Poliana Marta Ribeiro de Abreu - Entrevista

Transcrição

Poliana Marta Ribeiro de Abreu - Entrevista
REVISTA CAMBIASSU
Publicação Científica do Departamento de Comunicação
Social da Universidade Federal do Maranhão - UFMA - ISSN 0102-3853
São Luís - MA, Ano XVIII, Nº 4 - Janeiro a Dezembro de 2008
Poliana Marta Ribeiro de Abreu:
A CRÍTICA CINEMATOGRÁFICA E SUAS
ADAPTAÇÕES AO SUPORTE DIGITAL: BREVE
ANÁLISE DO SITE CRÍTICOS.COM.BR
Jornalista, graduada pela Universidade Federal do Maranhão
(UFMA), especialista em Jornalismo Cultural na Contemporaneidade
pela mesma instituição. Atualmente é editora de Domingo do Jornal O
Estado do Maranhão. Participou de oficinas de Critica de Cinema e de
Roteiro, oferecidas, respectivamente, pelo Maranhão na Tela e pelo
Departamento de Assuntos Culturais da UFMA
RESUMO: Sabe-se que a web oferece espaço ilimitado para todos os tipos de conteúdo,
com as mais variadas intenções, desde a pura diversão até a divulgação de notícias e
estudos científicos. Em virtude do espaço cada vez mais reduzido nos jornais impressos
para o trabalho da crítica cultural – especialmente a cinematográfica, objeto deste
trabalho -, muitos críticos têm utilizado a internet como meio de veiculação de seus
textos, que têm como foco a análise de produções cinematográficas. O presente artigo
pretende verificar como a crítica tem se adaptado ao suporte digital e até que ponto a
utilização do ciberespaço é favorável ou prejudicial à formatação dos textos críticos.
Para tanto, será analisado o site Criticos.com.br, que reúne um vasto conteúdo elaborado
por profissionais de renome na área.
PALAVRAS-CHAVE: Crítica – Internet – Cinema – Jornalismo Cultural
ABSTRACT: It is known that the web offers unlimited space for all types of content,
with the most varied intentions, from pure entertainment to the dissemination of news
and scientific studies. Given the increasingly limited space in newspapers printed to
work on cultural critique - especially the film, object of this work - and many critics
have used the internet as a means of delivery of their texts, which have a focus on
analysis of films.This article aims to verify whether the model of criticism on the
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internet is run in accordance with the original model of criticism, or the texts published
in printed media. This will Criticos.com.br examined the site, which brings together a
vast content produced by professionals of repute in the area.
KEYWORDS: Critical - Internet - Movies - Cultural Journalism
1- INTRODUÇÃO
Nos últimos anos, a internet tornou-se um dos maiores meios de expressão da
sociedade, função esta que caminha lado a lado com o caráter informativo também
atribuído à rede. Além do bombardeio diário de notícias, a web também é utilizada por
uma espécie de comunidade virtual, sempre ávida por estabelecer relacionamentos ou
mesmo divulgar o que pensa ou sente, utilizando ferramentas como Orkut, blogs,
fotologs, chats e afins. Contudo, ainda paira sobre o espaço web um certo ar de
desconfiança, principalmente quando este é comparado aos meios impressos, sobretudo
aos jornais, que sempre foram destacados por sua credibilidade - do ponto de vista do
leitor que julga que os fatos só são legitimados quando são divulgados no jornal. Por
mais que o ciberespaço abrigue tantos sites sérios quanto outros de conteúdo duvidoso,
ainda parecem ser estes últimos os responsáveis pelo conceito que prevalece: o de que a
internet é uma espécie de “terra de ninguém”, como bem descreve Canclini:
“Os usuários da web são chamados de visitantes e quem visita não dita as
normas da casa, ainda menos quando se trata de uma casa tão peculiar em
que há mais lixo que entra do que sai. São tantas as inseguranças da Rede
que já se está pedindo a criação do defensor do internauta. Não só para
proteger os menores como também para promover concorrência menos
desleal entre as empresas, dar confiabilidade à informação e reduzir a brecha
digital” (2008, p.29).
Essa falta de confiabilidade que o autor menciona quando fala em conteúdo
jornalístico disponibilizado pela internet torna-se ainda mais preocupante porque grande
parte dos sites especializados em notícias conquista sua credibilidade a partir dos
mesmos critérios dos utilizados pelo jornalismo impresso. O problema é quando a
abordagem segue uma linha mais opinativa, como na crítica cultural, uma das
componentes do Jornalismo Cultural. Apesar de seguir uma vertente mais autoral, a
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crítica possui uma formatação própria que, por vezes, não é seguida quando seu
conteúdo é disponibilizado via internet.
O objetivo deste breve estudo é exatamente verificar até que ponto a utilização
da internet para veiculação de críticas de cinema favorece ou prejudica essa modalidade
de texto, e como se dá a adaptação da crítica ao suporte digital. Entende-se que, com a
diminuição do espaço nos jornais impressos para textos com análises mais críticas, a
internet tornou-se uma opção de publicação alternativa para os críticos. É o caso, por
exemplo, do site Criticos.com.br, que reúne textos de profissionais renomados na área
cinematográfica. Antes, porém, de proceder a uma análise de alguns dos textos
veiculados no site em questão e selecionados para este estudo, convém percorrer,
embora brevemente, o caminho histórico da crítica cultural, desde sua origem até chegar
à sua vertente cinematográfica.
2- A CRÍTICA CULTURAL: ENTRE O ARCAICO E O MODERNO
Apesar de ser uma das dimensões analíticas do jornalismo cultural, a crítica
veiculada nos meios impressos nem sempre é fácil de ser definida do ponto de vista
acadêmico. No caso da crítica cinematográfica, então, a tarefa torna-se ainda mais
árdua, já que esta é uma modalidade relativamente mais jovem, comparada, por
exemplo, com a crítica literária, realizada desde que os primeiros meios impressos
começaram a ser produzidos no século XVIII.
“Mas o que deve ter um bom texto crítico? Primeiro, todas as características
de um bom texto jornalístico: clareza, coerência, agilidade. Segundo, deve
informar ao leitor o que é a obra ou o tema em debate, resumindo sua
história, suas linhas gerais, quem é o autor etc. Terceiro, deve analisar a obra
de modo sintético mas sutil, esclarecendo o peso relativo de qualidades e
defeitos, evitando o tom de ‘balanço contábil’ ou a mera atribuição de
adjetivos. Até aqui, tem-se uma boa resenha. Mas há um quarto requisito,
mais comum nos grandes críticos, que é a capacidade de ir além do objeto
analisado, de usá-lo para uma leitura de algum aspecto da realidade, de ser
ele mesmo, o crítico, um autor, um intérprete do mundo” (PIZA, 2003, p. 70)
De certa forma, a função do crítico de arte surgiu com o aparecimento de uma
esfera pública burguesa, inicialmente nas conversações entre os cidadãos e, depois, de
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forma profissional, como bem destaca Habermas,
“À medida que as exposições públicas atraem círculos mais amplos, pondo
as obras de arte em contato imediato com o público mais amplo e passando
por cima da cabeça dos entendidos, estes não podem mais manter a sua
posição, pois a função deles já se tornou dispensável: agora ela é assumida
pela crítica profissional” (1984, p.57)
Segundo o autor Piza (2003), não existe um marco específico para o
aparecimento do Jornalismo Cultural ou da crítica de cultura especificamente, mas
situações importantes que ajudaram a construir essa trajetória e desenhar o cenário dos
dias de hoje. Pode-se citar, por exemplo, o ano de 1711, quando os ensaístas ingleses
Richard Steele e Joseph Addison criaram a revista diária The Spectator, que abordava
em seu conteúdo livros, peças de teatro, festivais de música, de forma culta, porém
acessível. Como o exemplo da The Spectator deixa claro, o aparecimento do jornalismo
cultural está diretamente ligado ao desenvolvimento das cidades e dos hábitos urbanos.
As primeiras experiências de jornalismo de cultura foram efêmeras, mas a crítica
teve um papel fundamental já que os conceitos de reportagem e a formatação das
notícias dos dias atuais ainda não existiam naquela época. Sendo assim, percebia-se uma
prevalência da opinião, com a presença de literatos renomados em jornais e revistas. Já
no século XIX, notadamente na Europa, proliferaram experiências jornalísticas no
âmbito cultural, graças ao processo crescente de industrialização que sedimentou ainda
mais os hábitos urbanos. Com isso, desenvolveu-se também o papel do crítico, visto
neste contexto como um detentor de conhecimentos, com o poder de enaltecer – quando
elogia – ou derrubar – quando crítica, no sentido mais pejorativo da palavra – qualquer
obra de arte que fosse por ele analisada.
No Brasil, os críticos de maior destaque neste período foram o escritor Machado
de Assis - que escrevia sobre teatro e literatura - e José Veríssimo, este último sendo
editor da Revista Brasileira. Outros nomes da crítica no país merecem destaque, como
Sílvio Romero e Araripe Jr. Mas um dos primeiros brasileiros a escrever sobre cinema
foi o teatrólogo maranhense Arthur Azevedo, que, em 1897, publicou no jornal “O
Paiz” comentários sobre os filmes que passaram a ser exibidos nas casas teatrais. Um
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dos primeiros críticos foi o inglês Samuel Johnson, que escrevia para a revista The
Rambler ensaios sobre Shakespeare e Alexander Pope, por exemplo. Depois dele,
vieram outros nomes importantes, como o inglês John Ruskin, os franceses SainteBeuve e Denis Diderot, o alemão G.E Lessing e o norte-americano Edgar Alan Poe, só
para citar alguns nomes.
Como já foi dito anteriormente, a imagem do crítico cultural era cercada de uma
aura de grande poder, já que tudo o que fosse professado por estes sábios era
considerado verdade absoluta. Foi assim até o início do século XX, quando o jornalismo
passou por um processo de modernização, que incluiu também o setor cultural. Assim, a
opinião deixou de ser marca registrada do jornalismo do período e abriu caminho para a
reportagem e uma abordagem mais factual dos acontecimentos. Nesse sentido, a crítica
ainda ocupa espaço destacado no jornalismo cultural, mas passa por significativas
transformações em sua estrutura. Os textos são cada vez mais informativos e agora
ficam lado a lado de agendas de eventos e colunas sociais141.
Ainda assim, o período que compreende as décadas de 40 a 60 é considerado,
segundo PIZA (2003), a época de ouro da crítica no Brasil. Atuaram neste período
nomes como Otto Maria Carpeaux, Sérgio Buarque de Holanda, Augusto Meyer, Brito
Broca, Franklin de Oliveira, Paulo Francis e Álvaro Lins - este último sendo
considerado o primeiro a estabelecer os padrões da chamada crítica impressionista, que
descreve em primeira pessoa as impressões do autor. As décadas de 80 e 90 são
decisivas para estabelecer as feições atuais da crítica cultural, vista por muitos
estudiosos como mais empobrecida e subjugada a espaços mais reduzidos nos cadernos
de cultura. No final da década de 90, o surgimento da internet movimenta ainda mais o
cenário jornalístico, impondo uma nova modalidade.
3- AS ORIGENS DA CRÍTICA CINEMATOGRÁFICA
No ano de 1895, os irmãos Auguste e Louis Lumière, filhos de um fotógrafo
francês, deram início à bem sucedida história do cinema. A invenção do cinematógrafo
141
A estrutura dos cadernos culturais será detalhada mais adiante
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pelos franceses tornou possível registrar imagens em movimento, o que originou os
primeiros filmes, espécies de pequenos documentários da vida cotidiana, ao mesmo
tempo em que o processo evoluía para um tipo de cinema com técnicas mais
aprimoradas. Apesar de todo o desenvolvimento tecnológico e de conteúdo, o cinema
ainda não era visto como arte, mas como puro entretenimento, e, por isso, não atraía a
atenção de críticos, somente interessados nas análises literárias ou teatrais. Segundo
Bordwell (apud GOMES 2006, p.91), mesmo quando o cinema foi intitulado a Sétima
Arte, o rótulo ainda era rejeitado pelos intelectuais. Nesses primeiros anos do cinema,
portanto, prevaleceram apenas os textos descritivos, sem nenhum conteúdo
interpretativo.
Tão logo essa barreira foi derrubada – o que começou a acontecer no século XX
-, começaram a surgir nomes importantes no cenário da crítica cinematográfica, como
Louis Delluc, Riccioto Canudo, Siegfried Kracauer, Jean Epstein, Otis Ferguson e
Grahan Greene142. Após a Segunda Guerra Mundial, são as revistas especializadas que
começam a definir novos modos de fazer críticas sobre cinema, isso porque elas são
responsáveis, inclusive, pelo surgimento de correntes cinematográficas. O caso mais
emblemático talvez seja o da francesa Cahiers du Cinéma, que até os dias de hoje é uma
das grandes referências quando o assunto é crítica cinematográfica. Tendo em sua
equipe editorial críticos que mais tarde se tornaram cineastas, como François Truffaut,
Jean-Luc Godard, Eric Rohmer, entre outros, a revista foi responsável pela valorização
do autor e não da obra cinematográfica em si e do surgimento da Nouvelle Vague, uma
tendência cinematográfica que revolucionou o modo francês de fazer cinema.
4- A CRÍTICA NA ESTRUTURA DOS CADERNOS CULTURAIS DOS
JORNAIS
Como já foi dito anteriormente, a crítica é uma das partes que compõem a
estrutura editorial da maioria dos cadernos culturais brasileiros, definida por Gadini
142
GOMES, Regina. “Crítica de Cinema: História e Influência sobre o leitor”. In: Revista Crítica
Cultural. Vol 1, Número 2, jul/dez 2006.Disponível em:8
http://www3.unisul.br/paginas/ensino/pos/linguagem/critica/0102/05.htm
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(2003) como "as marcas estruturais que tipificam as editorias de cultura,
independentemente da cidade, região e dos valores de noticiabilidade ou regras
(manuais) de edição setorizada". Dentro dessa estrutura, a crítica divide espaço com as
reportagens, colunas sociais, serviços e roteiros, programação de TV e variedades. Mas
é importante salientar que, ao contrário do que acontecia no passado quando a crítica
cultural ocupava espaço de maior destaque, nos dias de hoje os cadernos culturais dos
jornais brasileiros já não reservam muitas linhas à observação dos críticos acerca de
produções culturais como teatro, cinema e música.
As matérias jornalísticas e a crítica cultural, segundo Gadini (2003), ocupariam
40% do espaço total dos cadernos de cultura. Não é raro observar, por exemplo, casos
de jornais que não possuem críticos em suas equipes, apesar de publicarem ensaios e
artigos de opinião. A exceção fica por conta dos grandes jornais, como Folha de São
Paulo, O Estado de São Paulo, O Globo e O Jornal do Brasil, entre outros. Também é
importante destacar que, além do espaço mais reduzido, a crítica cultural nos dias de
hoje possui um aprofundamento menor do que era verificado no passado. Muitos textos
publicados nos diários não se configuram como críticas, mas como resenhas143, já que o
nível de conhecimento de muitos "críticos" não corresponde ao que deveria ser. Muitas
vezes prevalece a opinião em relação à análise mais objetiva do produto cultural,
“O que se deve exigir de um crítico é que saiba argumentar em defesa de suas
escolhas, não se bastando apenas em adjetivos e colocações do tipo 'gostei' ou
'não gostei' (que em alguns cadernos culturais brasileiros têm sido usados já
como título da crítica), mas indo também às características intrínsecas da obra
e situando-a na perspectiva artística e histórica. Quer goste, quer desgoste de
um trabalho, sua tentativa é fundamentar essa avaliação (PIZA, 2006, p.77)
Apesar dessas observações, vale destacar que o pouco embasamento teórico
visto nos textos de muitos críticos não se configura como regra. Na crítica
cinematográfica, por exemplo, é possível encontrar profissionais com muito
conhecimento no assunto, o que é percebido por meio de textos inteligentes e que levam
o leitor a refletir mais profundamente sobre a obra. É comum, no entanto, os textos
143
Embora para muitos autores resenha e crítica tenham a mesma definição, em geral diz-se
que a resenha é um texto menos aprofundado que segue uma estrutura previamente definida:
um breve resumo do filme e, ao final, a opinião do autor a respeito da obra.
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inteligentes conviverem lado-a-lado com a chamada crítica ligeira que mantém laços
mais firmes com a indústria cultural e com os padrões de consumo exigidos pelo
blockbuster, reforçando seus aspectos mais efêmeros.
“As narrativas identificadas com esse tipo de crítica trazem mais informações
de cunho econômico: bilheterias de filmes, pesquisas de opinião, informações
sobre salários de diretores e atores. O filme enquanto mercadoria ocupa
porções generosas da narrativa da crítica ligeira" (CARREIRO, 2003, p.58)
Na realidade, a existência da crítica ligeira atende a uma necessidade da
indústria cinematográfica para legitimar seus produtos, atestando sua qualidade e
atraindo mais espectadores, enquanto a crítica mais aprofundada tem a função de abrir a
mente do leitor/espectador para aspectos dentro da obra fílmica que possa ter passado
despercebido, agregando, assim, mais conhecimento. Na opinião do crítico paulista
Marcelo Lyra (RIBEIRO, 2008, p.2), "o papel do crítico é iluminar a cabeça do leitor" e
não servir como guia de consumo, enquanto que para CARREIRO:
“Há de se verificar, aqui, a importância da crítica para que os filmes possam
brigar por um lugar no panteão da arte. A atividade dos críticos parece ter o
papel de agregar uma dimensão complementar ao cinema. A crítica permite
que o filme venha a se encaixar num conceito de obra de arte calcado na idéia
da reflexão interior. Sem a crítica, o filme não pode ser arte. Com ela, já se
acredita que sim” (2003, p.28)
5 - INTERNET COMO ESPAÇO DE VEICULAÇÃO DE CRÍTICAS
Se, por um lado, a formatação atual dos cadernos culturais restringiu o espaço
dedicado à crítica nos jornais brasileiros, por outro, o advento da internet significou
novas possibilidades para os críticos de cinema, já que com a popularização do
ciberespaço, foram criados sites especializados onde começaram a ser veiculados textos
críticos. A utilização do suporte digital para esse fim é recente, mas parece estar se
consolidando, pois basta realizar uma rápida busca pela net para encontrar um grande
número de sites com essa característica.
Com a popularização da internet, o meio digital passou a ser utilizado com
objetivos específicos pelos internautas. Para uns, serviu como uma espécie de diário
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virtual, onde podiam expor seus sentimentos e opiniões mais íntimas, caso dos blogs144.
Para outros, o meio era uma forma de publicar textos acadêmicos em sites, conhecer
outras pessoas, por meio de chats (salas de bate-papo), e formar novas redes de
relacionamentos. Mas, talvez nenhuma outra utilização tenha sido tão revolucionária na
internet quanto à divulgação de notícias, sobretudo com o surgimento dos portais, o que
facilitou a comunicação instantânea entre culturas distantes, tornando o mundo, de fato,
globalizado e sem fronteiras.
É nesse nicho que a veiculação de críticas mais se enquadra, afinal, essa
modalidade de texto faz parte da formatação do Jornalismo Cultural, como foi
mencionado anteriormente. No início, os críticos utilizaram o meio como forma de
divulgar suas produções, principalmente por meio de blogs e de sites não-profissionais.
Com o passar do tempo – e a gradual redução do espaço dedicado à crítica no
jornalismo diário – a internet começou a ser utilizada de forma mais profissional. Não
demorou para que surgissem os primeiros sites voltados para o cinema, que, entre suas
seções, passaram a dedicar espaço para textos críticos, além de informações sobre
lançamentos e bastidores da indústria cinematográfica.
6- A CRÍTICA CINEMATOGRÁFICA DO SITE CRITICOS.COM
O site Criticos.com surgiu em junho de 2002 "do esforço coletivo de um grupo
de críticos com vasta experiência na mídia impressa, mas quase analfabetos na área da
internet", como descreve o editor Marcelo Janot no Editorial. O site é dividido nas
seguintes seções: Críticas, Especiais, Artigos, Convidados, DVD’s, Livros, Trilhas,
Espaço Aberto, Cartas e Quem Somos. Assim como outras iniciativas - que comprovam
o que foi dito até então sobre a escassez de espaços dedicados à crítica cinematográfica
nos periódicos brasileiros - o Criticos.com veio suprir uma lacuna para o
desenvolvimento do trabalho de profissionais que se especializaram neste segmento.
144
"Weblogs ou blogs são páginas pessoais da web que, à semelhança de diários on-line, tornaram possível a todos
publicar na rede. Por ser a publicação on-line centralizada no usuário e nos conteúdos, e não na programação ou no
design gráfico, os blogs multiplicaram o leque de opções dos internautas de levar para a rede conteúdos próprios sem
intermediários, atualizados e de grande visibilidade para os pesquisadores" (ORDUÑA, 2007)
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Porém, diferente de outros sites, que reúnem um vasto conteúdo sobre cinema
que inclui bastidores, o mundo das estrelas de Hollywood145, informações sobre
bilheterias, entrevistas com diretores, coberturas de festivais, o Criticos.com dedica a
maior parte do seu espaço à publicação de críticas. Outro aspecto que difere o site de
outros disponíveis na internet é o fato de não ser a iniciativa de um único profissional,
mas de vários críticos experientes no assunto, o que também despertou interesse para
esse estudo. É importante destacar que o site atende as necessidades de um público
diferenciado, o que é fácil de constatar na análise dos conteúdos dos textos publicados e
na escolha dos filmes a serem abordados nas análises. Só para citar um exemplo, na
semana de 14 a 18 de junho, período do lançamento do filme Batman - O Cavaleiro das
Trevas nos cinemas brasileiros, um dos blockbusters mais aguardados do ano, o site não
publicou nenhum texto fazendo alusão ao longa-metragem, enquanto a maioria dos
outros sites do gênero dedicava grandes espaços sobre a produção norte-americana.
Isso não quer dizer que o site Criticos.com não analisa filmes comerciais, mas
isso só acontece, pelo que se observa, quando algo na obra em questão desperta o
interesse de algum dos críticos que integram o site e não por razões mercadológicos,
como acontece em outros casos. Uma outra característica importante é a pouca
utilização de todos os recursos disponíveis na internet, o que, de certa forma, comprova
as palavras do editor Marcelo Janot, que ressalta uma maior desenvoltura dos
profissionais que atuam no site com a mídia impressa. Recursos como links no decorrer
dos textos, trailers dos filmes analisados ou mesmo fotos são pouco utilizados. O que se
observa nos textos do site Criticos.com, tanto por seu tamanho - em geral, são bastante
longos - quanto por seu conteúdo é uma não-conformidade com os padrões vigentes
para a internet. Segundo FERRARI:
“O texto on-line deve estar numa linha entre o jornalismo impresso e o
eletrônico. É mais conciso e multimídia do que o texto impresso, porém mais
literal e detalhado do que o de TV, por exemplo. Um bom texto de mídia
eletrônica usa sentenças concisas, simples e declarativas, que se atém a
apenas uma idéia. Evitam-se longos períodos e frases na voz passiva”. (2006,
p.49)
145
Embora as produções cinematográficas de outros países também figurem nos sites de cinema, os filmes norteamericanos ainda são os mais comentados.
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Para identificar melhor as características das críticas veiculadas no site em
questão, foram selecionados quatro textos de autores e períodos diferentes: O amor
como elemento transformador, de 30 de outubro de 2002, de Susana Schild sobre o
filme Fale com ela; Correndo nos limites do improvável, de 13 de maio de 2008, de
Nelson Hoineff sobre o filme Speed Racer; Demônios do Esquecimento, de 27 de julho
de 2004, de Rodrigo Fonseca sobre o filme O Brilho Eterno de uma Mente sem
Lembranças; e Terra Estrangeira, de 17 de novembro de 2006, de Carlos Alberto
Matos, sobre o filme O Céu de Suely.
Um importante aspecto a ser destacado a respeito dos quatro textos analisados é
o fato de seus autores adotarem títulos próprios em suas críticas, o que, de certa forma,
funciona como uma espécie de marca autoral. Isso acontece mesmo quando dois
críticos diferentes escrevem sobre o mesmo filme. A primeira crítica é a mais
superficial das quatro analisadas neste breve estudo. Intitulado O amor como elemento
transformador, o texto da autora Susana Schild (2002) aborda o filme Fale com ela sem
grandes aprofundamentos, o que fica claro logo em seu início.
A primeira reação diante da leitura da sinopse de Fale com Ela (Hable com
Ella) pode gerar uma compreensível perplexidade: dois homens descobrem a
amizade a partir do amor que devotam a mulheres em estado de coma. "Mas
isso dá filme?" pode indagar o espectador, mesmo o mais acostumado às
excentricidades de Pedro Almodóvar e à sua desmedida imaginação na
criação de personagens e relações fora de padrões de "normalidade". Pois foi
com esse fio condutor que Almodóvar não só realizou talvez o melhor filme
de sua carreira como uma obra de impactante beleza e alta densidade
emocional. No cerne da trama, um sentimento meio fora de moda: a genuína
compaixão pelo ser humano. (2002)
Neste primeiro parágrafo, a autora limita-se apenas a apresentar o filme ao leitor
– destacando o fato de ser de Pedro Almodóvar, que julga ser um cineasta cuja carreira
é marcada por produções excêntricas – atribuindo sua visão pessoal a respeito da obra e,
de certa forma, conduzindo o leitor a não se deixar levar pela “perplexidade” inicial que
o filme pode provocar. O segundo e terceiro parágrafos são dedicados a contar a
história do filme, sem nenhuma análise mais aprofundada. Apenas ao final do quarto
parágrafo o texto deixa de ser apenas uma descrição do longa-metragem, embora as
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informações acrescidas nesta parte da crítica sirvam tão somente para “marcar
autoridade, indicar que o crítico está falando com conhecimento de causa”, como
afirma o autor Marcelo Coelho (2006, p.17). A autora cita dois outros filmes do
cineasta para justificar sua visão de que Pedro Almodóvar não faz outra coisa em sua
obra além de se debruçar sobre os mistérios da alma feminina.
Já Marco fica paralisado diante do corpo de Lydia e reage à tragédia com
rigidez e silêncio. E, é com conhecimento de causa que Benigno dá um
conselho a Marco: "Fale com ela (Lydia)". E justifica: "As mentes das
mulheres são misteriosas". E, de certa forma, Almodóvar não tem feito outra
coisa a não ser se debruçar sobre esse mistério em vasta e diversificada
galeria, de Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos a Tudo Sobre Minha
Mãe. (2002)
Apesar de advertir o leitor de que não pode mais revelar a história do filme para
não “estragar o prazer do espectador de se deixar conduzir por uma narrativa
rigorosamente elegante e segura”, Susana Schild continua a fazê-lo mesmo que não se
perceba disso. Além de citar cenas que a seu ver são importantes, também ressalta
aspectos técnicos do filme, como a fotografia e a montagem, sem, contudo, se
aprofundar nessa abordagem. O encerramento segue a mesma linha de todo o texto,
cheio de adjetivações – uma das características mais destacadas nas críticas “ligeiras” –
e ficando somente na superfície. A sensação que o texto transmite é que nada de novo é
acrescido à visão que o espectador poderia ter do filme sem que tivesse lido a crítica
logo após a projeção.
De perto ninguém é normal, já foi um dos lemas de Caetano Veloso,
assumidamente um dos ídolos de Pedro Almodóvar. E é também dessa
fronteira entre normal e o "anormal", e do poder da palavra como contato e as
conseqüências de atos genuinamente amorosos que fala Almodóvar neste
filme que mostra, despudoradamente, o amor como elemento transformador.
Fale com Ela termina onde começou: no teatro, diante de um espetáculo de
dança de Pina Bausch. Na platéia, personagens renovados e (ainda) separados
por uma cadeira vazia. Arrebatador. (2002)
Já no texto Correndo nos limites do improvável, de Nelson Hoineff, esse nível
de superficialidade é superado com um texto que começa de forma bastante pessoal.
Antes de proceder à análise do filme Speed Racer, o crítico revela o seu total
alheamento com a cultura pop atual, simbolizado pelo universo dos games e dos
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animes.
Não tenho 20 anos há mais de 30. Não cultuo animes ou mangás. Nunca
joguei, nem saberia jogar, Grand Theft Auto IV. E quando as latas de Speed
Racer deixaram o Japão para ganhar o mundo, eu já tinha visto muitas vezes
os motores de Grand Prix, de Frankenheimer, ecoarem em seis bandas
magnéticas sob uma película de 70 milímetros. Experiências ótico-sensoriais
não começaram no Playstation, assim como o cinema não começou no Star
Wars. Por isso, acho um grande feito o novo filme de Larry e Andy
Wachowski ter me prendido na poltrona por mais de duas horas. E considero
extraordinário o fato de ele ter me emocionado.
Mesmo diante de uma obra tão distante de suas referências culturais, Nelson
Hoineff não se deixa levar pela visão preconceituosa que muitas vezes acomete alguns
críticos e analisa o filme ressaltando o fato de não se prender ao universo que o gerou, o
que, para ele, é a sua grande qualidade. Ao invés de escolher a forma mais fácil e
apostar em uma produção que agradaria certamente o público ao qual se destina – no
caso, os jovens amantes de games ou os saudosistas do antigo seriado do qual o filme se
originou -, os irmãos Wachowsky optaram pela qualidade de sua produção, o que não
deixou de ser um alto risco, na opinião de Hoineff.
Acredito que a razão para isso é que o filme não se prende ao universo que o
gerou. Tal como seus dois heróis, ele quer sair de casa e ganhar vida própria.
A exemplo de Speed e de seu irmão Rex, luta contra todas as probabilidades,
aposta no impossível e não transige. A menor dessas probabilidades é uma
adaptação radicalizada dos desenhos contidos nas historias originais, mas
também da dramaturgia que eles carregam. Tal coisa está presente, é claro, na
sofisticada harmonização entre animação e encenação com atores num espaço
mítico das HQ. Já o que se vê aí é incomum, para dizer o mínimo. Mas não
há novidade nesse hibridismo. A singularidade é que ele venha envolto por
um texto qualificado.
Diferentemente do texto de Susana Schild, em sua abordagem Nelson Hoineff
opta por não contar diretamente a história, mas revelá-la por meio de aspectos que lhe
despertaram interesse ou mesmo definindo o filme com palavras como "kitsch, pósmoderno, contemporâneo e retrô". Em seu texto, o crítico ressalta a construção dos
personagens, o bom desempenho dos atores e as diversas referências que permeiam a
obra. Porém, neste aspecto, tem-se a sensação que as possibilidades da internet
poderiam ter sido melhor exploradas com o uso de recursos como os hiperlinks, que
poderiam explicar as outras obras mencionadas no filme e citadas pelo crítico.
Desconheço um repertório capaz de descrever a quantidade de informações,
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analogias e influências que podem ser encontradas nesse universo. Ele é
kitsch, pós-moderno, contemporâneo e retrô ao mesmo tempo. Reporta-se a
inúmeras construções de espaços improváveis, alucinantes como as pistas por
onde as maquinas de corrida vão passar, que os diretores fazem povoar com
citações que vão de Lang ao que de melhor a cultura pop produziu, com
ênfase no espaço que vai do Kung Fu ao Batman original. Anotei referências
que li em outras críticas: Kenny Scharf, Takashi Murakami, Kenneth Noland,
Candy Land, Rollie Tyler, para não falar de Leary e Lichtenstein. Conferi, e
todas fazem sentido. É uma mistura assustadora e desconcertante. Por ela,
Speed Racer acabou pagando caro. As pessoas esperavam um game. Os
Wachowski fizeram um filme.
A crítica assinada por Rodrigo Fonseca e intitulada Demônios do Esquecimento
é a mais hermética de todas as analisadas neste breve estudo, talvez porque o próprio
filme analisado - O Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças - não seja de tão fácil
assimilação. O autor apostou em um texto mais poético, sem se preocupar em revelar
detalhes do filme analisado, apenas pinçando algumas de suas características e
dialogando com outras obras que também discutem a questão da lembrança e do
passado – panos de fundo da produção. O texto já inicia com uma referência a um
poema que versa sobre o assunto.
“E as mãos do sonho sobre os meus olhos,/ e as mãos de minha mãe sobre o
meu sonho,/ e as estampas do meu catecismo/ para o meu sonho de ave! E
isso tudo tão longe... tão longe...” Sobre o passado, e o desterro do ontem, o
escritor alagoano Jorge de Lima (1893-1905) escreveu uma Oração, poema
de dor, com a ginga fervorosa de sua devoção pelo misticismo humano.
Sobre o mesmo tema, Michel Gondry e Charlie Kaufman evocaram espíritos
diferentes, mas que também enxergam seu devaneio como pássaro solto.
Fizeram uma obra-prima.
Como fica claro nesse trecho, o crítico não se preocupou em apresentar de
imediato o filme que está sendo analisado. O leitor só saberá o título em questão apenas
no final do terceiro parágrafo, embora a essa altura o autor já tenha citado os nomes dos
responsáveis pela produção que ele define como “obra-prima”. É interessante observar
como a crítica de Rodrigo Fonseca foge aos padrões comumente observados nessa
modalidade de texto. Poder-se-ia dizer que, neste caso, trata-se mais de um ensaio sobre
elementos presentes no filme analisado do que propriamente uma crítica jornalística
com o objetivo de analisar uma determinada obra e levar o leitor a refletir sobre ela,
pelo menos se for seguido à risca o modelo de crítica destacado por PIZA (2003), com
características como clareza, coerência, agilidade e um breve resumo da história. Porém
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o próprio autor destaca um quarto quesito que é “a capacidade de ir além do objeto
analisado, de usá-lo para uma leitura de algum aspecto da realidade”.
Talvez seja nesse contexto que o texto de Rodrigo Fonseca se insira, pois o autor
imprimiu uma marca bastante pessoal em sua crítica, algo que tem-se tornado cada vez
mais raro nos dias de hoje, tendo em vista a padronização que tem prevalecido neste
segmento do jornalismo cultural. Segundo o autor Rodrigo Carreiro (2006, p.10), “os
críticos contemporâneos escrevem textos parecidos, não importa onde estejam
geograficamente baseados. Não é difícil perceber essa característica nas narrativas da
crítica”. Para ele, é exatamente a utilização da internet a responsável por essa
padronização, embora Carreiro também veja o meio como um importante aliado na
formação de uma nova esfera pública.
A crítica sobre o filme O Brilho Eterno de Uma Mente sem Lembranças é mais
poética do que jornalística, mas instiga o leitor a pensar o filme, propósito maior dessa
modalidade textual e, por isso, é mais rica que as analisadas anteriormente porque foge
ao óbvio, o que fica claro, por exemplo, na maneira como o autor caracteriza o ator Jim
Carrey, protagonista do filme.
Seja calado, seja soluçando, berrando de falta, com um rasgo de ausência no
peito, Carrey despe-se completamente da persona careteira que
(merecidamente) o consagrou, para abraçar a introspecção. Carrega consigo o
carisma transformador de reles mortais em ícones eternos. E irradia a cena
com sua luz de astro-rei.
Já o texto Terra Estrangeira, de Carlos Alberto Mattos, sobre O Céu de Suely,
parece seguir uma tendência geralmente verificada quando os críticos analisam filmes
brasileiros: a de situá-lo no contexto do mercado cinematográfico no Brasil. Talvez essa
necessidade deva-se ao fato de a produção de filmes em maior escala ainda ser bastante
recente no país, depois de anos de uma grande lacuna, mas isso é só especulação. Mas o
texto de Carlos Alberto Matos começa exatamente por situar o longa-metragem O Céu
de Suely em um festival e compará-lo a outra produção do mesmo cineasta.
Vencedor da Première Brasil no último Festival do Rio, O Céu de Suely
chega para comprovar que Madame Satã apenas anunciava o grande talento
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de Karim Aïnouz. Da Lapa dos anos 1930 à Iguatu da era do DVD, o salto de
qualidade é considerável. O que era lacuna no primeiro longa aqui é espaço
consciente, a plena configuração de um estilo de narrar e fazer ver.
Após um breve resumo da história, o autor faz uma análise do que ele chama de
entorno do filme, que, segundo ele, está presente em outras obras do mesmo cineasta.
Essa análise situa o tipo de universo geralmente trabalhado por Karim Aïnoz, que
retrata em sua abordagem um Nordeste diferenciado, o que fica claro em seu trabalho
anterior, de acordo com Carlos Alberto Matos.
Esse Nordeste melancólico e não-característico já aparecia nos planos
“vazios” e na curiosa estilização audiovisual do documentário Sertão de
Acrílico Azul Piscina, co-dirigido entre 1999 e 2004 por Aïnouz e Marcelo
Gomes (de Cinema, Aspirinas e Urubus). Aqui, no entanto, o mesmo
universo recebe o upgrade da fotografia de Walter Carvalho. O que mais se
pode dizer desse artista prodigioso? Vale pelo menos sublinhar que sua
sensibilidade é crucial para a equivalência harmônica entre intenções e
resultados do filme.
O crítico também dedica privilegiado espaço à enumeração das qualidades
técnicas do filme, como enquadramentos, escolha de planos, fotografia, desempenho
dos atores, entre outros. Embora, nunca se aprofunde muito nestas questões, este é um
texto bem menos superficial do que o primeiro analisado. O encerramento da crítica de
Carlos Alberto Matos reforça sua visão sobre a obra do autor, que ele define como
“simples e belo, autoral e despojado, como fruta fresca balançando ao vento”.
7- CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após uma análise do site Criticos.com, observa-se que a utilização da internet é
mais para suprir uma lacuna cada vez mais presente no Jornalismo Cultural do que uma
forma de adaptação aos novos meios. O caso do site em questão demonstra que, apesar
de ter em mãos um novo meio de divulgação de seus textos, grande parte dos críticos
ainda age como se escrevesse para jornais impressos. Não se observa grandes diferenças
entre as críticas veiculadas pela mídia impressa das que são publicadas na internet,
sendo que esta última oferece várias ferramentas de vídeo e áudio que poderiam servir
para mudar a relação do leitor/internauta com o texto. Pelo fato de ser um meio ainda
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recente – com pouco mais de 10 anos de popularização -, a internet ainda parece ser um
desafio para os críticos, até então acostumados com os jornais diários.
Contudo, é importante destacar que outras características contribuem para a
configuração do site Críticos.com do modo como se apresenta, como a própria linha
editorial, com textos mais aprofundados e analíticos, e o seu corpo de críticos, que conta
com profissionais experientes no segmento, mas ainda novatos no mundo digital. Ainda
assim, vale frisar que, para os profissionais da crítica que começam a ser formados, a
internet funciona como um relevante exercício, por seu caráter dinâmico, seu espaço
ilimitado e mesmo seu grande acesso. Essa nova geração de críticos possivelmente
saberá utilizar melhor todos os seus recursos disponíveis, pois já estará habituada a esse
novo meio e dominará o tipo de linguagem que ele exige.
Isso não quer dizer que os críticos mais experientes não podem fazer uso da
internet para a publicação de seus textos. Na realidade isso já acontece há alguns anos e
mostra-se uma aposta acertada, embora seja lamentável que os cadernos culturais dos
jornais diários dêem preferência a textos mais informativos e pouco analíticos,
principalmente quando se trata de uma editoria (Cultura) onde deveria prevalecer a
reflexão e o olhar mais apurado sobre a arte e não apenas a divulgação de eventos.
Dessa forma, deve-se destacar a iniciativa do Críticos.com como uma iniciativa
importante, embora ainda dissonante da proposta desse meio ainda cheio de desafios
como é a internet. O site parece andar na contramão do que seria previsto, não apenas
por um certo desconhecimento da ferramenta por seus realizadores, mas, principalmente
pela própria proposta do site, voltado para análises mais aprofundadas, que poderiam
perder qualidade se fossem conduzidas de outra maneira.
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