AMERICANA DO SÉCULO XIX Adriana Carvalho - Assis

Transcrição

AMERICANA DO SÉCULO XIX Adriana Carvalho - Assis
X SEL – Seminário de Estudos Literários
UNESP – Campus de Assis
ISSN: 2179-4871
www.assis.unesp.br/sel
[email protected]
FALLEN WOMAM: AS PERSONAGENS PROSTITUTAS NA TENEMENT FICTION NORTEAMERICANA DO SÉCULO XIX
Adriana Carvalho Conde (Doutoranda – UNESP/Assis)
She is more to be pitied than censured,
She is more to be helped than despised,[...]
William B. Gray, 1898
No final do século XIX e início do século XX, as personagens prostitutas ganham voz
na literatura dos Estados Unidos, especificamente nas obras de autores da ficção urbana, da
chamada Tenement Fiction ou Slum Fiction, que trata da vida da classe miserável de Nova York.
Nesse período os escritores começaram a descrever a prostituta dando-lhe um lugar de
destaque ao fazê-las protagonizar as histórias.
Um grupo de novelistas desse período merece destaque, entre eles, Joaquim Miller,
Edgar Fqwcett, Sephen Crane, Harold Frederic, Reginald Wrightkauffman, David Grahan Phillips,
pois colocaram a prostituta no centro da história como anti-heroína ou até mesmo como a própria
heroína.
Diferentemente dos outros escritores da época, Edgar Fawcett e Stephen Crane
traduzem a nova realidade social imposta pelo desenvolvimento industrial da metrópole, bem
como o crescimento da chamada “classe perigosa”, referindo-se à classe trabalhadora, à qual as
heroínas aqui tratadas pertencem. As histórias de The Evil That Men Do e Maggie: A Girl Of The
Streets são modeladas pelo naturalismo, cuja ideia principal é baseada nos conceitos de meio
ambiente, destino, e sobrevivência. Os personagens que povoam os romances aqui referidos
são moradores dos cortiços do subúrbio de Nova York e são caracterizados como vilões,
alcoólatras, prostitutas, uma grande massa de miseráveis, de pessoas degradadas pelo
ambiente.
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Os romances foram selecionados, pois pertencem a esse movimento artístico, literário,
também conhecido por Slum Fiction, os quais abordam como tema a vida de duas mulheres de
classe baixa e o drama de quem vive sob as pressões da miséria e da luta pela sobrevivência
em um meio ambiente urbano e hostil.
Eles fizeram da prostituta um assunto literário sério, que merecia atenção, o que
decepcionou os leitores na época, pois a heroína era o oposto do esperado, já que a
personagem protagonista apresentada é uma prostituta, na época o “grande mal social” e não
uma mulher dócil e submissa, representadas nos romances de períodos anteriores. Segundo
Laura Hapke (1985, p.2) “they made the prostitute the subject of serious literature attention: a
woman constantly threatened by entrapment, economic exploitation, and her own naiveté and
vulnerability”.
Esse estudo é sobre o olhar masculino a respeito da prostituição. The Evil That Men
Do (1889) é mencionado como precursor de Maggie: a Girl Of The Streets, de Stephen Crane
(1893) em cujas obras a graça sedutora da heroína burguesa cede lugar à prostituta de rua,
personagens marginais que assumem duas faces: a da prostituição e o fato de serem mulheres
que sofrem as pressões de uma sociedade burguesa e patriarcal que depende do silenciamento
do outro para funcionar. As personagens prostitutas são perturbadoras, pois lançam dúvidas
sobre o conceito de feminilidade da época, em que a heroína deveria ser caracterizada como
uma mulher doméstica.
Os traços psicológicos da nova mulher trabalhadora encontram-se nas personagens
desses autores que fogem ao modelo convencional de heroínas, apresentadas anteriormente
como a heroína dócil e resignada, passiva e melancólica, substituída pela mulher sedutora, cuja
satisfação sexual confronta-se com a moral vitoriana vigente. Esses autores ao explorar um tema
tão delicado, inevitavelmente se chocaram com os conflituosos conceitos Vitorianos sobre a
sexualidade feminina. Sobre a moral vitoriana e as ideias sobre a prostituição, Nickie Roberts
(1998, p.237) afirma que:
Na verdade, a prostituta, segundo estes atributos, estava tão longe do ideal vitoriano da
mulher frágil, despersonalizada e passiva quanto seria possível se chegar [...] cada termo
de abuso era usado para definir o outro: “pobreza de espírito”, “degeneração”, “imoralidade”
– “prostituição”. O resultado final era estabelecer um círculo vicioso de definições que
aprisionavam a prostituta em um status proscrito quanto o destino. A partir de agora ela
seria a Outra: para sempre separada da tribo superior dos seres morais que a julgavam.
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Nos trabalhos desses autores as prostitutas aparecem ou enlouquecidas ou
alcoolizadas, vítimas da sedução e traumatizadas pela rejeição masculina. Também de alguma
forma morrem no final. Cora é assassinada por Owen, “the angel of mercy”.. Fawcett elege a
prostituta urbana atormentada como heroína da história e Crane escolhe uma garota, nascida na
região da rua Bowery, reduto da mais degradante espécie de gente. David Fine (1973, p.101) ao
se referir às características das personagens prostitutas na história afirma que a heroína
representa a “innocence is destroyed by the disease of poverty and the moral vacuity that
surrounds her”.
A cidade de Nova York é vista como um símbolo da destruição. As mudanças
econômicas advindas da industrialização, da imigração dos povos, tais como irlandeses,
alemães, chineses e a abolição da escravidão, transformam a cidade de Nova York em um
“Caldron of hell”. No imaginário popular do século XIX, a cidade era tida mais como um símbolo
da destruição moral – “o mal moral” e as mulheres do interior, corrompidas pela vida urbana,
eram penalizadas por viverem na metrópole. A obra de Fawcett tenta providenciar uma lição de
que a cidade era “o lar da perdição” (home of damned).
Identificar os fatores que determinam ou contribuem para a ocorrência da exclusão
social da mulher, aprofundando o conhecimento da nossa realidade, resulta na reflexão sobre o
poder que exclui as pessoas, e a dificuldade das mulheres em se integrar socialmente numa
época de conotações específicas. A proposta deste trabalho de investigação é que venha
complementar e servir de base para dar continuidade a trabalhos posteriores, sobretudo a
respeito da representação da mulher na slum fiction norte-americana do século XIX.
Analisar as representações dessas mulheres marginais na literatura social de NY do
século XIX e esclarecer estereótipos femininos criados nos remete a histórias de degradação
moral e física, indicando certa fragilidade feminina em relação ao meio social que a circunda e
em relação aos outros. Há uma vitimização da mulher pobre, que se torna prostituta, pois cede
às pressões do meio. Sobre isso a crítica feminista Elaine Showalter afirma que, “sendo que à
representação da mulher como incapaz e impotente, subjaz uma conotação positiva; a
independência feminina vislumbrada na megera e na adúltera remete à rejeição e à antipatia”
(SHOWALTER, 1994, p.226).
As personagens protagonistas são representadas como se fossem intelectualmente e
moralmente inferiores e incapazes de se emancipar. Apesar de serem mulheres prostitutas e
estarem no centro da história, a representação da mulher na Tenement Fiction norte-americana
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acentua o aspecto frágil e ingênuo das personagens, tal como ilustra Crane (1889, p.7) ao
descrever a personagem Maggie como: “a small ragged girl dragged a red, bawling infant along
the crowded ways” e ao apresentá-la como se fosse intelectualmente inferior, quando acredita
que os bonecos de um ventríloquo possam falar (CRANE, 1896, p.27):
A ventriloquist followed the dancer. He held two fantastic dolls on his knees. He made them
sing mournful ditties and say funny things about geography and Ireland. – Do dose little men
talk? Asked Maggie. – Naw, said Pete, it’s some damn fake. See?
Nota-se que Maggie assume uma posição inferior ao personagem masculino Pete –
bartender, parceiro de Maggie – (CRANE, 1896, p.23):
His mannerisms stamped him as a man who had a correct sense of his personal
superiority[...]Maggie thought he must be a very elegant and graceful bartender [...] Here
was a formidable man who disdained the strenght of a world full fists. Here was one who
had contempt for brass-clothed power; one whose knuckles could defiantly ring against the
granite of law. he was a Knight.
Maggie e Cora são garotas que desiludidas pelo amor idealizado, pela pouca
providência institucional, buscam refúgio nas ruas e sobrevivem sendo prostitutas. São rejeitadas
por todos e tem problemas profundos com a auto-estima, denegrindo a própria imagem em
relação aos homens e aos outros. Zolin (2009, p.222) enfatiza que:
[...] personagens femininas, tradicionalmente construídas como submissas, dependentes,
econômica e psicologicamente do homem, reduplicando o estereótipo patriarcal, passam,
paulatinamente, a ser engendradas como sendo conscientes de sua condição de
inferioridade e como capazes de empreender mudanças em relação a esse estado de
objetificação.
A vida das mulheres foi afetada pelas grandes transformações econômicas ocorridas
no século XIX. Houve o desenvolvimento das grandes cidades, a ruína dos camponeses que
fizeram surgir uma nova classe social: a classe trabalhadora.
Os processos que se deram com as mudanças, tais como o fluxo de camponeses para
as cidades, e a formação de uma classe trabalhadora espalhou “a miséria assustadora em que a
classe trabalhadora se afundou nas cidades no século XVIII; as condições de vida deterioram-se
em uma proporção alarmante e acrescenta que “no século XIX havia mais mulheres operárias
como prostitutas do que jamais antes”. (ROBERTS, 1998, p.226-231). Muitas prostitutas vinham
de lares fragmentados e, segundo a autora, as garotas operárias usavam a prostituição, para
fugir de famílias onde enfrentavam abuso sexual, violência, alcoolismo dos pais ou outros tipos
de opressão e infortúnio.
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The Evil That Men Do inicia com uma descrição da vida de Cora Strang, “a delicate
blush-rose in the midst of mirk and solilure” (FAWCETT, 1889, p, 9) uma órfã do interior que
recentemente veio a Nova York. Ele descreve o mundo de Cora, desde a sua jornada de
trabalho, até o quanto ganhava para pagar o aluguel de um quarto no cortiço de Mrs. Slaterry.
Descreve também as relações conflituosas com Owen (filho da proprietária do cortiço). Fawcett
descreve a moradia os “tenements”, onde moravam as mulheres operárias como um ambiente
de pobreza e miséria, percebido por Fawcett como um “caldron-hell broth” em que os contornos
morais são caóticos.
Ao representar as prostitutas, Fawcett o faz como se elas fossem pessoas
ameaçadoras e bestiais. Quando descreve duas delas sugere que elas se tornaram animais
insensíveis. Elas gritam palavras profanas e seu comportamento as transforma em criaturas
”aflame with wrath, muttering and glowering (FAWCETT, 1889, p.14). A violência delas provém
de suas animalidades. Num devaneio provocado pela bebedeira, as duas prostitutas narram
histórias do passado em eu os homens as rejeitaram, indicando que o mesmo poderia e iria
acontecer com Cora no futuro.
Fawcett induz pensar que Cora poderia ser corrompida pelo convívio diário com os que
a rodeavam, sem que pudesse agir, marcando o romance com o determinismo próprio do
Naturalismo.
Cora reconhece e tem medo de se tornar uma prostituta. Ela é segura de sua
castidade e se penaliza com as “poor creatures” que avista pelos becos da Bowery. Reconhece
também que ela nunca poderia ser como elas, mas foi forçada a isso. “God somehow keeps me
straight (FAWCETT, 1889, p.18). Cora descarta vários sedutores, incluindo seu chefe
galanteador que chega a chamá-la de “a little trump of virtue”.Ela se esquiva das investidas e
Casper Drummond, um boêmio, proveniente da classe média que a seduz oferecendo-lhe seu
dinheiro, e por quem Cora alimenta uma esperança de ser seu futuro guardião e salvador.
Cora, inicialmente, exemplifica a ideologia vitoriana sobre a mulher. A prostituição dela
se dá naturalmente, sugerindo que sua prostituição é uma adaptação ao ambiente miserável.
Nos primeiros momentos ela é a personificação da virtude, porém se torna a mais baixa classe
das prostitutas, a “streetwalker”, a qual simboliza os vícios e a fraqueza feminina diante de um
mundo degradante, exemplificada na seguinte passagem: “The ruin was complete. Every moral
beam and rafter tumbled, every clamp and astanchion gave away...For a time she dwelt in
luxury...( FAWCETT, 1889, p.306-307).
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No entanto, a personagem Cora Strang, em The Evil That Man Do, é retratada por
Fawcett, anos antes de Crane, como uma garota do interior recatada: (naïve), que sucumbe às
influências da vida experimentada nos cortiços e nas ruas da região da Bowery em Nova York.
No romance de Fawcett (1889, p.66) a personagem é apresentada como uma pessoa corajosa,
honesta e resignada. “Oh, I don’t see many fellers, as you call’em. I live quiet – ever so quiet.I’m
workin’ all day, and I’m mostly pretty tired when night comes”, que só após uma longa luta
interna, transforma-se numa prostituta devassa e morre, tal como sugere Fawcett ((FAWCETT,
1889,p.339):
Next morning, in the chill of the winter dawn, two workmen found them lying side by side.
Owen’s face was buried from sight. One of his arms had fallen across Cora’s throat, so
concealing her wound, and by some accident ther was no bloody disfigurement of her
features, which looked almost as placid as though she slept, and to which death had given
back much of her native beauty in tender resuscitation”.
Em Maggie: A Girl of The Streets (1896) Crane tem uma visão clara da força moral
num mundo de degradação e violência, que ocorre com a desumanização de seus habitantes.
Maggie cresce e se forma na Rua Bowery; é produto do meio social, da família. Cora é garota do
interior que vai para Nova York e começa a se degradar devido às pressões sociais, como o fato
de a mulher emancipada representar um risco para a sociedade burguesa. Irradiada pelo
determinismo sórdido, funde elementos da pobreza, ignorância, intolerância, num contexto
violento e cruel; cria um mundo caótico, de pesadelo, que beira a alucinação e a histeria, ao
contar a história de uma menina que cresce num ambiente imundo e violento, e que em uma
escala descendente, passa de garota simples, romântica, à prostituta de rua, até cometer
suicídio.
Na narrativa desse autor naturalista, há uma “arte da paisagem” representada por um
“moto continum geográfico”, já que em seu romance a cidade de Nova York aparece descrita
minimamente. Suas ruas, saloons, cortiços. O mundo material é apresentado ao leitor.
Crane dá uma explicação sociológica ao romance: o meio ambiente no qual as
pessoas vivem influencia as suas vidas com força suficiente para que estes não consigam
resistir às influências externas. Maggie enfatiza o fato de que crescer nos cortiços delineia a
moral, as crenças e o comportamento das pessoas. Maggie Johnson de Maggie: A Girl Of The
Streets é uma adolescente que cresce entre os abusos e a pobreza, nos bairros do Lower East
Side em Nova Iorque, especificamente na conhecida Rua Bowery, lugar de famosos teatros,
bares e antros de prostituição.
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Maggie é uma “girl of the streets”: indica que a personagem é a mais baixa forma de
prostituta: uma “street walking”. Maggie trata-se de uma gíria em inglês, comum usada para
identificar prostitutas de rua.
A linguagem adotada no romance é a linguagem das ruas, dos guetos, carregada de
violência (go teh hell!, ye damm!). O mundo degradante é descrito em suas minúcias, por isso
Crane é considerado um autor impressionista ao mostrar os detalhes desagradáveis da
existência humana, por meio da representação de um mundo caótico, numa paisagem de
pesadelo, de histeria e de violência. “The broken forniture, grimey walls, and general disorder
and dirt of her home of a sudden appeared before her and began to take a potential aspect.
“(CRANE,1896, p.10)
Maggie cresce em meio às pressões impostas por pais bêbados e violentos. É sempre
amaldiçoada pela mãe Mary Johnson. “Go teh hell” é a expressão que Maggie sempre escuta.
Crane enfatiza os danos causados pelo consumo de álcool entre os habitantes dos cortiços
(tenements). Nesse tempo o alcoolismo acometia as mulheres e se tornava um sério problema.
Por meio de Mary, Crane torna o alcoolismo um importante aspecto de seu romance, do mesmo
modo que Fawcett, ao representar a mulher degradada pelo álcool em Cora Strang.
Mary bebia frequentemente e o resultado disso era a negligência com a família e
consigo mesma e a violência. Tudo isso cria um cenário hostil do qual Maggie gostaria de fugir.
No romance, Maggie é apresentada como a vítima seduzida e traumatizada pela
desilusão. É seduzida por Pete, barman, habitante da mesma região e pertencente à mesma
classe social que Maggie. O inovador em Crane reside no fato dele representar a mulher
prostituta em sua complexidade, o que implicou quebrar paradigmas e estereótipos. Percebemos
uma crítica da situação feminina e uma crítica das relações em meio ambiente turbulento, de
contornos morais peculiares. Crane ao representar a mulher prostituta, faz com que ela exiba um
perfil psicológico mais elaborado. Maggie é descrita como se estivesse perdida, sem segurança
emocional, transformada pela situação em que se encontra. Ela perambula entre o sonho e a
realidade, inconsciente de seu espaço num meio ambiente degradante.
Crane focaliza a oposição entre realidade e fantasia e Maggie representa a visão
irônica do mundo naturalista na Rua Bowery. A inocência da personagem é destruída pela
doença da pobreza e o vazio moral que a circunda. “A girl of the painted cohorts of the city went
along the street. She threw changing glances at men who passed her, giving smiling invitations to
men...” (CRANE, 1896, p.63)
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Maggie se refugia num mundo de ilusão, cuja válvula de escape é a arte, por meio da
qual ela tenta superar a sua situação de abandono. Apesar da crítica inserida na obra dos dois
autores naturalista, a representação da mulher prostituta do século XIX , pensamos que são
representadas segundo a perspectiva masculina de representação feminina que, como declara
Cintia Schwantes (2006, p.8): para escrever romances, “um autor, independente de seu gênero,
precisa criar personagens femininas e essa criação vai derivar do conceito de feminilidade
professado por sua sociedade”(SCHWANTES, 2006, p.9).
Em seu relacionamento com Pete, Maggie adota um mecanismo de defesa, a ilusão, a
fuga da realidade. Maggie possui uma visão distorcida da realidade e de Pete “a golden of sun’
demonstrando dependência da figura masculina, tanto fisicamente, quanto emocionalmente, ao
enxergar nele o seu salvador, aquele que a transportará para fora de sua realidade opressiva.Ao
rejeitar Maggie Pete deflagra um sentimento destrutivo que eventualmente a leva à total ruína,
pois perde a única maneira, que ilusoriamente, a transporia da realidade caótica, já que o ideal
de Maggie, dependia do cavaleiro, o salvador, o homem idealizado para salvá-la, como
observamos neste trecho (CRANE, 1896, p.23):
His mannerisms stamped him as a man who had a correct sense of his personal
superiority[...]Maggie thought he must be a very elegant and graceful bartender [...] Here
was a formidable man who disdained the strenght of a world full fists. Here was one who
had contempt for brass-clothed power; one whose knuckles could defiantly ring against the
granite of law. He was a Knight.
De acordo com Zolin (2009, p.217) “as relações entre casais espelham as relações de
poder entre homem e mulher na sociedade em geral, a esfera privada acaba sendo a extensão
da esfera pública.” Tal pensamento mostra-se relevante ao tentarmos desvendar os aspectos
intrínsecos dessas relações, nos dois romances escritos por autores masculinos.
As histórias trágicas de Maggie e Cora, irradiada pelo determinismo sórdido, funde
elementos da pobreza, ignorância, intolerância, num contexto violento e cruel; cria um mundo
caótico, de pesadelo, que beira a alucinação e a histeria, ao contar a história de uma menina que
cresce num ambiente imundo e violento, e que em uma escala descendente, passa de garota
simples, romântica, à prostituta de rua, até cometer suicídio.
Maggie e Cora são garotas que desiludidas pelo amor idealizado, pela pouca
providência institucional, buscam refúgio nas ruas e sobrevivem sendo prostitutas. São rejeitadas
por todos e tem problemas profundos com a auto-estima, denegrindo a própria imagem em
relação aos homens e aos outros. Zolin (2009, p.222) enfatiza que:
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ANAIS DO X SEL – SEMINÁRIO DE ESTUDOS LITERÁRIOS: “Cultura e Representação”
[...] personagens femininas, tradicionalmente construídas como submissas, dependentes,
econômica e psicologicamente do homem, reduplicando o estereótipo patriarcal, passam,
paulatinamente, a ser engendradas como sendo conscientes de sua condição de
inferioridade e como capazes de empreender mudanças em relação a esse estado de
objetificação.
As heroínas da Tenement fiction engajam-se num processo de autodestruição, na
tentativa de fugir de seu estado de exclusão social, tornando-se rico material para o
desenvolvimento de estudos, orientados pelo anseio de esclarecer o processo narrativo que
aponta para essa deterioração, além de refletir sobre as relações das heroínas, de classes
baixas, e prostitutas de rua.
Num primeiro momento as personagens são apresentadas como garotas inocentes,
românticas, e que buscam a independência. Mas sendo construídas como incapazes, sucumbem
às pressões sociais, tornando-se prostitutas. A solução se dá quando estas morrem no final da
história, recebendo uma espécie de perdão. Em Maggie percebemos essa ocorrência (CRANE,
1896, p.71):
Yeh’ll fergive her, Mary! Yeh’ll fergive yer bad, bad chil! Her life was a curse an’ her dayw
were black an’ yeh’ll fergive yer bad girl? Shes gone where her sins will be judged e termina
com o perdão de Mary, mãe de Maggie Finally her voice came and rose like a scream of
pain. – OH, Yes, I’ll fergive her! I ‘ll fergive her!
O desfecho trágico da heroína poderia ser uma demonstração da existência de uma
perspectiva patriarcal, já que a morte das heroínas, transgressoras das regras ditadas pelos
homens, é ocasionada como uma espécie de redenção e consequente perdão, demonstrado
nessa passagem de The Evil That Men Do, em que Cora Strang é morta (FAWCETT, 1889,
p.341): Owen’s face was buried from side. One of his arms had fallen acrossCora’s
throat...looked almost as placid as though slept, and to which death had given back much of her
native beaty in tender resuscitation.
Sobre o tema da mulher resgatada pela morte, Zolin (2009, p.226) acrescenta que: “[...]
em muitas histórias a mulher transita de menina inocente à prostituta imoral, para posteriormente
regenerar-se, encarnando a mulher anjo, capaz de se sacrificar pelo bem dos que a cercam”.
Essas reflexões indicam um caminho para reflexões sobre a representação da mulher,
estereotipada, cuja construção é fundamentada em sentidos pejorativos, masculinos. Elas
representam a condição da mulher de classe baixa, influenciada pela vida moderna na cidade de
Nova York do início do século XX, podendo assim, fornecer instrumentos para uma leitura
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eficiente da representação feminina naquele contexto, adquirindo conhecimentos novos sobre o
assunto.
Referências bibliográficas
CRANE, STEPHEN. Maggie: a girl of the street. New York: Batam Dell, 2006.
FAWCETT, Edgar. The Evil That Men Do.New York: Belford Company, 1889. Harvard University
Collection Development Departament, Wilderner Library, HCL. Disponível em:
http://pds.lib.harvard.edu. Acesso em: 13 de jan, 2010.
FINE, David M. Abraham Cahan, Stephen Crane and the romantic tenement tale of nineties.In:
American
Studies.v..14,
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1993.Disponível
em:
https://journals.ku.edu/index.php/amerstud/article/view/2389. Acesso em 03/12/2010.
HAPKE, Laura. Girls who went wrong: Prostitutes in American Fiction, 1885-1917.Bowling Green:
Bowling Green State University Popular Press, 1989.Disponível em:http://www.questia.com.
Acesso em: 11 out, 2010.
NEW YORK N FICTION. Books in Which the Scene is Laid Here in Whole Or in Part Opportunities Not Yet Seized. August 13, 1898, Wednesday. Seção: Satudarday Review of Book
and Art, p. B 537. Disponível em: http://query.nytimes.com.Acesso em: 26 jan, 2010.
ROBERTS, Nickie. As prostitutas na História. Trad. Magda Lopes. Rio de Janeiro: Record: Rosa
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SCHWANTES, Cintia. Dilemas da Representação Feminina. Revista do NIESC, v.6,
2006.Disponível em: http://www.revistas.ufg.br/index.php/Opsis/article/viewFile/9308/6400.
Acesso em 03 dez, 2010.
SHOWALTER, Elaine. A crítica feminista no território selvagem. In: HOLLANDA, H.B. de (org).
Tendências e impasses: o feminismo como crítica da cultura. Rio de Janeiro: Rocco, 1994. p. 2357.
ZOLIN, Lúcia Osana. Crítica Feminista: os estudos de gênero e a literatura. In: BONNICI,
Thomas; ZOLIN, Lúcia Osana(orgs.), ed.3. Maringá: Eduen, 2009.
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