conteúdo digital em língua portuguesa: uma abordagem pós

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conteúdo digital em língua portuguesa: uma abordagem pós
Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas
(Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana
LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora
ISBN: 978-972-99292-4-3
SLG 43 – O ensino do Português e as novas tecnologias.
CONTEÚDO DIGITAL EM LÍNGUA PORTUGUESA: UMA ABORDAGEM
PÓS-COLONIAL
Claudia WANDERLEY1
RESUMO: A língua portuguesa, quinta língua europeia mais falada no mundo, é
considerada uma língua de pequena circulação no espaço digital. A falta de incentivos
para a formação técnica voltada à produção de acervos digitais, a ausência de
infraestrutura tecnológica adequada nas escolas e universidades e a quase ausência de
programas de digitalização de textos nos países de língua oficial portuguesa contribuem
fortemente para este perfil. Dentro deste quadro, apresentaremos dois caminhos de
trabalho imediatamente disponíveis no espaço digital que podem ser úteis aos
pesquisadores interessados nas novas tecnologias. O primeiro deles é a análise
automática textual comparativa, relacionando jornais eletrônicos de diferentes países de
língua portuguesa e problematizando o uso da língua em diferentes países e diferentes
contextos. O segundo tem por finalidade estimular a publicação de material didático e
acadêmico on-line, de forma independente e gratuita, através de um programa de
bibliotecas digitais que estamos desenvolvendo coletivamente entre países de língua
portuguesa, e em parceria com a UNESCO. Consideramos importante ressaltar nosso
interesse em agregar os pesquisadores interessados em trabalhar colaborativamente para
a tradução de softwares e para a construção conjunta de dicionários digitais e coleções
acadêmicas de acesso gratuito em formato digital. Desenvolveremos, a partir deste
quadro, considerações sobre a situação da língua portuguesa no espaço digital em
situação pós-colonial.
PALAVRAS-CHAVE: Multilinguismo;
Pós-Colonialismo; Políticas Públicas.
Software
Livre;
Inclusão
Digital;
INTRODUÇÃO
Tratada do ponto de vista de sua circulação no espaço digital, a língua
portuguesa ainda é temática estranha aos simpósios e conferências entre linguistas,
1
Pesquisadora da Unicamp, Centro de Memória e da Cátedra UNESCO Multilinguismo e Produção de
Conteúdo em Língua Local no Mundo Digital. Universidade Estadual de Campinas, Rua Sérgio Buarque
de Holanda, 800 – Cidade Universitária “Zeferino Vaz” – 13083-970 – Campinas (SP) – Brasil;
[email protected].
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literatos, letrados e professores de língua portuguesa. Pensar a língua portuguesa está
geralmente atrelado a pensar nossa relação com os lusitanos – aquele povo de origem
mítica que dá substância à sonoridade à qual chamamos cotidianamente lusofonia –, na
posição de pós-colônias, e com os vários investimentos políticos que essa temática
permite. Quando pensamos no aspecto digital, é um outro território que se nos
apresenta, ou uma nova territorialidade, embora ainda se trate de pensar em navegação e
em língua portuguesa.
Território, aqui, aponta para uma ideia que venho desenvolvendo sobre um tipo
de política externa das tecnologias de linguagem: na medida em que o espaço digital
organiza seu sistema em linguagem computacional e em linguagem natural, as camadas
que se sobrepõem, em termos de hardware e software vão gradativamente intercalando
e articulando língua artificial e língua natural. Nesta perspectiva, a ocupação do
território linguístico no espaço digital em língua portuguesa é algo que merece nossa
atenção, já que é possível considerar que, de fato, as novas tecnologias se constituem e
funcionam como “tecnologias de linguagem” (WANDERLEY, 2003) e igualmente
porque este território eletrônico (neste caso, refiro-me especificamente à internet) está
funcionando no imaginário de grandes organizações internacionais como um espaço
político de acesso à informação, com a forte expectativa de que o acesso democrático à
informação seja capaz de gerar conhecimento de livre acesso para o bem de todos.
Tendo em vista que a quantidade de conteúdo em língua portuguesa é pequena
na internet, além do limitado acesso para a população, se não houver uma mudança
radical de atitude de nossa parte, veremos confirmadas as previsões feitas por Crystal
(2004), de que (i) em uma geração, os estudantes, para continuar seus estudos – ao não
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encontrarem material em sua língua materna – desenvolverão o bilinguismo; (ii) que na
geração seguinte eles já começarão a estudar no idioma que apresenta conteúdo que os
permita crescer; e (iii) que em três gerações os falantes não mais reconhecerão sua
língua como língua de conhecimento. As consequências são visíveis: uma língua que
não veicula ciencia, não produz conhecimento para a sociedade, restringe fortemente
seu espaço de atuação.
Evidentemente, o espaço virtual não é algo fluido. Acessar esse território
implica, por um lado, uma infraestrutura elétrica, telefonia acessível, acesso ilimitado a
dados, programas de urbanização, computadores a preços compatíveis com o salário
médio da população... implica, resumidamente, uma política de Estado visando às
condições para a criação de uma infoestrutura urbana consistente e finaceiramente
acessível para a média da população: algo que podemos chamar urbanização eletrônica
democrática, a democratização do território “e-urbano”. De um lado mais familiar aos
estudantes, é preciso investir igualmente em alfabetização e educação de qualidade,
porque um repositório de informações – seja digital ou físico – será de pouca utilidade
para uma população que não tem o hábito de trabalhar com textos. Além disso, é
importante que esta educação gere autores e não exclusivamente leitores. A palavra de
ordem para esta presença é investimento, porque, não por acaso, o capital linguístico no
espaço digital está diretamente relacionado ao modo de circulação do capital em nossos
países. Assim, a inclusão digital e a inclusão social dos países de língua portuguesa
neste território eletrônico, já nos chega, como diz Schwartz, como uma “nova falha”.
Além da fome, da pobreza, das dificuldades com moradia, do analfabetismo funcional,
entre tantas outras, adquirimos uma nova falha: a exclusão do espaço digital.
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A economia local, assim como a divisão internacional do trabalho intelectual são
duas questões chaves para este tema. E, acredito, esta discussão pode ser pensada dentro
do escopo deste GT Ensino de Portugues e Novas Tecnologias do II Simposio Mundial
de Estudos da Língua Portuguesa. Retomamos, abaixo, uma tabela que apresentamos
em trabalho anterior (WANDERLEY & KOZIEVITCH, 2009):
Tabela 1: Estatísticas relativas ao uso da internet
Internautas
População Internautas (dados mais
recentes)
(%
Crescimento
População)
(2000-2008)
ÁFRICA
(est. 2008)
Angola
12.531.357
30.000
498.000
4%
1560%
426.998
8.000
37.000
8,7%
362,5%
616.459
500
8.000
1,3%
1500%
Guiné-Bissau
1.503.182
1.500
37.000
2,5%
2366,7%
Moçambique
21.284.701
30.000
200.000
0,9%
566,7%
206.178
6.500
23.000
11,2 %
253,8%
Cabo Verde
(Dez/2000)
Penetração
Guiné
Equatorial
S. Tomé e
Príncipe
Internautas
População Internautas (dados mais
ÁSIA
(est. 2008)
(Dez/2000)
recentes)
Penetração
(%
Crescimento
População)
(2000-2008)
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1.330.044.6
China
05
22.500.000 298.000.000
22,4%
1.224,4%
1.147.995.8
Índia
Macau
Timor Leste
98
5.000.000
81.000.000
7,1%
1,520%
545.674
60.000
238.000
43,6%
296,7%
1.108.777
-
1.200
0,1%
0%
Internautas
População Internautas (dados mais
AMÉRICAS
(est. 2008)
(Dez/2000)
recentes)
Penetração
(%
Crescimento
População)
(2000-2008)
196.342.58
Brasil
7
-
67.510.400
34,4%
1.250,2%
- 220.141.969
72,5%
130,9%
303.824.64
Estados Unidos
6
Internautas
População Internautas (dados mais
EUROPA
(est. 2008)
(Dez/2000)
recentes)
Penetração
(%
Crescimento
População)
(2000-2008)
10.676.91
Portugal
0
-
4.249.200
39,8%
70%
Fonte: Internet World Stats (http://www.internetworldstats.com (consulta em março de
2009).
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A primeira coisa que percebemos é a baixa penetração da internet nos países de
língua portuguesa. Podemos dizer, então, que a rede mundial de computadores não é tão
mundial assim para a lusofonia: é uma rede restrita para os falantes do português.
Pensamos, neste caso, num exemplo preciso da realidade concreta do Projeto A Língua
Portuguesa no Mundo, para o qual infelizmente não podemos contar com a participação
de colegas da África nas diversas videoconferências, devido à falta de infraestrutura em
suas intituições e em seus países para que participem com voz. Embora as instituições
acadêmicas em língua portuguesa tenham a oportunidade de utilizar sua amplitude,
como língua franca internacional, como veículo efetivo de cooperação entre
pesquisadores, esta possibilidade é subutilizada, ou mesmo ignorada pela maioria das
instituições de ensino superior. Além disso, em países em situação de pós-colônia,
existem outras línguas que também precisam fazer parte do espaço digital: as línguas
locais. E é importante trabalharmos igualmente nesta perspectiva de inclusão e
fortalecimento de culturas de menor circulação no espaço digital.
Em 2001, a Unesco assinou a Declaração Universal sobre a Diversidade
Cultural (cf. UNESCO, 2002) que aponta para o valor de nossas culturas locais como
patrimônio nacional e como patrimônio da humanidade, enfatizando a necessidade de
respeitá-las, estudá-las e preservá-las. Este gesto permite que, a partir da academia,
possamos incluir as iniciativas locais ao pensarmos a situação cultural e linguística de
nossos paises, e inclusive – esperamos – que possamos trocar informações sobre os
modos de pensar e realizar estas atividades de contato, estudo e preservação.
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BIBLIOTECA DIGITAL
O projeto de biblioteca digital que desenvolvemos – levando fortemente em
consideração a diversidade cultural e linguística2 – baseia-se na noção de sistemas
operacionais (computacionais) como sujeitos sociais, e na ideia de que os sujeitos
falantes vivem sua fala através de diversas fonias, estas sendo compreendidas como
repertórios de caráter linguístico que existem simultaneamente e de maneira gradual,
não possuindo na prática necessariamente fronteiras bem delimitadas e definidas.
O objetivo deste projeto é criar uma base de conhecimento polifônica, que
permita a compreensão desses diversos repertórios, assim como facilite o trânsito entre
eles. Este projeto, portanto, não se limita a um mero processo de tradução ou transporte
de conhecimentos de uma língua para a outra; antes, ele constitui uma rede de
conhecimentos em que diversos repertórios linguísticos encontram-se simultaneamente
imbricados. Essa rede de conhecimentos encontrará sua atualização numa plataforma
digital polifônica, que permita que as diversas fonias se apresentem na simultaneidade e
na relação, e não como um conjunto díspare de heterogeneidades que são pensadas
como intrinsecamente diferentes e que, em seguida, têm que ser colocadas em relação
umas com as outras de maneira multilateral, sem que sua individualidade seja afetada.
Antes da era colonial e da expansão europeia no mundo, a maioria das
populações viviam em regimes fônicos – de utilização da fala e, às vezes, da escrita –
que não se baseavam na ideia de idiomas como totalidades linguísticas bem delimitadas
2
Agradeço ao Prof. Fernando Rosa Ribeiro pela interlocução e parceria na construção dos princípios da
biblioteca digital polifonica.
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e claramente diferenciadas entre si através da noção de uma territorialidade, isto é, da
língua como pertencente a um território específico (onde existisse uma população que a
usasse). A maioria das pessoas tinha, sim, repertórios linguísticos variados e com
gradações internas, utilizando-os em diferentes contextos e para fins diversos de
gêneros e fórmulas linguísticas, além de vocabulários, que hoje são pensados como
pertencentes a línguas diversas.
A ideia da criação de uma base de conhecimentos polifônica centra-se nos
seguintes critérios:
1) Promover a permeabilidade entre as diversas fonias em seus diversos
aspectos e ter, portanto, um caráter intrinsecamente polifônico;
2) Ter o sistema computacional e seus usuários como sujeitos sociais
polifônicos;
3) Permitir que diversas fonias interajam entre si com o mínimo de barreiras
possível, e que possam se constituir mutuamente como espaços de
comunicação e conhecimento digital;
4) Permitir que o conhecimento das diversas fonias seja compartilhado da
maneira mais extensa possível;
5) Permitir que os acervos historicamente associados às diversas fonias sejam
compartilhados;
6) Permitir que fonias que não possuam acervos escritos substanciais entrem
no espaço digital e criem seus acervos, com base multimídia, em associação
com outras fonias;
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7) Permitir que a permeabilidade entre as diferentes fonias e seus acervos gere
conhecimentos num sistema rizomático (isto é, em rede e sem pontos de
controle nevrálgico) e não disciplinarmente (ou seja, através da troca de
conhecimentos via territorialidades linguísticas, pensadas historicamente
como enraizadas em espaços e devires diferentes, que em seguida
necessitem se traduzir entre si para poderem se comunicar plenamente);
8) Usar o espaço digital como instrumento de desterritorialização.
Essa proposta apresenta um grande número de vantagens, entre as quais
podemos citar o fato de que, correntemente, as propostas de valorização de línguas
locais minoritárias estão baseadas em sua mise-en-valeur no modelo herderiano
clássico, isto é, como totalidades linguísticas com territórios próprios que necessitam de
tratamento igualitário e não-discriminatório para que possam, um dia, ter funções e
prerrogativas semlhantes àquelas das línguas de maior uso. Isto implica o
reconhecimento formal – por exemplo, no campo jurídico – da igualdade de todas as
línguas, ao mesmo tempo em que se reconhece que, na prática, essa igualdade possui
sérios impedimentos para sua implementação efetiva. Essa disjunção concreta entre os
dois níveis – o formal e o prático – cria um espaço altamente hierarquizado onde as
totalidades linguísticas habitam territorialidades diversas e profundamente desiguais
entre si.
Esta proposta pretende não enfatizar a ideia de língua-território – vinculada no
pensamento de origem herderiana à ideia de nação – para se concentrar nos falantes e
seus repertórios em constante processo de atualização, que aqui denominamos fonias.
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Estas fonias não seriam espaços disciplinares que veiculam conhecimentos
territorializados e demarcados em línguas pensadas como tendo um padrão – no Brasil,
a “norma culta”, mas como redes polifônicas instáveis e cambiantes e que através e pelo
seu caráter instável e cambiante geram, moldam e transmitem conhecimentos.
Nesta proposta, o espaço digital é o domínio preferencial desta polifonia que
funciona como um rizoma, isto é, não no modelo da raiz apical, mas no modelo da raiz
das gramíneas, em que não existe controle central, mas apenas inúmeros pontos nodais,
e onde é difícil pensar uma origem última ou uma finalidade primeira.
Nessa rede descentrada, os repertórios fônicos se modulam em simultaneidade, o
que pode, potencialmente, atingir também o problema-chave da colonialidade dos
repertórios linguísticos, pois na rede descentrada a única possibilidade de comunicação
efetiva entre aqueles que são pensados como todos linguísticos estanques e delimitados,
mas minoritários e locais – portanto sofrendo de uma territorialização que
potencialmente os prejudica em chave extra-local –, se faz via a matriz linguística
colonial que atua como uma raiz apical. Para dar um exemplo africano, mencionado
pelo escritor senegalês Boubacar Boris Diop, que escreve tanto em seu idioma materno
como em francês, atualmente não há como a wolof-fonia se comunicar ou “traduzir”
para a kiswahili-fonia sem passar pelo euro-fonia, embora ambas sejam fonias
igualmente africanas. Em outros termos, como foram territorializadas em diferentes
chaves da colonialidade, não há possibilidade de comunicação entre elas a não ser via a
eurofonia. Essa impossibilidade encontra-se no próprio cerne do atual modelo
linguístico, assentando-se em discursos e práticas que, ao mesmo tempo em que frisam
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a igualdade formal entre as diversas línguas, atualizam, na prática, a hierarquização
entre elas.
Assim, a eurofonia pode igualmente se comunicar tanto com a wolof-fonia
quanto com a kiswahili-fonia, mas estas duas últimas não se comunicam entre si
diretamente – e, na prática, sequer indiretamente. Boubacar Boris Diop é um dos
pouquíssimos falantes de wolof a ter aprendido o kiswahili, mas se o fez foi porque
primeiro teve acesso à eurofonia.
Nossa proposta visa, portanto, à criação de uma variante do que Alexander
denomina, no contexto sul-africano, um habitus multilíngue, a saber, um habitus
polifônico. Dito de outro modo, nosso projeto visa pesquisar meios de criar espaços
digitais que estimulem a polifonia.
PERSPECTIVAS POSITIVAS
A falta de bibliotecas no território nacional, assim como o relativo
desconhecimento da produção científica brasileira entre pesquisadores de diferentes
regiões, apontam para a necessidade de criação e integração de bases digitais, o que
constitui um dos traços inovadores do projeto que aqui propomos, outro traço inovador
sendo a inclusão das línguas indígenas brasileiras em uma base digital acadêmica,
visando à livre circulação de cartilhas e de material didático, que possam ser acessados
imediatamente por aldeias distantes, ou mesmo que auxiliem no estudo e na formulação
de material para outras escolas e universidades indígenas. Esse material, presente na
mesma base em que se encontram as teses que versam sobre as questões das populações
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locais, pode auxiliar em muito à percepção do panorama de estudos e esforços para
compreensão da realidade dessas populações.
Da perspectiva das Comunidades dos Países de Língua Portuguesa (CPLP),
trata-se de permitir e promover a integração do conhecimento realizada no Brasil e nos
países que têm a língua portuguesa como língua oficial, assim como ressaltar que estas
comunidades são polifônicas e multiculturais, trazendo a temática do multilinguismo
para primeiro plano nos países ditos lusófonos.
Trata-se, portanto, de um tema atual e internacional, que não se restringe ao
âmbito nacional, assim como se trata de dar ênfase à produção cultural e linguística de
diferentes regiões: a diversidade de mídias deverá atender específica e diferentemente às
condições de possibilidade e acessibilidade ao programa das Bibliotecas Digitais
Polifônicas de cada universidade da rede de trabalhos, em parceria com
desenvolvedores e pesquisadores locais.
MUITAS VOZES
O princípio da polifonia refere-se ao espaço digital como instrumento de
conscientização do caráter multilíngue de nossa sociedade e da sociedade global. Neste
caso, e como dissemos, a noção de polifonia aponta para os possíveis e distintos
repertórios linguísticos presentes nos diálogos entre sujeitos, justamente por não estar
ancorada em uma perspectiva linguística que organiza as línguas através de territórios,
apostando na mobilidade e circulação do sujeito curioso que pode navegar entre
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diferentes vozes através de um continuum de repertórios, utilizando suas capacidades,
experiências e interesses para a prática interpretativa.
Esse ambiente digital multilíngue, portanto, investe na simultaneidade de vozes,
textos, áudios, vídeos, filmes, linguagens e línguas, como extensões umas das outras,
através da navegação e da estruturação dos metadados.
É certo que o papel do computador, e mais precisamente da forma de acesso a
essa base de dados, é fundamentalmente o modelo de um metaobjeto multilíngue. Em
outros termos, estamos considerando um computador como um ser de linguagem e um
ser social, que realiza uma interlocução com os seres humanos. Neste sentido, a aposta
de nosso grupo de pesquisas é que uma Biblioteca Digital Polifônica pode efetivamente
funcionar como uma pista para os sujeitos se darem conta de sua própria polifonia e da
miríade de repertórios linguísticos que os cercam e ao qual podem ter acesso. É neste
espelho virtuoso entre o regional e o digital que desejamos trabalhar, articulando a
produção de conhecimento local, tendo o computador como condição de possibilidade
da organização de um horizonte de acesso a repertórios linguísticos e de valorização
cultural no espaço digital.
O MODELO
O modelo de uma biblioteca digital, nesta proposta, deve integrar duas
iniciativas: a de registro bibliográfico e a de publicação eletrônica existente nos acervos
das instituições. Ao integrar essas duas iniciativas, tem-se uma ampliação e uma maior
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abrangência dos documentos oferecidos aos usuários, através de um catálogo nacional
em texto integral e referencial, possibilitando uma forma única de busca e acesso aos
documentos. O conteúdo dos documentos disponibilizados em meio eletrônico poderá
ser acessado diretamente nos repositórios locais das instituições provedora dos dados.
A adoção de um modelo distribuído, que utiliza as tecnologias de arquivos
abertos e em que as instituições são provedoras de dados, leva à eleição de uma
instituição coordenadora e agregadora, responsável pela coleta dos metadados dos
outros provedores de dados. Dessa forma, as instituições tornam-se provedoras de
informações sobre esses metadados e expõem-no por meio de outros provedores de
serviços.
Como príncipio básico, a incorporação de uma biblioteca digital não requer que
as instituições façam uso de sistemas específicos para o desenvolvimento de suas
bibliotecas digitais locais. No entanto, para que a integração ocorra, é necessária a
utilização de padrões compatíveis, tais como Dublin Core e OAI-PMH, para expor
os metadados referentes aos documentos publicados numa biblioteca digital local.
Diante das tecnologias disponíveis (padrões abertos, padrões de descrições
bibliográficas internacionais utilizados em todo o mundo), propõe-se a criação de uma
Biblioteca Digital de Países de Língua Portuguesa, a partir do modelo da Biblioteca
Greenstone, desenvolvida pela equipe de Ian Witten na Universidade de Waikato (Nova
Zelândia)3.
3
O software livre pode ser gratuitamente baixado no site http://www.greenstone.org. Nosso grupo de
pequisa realizou, em 2009, a tradução da interface do software e do manual para português, a qual já foi
testada com êxito e está disponível para download no mesmo site.
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ANÁLISE TEXTUAL AUTOMÁTICA
Como se sabe, o computador lê e escreve de maneira distinta de nós. Por isso,
quando nos propomos a articular uma leitura combinada com o modo de ler de uma
máquina, é preciso refletir sobre as condições de produção dessas tecnologias. Aí
incidem de forma transversal a linguística, a ciência da computação, a matemática, a
filosofia e a história.
O primeiro sítio de reflexão que propomos aqui é a noção de caractere, uma
questão menor que pode nos auxiliar a compreender a viabilidade de nossa proposta de
trabalho. Trata-se de uma noção discreta na história da reprodução de textos. Diz
Auroux (1996) que até onde sabemos nenhuma disciplina ocidental tem uma
possibilidade de recuo tão longo como a linguística e a matemática: são os núcleos de
racionalidade mais antigos de que temos conhecimento em nossa tradição. A partir do
olhar da filosofia da linguagem francesa, podemos dizer que, com o desenvolvimento da
escrita, se desenvolvem quatro disciplinas: a matemática, a astronomia, a gramática e o
direito, a gramática tendo por objeto principal a compreensão de textos escritos. Para
Auroux, a “primeira noção epilinguística é o paradigma, a reprodução da linearidade da
cadeia falada, mais a introdução de uma outra dimensão”. O autor entende que é preciso
quebrar a dimensão de linearidade da cadeia contínua para acessar a dimensão da fala. E
é por isso que a escrita é necessária: porque ela traz a bidimensionalidade. É necessário
que a fala encontre o espaço, a escrita, na representação bi-dimensional, para que surja o
saber científico, o eixo paradigmático – a formalização do núcleo de racionalidade.
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Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas
(Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana
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ISBN: 978-972-99292-4-3
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Ora, é aí que podemos perceber uma forte distinção entre a perspectiva francesa
de tecnologia de linguagem e a que desenvolvemos. De uma perspectiva da tecnologia
da linguagem como a compreendo, pensar este recuo da produção do conhecimento
linguístico não nos leva necessariamente à produção de textos antigos que versem, de
uma forma ou de outra, sobre a linguagem. De fato, o que chama minha atenção no
quadro apresentado por Auroux é o modo como esses textos são produzidos
materialmente. Então, sem adentrar pelas especificidades da produção em papiro, em
papel, na imprensa, etc., quero salientar um fato corriqueiro até os dias de hoje na
produção textual: a constituição da escrita introduz empiricamente, na relação com sua
produção, uma unidade discreta chamada caractere. Este elemento é um dos recursos
diferenciais que permite a realização da análise automática e, no entanto, em qualquer
outro espaço que não seja eletrônico (como o da impressão por exemplo), ele funciona
discretamente.
O caractere é o que vai ser efetivamente usado para “escrever” o texto, realizar
uma escrita. Do papiro egípcio em 700 a.C., passando pelos copistas da Idade Média e
pela Impressão do séc XIX, até chegar aos textos web de hoje, é pela unidade do
caractere que a visibilidade do texto se realiza. Auroux não chama a atenção para este
fato porque segue pelo caminho dos avanços do conhecimento sobre a linguagem.
A diferença, para nós, é que o trabalho sobre o espaço eletrônico dá ao caractere
um papel central no cálculo, quando pensamos em análise automática. Enquanto esta
unidade funciona na elaboração do texto, realmente trata-se de um funcionamento
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discreto, e nós temos um tipo de leitura do que pode ser um texto4. Porém, com o
advento da informática e com os recursos de análise automática das línguas, esse
discreto componente ganha evidência no mundo da análise linguística. Explicamo-nos:
embora toda a teoria da linguagem se tenha organizado a partir de noções como
palavra, morfema, frase, sintagma, etc., passar essas noções para um espaço
automatizado significa necessariamente encontrar estes “objetos” num texto eletrônico,
que ao fim e ao cabo não é composto por palavras, sílabas ou frases, mas por uma
sequência de caracteres.
No espaço eletrônico, sejam letras, pontuação, espaço em branco, comandos de
parágrafo, ou mesmo quebra de páginas, a programação que permite a constituição e
visualização de um texto na tela de um computador versa sobre caracteres, uma certa
linearidade entre eles, e uma certa disposição. De fato, a análise automática de textos se
dá em um primeiro nível sobre uma sequência de caracteres. A partir daí (da captação
da sequência de caracteres), é preciso definir através de uma programação o que é
considerado unidade de sentido. Grosso modo, essas unidades podem ter diferentes
extensões, seja a palavra (utilizando divisores como o espaço), seja a frase (utilizando
divisores como o ponto), seja o parágrafo (utilizando divisores como o comando de
mudança de linha), etc. Ora, as distinções entre a noção de palavra e a programação
construída para que uma “palavra” seja automaticamente identificada em um texto
evidentemente não coincidem. Por exemplo, em francês, há programas que consideram
a sequência aujourd’hui como duas palavras (por causa do separador ’), enquanto há
softwares capazes de reconhecê-la como unidade. Os softwares de análise que
4
Pensamos, aqui n noção corriqueira, do senso-comum, de texto, tal como a conhecemos.
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reconhecem morfemas, apresentam problemas semelhantes com a sequência bonjour,
entre outras.
Então, o que a análise automática de textos analisa é uma sequência de
caracteres delimitados de uma maneira ou de outra para se aproximarem o máximo
possível de uma noção de unidade linguística. Noção esta, como sabemos, que é
abstrata, fluida, diversa.
Assim como no começo das ciências da linguagem, a morfossintaxe foi
elemento essencial, assim também, no trabalho da análise automática, o papel da
morfossintaxe é fundamental. Até porque, tanto a morfologia como a sintaxe podem ser
vistas na sequência de caracteres e é possível programar pequenas sequências para
serem reconhecidas como um morfema (o conjunto de caracteres naquela sequência
específica ganha uma etiqueta), e após esta etiquetagem dos morfemas, é feita uma
etiquetagem de possíveis sequências de palavras, uma etiquetagem sintática.
Auroux afirma que é necessária a dimensão da escrita, a aparição do quadro
bidimensional no desenvolvimento de tecnologia intelectual no início da ciência da
linguagem, afirmando também que a aparição deste quadro permite a visualização da
noção de paradigma. Acrescentamos, no entanto, que, no que diz respeito à formulação
do eletrônico, é justamente a explosão de dimensões discretas programadas a partir do
caractere que permite uma multidimensionalidade de formalização e de formulação
eletrônica que pode contribuir para o estudo da linguagem. Este é um dos elementos
que, hoje, distinguem um texto eletrônico de outros tipos de texto, e é justamente nele
que podemos ver as possibilidades de acervos polifônicos e análises textuais
polifônicas. Sem dúvida, a passagem de um alfabeto a outro, de um grupo de caracteres
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a outro, que permite inscrever outra língua e outra e outra, é um recurso disponível no
espaço digital. Até onde podemos explorar essas possibilidades, favorecendo as
presenças de nossas línguas locais no espaço digital?
É esse quadro de multiníveis de trabalho com as sequências de caracteres que, a
meu ver, permite uma terceira e real revolução tecnológica da linguagem, dentro da
perspectiva do cientista da linguagem. Porque, de fato, temos a possibilidade de
programar em n níveis as sequências de caracteres, articulações incontáveis que podem
ser da ordem de etiquetas, identificadores, classificadores, compositores, etc.: um
número incontável de cálculos e possibilidades, de múltiplas relações de sentido e
idiomas funcionando no texto.
Aí, ousaria dizer que o clássico quadro bidimensional abre e delimita, porque as
possibilidades de relação no funcionamento eletrônico são incontáveis, mas o
conhecimento sobre linguagem foi pensado tradicionalmente no quadro bidimensional,
no modelo da língua como sistema fechado. Mas como avançar sem o quadro
bidimensional? É necessário produzir derivas, deslizes, fonias, polifonias e, além disso,
experimentar
–
não
mais
na
bidimensionalidade
do
papel,
mas
na
multidimensionalidade eletrônica, no espaço digital. Em termos de conhecimento
linguístico, o território eletrônico aponta para novas compreensões do funcionamento da
língua, além de se mostrar um próspero instrumento de trabalho.
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EM PORTUGUESES
A linguística computacional é uma área em que a reflexão sobre multilinguismo
pode ganhar uma materialidade eletrônica, podendo se organizar como um software,
uma macro, um serviço internet voltado para a pluralidade das línguas existentes.
Portanto, o interesse em trabalhar com os princípios polifônicos no ambiente web
organizam o interesse em uma base de dados, uma base de corpora das várias línguas
portuguesas que estao on-line e de suas línguas locais.
Neste sentido, para nós, a possibilidade de realizar uma produção desta ordem
está diretamente relacionada à política de implementação tecnológica brasileira e dos
países de língua portuguesa, assim como depende diretamente da disposição de investir
em novidades, em instrumentos que possibilitem novas práticas e na disponibilização de
ferramentas de linguagem simples e eficientes para o sujeito contemporâneo.
Considero importante que os pesquisadores que trabalham em línguas
portuguesas se insiram na discussão sobre o aproveitamento e a adaptação de
tecnologias com forte mediação crítica. Reafirmo que é somente a partir da prática da
reflexão e do trabalho real com as possibilidades disponíveis no ambiente eletrônico que
poderemos, juntos, colocar questões relevantes para melhorar a presença de softwares e
de conteúdo de qualidade em língua portuguesa. Isso, ao meu ver, aponta para uma
reflexão conjunta sobre estratégias de produção on-line.
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CONCLUSÃO
Quando pensamos em trabalhar com culturas locais e circulação de conteúdo
acadêmico entre paises de língua portuguesa, consideramos a importância de direcionar
nosso investimento intelectual para o território digital, de uma perspectiva multilingue e
multicultural. As possibilidades de organizar nossa produção intelectual a partir de
bibliotecas digitais e de analisar a produção linguística disponível on-line com auxílio
de computadores são propostas que estamos desenvolvendo, e que teríamos grande
interesse em compartilhar – seja a reflexão, sejam as ferramentas, seja a produção em
caráter colaborativo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Sul. São Paulo: CIA das Letras, 2000.
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