DOC TV II e III: uma análise de seus formatos

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DOC TV II e III: uma análise de seus formatos
DOC TV II e III: uma análise de seus formatos
Aureo Moraes1
Resumo
O presente artigo propõe uma análise dos formatos utilizados pelos documentários
selecionados em duas edições (2005 e 2007) do DOC TV, Programa do Ministério da Cultura
de fomento à produção de documentários para a TV Pública, executado pela Secretaria do
Audiovisual do MINC, com participação da ABEPEC, Associação Brasileira de Emissoras
Públicas, Educativas e Culturais, Fundação Padre Anchieta/ TV Cultura de São Paulo,
Empresa Brasil de Comunicação/ TV Brasil e Associação Brasileira de Documentaristas e
Curtametragistas. O trabalho procura relacionar, com base em seis categorias de documentário
propostas por Bill Nichols (2005), e aproveitando pesquisa desenvolvida pelo professor
Alexandre Figueirôa Ferreira que analisou a primeira edição do programa em 2003, quais são
as características reconhecidas nos documentários produzidos nas duas edições do programa,
DOC TV II e III, adotando como metodologia as sinopses e a assistência dos vídeos
produzidos.
1
Professor do Departamento de Jornalismo e Mestrando em Jornalismo da UFSC
Em 2003 a Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura desenvolveu o primeiro
projeto de fomento e financiamento da produção de documentários no país, diretamente
voltada à exibição em emissoras de Televisão educativas e culturais. O programa DOC
TV foi executado, então, por meio de convênio, formalizado entre a SAV/ MINC e as
emissoras associadas à ABEPEC – Associação Brasileira de Emissoras Públicas,
Educativas e Culturais, tendo como entidade gestora do convênio a Fundação Padre
Anchieta/ TV Cultura de São Paulo e apoio da ABD - Associação Brasileira de
Documentaristas e Curtametragistas. Tratava-se, à época, da efetivação de uma Política
Pública, depois reafirmada no 1º Fórum Nacional de TVs Públicas2, realizado em 2007,
de promover a regionalização da produção audiovisual para TVs e estimular a parceria
entre a Produção Independente e as emissoras de TV Públicas estaduais.
O modelo de negócio proposto no convênio estabelecia uma nova dinâmica nas relações
entre produtores/ realizadores e unidades exibidoras. Tratava-se de aproximar, de um
lado os roteiristas, diretores e empresas produtoras e, de outro, as emissoras chamadas
“públicas”, de modo a promover retratos do Brasil com respeito às diferenças regionais
e à diversidade de cada estado. Assim, o programa se constituiu de um Edital nacional,
porém com contratos e instrumentos formais com participação direta das emissoras de
TV públicas situadas nos estados. O Ministério da Cultura, por meio da Secretaria do
Audiovisual destinou, nos três primeiros anos R$ 80 mil e as emissoras conveniadas
outros R$ 20 mil, totalizando R$ 100 mil para cada projeto vencedor, em cada um das
edições do programa.
Nos anos de 2003, 2004 e 2006, foram inscritos 2.380 projetos em 74 Concursos
Estaduais, sendo 20 estados no primeiro ano e 27 em cada ano subseqüente. Ao final
restaram produzidos 114 documentários sendo exibidas 3.026 horas de programação em
rede, constituída pelas emissoras que aderiram ao programa.3
2
3
Carta de Brasília. Brasília, maio de 2007
Balanço DOC TV 2003/2006
Os desdobramentos do Programa alcançaram limites para além do Brasil, gerando em
2007, no âmbito da América Latina, o programa DOC TV Ibero-América, envolvendo a
produção e teledifusão de documentários de 15 países.
Para situar inicialmente a questão dos formatos utilizados pelos realizadores nas três
primeiras edições do DOC TV, vamos nos valer do registro histórico do surgimento do
documentário no Brasil. Conforme Gustavo Soranz Gonçalves,4 “o cinema chega ao
Brasil em 1896, inicialmente com exibições no Rio de Janeiro e, depois, em São Paulo,
seguindo para outras cidades importantes. A novidade veio integrar espetáculos de
teatro de variedades e dos cafés-concertos. A primeira sala fixa de exibição encontravase no Rio de Janeiro e tinha como principal dono um imigrante italiano, chamado
Pascoal Segreto”. Segundo Gonçalves, após viagens à Europa para adquirir filmes e
aprimorar técnicas, um irmão de Segreto, Afonso, realizou aquela que ficaria conhecida
como a primeira imagem do cinema brasileiro, mostrando a Baía da Guanabara. Durante
pelo menos os primeiros dez anos eram estas imagens, documentais, conhecidas como
“tomadas de vista” que prevaleciam. Sobretudo por que as pequenas produções de
outrora se concentravam nas impressões de estrangeiros sobre o país, colhidas sob o
ponto de vista de visitantes deslumbrados com paisagens, hábitos e aspectos da cultura
local.
Tais registros ambientais continuaram ocupando os olhares dos realizadores da época e
depois, nas décadas de 1930, 1940 e 1950 as câmeras tornaram-se ferramentas nas mãos
de antropólogos, indigenistas e expedicionários, sobretudo nos locais mais inóspitos do
país. Nos anos de 1960 e 1970 destacam-se documentários de cinema-verdade,
estimulando a produção cinematográfica. Com a TV se firmando neste período como
veículo de massa, acentuam-se produções de jornalismo investigativo e documentários
ou grandes reportagens na televisão, com destaque para programas como o telejornal A
Hora da Notícia, na TV Cultura de São Paulo e Globo Repórter, na Rede Globo. A
4
Gonçalves, G.S. Panorama do Documentário no Brasil. DOC on Line, 2006.
partir dos anos 80 cresce a aproximação entre o documentário e a televisão com a
geração de realizadores como Jorge Furtado, depois consagrado como roteirista e diretor
de TV.
Partindo desse breve resgate da história da produção em cinema e documentário no país
passamos a estabelecer outra categorização, desta vez com os tipos de documentários
apresentados por Bill Nichols (2005:135-177). Segundo ele há sete modos de
representação documental, cada qual inserido em uma determinada circunstância
histórica, em que cada um se torna alternativa comum, cada modo tem antecessores e
cada um continua até hoje:
Ficção Hollywoodiana, nos anos 10; documentário Poético nos anos 20, ao lado do
Documentário Expositivo; Documentário Observativo e Documentário Participativo,
nos anos 60; Documentário Reflexivo e Documentário Performático nos anos 80.
Excluída a primeira categoria, representada pelas narrativas ficcionais de mundos
imaginários, com ausência de “realidade”, conforme Nicholls, passaremos a definir
sinteticamente cada um dos demais modos.
Documentário Poético
O modo poético se caracteriza por permitir formas de conhecimento alternativas, propõe
um ponto de vista específico e apresenta proposições sobre problemas que necessitam
soluções. Enfatiza mais o estado de ânimo, o tom, o afeto e menos as demonstrações de
conhecimento ou ações persuasivas. Finalmente, este modo retira do mundo histórico
sua matéria-prima, mas transforma-na de maneiras diferentes, como forma de
representação da realidade em uma série de fragmentos, impressões subjetivas, atos
incoerentes e associações vagas.
Documentário expositivo
Agrupa fragmentos do mundo histórico numa estrutura mais retórica ou argumentativa
do que estética ou poética, dirigindo-se ao espectador diretamente, com legendas ou
vozes que propõem uma perspectiva, expõem um argumento ou recontam a história,
utilizando a “Voz de Deus” em que o orador é ouvido mas jamais visto.
Documentário Observativo
Propõe uma série de considerações éticas pelo ato de observar o “outro” ocupando-se
dos seus afazeres, dando a impressão de que o documentarista não impõe um
comportamento nem interfere na ação, de modo que pareça invisível ou nãoparticipante. Tais documentários mostram uma força da duração real dos
acontecimentos, rompendo com o ritmo dramático dos filmes de ficção convencionais.
Documentário Participativo
Nesta modalidade o autor torna-se, praticamente, um ator social, com forte e marcante
presença na ação, enfatizando o encontro real, vivido entre o autor e o tema retratado,
envolvendo-se e negociando relacionamentos. Sua estrutura narrativa vale-se, em regra,
de recursos como a entrevista, ao testemunho pessoal.
Documentário Reflexivo
Estes modelos assumem plenamente sua condição de representações, escancarando
realisticamente seu “fazer” documental, gerando no espectador a reflexão sobre o que
efetivamente está sendo representado e questionando suas próprias limitações.
Documentário performático
Aproxima-se, numa certa medida, do cinema experimental, enfatizando aspectos
subjetivos, diminuindo a força do discurso subjetivo e tornando superlativo o estilo.
Antes de partirmos para a análise dos documentários vencedores da segunda e terceira
edições do programa DOC TV, importa referir o que apresenta o pesquisador Alexandre
Figueirôa, da Universidade Católica de Pernambuco, em artigo publicado em 20065, no
XXIX Congresso da Intercom.
“(...) o balanço dos 26 documentários indica uma tendência à falta de
inovação. A primeira edição do DOC TV não escapou, como já se viu,
da armadilha da diversidade temática e igualou-se a outros concursos
que elegem o melhor tema para produzir filmes e condicionam o
projeto de documentário às estruturas consideradas, hoje, clássicas de
narrativas para esse gênero. Os trabalhos resultantes seguem essa linha
de desenvolvimento, acumulando experiências que vão da escola
britânica de documentários, de John Grierson, ao Cinema Verdade, de
Jean Rouch, com alguns realizadores dialogando com a cultura
audiovisual televisiva ao utilizar, como modelo para o documentário,
os esquemas de reportagem dos telejornais e, talvez, até abusando
deles, levando-os a sucumbir ao mero registro e a uma organização
pouco criativa de entrevistas de campo entremeadas por cenas apenas
ilustrativas dos depoimentos.”
Fica claro, portanto, pela análise de Figueirôa, que os temas sobressaíram-se às
linguagens, transformando, em regra, a série DOC TV I em um “mosaico da realidade
brasileira”, como define o autor.
Nossa pretensão, longe de buscar a plena identificação de temas e formatos, é associar,
aos 70 documentários (35 em cada edição) a categorização proposta por Nichols.
Para alcançar esta proposta, relacionamos os seguintes elementos:
- Título
- Sinopse
5
“Os documentários audiovisuais produzidos pelo estado brasileiro”. 2006.
- Modelo de documentários, conforme proposto por Nichols
Ao final, procuraremos obter um conjunto de indicações que, ao menos, apontem para
as categorias mais comumente utilizadas no que se refere aos tipos de documentários
apresentados pelo autor.
A tabela 1, a seguir, apresenta o quadro sintético dos documentários produzidos na
edição do DOC TV II, exibidos em 2006. Para efeito de inclusão neste artigo o
conteúdo das sinopses sofreu redução e as expressões em negrito nas tabelas servem
como elemento de confirmação da proposta de categorização do tipo de documentário
conforme Nichols.
Tabela 1
Título
Passagem
As vilas volantes - O
verbo contra o vento
Do lado de fora
Acidente
Paulo companheiro
João
História brasileira da
infâmia - Parte um
O zero não é vazio
Sinopse
Documentário gravado na rodoviária de Porto Alegre mostra a
relação da população em trânsito e dos personagens deste
universo.
Através do verbo, habitantes de vilas obrigadas a se deslocar
devido à ação das dunas e marés, reconstroem lugares,
hábitos e práticas que não existem mais
A história de seis mulheres que tiveram suas vidas
modificadas em função de seus filhos, maridos, irmãos ou
companheiros terem sido presos
Um poema composto por 20 nomes de cidades mineiras é o
corpo rítmico deste filme que se abre ao imprevisto e ao
improviso.
Paulo Wright era um homem marcado. Em seu encalço a
repressão militar. Numa viagem de trem um último
encontro. Ficam reticências e interrogações
Antropofagia e conspiração na morte do 1º Bispo do Brasil,
Dom Pedro Fernandes Sardinha, seus mitos e conseqüências.
Aborda o lugar que a escrita tem para aquele que escreve. São
escritas singulares, não se apóiam no sentido, inventam
palavras, manipulam as letras, modelam o vazio.
Categoria
Observativo
Observativo
Reflexivo
Poético
Expositivo
Expositivo
Poético
A próxima refeição
Péricles Leal, o
criador esquecido
Cidadão Jacaré
A descoberta da
Amazônia pelos
turcos encantados
O continente de Érico
Mandinga em
Manhattan
Assim Caminha
Regência
Maestro Jorge
Antunes - Polêmica e
modernidade
Capivara
Zequinha Grande
Gala
Reis Negros
Paraíso
Antonina, Morretes e
Paranaguá - Unidas
pela história
Hermógenes - Deus
me livre de ser
normal
Epopéia
Euclydeacreana
Entremundos - A
bioceânica do Brasil
Central
O que você faria se morasse no meio da floresta? A Próxima
Refeição narra a saga dos brasileiros que vivem no interior
da Amazônia
A obra de Péricles Leal, pioneiro da televisão brasileira, a
partir do depoimento dos artistas e intelectuais que com ele
conviveram.
O homem Manuel Jacaré e sua luta, com uma pergunta: o país
precisa de um jangadeiro-herói ou de um jangadeirocidadão?
As múltiplas referências culturais presentes na mitologia
do Tambor de Mina, religião típica da região amazônica
brasileira.
Recriação da narrativa que Érico Veríssimo utilizou em O
Tempo e o Vento, revelando o processo de construção do
imaginário gaúcho.
A expansão da capoeira pelo mundo e o seu refluxo para a
Bahia, tendo como personagens principais os maiores
mestres em atividade
A história do guardião da alma do Caboclo Bernardo, herói
nacional que salvou 128 náufragos na foz do rio Doce.
A história do maestro que trouxe a música eletro-acústica
para o Brasil, misturando o erudito com a cultura popular.
A luta de uma pesquisadora pela ciência e a de um povo pela
sobrevivência no semi-árido do Piauí. Quem tem razão?
Aspectos do inconsciente coletivo do povo brasileiro e a
busca de uma identidade paranaense a partir das figuras das
balas Zequinha.
A coroa, o tambor e o rosário conduzem a investigação dos
mistérios que compõem o universo dos reinados negros de
Minas Gerais
Relações poéticas entre som e imagem a partir de paisagens
da memória - vestígios de lugares e tempos significativos - de
diferentes pessoas
Um prato típico, três cidades, várias versões. A origem do
Barreado é o pivô de uma rivalidade histórica entre as cidades.
Hermógenes, o pioneiro da yoga nos conduz ao autoconhecimento e realização. Celebridades, idosos, prisioneiros,
populares atestam o poder da Yogaterapia.
Viagem de Euclydes da Cunha pelo Acre, durante missão
oficial do Itamaraty, é refeita a partir do diário do escritor.
Uma viagem através da Bolívia, Chile, Argentina, Paraguai e
Brasil, buscando descobrir onde nasce o desejo de
integração da América Latina
Expositivo
Expositivo
Expositivo
Expositivo
Expositivo
Expositivo
Expositivo
Expositivo
Reflexivo
Observativo
Observativo
Poético
Expositivo
Expositivo
Expositivo
Expositivo
Mário Gusmão - O
anjo negro da Bahia
Mestre Leopoldina, a
fina flor da
malandragem
Tocantins - Rio
afogado
O homem do balão
extravagante ou as
atribulações de um
paraense que quase
voou
Ensolarado Byte
Santa Dica de Guerra
e Fé
Candelária, aquela
que conduz a luz
Vila Bela Terra de
colores
O massacre de Alto
Alegre
Uma princesa negra
na terra do
Marabaixo
Nenê Macaggi Roraima Entrelinhas
O Brasil que começa
no rio
A vida e obra do ator Mário Gusmão em três linhas
temáticas: a artística, a militância política no movimento negro
e a espiritual.
A malandragem através das músicas, das histórias e da
pessoa de Mestre Leopoldina, mestre de capoeira
reverenciado mundialmente.
Ecologia e desenvolvimento sócio-econômico discutidos a
partir do projeto de construção de usinas hidrelétricas ao
longo do rio Tocantins.
A história do primeiro brasileiro a projetar um balão
aerostático capaz de voar contra o vento, segundo a vontade do
homem.
O intercâmbio entre a cena musical do Recife e as
tecnologias digitais, a partir de três artistas: Neílton
(Devotos), DJ Dolores e o coletivo RE:Combo.
Para os coronéis, uma ameaça. Para o governo, uma inimiga.
Para a igreja, uma bruxa. Para milhares de seguidores,
simplesmente, Santa Dica.
A luta pela dignidade e cidadania dos profissionais do sexo.
A história da difícil "vida fácil" de uma profissão sem direitos.
Resgate histórico-cultural da cidade de Vila Bela -MT, a
partir de histórias narradas por quatro de seus moradores.
As causas e conseqüências do ataque dos índios
Tenetehara/Guajajara à uma missão indígena capuchinha
em Barra do Corda - MA em 1901.
Os afro-descendentes no Amapá e sua evolução sócio-cultural
no processo histórico.
A cultura regional e as relações entre os pecuaristas,
garimpeiros e indígenas, por meio da obra e vida de Nenê
Macaggi.
As lonjuras sem fim e a solidão dos beiradeiros na fronteira
com a Bolívia. Eles se agarram à fé e às tradições e resistem às
agruras deste outro Brasil.
Expositivo
Expositivo
Reflexivo
Expositivo
Poético
Reflexivo
Reflexivo
Expositivo
Reflexivo
Expositivo
Expositivo
Expositivo
A tabela 2 refere-se aos documentários da edição III, exibidos em 2007.
Tabela 2
Título
Os Negativos
Sinopse
Revela em três atos e numa estrutura dramática que
respeita a ordem cronológica dos acontecimentos, as
diferentes fases do relacionamento Arlete/Verger: desde o
Categoria
Performático
Uma Encruzilhada
Aprazível
Alô, Alô Amazônia
Calabar
Mapulawache: Festa
do Pequi
Monte Roraima –
Magia e Aventura na
Terra de Makunaima
Um Corpo
Subterrâneo
encontro dos dois, na década de 70, passando pela viagem a
Paris e o achado dos mais de 60.000 negativos que Verger
julgava perdidos; pelo amor intenso vivido, mas sublimado;
pela velhice de Verger, quando Arlete passa a fotografar por
ele; até a morte do antropólogo.
Sertão do norte do Ceará, um movimentado entroncamento
rodoviário é observado por moradores que, alheios a ele,
levam uma vida lenta e artesanal. O contraste entre quem
passa e quem mora. Road-movie em que a estrada é mais
sugerida do que explicitada. O documentário apresenta os
modos de vida presentes no entroncamento rodoviário, e em
seu entorno, como uma alegoria da cultura do estado.
Desde a sua estréia, o programa Alô, Alô Amazônia, levado ao
ar diariamente pela Rádio Difusora de Macapá, funciona
como um elo entre os moradores das regiões ribeirinhas e
quem mora em Macapá, a capital do Amapá. O documentário
na cultura amapaense revelando histórias da população
ribeirinha que só se tornam públicas pela necessidade de
comunicação.
Norteando a narrativa por meio da construção de uma
certa iconografia para Calabar, o documentário faz um
apanhado de todo o ideário e imaginário criado em torno de
sua figura a partir de um teatro de sombras e de entrevistas
realizadas em locações da cidade de Porto Calvo, onde nasceu
e morreu Calabar, e onde os fatos se deram.
Através do olhar do índio Ayuruá Mehináku e da câmera
dirigida por ele, este documentário nos leva a um passeio
etnográfico pela cultura de sua tribo. A relação direta da
câmera com os personagens, sem diálogos ensaiados, revela
os estados de espírito e os traços faciais que se abrem para os
“de fora”, permitindo apreender os conteúdos. Não há
diálogos preconcebidos, apenas as vozes e os sons próprios da
festa. Aborda o ritual Mehináku da forma como o olhar nativo
o vê.
Promove uma expedição reveladora das relações do povo de
Roraima com o seu bem simbólico mais significativo – o
Monte Roraima. O mito da Pedra de Makunaima, transmitido
de geração em geração pelos índios Ingaricó e Taurepang,
alimenta uma cadeia de percepções em relação ao “Monte
Sagrado”, combustível de uma emergente indústria turística.
Road-movie entre o extremo norte e o extremo sul do Piauí,
promove uma viagem em busca da memória do homem
piauiense, agenciada pelo diálogo poético pontuado por
nascimento e morte. A espinha dorsal do documentário é uma
viagem do extremo norte ao extremo sul do Piauí, tendo como
Expositivo
Expositivo
Expositivo
Participativo
Expositivo
Expositivo
Uma Cruz, uma
História e uma
Estrada
Lutzenberger: For
Ever Gaia
A Bença
Zumbi Somos Nós
Dyckias
Estado de Resistência
ponto de partida a vila de pescadores Barrinha e o de chegada,
a cidade de Gilbués. Os cemitérios são os espaços onde o
documentário busca personagens que contarão histórias de
vida de seus parentes ali enterrados.
Road-movie que parte da cidade de Recife, e percorre mais de
3.500 km pela Zona da Mata, Agreste e os sertões dos vales
do Moxotó, Pajeú e Cariris, e adota como procedimento o
registro de histórias de vida e morte, a partir da identificação
das Cruzes que são erguidas à beira das estradas e caminhos.
Histórias de vida de anônimos e de famosos com um único
destino trágico: o de tombarem sem vida à margem de uma
estrada, asfaltada ou de chão batido, na grande metrópole ou
nos mais longínquos sertões.
O documentário apresenta as idéias e realizações do
ecologista José Lutzenberger através de três linhas de
abordagem: as origens, as obras e a reverência à vida. As
imagens do documentário são intercaladas com cenas em
animação, assinadas pelo animador Otto Guerra. O desenho
animado resgata o universo lúdico da infância de
Lutzenberger, dando vida ao diário ilustrado do pequeno Lutz,
confeccionado por seu pai, o artista plástico Joseph
Lutzenberger, ao longo de 16 anos. Reúne imagens e
depoimentos coletados em diversos lugares onde o ecologista
atuou, além de entrevistas com o próprio Lutzenberger,
filmadas antes de seu falecimento.
Mãe Enedina, 90 anos; Mãe Maria, 74 anos, e Mãe Mimi, 75
anos. “A Bença” traz o dia-a-dia de três senhoras do
candomblé na Baixada Fluminense, no Rio de Janeiro,
abordando temas como a idade, a passagem do tempo, o
respeito mútuo entre jovens e idosos dentro do candomblé e a
crença no culto de orixás.
Manifesto sonoro e visual, espécie de bricolagem que une os
tambores ancestrais, os ritmos contemporâneos e as novas
simbologias visuais.Propõe uma reflexão sobre questões
raciais na sociedade brasileira contemporânea e a criação de
estratégias artísticas para responder a estas questões,
inscrevendo na vida cotidiana novas formas de olhar, pensar e
agir. através de intervenções artísticas, criando um diálogo
afinado entre imagem e som, norteado por narradorespersonagens-mc’s.
“Dyckias” questiona a expressão “desenvolvimento
sustentável” ao abordar o processo de extinção da bromélia e
de seu meio ambiente pelo lago formado pela construção da
barragem da Usina Hidrelétrica de Barra Grande.
O documentário aborda os diferentes modos de produção
Expositivo
Expositivo
Expositivo
Performático
Reflexivo
Reflexivo
O Crime da Ulen
Chupa Chupa: A
História que veio do
Céu
Sábado à Noite
Metros Quadrados
agrícola a partir de um corte longitudinal, da divisa com
São Paulo à com Santa Catarina, buscando respostas para as
seguintes questões: Qual é o negócio do agro-negócio? O que
há por trás da monocultura e da transgenia? Qual é o papel da
mídia nesse processo? Quais são as relações entre a produção
de alimentos e a cultura de um povo?
Reconstrói a imagem pública de José de Ribamar
Mendonça, considerado um herói por ter assassinado em
1933, em São Luís do Maranhão, o norte-americano John
Harold Kennedy, contador da Ulen Company e suposto tio do
presidente John Fitzgerald Kennedy. Após ser demitido
injustamente e ter sua indenização suspensa, José de Ribamar
Mendonça, ex-bilheteiro da estação de bondes da Ulen, mata o
americano John Harold Kennedy, responsável pelas
demissões. O depoimento do radialista José de Ribamar
Salim, atuante no rádio maranhense desde a década de 1960,
aborda o assassinato do contador da Ulen, Harold Kennedy,
relacionando-o com a morte do presidente Kennedy, na tarde
de 22 de novembro de 1963. São Luís seria então o local de
origem das sucessivas “tragédias dos Kennedy”.
“Chupa-chupa” é a expressão atribuída, pelos moradores da
ilha de Colares, no Pará, a Objetos Voadores Não
Identificados que, em 1977, teriam feito aparições nos céus da
cidade e até sugado o sangue de alguns colonos. Magoados
pelos comentários jocosos da imprensa e população do estado,
o episódio teria chamado a atenção do poder público e das
autoridades militares, que teriam montado a maior operação
militar em torno de um evento ufológico que se tem notícia no
Brasil. Trabalha a presença do evento no imaginário dos
colarenses, por meio da obra de Mestre Pacau, pescador e
compositor de carimbó que tem como principal tema o
“chupa-chupa”.
Personagens anônimos, imagens abstratas e sons se misturam
em uma viagem noturna por Fortaleza. O documentário
produz um “auto-retrato” da cidade, para que esta se
observe por uma ótica diversa, múltipla de impressões sobre si
nos modos como se afetam mutuamente a cidade e seus
habitantes num sábado à noite, construindo um olhar que
busca provocar o estranhamento dos hábitos cotidianos,
usando o acaso como fio condutor.
A cidade de Belo Horizonte possui hoje 70.000 lotes não
ocupados (10% das propriedades privadas) O documentário
reconstrói as relações entre as pessoas por meio de
intervenções em lotes desocupados, enfocando, sobretudo, sua
repercussão na paisagem urbana e no comportamento social e
Expositivo
Observativo
Observativo
Observativo
Resgate
Manoel Monteiro em vídeo verso e
prosa
O Vôo Silenciado do
Jucurutu – sobre a
cineasta Jussara
Queiroz
Sasha Siemel – o
caçador de onças
Nação Lascada de
Véio: A Glória do
Sertão
La Rota del Pacifico
registra uma cidade invisível, na qual os lotes são revelados
como lugares potencias para criar múltiplos lugares e devires.
Utiliza animações, ilustrações, pinturas, e som de eletrofolk, para comentar 18 depoimentos de professores, médicos,
costureiras, poetas e comerciantes que hoje emprestam seus
nomes a escolas, ruas e bairros, contando, com sotaque forte e
vocabulário local, passagens de suas vidas.
Relato de como a literatura de cordel, sobretudo a de Manoel
Monteiro, está sendo apropriada na educação em um novo
contexto, o de passar conhecimento sobre questões atuais, de
forma atrativa e acessível a qualquer faixa etária, grau de
escolaridade ou nível social. Fazendo uso de diferentes
linguagens artísticas, o documentário tem forte atuação junto
à comunidade, por meio de oficinas em escolas públicas e
particulares, com a intenção de discutir, de forma aberta, a
inserção da cultura popular nos métodos pedagógicos.
Uma homenagem audiovisual à vida e obra da cineasta
potiguar Jussara Queiroz.
Poético
Expositivo
Expositivo
Uma revisão histórica da passagem do letoniano Sasha
Expositivo
Siemel pelo Mato Grosso, na década de 1950, introdutor de
uma prática de caçada esportiva por meio de safáris filmados e
com platéia, como espetáculo em que empalava onças vivas.
Os registros dos safáris feitos por Siemel (cinematográfico,
memórias, peles de onça etc) tinham por objetivo a
imortalização de seus feitos a partir da criação de um museu e
da publicação de livros que contassem suas histórias de
bravura. Tais registros são importante material de pesquisa
sobre a fauna, flora e modos de vida do Pantanal, além de
inflexão sobre o pensamento ambiental.
Procura narrar o universo de Cícero Alves dos Santos, mais Expositivo
conhecido na região do km 8 da BR-206, no estado de Sergipe
como “Véio” artista sergipano que produziu um estranho
conjunto de esculturas disforme, compostas pelos tipos de
madeira disponíveis no local e expostas a céu aberto.
Um road movie pelas culturas que se tecem no interstício
Floresta Amazônica - Cordilheira dos Andes, tornando a
estrada o fio narrativo de captura dos símbolos dessa
heterogeneidade, sem se restringir à visão oficial de uma
ingênua integração harmônica e convidando à reflexão sobre a
compulsão do nosso modelo de desenvolvimento.
Expositivo
Café com Pão
Manteiga Não
Maack, o Profeta da
Devastação
Quilombagem
As Cores da Caatinga
Touro Moreno
Blau Nunes – o
Vaqueano
20 anos de Suvaco
Handerson e as Horas
A Saga do Piabeiro
Revela a importância das estradas de ferro para a formação do
estado de Goiás, e reflete sobre a história dos projetos de
construção de ferrovias no Brasil à luz da reflexão
desenvolvimentista, por meio de uma viagem pela Estrada
de Ferro Goiás, conduzida por um antigo maquinista.
Biografia sobre o geólogo teuto-brasileiro Reinhard Maack,
nascido na Alemanha, e falecido e sepultado em Curitiba, que
alardeou a devastação das paisagens do Paraná na década de
1920, registradas em 16 mm pelo próprio antes da chegada da
cultura da cafeicultura ao norte paranaense.
Retorna aos cenários de Maack exatos oitenta anos após a
documentação, registrando as graves alterações nos grandes
ecossistemas e biomas do Paraná.
Aborda o processo de formação e resistência da comunidade
negra dos quilombos de Santo Antônio do Guaporé e Pedras
Negras, na fronteira entre Brasil e Bolívia, Promove uma
revisão histórica contextualizando o drama diário das
comunidades com a falta de transporte, acesso precário à
saúde e educação.
Apóia-se nas singularidades do povo, da natureza e da cultura
do Raso da Catarina e investe contra a exploração
irracional do meio ambiente e contra o “mito” de que
caatinga e miséria são sinônimos.
Biografia sobre a vida do lendário Touro Moreno, lutador
veterano e boêmio, personagem marcante na vida capixaba,
notabilizado tanto como esportista, quanto na “crônica de
costumes” da capital do Espírito Santo entre as décadas de
1960 e 1980.
O documentário identificou Blau Nunes nos relatos e
experiências de personagens reais da vida riograndense,
revelando sua constituição psicológica e, mesmo, fisionômica,
reconstruindo esse personagem real e mítico, não como
apresentação do escritor ou da obra literária, mas como
diálogo contemporâneo com a cultura gauchesca.
Verdadeiro “filme fundo de quintal”, que reúne um farto
material de arquivo, o documentário organiza as histórias da
formação do bloco “Suvaco do Cristo”, que coincide com o
período de redemocratização do país, resultando num registro
único de uma parte da história contemporânea do carnaval
carioca.
Documentário feito a partir de um único plano-sequência, é
um filme sobre a duração, sobre o tempo passado em um
trajeto de um ônibus que sai do bairro Grajaú na zona sul de
São Paulo, até o Largo da Batata.
Aborda a exploração do trabalho dos piabeiros na região
Expositivo
Expositivo
Expositivo
Reflexivo
Expositivo
Performático
Poético
Performático
Reflexivo
Raimunda, a
Quebradeira
Serra Pelada –
Esperança não é
sonho
A Barganha
amazônica pelos “patrões de pesca”, função caracterizada
pela baixa remuneração e pelo não reconhecimento dos
direitos trabalhistas.
O documentário traça um paralelo entre a vida de Raimunda
Gomes da Silva, dedicada aos direitos das mulheres
quebradeiras de coco babaçu da região do Bico do Papagaio e
à criação de sindicatos de trabalhadores rurais, sempre ao lado
do padre Jósimo Moraes Tavares, assassinado por pistoleiros
em 1986, e o processo de ocupação e transformação da região.
Uma revisão histórica em defesa da luta pela posse da
terra, da agroecologia e do extrativismo.
Aborda a expectativa de reabertura do garimpo de Serra
Pelada pelos 7 mil remanescentes da população garimpeira
que, vivendo em condições muito precárias, chegaram a se
voltar contra a própria Vila, escavando o cemitério em busca
de ouro.
Acompanha o dia-a-dia de alguns personagens na região do
alto Paranaíba mostrando os sertanejos em suas atividades
cotidianas e também na catira de animais. Mostra os gestos e
as falas em ritmo acelerado do comércio de gado nos leilões
de cidades mais desenvolvidas, em que o jogo da troca não se
faz em torno da espera e da dúvida.
Reflexivo
Expositivo
Observativo
Ainda que possamos considerar a categorização apontada nas tabelas acima como
precária ou ainda, sujeita a interpretações diversas, fruto de uma análise mais rigorosa –
que não pretendemos aqui estabelecer – fica claro que a escolha dos autores, nas duas
edições analisadas, voltou-se para gêneros que poderíamos considerar como “clássicos”
na narrativa documental. A partir do levantamento de modelos de documentário
atribuídos aos 70 filmes aqui elencados, temos uma possível tabulação.
A tabela 3 reúne a quantidade de tipos de documentários a partir do quadro de
produções da edição do DOC TV II.
Tabela 3
Tipo
Quantidade
Expositivo
21
Reflexivo
06
Observativo
04
Poético
04
Note-se a prevalência do tipo Expositivo, o que demonstra a escolha por linguagens que
aproximam a produção documental dos formatos televisivos por excelência, quase
telejornalístico, com drástica redução para os tipos reflexivo – estes mais associados aos
temas que à forma – observativos e poéticos.
A tabela 4 mostra o resultado da análise dos documentários da edição do DOC TV III.
Tabela 4
Tipo
Quantidade
Expositivo
19
Reflexivo
05
Observativo
04
Performático
04
Poético
02
Participativo
01
Neste caso continua a prevalência pelo modo Expositivo, seguidos quase que na mesma
medida do quadro anterior pelos demais, com uma significativa alteração: há um
documentário do tipo participativo, o que pode ser considerado como aquele de
linguagem mais ousada e inovadora.
Parece-nos, portanto, acentuada a avaliação de Figueirôa, segundo a qual falta inovação
aos realizadores. Sobretudo na forma e na linguagem, obviamente associada à escolha
dos temas. Note-se que, dos 40 documentários aqui apontados como “Expositivos”, pelo
menos
dezessete
deles
narram
biografias;
outros
tratam
de
revisões
históricas/documentais e ainda relatos de viagens e os auto-intitulados “road movies”,
que somente na edição III do Concurso são em número de quatro.
Outra questão bastante presente, também assinalada por Figueirôa, é a opção por temas
de relevância social. Reforça-se, em certa medida, aquilo que o pesquisador
pernambucano citava quando da análise dos vídeos da primeira edição do concurso:
“Os temas escolhidos e a tendência da abordagem dos documentários
produzidos e exibidos pelo DOC TV na sua primeira edição, como é
possível observar, já delineiam algumas pistas para se compreender as
diretrizes do projeto naquela ocasião, marcado, sobretudo, pelo anseio
de reconquistar no audiovisual um espaço de resistência na televisão
(...). Ainda é cedo para generalizações, porém, arriscamos aqui sugerir
ou indagar se esses aspectos não estariam ligados ao paradigma de
visão da realidade política e social do país preconizado de alguma
forma pela ABD, como foco de defesa de uma tradição revolucionária,
além, é claro, da orientação do governo federal, dirigida pelo Partido
dos Trabalhadores, agremiação de esquerda com origem na área
sindical e que congrega em seu seio vários grupos ideológicos de
tendência marxista.”
Não nos cabe, finalmente, julgar a produção de documentários à luz da análise que ora
propomos, mas relacionar e categorizar um conjunto de obras realizadas dentro da
segunda e terceira edições do Programa DOC TV, de modo a prosseguir na discussão
em torno das possibilidades narrativas que a retomada da produção documental,
associada à sua visibilidade na televisão aberta, possa suscitar.
Referências Bibliográficas
Balanço DOC TV 2003/2006. CD. Brasília. Dezembro 2006.
Carta de Brasília. Documento final do 1º Fórum Nacional de Televisão Pública.
Brasília, maio de 2007. ABEPEC.
FIGUEIRÔA, Alexandre. (setembro/ 2006) Os documentários audiovisuais produzidos
pelo estado brasileiro – o DOC TV. Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos
Interdisciplinares da Comunicação - XXIX Congresso Brasileiro de Ciências da
Comunicação – UnB –
GONÇALVES, Gustavo S. (Dez/2006) Panorama do Documentário no Brasil.
disponível em www.doc.ubi.pt, 79-91 Doc On-line, n.1, acessado em 12/09/08
NICHOLS, Bill. Introdução ao Documentário. (2005) Campinas. SP. Papirus
Youtube.com

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