DOC TV II e III: uma análise de seus formatos
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DOC TV II e III: uma análise de seus formatos
DOC TV II e III: uma análise de seus formatos Aureo Moraes1 Resumo O presente artigo propõe uma análise dos formatos utilizados pelos documentários selecionados em duas edições (2005 e 2007) do DOC TV, Programa do Ministério da Cultura de fomento à produção de documentários para a TV Pública, executado pela Secretaria do Audiovisual do MINC, com participação da ABEPEC, Associação Brasileira de Emissoras Públicas, Educativas e Culturais, Fundação Padre Anchieta/ TV Cultura de São Paulo, Empresa Brasil de Comunicação/ TV Brasil e Associação Brasileira de Documentaristas e Curtametragistas. O trabalho procura relacionar, com base em seis categorias de documentário propostas por Bill Nichols (2005), e aproveitando pesquisa desenvolvida pelo professor Alexandre Figueirôa Ferreira que analisou a primeira edição do programa em 2003, quais são as características reconhecidas nos documentários produzidos nas duas edições do programa, DOC TV II e III, adotando como metodologia as sinopses e a assistência dos vídeos produzidos. 1 Professor do Departamento de Jornalismo e Mestrando em Jornalismo da UFSC Em 2003 a Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura desenvolveu o primeiro projeto de fomento e financiamento da produção de documentários no país, diretamente voltada à exibição em emissoras de Televisão educativas e culturais. O programa DOC TV foi executado, então, por meio de convênio, formalizado entre a SAV/ MINC e as emissoras associadas à ABEPEC – Associação Brasileira de Emissoras Públicas, Educativas e Culturais, tendo como entidade gestora do convênio a Fundação Padre Anchieta/ TV Cultura de São Paulo e apoio da ABD - Associação Brasileira de Documentaristas e Curtametragistas. Tratava-se, à época, da efetivação de uma Política Pública, depois reafirmada no 1º Fórum Nacional de TVs Públicas2, realizado em 2007, de promover a regionalização da produção audiovisual para TVs e estimular a parceria entre a Produção Independente e as emissoras de TV Públicas estaduais. O modelo de negócio proposto no convênio estabelecia uma nova dinâmica nas relações entre produtores/ realizadores e unidades exibidoras. Tratava-se de aproximar, de um lado os roteiristas, diretores e empresas produtoras e, de outro, as emissoras chamadas “públicas”, de modo a promover retratos do Brasil com respeito às diferenças regionais e à diversidade de cada estado. Assim, o programa se constituiu de um Edital nacional, porém com contratos e instrumentos formais com participação direta das emissoras de TV públicas situadas nos estados. O Ministério da Cultura, por meio da Secretaria do Audiovisual destinou, nos três primeiros anos R$ 80 mil e as emissoras conveniadas outros R$ 20 mil, totalizando R$ 100 mil para cada projeto vencedor, em cada um das edições do programa. Nos anos de 2003, 2004 e 2006, foram inscritos 2.380 projetos em 74 Concursos Estaduais, sendo 20 estados no primeiro ano e 27 em cada ano subseqüente. Ao final restaram produzidos 114 documentários sendo exibidas 3.026 horas de programação em rede, constituída pelas emissoras que aderiram ao programa.3 2 3 Carta de Brasília. Brasília, maio de 2007 Balanço DOC TV 2003/2006 Os desdobramentos do Programa alcançaram limites para além do Brasil, gerando em 2007, no âmbito da América Latina, o programa DOC TV Ibero-América, envolvendo a produção e teledifusão de documentários de 15 países. Para situar inicialmente a questão dos formatos utilizados pelos realizadores nas três primeiras edições do DOC TV, vamos nos valer do registro histórico do surgimento do documentário no Brasil. Conforme Gustavo Soranz Gonçalves,4 “o cinema chega ao Brasil em 1896, inicialmente com exibições no Rio de Janeiro e, depois, em São Paulo, seguindo para outras cidades importantes. A novidade veio integrar espetáculos de teatro de variedades e dos cafés-concertos. A primeira sala fixa de exibição encontravase no Rio de Janeiro e tinha como principal dono um imigrante italiano, chamado Pascoal Segreto”. Segundo Gonçalves, após viagens à Europa para adquirir filmes e aprimorar técnicas, um irmão de Segreto, Afonso, realizou aquela que ficaria conhecida como a primeira imagem do cinema brasileiro, mostrando a Baía da Guanabara. Durante pelo menos os primeiros dez anos eram estas imagens, documentais, conhecidas como “tomadas de vista” que prevaleciam. Sobretudo por que as pequenas produções de outrora se concentravam nas impressões de estrangeiros sobre o país, colhidas sob o ponto de vista de visitantes deslumbrados com paisagens, hábitos e aspectos da cultura local. Tais registros ambientais continuaram ocupando os olhares dos realizadores da época e depois, nas décadas de 1930, 1940 e 1950 as câmeras tornaram-se ferramentas nas mãos de antropólogos, indigenistas e expedicionários, sobretudo nos locais mais inóspitos do país. Nos anos de 1960 e 1970 destacam-se documentários de cinema-verdade, estimulando a produção cinematográfica. Com a TV se firmando neste período como veículo de massa, acentuam-se produções de jornalismo investigativo e documentários ou grandes reportagens na televisão, com destaque para programas como o telejornal A Hora da Notícia, na TV Cultura de São Paulo e Globo Repórter, na Rede Globo. A 4 Gonçalves, G.S. Panorama do Documentário no Brasil. DOC on Line, 2006. partir dos anos 80 cresce a aproximação entre o documentário e a televisão com a geração de realizadores como Jorge Furtado, depois consagrado como roteirista e diretor de TV. Partindo desse breve resgate da história da produção em cinema e documentário no país passamos a estabelecer outra categorização, desta vez com os tipos de documentários apresentados por Bill Nichols (2005:135-177). Segundo ele há sete modos de representação documental, cada qual inserido em uma determinada circunstância histórica, em que cada um se torna alternativa comum, cada modo tem antecessores e cada um continua até hoje: Ficção Hollywoodiana, nos anos 10; documentário Poético nos anos 20, ao lado do Documentário Expositivo; Documentário Observativo e Documentário Participativo, nos anos 60; Documentário Reflexivo e Documentário Performático nos anos 80. Excluída a primeira categoria, representada pelas narrativas ficcionais de mundos imaginários, com ausência de “realidade”, conforme Nicholls, passaremos a definir sinteticamente cada um dos demais modos. Documentário Poético O modo poético se caracteriza por permitir formas de conhecimento alternativas, propõe um ponto de vista específico e apresenta proposições sobre problemas que necessitam soluções. Enfatiza mais o estado de ânimo, o tom, o afeto e menos as demonstrações de conhecimento ou ações persuasivas. Finalmente, este modo retira do mundo histórico sua matéria-prima, mas transforma-na de maneiras diferentes, como forma de representação da realidade em uma série de fragmentos, impressões subjetivas, atos incoerentes e associações vagas. Documentário expositivo Agrupa fragmentos do mundo histórico numa estrutura mais retórica ou argumentativa do que estética ou poética, dirigindo-se ao espectador diretamente, com legendas ou vozes que propõem uma perspectiva, expõem um argumento ou recontam a história, utilizando a “Voz de Deus” em que o orador é ouvido mas jamais visto. Documentário Observativo Propõe uma série de considerações éticas pelo ato de observar o “outro” ocupando-se dos seus afazeres, dando a impressão de que o documentarista não impõe um comportamento nem interfere na ação, de modo que pareça invisível ou nãoparticipante. Tais documentários mostram uma força da duração real dos acontecimentos, rompendo com o ritmo dramático dos filmes de ficção convencionais. Documentário Participativo Nesta modalidade o autor torna-se, praticamente, um ator social, com forte e marcante presença na ação, enfatizando o encontro real, vivido entre o autor e o tema retratado, envolvendo-se e negociando relacionamentos. Sua estrutura narrativa vale-se, em regra, de recursos como a entrevista, ao testemunho pessoal. Documentário Reflexivo Estes modelos assumem plenamente sua condição de representações, escancarando realisticamente seu “fazer” documental, gerando no espectador a reflexão sobre o que efetivamente está sendo representado e questionando suas próprias limitações. Documentário performático Aproxima-se, numa certa medida, do cinema experimental, enfatizando aspectos subjetivos, diminuindo a força do discurso subjetivo e tornando superlativo o estilo. Antes de partirmos para a análise dos documentários vencedores da segunda e terceira edições do programa DOC TV, importa referir o que apresenta o pesquisador Alexandre Figueirôa, da Universidade Católica de Pernambuco, em artigo publicado em 20065, no XXIX Congresso da Intercom. “(...) o balanço dos 26 documentários indica uma tendência à falta de inovação. A primeira edição do DOC TV não escapou, como já se viu, da armadilha da diversidade temática e igualou-se a outros concursos que elegem o melhor tema para produzir filmes e condicionam o projeto de documentário às estruturas consideradas, hoje, clássicas de narrativas para esse gênero. Os trabalhos resultantes seguem essa linha de desenvolvimento, acumulando experiências que vão da escola britânica de documentários, de John Grierson, ao Cinema Verdade, de Jean Rouch, com alguns realizadores dialogando com a cultura audiovisual televisiva ao utilizar, como modelo para o documentário, os esquemas de reportagem dos telejornais e, talvez, até abusando deles, levando-os a sucumbir ao mero registro e a uma organização pouco criativa de entrevistas de campo entremeadas por cenas apenas ilustrativas dos depoimentos.” Fica claro, portanto, pela análise de Figueirôa, que os temas sobressaíram-se às linguagens, transformando, em regra, a série DOC TV I em um “mosaico da realidade brasileira”, como define o autor. Nossa pretensão, longe de buscar a plena identificação de temas e formatos, é associar, aos 70 documentários (35 em cada edição) a categorização proposta por Nichols. Para alcançar esta proposta, relacionamos os seguintes elementos: - Título - Sinopse 5 “Os documentários audiovisuais produzidos pelo estado brasileiro”. 2006. - Modelo de documentários, conforme proposto por Nichols Ao final, procuraremos obter um conjunto de indicações que, ao menos, apontem para as categorias mais comumente utilizadas no que se refere aos tipos de documentários apresentados pelo autor. A tabela 1, a seguir, apresenta o quadro sintético dos documentários produzidos na edição do DOC TV II, exibidos em 2006. Para efeito de inclusão neste artigo o conteúdo das sinopses sofreu redução e as expressões em negrito nas tabelas servem como elemento de confirmação da proposta de categorização do tipo de documentário conforme Nichols. Tabela 1 Título Passagem As vilas volantes - O verbo contra o vento Do lado de fora Acidente Paulo companheiro João História brasileira da infâmia - Parte um O zero não é vazio Sinopse Documentário gravado na rodoviária de Porto Alegre mostra a relação da população em trânsito e dos personagens deste universo. Através do verbo, habitantes de vilas obrigadas a se deslocar devido à ação das dunas e marés, reconstroem lugares, hábitos e práticas que não existem mais A história de seis mulheres que tiveram suas vidas modificadas em função de seus filhos, maridos, irmãos ou companheiros terem sido presos Um poema composto por 20 nomes de cidades mineiras é o corpo rítmico deste filme que se abre ao imprevisto e ao improviso. Paulo Wright era um homem marcado. Em seu encalço a repressão militar. Numa viagem de trem um último encontro. Ficam reticências e interrogações Antropofagia e conspiração na morte do 1º Bispo do Brasil, Dom Pedro Fernandes Sardinha, seus mitos e conseqüências. Aborda o lugar que a escrita tem para aquele que escreve. São escritas singulares, não se apóiam no sentido, inventam palavras, manipulam as letras, modelam o vazio. Categoria Observativo Observativo Reflexivo Poético Expositivo Expositivo Poético A próxima refeição Péricles Leal, o criador esquecido Cidadão Jacaré A descoberta da Amazônia pelos turcos encantados O continente de Érico Mandinga em Manhattan Assim Caminha Regência Maestro Jorge Antunes - Polêmica e modernidade Capivara Zequinha Grande Gala Reis Negros Paraíso Antonina, Morretes e Paranaguá - Unidas pela história Hermógenes - Deus me livre de ser normal Epopéia Euclydeacreana Entremundos - A bioceânica do Brasil Central O que você faria se morasse no meio da floresta? A Próxima Refeição narra a saga dos brasileiros que vivem no interior da Amazônia A obra de Péricles Leal, pioneiro da televisão brasileira, a partir do depoimento dos artistas e intelectuais que com ele conviveram. O homem Manuel Jacaré e sua luta, com uma pergunta: o país precisa de um jangadeiro-herói ou de um jangadeirocidadão? As múltiplas referências culturais presentes na mitologia do Tambor de Mina, religião típica da região amazônica brasileira. Recriação da narrativa que Érico Veríssimo utilizou em O Tempo e o Vento, revelando o processo de construção do imaginário gaúcho. A expansão da capoeira pelo mundo e o seu refluxo para a Bahia, tendo como personagens principais os maiores mestres em atividade A história do guardião da alma do Caboclo Bernardo, herói nacional que salvou 128 náufragos na foz do rio Doce. A história do maestro que trouxe a música eletro-acústica para o Brasil, misturando o erudito com a cultura popular. A luta de uma pesquisadora pela ciência e a de um povo pela sobrevivência no semi-árido do Piauí. Quem tem razão? Aspectos do inconsciente coletivo do povo brasileiro e a busca de uma identidade paranaense a partir das figuras das balas Zequinha. A coroa, o tambor e o rosário conduzem a investigação dos mistérios que compõem o universo dos reinados negros de Minas Gerais Relações poéticas entre som e imagem a partir de paisagens da memória - vestígios de lugares e tempos significativos - de diferentes pessoas Um prato típico, três cidades, várias versões. A origem do Barreado é o pivô de uma rivalidade histórica entre as cidades. Hermógenes, o pioneiro da yoga nos conduz ao autoconhecimento e realização. Celebridades, idosos, prisioneiros, populares atestam o poder da Yogaterapia. Viagem de Euclydes da Cunha pelo Acre, durante missão oficial do Itamaraty, é refeita a partir do diário do escritor. Uma viagem através da Bolívia, Chile, Argentina, Paraguai e Brasil, buscando descobrir onde nasce o desejo de integração da América Latina Expositivo Expositivo Expositivo Expositivo Expositivo Expositivo Expositivo Expositivo Reflexivo Observativo Observativo Poético Expositivo Expositivo Expositivo Expositivo Mário Gusmão - O anjo negro da Bahia Mestre Leopoldina, a fina flor da malandragem Tocantins - Rio afogado O homem do balão extravagante ou as atribulações de um paraense que quase voou Ensolarado Byte Santa Dica de Guerra e Fé Candelária, aquela que conduz a luz Vila Bela Terra de colores O massacre de Alto Alegre Uma princesa negra na terra do Marabaixo Nenê Macaggi Roraima Entrelinhas O Brasil que começa no rio A vida e obra do ator Mário Gusmão em três linhas temáticas: a artística, a militância política no movimento negro e a espiritual. A malandragem através das músicas, das histórias e da pessoa de Mestre Leopoldina, mestre de capoeira reverenciado mundialmente. Ecologia e desenvolvimento sócio-econômico discutidos a partir do projeto de construção de usinas hidrelétricas ao longo do rio Tocantins. A história do primeiro brasileiro a projetar um balão aerostático capaz de voar contra o vento, segundo a vontade do homem. O intercâmbio entre a cena musical do Recife e as tecnologias digitais, a partir de três artistas: Neílton (Devotos), DJ Dolores e o coletivo RE:Combo. Para os coronéis, uma ameaça. Para o governo, uma inimiga. Para a igreja, uma bruxa. Para milhares de seguidores, simplesmente, Santa Dica. A luta pela dignidade e cidadania dos profissionais do sexo. A história da difícil "vida fácil" de uma profissão sem direitos. Resgate histórico-cultural da cidade de Vila Bela -MT, a partir de histórias narradas por quatro de seus moradores. As causas e conseqüências do ataque dos índios Tenetehara/Guajajara à uma missão indígena capuchinha em Barra do Corda - MA em 1901. Os afro-descendentes no Amapá e sua evolução sócio-cultural no processo histórico. A cultura regional e as relações entre os pecuaristas, garimpeiros e indígenas, por meio da obra e vida de Nenê Macaggi. As lonjuras sem fim e a solidão dos beiradeiros na fronteira com a Bolívia. Eles se agarram à fé e às tradições e resistem às agruras deste outro Brasil. Expositivo Expositivo Reflexivo Expositivo Poético Reflexivo Reflexivo Expositivo Reflexivo Expositivo Expositivo Expositivo A tabela 2 refere-se aos documentários da edição III, exibidos em 2007. Tabela 2 Título Os Negativos Sinopse Revela em três atos e numa estrutura dramática que respeita a ordem cronológica dos acontecimentos, as diferentes fases do relacionamento Arlete/Verger: desde o Categoria Performático Uma Encruzilhada Aprazível Alô, Alô Amazônia Calabar Mapulawache: Festa do Pequi Monte Roraima – Magia e Aventura na Terra de Makunaima Um Corpo Subterrâneo encontro dos dois, na década de 70, passando pela viagem a Paris e o achado dos mais de 60.000 negativos que Verger julgava perdidos; pelo amor intenso vivido, mas sublimado; pela velhice de Verger, quando Arlete passa a fotografar por ele; até a morte do antropólogo. Sertão do norte do Ceará, um movimentado entroncamento rodoviário é observado por moradores que, alheios a ele, levam uma vida lenta e artesanal. O contraste entre quem passa e quem mora. Road-movie em que a estrada é mais sugerida do que explicitada. O documentário apresenta os modos de vida presentes no entroncamento rodoviário, e em seu entorno, como uma alegoria da cultura do estado. Desde a sua estréia, o programa Alô, Alô Amazônia, levado ao ar diariamente pela Rádio Difusora de Macapá, funciona como um elo entre os moradores das regiões ribeirinhas e quem mora em Macapá, a capital do Amapá. O documentário na cultura amapaense revelando histórias da população ribeirinha que só se tornam públicas pela necessidade de comunicação. Norteando a narrativa por meio da construção de uma certa iconografia para Calabar, o documentário faz um apanhado de todo o ideário e imaginário criado em torno de sua figura a partir de um teatro de sombras e de entrevistas realizadas em locações da cidade de Porto Calvo, onde nasceu e morreu Calabar, e onde os fatos se deram. Através do olhar do índio Ayuruá Mehináku e da câmera dirigida por ele, este documentário nos leva a um passeio etnográfico pela cultura de sua tribo. A relação direta da câmera com os personagens, sem diálogos ensaiados, revela os estados de espírito e os traços faciais que se abrem para os “de fora”, permitindo apreender os conteúdos. Não há diálogos preconcebidos, apenas as vozes e os sons próprios da festa. Aborda o ritual Mehináku da forma como o olhar nativo o vê. Promove uma expedição reveladora das relações do povo de Roraima com o seu bem simbólico mais significativo – o Monte Roraima. O mito da Pedra de Makunaima, transmitido de geração em geração pelos índios Ingaricó e Taurepang, alimenta uma cadeia de percepções em relação ao “Monte Sagrado”, combustível de uma emergente indústria turística. Road-movie entre o extremo norte e o extremo sul do Piauí, promove uma viagem em busca da memória do homem piauiense, agenciada pelo diálogo poético pontuado por nascimento e morte. A espinha dorsal do documentário é uma viagem do extremo norte ao extremo sul do Piauí, tendo como Expositivo Expositivo Expositivo Participativo Expositivo Expositivo Uma Cruz, uma História e uma Estrada Lutzenberger: For Ever Gaia A Bença Zumbi Somos Nós Dyckias Estado de Resistência ponto de partida a vila de pescadores Barrinha e o de chegada, a cidade de Gilbués. Os cemitérios são os espaços onde o documentário busca personagens que contarão histórias de vida de seus parentes ali enterrados. Road-movie que parte da cidade de Recife, e percorre mais de 3.500 km pela Zona da Mata, Agreste e os sertões dos vales do Moxotó, Pajeú e Cariris, e adota como procedimento o registro de histórias de vida e morte, a partir da identificação das Cruzes que são erguidas à beira das estradas e caminhos. Histórias de vida de anônimos e de famosos com um único destino trágico: o de tombarem sem vida à margem de uma estrada, asfaltada ou de chão batido, na grande metrópole ou nos mais longínquos sertões. O documentário apresenta as idéias e realizações do ecologista José Lutzenberger através de três linhas de abordagem: as origens, as obras e a reverência à vida. As imagens do documentário são intercaladas com cenas em animação, assinadas pelo animador Otto Guerra. O desenho animado resgata o universo lúdico da infância de Lutzenberger, dando vida ao diário ilustrado do pequeno Lutz, confeccionado por seu pai, o artista plástico Joseph Lutzenberger, ao longo de 16 anos. Reúne imagens e depoimentos coletados em diversos lugares onde o ecologista atuou, além de entrevistas com o próprio Lutzenberger, filmadas antes de seu falecimento. Mãe Enedina, 90 anos; Mãe Maria, 74 anos, e Mãe Mimi, 75 anos. “A Bença” traz o dia-a-dia de três senhoras do candomblé na Baixada Fluminense, no Rio de Janeiro, abordando temas como a idade, a passagem do tempo, o respeito mútuo entre jovens e idosos dentro do candomblé e a crença no culto de orixás. Manifesto sonoro e visual, espécie de bricolagem que une os tambores ancestrais, os ritmos contemporâneos e as novas simbologias visuais.Propõe uma reflexão sobre questões raciais na sociedade brasileira contemporânea e a criação de estratégias artísticas para responder a estas questões, inscrevendo na vida cotidiana novas formas de olhar, pensar e agir. através de intervenções artísticas, criando um diálogo afinado entre imagem e som, norteado por narradorespersonagens-mc’s. “Dyckias” questiona a expressão “desenvolvimento sustentável” ao abordar o processo de extinção da bromélia e de seu meio ambiente pelo lago formado pela construção da barragem da Usina Hidrelétrica de Barra Grande. O documentário aborda os diferentes modos de produção Expositivo Expositivo Expositivo Performático Reflexivo Reflexivo O Crime da Ulen Chupa Chupa: A História que veio do Céu Sábado à Noite Metros Quadrados agrícola a partir de um corte longitudinal, da divisa com São Paulo à com Santa Catarina, buscando respostas para as seguintes questões: Qual é o negócio do agro-negócio? O que há por trás da monocultura e da transgenia? Qual é o papel da mídia nesse processo? Quais são as relações entre a produção de alimentos e a cultura de um povo? Reconstrói a imagem pública de José de Ribamar Mendonça, considerado um herói por ter assassinado em 1933, em São Luís do Maranhão, o norte-americano John Harold Kennedy, contador da Ulen Company e suposto tio do presidente John Fitzgerald Kennedy. Após ser demitido injustamente e ter sua indenização suspensa, José de Ribamar Mendonça, ex-bilheteiro da estação de bondes da Ulen, mata o americano John Harold Kennedy, responsável pelas demissões. O depoimento do radialista José de Ribamar Salim, atuante no rádio maranhense desde a década de 1960, aborda o assassinato do contador da Ulen, Harold Kennedy, relacionando-o com a morte do presidente Kennedy, na tarde de 22 de novembro de 1963. São Luís seria então o local de origem das sucessivas “tragédias dos Kennedy”. “Chupa-chupa” é a expressão atribuída, pelos moradores da ilha de Colares, no Pará, a Objetos Voadores Não Identificados que, em 1977, teriam feito aparições nos céus da cidade e até sugado o sangue de alguns colonos. Magoados pelos comentários jocosos da imprensa e população do estado, o episódio teria chamado a atenção do poder público e das autoridades militares, que teriam montado a maior operação militar em torno de um evento ufológico que se tem notícia no Brasil. Trabalha a presença do evento no imaginário dos colarenses, por meio da obra de Mestre Pacau, pescador e compositor de carimbó que tem como principal tema o “chupa-chupa”. Personagens anônimos, imagens abstratas e sons se misturam em uma viagem noturna por Fortaleza. O documentário produz um “auto-retrato” da cidade, para que esta se observe por uma ótica diversa, múltipla de impressões sobre si nos modos como se afetam mutuamente a cidade e seus habitantes num sábado à noite, construindo um olhar que busca provocar o estranhamento dos hábitos cotidianos, usando o acaso como fio condutor. A cidade de Belo Horizonte possui hoje 70.000 lotes não ocupados (10% das propriedades privadas) O documentário reconstrói as relações entre as pessoas por meio de intervenções em lotes desocupados, enfocando, sobretudo, sua repercussão na paisagem urbana e no comportamento social e Expositivo Observativo Observativo Observativo Resgate Manoel Monteiro em vídeo verso e prosa O Vôo Silenciado do Jucurutu – sobre a cineasta Jussara Queiroz Sasha Siemel – o caçador de onças Nação Lascada de Véio: A Glória do Sertão La Rota del Pacifico registra uma cidade invisível, na qual os lotes são revelados como lugares potencias para criar múltiplos lugares e devires. Utiliza animações, ilustrações, pinturas, e som de eletrofolk, para comentar 18 depoimentos de professores, médicos, costureiras, poetas e comerciantes que hoje emprestam seus nomes a escolas, ruas e bairros, contando, com sotaque forte e vocabulário local, passagens de suas vidas. Relato de como a literatura de cordel, sobretudo a de Manoel Monteiro, está sendo apropriada na educação em um novo contexto, o de passar conhecimento sobre questões atuais, de forma atrativa e acessível a qualquer faixa etária, grau de escolaridade ou nível social. Fazendo uso de diferentes linguagens artísticas, o documentário tem forte atuação junto à comunidade, por meio de oficinas em escolas públicas e particulares, com a intenção de discutir, de forma aberta, a inserção da cultura popular nos métodos pedagógicos. Uma homenagem audiovisual à vida e obra da cineasta potiguar Jussara Queiroz. Poético Expositivo Expositivo Uma revisão histórica da passagem do letoniano Sasha Expositivo Siemel pelo Mato Grosso, na década de 1950, introdutor de uma prática de caçada esportiva por meio de safáris filmados e com platéia, como espetáculo em que empalava onças vivas. Os registros dos safáris feitos por Siemel (cinematográfico, memórias, peles de onça etc) tinham por objetivo a imortalização de seus feitos a partir da criação de um museu e da publicação de livros que contassem suas histórias de bravura. Tais registros são importante material de pesquisa sobre a fauna, flora e modos de vida do Pantanal, além de inflexão sobre o pensamento ambiental. Procura narrar o universo de Cícero Alves dos Santos, mais Expositivo conhecido na região do km 8 da BR-206, no estado de Sergipe como “Véio” artista sergipano que produziu um estranho conjunto de esculturas disforme, compostas pelos tipos de madeira disponíveis no local e expostas a céu aberto. Um road movie pelas culturas que se tecem no interstício Floresta Amazônica - Cordilheira dos Andes, tornando a estrada o fio narrativo de captura dos símbolos dessa heterogeneidade, sem se restringir à visão oficial de uma ingênua integração harmônica e convidando à reflexão sobre a compulsão do nosso modelo de desenvolvimento. Expositivo Café com Pão Manteiga Não Maack, o Profeta da Devastação Quilombagem As Cores da Caatinga Touro Moreno Blau Nunes – o Vaqueano 20 anos de Suvaco Handerson e as Horas A Saga do Piabeiro Revela a importância das estradas de ferro para a formação do estado de Goiás, e reflete sobre a história dos projetos de construção de ferrovias no Brasil à luz da reflexão desenvolvimentista, por meio de uma viagem pela Estrada de Ferro Goiás, conduzida por um antigo maquinista. Biografia sobre o geólogo teuto-brasileiro Reinhard Maack, nascido na Alemanha, e falecido e sepultado em Curitiba, que alardeou a devastação das paisagens do Paraná na década de 1920, registradas em 16 mm pelo próprio antes da chegada da cultura da cafeicultura ao norte paranaense. Retorna aos cenários de Maack exatos oitenta anos após a documentação, registrando as graves alterações nos grandes ecossistemas e biomas do Paraná. Aborda o processo de formação e resistência da comunidade negra dos quilombos de Santo Antônio do Guaporé e Pedras Negras, na fronteira entre Brasil e Bolívia, Promove uma revisão histórica contextualizando o drama diário das comunidades com a falta de transporte, acesso precário à saúde e educação. Apóia-se nas singularidades do povo, da natureza e da cultura do Raso da Catarina e investe contra a exploração irracional do meio ambiente e contra o “mito” de que caatinga e miséria são sinônimos. Biografia sobre a vida do lendário Touro Moreno, lutador veterano e boêmio, personagem marcante na vida capixaba, notabilizado tanto como esportista, quanto na “crônica de costumes” da capital do Espírito Santo entre as décadas de 1960 e 1980. O documentário identificou Blau Nunes nos relatos e experiências de personagens reais da vida riograndense, revelando sua constituição psicológica e, mesmo, fisionômica, reconstruindo esse personagem real e mítico, não como apresentação do escritor ou da obra literária, mas como diálogo contemporâneo com a cultura gauchesca. Verdadeiro “filme fundo de quintal”, que reúne um farto material de arquivo, o documentário organiza as histórias da formação do bloco “Suvaco do Cristo”, que coincide com o período de redemocratização do país, resultando num registro único de uma parte da história contemporânea do carnaval carioca. Documentário feito a partir de um único plano-sequência, é um filme sobre a duração, sobre o tempo passado em um trajeto de um ônibus que sai do bairro Grajaú na zona sul de São Paulo, até o Largo da Batata. Aborda a exploração do trabalho dos piabeiros na região Expositivo Expositivo Expositivo Reflexivo Expositivo Performático Poético Performático Reflexivo Raimunda, a Quebradeira Serra Pelada – Esperança não é sonho A Barganha amazônica pelos “patrões de pesca”, função caracterizada pela baixa remuneração e pelo não reconhecimento dos direitos trabalhistas. O documentário traça um paralelo entre a vida de Raimunda Gomes da Silva, dedicada aos direitos das mulheres quebradeiras de coco babaçu da região do Bico do Papagaio e à criação de sindicatos de trabalhadores rurais, sempre ao lado do padre Jósimo Moraes Tavares, assassinado por pistoleiros em 1986, e o processo de ocupação e transformação da região. Uma revisão histórica em defesa da luta pela posse da terra, da agroecologia e do extrativismo. Aborda a expectativa de reabertura do garimpo de Serra Pelada pelos 7 mil remanescentes da população garimpeira que, vivendo em condições muito precárias, chegaram a se voltar contra a própria Vila, escavando o cemitério em busca de ouro. Acompanha o dia-a-dia de alguns personagens na região do alto Paranaíba mostrando os sertanejos em suas atividades cotidianas e também na catira de animais. Mostra os gestos e as falas em ritmo acelerado do comércio de gado nos leilões de cidades mais desenvolvidas, em que o jogo da troca não se faz em torno da espera e da dúvida. Reflexivo Expositivo Observativo Ainda que possamos considerar a categorização apontada nas tabelas acima como precária ou ainda, sujeita a interpretações diversas, fruto de uma análise mais rigorosa – que não pretendemos aqui estabelecer – fica claro que a escolha dos autores, nas duas edições analisadas, voltou-se para gêneros que poderíamos considerar como “clássicos” na narrativa documental. A partir do levantamento de modelos de documentário atribuídos aos 70 filmes aqui elencados, temos uma possível tabulação. A tabela 3 reúne a quantidade de tipos de documentários a partir do quadro de produções da edição do DOC TV II. Tabela 3 Tipo Quantidade Expositivo 21 Reflexivo 06 Observativo 04 Poético 04 Note-se a prevalência do tipo Expositivo, o que demonstra a escolha por linguagens que aproximam a produção documental dos formatos televisivos por excelência, quase telejornalístico, com drástica redução para os tipos reflexivo – estes mais associados aos temas que à forma – observativos e poéticos. A tabela 4 mostra o resultado da análise dos documentários da edição do DOC TV III. Tabela 4 Tipo Quantidade Expositivo 19 Reflexivo 05 Observativo 04 Performático 04 Poético 02 Participativo 01 Neste caso continua a prevalência pelo modo Expositivo, seguidos quase que na mesma medida do quadro anterior pelos demais, com uma significativa alteração: há um documentário do tipo participativo, o que pode ser considerado como aquele de linguagem mais ousada e inovadora. Parece-nos, portanto, acentuada a avaliação de Figueirôa, segundo a qual falta inovação aos realizadores. Sobretudo na forma e na linguagem, obviamente associada à escolha dos temas. Note-se que, dos 40 documentários aqui apontados como “Expositivos”, pelo menos dezessete deles narram biografias; outros tratam de revisões históricas/documentais e ainda relatos de viagens e os auto-intitulados “road movies”, que somente na edição III do Concurso são em número de quatro. Outra questão bastante presente, também assinalada por Figueirôa, é a opção por temas de relevância social. Reforça-se, em certa medida, aquilo que o pesquisador pernambucano citava quando da análise dos vídeos da primeira edição do concurso: “Os temas escolhidos e a tendência da abordagem dos documentários produzidos e exibidos pelo DOC TV na sua primeira edição, como é possível observar, já delineiam algumas pistas para se compreender as diretrizes do projeto naquela ocasião, marcado, sobretudo, pelo anseio de reconquistar no audiovisual um espaço de resistência na televisão (...). Ainda é cedo para generalizações, porém, arriscamos aqui sugerir ou indagar se esses aspectos não estariam ligados ao paradigma de visão da realidade política e social do país preconizado de alguma forma pela ABD, como foco de defesa de uma tradição revolucionária, além, é claro, da orientação do governo federal, dirigida pelo Partido dos Trabalhadores, agremiação de esquerda com origem na área sindical e que congrega em seu seio vários grupos ideológicos de tendência marxista.” Não nos cabe, finalmente, julgar a produção de documentários à luz da análise que ora propomos, mas relacionar e categorizar um conjunto de obras realizadas dentro da segunda e terceira edições do Programa DOC TV, de modo a prosseguir na discussão em torno das possibilidades narrativas que a retomada da produção documental, associada à sua visibilidade na televisão aberta, possa suscitar. Referências Bibliográficas Balanço DOC TV 2003/2006. CD. Brasília. Dezembro 2006. Carta de Brasília. Documento final do 1º Fórum Nacional de Televisão Pública. Brasília, maio de 2007. ABEPEC. FIGUEIRÔA, Alexandre. (setembro/ 2006) Os documentários audiovisuais produzidos pelo estado brasileiro – o DOC TV. Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação - XXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – UnB – GONÇALVES, Gustavo S. (Dez/2006) Panorama do Documentário no Brasil. disponível em www.doc.ubi.pt, 79-91 Doc On-line, n.1, acessado em 12/09/08 NICHOLS, Bill. Introdução ao Documentário. (2005) Campinas. SP. Papirus Youtube.com