consumo da ásia igual ao dos eua tornará a região inviável

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consumo da ásia igual ao dos eua tornará a região inviável
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O ESTADO DE S. PAULO
DOMINGO, 16 DE OUTUBRO DE 2011
Entrevista ✽
● Quem
Vida A29
é
Malaio de origem indiana, leciona
na Universidade de Ciência e Tecnologia
de Hong Kong e dirige o Instituto Global para o Amanhã
Chandran Nair
CARLOS BARRIA/REUTERS–20/4/2011
Veto. Chinesa fala ao celular durante feira de carros de luxo em Xangai: ‘É impossível falar em desenvolvimento sustentável com 3,5 bilhões de asiáticos consumindo como os países ricos’
‘CONSUMO DA ÁSIA IGUAL
AO DOS EUA TORNARÁ
A REGIÃO INVIÁVEL’
Especialista propõe restrições, do uso de carros ao de energia, para evitar ‘catástrofe’
INDIANNEWSLINK
Cláudia Trevisan
CORRESPONDENTE / PEQUIM
s asiáticos não podem ter o sonho de
consumo americano
e devem trilhar um
caminho muito mais
frugal se quiserem
ter um modelo de desenvolvimento
sustentável, defende Chandran
Nair, fundador do Global Institute
for Tomorrow, de Hong Kong, e autor do livro Consumptionomics –
Asia’s Role in Reshaping Capitalism
and Saving the Planet (Consumptionomics: O Papel da Ásia na Reformulação do Capitalismo e Salvação do Planeta, em tradução livre).
Para isso, ele defende governos fortes, que imponham restrições à propriedade ou ao uso de uma série de
bens, de carros ao tamanho das casas, passando por energia e consumo
de determinados tipos de alimentos.
O que define os limites para a região é seu grande número de pessoas. “A população atual da Ásia é
de 3,5 bilhões de pessoas, mas só
500 milhões estão na periferia do
consumo. Se a maioria dos asiáticos
começar a consumir como americanos, você pode imaginar o que vai
ocorrer?”, pergunta Nair, que nasceu na Malásia, é filho de pais indianos e hoje vive em Hong Kong. A seguir, os principais trechos da entrevista ao Estado.
O
● Quão sustentável é a emergência
do consumo na Ásia?
O ponto principal do meu livro é
que se, nos próximos 50 anos, 5 bilhões de asiáticos aspirarem consumir como americanos, isso terá efeitos catastróficos. Nós temos de parar agora, porque a maioria da população vai sofrer, especialmente os
que vivem em comunidades pobres.
Na Ásia, nós temos a responsabilida-
nos de carros, por exemplo, compram
veículos sem pagar o seu preço real. Se
colocarmos as emissões, energia e recursos, o preço de um carro deveria ser
muito mais alto. Os carros andam em estradas e os donos de carros não pagam
pela construção dessas estradas. O governo simplesmente pega dinheiro dos
contribuintes. É possível ter um modelo
apropriado de preços e taxas sobre o
uso de veículos e usar a arrecadação na
construção de transporte público. Outro exemplo é a pesca. Nossos oceanos
estão vazios. Ninguém paga pelo direito
de pescar, não há nenhum controle.
● Mas os que estão saindo da pobreza
na Ásia sonham o “sonho americano”.
Chandran Nair. ‘Não podemos comer iPads, precisamos de alimentos’
de de criar um modelo diferente do baseado na ideia de que podemos consumir tudo e deliberadamente não cobrarmos o preço adequado pelo uso de
recursos naturais. Questões como uso
da água e da terra, a destruição de florestas, a emissão de gases poluentes,
tudo isso deveria se refletir no preço
dos produtos que consumimos. Primeiro, nós temos de começar a precificar
as coisas de maneira correta para proteger os recursos naturais.
● Mas se o preço dos recursos naturais,
como a água, subir, isso não terá um efeito
negativo sobre a população mais pobre?
Não, pode ser exatamente o oposto.
O preço deve ser diferenciado para atividades como uso doméstico, agrícola,
industrial, etc. Se você começar a pegar
água de um rio para uso industrial sem
pagar um preço adequado, a população
ribeirinha pobre será afetada, pois não
será mais dona da água. Se os governos
da Ásia não fizerem isso, os pobres não
vão ficar sentados por muito tempo – e
eles são a maioria. As condições estão
● Desafio
“Temos a responsabilidade de
criar, na Ásia, um modelo
diferente do baseado na ideia
de que podemos consumir tudo
sem cobrar o preço adequado
pelo uso de recursos naturais.”
piorando. Eu estive na Índia na semana
retrasada e vi isso em todos os lugares.
É um problema, porque nada é precificado de maneira apropriada.
● É um modelo que leva à exaustão de
recursos?
Sim, porque criamos um mundo econômico no qual podemos pegar tudo
de graça. Nós acreditamos que, se pegarmos tudo de graça e transformarmos em bens e serviços, todo mundo estará melhor. Mas não podemos comer
computadores e iPads. Precisamos de
alimentos e água todos os dias. Os do-
Eles passaram por uma lavagem cerebral. Nossos governos precisam dizer que não podemos ter isso. A população atual da Ásia é de 3,5 bilhões
de pessoas, mas só 500 milhões estão na periferia do consumo. Se a
maioria dos asiáticos começar a consumir como americanos, você pode
imaginar o que vai ocorrer? Nós nunca chegaremos ao ponto em que a
Ásia possa viver como a América. Na
metade do caminho nós encontraremos a catástrofe. Os que forem deixados para trás serão deixados em condições muito ruins e isso criará imensos deslocamentos sociais. Os EUA e
a Europa nunca enfrentaram esse tipo de possibilidade em sua história,
porque eles têm populações pequenas e controlavam todos os demais.
Esse não é um discurso anticolonialista, mas eles tiveram acesso a recursos por séculos. Agora nós temos um
problema diferente, porque somos
muitos e temos poucos recursos.
Nosso foco deve ser como usá-los
lentamente e com cuidado.
● De um ponto de vista moral, é legítimo
restringir o consumo dos asiáticos e não
o dos norte-americanos e europeus?
Essa é a questão chave do meu livro.
Minha visão é a de que não é possível limitar os americanos porque
seu governo é fraco. Além disso, as
democracias estão paralisadas por
causa dos curtos ciclos eleitorais,
que fazem com que os políticos não
adotem medidas duras para questões de longo prazo. Outra razão pela qual o Ocidente não vai fazer isso
é que é muito difícil dizer às pessoas que têm que elas precisam ter
menos. Na Ásia, não é uma questão
moral as pessoas terem menos, porque a minoria que hoje tem está privando a vasta maioria de ter, e a disputa política ficará mais intensa. Há
uma oportunidade de encontrarmos uma nova direção e, para isso,
os governos precisam ser duros.
● Que tipo de medidas os governos
asiáticos deveriam adotar?
Precificar corretamente os recursos
naturais. E proibir determinadas coisas. Os governos sempre intervieram, mas, nas últimas duas ou três
décadas, a noção liberal, especialmente americana, de que se pode
ter tudo, passou a imperar nesta parte do mundo também. Mas os governos dizem que é proibido beber e dirigir, fumar em locais fechados ou
matar elefantes. Portanto, é preciso
ter restrições, por exemplo, em relação ao uso de certos produtos químicos, à propriedade de carros, ao
consumo de determinados peixes,
ao tamanho de casas, ao tipo de
energia que se pode usar, todo o tipo de coisas que podem afetar a sustentabilidade. É necessário usar mecanismos de preço, instrumentos
econômicos e proibições para definir o que é proibido.
● O que acontecerá se os asiáticos
perseguirem o sonho americano?
Atualmente, 350 milhões de americanos comem 9 bilhões de aves todos os anos. Na Ásia, 3,5 bilhões
de pessoas consomem 16 bilhões
de aves. Se em 2050 os asiáticos
comerem a mesma quantidade per
capita que os americanos, eles consumirão 120 bilhões de aves. A China é o maior mercado automobilístico do mundo, mas tem apenas
150 carros para cada mil habitantes. Nos países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), a relação é de
750 por mil habitantes. Na Índia,
são apenas 35. Se os chineses e indianos tivessem o mesmo padrão
da OCDE, a Ásia teria 2 bilhões de
carros. Isso é insustentável, e não
apenas porque agrava a poluição.
De onde virá a energia para movimentar esses carros? Mas nós fingimos que, de alguma maneira, os
seres humanos podem encontrar
uma solução. O problema é que estamos em águas nunca antes navegadas em termos da relação entre
engenho humano e população. E
os números são assustadores.