mobilidade urbana sustentável aos olhos do surdo cego

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mobilidade urbana sustentável aos olhos do surdo cego
MOBILIDADE URBANA SUSTENTÁVEL AOS OLHOS DO
SURDOCEGO
ARIAS, Camila Ramos (1); PINA, Silvia Mikami G. (2); ARIAS, Márcia H. Ramos (3).
(1) Mestranda, [email protected]; (2) Profª Drª., [email protected] ;
(3) M.Sc. [email protected]
Depto. de Arquitetura e Construção - FEC - UNICAMP, CP 6021, Campinas/SP, 019 3521-2392.
RESUMO
O aumento das deficiências múltiplas se deve ao desenvolvimento da Ciência e o progresso da
Medicina que salvam muitas crianças prematuras aumenta o aparecimento de deficiências múltiplas,
como a incidência da surdocegueira, cuja combinação das duas deficiências causa extrema dificuldade
para a inclusão dessas pessoas. Esta pesquisa objetiva colaborar na construção de parâmetros de
projetos de calçadas neste sentido, por meio da avaliação crítica da cartilha do Programa Passeio Livre
(São Paulo, Brasil) de orientação para a construção de calçadas acessíveis da cidade de São Paulo,
focando as questões relativas aos sentidos, conforto e acessibilidade. O estudo levantou inicialmente
os elementos norteadores de projeto proposto na cartilha. Em seguida, foi realizada a avaliação técnica
da calçada da Rua Augusta e Rua Oscar Freire, na cidade de São Paulo quanto às questões de
acessibilidade exigidas pela NBR 9050, associada a realização de um estudo de caso sobre as
necessidades reais para a mobilidade do surdocego, incluindo a avaliação dos usuários. Tais avaliações
foram vinculadas também ao estudo detalhado do dimensionamento das vias, flexibilidade e
adequação ao uso das calçadas. As análises dos dados levantados juntamente com as questões de
projeto observadas devem orientar a construção de parâmetros específicos para o projeto de passeios
socialmente inclusivos a serem incorporados às propostas contemporâneas e sustentáveis voltadas
para o pedestre e que contemplem plenamente o desenho universal e a acessibilidade dos
multideficientes.
Palavras-chave: mobilidade urbana, calçadas, surdocego, acessibilidade.
ABSTRACT
The increase of the multiple deficiencies is due to the development of the Science and the progress of
the Medicine that save many premature children, increase the emergence of multiple deficiencies, as
the incidence of the deaf-blind, whose combination of the two deficiencies cause great difficulty for
those people’s inclusion. This research intends to collaborate to establish parameters of architecture
design of sidewalks with this sense, through the critical evaluation of the guide book of the Passeio
Livre Program. This program instructed how to build accessible sidewalks in the city of São Paulo,
focusing safety, comfort and accessibility. The study evaluated previously the guide’s content. After, a
technical evaluation of the sidewalk of the August and Oscar Freire Street, in the city of São Paulo
was done, regarding the accessibility subjects demanded by NBR 9050. It was also accomplished an
evaluation in function of the real needs of the people's deaf-blind mobility and their evaluation. Such
evaluations were also related to the study about the dimensions of the streets and the flexibility and
use adaptation of the sidewalks. The analysis of the data added to the observations of the study of in
case should guide the establishment of parameters in a detailed way that should be incorporated to the
contemporary and sustainable proposals to the pedestrian, that contemplate also the Universal Design
and the accessibility of the multi deficient.
Key word: urban mobility, sidewalks, deaf-blind, accessibility.
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1. INTRODUÇÃO
As cidades brasileiras necessitam de atualização em suas diretrizes e procedimentos para garantir o
acesso e a locomoção de toda a população e não apenas de suas supostas maiorias. Segundo dados
apresentados pelo Ministério das Cidades em 2004, o Brasil tem cerca de 27 milhões de portadores de
algum tipo de deficiência, dos quais pelo menos 14% têm alguma deficiência física (BRASIL, 2007).
Além desses, também os idosos, as gestantes, os obesos e as crianças formam um conjunto
significativo da população que precisa ser levado em conta em projetos das cidades. Para permitir que
essas pessoas tenham acesso facilitado, o Ministério das Cidades lançou o Programa Brasileiro de
Acessibilidade Urbana - Brasil Acessível. Em maio de 2005, foi aprovado o Decreto nº 45.904 que
estabelece um novo padrão arquitetônico para as calçadas da cidade de São Paulo. O Decreto
estabelece que os passeios públicos obedeçam aos dispositivos de acessibilidade determinados na
norma técnica NBR 9050/04. O Programa Passeio Livre pretende orientar a forma e materiais das
calçadas, permanecendo os outros aspectos relacionados aos passeios públicos exatamente como
determinados em decretos publicados anteriormente.
A mobilidade é um atributo das pessoas e dos agentes no momento em que buscam assegurar os
deslocamentos de que necessitam, levando em conta as dimensões do espaço urbano e a complexidade
das atividades nele desenvolvidas. Na mobilidade, os indivíduos podem ser: pedestres, ciclistas,
usuários de transportes coletivos, motoristas. Podem afetar a mobilidade fatores como: a renda, a
idade, o sexo e por fatores permanentes ou provisórios que limitam a capacidade do indivíduo. As
condições de acessibilidade também são afetadas pelo meio urbano: características dos terrenos e o
tratamento físico dado às vias e aos passeios, a existência de redes regulares de transporte urbano, a
qualidade dos seus serviços e o seu preço, a sinalização e os sistemas de controle do uso do sistema
viário e a existência ou não de ciclovias.
Considerando que orientação é saber quem é, onde está e ser capaz de planejar como ir, mobilidade é o
ato de mover-se de um lugar para o outro, abrangendo consciência sensorial, imagem corporal,
conceitos espaciais, movimentos independentes, guia visual e técnicas de proteção. (MELO, 1991)
Segundo Camilla Ryhl (2005), o termo acessibilidade deve ser ampliado a vivencia da arquitetura
considerando também o acesso da percepção e da experiência da qualidade arquitetural. Caso
contrário, o acesso físico torna-se sem sentido para grande parte das pessoas e o aspecto universal se
perde. Os sentidos são os mecanismos de interface com a realidade. Interpretando os estímulos
externos, tem-se a percepção do ambiente (OKAMOTO, 2002).
A cartilha do Programa Passeio Livre tem como objetivo conscientizar a população sobre a
importância da construção, recuperação e manutenção das calcadas contribuindo para a melhoria da
paisagem urbana, acessibilidade e resgate da socialização dos espaços públicos. O padrão
arquitetônico previsto pelo decreto prevê três faixas na calçada: faixa de mobiliário com largura
mínima de 0,75m, entre a guia e a faixa livre, destinada à locação de árvores, rampas de acesso para
veículos ou portadores de deficiências, poste de iluminação, sinalização de trânsito e mobiliário
urbano; a faixa livre deve ter largura mínima de 1,20m, destinada exclusivamente à circulação de
pedestres e,portanto, deve estar livre de quaisquer desníveis, obstáculos ou vegetação e a faixa de
acesso, quando possível, situa-se na área em frente ao seu imóvel ou terreno, onde pode estar a
vegetação, rampas, toldos, propaganda e mobiliário móvel como mesas de bar e floreiras, desde que
não impeçam o acesso aos imóveis, é uma faixa de apoio à sua propriedade.
Este artigo tem como tema central verificar o efeito que a publicação da cartilha do Programa Passeio
Livre tem exercido, na prática, no resultado das reformas das calçadas sob a óptica das possíveis
necessidades e de dificuldades de usabilidade dos surdocegos no passeio público. Para a avaliação,
foram escolhidas duas calcadas diferentes de ruas que tem grande importância no cenário paulistano e
que foram submetidas à reforma, de acordo com as orientações do Decreto nº 45.904/05 e do
Programa Passeio Livre. O trajeto selecionado é composto por quatro quadras de calçada da Rua
Augusta, cuja reforma foi finalizada em outubro de 2006 com a utilização de piso inter-travado e o
trecho da Rua Oscar Freire com placas de granilite e finalizada em dezembro do mesmo ano, ambas
posteriores à publicação da cartilha.
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Surdocegos e Múltiplos Deficientes
O aumento das deficiências múltiplas é conhecido entre as diversas deficiências, devido ao
desenvolvimento da Ciência e o progresso da Medicina que salvam muitas crianças prematuras, porém
aumenta o aparecimento de deficiências múltiplas, como a incidência da surdocegueira1 (ARIAS,
2004). A surdocegueira apresenta grande número de combinações entre os diferentes graus de perda de
visão e audição e pode ser classificada pela intensidade da perda e quanto à época de aquisição.
Classifica-se pela intensidade da perda como: surdocegueira total, perdas leves (tanto auditiva como
visual), resíduo visual com surdez profunda, surdez moderada ou leve com cegueira e surdez
moderada com resíduo visual (FERNANDEZ, 1997).
A classificação também considera a época de aquisição: o surdocego pré-linguístico (surdocegueira
congênita, surdocegueira pós o nascimento, mas antes da aquisição de linguagem e surdez antes da
aquisição da linguagem e cegueira posterior) e surdocego pós-linguístico (surdocegueira após a
aquisição de linguagem e cego com surdez posterior). São várias as formas de comunicação do
surdocego, sendo as mais usadas: Sinais significativos (forma de comunicação visomotora, construída
no espaço a partir de movimentos do corpo e das mãos); Sistema Braille (sistema de escrita e leitura
tátil que consiste no arranjo de seis pontos em relevo); Tadoma (método de linguagem receptiva em
que o surdocego, por maio do tato, decodifica a fala do seu interlocutor, coloca-se a mão no rosto do
locutor de tal forma que o polegar toque suavemente seu lábio inferior e os outros dedos pressionem
levemente as cordas vocais) e Alfabeto manual (consiste em fazer com a mão direita, um sistema de
signos sobre a palma do interlocutor) (ARIAS et al, 2004).
2. OBJETIVOS
O objetivo deste trabalho foi identificar quais as diretrizes que devem orientar os projetos de
construção, recuperação e manutenção das calçadas acessíveis a qualquer cidadão, independente de
suas capacidades. Para tanto, foi realizada inicialmente uma análise da Cartilha Passeio Livre, criada
em 2005 pela Prefeitura da cidade de São Paulo dentro do Programa Passeio Livre que visa
conscientizar e sensibilizar a população sobre a importância de construir, recuperar e manter as
calçadas em bom estado de conservação (SÃO PAULO, 2005). Para tanto, foi avaliado in loco a
acessibilidade, comportamento, conforto ambiental e funcional de surdocegos pós-linguísticos.
3. MATERIAIS E MÉTODOS
Para atender o objetivo da pesquisa, buscou-se uma metodologia que avaliasse além das questões
técnicas do espaço, incorporando também as questões mais subjetivas como comportamento e
sensações. Assim, a avaliação foi dividida em Avaliação de Acessibilidade, Comportamental e de
Conforto Ambiental e Funcional.
Inicialmente, foi utilizada a avaliação pós-ocupação, acrescida da avaliação de desempenho, de modo
a obter dados específicos sobre as calçadas reformadas e também as condições de uso identificadas
pelos usuários surdocegos. Os métodos utilizados no levantamento incluíram: checklist, questionários,
entrevistas, levantamento fotográfico e filmagem. O desenvolvimento destes instrumentos de
levantamento baseou-se principalmente na metodologia aplicada por Bernardi (2001) em escolas da
rede pública de Campinas, na avaliação de desenvolvimento do deficiente visual e na sugestão de Ryhl
(2004) para nova forma de avaliação de acessibilidade, considerando a vivência sensorial da
arquitetura.
Com o objetivo de verificar as adequações das reformas realizadas nas calçadas das duas ruas
selecionadas, foi elaborado um Checklist de Acessibilidade para o trajeto avaliado. A verificação
identificou diversos itens relacionados principalmente aos materiais e forma das calçadas, sugeridos
pela Cartilha Passeio Livre. O atendimento às questões de acessibilidade prevista pela NBR 9050 foi
estudado especificamente em relação às dimensões, desníveis, materiais, mobiliário urbano da calçada
1
A surdocegueira atualmente é vista como uma deficiência única, justificando assim a eliminação do hífen, que
levava a pensar em soma de deficiência auditiva e visual (“surdo-cegueira”) (ARIAS, 2006)
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e acesso principal às edificações. O Formulário de Avaliação de Mobilidade Urbana (LANCHOTI,
2005) também foi base para a elaboração do checklist, colaborando na ponderação de critérios em
situações onde algum item não tenha sido atendido em sua totalidade. O checklist composto por 20
itens foi uma avaliação técnica preenchida pelos pesquisadores.
Buscou-se ainda investigar soluções que poderiam ser contempladas na cartilha, que estimulassem
sensorialmente os surdocegos favorecendo a acessibilidade, mobilidade e reconhecimento do espaço.
Tal investigação foi registrada na forma de texto, foto e filmagem ao longo do trajeto percorrido em
cada momento em que havia uma dificuldade ou uma contribuição observada tanto pelas
pesquisadoras quanto pelos avaliados. A comunicação entre pesquisadores e pesquisados foi possível
pela valiosa habilidade de comunicação alternativa dos pesquisados, através do Tadoma, libras
adaptada (sinais significativos) e letras de forma (alfabeto manual).
Na tentativa de expandir o conceito de acessibilidade, a avaliação também incluiu o acesso à
percepção e à vivência da qualidade arquitetônica do ambiente construído. Assim, foi inserida uma
Avaliação Comportamental, por meio da observação e aplicação de roteiro específico a respeito da
Interação dos usuários surdocegos com as pessoas e com os ambientes de estudo, identificando ainda
quais os sentidos utilizados para tal interação e percepção. O roteiro de ‘Interação com as Pessoas’
investigou a forma que o usuário reage, se expressa diante do contato com outras pessoas ou situações,
inclusive de conflitos e foi preenchido pelos pesquisadores. Já o tema ‘Interação com
Ambiente/Utilização dos Sentidos’ do roteiro buscou registrar, apenas no momento do trajeto, as
formas de exploração do espaço, através dos pés, mãos, bengala, memória sinestésica, mudança de
temperatura, dentre outros itens.
A Avaliação de Conforto Ambiental focou a sensação térmica, acústica, lumínica e olfativa dos
entrevistados em relação ao trajeto percorrido no dia específico da avaliação. Para tanto, foi
desenvolvido um questionário com escala de graduação: de muito frio a muito quente (térmico), de
muito baixa a muito alta (iluminação), de muito baixo a muito alto (ruído). Após cada item foi
questionado se cada um interferia na mobilidade e percepção e de que forma e, finalmente, se os
entrevistados teriam alguma sugestão de melhoria do conforto ambiental. A Avaliação de Conforto
Funcional focou o espaço físico/quantidade de pedestres, pistas táteis e escala semântica. As
avaliações foram respondidas logo após o fim do trajeto percorrido para que a avaliação pudesse ser
geral do trajeto e não específico de cada local.
Os pesquisadores preencheram uma avaliação do conforto ambiental e funcional registrando as
condições térmicas, lumínica, acústica, tipo de vestimenta, dimensões e tipos de revestimentos das
calçadas. Avaliaram também o espaço físico da calçada em relação ao número de pedestres,
quantidade de mobiliário urbano, acessibilidade física do trajeto realizado numa escala de muito
satisfatória a insatisfatória e percepção do espaço na mesma escala acima.
Experiências anteriores (RYHL, 2005) mostraram que a metodologia de avaliação da acessibilidade
não somente física, mas também de acesso à percepção e à vivência – como deve ser uma avaliação de
acessibilidade - deve contemplar uma dose de subjetividade. Para tanto, uma escala semântica de
sensações proporcionadas pelo espaço foi respondida pelos entrevistados, sendo um dos tópicos do
questionário aplicado. A escala semântica foi composta de 15 adjetivos onde significados opostos
ficassem em cada extremo e entre eles uma escala graduada na qual se poderia escolher um ponto
também, que identificasse a situação avaliada na análise subjetiva das sensações dos usuários em
relação aos espaços.
4. RESULTADOS DA AVALIAÇÃO
É importante considerar que os usuários avaliados têm experiências de já terem caminhado em
calçadas adaptadas em outros países como Canadá e Estados Unidos. Eles não conheciam o trajeto
pesquisado e ao saberem que havia sido reformado recentemente para atender os padrões de
acessibilidade, relataram expectativa que a faixa livre para circulação seria centralizada na largura da
calçada e assim eles não teriam que se guiarem como fazem em qualquer local não sinalizado: batendo
na divisa entre lote e calçada. Como nenhum trecho das calcadas tinha piso direcional ou qualquer
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outra pista que orientasse a mobilidade ao centro, os usuários supuseram que a faixa livre de ambas
estava margeando o alinhamento das construções.
A avaliação de acessibilidade mostrou que dos 19 itens avaliados, 2 não foram atendidos (figura 1). O
primeiro refere-se ao mobiliário exposto na calçada, projetando-se sobre a faixa que deveria estar livre
de obstáculos. Outro item é sobre a regularidade do piso que deveria ser contínuo, no mínimo na faixa
destinada à circulação de pedestres; no entanto nela encontram-se também as tampas de inspeção das
concessionárias provocando desorientação e até mesmo risco de acidentes. Neste aspecto, a proposta
deveria considerar a possibilidade ou não de mudança das caixas para então localizar a faixa guia.
Figura 1 – vitrine projetada sobre a calçada e tampas de inspeção de concessionárias na faixa livre
Uma das observações feitas pelos usuários foi que o piso do tipo inter-travado da maneira como foi
assentado causa dificuldade na percepção da informação, pois o desenho das juntas passa a impressão
de “siga-pare, siga-pare”, podendo causar insegurança ao pedestre que se orienta com bengala. Além
disso, a transição de um tipo de revestimento para o outro, numa mesma calçada, passa uma
informação desnecessária e indecifrável, que desorienta.
Os pisos táteis (direcional e alerta) instalados nas esquinas não indicaram informação alguma aos
usuários (figura 2) que continuaram se guiando pelas construções.
Figura 2 – piso direcional e de alerta na esquina
As rampas localizadas nas esquinas tornaram-se elementos de insegurança por terem o piso de alerta
instalado somente no meio da rampa e não no inicio dela, além serem locais de acúmulo de águas
pluviais (figura 3). A sinalização do piso alerta no meio da rampa, indicado pela NBR 9050 e pela
Cartilha causaram insegurança.
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Figura 3 - rampa
Mesmo não item da avaliação inicial, o material empregado no piso de transição entre a calcada e o
lote e demais itens associados como o dimensionamento das aberturas, desnível até a principal porta
de entrada, símbolos internacionais e rampas de acesso, acabou interferindo no entendimento e
percepção do lugar (figura 4). Em alguns casos a sinalização não foi executada, causando problemas
de orientação e em outros, os acessos aos estabelecimentos comerciais tinham apenas a opção de
acesso por escada, evidenciando a não integração da reforma da calçada aos ambientes comerciais
segundo a acessibilidade pretendida e divulgada.
A faixa livre situada no limite do lote e calcada não é a situação mais favorável, principalmente em
áreas comerciais com grande movimentação do público, sendo mais indicado sua localização mais
central. Apesar das calçadas apresentarem largura suficiente para tal, nenhuma dela optou por tal
desenho.
Figura 4 – ausência de sinalização entre lote e calçada
Na Avaliação Comportamental pode-se perceber que a interação das pessoas (suas formas de
expressão) está intimamente ligada à interação dela com o ambiente através da utilização dos sentidos.
Sem buscar a generalização, percebeu-se que a insegurança, a falta de confiança do indivíduo está
relacionada à falta de exploração do ambiente com o corpo, a falta de informações ou a dificuldade no
reconhecimento do espaço.
A avaliação do conforto ambiental reforçou que algumas habilidades são tão inconscientes que neste
tipo de avaliação, que por vezes a resposta do usuário não revela consciência do quanto dos seus
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sentidos auxiliam nesta percepção, como os odores, interferindo na sua mobilidade, orientação e
cognição do espaço. Neste caso, foi por meio de relatos dos usuários sobre outros aspectos e dos seus
próprios comportamentos, que revelaram o quanto interferem os agentes do conforto ambiental.
O conforto funcional ficou um pouco prejudicado pela avaliação ter sido feita num dia atípico de
movimento normal na rua, pois o comércio já estava fechado, resultando respostas positivas
relacionadas à mobilidade e negativas relacionadas à orientabilidade.
Apesar de algumas dificuldades terem sido encontradas ao longo do trajeto, na escala semântica de
sensações proporcionadas pelo espaço, todas as respostas dos pesquisados foram positivas,
relacionadas aos adjetivos limpo, bonito, amigável, confortável, privado.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A versão atual da cartilha gera interpretações equivocadas, proporcionando aplicação pouco eficiente.
Observou-se que o atendimento a Cartilha do Programa Passeio Livre e à NBR 9050 não é suficiente
para proporcionar segurança no percurso de uma calçada. Há necessidade de orientações mais claras,
com a clara identificação dos propósitos tanto para os projetistas quanto para a sociedade em geral.
Evidencia-se a necessidade de um passo à frente das atuais orientações no sentido de aguçar a
consciência, a sensibilidade e a criatividade do projetista para os projetos inclusivos, e no caso do
estudo, das calçadas e acessos em geral.
A sinalização tátil de alerta, indicada pela NBR 9050 e pela Cartilha do Programa Passeio Livre em
rampas com largura de 0,25 a 0,50m e afastada 0,50m do término da mesma, não foi eficiente na
situação avaliada: caso a sinalização estivesse antes do início da rampa, como também indicado pelo
NBR 9050, teria sido evitada a insegurança presenciada. No caso de uma reforma é necessário que
ocorra a integração das diferentes esferas envolvidas de forma a viabilizar soluções verdadeiras; no
trajeto específico estudado as tampas de inspeção das concessionárias não foram realocadas da faixa
de passeio livre, gerando problemas de leitura tátil do piso e de segurança.
A avaliação comportamental revelou a forte interação entre o comportamento das pessoas com o meio
físico, enfatizando a relação com as informações e legibilidade transmitidas ou sinalizadas pelo
ambiente que, na situação das pessoas com deficiência, é diretamente proporcional à inclusão que se
busca. Os resultados trabalho dão margem à outras avaliações por parte de profissionais de diferentes
áreas como psicólogos, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos, pedagogos, entre outros, que podem
ser associadas ao projeto de arquitetura. A possibilidade de análise mais aprofundada proveniente da
integração dessas avaliações especializadas reforça que os trabalhos com este olhar devem realizar-se
com o envolvimento de uma equipe multidisciplinar. Neste tipo de avaliação o pesquisador deve estar
envolvido e ter sensibilidade treinada para poder fazer uma avaliação holística das interações técnicas,
psicológicas, comportamentais e ambientais.
Os resultados confirmaram que o surdocego precisa de referenciais táteis mais eficazes para sua
orientação e que cartilhas e normas são as primeiras iniciativas nesse sentido, mas não são suficientes
para a correta adaptação ambiental urbana à mobilidade. Também indicaram a importância de se fazer
uma avaliação ampla do ambiente, com equipes multi e transdisciplinares.
Sob o ponto de vista de mobilidade urbana de maneira geral, por melhor que seja a mobilidade do
surdocego na calçada, sua orientabilidade fica comprometida, para os lugares que não se conhece.
Neste sentido, recomenda-se a existência de uma pista do tipo mapa tátil, localizado em cada esquina,
contendo informações sobre o nome da rua, número dos lotes da quadra, edificações significativas, etc.
É claro que atender à enorme gama de diversidades das pessoas nem sempre gera um espaço único
onde todos sejam contemplados em suas necessidades, porém é recomendável uma maior atenção às
questões sensoriais no projeto para incluir o maior número possível de pessoas de forma segura e
autônoma.
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