin e
c o n e x õ e s c rític as –
c o b e rt u r a das palestras presen ciais
Táticas e estratégias do produtor de mídia ativista
Brian Holmes foi quem abriu a mesa da tarde no Conexões Tecnológicas, tratando de
ativismo urbano e midiático. Tendo participado ele próprio ativamente destes movimentos desde o início dos anos 1990, o crítico de arte e ensaísta americano, residente
em Paris, relatou algumas de suas experiências, mostrando fotografias tiradas no calor
67
conexõ es cr ít ic as
desespero. Mas para que pensar nisso? O poder da grana se revela no curto prazo. E como disse Keynes: “No longo prazo, estaremos todos mortos”. Assim, a ética protestante põe fim à culpa. O trabalho e o dinheiro
enobrecem o homem. E a morte será democratizada no futuro.
No entanto, essa guerra (ou guerras – mais de 2 mil conflitos acontecem, nesse momento, em todo o mundo) não é romântica. Negri e
Hardt constatam que “uma lição difícil que os líderes dos Estados Unidos e das nações aliadas parecem ter aprendido relutantemente após o
11 de Setembro, por exemplo, é que o inimigo que eles desafiam não
é uma única nação-estado soberana, pelo contrário, é uma rede. O inimigo, em outras palavras, tem uma nova forma. De fato, isso se tornou
uma condição geral na era dos conflitos assimétricos em que o inimigo
e ameaças ao poder imperial tendem a aparecer como redes distribuídas
e não como uma estrutura centralizada e soberana”.
Por outro lado, temos uma multidão que se alimenta das contradições do império e encontra, na rede, um ambiente propício para expressar a sua potência. A multidão hiperconectada só se faz possível quando
entendemos a ruptura dos containeres que estabelecem o ser como um
sujeito múltiplo e engajado ou como seres multifacetados, capazes de
viver várias vidas numa só. Experimentamos as nossas singularidades
(e nossas esquizofrenias). Há uma multidão dentro de cada pessoa. A
linkania faz as ligações para a auto-organização. Linkania é imanente.
Compartilhar interesses faz com que as pessoas se aproximem, se juntem. Esta é a lógica da linkania.
fór um on -lin e
da hora. Holmes afirmou que o street actvism surgiu como conseqüência da exclusão e
desconexão de grande parte da população mundial da economia e da cultura contemporâneas. “O ativismo se expandiu com os movimentos antiglobalização e o advento da
internet, porém, a experiência da conexão começou a colocar seus próprios problemas:
por exemplo, o paradoxo enfrentado pelos activist media producers diante de, por um
lado, os protestos na rua, e, de outro lado, a experiência individual de circulação na rede”,
afirmou.
Em outras palavras, se a promessa democrática permanece irrealizada, apesar do fator
de emancipação da rede, em que é possível travar um debate coletivo e produzir sentido
assim como os movimentos sociais produzem sentido em sua ação, o ativista deve ser
capaz de produzir um discurso claro sobre o novo contexto. “Uma interpretação com68
A experiência da linkania tem ação descentralizadora, possibilita o
link ou o relacionamento entre as multidões, influenciando a descentralização e a fragmentação do poder. Essa multidão emerge das relações
entre pessoas e dialoga com a máquina do poder soberano. Numa sociedade em rede, as pessoas se interconectam, conversam e se reconhecem,
rompendo, assim, as hierarquias de valores que separam aqueles que alimentam o poder imperial daqueles que agem em multidão.
Os partidos políticos, o terrorismo e alguns grupos táticos se valem
das redes para atuarem nos intermeios da sociedade. No entanto, essas
organizações tendem ao enfrentamento direto com o poder imperial.
Esse tipo de ação prioriza a guerra e, dessa maneira, incita a sociedade
de controle, pois o estado de guerra fomenta o sistema de exceção. Sem
guerra, não haveria necessidade de investimentos em armas, em tecnologias de vigilância e controle.
O efeito “grande irmão” só pode ser explicado pela necessidade do
poder de se manter. Assim, a sociedade do controle apenas serve ao poder. Entretanto, o poder não tem cara. Não é governo. Poder é poder, pelo
simples fato de existir como um espectro, um fantasma, na máquina
humana. O poder extrapola as fronteiras do ser. A resistência digital,
por outro lado, não necessariamente se opõe ao inimigo comum, isto é,
àquele que se forma pela contradição do sistema capitalista. É possível
recriar a existência por meio do diálogo, da apropriação e ocupação de
espaços vazios de poder. O espaço informacional, pela sua própria característica pós-geográfica, permite a formação de comunidades virtu-
conexõ es cr ít ic as
plexa deste novo teatro da luta caracteriza o ativismo midiático”, defende. A expressão
“teatro da luta” foi utilizada por Brian Holmes ao mostrar imagens da Mask Factory, projeto de produção em massa de máscaras na Cúpula da FTAA (Free Trade Area of the Americas) de Quebec, em 2001. No telão que projetava a apresentação, a URL: http://www.
u-tangente.org Holmes propôs então uma diferenciação entre os conceitos de “espaço”
e de “space of flow” (espaço de fluxo) enquanto que o espaço, para Castells, é o suporte
material das práticas sociais de tempo compartilhado, o “space of flow”, segundo Felix
Stalder, é a interação em tempo real independente do espaço em que esta se dá.
“Flow”, para Holmes, pressupõe a perda do ego, uma experiência completa por si só, que
não precisa ter outras conseqüências além dela mesma. A experiência dos movimentos
sociais seria tão diferente desta? Não para Brian Holmes: “Ao mesmo tempo em que têm
fór um on -lin e
69
conexõ es cr ít ic as
ais interconectadas. Estas comunidades são ocupadas pelas pessoas que
transitam aleatoriamente no ciberespaço.
Mas a liberdade também é uma forma de nomadismo. A liberdade
também é nômade. Aliás, Deleuze define o nomadismo como um modelo de resistência ao poder [deleuze; guattari: 2004]. A máquina de guerra
é uma forma de dominação, mas também um modo de as multidões se
auto-organizarem para a ação. A revolução digital é possível quando a
multidão enfrenta os atores imperiais numa intervenção direta na microfísica do poder.
Esta intervenção é realizada pelo diálogo que se vale da troca e da
reapropriação de idéias como agentes de transformação. Como uma máquina de guerra, as multidões conquistam seu território, apropriando-se
da tecnologia e ocupando os espaços informacionais. Elas “organizam o
caos” das redes hiperconectadas. Esta ação se torna maquínica quando
engajada no processo de agenciamento coletivo. No plano da imanência, essa multidão é a única alternativa contra o poder instalado.
Assim, entendemos o poder nômade como modelo agregador do
império. Como, então, entender esse mesmo nomadismo como forma
de resistência e revolução? Esse contrapoder exige o engajamento maquínico. Aliás, a própria rede só acontece quando as pessoas que perambulam no entorno se engajam em um projeto comum. Entendemos
“projeto” como expressão do trabalho imaterial. Dessa forma, as pessoas,
juntas, tornam-se multidão. Essa multidão hiperconectada emerge da
conexão e da colaboração entre pessoas [dimantas: 2004].
fór um on -lin e
por objetivo mudar algo na realidade, elas também se bastam como forma expressiva”.
Mas como utilizar e facilitar o acesso ao fluxo de informações em um contexto de conexão tecnológica perversa de pessoas que sabem como fazer sua mensagem chegar à
mídia (crime organizado, fundamentalismo religioso)? “Será que as imagens de ativismo
da cultura das novas mídias representam uma versão menor e domesticada desta inclusão perversa?”, perguntou-se Holmes, citando como exemplo os eventos recentes de
ataques orquestrados pelo PCC na cidade de São Paulo, a que o crítico se referiu como
“the PCC week”.
Interfaces expandidas: conexões críticas
Interfaces baseadas na realidade (reality-based interfaces) foram o assunto da fala de
70
E, nesse ponto, a revolução do software livre faz a diferença, pois
pressupõe a possibilidade de acesso ao código-fonte para modificar, diminuir, acrescentar ou fazer o que se bem entender. É a ponta do iceberg
de uma sociedade colaborativa. O software livre está, cada vez mais, penetrando nas decisões da sociedade da informação. O Linux é a resposta
da multidão. Ele foi criado com a colaboração de pessoas comuns e envolveu centenas de programadores espalhados pelo mundo. É subversivo porque transforma a estrutura imposta pela Revolução Industrial, e é
o primeiro produto idealizado e concebido pela multidão hiperconectada. Foi construído num outro paradigma: a colaboração vem a substituir
o capital [raymond: 2001].
Colaboração é a novidade da sociedade da informação. Com as tecnologias da comunicação e da interação, as redes passam a facilitar a
convivência em tempo real à distância. Provocam e potencializam a
conversação e reconduzem a comunicação para uma lógica de sistemas
organizacionais capazes de reunir indivíduos e instituições de forma
descentralizada e participativa. O capitalismo, apesar de dominante,
não consegue mais sustentar a lógica da acumulação e do trabalho. Seus
principais alicerces – a economia, o paradigma da ética burocrática e
a cultura de massas – estão em crise. A crise é um indício de que uma
nova ordem, uma reestruturação, é necessária e urgente. Marx escreveu
sua crítica em O capital num momento em que a sociedade industrial
estava aflorando, mas não se apresentava, ainda, como o paradigma dominante. O século 21 exige, portanto, modificações estruturais no poder
conexõ es cr ít ic as
Lucas Bambozzi. A expressão cunhada pelo artista e professor do Centro Universitário
Senac pareceu ecoar as mesmas preocupações externadas anteriormente por Brian
Holmes.
Diante de inquietações como o suposto teor político da arte em novas mídias – “Estas práticas artísticas cresceram junto com o ativismo, mas não necessariamente caminharam junto com ele” –, a ambigüidade dos sistemas pervasivos – “Prestam-se a nos
oferecer serviços ou a nos constranger?” – e a diminuição crescente do espaço público,
Bambozzi analisou em paralelo a experiência da cidade e suas ambivalências e a experiência do espaço comum da rede (que, afirmou, prefere não denominar “ciberespaço”
para evitar a relação com “ciber-utopias”).
“As estratégias das corporações muitas vezes se adiantam às estratégias ativistas e artís-
fór um on -lin e
71
conexõ es cr ít ic as
para atender à nascente sociedade informacional. É nesse cenário que as
redes sociais adquirem importância.
A tecnologia catalisa a inteligência das pessoas. A revolução das tecnologias da informação atua remodelando as bases materiais da sociedade e induzindo a emergência de agenciamentos colaborativos como
base de sustentação da sociedade. Não podemos atribuir essas mudanças apenas à tecnologia. A internet possibilita o florescimento de novos
movimentos sociais e culturais em rede, a organização da sociedade civil em novas formas de gestão e o retorno às redes humanas depois de
anos de domínio das redes de máquinas e da burocracia. No limite da
ruptura dos paradigmas, a colaboração aparece como um potencializador das energias produtivas. A sociedade está se tornando mais aberta,
mais colaborativa.
O software livre é o caso mais conhecido e de maior impacto desta resistência digital. Representa uma nova dinâmica que demonstra a
produção de conhecimento livre como alternativa economicamente
viável e sustentável. O código aberto está trazendo para a inovação o
que a linha de montagem trouxe para a produção em massa. Estamos
chegando a uma era em que a colaboração substituirá a corporação. É a
opção pela descentralização do poder, catalisado pelas conversações de
uma sociedade em rede.
As pessoas não querem mais ser telespectadoras. Elas têm a possibilidade de interagir com as comunidades na internet e, assim, protagonizar as próprias existências, buscando, na comunidade digital, os
fór um on -lin e
ticas”. O que os flash mobs produziram de pior, segundo ele, foram coisas como a propaganda da Coca-Cola em que uma espécie de mobilização via celular nas ruas de Praga
resulta num gigante símbolo da bebida formado pela multidão reunida em uma praça.
“Que tipo de projeto de ativismo midiático surgiu no contexto brasileiro? Mobilizações
para proteção de animais, contra o fast-food ou de TV turn-off, a la Adbusters, ou seja,
questões que não são propriamente nossas”, afirmou.
Essa importação de bandeiras ativistas exteriores ao nosso contexto, ou ainda essa
contradição entre contexto e conteúdo, seria uma demonstração da faceta pouco crítica do ativismo brasileiro. Interfaces críticas seriam, então, aquelas que propusessem
instrumentalizar o público de forma a integrá-lo no espaço urbano, esta sim uma
questão “nossa”.
72
interesses comuns. Uma alternativa para o crescimento colaborativo. E,
nesse sentido, estamos num processo de progressão jamais visto, já que
qualquer pessoa tem a possibilidade de publicar na rede, seja em forma
de e-mail, artigos, blogs, músicas ou imagem. A internet é um meio multimídia que oferece inúmeras formas de expressão. A cultura cibernética nada mais é do que uma compilação desta diversidade. Está em curso
um processo silencioso, uma revolução que não será televisionada e que
provocará mudanças profundas na sociedade.
conexõ es cr ít ic as
É aí que entra a idéia de uma reality-based interface: um ativismo feito com ferramentas de comunicação diversas e, em geral, com mediação mínima, como no caso
do projeto de Autolabs na Zona Leste, do grupo Mídia Tática. Bambozzi também citou
como exemplos o projeto Calhau, de Giselle Beiguelman, o projeto Cubo, as mobilizações capitaneadas pelo Canal Contemporâneo e o projeto de Antoni Abad com grupos
de ciganos, taxistas, deficientes físicos etc., “uma potencialização de comunidades, por
meio da distribuição de celulares com possibilidade de upload rápido de fotos para um
website”, explicou. [segue na página 77 ]
fór um on -lin e
73
p e s q u i s a , formação e merc ado
reúne textos de pesquisadores e artistas que colocam
em cena discussões a respeito do mercado, da pesquisa e da formação na área de arte e tecnologia. Pesquisa
artística com interfaces emergentes, laboratórios e desenvolvimento em sistemas computacionais integrados
e convergência tecnológica, são alguns dos temas tratados. Inclui, ainda, os Debates: conexões tecnológicas que
reúne os debates referentes à mesa da parte da manhã
do Fórum Conexões Tecnológicas.
medial a b m ad r i d : da p e s q u i s a b á s i c a
ao impac to c u lt u r a l
Karin Ohlenschläger
Software livre e globalização contra-hegemônica
André Lemos tratou em sua palestra no Conexões Tecnológicas de três leis da cibercultura: emissão, conexão e reconfiguração. Para ele, estas três máximas explicitam os comportamentos sociais associados à cultura digital. Usando como exemplos chats, blogs,
podcasts, redes peer to peer (p2p) e softwares livres, o professor e pesquisador do Centro
Ciberpesquisa da Universidade Federal da Bahia mostrou que, neste contexto, a emissão
é livre e indiscriminada; a conexão e a ubiqüidade são condições que caminham em paralelo à emissão: “Não basta produzir sem circular. A máxima punk ‘compartilhe, misture
(remix), colabore, distribua informação’ retorna aqui”; e a reconfiguração é o resultado
das duas primeiras leis: “Aqui o mote punk atualiza-se em: ‘dê sua parcela para modificar
a cultura vigente’. Essa modificação não é aniquilação, nem simples substituição, mas
77
fór um on -lin e
Se fôssemos aceitar a teoria do físico norte americano, William Day,
que movimento gera espaço e estrutura, chegaríamos a uma explicação
plausível de como Medialabmadrid se desenvolveu. No início de 2002,
o Medialabmadrid iniciou seu primeiro programa. Este foi estabelecido
como um pequeno laboratório aberto para a produção, pesquisa, ensino
e difusão da arte e ciência relacionadas a novas tecnologias de informática e telecomunicações.
No princípio, o que hoje é um dos mais dinâmicos espaços transdisciplinares em Madri constituía-se de apenas um corredor estreito ocupando
50 m2 e uma dúzia de computadores. Desde então, o Medialabmadrid
tornou-se um catalisador de idéias, projetos e pessoas com uma missão
tanto local quanto internacional. A atual estrutura modular e aberta de
suas atividades às vezes é limitada aos 300 m2 da área de recursos e produção, enquanto outras vezes seu programa de exposições ocupa mais
de 3.000 m2, situados na asa norte do Centro Cultural Conde Duque,
um barracão restaurado do século 17, que foi transformado em uma das
maiores áreas expositivas pertencente à Prefeitura de Madri.
Um dos principais objetivos deste centro, criado há apenas quatro
pesqu isa, formação e mer c ado
anos, é explorar as complexas relações entre os sistemas biológico, social, tecnológico e cultural. A cada ano, mostras e exposições como Fluid
Dynamics, Banquete_Metabolism and Commmunication e, em sua segunda
edição, Banquete_Communication in Evolution reuniram em Madri cientistas como Roger Bartra, Fritjov Capra, Lynn Margulis, Otto Rössler,
Dorion Sagan, Vandana Shiva e Ingrid Volkmer, e artistas como Marcelí
Antúnez, Ricardo Dominguez, Perter Fend, Daniel García Andújar, Golan Lewin e Zachary Liebermann, Cesar Martinez, Neokinok TV, Platonic, Ken Rinaldo, Christa Sommerer e Laurent Mignonneau, entre muitos outros.
Essas grandes exposições podem ser entendidas apenas dentro da
dinâmica diária dos encontros, workshops, debates e conversas que contribuem para criar um ambiente adequado para a pesquisa e produção
de projetos do Medialabmadrid.
De forma geral, o dinamismo do projeto levou-o a sua perspectiva
transdisciplinar. Isso permite uma abordagem mais fluida e leve que
permite catalisar as substâncias informacionais que estão flutuando nas
margens dos campos convencionais de conhecimento; nas áreas de
incertezas e desequilíbrio onde as coisas acontecem como descreve Ilya
Prigogine. Tratar esta abordagem como meramente mais um rótulo é
destruir seu potencial de refletir um estado complexo emergente que
não pode ser explicado como apenas a soma de suas partes.
A prática da transdisciplinaridade requer, entre outras coisas, observação da arte e da ciência de fora de suas fronteiras convencionais.
fór um on -lin e
reorganização e convivência de formatos midiáticos: jornal on-line e impresso, espaço
urbano e redes, podcast e rádio, TV e web, amigos de bar e de MSN”.
O próprio movimento de colaboradores de software livre se inscreve nestas leis, segundo
André Lemos, uma vez que a emissão e liberação de código fonte em rede, posta para
circular, gera uma reconfiguração cultural. “A ‘cultura copyleft’ é uma cultura da colaboração que tem sido potencializada pelo ciberespaço. O surgimento de formas de colaboração em rede é fundamental para compreender a migração de sistemas proprietários
em direção aos sistemas baseados em colaborações comunitárias ao redor do mundo,
os softwares de código aberto”, afirmou. “A hipótese aqui é simples. O que vem sendo
chamado de copyleft é o que estrutura qualquer dinâmica identitária e cultural: a troca,
as influências mútuas, a cooperação. Barrar esse processo significaria frear o desenvol78
Este deslocamento permite a exploração de novas interconexões entre
imagens e linguagens diferentes, e o compartilhamento de processos
de criação e pensamento. Não é apenas uma questão de traçar, extrapolar ou incorporar elementos e conceitos de outros campos. O objetivo é gerar interferências produtivas entre criadores e pesquisadores em
campos diferentes, ou seja, entre pessoas. Isso tudo exige espaços para
meditação cultural, para circulação de experiências e conhecimento. É
necessário transformar, conectar ou deslocar o espaço criativo – seja o
laboratório, ateliê ou estúdio – para o espaço social de comunicação, o
museu, a mídia, a rua e a vida.
pesqu isa, formação e mer c ado
vimento e o progresso do conhecimento humano. A batalha atual para adoção de softwares livre (ou de código aberto) tem no fundo esse debate como mobilizador”.
fór um on -lin e
Multidão hiperlinkada: resistência e descentralização
Hernani Dimantas apresentou em sua palestra no fórum os projetos Metáfora e Metareciclagem, cuja inspiração é a cultura hacker e o conhecimento livre. Mais do que projetos
de um grupo, ambos se formaram mais como movimentos que foram agregando (e reciclando) participantes. As ações de recuperar computadores descartados pela sociedade
e capacitar comunidades a utilizá-los são, para Dimantas, uma espécie de mídia tática
que se desenvolve no engajamento, na imersão e na atitude de hackear estruturas que
governam nas mídias e no sistema.
79
l aborató r i o d e s i s t e m a s i n t e g r á v e i s
João Antonio Zuffo
fór um on -lin e
O Laboratório de Sistemas Integráveis (LSI) foi fundado em 1975, na
Universidade de São Paulo (USP), e tem suas atividades de pesquisa e
desenvolvimento centradas em sistemas computacionais integrados.
O Laboratório é tido como um pioneiro em muitas áreas de pesquisa e
está ligado à Escola Politécnica. Entre os membros, há 22 professores da
Universidade de São Paulo, 43 pesquisadores e membros da equipe do laboratório, 196 estudantes de pós-graduação, 105 de graduação e diversos
colaboradores externos permanentes.
O LSI possui três divisões principais: a Divisão de Sistemas de Computação Digital, a Divisão de Metodologias de Design de Sistemas (VLSI)
e a Divisão de Microsistemas Integrados. A primeira tem cerca de 500
microcomputadores e estações de trabalho. O Núcleo de Realidade Virtual tem como foco de suas pesquisas os sistemas computacionais de
alto desempenho para visualização, simulação e interação. Grande parte dos sistemas utilizados pelo núcleo foi desenvolvida internamente,
gerando uma equipe com alto conhecimento em produção e utilização
das mais modernas tecnologias de realidade virtual.
Dentre as principais pesquisas do núcleo, a que mais se destaca é
o pioneirismo na produção de aglomerados de computadores (clusters)
para a síntese de imagens gráficas de alta qualidade para ambientes
“Dada a característica rizomática da rede, não dá para ter muita autoria, as coisas são
emergentes. Eu gosto de usar a palavra linkania ao invés de cidadania, que tem mais a
ver com cidade. Nós somos links ligados a outros links. A hiper-conexão não faz muito
sentido se não pensarmos em comunidade, ou em multidão, para usar o conceito de
Negri. Nós somos a rede”, afirmou.
O pesquisador em cibercultura aposta no conceito de “multidão” como uma forma diferente de pensar o que seja a rede, mas fez uma diferenciação entre o conceito de Negri,
para quem esta é uma idéia marxista de multidão como classe, e aquele utilizado por
Elias Canetti, para quem multidão não pode crescer, senão vira poder. Hernani prefere
a visão de Hakim Bey, daqueles movimentos coletivos que acontecem como fenômeno
temporal (as zonas autônomas temporárias). “Acaba porque tem que acabar. Vejo a cola80
imersivos. O Núcleo também abriga a Caverna Digital, uma infra-estrutura importante para as pesquisas em múltiplas projeções e ambientes
imersivos. O sistema deu ao núcleo pioneirismo em diversas frentes de
pesquisa e reconhecimento internacional.
Atualmente, o núcleo conta com uma equipe que trabalha na otimização de aglomerados de computadores convencionais e no desenvolvimento de aplicativos para visualização de estruturas de dados
complexas 3D em tempo real. Sistemas de multi-projeção imersivos são
complexos ambientes que se tornam ainda mais sofisticados com a utilização de aglomerados de computadores.
Um exemplo prático da aplicação dos clusters é o projeto “Asa Delta
– Passeio virtual pelo Rio de Janeiro”. A partir de uma asa delta, o usuário pode fazer um passeio virtual aéreo pela cidade do Rio de Janeiro,
visitando os pontos turísticos mais tradicionais. Para completar a sensação de imersão – proporcionada por um sistema de visualização 3D do
tipo HMD (helmet-mounted display), o usuário ainda conta com música ambiente, além de sons dispostos geograficamente como sobre o
sambódromo e o Maracanã. Atualmente o sistema está sendo importado
para a Caverna Digital.
A Caverna Digital começou a ser construída em 2000, com financiamento da Finep (Financiadora de Estudos e Projetos), e foi inaugurada
em abril de 2001. Muito além das projeções imersivas em três dimensões possibilitada pelas cinco telas de 3x3 m que a formam, a Caverna
Digital também pode receber interfaces que estimulem o som e o tato,
pesqu isa, formação e mer c ado
boração como algo que tem um ápice e depois uma queda, uma perda de potência, o que
é necessariamente bom, porque a revolução digital está nos agenciamentos. Enquanto a
gente está na potência, como multidão, a coisa acontece. Depois muda”.
Falando a partir da obra Massa e poder, de Canetti, Dimantas afirmou que a sociedade
da colaboração não pressupõe projetos em que as pessoas se engajam ad eternum: “As
coisas são dinâmicas e as colaborações têm efeitos dinâmicos”. Ele vê forças de resistência e transformação nesta nova dinâmica cultural. “A rede modifica conceitos, provoca
alterações da metafísica padrão. Não é possível pensar em tempo e espaço da mesma
forma. O tempo é assincrônico e o espaço é a conexão”. Deste modo, o ser também
está se modificando. “A gente pode ser muitos ao mesmo tempo, vide os nicknames na
internet. A multidão passa a estar dentro da gente também”, concluiu.
fór um on -lin e
81
pesqu isa, formação e mer c ado
como caixas de som estéreo e equipamentos de force feedback: por isso é
um sistema de realidade virtual que possibilita alto envolvimento do
usuário.
Esse dispositivo, o único da América Latina, é usado para desenvolver facilidades nas interações homem-computador que logo estarão disponíveis a todos os brasileiros. As indústrias nacionais de aeronáutica,
automotiva e de óleo e gás já começam a se beneficiar dessa tecnologia.
Isso porque os custos com a produção digital são muito inferiores aos
protótipos reais e tem a versatilidade de alterações em qualquer fase do
projeto. Para gerar todos esses mundos virtuais, 24 computadores, os
chamados aglomerados (clusters) trabalham em conjunto, produzindo
um desempenho equivalente ao das supermáquinas gráficas utilizadas
nas Caves dos grandes centros de pesquisa do mundo. E com custos muito inferiores.
fór um on -lin e
c o n e x õ e s c r ític as – cobertura d o debate presencial
A professora do Centro Universitário Senac Lucia Leão iniciou o debate da tarde do fórum Conexões Tecnológicas perguntando a Brian Holmes sobre a confluência em certos
projetos entre terra e fluxo; projetos que têm características dos dois movimentos não
seriam possíveis também? Ele concordou: “Os zapatistas fizeram algo incrível ao mostrar
outra forma de participar. Precisamos de mais reciclagem, que também significa circular
de novo, com novas pessoas, com novas idéias”.
Remetando à fala de Lucas Bambozzi e à constatação de que o uso intensificado da internet
não se traduz em expressão net-ativista, Giselle Beiguelman perguntou se esta insipiência
não estaria ligada ao conformismo político no Brasil. A debatedora convidada do Conexões
Tecnológicas e professora da PUC-SP relembrou o caso de um artista mexicano que faz in82
pesquisa e p ro d u ç ã o e m i n t e r fac e s
emergen t e s : p ro j e to o p _ e r a
Daniela Kutschat Hanns e Rejane Cantoni
tervenções em jornais, fazendo seções inteiras saírem ilegíveis em uma determinada edição,
que sempre provoca celeuma – leitores telefonando para o jornal indignados etc. – mas,
quando realizou a ação em uma cidade brasileira, não chamou nenhuma atenção. “Ninguém
no Brasil reclamou; este é um índice do nosso conformismo”, afirmou Giselle Beiguelman.
Ela fez ainda outra pergunta, em relação ao fato de as corporações incorporarem slogans
ativistas: “Não é sintomático que o fenômeno contra-midiático dos podcasts traga embutido no nome a marca do produto da Apple [o iPod]?”, questionou. “A gente fala em mídia
alternativa ao mesmo tempo em que faz propaganda da empresa de tecnologia?”
Bambozzi respondeu que o conformismo bem apontado por ela pode ser considerado
herança do período de opressão vivido no Brasil durante 30 anos. “O resultado criativo
demora mais a aflorar”, afirmou. Mas o artista lembrou, a título de comparação (um
83
fór um on -lin e
OP_ERA é uma ferramenta de experimentação multisensorial de conceitos de espaço. Desenhada como um conjunto de projetos conceituais
e de experimentos, a implementação de OP_ERA compreende a pesquisa e o desenvolvimento de: (1) modelos científicos e artísticos de espaço; (2) interfaces humano-máquina (hardware e software), por meio das
quais o agente humano e o artificial (máquina) estão interconectados
simbioticamente; (3) formas alternativas de percepção e de cognição
espacial por intermédio da experimentação multisensorial de modelos
conceituais de espaço.
OP_ERA é um projeto em processo desenvolvido desde 1999. Em
seu estado atual, é composto de dois projetos de pesquisa (o evento Interatividades: ciclo arte, ciência e tecnologia e os experimentos Máquinas de
ver 1 e 2) e de sete implementações físicas (OP_ERA: Haptics for the 5th Dimension; OP_ERA: Sonic Dimension; OP_ERA: Hyperviews; OP_ERA: Haptic
Wall; OP_ERA: Haptic Interface; OP_ERA: A Journey e OP_ERA).
Comissionado principalmente por investimento próprio e por
prêmios e bolsas de auxílio à pesquisa, a sustentabilidade do projeto
se deve a:
pesqu isa, formação e mer c ado
1. investimento das artistas (o que geralmente significa colocar dinheiro próprio);
2. elaboração de projetos de pesquisa (o que normalmente implica
formatar e adequar idéias para solicitar bolsas e auxílio às raras fundações e agências que possuem programas de fomento dedicados à área);
3. submissão de projetos e/ou recebimento de convites para participar de exposições comissionadas;
4. criação de vínculos de pesquisa com a indústria tecnológica;
5. recebimento de prêmios em dinheiro de instituições culturais
dedicadas à produção e à pesquisa em mídias digitais (OP_ERA recebeu quatro prêmios de arte e tecnologia: em 2002, Transmídia, do Itaú
Cultural; em 2003, o 4º Prêmio Sergio Motta de Arte e Tecnologia; em
2005, os prêmios de exibição do Beall Center for Arts and Technology e
o TRANSITIO_MX, 1º Festival Internacional de Artes Eletrónicas y Vídeo do México).
O modus de produção e de distribuição do projeto estão (é claro)
diretamente conectados a esse modelo financeiro. Os processos de
produção de OP_ERA, por exemplo, são esporádicos, customizados e
independentes. As implementações físicas são: site e time specific, com
equipe de produção flutuante. Obras e interfaces não são desenvolvidas
dentro de instituições, nem em laboratórios ou em centros de pesquisa
e de produção.
Processos de distribuição, por sua vez, ocorrem em ambientes e
meios pouco tradicionais. Como não existe mecenato ou lucro, seus de-
fór um on -lin e
tanto paradoxal), os estudos de Suely Rolnik sobre net-ativismo no Leste Europeu, onde
a prática é amplamente difundida.
O ilustre artista conceitual francês Fred Forest, que acabara de inaugurar, dias antes, uma
exposição individual no Paço das Artes, foi prestigiar o fórum na parte da tarde e pediu a
palavra para tecer algumas considerações sobre a experiência da internet e sobre temas
levantadas nas palestras. “É verdade que a net nos permite conhecer outros e nos reconhecer, mas estou atônito em relação ao net-ativismo de que vocês falam. Qual a minha
legitimidade em agir pelos outros? Não estaria eu mesmo fechado em uma ideologia?
Não seria necessário em relação às clivagens entre esquerda e direita fazer emergir uma
ideologia tão nova quanto é a internet para a sociedade?”, perguntou à mesa.
Brian Holmes disse, em relação a inventar outra ideologia, que falta uma ética da rede:
84
rivados (idéias, projetos e obras) jamais foram apresentados ou comercializados no circuito comercial das artes. Isto é, toda a distribuição do
projeto é realizada em circuito alternativo – academia, congressos, feiras tecnológicas, museus, instituições culturais – e em publicações de
artigos em livros, catálogos, revistas especializadas, DVDs e web.
pesqu isa, formação e mer c ado
“Precisamos de uma nova organização na net que consiga ser mais rápida do que as
corporações. Quem usou primeiro a agilidade da internet foram as corporações, seguidas
pelos ativistas e depois pelos fundamentalistas. Espero que a direita não os siga. Nós
precisamos criar formas de desacelerar as corporações. Uma ética, uma política e uma
cultura da sociedade em rede estão ainda para ser inventadas”.
Em resposta à palavra “representação”, Hernani Dimantas devolveu a palavra “descentralização”: “Os movimentos mais fortes de ativismo estão acontecendo na periferia, mas a periferia não tem tecnologia”.
O debatedor convidado Marcus Bastos, professor da PUC-SP, perguntou se o espectro da
busca pelo net-ativismo não poderia ser um pouco alargado, para incluir a net-arte, por
exemplo. Não aumentariam os exemplos? Não daria uma resposta mais otimista à ques-
fór um on -lin e
85
converg ê n c i a t e c n o l ó g i c a
Jonas de Oliveira Junior
fór um on -lin e
Gostaria de discutir a convergência tecnológica e explicar de que maneira as empresas de telecomunicações estão interessadas neste processo.
Há 10 anos, graças à revolução propiciada pelo trabalho e dinamismo do
ministro Sergio Motta a frente do Ministério das Comunicações, o Brasil
passou por uma enorme reestruturação no setor de telecomunicações e
hoje nós temos uma infra-estrutura bastante robusta e disseminada que
pode ser colocada a serviço da sociedade, não só para serviços básicos. E
a principal novidade que deve surgir nos próximos meses é o chamado
serviço de IPTV, sigla que vem de IP (Internet Protocol), que é a tecnologia utilizada na internet, e televisão.
Quando essas duas tecnologias se associam suportadas pela plataforma do serviço telefônico, abre-se a possibilidade de disseminação,
de criação de um novo serviço, cujas possibilidades ainda estão sendo
exploradas. Existe um modelo atual, com os vários segmentos de telecomunicações, com plataformas completamente independentes: a de
radiodifusão, de TV – já em fase de digitalização. Existem também a das
empresas de TV por assinatura, basicamente TV a cabo e as de telefonia,
fixa ou móvel. E, em curto prazo, o que vai existir? Um mundo convergente em termos tecnológicos, em que as três ou mais plataformas passam a compartilhar o mesmo substrato tecnológico.
tão do conformismo político levantado por Giselle Beiguelman? A postura de Bambozzi
se manteve: “O potencial de uso das redes foi super-estimado”.
Ricardo Rosas, mais um debatedor convidado do Conexões Tecnológicas chamou a atenção para o fato de que estratégias que contestam a navegabilidade também podem ser
consideradas uma forma de ativismo na rede. “O net-ativismo não é apenas mobilização
social. É um conceito”. A mediadora da mesa aproveitou a deixa das últimas intervenções para ironizar: “O net-ativismo da classe média brasileira são as comunidades
do Orkut”, arrancando risos da platéia.
Brian Holmes foi mais firme na questão levantada por Bastos e Rosas: “Ou o ativismo
interfere politicamente ou ele não é nada. Ou é qualquer coisa”.
A discussão centro/periferia retornou em pergunta do jornalista Guilherme Kujawski,
86
A telefonia via rede de TV a cabo já é uma realidade. A transmissão
de TV via rede de telefonia será viável em curto prazo. E com a introdução do sistema de TV digital, prevista para o próximo ano, também o
setor de radiodifusão se integrará nessa evolução tecnológica. Essa convergência traz benefícios para a sociedade, para os agentes econômicos
envolvidos e para o setor público. Abre-se um espaço para o governo de
divulgação de serviços públicos. Disseminados pela idéia de que hoje
já existe um bom exemplo de serviço público prestado de maneira totalmente eletrônica, que é o programa do imposto de renda. Talvez não
seja um exemplo muito simpático, mas existem inúmeros serviços públicos que podem perfeitamente ser prestados por meio dessas novas
plataformas.
Um ponto importante é a base. A radiodifusão tem um alcance
enorme e atinge 100% dos cidadãos. Mas, entre os serviços diferenciados, como o de TV por assinatura, a base é muito pequena. Estima-se
que existam hoje 4 milhões de assinantes de TV por assinatura no país.
O sistema de telecomunicações, se somarmos a rede fixa e móvel, atinge
130 milhões de terminais. Assim que a infra-estrutura de telecomunicações passar a ser utilizada, aumentarão os investimentos na produção de
conteúdos, incentivados por sua capacidade. É um serviço comercial?
Sim, não há dúvida, mas é um serviço em que todos os participantes da
cadeia de valor serão beneficiados.
A indústria produz equipamentos e softwares. Os produtores de
conteúdo, sejam eles tradicionais ou independentes, se somará a aqueles
pesqu isa, formação e mer c ado
que relembrou o manifesto do antropólogo Hermano Vianna por ocasião do lançamento
do programa Central da periferia, na Globo [o texto foi publicado em abril como um
anúncio de página inteira em diversos jornais brasileiros]: “Como acabar com este loop
cibernético perverso?”, perguntou o debatedor. Holmes: “Acesso livre para todos e mais
esforços de desenvolvimento”.
fór um on -lin e
p e s q u i s a , f ormação e merc ado – seleção de posts
leandrops
Enviada: Qua Mai 17, 2006 9:58 pm
Assunto: Jonas Oliveira, Telefonica
De que forma o fortalecimento das novas mídias concorre com os paradigmas da comu87
pesqu isa, formação e mer c ado
que certamente surgirão em função dessa oportunidade e todo aquele
aparato de prestação de serviço que geralmente vem associado a uma
inovação dessas. Serviço de atendimento, ou mesmo vendas interativas,
e assistência técnica terão que se adaptar, pois uma mídia completamente diferente, pode causar impacto inclusive na área de publicidade.
Vale lembrar que empresas de telecomunicação operam em rede,
e essas empresas têm uma característica única, peculiar. Então, não se
trata de um serviço elitista. O Brasil é um país em desenvolvimento,
com renda muito mal distribuída. Portanto existe sempre uma parcela
da população que, mesmo assim, não tem acesso a esse serviço, mas há
soluções, como locais de uso público, postos de serviços, locais de uso
comunitário, mecanismos explícitos de subsídio.
fór um on -lin e
nicação vigente? A criação do Sistema Brasileiro de Televisão Digital (http://sbtvd.cpqd.
com.br) demonstra a urgência em se pensar uma dimensão política para a revolução
tecnológica da TV digital, que torna evidente a convergência de conceitos como os de
computação, imagens digitais e internet. Num mercado com 100 milhões de televisores,
a disputa entre modelos de difusão (analógica x digital) vem promovendo debates entre
as principais operadoras de telecomunicação do país.
leandrops
Enviada: Qui Mai 18, 2006 11:43 am
Assunto: O Minc e as políticas do digital
“A criação de novo marco regulatório para o audiovisual e para a comunicação social
88
deb ates: c o n e x õ e s t e c n o l ó g i c a s
brasileira envolve aspectos políticos, econômicos e culturais que antecedem, perpassam
e acompanham a implantação da TV digital. Trata-se de um debate público necessário,
cujos resultados são fundamentais para a cultura e a democracia brasileiras e para a
consolidação do país como grande produtor de conteúdos na era das convergências e da
economia digital”. Leia o texto completo de Gilberto Gil e Orlando Senna no sítio NovaE:
http://www.novae.inf.br/pensadores/conteudo_importa.htm.
leandrops
Enviada: Ter Mai 23, 2006 12:32 am
Assunto: Citando Juliana Monachesi
Citação: A mídia impressa em geral sofre outra grande crise em relação à transição para
89
fór um on -lin e
priscila arantes – Obrigada aos palestrantes. Com as falas, muito instigantes, foi possível perceber onde há realmente a interface entre a pesquisa artística e o desenvolvimento tecnológico e científico, que era o
objetivo dessa mesa. Vou abrir agora para os debatedores e a platéia.
daniela bousso – Só para esquentar o debate, vou trazer algumas questões que Karin [Ohlenschläger] e eu discutimos anteriormente. Uma das
questões que levantamos é a de que, com este tipo de pesquisa mais vinculada à ciência, muda o conceito de representação estética que conhecemos tradicionalmente.
Questionamos, então, como é que nós – teóricos, críticos e o próprio
mercado – nos relacionaríamos com esse tipo de obra daqui para frente,
uma vez que essas obras perderam aquela dimensão estética que tinham
até a modernidade e a pós-modernidade? Como vamos lidar com ela? Torná-la estética? Ela não é estética ou carece de uma nova forma de leitura?
Eu gostaria de lembrar aqui que a Priscila Arantes desenvolve, no
seu trabalho teórico, a questão da “interestética”. Quem diz o que é arte
não somos nós, críticos, mas sim os artistas. Esta é uma premissa básica
para relacionamento saudável e para a abertura de canais entre o artista
e o crítico, não é verdade?
karin ohlenschläger – Por um lado, esse tipo de arte que vimos aqui
– por exemplo, o projeto bem interessante de Daniela [Kutschat] e Reja-
pesqu isa, formação e mer c ado
ne [Cantoni] – eu relacionaria mais com as artes performáticas, porque
ele cria e estabelece um ambiente, uma estrutura, e convida o usuário,
o visitante, a explorar, interagir e contribuir para o projeto como um
todo. Como? Participando do próprio projeto. Nós sabemos disso pela
tradição da arte dos anos 1950, 60 e 70, só que agora a diferença é que
esse tipo de instalação procura fazer com que o usuário vivencie o que o
ambiente virtual, ou mundo virtual, significa. Porque ele não é abstrato,
faz parte de nossa experiência diária. Temos um pé no chão e um ouvido
na rede, então, como reorientar a nossa estrutura de percepção, ou seja,
como reorientar a nossa concepção de mundo, entrar em contato e vivenciar essa nova constelação?
Esse tipo de instalação é muito importante, pois oferece, por um
lado, a experiência e, por outro, o conhecimento. Se você passa pela experiência sem uma reorientação, é muito difícil adquirir conhecimento
sobre esse tipo de projeto.
Com relação ao conceito científico, costumamos ressaltar apenas a
matemática ou a física, só que atualmente os trabalhos estão muito relacionados à biologia, sociologia, antropologia, e há muitos artistas trabalhando nessa área, em diálogo com cientistas que estão explorando os
novos limites da experiência e do conhecimento. Na minha opinião, o
artista, e não apenas os cientistas ou o mercado, tem hoje o papel de produzir experiências e conhecimento que não sejam só uma experiência
estética, mas que também lidem com o movimento físico e a percepção.
priscila arantes – Quanto à discussão sobre a estética que você levantou,
fór um on -lin e
o jornalismo on-line: a “competição” com os blogs; além de produzir conteúdo específico
para suas versões on-line, acho que os jornais precisam começar a pensar também em
uma forma de abarcar a natureza da notícia on-line, que é horizontal, distribuída e mais
democrática, vocês não acham? (Citação de Juliana Monachesi no Pré-Fórum On-line
dos alunos do Centro Universitário Senac).
A tendência convergente das mídias digitais aponta para a criação de novas redes de
informação, mas também para o fortalecimento de organismos já estabelecidos, que
se adaptam aos novos meios. Quem poderia citar exemplos de sites que pratiquem
um jornalismo próximo ao que Juliana Monachesi sugere, “horizontal, distribuído e mais
democrático?”.
90
serei rápida. Creio que, primeiro, existe a estética tradicional, ligada à
forma do objeto. É um conceito que, tradicionalmente está relacionado
à idéia do belo, como algo que representa a forma ideal e perfeita, única
e fixa. Este conceito tradicional de estética também revela a idéia de uma
atitude contemplativa do sujeito em relação ao objeto único. Na atualidade, com as mídias do tempo, cinema, vídeo e mais recentemente as tecnologias informacionais, a idéia de uma “forma”, fixa, imutável se rompe.
Daí o termo “interestética”: uma estética da interface que prevê uma troca
de informação humano-máquina. Em projetos tais como os de Daniela e
Rejane não se trata de observar um objeto que tem forma fixa e imutável,
mas de um projeto que pressupõe um fluxo de informação, uma relação,
uma conexão, uma interface homem/obra. Por outro lado, pensar em “interestética” significa também em pensar em conexão, em fluxo e interface
de áreas distintas, tais como a área da arte e da ciência. Não que o interfaceamento entre estas áreas seja recente. Basta lembrar dos trabalhos
de Leonardo da Vinci e toda a produção desenvolvida no Renascimento
baseada na perspectiva e no desenvolvimento de dispositivos ópticos. A
relação entre arte-ciência é muito antiga; o que mudou é que atualmente
trabalha-se com fluxos de informação, com programas, com algoritmos.
romero tori – A arte e a ciência – cuja relação, como bem colocou a Priscila, vem desde as suas origens –, em algum momento, começaram a ir por
caminhos diferentes, mas, agora, percebe-se a necessidade desse reencontro, que está acontecendo nos trabalhos que foram aqui expostos, muitos
até com efeitos econômicos bastante visíveis. Fica a dúvida se as empresas
pesqu isa, formação e mer c ado
Laís Cerullo
Enviada: Sex Mai 26, 2006 12:52 pm
Assunto: Re: Citando Juliana Monachesi
Alguns jornais estão disponibilizando espaços para os leitores, como por exemplo o
jornal Estadão – agência de notícias (www.estadao.com.br). Com o crescimento dos
blogs, alguns jornalistas criaram os seus: http://noblat1.estadao.com.br/noblat/index.
html, blog do Noblat, e http://josiasdesouza.folha.blog.uol.com.br, blog do Josias. Os jornais também estão criando seus próprios blogs, por exemplo o jornal inglês The Guardian
(http://commentisfree.guardian.co.uk/index.html) e o também inglês Telegraph (http://
blogs.telegraph.co.uk). Com esse canal, a interação entre leitor x jornalista e leitor x leitor
se estreitaram e criaram novas formas de gerar conteúdo.
fór um on -lin e
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pesqu isa, formação e mer c ado
que comercializam tecnologia são de tecnologia ou de design, pois os equipamentos têm basicamente as mesmas funcionalidades, mas todo mundo
os quer com um determinado design, uma determinada marca.
A criatividade brasileira e seus artistas já são bem reconhecidos no
mundo inteiro e, como o professor [João Antonio] Zuffo mostrou, também desenvolvemos tecnologia. Temos, portanto, inserção internacional
também na área tecnológica. Então, eu noto uma boa perspectiva para o
país, e isso entra na questão das políticas públicas, de vários paradigmas
que precisam ser repensados aqui no Brasil. Nosso grande potencial não
está só na exploração do petróleo, está também na exploração dessa junção multicultural própria do país, com suas diversas culturas – da arte,
da ciência, da tecnologia – nessa facilidade que o brasileiro tem de inovar,
de criar. Já foram citados vários exemplos da nossa ousadia – a questão do
imposto de renda, da urna eletrônica etc.
Então, eu queria que a mesa discutisse um pouco essa questão do
método científico e do método criativo: o que um teria a aprender com
o outro, como unir ousadia sem amarras com um ceticismo metódico e
chegar a algo que realmente inove, para mostrar ao mundo que o Brasil
tem muito a contribuir nessa área que permeia a arte e a tecnologia?
joão antonio zuffo – O cientista tem sua criatividade limitada pelo
rigor científico. Dessa forma, ele perde muito da liberdade criativa. Já
o artista, não, ele entende essa preocupação e é capaz de criar e achar
novos caminhos científicos que, antes, o rigor científico havia limitado.
Isso ocorre freqüentemente, tanto que descobertas acabam não sendo
fór um on -lin e
leandrops
Enviada: Sex Mai 26, 2006 6:51 pm
Olá, Laís, este crescimento dos blogs dentro de grandes portais de informação parece,
além de uma adaptação lógica à necessidade de atualização, uma resposta ao rigor de
pauta sobre o qual se estruturam os negócios das redes de notícia. O velho jornalista formador de opinião é uma idéia deslocada no atual cenário em que faculdades formatam
profissionais pro boicote da edição.
O blog surge nesse contexto como uma espécie de reserva moral da liberdade de opinião.
É um espaço em que o jornalismo pode ser exercido mais isento da idéia mais-ou-menos
absurda de imparcialidade. Acredito que os sítios de notícia tendem a se tornar grandes
portais de blogs, através dos quais se desenrolem assuntos específicos – política, cultura,
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feitas exatamente porque o rigor científico limita a criatividade. Gostaria de chamar a atenção para um ponto: esta chance de se expor uma
programação gráfica, associada à ciência abre novas oportunidades de
se desenvolver a aplicação científica, devido à ausência das amarras
existentes nas ciências.
daniela kutschat – Muito complexo isso tudo, não? O fato é que nós todos, espero que a Telefonica também, estamos dispostos a trabalhar juntos de alguma forma. Mas os métodos artísticos também têm rigor – isso
eu gostaria de deixar bastante claro –, mas é outro tipo de rigor, e, como
disse Beuys, a ciência da arte é a liberdade. Isso realmente é um fato. No
entanto, existem metodologias que são empregadas na arte, e qualquer
artista as utiliza, embora não as venda tão bem quanto a ciência. Utilizamos os geométricos, intuitivos geométricos, fenomenológicos, campos
lógicos, campos perceptivos, ou seja, campos de investigação que exigem rigor lógico, tanto quanto a investigação artística.
A grande questão agora é como fazer com que haja uma política pública para essa área de inovação. Há, por exemplo, agências de fomento
acadêmico, algumas iniciativas, mas não existe, de fato, uma política pública que fomente esse campo de investigação, que é nebuloso, por ser
híbrido. Portanto, se você se vale do rigor tecnológico da área das ciências puras, que é diferente do das ciências humanas, quem vai avaliar
isso? Teria que haver uma comissão, pessoas, como nós, que tivessem interesse em discutir isso. Este é o primeiro ponto. Não existe um modelo
rígido, fechado. Segundo, eu gostaria de ressaltar que, de fato, não perce-
pesqu isa, formação e mer c ado
tecnologia, sob a real assinatura de alguém, a quem se possa responder, com quem se
possa dialogar, gerando opinião através de debate, e não somente a partir da insígnia do
veículo... Assim, possivelmente, teremos veículos mais capacitados a pensar a realidade
ao invés de meramente filtrá-la.
Dê uma olhada nessa interessante leitura sobre os mandos e desmandos da revista Veja
no sítio novae: http://novae.inf.br/pensadores/veja_invencoes_elite.htm.
fór um on -lin e
OP_ERA , Daniela Kutschat Hanns e Rejane Cantoni
Nani Brisque
Enviada: Qua Mai 17, 2006 7:20 pm
Assunto: interfaces emergentes: OP_ERA
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pesqu isa, formação e mer c ado
bo no Brasil uma política cultural que estimule isso. O que existe é uma
política tributária, por isso o artista tem que bater na porta das empresas
e dizer: “Olha, você pode deduzir X, Y, Z do seu imposto me fomentando”.
Isso não é política cultural. Esta é uma questão que o Romero abordou:
qual segmento nós representamos, que novo segmento emergente é este
em que os cientistas têm que estar junto com as empresas de tecnologia
e com a comunidade “criativa”, que não são só os artistas, mas também
os inventores? É um problema importante, tem que existir fomento,
tanto público quanto privado. Agora, afirmar que dedução de imposto é
política pública, cultural e de incentivo, eu questiono.
daniela bousso – Concordo com você, pois as políticas públicas, de
forma geral, resistem muito ao que é inovador. Esse é um ponto fundamental, mas eu me pergunto como é que as políticas públicas poderiam
ser mais estimuladas. Se observarmos o resultado do ponto de vista de
estímulo às artes que elas têm dedicado ao novo, podemos dizer que elas
se pautam um pouco assim: a arte mais convencional tem um certo escoamento no mercado de arte, mas isso não é suficiente para que haja
uma política pública para as artes visuais de verdade. Esse mercado de
arte das galerias, que é tão incipiente, não gira uma economia capaz de
motivar as políticas públicas, não é?
Então eu sugiro que nós comecemos a pensar no mercado de uma forma mais ampla, quer dizer, que a nossa noção de mercado extrapole um
pouco a galeria, a idéia de que é nela que o artista tem que vender a obra,
e precisamos começar a pensar um pouco em como podemos constituir,
fór um on -lin e
Creio que a exploração de artifícios para a interatividade homem-máquina passa inevitavelmente pelas possibilidades técnicas disponíveis no entorno. Creio que associar dispositivos eletrônicos, mecânicos e físicos é imprescindível. Estamos no momento de explorar
meios para viabilizar uma proposta, não podemos censurar sua forma. Não é hora.
Creio que os dispositivos não-naturais devem fazer parte de um conjunto de elementos
para poder ser abstraído. Talvez estes elementos possam criar uma harmonia para que
a relação do conjunto seja cada vez mais completa, cada vez mais imersiva. Creio que
dinâmicas maiores deverão ser exploradas na evolução dos processos e isso haverá de
considerar o desenho do espaço, ângulo de projeção, temperatura do ambiente, áudio,
tempo de imersão, disponibilidade do usuário, aparatos eletrônicos, sensores, texturas,
cheiros, entre outras questões pertinentes ao design.
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de fato, um mercado que se transforme, inclusive, em economia. Eu acho
que, no bojo dessas questões, há sempre a econômica, que não se resume
em nos mobilizarmos ou não. Assim, eu sugeriria o primeiro ponto de
discussão para as empresas, aproveitando aqui a presença da Telefonica.
A Rejane [Cantoni] diz sempre: “A produção artística de hoje é o
eletrodoméstico de amanhã”. Então, há essa necessidade de ampliar a
atitude do mercado de modo que este passe a incorporar o artista que
pesquisa no campo da invenção, seja na área da realidade virtual, seja
na das telecomunicações, da internet móvel, da fotografia, enfim, do design, pois se trata da mesma coisa.
Eu, por exemplo, trabalho dentro de uma instância de política pública e devo dizer a vocês que o Paço das Artes é chamado de “xiita”,
porque um dos campos que estimulamos, um dos braços ao qual damos
apoio, é o da arte-tecnologia. Então, está bem, somos xiitas, e daí? Essa é
a questão que coloco. É verdade que as políticas públicas existem mesmo, mas é verdade também que a instância de organização e de mobilização das políticas públicas está na economia e, antes da economia, na
nossa capacidade de organização.
patrícia canetti – Queria pegar o gancho de produção, de mercado e
de escoamento de produção e fazer uma pergunta para a Karin – porque
foi dito aqui que a colocação desse novo produto, a IPTV, já está acontecendo na Espanha – e gostaria de estender a questão também à Daniela Bousso e ao Eduardo Brandão: em que momento as instituições, que
são as fomentadoras da produção de conteúdo, vamos chamar assim, da
pesqu isa, formação e mer c ado
Atualmente não conheço os dispositivos que foram utilizados no projeto OP_ERA, só sei
que envolvia uma série de dinâmicas de programação em tempo real, o que possibilitava ao usuário “interferir” nas imagens e no som na dimensão no qual estava imerso. O
equipamento em si eu desconheço, suponho que seja como um mouse, ou um sensor
que ativa estas conexões. Um óculos em alguns momentos era utilizado.
fór um on -lin e
leandrops
Enviada: Qua Mai 17, 2006 11:25 pm
Assunto: entrevista na nyarts
De acordo com as teorias físicas, vivemos num mundo tridimensional. Mas o que o
trabalho de Rejane Cantoni e Daniela Kutschat acaba por demonstrar é que há mais
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pesqu isa, formação e mer c ado
“arte e tecnologia”, vão deixar de ser “espaços físicos”, de estar “fisicamente” no mundo? Quando é que esse conteúdo vai entrar em rede, em
IPTV, e as instituições vão assumir esta outra forma, e, assim, deixar de
existir como salas expositivas?
karin ohlenschläger – Acho que precisamos considerar que as instituições são feitas por pessoas, indivíduos; portanto, é importante manter e aprofundar o diálogo entre as pessoas, esse é o ponto de partida.
Não confio, não acredito mais nos argumentos: “ah, porque os políticos,
porque as instituições, porque o mercado...”. É necessário falar sobre pessoas, creio que é muito mais fácil. Eu poderia explicar, nesse contexto, as
nossas atividades e o tipo de estratégias que desenvolvemos para entrar
em um centro cultural que, até então, era muito conservador. Houve
muitas mudanças nos últimos quatro anos, porque muitos dos jovens
entraram e as coisas mudaram, ficaram mais dinâmicas, até mesmo os
políticos mudaram porque viram que estava acontecendo algo importante para os jovens e para as pessoas em geral.
Nós temos muito público, muitas discussões, muitos encontros, e o
tipo de mostras e atividades que propomos, por um lado, têm o formato
de oficinas, em que podemos usar softwares e aplicar tecnologia em novos eventos e processos. Por outro lado, quando organizamos mostras,
procuramos não enfatizar apenas novas tecnologias, porque não estou
interessada na tecnologia em si, e sim nos conceitos que estão por trás
da nova tecnologia.
Tentei explicar na minha palestra que fizemos mostras que lidavam
fór um on -lin e
dimensões do que nossos dedos podem contar. Construído como uma ferramenta multisensorial de experimentação do conceito de espaço, OP_ERA é uma espécie de instalação imersiva que, através da sincronia de feixes de luz, simula a revelação de uma nova
dimensão.
Leia a íntegra da entrevista de Roberta Alvarenga com as artistas no sítio da NY Arts:
http://nyartsmagazine.com/index.php?option=com_content&task=view&id=3461&Ite
mid=211.
p e s q u i s a , f o rmação e merc ado –
c o b e rt u r a das palestras presenciais
A idéia da primeira mesa do fórum Conexões Tecnológicas era aproximar as discussões
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com as complexidades e com as estruturas não-lineares presentes na física, na matemática, na pintura, fotografia, cinema e, com isso, as mídias
tradicionais puderam se vincular com as novas, mas a ênfase está no
conceito, por isso escolhemos esta estratégia de integração da arte tradicional com a nova, e muitas obras em novas mídias estão diretamente
conectadas com o que aconteceu em meados do século passado. Queremos mostrar exatamente esse tipo de conexão, essa evolução. O suporte
não é tão importante quanto o conceito.
Por exemplo, tivemos uma mostra sobre metabolismo em comunicação, ou biologia e telecomunicações, e também falamos sobre as questões mais amplas relacionadas à arte e à vida: como foi a sua evolução
ao longo do século 20, e o que acontece no organismo, nessas estruturas
abertas de interação e com essas novas instalações multimídias de massa.
Procuramos sempre trabalhar com um conceito que seja mais do que um
instrumento. Esse é o tipo de estratégia que precisamos para conectar as
artes em novas mídias com as tradicionais. Para mim, é fundamental falar sobre arte – a arte contemporânea, a arte do século 21 – e reconhecer
que ela está evoluindo, assim como todas as outras experiências e expressões do conhecimento humano. Gosto, se possível, de participar dessa
evolução, por isso conseguimos realizar tudo o que temos realizado.
Começamos num espaço bastante limitado, com quatro pessoas, e
fomos crescendo, amadurecendo e percebendo também que a necessidade das pessoas não era somente ter acesso às máquinas. Porque no Medialab as pessoas podem produzir, as máquinas estão lá disponíveis, mas
pesqu isa, formação e mer c ado
que dizem respeito à produção cultural/artística às discussões de mercado/produção
tecnológica.
Conforme explicou a mediadora desta mesa, Priscila Arantes, ao fórum do Canal: “O universo artístico/experimental tem produzido não somente tecnologia – muitos artistas
produzem interfaces inovadoras, desenvolvem softwares, etc. – como também tem se
utilizado das mesmas tecnologias que estão presentes no mercado. Veja, por exemplo,
trabalhos com wireless, eventos como o Motomix etc. Ou seja, tem havido cada vez
mais uma aproximação, ou melhor, uma contaminação destas áreas: produção artísticaexperimental/mercado. Veja, também, o projeto Calhau da Giselle Beiguelman, que de
certa forma coloca isto em discussão ao dispor trabalhos em banners publicitários. Por
outro lado, ainda há uma dificuldade muito grande de aceitação por parte das galerias
fór um on -lin e
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pesqu isa, formação e mer c ado
elas não vão lá só por causa delas, elas precisam estar em contato com
pessoas que estejam numa situação semelhante, que compartilhem as
mesmas preocupações, questões e problemas vinculados à nossa sociedade digital em qualquer que seja o contexto.
Então, é importante esta oportunidade de diálogo mais aberto, de
troca. É importante haver um ambiente, uma atmosfera que promova
isso. Para tanto, você não precisa de uma infra-estrutura muito grande,
nem que as políticas mudem, é só ter um espaço, tentar preenchê-lo com
a energia das pessoas, das idéias. Para mim, é assim que as coisas funcionam, é dessa forma que elas vão crescendo, de baixo para cima, e não de
cima para baixo, de uma forma fechada. Bom, espero ter respondido a
sua pergunta.
ana tomé – Eu trabalho também para uma organização espanhola, a
Agência Espanhola de Cooperação Internacional. Gostei muito da fala
da Karin porque a gente comete um erro quando coloca mais ênfase nos
instrumentos do que nas idéias. Na minha opinião, um dos aspectos
mais importantes do Medialabmadri é o de criar um ponto em que diversos interesses possam se misturar e produzir diferentes idéias, ou as
mesmas idéias sob outras perspectivas. Foi importante você mencionar
que as instituições políticas, não somente empresas e as virtuais, são feitas por pessoas, integradas por pessoas. Por isso, é fundamental trabalhar
para encontrar uma linguagem comum e que permita projetos comuns.
Às vezes, temos esse problema de encontrar a linguagem que acerte os
diferentes interesses, backgrounds e oportunidades para desenvolver o
fór um on -lin e
de trabalhos de arte e tecnologia... Será que seria o caso de se pensar em galerias ou em
‘bancos de projetos’?”.
A idéia da mesa era incentivar o debate acerca destas novas searas da produção artística
tecnológica que se mistura cada vez mais com o mundo do mercado/tecnologia e tentar
perceber, a partir destas características, quais os novos circuitos que ela demanda: que
acervos, galerias, banco de projetos, banco de dados, museus virtuais etc.
Neste tópico de discussão, vamos apresentar resumos das palestras que aconteceram
no fórum presencial do dia 26 de maio pela manhã e, com a participação dos membros
deste fórum on-line, vamos ver se levamos adiante alguns temas e, sobretudo, vamos ver
se destrinchamos o abismo que se viu entre a “fala da instituição”, a “fala do mercado”,
a “fala da academia” e a “fala do artista”.
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trabalho. Daí a importância, na perspectiva dos projetos futuros, da ênfase que ela deu ao conceito mais do que às mídias, porque isso evolui,
ora é uma coisa, ora é outra.
giselle beiguelman – Eu queria, sem discordar da questão do conceito,
colocar algo que, muito provavelmente, esteja em um dos vértices das
nossas incompatibilidades ou dificuldades de entender como é o mercado, seja ele de arte, seja de telecomunicação propriamente dito. A relevância para nós – e espero que a apresentação da Rejane e da Daniela tenha sido suficientemente esclarecedora nesse sentido – está no conceito
inserido na própria tecnologia que vem sendo desenvolvida.
A grande dificuldade de diálogo que temos com grande parte das instituições culturais e com as agências de pesquisas é no sentido de evidenciar o quanto a nossa estética está vinculada a um algoritmo que pode ser
entregue em um mero disquete, que não necessariamente demanda um
HD de não sei quantos gigas. O que é muito difícil e assustador é que essa
falsa ou velha idéia da representação colide com o tipo de programação
estética com a qual nós estamos envolvidos de ponta a ponta. De modo
que o conceito não só aí é uma idéia, ou um ponto de partida teórico,
como também é, em si, uma experiência pragmática, e a invisibilidade
desse processo, do tipo de criação que desenvolvemos, e a importância
que ele ocupa no nosso trabalho talvez seja um dos nossos pontos de
maior fricção com as instituições com as quais nós nos relacionamos.
Sem discordar que o conceito, óbvio, é importante, para nós ele não
é só composto pelas idéias, como também pelos princípios temáticos e
pesqu isa, formação e mer c ado
Da pesquisa básica ao impacto cultural
Karin Ohlenschläger, co-diretora do Medialabmadrid e curadora de arte contemporânea
e novas tecnologias, falou sobre as interconexões entre arte, ciência e novas formas de
conhecimento. Começou citando Foucault, segundo quem o mundo não é mais experimentado como um estado, mas como uma rede.
Para Karin, a resistência ao olhar transdisciplinar é datada e contrária ao conhecimento
no contexto atual. “Arte e ciência são inseparáveis do contexto político e econômico que
lhes dá vida, e mudam a forma como nos relacionamos com o mundo, porque tornam
visível o invisível”, afirmou.
Como se não bastasse a resistência ao conhecimento transdisciplinar, ainda estamos
presos a estereótipos consolidados no século 18 sobre ciência e arte: a primeira seria
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teóricos orientadores do trabalho. Os conceitos estão nas opções tecnológicas, de programação, no tipo de equipamento utilizado, e essa consciência de ambas as partes facilitaria enormemente o nosso trabalho
com as instituições que gostaríamos que nos recebessem. Não por acaso, o nosso grau de isolamento é sintomático, não só no Brasil. É visível
e notória a necessidade de um museu especializado em mídia – como
ZKM, Medialab ou MECAD – e de que transitemos o tempo todo em
exposições especialmente devotadas à criação com mídias digitais.
De modo que há um problema, no nosso ângulo de visão, de participação, assim como de recepção e crítica do nosso trabalho, que acaba
demandando um circuito paralelo e fechado que cria essa bola de neve,
da qual nós queremos sair, mas, ao mesmo tempo, não podemos. É preciso termos consciência de algumas estratégias de defesa que desenvolvemos no processo e de quanto, talvez, elas estejam se tornando um ovo
da serpente contra nós mesmos. Acabamos dependendo de circuitos extremamente especializados, com os quais temos dificuldade de dialogar,
e aí se somam a nossa dificuldade de mercado e a outra que nós criamos
nesse processo, não é?
rejane cantoni – Claro que é feito por pessoas e é claro que o conceito permeia esta pesquisa, tanto que, no Brasil e fora dele, boa parte das
pessoas que estão trabalhando com arte e tecnologia é composta ou por
professores universitários ou por quem tem uma formação altíssima, são
doutores etc., esse é o nosso caso. Aqui todos nós trabalhamos na universidade, onde as idéias estão circulando, e estamos dividindo nossas idéias
fór um on -lin e
“objetiva”, a segunda, “subjetiva, fruto de alguma forma de inspiração divina”. Segundo
a curadora, “hoje sabemos que não é a natureza que nós olhamos e sim a natureza vista
a partir de nossa forma cognitiva de olhar”.
Karin Ohlenschläger citou a diferenciação que Manuel Castells faz entre “flow” e “places” [tema que voltaria à tona na palestra de Brian Holmes] e defendeu que o papel dos
artistas é transformar a dinâmica destes dois espaços. “A referência hoje não é mais a
superfície do mundo, mas sua estrutura. O tempo é a matéria-prima dos artistas no
século 21”, afirmou.
Ao final de sua fala, descreveu o funcionamento do Medialabmadrid. “O que uma instituição
pública pode fazer para contribuir com esse novo contexto? Dando espaço para a reflexão e
a pesquisa. Esta é uma missão básica para todos os sistemas democráticos”.
100
com outras pessoas, mas a universidade não financia o nosso projeto. Não
há dinheiro. Não há laboratórios. Custa muito caro o que nós fazemos.
Pontos de encontro nós temos. O que nos falta mesmo é investimento
para o desenvolvimento da tecnologia, porque, como já se falou, a ciência
conta com laboratórios, nós não. Como vamos testar nossas idéias? De
que adianta pensarmos em coisas, se não podemos testá-las?
Parte do processo de fazer é um processo de aprendizado, nós sabemos
disso. Fazendo se aprende, isso é vital. Outra coisa, eu entendo que exposições de arte e tecnologia não apresentem trabalhos de ponta nessa área
porque custam caro, a manutenção é difícil, os artistas, cujos trabalhos
envolvem arte e tecnologia, estão montando pela primeira vez os seus laboratórios. Os nossos laboratórios são portáteis e têm que funcionar, diferente da ciência, na qual as coisas não precisam funcionar porque uma
hipótese pode também não ser válida, pois ela já é entendida como um
caminho. É importante se eu testar uma idéia e chegar à conclusão de que
ela não é válida, e mesmo se não me apontou caminhos, isso também é
entendido como conhecimento. Mas, em exposições de arte e tecnologia,
nossas máquinas têm que funcionar, elas não são liquidificadores ainda.
Trabalhamos com milhões de hipóteses na cabeça e, para viabilizálas, alguém vai ter que comprar a nossa briga, não adiantam os discursos
de que nós temos media labs, porque não temos. O MIT é um cenário
muito pragmático. Por que toda a cultura está associada, de repente, a
uma relação anglo-saxônica? Como você falou, não é à toa. Porque, no
MIT, estou automaticamente conectada com as pesquisas de ponta de
pesqu isa, formação e mer c ado
Convergência e oferta de serviços de telecomunicações
Jonas de Oliveira Junior, um dos diretores da Telefonica Brasil, falou sobre convergência
tecnológica, mais especificamente sobre um novo serviço de telecomunicação: a IPTV
(televisão via plataforma de serviço telefônico), que – apresentada em tom de panacéia
– vai propiciar um número ilimitado de canais. “A massificação deste serviço vai produzir
mudanças culturais e alterar nossos hábitos: vamos trocar a locadora de vídeo – espécie
em extinção – pela programação de gravação digital. E vai impactar áreas como a publicidade, que vai precisar se adaptar, como a de políticas públicas do governo, uma vez
que serviços públicos poderão ser oferecidos por meio da IPTV, eliminando problemas
crônicos como as filas do INSS”, profetizou.
fór um on -lin e
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pesqu isa, formação e mer c ado
ciência e tecnologia, não existe separação e sim investimento maciço da
IBM, Hewlett Packard. O MIT, por exemplo, tem uma publicação anual
com as fotos dos alunos que foram patrocinados pelas maiores empresas do mundo. Então, ou trabalhamos neste cenário ou vamos escrever
livros (que também é importante), contudo, é fundamental a gente encarar o problema: no Brasil, precisamos ter acesso aos meios, precisamos
trabalhar, e a ciência também precisa.
joão antonio zuffo – Agora chegou a minha vez de discordar de que a
ciência não funciona. Você já imaginou se uma estação espacial ou uma
usina atômica não funcionasse?
rejane cantoni – Nós precisamos de verbas. Não foi isso o que eu falei.
joão antonio zuffo – Mas, de qualquer forma, quero voltar, inclusive,
ao assunto do rigor, ao Galileu Galilei que foi citado aqui. Galileu Galilei, se tivesse rigor científico, nunca teria bolado máquinas voadoras,
máquinas submarinas, que estavam 400 anos à frente. O Newton, por
exemplo, nunca fez isso, nem Kepler. Foi exatamente o espírito artístico do Galileu que quebrou as amarras do rigor científico de sua época.
Eu falei na falta do rigor científico, porque ele amarra os cientistas na
época em que estão, enquanto o artista pode dar vôos muito mais altos.
Esse é o aspecto, eu não quis entrar em detalhes, se bem que não conheço o rigor artístico. Mas, sem dúvida alguma, o rigor científico, eu diria,
amarra a criatividade do cientista. Estas amarras que temos na ciência
não existem, por exemplo, na arte. Nunca poderia falar, como cientista,
sobre dimensões lineares como vocês falam, pois seria considerado “um
fór um on -lin e
Academia e desenvolvimento tecnológico: LSI-USP
O coordenador-geral do Laboratório de Sistemas Integráveis (LSI) da Universidade de
São Paulo, João Antônio Zuffo, fez uma apresentação sobre o LSI, um laboratório de pesquisa e desenvolvimento de tecnologia de ponta, um dos mais importantes da América
Latina. Tratou das principais linhas de pesquisa que o LSI abriga, como o desenvolvimento de super-computadores escalados/paralelos (clusters) dentro da Divisão de Sistemas
Digitais. Destacou também as Divisões de Chips e de Microsistemas.
Zuffo mostrou imagens do aparato necessário para criar o cluster gráfico, que funde imagens em tempo real dentro da caverna digital (é a única cave desenvolvida até hoje no
Brasil); apresentou a aplicação de um dos projetos do LSI, de tele-medicina, desenvolvido
a partir da constatação do alto índice de crianças com câncer em Rondônia e, finalmente,
102
chutão”, entende? Vocês têm um grau de liberdade em termos de ciência muito maior do que eu tenho, quando falo como cientista. Agora, o
Galileu tinha essa arte, ele fugia da ciência.
daniela kutschat – Vou falar agora da perspectiva do indivíduo: eu,
vocês, os artistas mais jovens do que nós. Quando a gente faz pesquisa,
como eu já disse, ela pode não ser financiada ou ser financiada apenas
parcialmente pela universidade na qual trabalhamos. Lemos, estudamos e sabemos que têm outras tecnologias disponíveis, daí temos que
bater na porta do detentor da tecnologia e dizer: “Escuta, sabemos que
vocês têm uma coisa muito bacana, será que poderíamos usar essa coisa
muito bacana para fazer uma outra coisa bacana?”.
Esta é a nossa realidade. Tudo que vem do meio não nos interessa,
porque não é a nossa instância, até hoje estamos trabalhando nesse nível,
porque é assim, toda vez que terminamos o projeto, acabamos na estaca
zero e, financeiramente, até no menos um. Temos um projeto que foi
viabilizado assim: tínhamos as idéias e sabíamos o que éramos capazes
de desenvolver, mas não tínhamos o dinheiro, e sim um parceiro, uma
pequena empresa que possuía um determinado sistema do qual precisávamos. Então pedimos, porque essa é a nossa realidade: “Nós precisamos
alugar o seu equipamento, ou nós gostaríamos de comprá-lo”. Ele sorriu
e disse: “Olha, custa X”. Ficamos calados durante dois meses.
O projeto foi progredindo e desejávamos uma tecnologia melhor, não
queríamos fazer de novo o que já havíamos feito em 2001, que é juntar
fios. Sabíamos que existia o negócio, queríamos reutilizá-lo de alguma ou-
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abordou a questão da TV de alta definição em IP. “A geração de conteúdo vira o elemento mais importante neste sistema, porque vai acontecer uma inversão: inúmeros canais
sem conteúdo de qualidade para preenchê-los”, sentenciou.
fór um on -lin e
Interfaces emergentes: projeto OP_ERA
As artistas e pesquisadoras Daniela Kutschat e Rejane Cantoni apresentaram o projeto
OP_ERA em todas as suas etapas de desenvolvimento e as diferentes configurações que
o projeto já teve para apresentação pública, frisando a carência no contexto brasileiro
de investimento em projetos deste tipo. Desde 1999 as artistas já criaram sete implementações da ferramenta de experimentação multisensorial OP_ERA, e na maior parte
delas, precisaram investir recursos próprios para levar o projeto adiante. Com um texto
103
pesqu isa, formação e mer c ado
tra forma e acrescentar coisas a ele. Depois de dois meses, dissemos: “Olha,
a gente não pode adquirir, será que é possível alugar?”. E ele respondeu:
“Esse equipamento não se aluga, isso aqui se adquire, porque isso aqui segura trem”. Então eu disse: “Ok, mas a gente precisa dele”. E ele: “Eu cedo,
empresto para vocês, adianta?”. Assim começou uma relação de parceria.
É esse o nosso contexto, não existe nada além disso. Ou seja, é uma luta
diária. Por mais que você seja premiado, ganhe dinheiro no fim das contas,
tem que começar sempre do zero. E isso é muito desgastante.
platéia – Eu gostaria de perguntar, já que a mesa está tratando de desenvolvimento tecnológico de mercado, sobre a questão de criação de público. Como é que os artistas, as instituições públicas – no caso, a USP – e
o mercado enxergam isso? Por que a Telemar tem um centro cultural de
ponta no Rio de Janeiro e a Telefonica, que tem um público tão grande
em São Paulo, consumidor de telecomunicação, ainda não nos premiou
com alguma coisa desse nível?
jonas de oliveira – Deixe-me ver se entendi a pergunta. Você se refere
a um centro físico, um espaço? Claro que a iniciativa da Telemar deve
ser elogiada, mas a Telefonica fez uma outra opção. Ela entende que São
Paulo já tem esse espaço físico e nós não teríamos muito a acrescentar
nesse sentido, porque tanto a capital quanto as cidades do interior já dispõem de espaços físicos razoáveis, compatíveis com as suas demandas.
Portanto, vamos investir em outros segmentos, em que talvez a população, a sociedade, esteja mais carente.
O grande foco da Telefonica nem é propriamente a arte, e sim a
fór um on -lin e
pronto e ironicamente didático, Daniela e Rejane fizeram sua palestra em forma de
jogral, uma performance pungente sobre a incomunicabilidade entre arte, instituição,
academia e mercado.
p e s q u i s a , p rodução e merc ado –
c o b e rt u r a d o deb ate presencial
A primeira intervenção ao final das quatro palestras da manhã do Conexões Tecnológicas
foi da debatedora Daniela Bousso, curadora e diretora do Paço das Artes, que perguntou
à Karin Ohlenschläger se não seria hora de trabalhar a “interestética” ao tratar de formas
de arte na intersecção com a ciência, em lugar de falar ainda de “objetos estéticos”.
A co-diretora do Medialabmadrid respondeu que este tipo de arte, para ela, seria mais
104
educação. Todos os programas, sejam realizados diretamente pela da
empresa, sejam da Fundação Telefonica, são mais voltados para a área
da educação. Desenvolvemos, é claro, algumas atividades em arte, infelizmente não em arte de vanguarda; as pessoas que trabalham para
nós, nessa área, são realmente mais conservadoras. Nós ainda estamos
no centenário do Mozart, mas investimos sim, seja por meio de investimentos incentivados pela Lei Rouanet, por exemplo, seja por meio de
investimento direto da empresa, só que nosso foco é um pouco diferente, ele está na educação. E, para os eventos de artes plásticas ou, principalmente, de música, entendemos que São Paulo já dispõe de espaços e
não acrescentaria muito mais a criação de um específico.
rejane cantoni – Creio que há público interessado: uma exposição realizada no Centro Cultural Banco do Brasil de Brasília em 2004, que tinha
como tema “Expressão, Arte e Tecnologia”, contou com 900 pessoas por
dia. O Itaú Cultural, num evento de Arte e Tecnologia, recebe de 1.500 a
2.000 pessoas diariamente. Então, público existe.
daniela bousso – Na hiPer, em Porto Alegre, foram 95 mil pessoas em
dois meses e meio.
platéia – Gostaria de fazer uma pergunta ao professor Zuffo. Professor,
eu li recentemente uma obra que se chama Crescimento sem emprego.
Consta que o desenvolvimento tecnológico, embora alguns discordem,
trouxe uma mudança em relação ao trabalho. Há uma redução nos empregos, a Volkswagen está demitindo na Alemanha e no Brasil. Nos Estados Unidos, a força de trabalho é regulada pelo sistema prisional, 13
pesqu isa, formação e mer c ado
bem nomeado como performática porque “cria estrutura e ambiente e convida o interator a participar”. A diferença em relação à performance art tradicional, em sua opinião, é
que “este tipo de instalação [referindo-se ao projeto OP_ERA] possibilita experimentar o
que é a realidade virtual e como reorientar a estrutura perceptiva e o entendimento de
mundo”. São trabalhos que coadunam experiência e conhecimento. “Eu não apontaria
apenas a intersecção com as ciências exatas. A sociologia também está sendo explorada
pelos artistas. Produzir conhecimento é o papel do artista”, afirmou Karin.
O debatedor Romero Tori, professor do Centro Universitário Senac, falou da necessidade
de um reencontro entre arte e ciência e perguntou ao professor Zuffo como o método
científico e o método criativo podem interferir um no outro. Comentário de Zuffo: “O
cientista tem sua criatividade limitada no sentido do rigor científico”. Ao que Daniela
fór um on -lin e
105
pesqu isa, formação e mer c ado
milhões de pessoas, segundo estimativas, passarão por este setor nesse
ano. Portanto, há efetivamente um crescimento da economia, da riqueza
humana, mas o que vai acontecer com o trabalho?
joão antonio zuffo – O trabalho não vai desaparecer, acredito que, exatamente porque as tecnologias vão entrar em decadência, elas perderão a
importância que têm hoje. Basta dizer que o movimento de vocês é o movimento inicial. Vejo isso nos meus livros, eu acho que simplesmente a
tecnologia tende a uma curva evolutiva. A ciência, não. A ciência é teórica
– a física, a matemática – e, sem dúvida, vai se desenvolver, assim como a
espiritualidade, mas vamos passar períodos muito difíceis de adaptação.
Eu estou, inclusive, escrevendo um novo livro, no qual, é claro, achei interessante por flagrantes de futuro. São pequenas historinhas que mostram
como seria o futuro – a vida em família, o relacionamento social – daqui a
30 anos. Acredito que essa transição vai ser muito dolorosa, como foi a do
período agropastoril para o industrial – tivemos guerras mundiais, revoluções – e realmente vai mudar todo o relacionamento social nos próximos
30, 40 anos. Essa mudança será muito rápida, a outra levou 400 anos.
A perspectiva me assusta um pouco, porque não dá para prever
como será o futuro. Eu estava citando como a imagem vai mudar completamente o mercado de telefonia celular e, inclusive, o das TVs. Você
vai ter, sem dúvida, TV, som e IP de forma ilimitada, e as pessoas vão adquirir os seus próprios canais de TV. Em 15, 20 anos, cada um, independentemente, poderá ter um canal de TV. O crescimento da facilidade de
acesso à banda e a necessidade de criar conteúdo talvez propiciem um
fór um on -lin e
Kutschat respondeu: “Os métodos artísticos também têm rigor, também se empregam
metodologias no trabalho de arte, mas talvez seja de fato a ciência da liberdade. O problema é como fazer política pública para o campo da criação, para fomentar também
este campo de investigação”.
Aí se deu o momento alto e mais memorável do debate, quando Daniela Kutschat emendou: “No Brasil o artista precisa ir bater na porta do patrocinador oferecendo incentivo fiscal. Isso, para mim, não é política cultural, é política tributária”.
Daniela Bousso fez nova intervenção, sobre a resistência das políticas públicas à inovação, provocando os integrantes da mesa ao apontar o equívoco em não investir em arte:
“A criação artística hoje é o eletrodoméstico de amanhã, como costuma dizer a Rejane”,
afirmou Daniela Bousso.
106
grande mercado de trabalho no futuro. Na minha opinião, isso é uma
vantagem para o Brasil, porque somos naturalmente criativos.
lucas bambozzi – O custo no Brasil é um dos mais altos do mundo e o
trabalho braçal, um dos mais mal pagos. É a mesma coisa com a perspectiva de que cada um terá um canal, que vem sendo pregada desde o final
dos anos 1970 com a difusão dos canais a cabo.
joão antonio zuffo – Veja, o problema é outro. No caso da TV a cabo,
você tem um número limitado de banda passante dentro do canal, mas,
teoricamente, com a fibra ótica, que é do tamanho de um fio de cabelo,
poder-se-ia ter um canal para cada fio dentro da terra. Nessa área, os problemas caminham em dois sentidos: de um lado, as bandas passantes
estão cada vez maiores, de outro, está se desenvolvendo tecnologias e algoritmos, conseguindo-se concentrar cada vez mais informação. Tanto
que, por exemplo, existe o sistema de TV digital da Europa, o WebPac2
tem uma capacidade de compressão, já o WebPac4, tirando algumas redundâncias, consegue uma compressão muito maior. Então, é um problema dizer para onde vai, digamos, a relação social do futuro, ela tanto
pode virar uma sociedade de castas quanto entrar em uma idade de ouro.
A verdade é que ela vai mudar e esta mudança será dolorosa.
Em uma primeira etapa, dentro de 20 anos, talvez o dinheiro seja
eliminado para as classes mais pobres. Haverá cupons de compra ou distribuição gratuita de coisas, ou seja, não terá mais sentido o dinheiro
circular entre as pessoas mais simples. Ele vai ser mantido pelas classes
dominantes ou pelos que detêm o poder. Agora, quanto tempo isso vai
pesqu isa, formação e mer c ado
Patricia Canetti fez uma pergunta a Karin Ohlenschläger sobre o escoamento da produção em arte digital: “Em que momento instituições que produzem conteúdo vão se voltar para a rede; deixar de existir apenas como salas expositivas e adentrar outro modelo,
como o da IPTV, por exemplo?”.
“Instituições são feitas de pessoas e é importante falar sempre deste ponto de vista”,
respondeu a curadora. Ela contou que o Medialabmadrid era, até quatro anos atrás, um
centro cultural conservador que foi se transformando ao longo do tempo por meio de
uma série de atividades propostas. “Não procuramos enfatizar novas tecnologias, porque
estamos interessados nos conteúdos, nos conceitos, então as atividades são uma proposta de conversar com outras pessoas sobre a sociedade digital”.
A debatedora Giselle Beiguelman, artista e professora da PUC-SP, rebateu a afirmação de
fór um on -lin e
107
pesqu isa, formação e mer c ado
se manter, eu não sei, como não sei quando vai haver uma revolução no
país, mas, realmente, teremos transições sociais tão violentas quanto as
que estão acontecendo agora com a informação, o que vai surgir depois
disso, eu não sei. Pode tender para um lado ou para o outro. Pode ser que
haja um total desprezo pelas classes trabalhadoras, um estado de semiescravidão. Realmente, são várias as possibilidades para o futuro, tudo
depende de agirmos agora e termos consciência do que vem por aí.
juliana monachesi – Voltando para essas questões todas de ética que
discutiremos mais tarde, queria retomar a questão do mercado de arte
e aproveitar a presença do Eduardo Brandão aqui como debatedor para
perguntar a ele, até pensando no fato da Galeria Vermelho ter aberto um
precedente ao pensar em como é que se comercializa fotografia, vídeo
etc. – afinal, a galeria tem um papel importante no sentido de mostrar
que isso é uma questão de ponta –, queria perguntar se você tem algumas idéias a respeito de como comercializar trabalhos como o OP_ERA,
obras em novas tecnologias, de forma que cheguem ao mercado.
rachel rosalen – E eu queria fazer uma pergunta para o Jonas, da Telefonica. Para mim, não ficou muito clara a separação entre cultura e educação.
Um projeto cultural no qual uma empresa como a Telefonica, por exemplo, resolve investir, montando um laboratório de mídia e de pesquisa, leva
os alunos a trabalharem lá dentro, a fazerem uma pesquisa séria. Na minha
opinião, isso é um projeto de educação, não só um projeto cultural.
priscila arantes – Eduardo Brandão, você pode responder à provocação
da Juliana (risos).
fór um on -lin e
Karin: “Talvez a incompatibilidade com os mercados, o de arte ou o de tecnologia, seja decorrência da falta de entendimento de que o conceito está dentro da tecnologia que está
sendo desenvolvida”. O mercado teria dificuldade em entender, por exemplo, que a criação
artística pode estar vinculada a um algoritmo que cabe dentro de um simples disquete.
“No tipo de criação que desenvolvemos, os conceitos estão nas escolhas tecnológicas
que fazemos. E o grau de isolamento da produção em novas mídias é sintomático: é
notória a demanda de um circuito fechado e paralelo, é notório que seja necessário um
museu específico ou um medialab. É preciso ter consciência das estratégias de defesa
que nós mesmos desenvolvemos. Nós dependemos de circuitos ultra-especializados, ou seja, a dificuldade de inserção no mercado é fruto de uma situação que nós
criamos”, afirmou Giselle Beiguelman.
108
eduardo brandão – Não é bem uma provocação. Esse assunto é muito
delicado. Quando se faz uma exposição em galeria, também se pensa se
ela é uma exposição de tecnologia ou de arte. Normalmente, os vídeos
entram dentro de uma curadoria e, até agora, percebi que é o mais caro,
porque você tem que comprar um monitor de vídeo, computador, projetor, e ainda há a venda de fotografia, pintura, escultura. Agora, a grande
batalha, por menor que seja, é continuar colocando vídeos junto à gravura e à fotografia, e não deixar de expor a obra porque é uma tecnologia
muitas vezes difícil de pagar. O grande investimento da galeria está em
manter um site atualizado. Parece incrível, não é? É caro.
Cometemos vários erros. O aprendizado é caríssimo e parece um
absurdo, dentro dessa conversa toda aqui. Enquanto falávamos, fiquei
pensando: como manter um site atualizado se, para isso, você deve gastar todo o dinheiro que ganha? É impressionante. É um investimento.
Manter a informação do que se tem, em termos de pensamento, sobre
a obra do artista, é o investimento maior da galeria. Portanto, é um momento delicado para essas artes coexistirem, mas ainda o que mantém a
gente mostrando para o público essa experiência é a venda da outra arte.
É isso o que acontece.
priscila arantes – Obrigada! Jonas, você gostaria de responder à questão da Rachel?
jonas de oliveira – Rachel, se dei a impressão de que cultura e educação
são duas coisas separadas, não era esta absolutamente a minha intenção.
Eu queria então reparar a frase. Damos apoio à educação formal da esco-
pesqu isa, formação e mer c ado
Rejane Cantoni voltou a chamar a atenção para as dificuldades com o projeto OP_ERA:
“O que nos falta é dinheiro, é investimento em tecnologia, porque parte do processo de
fazer este tipo de trabalho é testar. As mostras de arte/tecnologia não exibem trabalhos
de ponta porque muitas vezes a exposição significa para o artista a montagem de seu
primeiro laboratório”.
A perversão apontada pela artista é que nas exposições de arte/tecnologia, cobra-se que
as máquinas funcionem, ao contrário da ciência, em que uma idéia não precisa necessariamente dar certo. “Quando uma experiência em ciência dá errado, isso também é
considerado produção de conhecimento, na arte não é assim”, desabafou. E, em sendo
assim, se os artistas não têm acesso aos meios para trabalhar e testar e errar, os trabalhos são inviabilizados.
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la pública, colocando à disposição das pessoas meios e instrumentos de
conectividade ou de conteúdo, dos quais elas, por uma série de motivos,
não dispõem. Temos projetos muito importantes na área de conteúdo
educacional, apoiando os professores e os alunos da escola pública.
priscila arantes – Ela perguntou por que não colocar um centro de mídia nessas escolas públicas para incentivar a produção.
jonas de oliveira – Você tocou num ponto que eu não tinha pensado
em antecipar aqui, mas este é exatamente um dos próximos projetos em
que estaremos envolvidos: exatamente um laboratório. Num primeiro
momento, seria um laboratório de mídia que serviria como demonstração e como célula, que pudesse ser, depois, replicada, principalmente na
rede de ensino público. Nós ainda estamos construindo esse projeto.
rachel rosalen – Mas é um projeto que contempla, por exemplo, as
pesquisas de artistas – como os projetos de OP_ERA – ou ele aproveita a
tecnologia da Telefonica de maneira a criar um mercado? Ou seja, quem
que está envolvido nesse projeto? Como é que isso está sendo pensado?
jonas de oliveira – Ele é público, já que as propostas que chegam são
muito interessantes, porém um pouco avançadas. Talvez o laboratório
vá, num primeiro momento, contemplar propostas um pouco mais convencionais de criação de mídia, digamos.
priscila arantes – Eu vou passar a palavra a Wilma e em seguida precisamos encerrar os debates.
wilma motta – Olha, eu quero só trazer aqui uma palavra de ânimo
(risos), porque creio que a realidade é sempre muito perversa. Aqui, no
fór um on -lin e
Zuffo rebateu: “Mas a ciência também tem que funcionar. Imagine se algo não funciona
em uma base aérea”. Algumas pessoas da platéia responderam quase em coro: “Mas a
ciência tem os laboratórios...”. Zuffo complementou dizendo que o contexto científico
goza de uma liberdade muito reduzida: “Eu seria considerado um chutão se falasse da
quarta dimensão como vocês falam [referindo-se a uma das implementações de OP_ERA
que as artistas haviam apresentado]”.
110
111
pesqu isa, formação e mer c ado
Brasil, se pensarmos como a realidade social é dramática, nós estamos
numa instância privilegiada.
Uma palavra de ânimo: sinto que, pelo caminho percorrido durante essas seis edições, o Instituto Sergio Motta e o Prêmio Sergio Motta
de Arte e Tecnologia estão, gradativamente, conquistando espaço e se
tornando uma referência. Aquilo que nos abriu as portas foi a imagem
do Sergio e o desejo de perpetuar sua memória, mas hoje, as realizações
do Prêmio têm a capacidade de agregar pessoas sérias, com desejo de
realizar.
Hoje estamos aqui realizando concretamente esse objetivo, com
tantas pessoas participando e se debruçando nesta discussão. Tem uma
equação aí, a presença da Telefonica, da Universidade, do público, dos
nossos convidados estrangeiros é um resultado muito importante que, a
partir desse fórum, se multiplicará e poderá gerar uma mudança efetiva
na cultura do empresariado brasileiro.
Como faço a parte institucional do Prêmio, fiquei, a cada ano, abrindo portas e entendendo que é necessário investir na cultura, na responsabilidade social, mas também é fundamental investir numa produção
que, não sei se posso dizer, de vanguarda e que sempre é penalizada.
Quem abre a porta arca com a responsabilidade daquilo em que acredita. Penso que estamos todos aqui acreditando que é possível abrir cada
vez mais espaço.
r e f e r ê n c i as
realizad o r e s e pa rt i c i pa n t e s
Conexões Tecnológicas é um projeto que foca a revolução digital, propondo aprofundar discussões em torno da inovação tecnológica, da produção cultural e da democratização da informação. Buscando um ambiente fértil para a troca de idéias, realiza um encontro com palestrantes
e debatedores de diferentes áreas e utiliza a internet como um espaço
experimental para pesquisa e discussão on-line – um espaço informacional coletivo. O formato inovador agregou parceiros de diferentes perfis, que atuaram ativamente para concretização do projeto.
Conexões Tecnológicas foi concebido por Patrícia Canetti, Priscila
Arantes e Renata Motta. O projeto é uma realização do Instituto Sergio
Motta | Prêmio Sergio Motta de Arte e Tecnologia, Centro Universitário
Senac, Secretaria de Estado da Cultura e Governo do Estado de São Paulo. Contou ainda com o patrocínio da Telefonica, o apoio do Ministério
da Cultura e o apoio digital do Canal Contemporâneo.
pa l e s t r a n t e s d o f ó r u m p r e sencial
André Lemos
Brian Holmes
Daniela Kutschat Hanns
Hernani Dimantas
João Antonio Zuffo
Jonas de Oliveira Junior
Karin Ohlenschläger
Lucas Bambozzi
Rejane Cantoni
d e b at e d o r e s d o f ó r u m p r e s encial
Além dos palestrantes, como forma de incrementar o debate, o Fórum
Presencial contou com a contribuição de profissionais de diferentes perfis e áreas.
Daniela Bousso (Paço das Artes)
Eduardo Brandão (Galeria Vermelho)
Giselle Beiguelman (PUC-SP)
115
r efer ên cias
Guilherme Kujawski (Itaú Cultural)
Lucia Leão (Centro Universitário Senac, PUC-SP)
Lucio Agra (Centro Universitário Senac)
Marcus Bastos (PUC-SP)
Ricardo Rosas (escritor e midiativista)
Romero Tori (Centro Universitário Senac, USP)
canal contemporâneo
ww w. c a n a l c o n t e m p o r a n e o. art.br/forum
Os debates na internet, iniciados 45 dias antes do início do fórum presencial, tiveram como objetivo promover o efetivo debate em torno
dos grandes temas que fazem parte do projeto – Políticas Tecnológicas,
Cultura Digital e Comunicação Digital. Estas discussões serviram, não
somente de apoio e subsídio para o fórum presencial, como também
para todos aqueles interessados em acompanhar o fórum via internet.
O fórum on-line foi coordenado por Leandro de Paula e Patrícia Canetti,
contou com acompanhamento da jornalista Juliana Monachesi que publicou no Canal Contemporâneo, entrevistas, cobertura das palestras e
dos debates e, posteriormente, trabalhou na edição desta publicação.
ce n t ro u n i v e r s i t á r i o s e n ac
Contribuir para novos cenários de cultura e trabalho, aliando teoria e
prática e integrando professores e alunos com teóricos e profissionais
do mercado, é a maneira de atuar que o Centro Universitário Senac
acredita para expandir o conhecimento e a educação no país. Dentro
desse escopo, o projeto contou com os professores do corpo docente do
curso de pós-graduação em Mídias Interativas contribuindo junto com
os outros palestrantes para o aprofundamento dos temas e projeção de
novas formas e rumos da comunicação, cultura e tecnologia na contemporaneidade. Participaram também alunos dos cursos de graduação e
pós-graduação na preparação do Fórum on-line e na Mostra que acompanhou o evento.
Senac São Paulo
Superintendente Universitário de Desenvolvimento : Luiz Carlos Dourado
Gerente de Desenvolvimento: Lucila Mara Sbrana Sciotti
Coordenadora da Área de Design: Luciana Bon Duarte Fantini
116
a l u n o s pa rt i c i pa n t e s | p e s quisadores do fórum
on-line
Elaine Cristina Brisque (Tecnologia em Design de Multimídia)
Fabíola Neves da Costa (Bacharelado em Design Gráfico)
Filipe Negrão (Pós-graduação em Mídias Interativas)
Juliana Garcia Sales (Pós-graduação em Mídias Interativas)
Lais Cerullo (Pós-graduação em Mídias Interativas)
Marcelo Amorim (Pós-graduação em Mídias Interativas)
mostra conexões
Durante os debates presenciais realizados no Centro Universitário Senac
– Unidade Lapa Scipião, foram disponibilizados terminais com acesso a
obras on-line de artistas participantes do Prêmio Sergio Motta de Arte e
Tecnologia e de alunos do Centro Universitário Senac.
pr ê m i o s e r g i o m ot ta d e a rt e e tecnologia
Álvaro Andrade – Ciclope.art.br
Andrei Rubina – Labirinto Zero
Bossanove – Chez si moi
Elaine Tedesco – Sobreposições urbanas
Fernando Velásquez – O colecionador de espíritos
Gilbertto Prado – Desertesejo
Guto Nóbrega – Parla
117
r efer ên cias
Centro Universitário Senac
Reitor: Rogério Massaro Suriani
Diretora de Pós-graduação e Pesquisa: Flávia Feitosa Santana
Diretor de Graduação: Eduardo Mazzaferro Ehlers
Gerente – Unidade Lapa Scipião: Sandra Regina Mattos Abreu de Freitas
Coordenador Pós-graduação lato sensu – Unidade Lapa Scipião: Gley Fabiano Cardoso Xavier
Coordenadora do Curso Mídias Interativas: Priscila Arantes
Coordenadores da Graduação em Design: Alécio Rossi, Eleni Paparounis
e Maria Sílvia Queiroga Reis
Docentes: Daniela Kutschat, Lucas Bambozzi, Lucio Agra, Lucia Leão,
Priscila Arantes e Romero Tori
r efer ên cias
João Francisco Mariano – PARalelo
Jorge Carvalho – notfound404
Lali Krotoszynski – Bodyweave 1.0
Leonardo Cavazzana – ars longa, vita brevis
Lincoln Carvalho – REFLORESTAR
Luisa Paraguai Donati – Intervalo
Luiza Helena Guimarães – Entangled net
Martha Carrer Cruz Gabriel – moZaico de voSes
Paulo de Tarso Aquarone – Poemas interativos alfabéticos e gráficos
Rachel Rosalen – CORPUS URBANUS
Ricardo Cristofaro – O colecionador
Ricardo Hage de Matos – Teletransport art at teletransport.org
Silvia Prado dos Anjos – Nylaia (feels fine)
Simone Michelin – Lilliput
Stéphane Malysse – OPUS CORPUS
Tecka Mattoso e Spetto – Mata digital
Thelmo Cristovam – v(g)erme radio
Thiago José Coser – Plantação de maçãs
Tina Velho – De todos os dias
Valéria de Faria Cristofaro – Possíveis mentiras
Vera Bighetti – Projeto gr@fite
Yara Rondon Guasque Araújo – Telefagia, esquizolinguagens e libidoeconomia
ce n t ro u n i v e r s i t á r i o s e n ac
Fernando Fabrini – Inter imperativo
Juliana G. Sales – Dona Jouleana no hipertexto
Marcelo Amorim – Colorless
Simone Jablkowicz – Typetrip
Thais Stoklos – Hiperpoesia
118
notas so b r e o s au to r e s
andré lemos
Professor da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da
Bahia, doutor em Sociologia pela Sorbonne e diretor do Centro Internacional de Estudos Avançados e Pesquisa em Cibercultura, Lemos é autor
dos livros Cultura das redes (Edufba, 2002), Cibercultura: tecnologia e vida
social na cultura contemporânea (Sulina, 2002, 2004), entre outros. É membro do International Advisory Board do prêmio Ars Electronica para a área
de comunidades digitais.
brian holmes
Crítico de arte, ensaísta e tradutor, Brian Holmes vive em Paris e se dedica
ao estudo dos cruzamentos entre arte, economia, política e movimentos
sociais, particularmente ao mapeamento do capitalismo contemporâneo.
Desde o Carnaval contra o capitalismo (1999), Holmes tem tomado parte e
escrito sobre inúmeras manifestações contra a globalização corporativa
do mundo. É doutor pela Universidade de Berkeley (Califórnia) e autor
do livro La Personnalité Flexible: Pour une Nouvelle Critique de la Culture.
da n i e l a k u t s c h at h a n n s
Artista e pesquisadora de mídias e tecnologias digitais. Artista em Residência no Centre for Advanced Inquiry in Interactive Arts (CaiiA-STAR)
em 1998, doutora em Artes pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo em 2002, é professora dos cursos de pós-graduação stricto e lato sensu e da graduação em Design do Centro Universitário
Senac.
h e r n a n i di m a n ta s
Tendo se dedicado desde 1997 ao estudo, debate e construção de projetos
colaborativos, Dimantas é autor do livro Marketing hacker - a revolução dos
mercados (2003) e co-autor de Software livre e inclusão digital (2003) e DiY
Survival – There Is No Subculture Only Subversion (http://c6.org/). Fundou,
juntamente com Felipe Fonseca, o projeto Meta:Fora, que derivou para
outros projetos, como MetaReciclagem (www.metareciclagem.com.br).
119
r efer ên cias
jo ã o a n to n i o z u f f o
Professor titular da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Em
1975, fundou o Laboratório de Sistemas Integráveis, do qual é coordenador-geral. Autor de 19 livros, dentre eles, A sociedade e a economia no
novo milênio, tema de uma série de livros recém-publicados, abordando
as transformações em que a sociedade está mergulhada em função do
desenvolvimento das tecnologias da informação.
jo n a s d e o l i v e i r a j u n i o r
Vice-presidente de assuntos regulatórios do grupo Telefonica.
ka r i n o h l e n s c h l ä g e r
Crítica de arte e curadora em arte contemporânea e novas tecnologias,
Karin Ohlenschläger é co-diretora do Medialabmadrid desde 2002. Dirigiu o Cibervision – Festival Internacional de Arte, Ciencia y Tecnología no
Centro Cultural Conde Duque (2002), The Chips: Circuitos Emergentes de
la Cultura Digital Competition no European Institute of Design em Madri (2001), Cibervisión99 – Muestra Internacional de Arte, Ciencia y Nuevas Tecnologías, no Rey Juan Carlos University em Madri (1999), entre
outros.
lu c a s b a m b o z z i
Artista e professor da pós-graduação lato sensu em Criação de Imagens e
Sons em Meios Eletrônicos do Centro Universitário Senac, Bambozzi desenvolve desde o final dos anos 1980 pesquisas em linguagem audiovisual.
Entre 2004 e 2006 participou como curador em eventos como SonarSound,
Digitofagia, Nokiatrends e Motomix Art. Em 2005 foi homenageado no 20º
Videoformes (França) com uma retrospectiva completa de suas obras em vídeo. Atua em vários coletivos de intervenção e performances de live-images.
Integra a pesquisa Estéticas tecnológicas – Estéticas emergentes, desenvolvida em um grupo no Centro Universitário Senac com Christine Mello, Lúcio Agra, Nancy Betts e Priscila Arantes.
pat r í c i a c a n e t t i ( o r g . )
Artista e criadora da comunidade digital Canal Contemporâneo.
120
Pesquisadora, crítica e curadora na área de arte e tecnologia, professora
doutora no Centro Universitário Senac e PUC-SP.
r e j a n e c a n to n i
Artista e pesquisadora de sistemas de informação. Doutora e mestre pelo
Programa de Comunicação e Semiótica da PUC-SP; mestre em Visualização e Comunicação Infográficas pelo Programa de Études Supérieures
des Systèmes d’Information da Universidade de Genebra, Suíça; e professora do Departamento de Ciências da Computação da PUC-SP.
r e n ata m ot ta ( o r g . )
Coordenadora geral do Prêmio Sergio Motta de Arte e Tecnologia e professora mestre na Escola da Cidade.
121
r efer ên cias
pr i s c i l a a r a n t e s ( o r g . )
referênc i a s b i b l i o g r á f i c a s
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conexões tecnológic a s
Conexões Tecnológicas integrou a programação do 6º Prêmio Sergio Motta de
Arte e Tecnologia e foi formatado por meio do estabelecimento de um conjunto de ações – debates on-line (fórum de discussões na internet, cf. www.
canalcontemporaneo.art.br/forum), fórum de debates (palestras e debates) e
publicação – que tiveram o objetivo de discutir o impacto e as transformações
que a sociedade e o ser humano vêm sofrendo em contato com o quadro de
invenções e desenvolvimento tecnológico-informacional em seus mais diferentes aspectos. Trazendo nomes do cenário nacional e internacional, o projeto
pretendeu promover o efetivo encontro entre cientistas, técnicos, setor empresarial e, principalmente, entre artistas já que são exatamente estes últimos que
parecem desenhar novas perspectivas para o futuro, questionando com maior
facilidade os vícios de velhos padrões na construção de novos paradigmas.
Patrocínio
Apoio Digital
Membros Corporativos
Realização
instituto sergio mot ta
O Instituto Sergio Motta é um tributo a uma personalidade brasileira que
apoiou significativamente a cultura no país e, no período em que esteve à frente do Ministério das Comunicações (1994-1998), teve papel fundamental no
processo de modernização das telecomunicações brasileiras. O Instituto foi
criado em 2000, como um centro de investigações e de debates, principalmente sobre os desafios do desenvolvimento brasileiro. O Instituto dedica grande
parcela de seus esforços a estimular políticas e mecanismos de inclusão social
e promoção da cidadania. Apóia também manifestações de cultura e arte, em
sua diversidade de formas e suportes, notadamente as que busquem identificar
nossa identidade nacional. Nesse referencial, o Prêmio Sergio Motta de Arte
Tecnologia – principal ação do Instituto na área da cultura – visa promover
a produção artística emergente, democratizando o acesso e a participação à
produção cultural contemporânea no Brasil.
prêmio sergio mot ta de arte e tecnologia
O Prêmio Sergio Motta de Arte e Tecnologia foi criado em 2000 com o objetivo
de apoiar a criação artística em novas mídias. Diversas áreas da criação artística
e teórica têm sido contempladas: artes visuais, música, literatura, dança, performance, artes interativas, arte e ciência e pesquisas teóricas.
A partir de 2005, o Prêmio tornou-se uma ação bienal. Paralelamente a sua
principal ação de fomento da produção artística, o novo calendário prevê a ampliação de ações de reflexão e difusão no campo da cultura digital, com a realização de palestras, fóruns, oficinas, publicações e exposições. Assim, nos anos
ímpares passa a ser realizada a premiação propriamente dita e nos anos pares,
são realizadas essas ações complementares, entre elas os projetos Conexões
Tecnológicas e Territórios Recombinantes.
www.premiosergiomotta.org.br
Esta publicação foi composta nas fontes Bliss e Proforma e impressa em maio de 2007
pela Imprensa Oficial do Estado de São Paulo sobre papel offset 90g/m2.

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