O som do DVD nunca foi aprovado pela sociedade - caepm

Transcrição

O som do DVD nunca foi aprovado pela sociedade - caepm
PAINEL
O QUE VENDE A INDÚSTRIA DA CULTURA?
JOÃO MARCELO BOSCOLI (TRAMA)
6 DE MAIO DE 2009
Transcrição da palestra ocorrida no III Encontro ESPM de Comunicação e Marketing – Para além do
produto: comunicação e consumo na sociedade do acesso em 6 de maio de 20091.
Eu vou partir da grande pergunta que se coloca neste painel: O que vende a indústria
da cultura? Trato com música no dia a dia e nunca encontrei outra razão para uma pessoa
consumir, ouvir música, ir a um show, comprar um disco ou baixar na internet, que não fosse
emocional, sentimental. Mesmo nas pesquisas que eu comprei no começo da Trama e outras
que alguns amigos meus que trabalhavam em majors recebiam nos encontros mundiais , da
Warner Brothers, sempre é levantado que ouvir uma música é uma decisão que as pessoas
tomam com base 100% emocional. Se houver uma outra razão, eu, pessoalmente, nunca
encontrei. Baseado nisso, é importante estabelecer um momento que acho histórico na vida
humana e na relação do ser humano com a música, que foi a virada do século XIX para o
século XX, quando houve uma dissociação da experiência de ouvir música, de termos um
artista, um músico, alguém tocando ao vivo. Isso para nós é algo muito natural, mas, durante
séculos, se quiséssemos ouvir música, teríamos que ter alguém, algum ser humano, em alguns
momentos, tocando. Houve algumas exceções que são consideradas, quando se vai fazer uma
pesquisa um pouco mais apurada, como o fenômeno das caixinhas de música, que não são
uma reprodução exata de um ser humano tocando, mas não estão de todo dissociadas. Um
pouco antes havia a pianola, aqueles pianos que vemos em alguns filmes de faroeste que,
quando começa o tiroteio, começam a tocar sozinhos. Meu sócio tem uma pianola dessas na
casa dele e é curioso, porque os princípios se repetem; é uma folha furadinha, onde vemos as
músicas. Há, também, alguns móbiles chineses que eles penduram em uma sequência e, de
acordo com o vento, tem-se a melodia e um acorde. Fora esses exemplos uma performance de
um ser humano cantando, ou de um músico tocando um determinado instrumento é uma coisa
recente. Separei, então, até chegar nos dias de hoje, nessa relação que temos com a música
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Os textos disponibilizados nestes Anais não são transcrições ipsis verbis, mas registros elaborados a partir das
transcrições do áudio captado durante o evento. Buscou-se, contudo, manter a maior fidelidade possível às falas,
assim como preservar suas características de linguagem oral. Além disso, todos os textos foram revisados pelos
respectivos palestrantes.
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depois do que eu chamo de revolução digital, de cada década do século XX um grande passo
que foi dado e que tem, de certa forma, uma coisa a ver com o que está acontecendo hoje. Por
exemplo, há um consenso de que as primeiras experiências que tivemos com a música
gravada foi um trabalho feito por Thomas Edison. Eu tenho um reprodutor desses de
cilindros, são os cilindros musicais que ele, segundo o que li, não fez pensando em música;
fez para vender palestras dele. Ele não estava pensando em outros usos. Depois descobriram
que a música poderia ser reproduzida dessa forma. A idéia do disco, que até hoje está presente
em nossas vidas, é algo que foi proposto pelo Berliner. Nos anos zero do século XX, o que se
fazia eram os discos de cera. Eles eram captados por microfones acústicos, cones que
captavam a vibração do ar e a reproduziam em um disco de cera. Tudo era feito
artesanalmente. Se quisessem reproduzir dez cópias de uma determinada música, seriam dez
performances diferentes. Cada disco era exclusivo, uma coisa que é bem contemporânea. Não
preciso dizer que, quando apareceu o disco, houve também os músicos que não quiseram
gravar, porque falavam: "Se eu gravar, não vão assistir ao meu show." Essa preocupação, que
sempre parece presente em uma época de mudança de mídia, não é nova. Há até o registro da
primeira banda de jazz. A primeira a ser registrada em um disco de cera foi uma banda de
músicos brancos Original Dixieland Jass Band, o que naquela época foi muito polêmico. O
negro Freddie Keppard era um grande músico, mas era tão vaidoso e tão preocupado com
isso, que tocava com um lenço em cima da mão, para que ninguém visse a digitação dele. Foi
convidado a gravar, mas não quis, porque achava que iriam copiar o seu estilo e não queria
isso; iria atrapalhar a vida dele. A primeira gravação de jazz foi feita, então, pelo Nick
Larocca, um italiano ultrarracista. Dizia que os negros não tinham capacidade intelectual de
ter criado alguma coisa como o jazz. Só porque o Keppard não quis gravar. Na década
seguinte, com a chegada da corrida armamentista, por causa da Primeira Guerra Mundial,
perceberam que poderia ser feito um disco, com a matriz em acetato, que teria cópias em
vinil, o que possibilitou o surgimento de uma indústria. Os rádios também acabaram
derivando parte da tecnologia para os equalizadores, mas essencialmente o que permitiu que
conhecêssemos o fenômeno da reprodução em série foi a chegada do vinil, a partir da corrida
militar dos anos dez. Até então, a indústria se sustentava muito pela edição das músicas;
vendia as partituras. Aliás, estou lendo uma biografia do Bach muito interessante, em que ele
cobra do chefe dele das partituras mais trabalho: "Preciso de mais trabalho; você me
prometeu. Tem morrido pouca gente, não tenho sido muito solicitado para fazer as peças
musicais, os réquiens." - reclama ele. Essa criação da indústria da música só se tornou
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possível com a chegada do vinil. Nos anos vinte, claro que o Marconi já havia feito as
experiências com o rádio, mas é nesse período que a rádio comercial começou a ter grande
representatividade. De novo, foi uma preocupação dupla: quem fazia shows se preocupava
com a idéia de que aquele veículo iria esvaziar os espetáculos; e quem estava fazendo disco se
preocupava muito com isso também. Até hoje vem escrito, nos discos, que é proibida a rádio e
teledifusão. Essa é uma indústria construída em cima de uma mídia na qual, em tese, não se
poderia tocar publicamente. Preocupação que percebemos ser tão estúpida, quanto se tentar
fazer o controle de cópias na internet, mas tem um bando de adultos que vive em cima desse
tipo de decisão. Na verdade, a estrutura dessas decisões é sempre manter o negócio que você
tem, proteger o seu negócio antes de tudo e tentar extrair o máximo dele. Para se ter uma idéia
do tamanho e a importância que foi a chegada do rádio para a música, o jazz foi apresentado
para os Estados Unidos, costa a costa, por um programa de rádio; aliás patrocinado pela
Nabisco, que sabemos existir até hoje. Nos anos vinte, foi um grande impacto a possibilidade
da construção de uma chamada indústria fonográfica que não existia até então. Quando falam,
hoje, que o CD atrapalhou e acabou com a vida dos artistas, não é verdade. Atrapalhou a vida
da indústria, das majors. Eu nunca conheci um artista, nem mesmo o Roberto Carlos, que
vivesse exclusivamente de vender discos. Isso não existe. O show sempre foi a grande fonte
de receita. Destaco, então, a chegada do rádio como veículo comercial, que era um centro de
entretenimento, e a construção da indústria fonográfica nos anos vinte, que, do ponto de vista
da indústria, é o que tem de realmente relevante. É claro que os anos vinte foram os anos de
ouro do jazz e, se não tem uma grande obra para impulsionar todo o comportamento humano,
a coisa não vai para a frente. Na década de trinta, vale ressaltar aqui duas coisas muito
importantes entre muitas que houve: a invenção do estéreo, feito pelos laboratórios da Bell, e
a transmissão estéreo por cabo interestadual. Fizeram a transmissão de um concerto. Esse
conceito de se tocar em um lugar uma música ao vivo e fazer como se fosse um broadcast,
não por onda de rádio, mas por cabo, foi uma revolução na época. Porém é curioso, pois,
como várias outras invenções, o estéreo parecia inútil. Parecia que não tinha importância, e só
foi ser utilizado novamente e apresentado ao público, no final da década de cinquenta e
inícios dos anos sessenta, quando a vendagem de discos começou a cair muito. Uma inglesa
falou, então: "Assim como no cinema em que, para se defender da TV, é necessário apostar
em qualidade - cinesmacope, telas grandes - para ser uma experiência mais interessante em
casa, o disco também precisa de mudança." Isso, porém, se deu trinta anos depois, mas achei
muito relevante, porque, de novo, é um conceito fundamental, nunca mais mudou. A
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transmissão por cabo é uma coisa que lembra, de alguma forma, a relação que temos hoje com
a música. Nos anos quarenta, o que foi criado de muita importância, além do Bebop, foi o
long-play pela RCA Victor; não sei se todos são familiarizados com aquele cachorrinho, o
Nipper, do lado de um alto-falante que é o símbolo da RCA. Só como curiosidade, a RCA foi
uma decisão do governo americano, na época em que Roosevelt ainda era o que seria aqui o
Ministro das Comunicações. Resolveram comprar a Marconi e fazer a RCA, que depois se
fundiu com outra empresa. Apresentaram, na década de quarenta, o que se convencionou
chamar de long-play. Nos anos cinquenta, o Frank Sinatra, com um long-play, criou aquilo
que se conhece até hoje, esse formato do álbum que se chamou de álbum conceitual ou
concept album. É um álbum em que temos quase que uma reprodução do show, lembrando
que, até o long-play, tínhamos de 3 a 4 músicas, no máximo, dentro de uma peça de vinil. A
possibilidade de termos quase meia hora de música de cada lado só veio no final da década de
quarenta. Embora associemos sempre os álbuns conceituais ao rock, ao Pink Floyd, ou mesmo
ao Beatles, quem criou o concept album, que virou o longa metragem dos artistas de música,
foi o Frank Sinatra. Isso é relevante, porque, se aparece na pesquisa que hoje as pessoas
consomem a música por faixa, o long-play, na verdade, foi uma grande ferramenta da
indústria para amarrar doze faixas; você quer uma, mas têm que levar as outras de
determinado artista. O single, aquele compacto pequeno, em vinil, nunca deixou de existir,
por uma razão econômica. Se, a cada artista com que fôssemos tentar fazer um trabalho,
tivéssemos que gravar doze músicas, ficaria muito caro; muito mais caro do que hoje e
haveria muito risco. É mais fácil ir gravando um single e, se ele caminhar musicalmente,
grava-se o restante da obra do artista. Para que se tenha uma idéia do preço, aquela forma de
cantar que o Louis Armstrong apresentou para o mundo, o scat singing, aconteceu em um dia
em que ele ia começar a gravar, o produtor e quem estava pagando a conta estavam atrás do
vidro, na cabine de gravação, e caiu a partitura do cantor. Quando isso aconteceu, ele
ameaçou pegá-la, e olhou para a técnica. Era tão caro gravar por hora, que o produtor fez um
sinal de repreensão e ele começou a improvisar de boca, enquanto pegava a partitura para
ganhar tempo e não parar de gravar. Isso foi nos anos vinte, mas, nos anos cinquenta, não era
muito mais barato gravar. O long-play era uma conquista do artista. Gravava um single, um
outro, e, se mostrasse uma certa força, conseguia gravar um long-play. Outra coisa que surgiu
nos anos cinquenta que ajudou a música, na distribuição dela, no conceito de portabilidade,
foi a suspensão acústica para caixa de som, criada por um gênio americano chamado Henry
Kloss. Isso foi o que permitiu, primeiro, que uma caixa de som emitisse volumes maiores e,
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ainda, o surgimento daquelas vitrolinhas portáteis, que, antes do fone de ouvido, era o que
possibilitava a música ser portátil. Até então( e eu tenho umas caixas da década de trinta ) elas
se assemelhavam a um papelão preso na extremidade. Elas não vibravam, e, para empurrar as
ondas graves, é necessário que se tenha esse movimento, para as ondas graves terem o
deslocamento do ar. Henry Kloss criou a suspensão acústica e o tape deck, a redução do rolo,
que também trouxe, um pouco adiante, a mobilidade. Então, a invenção, no final dos anos
quarenta, do long-play, que acabou explodindo nos anos cinquenta; a criação da suspensão
acústica, nos anos cinquenta, que chegou ao público nos anos sessenta; o conceito do tape
deck reduzido, da fita regravável; e o rádio, ao mesmo tempo, tocando, criam um cenário, e já
chegamos nos anos setenta, muito parecido, mas em escala diferente, com o que é hoje.
Ouvimos música de graça, no rádio, podemos gravar o cassete do jeito que quisermos,
personalizar a fita e levar essa música para quem quisermos. A indústria sempre viveu disso.
Até os anos setenta, nos Estados Unidos, copiar um vinil não era crime. Podiam copiar vinis,
se quisessem. Nos anos sessenta, vemos também uma explosão musical. Houve, no mundo,
uma safra muito interessante, uma conspiração a favor. Nos anos setenta, o que é interessante
ressaltar é a chegada de uma invenção que é o walkman. Para quem quiser pesquisar, já vi
uma matéria na Trip, dizendo que foi um brasileiro que inventou. Alguém que era de uma boa
família, que tinha dinheiro e passou a vida processando a Sony e ganhou. Só que não ganhou
o que teria ganho com a venda do walkman mesmo. A Sony lançou o aparelho e eu posso
falar mais de perto, porque eu já fui um garoto de nove anos que ganhou um walkman. Minha
mãe tinha viajado para o Japão no ano em que inventaram esse aparelho. É espetacular não ter
nunca escutado música em um fone de ouvido e viver essa experiência pela primeira vez; é
fora do comum. Eu me lembro do Cauby Peixoto, estávamos no mesmo avião; colocaram o
fone nele e ele começou a falar muito alto, porque ele ouvia a música alta. É uma experiência
realmente louca, de inspiração lisérgica. Você coloca a música, está no meio do campo, sem
nada, na praia, ouvindo música alta. Nós nos acostumamos com isso, o que é bom, é uma
experiência mágica. O mp3 player é um walkman com uma fita que não acaba nunca. É
bacana e vai ficar tão barato que já vai ser uma fita k7. Tem que ser assim: pararem de cobrar
um preço alto por uma tecnologia que já está paga faz tempo. Enfim, nos anos setenta, além
do lançamento do walkman, a Philips (grandes holandeses) começou a fazer a proposta do
CD, o compact disc. Depois a Sony se aproximou um pouco para ajudar, mas é
essencialmente uma criação da Philips. Isso mudou bastante. Já nos anos oitenta, aconteceu o
impacto da troca de mídia. Porém, nos anos setenta, também apareceu uma coisa curiosa, o
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vinil de doze polegadas. Na época da Disco, as pessoas queriam versões mais longas de uma
música; é semelhante a um fenômeno que se tem hoje na rave, uma mesma música que se
escuta por quatro horas ( estou brincando ), quatro minutos, cinco, dez minutos, entre a batida
e tudo mais. Um maluco de uma gravadora que lançou a Donna Summer queria fazer um
single grande, uma versão que ficasse tocando, na pista, as pessoas pulando, e não parasse. Só
que não cabia e ele mandou fabricar um vinil de doze polegadas com uma música só. Nasceu,
então, esse conceito de se ter um dance track, algo de duração rítmica longa, meio mântrico,
para as pessoas ouvirem. O mantra é mais velho que isso. Os monges são todos doidões.
Enfim, os anos oitenta testemunharam isso. Outra coisa que esqueci é que , quando o Henri
Kloss criou a suspensão acústica, isso era para todas as caixas que conhecemos, inclusive para
alguns fones e equipamento para shows. Os Beatles, nos anos sessenta, não conseguiram fazer
show a partir de determinado momento, porque o grito da platéia era mais alto do que o som
dos instrumentos. Só que essa suspensão do Henry Kloss demorou até chegar na indústria,
porque além de inventar, você tem que convencer o seu chefe que foi você que inventou, do
contrário, ele rouba sua idéia. (Quem inventou a TV?) A partir dos anos setenta, esses grandes
concertos de música para quarenta mil pessoas, esse fenômeno de se conseguir fazer grandes
shows em estádios foi possível graças à suspensão acústica. Nos anos noventa, aconteceu um
negócio curioso. O mp3 é um formato musical, reconhecemos quase como um sinônimo de
música. Porém mp quer dizer motion picture. Entra aí um "imbroglio" que a indústria fica
disfarçando, não sei se já chegou até vocês, mas o que aconteceu, na verdade, foi o seguinte:
foram fazer um negócio chamado DVD. Para não ficar trocando de mídia de áudio para vídeo,
resolveram fazer uma mídia que fosso versátil. Quase tudo o que é versátil é ruim, mas
acharam que poderiam criar uma mídia, e essa mídia, que nunca ficou perfeita, é o DVD. Três
indústrias financiavam esse desenvolvimento: a da informática, a da música e a do cinema.
Proporcionalmente, quem tinha mais dinheiro naquele momento era a indústria do cinema, de
Hollywood, e então, dentro do pool, havia uma discussão do Bit budget sobre quem iria ficar
com uma e outra parte. O que aconteceu foi que a indústria mais rica ficou com a maior parte;
a indústria da informática ficou com a parte que lhe cabia; e, então, na parte da música não
cabia música. Só que a indústria fonográfica, ficou desmoralizada com todo mundo, inclusive
com as outras indústrias, não teve forças para mudar a situação. Como esses três perceberam
que não caberia aquela compressão dentro daquele espaço para ficar uma música de boa
qualidade, começou um corre-corre atrás de uma solução. Assim a Fraunhafer Society que é
um conjunto, um pool de universidades que existe na Alemanha e tem uma série de soluções
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que são muito conhecidas, apareceu com uma solução, um protocolo para se conseguir dobrar
aquela musiquinha e colocar dentro de um DVD. Porém a prova de que não é uma coisa
resolvida é que a Audio Engineering Society, também conhecida como AES, sociedade
internacional que determina onde vai estar escrito “volume”, se no seu carro vai estar escrito
“dial” ou “agudo”, e que homologa tudo o que tem de áudio, nunca aprovou o mp3 e o DVD.
O som do DVD nunca foi aprovado pela sociedade de áudio, durante mais de uma década. O
curioso desse negócio que não deu certo e que mostra como a vida é maluca, é que a própria
Fraunhofer não previa que aquele protocolo iria se tornar o mp3 que, até hoje, as mesmas
majors não consideram como protocolo oficial. Também não há problema, porque, agora, eles
também são história. No que diz respeito aos anos 90, há um ponto, aquilo que se chamou
várias vezes, e não é preciso inventar um nome novo, a “revolução digital” chegou nas
pessoas que trabalham com a música no dia a dia. Para resumir, em um lap top temos mais
tecnologia do que os Beatles jamais acessaram. Isso é um fato. No computador de nosso
quarto, com microfone, conseguimos gravar; antes isso não era possível. Havia um abismo:
ou você tinha um gravador de 4 canais cuja matriz era um cassete, ou ia para um estúdio, com
aquelas máquinas de duas polegadas, que gravavam 24 canais, custando de 400 a 500 reais a
hora. Quanto custa uma máquina de gravação de 24 canais? Vejam a loucura. No começo da
nossa empresa, a Trama, compramos uma máquina de gravação. Desculpem falar de valor,
mas, para terem uma noção, uma máquina de gravação de 24 canais, que só grava e reproduz,
embora muito bem, custa 150 mil dólares. Precisa, ainda, de fitas que gravam de 12 a 15
minutos, custando 400 dólares cada uma e ninguém grava 24, todos gravam 2 juntas. Hoje
essa máquina não tem valor, só quem é colecionador compra. Não existe valor de mercado,
porque também as fitas não são mais feitas. Virou um grande problema, mas estão lá. Hoje
com 30 mil reais pode-se montar um estúdio portátil. Agora o Ed Motta está gravando um
novo disco e montamos para ele um estúdio, com 30 mil reais. O budget dele como artista em
uma major era 300 mil reais para fazer um disco. Isso se estende para os teclados, para todas
as ferramentas de produção musical; e podemos somar isso ao fato de conseguirmos promover
e distribuir também de qualquer lugar na Web. Claro que têm os contrapontos, milhares de
pessoas disputando aquele espaço, mas têm também os desafios criativos resolvermos isso.
Foi nesse momento que quebrou aquele curral eleitoral que havia no setor de produção. São
cinco majors que produziam mais de 80% da música popular no mundo. Há ainda as rádios
na folha de pagamento e elas são a outra fonte de audição da juventude ou do indivíduo em
condição jovem (risos). Eu sempre pergunto isso: " O que é um jovem ?" Eu conheço o Tom
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Zé e pergunto o que é um jovem. Se juntarmos tudo isso, vemos que o modelo proposto
quebrou. Como se fazia há dez anos para se publicar uma música? Ou um daqueles seis caras
de uma major dizia ok, ou não se tinha como fazer. A fábrica estava também na cadeia de
produção e não se conseguia queimar, porque queimar um CD ou mandar fabricar um vinil é
uma treta. Precisava ter uma fábrica derivado de petróleo, etc. Esse negócio implodiu mesmo.
Além da revolução digital, que permitiu que tudo isso acontecesse, mais uma coisa é
importante colocar: não há e nunca houve uma crise na música. É estupidez. Quando ganhei
meu primeiro Atari, não tinha música nele. Quando saiu o PlayStation a primeira vez, eu fui
jogar um negócio e tinha o Jimmi Hendrix. Ouvia música e era bom demais. Pensei: isso aqui
é diferente. Se não tinha lá, agora tem. No jogo também tem rádios e em cada uma delas uma
programação musical; carregamos com a música que queremos escutar. O telefone é outro
caso, nele não tinha música. Servia para falarmos com as pessoas. Tinha só o disque piada (
que era bom demais ! ), não havia essa possibilidade de se ouvir música nele. Assim, também
uma série de outros lugares que podem ser citados. No computador, por exemplo, não havia
música; só aquele negócio verdão olhando para nós. Nesse ponto temos que agradecer ao
Steve Jobs. Existiu, sim, uma crise na mídia pré-gravada; essa mídia perdeu o encanto as
vendas. Mesmo o CD virgem, desde 2004, é o mais vendido do mundo. A crise está no
modelo econômico de um formato específico. O pessoal foi muito cego, porque até os caras
de imobiliária usavam a internet. Se para vender um prédio se usa a internet, por que não para
vender música? A indústria perdeu a oportunidade de capitanear um processo que aconteceu
sozinho. E isso foi muito bom. A música acabou apresentando a internet para muita gente.
Agora, para aqueles que nascem, ela já está aqui. Há uns 15 anos era assim: "Vou ouvir uma
musiquinha na internet." Era algo lento e existe até aquela expressão: "chupando geléia com
canudinho"; ficamos horas e não passa nada. Hoje a música é algo mais leve. É o fim da
clássica indústria da música fonográfica; ela não existe mais. Existe um endereço, uma pessoa
lá, se mandamos uma carta, ela recebe. Eles têm um acervo que foi gravado, toda música do
século XX gravada. Aliás, podemos falar de duas coisas nas quais a indústria autoral foi
positiva: dinheiro e o deadline. Se não dissermos a data que tem para entregar não acontece
nada. Não sei no mundo de vocês, mas, na música, se não entregar, tem que entrar com um
esguicho de água fria, para fazer com que os caras se separem. Para encerrar, queria
apresentar para vocês o modelo que encontramos dentro dessa dificuldade, que é o download
remunerado e o Álbum Virtual. É muito simples e baseado no que o rádio fez com o jazz, nos
anos 20, e que a televisão aberta faz desde sempre. Damos a música de graça e o patrocinador
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paga. No ano passado lançamos 6 álbuns virtuais: Cansei de Ser Sexy, Ed Motta, Macaco
Bong, Tom Zé e outros mais. Fizemos, então, o seguinte: negociamos com o artista, o disco
sai na loja, em todas as mídias, mas, antes, pagamos para que ele deixe aquela música
disponível em determinado lugar para que as pessoas possam ouvir e baixar. Elas vão fazer
isso de qualquer maneira. O que estamos tentando fazer, então, é, primeiro, legalizar;
segundo, proteger, porque não tem vírus; e, finalmente, pagar o artista, porque sou do tempo
que o trabalho era remunerado. Tudo isso sem ferir o direito que hoje as pessoas imaginam
que adquiriram de baixar música. Mais de 90% da música do mundo é baixada de graça.
Menos de 1% das músicas dos iPods americanos é legal. Do que estamos falando ? Estamos
falando que as pessoas estão ouvindo música, sim. Saiu agora uma pesquisa dinamarquesa
que o New York Times e a Folha publicaram, dizendo que as pessoas que baixam música
tendem a comprar. Claro. É como era no rádio. Não tem novidade. Falando sério, com todo o
respeito, deixem de tratar a tecnologia como novidade! É só olhar um pouquinho a História.
Têm pessoas vendendo terreno na Lua. Um violão já custou 50 mil reais; hoje vamos na
esquina e compramos um violão. Entre o Stevie Wonder e você, a única diferença que tem é o
talento do Stevie Wonder; você pode comprar um piano igual ao dele. Essa impossibilidade
por causa do preço, sumiu. Deve ter acabado meu tempo. Deixa eu ver se tem mais alguém de
quem a gente possa falar mal. Não, deixa para lá, é muita gente...
QUESTÕES
IGOR - Essa pergunta é encaminhada para o João Marcelo Bôscoli e para a profa. Letícia.
Primeiro, para o Marcelo. Você falou rapidamente do celular Nokia Music, que está sendo
lançado agora.
JOÃO MARCELO BÔSCOLI - Eles não acertaram ainda. Vão nos pagar em agosto.
IGOR - Só vão começar em agosto ?
JOÃO MARCELO BÔSCOLI - Só vão nos pagar em agosto.
IGOR - Então não pode fazer propaganda ainda. Queria que você falasse um pouquinho do modelo
de negócio e de como vocês entendem, tanto a Letícia quanto você, a música como produto, como
mercadoria. Ela entrou em uma lógica de produtos de bens de consumo de um ciclo de vida cada
vez menor, em que a divulgação toma uma parte maior do orçamento e ela ganha características
como a descartabilidade, entre outras. Queria que vocês falassem, então, dessa questão. Mais
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especificamente para a Letícia, queria saber se vocês já olharam para os efeitos de sociabilidade que
essa música, nos espaços da cidade, assim como falam que é uma trilha sonora, se vocês começaram
a investigar os efeitos de sociabilidade que tanto esses dispositivos, quanto a música em si causam.
Se você conseguiu observar alguma coisa nesse sentido.
JOÃO MARCELO BÔSCOLI - O modelo de negócios da Nokia é bem simples. Eles têm
uma estimativa de quanto uma pessoa pode baixar, fazem acordos com os selos, com as
gravadoras diretamente, com as editoras, e pagam uma estimativa em cima disso. Se passa
muito, eles acertam; se fica abaixo, vale o pré-acordado. É um modelo simples, onde alguém
está pagando a conta. No caso, é a fabricante do celular. É bom lembrar que a Nokia começou
fazendo papel. Eles vão caminhando e hoje ela se divide em dois grandes polos: aquele que
conhecemos e o de serviços. Esse negócio da música descartável é uma discussão que me
preocupa, porque chega uma hora em que nos flagramos de toga, julgando o que é e o que não
é uma música boa. Tenho muita dificuldade. Já me chamaram para trabalhar como jurado,
mas não consigo chegar para uma pessoa e dizer: "Você não leva jeito para isso, vá fazer
outra coisa." Meu pai já fez isso com o Roberto Carlos. E ele estava certo mesmo, pois, para
aquilo que o Roberto queria fazer, que era bossa nova, não funcionava. "Você ainda vai ouvir
falar de mim!" E isso realmente aconteceu, porque trabalharam juntos. É estranho, pois
começa a ter um método sobre o que é bom, o que é ruim; isso não é legal, isso é bom. É meio
preocupante. O que posso dizer para você é que sempre se produziu mais música do que
aquela que é percebida como tendo os valores eternos. Para cada bar que aparece, há uma
porção de caras maltratando o piano ali; é normal. Como diz um amigo meu, o Ed Motta:
"Tem gente que gosta de música, mas a música não gosta muito dessa gente." A música que
fazemos é um reflexo do nosso tempo. Se pegarmos, por exemplo, o jazz. Nos anos 20, foi a
pré-Bolsa, a época de ouro do jazz. Estava todo mundo feliz. Era início de século, uma música
romântica. Caiu a Bolsa, deu uma confusão danada. Alterou-se o jeito de se fazer a música.
Nos anos 40, quando veio a Segunda Guerra Mundial, o bebop apareceu; uma coisa caótica.
Nos anos 50, veio o cooljazz, isso porque a sociedade estava descansando. As revoluções
musicais refletiram as revoluções dos anos 60. Essa é uma visão que eu tenho. Então, hoje, o
fato de muita gente poder fazer música e, automaticamente, podermos publicar muita música,
necessariamente vai dar uma quantidade maior, mas o tempo vai decupando (/fazendo cortes).
Esse ciclo nunca muda. Vai chegar uma hora em que as pessoas vão querer ouvir outras coisas.
Há uma saturação disso. "Só você pode escrever música, só você pode tocar, porque você teve
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acesso a um determinado meio de produção. Eu não tenho, mas, em determinado momento todo
mundo tem." É tese, antítese, síntese. Em uma determinada hora, todos vão cansar ou alguém
cansa de ouvir música feita por uma determinada pessoa. Resumindo, brincavam, antigamente,
dizendo o seguinte: "Se você está aí em cima do palco, fazendo uma coisa que eu posso fazer, o
que você está fazendo aí em cima do palco ? " Uma hora as pessoas vão procurar, de novo, o
Extra Ordinário. Porém o momento em que temos acesso a isso é o de aproveitarmos; essa
época em que vivemos, em que todos podem fazer música. Qual é o problema ? Outro dia um
amigo me falou : "Ah, todo mundo diz que é DJ. Isso não é certo."O que não é certo ? Deixe o
público decidir. Se um bando de pessoas quer chegar na frente desse cara, e acha que as músicas
que ele está tocando são bacanas, quem vai dizer o contrário ? As pessoas decidem o que
querem. É o aspecto mais positivo de hoje. Falam que uma das origens da pop-music é aquele
lance de termos um moleque mascando chiclete, soprando uma bola colorida, linda, que,
quando explode, não tem nada dentro; tem um perfuminho de tutti-fruti. Depois de meia hora,
cospe-se aquilo e pega-se outro. É a obsolescência programada. É normal, reflexo da sociedade
em que vivemos. É melhor assim, do que se ter 6 caras fumando charuto, no 20º andar, com ar
condicionado, decidindo o que vamos ouvir.
CÂNDIDA - Meu nome é Cândida. Sou estudante de mestrado da Universidade Federal da
Paraíba. Queria fazer uma pergunta para o Bôscoli, porque, antes do mestrado, estou
terminando especialização e fazendo um estudo de caso da Trama. Queria saber um
pouquinho como funciona essa questão da receptividade de que os artistas tiveram em relação
ao download remunerado. Como os artistas, e também as empresas que patrocinam estão
percebendo isso?
JOÃO MARCELO BÔSCOLI - As empresas chegam depois, porque as marcas têm uma
missão ali, precisam ter certeza de que aquele modelo funciona. Na verdade funcionou,
porque oferecemos uma possibilidade de eles receberem alguma coisa, em cima de algo de
que não receberiam nada. Também não é exclusivo. Por exemplo, na 6ª feira, o Móveis
Coloniais de Acaju vai lançar um novo disco nesse formato. Se você baixou, em primeiro
lugar, você já deve ter em algum lugar, e é bom, não há nenhum problema, contamos com
isso. Segundo, se você baixa esse álbum naquele espaço específico, em que ele pode saber
quem é você, receber, e esse disco continua em todos os outros lugares, uma parte dele no
MySpace, por exemplo, eu não vejo por que não. Pela primeira vez não falamos: "Vai ser
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assim, em detrimento disso." A única coisa que pedimos é que as músicas sejam próprias,
porque, se não for assim, temos que negociar com uma editora. As editoras, as majors ainda
não têm uma visão muito positiva sobre isso. Está mudando mais rapidamente do que
imaginávamos. Entre não ganhar nada e poder ganhar alguma coisa... E os fãs prestigiam. A
banda Macaco Bong, por exemplo, pegou doze mil reais, o que é superior ao cachê deles de
show, e teriam que vender 12, 15mil discos para atingir esse mesmo valor. Por outro lado,
para fazer esse disco, tem que fabricar, distribuir, e isso envolve nota, caminhão para entrega,
pneu. Se o destinatário não está, é preciso mandar de novo, voltar. Lá fica tudo de graça. Não
foi difícil. O álbum virtual foi uma idéia natural. Uma banda do Sul, chamada Super Guides,
eu não conhecia muito bem na época, mas o pessoal da Trama Virtual conhecia, botou um
disco inteiro, as doze faixas. Na reunião falaram essa frase: "Botaram um disco inteiro lá."
Estranhamos: " Mas um disco inteiro ! Se não tem capa, ficha técnica, e a ordem das músicas
não é o que o artista decidiu, isso não é um disco inteiro. Vamos criar um espaço específico
para obras inteiras." Aí veio o álbum virtual. Quem não ganhava nada com isso passa a
ganhar... Só se o cara for muito chato não vai gostar. Mas sempre tem o chato de plantão.
BRENO - Meu nome é Breno. Realizo um estudo sobre música, mais especificamente sobre
música grátis. Queria perguntar se vocês pensam em remunerar streaming. Porque não sei o que
querem os jovens deles, mas os nossos jovens sabem o que nós queremos: um catálogo infinito
sem possibilidade de controle sobre a nossa playlist e com possibilidade de ouvir onde quisermos.
No momento em que chegar um software que nos traga isso através do streaming, em que
possamos carregar em um servidor, sem precisar ocupar outro espaço, vai acabar o download.
JOÃO MARCELO BÔSCOLI - Provavelmente, sim. Hoje, inverteu. Já vemos essa realidade
como você pintou. No mais recente levantamento, tivemos 1 milhão e 300 mil streamings e
350 mil downloads. Era muito diferente disso. Você sabe pela evolução da banda larga.
GISELA CASTRO - Nem todo mundo, necessariamente, sabe qual é a diferença entre
streaming e download; seria bom fazer uma “nota de pé de página”.
BRENO - A diferença é simples. No streaming, a música fica em um servidor remoto, online,
e carregamos e a ouvimos em tempo real, como no YouTube. No download, nós baixamos e
ouvimos em um programa de nosso computador.
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JOÃO MARCELO BÔSCOLI - No começo, não conseguíamos ter muito streaming, porque as
pessoas tinham uma banda, na internet, que era muito estreita. Hoje, temos uma reformulação
da Trama Virtual, que depende do pessoal de tecnologia. Todo mundo tem problema de
tecnologia. Aliás, hoje eu ouvi uma boa: TI quer dizer "that’s impossible". Quando o assunto é
tecnologia, alguma coisa está errada. Estamos vendo um show de música, de repente, para. O
cantor começa a discutir com um cara que precisa receber. Estamos aqui para entreter as
pessoas. Quando essas discussões chegam à mídia é sinal de que alguma coisa deu errado.
Escutamos essas pessoas falando de tecnologia com uma propriedade, e nem precisariam pensar
nisso. Temos isso a caminho, dependíamos desse fluxo que hoje existe, mas que não existia, era
muito baixo, sim. Porém, como alguém que defende seu ponto, vive disso, pois a música grátis
é o modelo em que mais acreditamos, embora vendamos outros formatos, penso que é preciso
tomar muito cuidado quando falamos que queremos a nossa música, porque alguém a fez em
algum momento. Eu não falo isso porque discordo de você; falo isso para não perdermos a
razão nessa discussão. Por exemplo, no domingo, teve um texto da Lúcia Guimarães dizendo o
seguinte: "Tudo o que se vende de notícia no mundo é pirata, porque foi feito por redações,
alguém lê, publica e não diz." Eu não tenho essa cabeça. Em música, nós dependemos do
compartilhamento de arquivos, desse tipo de coisa. Mas temos que tomar muito cuidado,
quando entramos em uma discussão. Já entrei em uma discussão com o Lenine, que é da editora
da Trama, e eu perdi, porque ele virou para mim e falou: " João, não tem ninguém aqui, só
estamos eu e você. A música é minha, cara. Desculpe, fui eu que fiz. Não tem essa do mundo. É
minha, eu, aqui, Lenine. Desculpa, você não pode sair..." Cuidado, então. Mas é só uma questão
de tempo. Durante esse ano vamos ter que colocar isso à disposição, porque o volume é este:
1300 mil contra 350 mil, e era justamente o contrário.
GISELA CASTRO - Recentemente tivemos, aqui na Escola, o lançamento de um livro que
vinha em formato impresso e, simultaneamente, estava disponível para download gratuito, na
internet. Uma das perguntas encaminhadas ao autor que estava aqui, lançando o livro e
fazendo uma palestra, foi exatamente: "Como você faz? Por que você lança seu livro
impresso, qual o sentido disso, se está disponibilizando em PDF, para qualquer um baixar de
casa pela internet?" "Pois é, sempre vai ter gente que vai gostar de ter o livro. Acredito nisso e
acho importante que não percamos de vista essa opção."
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ALBERTO SCHPREJER - Tem um dado importantíssimo. Algo como 50% dos títulos que
são vendidos na Amazon, são livros que não existem.
JOÃO MARCELO BÔSCOLI - É a história do catálogo. Temos dois mil títulos em uma
editora ou em um selo de música que é preciso manter em catálogo, só que, na verdade,
vende-se cerca de um por mês. No caso, facilitou para nós, porque deixamos tudo sempre em
catálogo e fabricamos uma quantidade mínima. Antes, tínhamos que fabricar muito mais,
distribuir; quando não vendiam, devolviam. O digital facilitou isso.
ALBERTO SCHPREJER - É exatamente isso, ou seja, 50% do que é vendido na Amazon
podem ser vendidos, porque existe um armazém digital de originais de arquivos que são
impressos a cada pedido; impressão sob demanda. É a mesma coisa.
JOÃO MARCELO BÔSCOLI - Isso também não é novo. Em 1993, eu poderia chegar no Japão
em uma loja da Panasonic, para comprar uma bicicleta e, por análise combinatória, teria cor,
tamanho da roda, tipo de banco, ou seja, 12 milhões de modelos diferentes. Poderia comprar ali,
eles montavam e se recebia 3 dias depois. A matéria, na época, dizia: Não é possível que não
tenha, em 12 milhões de bicicletas, uma feita para você. Também é um conceito que já
conseguiram fazer no Japão, com bicicletas. Com livro e CD é bem mais fácil; ou com vinil.
GISELA CASTRO - Lá no Rio, há um tempo atrás, houve uma experiência comercial de uma loja
que se chamava Armazém Digital. Ela se propunha justamente a fazer isso: pequenas tiragens.
ALBERTO SCHPREJER - Foi isso que aconteceu. Só que essa experiência vai inevitavelmente
ser reproduzida em uma escala empresarial muito mais importante, mais significativa. Na
realidade, a projeção é que tenhamos possibilidade de revitalização dos catálogos do conjunto
do mercado editorial. Desde que esses arquivos estejam digitalizados, podemos ter o livro. O
livro físico, papel, vai demorar a ser uma coisa obsoleta. Não é algo para agora; ainda é muito
forte, muito grande. A facilidade que temos, hoje, de ter um livro em que você imprima um,
porque tem 1 cliente, 10, porque tem 10 clientes. Não temos que imprimir mais mil, porque era
o mínimo que podíamos imprimir, para ter uma relação de custo/benefício. Tornou-se algo que
prolonga o próprio livro, mas com outra característica.
JOÃO MARCELO BÔSCOLI - Nas trocas de mídia, antigamente, colocavam primeiro os
títulos antigos. Quando veio o CD, claro que havia os grandes lançamentos, mas colocavam o
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catálogo de jazz, de erudito, porque, como é uma mídia nova, parece que escutamos a música
de um jeito diferente. De alguma forma renova, e isso era medido, na época, em pesquisa
feita pela indústria. Assim, mudou a mídia, pegam o catálogo. É algo mais que desmente a
noção de que baixar música atrapalha. O catálogo das gravadoras voltou a aumentar, porque
elas passaram a monitorar o gosto das pessoas e a busca, pela internet. " Está todo mundo
atrás desse disco do Raul Seixas!" "Então, vamos fazer." Fazem e vende. É positivo.
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