Ler Depoimento de António do Carmo Neto
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Ler Depoimento de António do Carmo Neto
Depoimento António do Carmo Neto Secretário-Geral da União de Escritores Angolanos Lisboa, 15 de Junho de 2015 Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa Por ocasião do lançamento da 19.ª edição da Revista Textos & Pretextos Caros presentes A literatura e os estudos literários continuam a ser para todos nós partes de um polissistema que confere ao nosso mundo um ritmo funcional extremamente harmonioso. E não poderia ser outra estrela, se não a da harmonia que nos guia e junta neste importante evento. Quando a Doutora Margarida Reis me contactou, ou nos contactamos, para discutirmos pormenores de um ambicioso projecto, na altura já amadurecido na sua fértil mente, senti-me sinceramente grato. Poderia resumir em três as razões para tamanha alegria. Primeiro porque a presente edição especial da Revista Textos e Pretextos que, pela primeira vez nos seus mais de dez anos de existência, se debruça exclusivamente sobre Angola, o que permite a União dos Escritores Angolanos cumprir com uma das suas várias funções, nomeadamente promover e divulgar a cultura angolana dentro e fora do país através da edição e publicação de obras literárias. Segundo porque essa dedicação é um antecipado bolo de aniversário de Angola e da União dos Escritores Angolanos, que este ano se preparam para comemorar os seus quarenta cacimbos da sua independência e da sua criação respectivamente. Em terceiro lugar, e não menos importante, é que a cada átomo de suspiro reforçamos a nossa cooperação com a Centro de Estudos Comparatistas da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, criando sinergias para mútuas vantagens. Assim, dá até gosto e prazer referir que as linhas de investigação do Centro de Estudos Comparatistas, designadamente a análise comparada das literaturas, artes e culturas, os estudos pós-coloniais, de tradução, de memória, dialogam com algumas funções da instituição que aqui represento, nomeadamente promover os valores 15.Junho.2015 | União de Escritores Angolanos Página 2 culturais nacionais e de todas as conquistas universais, além de fomentar a defesa da cultura angolana como património da Nação e estimular os trabalhos tendentes a aprofundar o estudo das tradições culturais do Povo Angolano. Os leitores poderão compreender, que, tal como referiu a Doutora Margarida Reis no prefácio, Este volume não tem a pretensão de ser antológico ou de retratar exaustivamente as últimas quatro décadas da literatura angolana. Os 50 escritores e os artistas plásticos que aqui colaboram representam a sua singularidade e a sua expressão individual e mostram-nos, através dos vários olhares, Angola nas suas diferentes dimensões”. Portanto, essa décima nona edição da Revista Textos e Pretextos conta com entrevistas aos autores Luandino Vieira, Manuel Rui, Pepetela, José Luís Mendonça, Ondjaki e Carmo Neto e testemunhos algumas das mais influentes personalidades do meio intelectual angolano, tais como Botelho de Vasconcelos, Amélia Dalomba, António Fonseca, Carlos Ferreira,Fragata de Morais, Isabel Ferreira, João Melo, Lopito Feijó, Ana Paula Tavares, entre outros. Os leitores poderão melhor compreender, pela sua leitura, a relação dicotómica Identidade e Literatura, o tema da edição em que intelectuais Angolanos dão corpo. A edição conta ainda com ensaios de Laura Cavalcante Padilha, Manuel Muanza, Pires Laranjeira e Francisco Soares, bem como notas editoriais de Margarida Gil dos Reis, Inocência Mata e Luís Kandjimbo. A Direcção da União dos Escritores Angolanos centrou a carga da bateria do seu telemóvel numa estratégia de edição, divulgação, promoção local e internacional da literatura angolana e de vários títulos literários. Esse conjunto de obrigações vai de encontro a valores definidos pelo Centro de Estudos Comparatistas da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, designadamente orientar e desenvolver as suas actividades em torno de três áreas privilegiadas, a saber: interculturalidade, estudos culturais e literários europeus e intersemioticidade, tendo em conta a inserção cultural e geopolítica da situação portuguesa. Como é nosso apanágio, manifestamos aqui, novamente, o desejo de mantermos uma estreita relação para que as nossas instituições possam seguir o seu ritmo de pesquisa para o bem da literatura. Porque fazemos todos parte do polissistema literário, agradeço mais uma vez a vossa presença e atenção. Obrigado. 15.Junho.2015 | União de Escritores Angolanos Página 3 Recensão Crítica ao autor António do Carmo Neto Secretário-Geral da União de Escritores Angolanos Por Jomo Fortunato Enquanto contista, Carmo Neto distingue-se pelo modo como estrutura o seu texto, referimo-nos à ordem sequencial dos factos narrados, e pela metaforização inesperada das ocorrências. Estas duas características associamse, de forma reiterada, a uma construção estética, marcada pela realidade cultural e línguística angolana, entendida como textos passíveis de serem lidos. O recurso à sátira, nos contos de Carmo Neto, está sempre eivado de uma intencionalidade pedagógica, alertando ao leitor para o enaltecimento e a socialização prática dos bons costumes. O autor transfigura, pela ficção narrativa, a história política e social de Angola, criando personagens, de tipo popular, que se reinventam, representando comportamentos, muitas vezes de feição teatral, de quadros muito característicos da sociedade política angolana: “Completamente desconcertado, enfurecido, segurou-lhe a cabeça com ambas as mãos e começou a partir a cara do mestre Nzoji, o curandeiro. De olhar frio, altivo, chamava-lhe de sacana. É que a televisão já havia anunciado todas as nomeações pró governo e a dele não saiu, mesmo com o curandeiro hospedado em casa”, lê-se no conto “O novo professor” do livro “Degravata”, sua obra paradigmática. Carmo Neto tem afirmado, de forma reiterada, que a sua escrita literária é consequência do cruzamento entre o exercício da advocacia, e a prática do jornalismo, na época em que foi Director Adjunto da “Revista Militar” das Forças Armadas Populares de Libertação de Angola, FAPLA, de 1987 a 1992, tendo sido depois Director da mesma revista, de 1993 a 2002, das Forças Armadas de Angola, FAA. Filho de Francisco António Luís do Carmo e de Teresa João Sebastião da Costa, modista de profissão, António Francisco Luís do Carmo Neto nasceu em Malanje, no dia 16 de Outubro de 1962. Carmo Neto é neto do Soba Cunga do Lau, em Malanje, desaparecido em 1961, depois de preso pela PIDE. O seu pai, um fervoroso e convicto nacionalista angolano, também era conhecido por Chico Cunga ou Chico Bonito, figura notável que alcançou o nível de director na função pública na época colonial, desaparecido em 1975, antes da independência. Advogado e jornalista, Carmo Neto é membro da Ordem dos 15.Junho.2015 | União de Escritores Angolanos Página 4 Advogados de Angola, da União dos Jornalistas Angolanos, e da União dos Escritores Angolanos. Livros Ao longo da sua carreira, Carmo Neto publicou os seguintes livros: “A forja” (1985), um texto preocupado com as aspirações da juventude em tempo de guerra, “Meu réu de colarinho branco” (1988), um livro que, pela sátira, transborda de vivacidade rítmica e estética, “Mahézu” (2000), que exalta a tradição, “Joana Maluca” (2004), considerado pelo autor, “um hino ao amor”, e de “Degravata” (2007), obra emblemática que retoma a sátira, pelo recurso à ironia. Os contos de Carmo Neto integram diversas antologias publicadas quer em Angola, como no estrangeiro, e estão traduzidos em inglês, francês, árabe e espanhol. Embora não sejam, propriamente, escritos biográficos, no sentido formal e conteúdístico do termo, a escrita de Carmo Neto resulta de um processo de intelectualização da memória, sobretudo das vivências mais marcantes da infância à vida adulta, reutilizando o conto para narrar, com subtileza, o pitoresco e o emotivo do quotidiano, descrevendo, muitas vezes com humor, o tipo psicológico das suas personagens. Respeitando a tradição, Carmo Neto termina sempre os seus textos com a expressão, “Mahézu, Ngana”, uma expressão em língua nacional kimbundu. O autor explica: “Em determinadas regiões de Malanje, as populações, antes do bom dia, boa tarde ou boa noite fazem um relato breve de algum acontecimento ou ocorrência, actual ou não, e no fim do pronunciamento, em jeito de saudação, dizem “Mahézu Ngana”! Depoimento António Quino, Professor de Literatura Angolana do ISCED, fez o seguinte depoimento sobre a escrita de Carmo Neto: “Quem conhece e lida com o Carmo Neto percebe que contar estórias é, para ele, um acto de diálogo permanente com a própria socialidade, transportando-nos para um determinado espaço de plasticidade bem vizinho do real. Portanto, leva o leitor ao local da estória. Outra particularidade em Carmo Neto, é um contista que, com humor e um fugidio senso moralista, usa conjuntamente o coração e a intuição, além da sua experiência e vivências, nos faz viajar para o imaginário mundo do passado de quem o ouve, dando voz a personagens opacas e lembrando utentes de velhas profissões marginais com virtuosas saudades. Nesse provocado recuo prenhe de melancolia, onde os nossos heróis de carne, osso e fraquezas, ressoam em nós com eloquência e venturosas paixões, pomo-nos com o escritor a reescrever, sem querer, estórias perpendiculares à nossa própria história”. 15.Junho.2015 | União de Escritores Angolanos Página 5 Mandato O mandato de Carmo Neto, enquanto Secretário Geral da União dos Escritores Angolanos, tem sido caracterizado pela edição de novos títulos bibliográficos, no domínio da poesia e da ficção narrativa e pela pertinência dos temas, em debate, nas sessões das “Makas à quarta-feira”, no âmbito das actividades culturais. A optimização das estratégias de internacionalização da literatura angolana, tem sido caracterizada pela tradução de obras referenciais da literatura angolana, e o lançamento de importantes antologias, muitas das quais em co-edições, no estrangeiro, em inglês, francês, alemão, italiano, incluindo a língua árabe, concretizando um propósito que visa, fundamentalmente, o diálogo intercultural, entre os países, pela via da internacionalização da literatura angolana. Estrutura Menor que a novela e o romance, em termos de extensão de texto, os contos de Carmo Neto obdecem a uma estrutura definida por Nelly Novaes Coelho, ensaísta, crítica literária e professora brasileira. “São narrativas curtas e lineares, envolvendo poucas personagens, concentradas em uma única acção, de curta duração temporal e situadas num só espaço”. De notar que desta necessidade de brevidade, deriva a grande arte do conto que, mais que qualquer outro género em prosa, exige que o escritor seja um verdadeiro alquimista na manipulação da palavra, semelhante tal ocorre na escrita de Carmo Neto. Sabese que a estrutura breve do Conto, advém das sua origens sócio-culturais, ou seja, o conto, sobretudo o popular, era para ser contado. O conto popular, que difere do conto de autor, caso em análise, “insere-se numa literatura de transmissão oral. É representativo da memorização das histórias criadas pelo autor colectivo que respeita os valores da sua comunidade e os transmite de geração em geração. Este tipo de transmissão dá origem à produção de variantes, pois cada emissor é também um receptor que altera o discurso que ouviu contar”. 15.Junho.2015 | União de Escritores Angolanos Página 6