Parem de ajudar a África

Transcrição

Parem de ajudar a África
COLÉGIO JOÃO PAULO I
UNIDADE SUL
Geografia/Redação – 8ª
"Pelo amor de Deus, parem de ajudar a
África!"
Por Fuser, 13/07/2005.
Thilo Thielke, Em Hamburgo.
"Pelo amor de Deus, parem de ajudar a África!", afirma
economista do Quênia. Especialista explica que a ajuda
internacional alimenta a corrupção e impede que a economia
se desenvolva, o que destrói a produção agrícola e causa
desemprego, mais miséria e mais dependência.
O especialista em economia James Shikwati, 35, do Quênia,
diz que a ajuda à África é mais prejudicial que benéfica. O
entusiástico defensor da globalização falou com a SPIEGEL
sobre os efeitos desastrosos da política de desenvolvimento
ocidental na África, sobre governantes corruptos e a
tendência a exagerar o problema da Aids.
DER SPIEGEL - Senhor Shikwati, a cúpula do G8 em
Gleneagles deverá aumentar a ajuda ao desenvolvimento da
África...
James Shikwati - Pelo amor de Deus, parem com isso!
DS - Parar? Os países industrializados do Ocidente querem
eliminar a fome e a pobreza.
Shikwati - Essas intenções estão prejudicando nosso
continente nos últimos 40 anos. Se os países industrializados
realmente querem ajudar os africanos, deveriam finalmente
cancelar essa terrível ajuda. Os países que receberam mais
ajuda ao desenvolvimento também são os que estão em pior
situação. Apesar dos bilhões que foram despejados na África,
o continente continua pobre.
DS - O senhor tem uma explicação para esse paradoxo?
Shikwati - Burocracias enormes são financiadas (com o
dinheiro da ajuda), a corrupção e a complacência são
promovidas, os africanos aprendem a ser mendigos, e não
independentes. Além disso, a ajuda ao desenvolvimento
enfraquece os mercados locais em toda parte e mina o
espírito empreendedor de que tanto precisamos. Por mais
absurdo que possa parecer, a ajuda ao desenvolvimento é
uma das causas dos problemas da África. Se o Ocidente
cancelasse esses pagamentos, os africanos comuns nem
sequer perceberiam. Somente os funcionários públicos
seriam duramente atingidos. E é por isso que eles afirmam
que o mundo pararia de girar sem essa ajuda ao
desenvolvimento.
DS - Mesmo em um país como o Quênia pessoas morrem de
fome todos os anos. Alguém precisa ajudá-las.
Shikwati - Mas são os próprios quenianos quem deveria
ajudar essas pessoas. Quando há uma seca em uma região
do Quênia, nossos políticos corruptos imediatamente pedem
mais ajuda. O pedido chega ao Programa Mundial de
Alimentação da ONU --que é uma agência maciça de
"apparatchiks" que estão na situação absurda de, por um
lado, dedicar-se à luta contra a fome, e por outro enfrentar o
desemprego onde a fome é eliminada. É muito natural que
eles aceitem de bom grado o pedido de mais ajuda. E não é
raro que peçam um pouco mais de dinheiro do que o governo
africano solicitou originalmente. Então eles enviam esse
pedido a seu quartel-general, e em pouco tempo milhares de
toneladas de milho são embarcadas para a África...
DS - Milho que vem predominantemente de agricultores
europeus e americanos altamente subsidiados...
Shikwati - ... e em algum momento esse milho acaba no porto
de Mombasa. Uma parte do milho em geral vai diretamente
para as mãos de políticos inescrupulosos, que então o
distribuem em sua própria tribo para ajudar sua próxima
campanha eleitoral. Outra parte da carga termina no mercado
negro, onde o milho é vendido a preços extremamente
baixos. Os agricultores locais também podem guardar seus
arados; ninguém consegue concorrer com o programa de
alimentação da ONU. E como os agricultores cedem diante
dessa pressão o Quênia não terá reservas a que recorrer se
houver uma fome no próximo ano. É um ciclo simples mas
fatal.
DS - Se o Programa Mundial de Alimentação não fizesse
nada, as pessoas morreriam de fome.
Shikwati - Eu não acredito nisso. Nesse caso, os quenianos,
para variar, seriam obrigados a iniciar relações comerciais
com Uganda ou Tanzânia, e comprar alimento deles. Esse
tipo de comércio é vital para a África. Ele nos obrigaria a
melhorar nossa infra-estrutura, enquanto tornaria mais
permeáveis as fronteiras nacionais --traçadas pelos
europeus, aliás. Também nos obrigaria a estabelecer leis
favorecendo a economia de mercado.
DS - A África seria realmente capaz de solucionar esses
problemas por conta própria?
Shikwati - É claro. A fome não deveria ser um problema na
maioria dos países ao sul do Saara. Além disso, existem
vastos recursos naturais: petróleo, ouro, diamantes. A África
é sempre retratada como um continente de sofrimento, mas a
maior parte dos números é enormemente exagerada. Nos
países industrializados existe a sensação de que a África
naufragaria sem a ajuda ao desenvolvimento. Mas, acrediteme, a África já existia antes de vocês europeus aparecerem.
E não fizemos tudo isso com pobreza.
DS - Mas naquela época não existia a Aids.
Shikwati - Se acreditássemos em todos os relatórios
horripilantes, todos os quenianos deveriam estar mortos hoje.
Mas agora os testes estão sendo realizados em toda parte, e
acontece que os números foram enormemente exagerados.
Não são 3 milhões de quenianos que estão infectados. De
repente eram apenas cerca de um milhão. A malária é um
problema equivalente, mas as pessoas raramente falam
disso.
DS - E por quê?
Shikwati - A Aids é um grande negócio, talvez o maior
negócio da África. Não há nada capaz de gerar tanto dinheiro
de ajuda quanto números chocantes sobre a Aids. A Aids é
uma doença política aqui, e deveríamos ser muito céticos.
DS - Os americanos e europeus têm fundos congelados já
prometidos para o Quênia. O país é corrupto demais,
segundo eles.
Shikwati - Temo, porém, que esse dinheiro ainda será
transferido em breve. Afinal, ele tem de ir para algum lugar.
Infelizmente, a necessidade devastadora dos europeus de
fazer o bem não pode mais ser contida pela razão. Não faz
qualquer sentido que logo depois da eleição do novo governo
queniano --uma mudança de liderança que pôs fim à ditadura
de Daniel Arap Mois--, de repente as torneiras se abriram e o
dinheiro verteu para o país.
DS - Mas essa ajuda geralmente se destina a objetivos
específicos.
Shikwati - Isso não muda nada. Milhões de dólares
destinados ao combate à Aids ainda estão guardados em
contas bancárias no Quênia e não foram gastos. Nossos
políticos ficaram repletos de dinheiro, e tentam desviar o
máximo possível. O falecido tirano da República Centro
Africana, Jean Bedel Bokassa, resumiu cinicamente tudo isso
dizendo: "O governo francês paga por tudo em nosso país.
Nós pedimos dinheiro aos franceses, o recebemos e então o
gastamos".
DS - No Ocidente há muitos cidadãos compassivos que
querem ajudar a África. Todo ano eles doam dinheiro e
mandam roupas usadas em sacolas...
Shikwati - ... e então inundam nossos mercados com essas
coisas. Nós podemos comprar barato essas roupas doadas
nos chamados mercados Mitumba. Há alemães que gastam
alguns dólares para comprar agasalhos usados do Bayern
Munich ou do Werder Bremen. Em outras palavras, roupas
que algum garoto alemão mandou para a África por uma boa
causa. Depois de comprar esses agasalhos, eles os leiloam
na eBay e os mandam de volta à Alemanha -- pelo triplo do
preço. Isso é loucura!
DS - ... e esperamos que seja uma exceção.
Shikwati - Por que recebemos essas montanhas de roupas?
Ninguém passa frio aqui. Em vez disso, nossos costureiros
perdem seu ganha-pão. Eles estão na mesma situação que
nossos agricultores. Ninguém no mundo de baixos salários
da África pode ser eficiente o bastante para acompanhar o
ritmo de produtos doados. Em 1997 havia 137 mil
trabalhadores empregados na indústria têxtil da Nigéria. Em
2003 o número tinha caído para 57 mil. Os resultados são
iguais em todas as outras regiões onde o excesso de ajuda e
os frágeis mercados africanos entram em colisão.
DS - Depois da Segunda Guerra Mundial a Alemanha só
conseguiu se reerguer porque os americanos despejaram
dinheiro no país através do Plano Marshall. Isso não se
qualificaria como uma ajuda ao desenvolvimento bemsucedida?
Shikwati - No caso da Alemanha, somente a infra-estrutura
destruída tinha de ser reparada. Apesar da crise econômica
da República de Weimar, a Alemanha era um país altamente
industrializado antes da guerra. Os prejuízos criados pelo
tsunami na Tailândia também podem ser consertados com
um pouco de dinheiro e alguma ajuda à reconstrução. A
África, porém, precisa dar os primeiros passos na
modernidade por conta própria. Deve haver uma mudança de
mentalidade. Temos de parar de nos considerar mendigos.
Hoje em dia os africanos só se vêem como vítimas. Por outro
lado, ninguém pode realmente imaginar um africano como um
homem de negócios. Para mudar a situação atual, seria útil
se as organizações de ajuda saíssem.
DS - Se fizessem isso, muitos empregos seriam perdidos
imediatamente.
Shikwati - Empregos que foram criados artificialmente, para
começar, e que distorcem a realidade. Os empregos nas
organizações estrangeiras de ajuda são muito apreciados, é
claro, e elas podem ser muito seletivas na escolha das
melhores pessoas. Quando uma organização de ajuda
precisa de um motorista, dezenas de pessoas se candidatam.
E como é inaceitável que o motorista só fale sua língua tribal,
o candidato também deve falar inglês fluentemente --e, de
preferência, ter boas maneiras. Então você acaba com um
bioquímico africano dirigindo o carro de um funcionário da
ajuda, distribuindo comida européia e forçando os
agricultores locais a deixar seu trabalho. É simplesmente
loucura!
DS - O governo alemão se orgulha exatamente de monitorar
os receptores de suas verbas.
Shikwati - E qual é o resultado? Um desastre. O governo
alemão jogou dinheiro diretamente para o presidente de
Ruanda, Paul Kagame, um homem que tem na consciência a
morte de um milhão de pessoas --que seu exército matou no
país vizinho, o Congo.
DS - O que os alemães deveriam fazer?
Shikwati - Se eles realmente querem combater a pobreza,
deveriam parar totalmente a ajuda ao desenvolvimento e dar
à África a oportunidade de garantir sua sobrevivência.
Atualmente a África é como uma criança que chora
imediatamente para que a babá venha quando há algo
errado. A África deveria se erguer sobre os próprios pés.