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Assunto Especial - Doutrina
Crime contra a Liberdade Sexual
A Nova Definição Legal de Estupro à Luz da Lei nº 12.015/2009
MANOEL SOARES MARTINS
Juiz de Direito Aposentado, Advogado.
RESUMO: Este artigo se propõe a fazer uma pequena reflexão sobre a nova
definição legal de estupro à luz da Lei nº 12.015/2009, sobretudo pelo fato de
ter ela também admitido como sendo sujeito ativo do crime a mulher que, no
regime antigo, era prerrogativa exclusiva do homem.
SUMÁRIO: Introdução; 1 Problemas provenientes da fusão do crime de estupro
com o crime de atentado violento ao pudor; 2 Estupro comum ou simples e
estupro especial ou de vulnerável: compreensão, definição legal e
diferenciação; 2.1 Compreensão; 2.2 Definição legal; 2.3 A diferenciação; 3
Formas qualificadoras do estupro comum ou simples e do estupro especial
ou de vulnerável; 4 A falta de recursos financeiros: no setor penitenciário e
no setor educacional; 4.1 A falta de recurso no setor penitenciário; 4.2 A falta
de recursos no setor educacional; 5 As novas regras da ação penal; 6 Parte
conclusiva; Referências.
INTRODUÇÃO
A Lei nº 12.015/2009 foi publicada no DOU no dia 10 de agosto
de 2009, data esta em que começou a ser aplicada, para todos os fins
de Direito, nos termos do seu art. 6º, e não somente a partir da zero
hora do dia 11 de agosto de 2009, nos termos do art. 132 do novo
Código Civil, segundo afirmou o eminente Desembargador Jaime
Ramos, do col. Tribunal de Justiça de Santa Catarina, nas palestras
ministradas, e que discorreu sobre o tema "aspectos do novo crime de
estupro e da ação penal na Lei nº 12.015/2009 e o direito
intertemporal", nos dias 25.09 e 06.10.2009, no XII Simpósio de
Direito da Uniplac e no Seminário de Atualização Legislativa da
Academia da Polícia Civil de Santa Catarina, em Lages e
Florianópolis, respectivamente 1.
A Lei nº 12.015/2009, enfim e quanto ao tema ora proposto por
este modesto trabalho, trouxe significantes e interessantes inovações
e, entre estas, destacamos suas principais, as quais são 2:
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- Foi unificado o crime de atentado violento ao pudor com o
crime de estupro, resultando, portanto, a fusão dos mesmos em
um só tipo penal: art. 213. Este dispositivo legal, pois e depois
da unificação, passou a incorporar duas condutas ilícitas que
são: a do constrangimento à conjunção carnal e a do
constrangimento ligada ao ato libidinoso diverso, caracterizado
o concurso material previsto no art. 69 do CP.
Por isso mesmo, a Lei nº 12.015/2009 teve que,
expressamente, revogar o art. 214 (atentado violento ao pudor),
do regime antigo.
- Definiu que o sujeito ativo do crime de estupro, em
qualquer de suas modalidades, pode ser qualquer pessoa, isto
é, tanto pode ser o homem como pode ser a mulher. Neste
mesmo sentido, e comentando o art. 213 do CP, se direcionou
o magistério luminar e magistral, Julio Fabbrini Mirabete e
Renato N. Fabbrini, vazado nestes termos:
Diferentemente do que se verificava na anterior redação do
dispositivo, tanto o homem como a mulher podem praticar o crime de
estupro. Não é correta a afirmação em relação à lei em vigor de que
no constrangimento à conjunção carnal somente o homem pode ser
sujeito ativo do delito porque necessária a penetração do membro viril
no órgão sexual da mulher. A assertiva era válida no direito anterior
porque o dispositivo previa o constrangimento tão somente da
mulher, o que exigia que o autor fosse do sexo masculino para que
houvesse a cópula vagínica. Diante da norma em vigor, que incrimina
o constrangimento de alguém, a mulher que força o homem a manter
conjunção carnal comete o crime de estupro. O que não é possível,
tratando-se do constrangimento à conjunção carnal e ressalvadas as
hipóteses de coautoria e participação, é que os sujeitos ativo e
passivo sejam pessoas do mesmo sexo, porque, neste caso, o coito
normal não pode ocorrer. 3
- Literalmente, a nova lei sob comentário (Lei nº
12.015/2009) criou os crimes sexuais contra pessoas
vulneráveis e que estão eles previstos nos arts. 217-A, 218,
218-A e 218-B, todos do CP.
Em razão da criação desses novos crimes, sobretudo o que
está relacionado com o tipo do art. 217-A, enfim, o novel
diploma legal sob comentário teve que, de uma vez por todas,
banir e acabar com a violência presumida, revogando o art. 224
(presunção de violência), do regime antigo.
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- A Lei nº 12.015/2009 alterou profundamente o art. 225,
dando-lhe nova redação para, na sequência, banir e acabar, de
uma vez para sempre, com o procedimento da ação penal
privada, que era usada para a apuração dos crimes previstos
nos Capítulos I e II do Título VI da Parte Especial do CP 4.
A partir dessa inovação, portanto, a apuração desses
crimes só se fará pela via da ação penal pública, condicionada
à representação do ofendido, ou então pela via da ação pública
incondicionada, nos termos do art. 225, caput e seu parágrafo
único, respectivamente.
- Um dos objetivos essenciais da nova lei sob comentário é,
com certeza, reprimir com a nefasta e indesejável conduta ilícita
e criminosa, sobretudo a dos pedófilos, que vem se alastrando,
de forma preocupante e assustadora, nos últimos anos, por
todo território nacional, inclusive no exterior 5.
- Para garantir o sucesso de todas essas inovações, a Lei nº
12.015/2009 teve também que alterar o art. 1º, incisos V e VI,
da Lei nº 8.072/1990 para, na sequência, definir como sendo
hediondos os crimes previstos no art. 213, caput, §§ 1º e 2º,
bem como no art. 217-A, caput, §§ 1º, 3º e 4º (estupro comum
e estupro de vulnerável, respectivamente), ambos do CP.
1 PROBLEMAS PROVENIENTES DA FUSÃO DO CRIME DE
ESTUPRO COM O CRIME DE ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR
Os problemas surgiram, com maior intensidade, com a fusão do
crime de estupro com o crime de atentado violento ao pudor, que
estão ligados ao direito intertemporal, obviamente. Contudo, e antes
de abordá-los, gostaríamos de fazer a seguinte digressão:
A lei penal incriminadora - e quanto à sua aplicação - está
norteada pelo princípio da legalidade: não há crime sem lei anterior
que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal (CP, art. 1º), o
qual representa, por excelência, a mais importante regra do Direito
Penal moderno, exatamente pelo fato de também representar uma
garantia constitucional: não há crime sem lei anterior que o defina,
nem pena sem prévia cominação legal (CF, art. 5º, inciso XXXIX).
É oportuno ressaltar que o princípio da legalidade se compõe
de dois outros princípios, não menos fundamentais e importantes, que
são: o da reserva legal e o da anterioridade, assim considerados pelo
iluminado Celso Delmanto, nestes termos:
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RDP Nº 68 - Jun-Jul/2011 - ASSUNTO ESPECIAL - DOUTRINA
Do enunciado neste art. 1º, resultam duas regras
fundamentais: 1. Da reserva legal (ou da legalidade): Somente a lei,
elaborada na forma em que a Constituição permite, pode determinar
o que é crime e indicar a pena cabível. Deve, portanto, ser lei federal,
oriunda do Congresso Nacional (CF, art. 22, inciso I). 2. Da
anterioridade: Para que qualquer fato possa ser considerado crime, é
indispensável que a vigência da lei que o define como tal seja
anterior ao próprio fato. Por sua vez, a pena cabível deve ter sido
cominada (prevista) também anteriormente. 6
Os princípios da reserva legal e da anterioridade, por sua vez,
geram dois outros preceitos inconfundíveis e que são chamados de
irretroatividade e taxatividade.
a) O preceito da irretroatividade
No preceito da irretroatividade está contido o princípio da
retroatividade. Aquele só se faz presente quando se trata da aplicação
de lei mais severa (característica da Lei nº 12.015/2009), significando
dizer que a nova lei não deve retroagir; este, ao contrário, representa
lei mais benigna ou benéfica (caracterizava o regime antigo),
indicando que a nova lei deve retroagir para beneficiar o réu, e que
ambos (preceito da irretroatividade e princípio da retroatividade) estão
regulados, respectivamente, pelo art. 2º, caput e seu parágrafo único,
do CP.
Enfim, tanto o preceito da irretroatividade quanto o princípio da
retroatividade também representam uma garantia constitucional, a
qual está expressa no art. 5º, inciso XV (1ª e 2ª figuras jurídicas,
respectivamente), da Constituição Federal de 1988.
b) O preceito da taxatividade
Em síntese, o preceito da taxatividade tem a finalidade de
proteger o indivíduo diante da criação de leis vagas e imprecisas e
também diante do arbítrio do julgador na aplicação das mesmas, tudo
porque suas eventuais falhas ou imprecisões não podem e nem
devem ser preenchidas pelo juiz, sob pena do mesmo avocar, para si,
uma função que é específica e exclusiva do Poder Legislativo, com
certeza.
Por fim, o preceito da taxatividade exige que as normas
incriminadoras sejam claras e precisas, indicando, com precisão, a
conduta ilícita a ser punida, de tal forma que não paire qualquer
dúvida quanto à tipicidade ou não do fato incriminado. Nesse mesmo
sentido, vem o luminar magistério da lavra de Damásio Evangelista de
Jesus, vazado nestes termos: "Taxatividade: o conjunto de normas
incriminadoras é taxativo. O fato é típico ou atípico. O elenco não
admite ampliações" 7.
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Diante da digressão anteriormente apontada, tivemos a
intenção e o propósito de simplesmente afirmar o seguinte:
A utilização do princípio da retroatividade na aplicação da Lei nº
12.015/2009 representa, data permissa, um equívoco, sobretudo
porque a mesma se propõe a combater a nefanda ação dos pedófilos,
bem como de sê-lo aplicado na hipótese da decisão condenatória já
ter transitado em julgado (infelizmente, essa hipótese já vem do
regime anterior, por força da Súmula nº 611 do STF).
Eis, portanto, dois dos principais problemas ou gargalos que o
regime atual teve que encarar e vem encarando, os quais não eram
tão traumáticos no regime vetusto ou anterior, por quê:
No regime antigo, o estuprador respondia, cumulativamente,
pelo crime de estupro e atentado violento ao pudor (arts. 213 e 214,
respectivamente), tudo porque entendia a jurisprudência predominante
e majoritária daquela época, que vinha, in casu, caracterizar o
concurso material de crimes previstos no art. 69 do Código Penal 8.
Destarte, a pena aplicada ao apenado resultaria do somatório das
penas dos dois crimes ora referidos.
O mesmo deveria acontecer no regime atual, desde que
cumulativamente praticadas as duas condutas ilícitas (conjunção
carnal e ato libidinoso diverso) descritas pelo art. 213 do CP. Neste
caso, portanto, deveria somar as penas de tais condutas, o que, com
certeza, viria caracterizar também o concurso material de crimes (art.
69) 9. Este também é o entendimento de Julio Fabbrini Mirabete e de
Renato N. Fabbrini:
Entendemos que o art. 213 descreve um tipo misto
cumulativo, punindo, com as mesmas penas, duas condutas distintas:
a de constrangimento à conjunção carnal e a de constrangimento ao
ato libidinoso diverso. A utilização, no caso, de um único núcleo
verbal (constranger) decorre da técnica legislativa, resultando da
concisão propiciada pelo conteúdo das duas figuras típicas. A prática
de uma ou outra conduta configura o crime de estupro e a realização
de ambas enseja a possibilidade do concurso de delitos. Trata-se, em
realidade, de crimes distintos, embora da mesma espécie, punidos
num único dispositivo. A caracterização ou não do concurso de
crimes ou da continuidade delitiva no estupro dependerá, entretanto,
do contexto fático em que as ações foram praticadas. 10 (os
destaques não são do original)
Logo, e na hipótese anteriormente aventada (prática das duas
condutas ilícitas do art. 213), deveria acontecer a penalidade dupla e
nem se usar o princípio da retroatividade, na aplicação da Lei nº
12.015/2009, obviamente. Não é isso, lamentavelmente, o que vem
acontecendo no plano jurisprudencial pátrio, como, por exemplo, neste
julgamento do STJ:
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RDP Nº 68 - Jun-Jul/2011 - ASSUNTO ESPECIAL - DOUTRINA
HABEAS CORPUS - ESTUPRO E ATENTADO VIOLENTO
AO PUDOR - CRIME CONTINUADO X CONCURSO MATERIAL INOVAÇÕES TRAZIDAS PELA LEI Nº 12.015/2009 - MODIFICAÇÃO
NO PANORAMA - CONDUTAS QUE, A PARTIR DE AGORA, CASO
SEJAM PRATICADAS CONTRA A MESMA VÍTIMA, NUM MESMO
CONTEXTO, CONSTITUEM ÚNICO DELITO - NORMA PENAL MAIS
BENÉFICA - APLICAÇÃO RETROATIVA - POSSIBILIDADE - 1. A Lei
nº 12.015/2009 alterou o Código Penal, chamando os antigos crimes
contra os costumes de crimes contra a dignidade sexual. 2. Essas
inovações provocaram um recrudescimento de reprimendas, criação
de novos delitos e também unificaram as condutas de estupro e
atentado violento ao pudor em um único tipo penal. Nesse ponto, a
norma penal é mais benéfica. 3. Por força da aplicação do princípio
da retroatividade da lei penal mais favorável, as modificações tidas
como favoráveis hão de alcançar os delitos cometidos antes da Lei nº
12.015/2009. 4. No caso, o paciente foi condenado pela prática de
estupro e atentado violento ao pudor cometidos contra a mesma
vítima. 5. Aplicando-se retroativamente a lei mais favorável, o
apensamento referente ao atentado violento ao pudor não há de
subsistir. 6. Ordem concedida, a fim de, reconhecendo a prática de
estupro e atentado violento ao pudor como crime único, anular a
sentença no que tange à dosimetria da pena, determinando que nova
reprimenda seja fixada pelo juiz das execuções. (101000072009)
(STJ, HC 170.065, (2010/0073273-0), 6ª T., Rel. Min. Og Fernandes,
DJe 27.09.2010, p. 2814) 11
E mais, o STF vê a possibilidade de ser aplicado o princípio da
retroatividade à Lei nº 12.015/2009, mesmo que a sentença
condenatória já tenha transitado em julgado. É, enfim, o que revela
esta decisão:
HABEAS CORPUS - CRIMES DE ESTUPRO E ATENTADO
VIOLENTO
AO
PUDOR
CONCURSO
MATERIAL
JURISPRUDÊNCIA CONSOLIDADA DO STF E DO STJ ALTERAÇÃO DOS ARTS. 213 E 214 DO CÓDIGO PENAL, NOS
TERMOS DA LEI Nº 12.015/2009 - PEDIDO DE IMEDIATA
APLICAÇÃO RETROATIVA DE EVENTUAL LEI PENAL MAIS
BENÉFICA - MATÉRIA QUE NÃO FOI APRECIADA PELAS
INSTÂNCIAS JUDICANTES COMPETENTES - HABEAS CORPUS
NÃO CONHECIDO - SÚMULA Nº 611 DO STF - ORDEM
CONCEDIDA DE OFÍCIO - 1. A decisão impugnada assentou a
ocorrência de concurso material entre os delitos de estupro e
atentado violento ao pudor, nos termos da reiterada jurisprudência do
STF. 2. Na concreta situação dos autos, o tema da aplicação
retroativa de eventuais efeitos benéficos da Lei nº 12.015/2009 não
foi submetido a exame das instâncias judicantes de origem. É dizer: o
pedido veiculado neste habeas corpus não foi apreciado pelo
Superior Tribunal de Justiça nem pelo Tribunal de Justiça de São
Paulo. Tribunais que apenas discutiram a possibilidade, ou não, de
continuidade delitiva entre os delitos de estupro e atentado violento
ao pudor, com base na interpretação conferida à redação originária
dos arts. 213 e 214 do Código Penal. Assim, a imediata apreciação
da matéria pelo Supremo Tribunal Federal acarretaria uma indevida
supressão de instâncias. Precedentes. 3. Isso não obstante, nada
impede que o Juízo das Execuções Criminais examine a concreta
situação dos autos para, se for o caso, estender ao paciente eventual
efeito benéfico da Lei nº 12.015/2009, na parte em que foi alterada a
redação do art. 213 do Código Penal. Tal como autorizado pela
Súmula nº 611 do STF. 4. Habeas corpus não conhecido; porém
concedida a ordem de ofício para determinar que o Juízo das
Execuções Criminais examine, como entender de direito, eventual
aplicação retroativa da Lei nº 12.015/2009 ao caso dos autos.
(100000007125 JCP.213 JCP.214) (STF, HC 102.355, Rel. Min.
Ayres Britto, DJe 28.05.2010, p. 49) 12
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Afinal de contas, o problema continua recorrente, agora
agravado pelo fato de predominar o entendimento jurisprudencial da
não caracterização do concurso material (art. 69 do CP) diante da
novel lei sob comento.
E outros problemas virão, os quais deverão ser dissipados, com
certeza, pela doutrina e jurisprudência de plantão, e que, em prol da
família e da sociedade em geral, seja usada sempre interpretação
qualitativa e voltada para a racionalidade e não para "supostos"
vacilos ou cochilos do legislador, cabendo, portanto, ao operador do
Direito, o dever incondicional de ofertar a melhor solução dessas
dificuldades, na sua eterna práxis hermenêutica. É o que esperamos!
2 ESTUPRO COMUM OU SIMPLES E ESTUPRO ESPECIAL OU DE
VULNERÁVEL: COMPREENSÃO, DEFINIÇÃO LEGAL E
DIFERENCIAÇÃO
2.1 Compreensão
a) Ligada ao estupro comum ou simples
O estupro comum ou simples está previsto no art. 213 do CP e
é praticado contra pessoas capazes, ou seja, que tenham atingido,
obviamente, a maioridade civil 13. A consumação do crime só
acontecerá diante desta condição inarredável: se o estuprador, ao
praticá-lo ou perpetrá-lo, tenha agido com violência ou grave ameaça
contra sua inditosa vítima.
b) Ligada ao estupro especial ou de vulnerável
O estupro especial ou de vulnerável está previsto no art. 217-A,
caput, e seu § 1º, do CP e é praticado, respectivamente, contra
pessoas vulneráveis, ou seja, contra pessoas menores de quatorze
anos ou então contra pessoas que, por enfermidade ou deficiência
mental, não apresentem o necessário discernimento para a prática do
ato, ou ainda que, por qualquer outra causa, não podem oferecer
resistência.
Afinal de contas, não só este tipo de crime sob estudo, mas
também todos os demais crimes praticados contra pessoas
vulneráveis se consumam independentemente da prática de violência
ou grave ameaça, tudo em razão da vulnerabilidade das vítimas, com
certeza, pelo fato de não dispor de discernimento para entender a
conduta ilícita do estuprador e nem tem como oferecer resistência.
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2.2 Definição legal
a) Ligada ao estupro comum ou simples
A nova definição legal do crime de estupro comum está
literalmente contida no art. 213, caput, do CP, nestes termos:
"Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter
conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique
outro ato libidinoso: Pena - reclusão de 6 (seis) a 10 (dez) anos".
Assim sendo, e diante da expressão "constranger alguém", a
proteção da liberdade do homem (inclusive a dos homossexuais) foi
igualada/equiparada a da mulher, ao ponto de se tê-los (homem e
mulher) como sujeitos ativos do crime de estupro, como já registrado
acima.
Não foi à toa, portanto, que o novo modelo de estupro teve
como alicerce e fundamento os princípios constitucionais que
garantem a igualdade das pessoas perante a lei e a dignidade
humana de todas elas, nos termos dos arts. 5º, caput, e 1º, inciso III,
respectivamente, ambos da Constituição Federal de 1988,
independentemente da opção sexual das mesmas, como já afirmado
14.
No vetusto regime jurídico, muito pelo contrário, o crime de
estupro protegia apenas a liberdade sexual da mulher, por entender,
de forma desrespeitosa, absurda e discriminatória, que a mesma fazia
parte do "sexo frágil" ou coisa parecida, decerto 15.
Mesmo naquela época em que entrou em vigor o Código Penal
brasileiro, no dia 1º de janeiro de 1941, não se poderia jamais ter
cometido tão hediondos e abomináveis abusos, e não só contra a
mulher, mas também contra os homossexuais, configurando-se, na
verdade, recorrentes desrespeitos à liberdade sexual de todos eles,
obviamente.
Neste novo modelo de estupro, a expressão "violência ou grave
ameaça" passou a ser circunstância elementar do tipo penal sob
comentário (art. 213), tudo em razão da revogação do art. 224 do CP.
Deste modo, e como já revelado, o crime só se consuma com a
presença de, pelo menos, uma dessas circunstâncias elementares
(violência ou grave ameaça).
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Assim sendo, e na ausência de ambas (violência e grave
ameaça), não tem como se falar e muito menos se questionar sobre a
existência do crime de estupro por absoluta falta do tipo penal
incriminador.
Afinal de contas, e comentando o art. 213 ora sob
questionamento, registraram, de forma convincente e magistral, Julio
Fabbrini Mirabete e Renato N. Fabbrini:
Na nova disciplina dos crimes sexuais se reconheceu a
primazia do desenvolvimento sadio da sexualidade e do exercício da
liberdade sexual como bens merecedores de proteção penal, por
serem aspectos essenciais da dignidade da pessoa humana e dos
direitos da personalidade. Nesse sentido, se orientou a reforma de
vários tipos penais: buscou-se um tratamento igualitário entre
homens e mulheres como sujeitos passivos dos crimes sexuais;
procurou-se intensificar, pela disciplina em capítulo específico, a
proteção dos menores de 18 anos, em especial os menores de 14
anos, contra os efeitos deletérios que os crimes sexuais provocam
sobre a sua personalidade ainda em formação, estendendo-se essa
especial proteção a outras pessoas particularmente vulneráveis em
decorrência de outras causas como a enfermidade ou deficiência
mental; ampliou-se a repressão a outras formas de exploração sexual
além da prostituição, etc. 16
b) Ligada ao estupro especial ou de vulnerável
A definição legal do estupro especial ou de vulnerável, ao
contrário do que acontece com o estupro comum ou simples estudado
no item anterior, está prevista no art. 217-A, caput, e seu § 1º,
respectivamente, desta forma:
Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com
menor de 14 (catorze) anos: Pena - reclusão de 8 (oito) a 15 (quinze)
anos.
Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no
caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não
tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por
qualquer outra causa, não pode oferecer resistência.
Este tipo especial de estupro, portanto, tem como objetivo
exclusivo proteger as pessoas vulneráveis (em razão da idade ou de
pessoas portadores de deficiência mental, ou por qualquer outra
causa ligada à enfermidade diversa). E para defini-las, ninguém
melhor do que o já referido Desembargador Jaime Ramos, do Tribunal
de Justiça de Santa Catarina, o fazendo nestes termos:
Vulnerável é qualquer dessas pessoas que se presume de
forma absoluta não ter discernimento suficiente para consentir
validamente aos atos sexuais a que são submetidas. Mesmo que
consintam ao ato sexual, esse consentimento deverá ser considerado
inválido, salvo nas hipóteses em que o sujeito passivo tem pleno
discernimento, mas não pode oferecer resistência ao ato sexual
forçado, caso em que o estupro contra vulnerável se tipifica com a
ausência do consentimento e não apenas pela impossibilidade de
resistência. São vulneráveis, portanto: a) o homem ou a mulher
menor que ainda não completou quatorze (14) anos de idade (essa
vulnerabilidade cessão à zero hora do dia em que o sujeito passivo
faz seu aniversário de 14 anos); b) o homem ou a mulher (com 14
anos ou mais de idade) que não tem o necessário discernimento para
a prática do ato sexual, em razão de enfermidade mental ou
deficiência mental; c) o homem ou a mulher (com 14 anos ou mais de
idade) que, por qualquer outro motivo, não pode oferecer resistência,
como portadores de necessidades especiais com problemas físicos
graves (paraplégicos, acamados em geral e impossibilitados de se
levantar e de resistir) e pessoas em completo estado de torpor físico
e mental em razão do uso, voluntário ou não, de drogas ou bebidas.
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Não ficam à margem da proteção deste tipo penal as vítimas
ligadas à prostituição infantil ou infanto-juvenil, onde crianças e
adolescentes usam o seu próprio corpo para ganhar dinheiro fácil. A
situação, pois, é gravíssima. É o que nos informa o Enfoque jurídico
do sexo-turismo no Brasil:
É difícil até imaginar crianças de seis anos sendo exploradas
sexualmente e, para o nosso assombro, chegou-se a mencionar que
cerca de 50 mil meninas estão sendo prostituídas no Brasil, cifra que
coloca o nosso País em segundo lugar do mundo, superado apenas
pela Tailândia. 17
Por fim, e comentando o art. 217-A, concluíram, de forma
convincente e racional, Julio Fabbrini Mirabete e Renato N. Fabbrini:
Umas das principais preocupações do legislador ao elaborar a
Lei nº 12.015, de 07.08.2009, consistiu em conferir aos menores de
18 anos especial proteção contra os crescentes abusos sexuais e a
proliferação da prostituição infantil e de diversas outras formas de
exploração sexual. A repressão à exploração sexual do menor tem
sido objeto de diversos tratados e convenções internacionais, tanto
em razão da relevância do bem jurídico atingido por práticas dessa
natureza, como também em face da dimensão internacional que vem
assumindo o tráfico de menores com fins sexuais. Ao reservar um
capítulo próprio aos crimes contra vulnerável, centrado na proteção
ao menor de 18 anos, o legislador procurou, também, dar maior
efetividade ao mandamento contido no art. 227, § 4º, da Constituição
Federal, que prevê: A lei punirá severamente o abuso, a violência e a
exploração sexual da criança e do adolescente. 18
2.3 A diferenciação
A diferenciação ou separação existente entre os crimes de
estupro comum ou simples e de estupro especial ou de vulnerável,
segundo ainda o Desembargador Jaime Ramos, consiste no seguinte:
A primeira consequência visível da separação entre o estupro
simples e o estupro contra vulnerável é a que, para os fatos
anteriormente praticados, o art. 217 da lei nova pode ser aplicado por
ser mais gravoso aos agentes. Deve ser garantida, nesses casos, a
ultratividade da lei antiga, segundo a qual responderão os acusados
respectivos. A lei nova, quanto ao estupro contra vulnerável, tem
aplicação somente aos fatos ocorridos a partir de 11 de agosto de
2009. Doutra parte, na versão anterior dos crimes de estupro e
atentado violento ao pudor, era presumida ou ficta a violência
necessária para caracterização desses delitos. A lei nova revogou o
art. 224 do Código Penal, que tratava dessa presunção de violência
que muitos consideravam absoluta (juris et de jure), mas, na verdade,
era relativa (juris tantum), porque se podia comprovar que a vítima já
não mais tinha a chamada innocentia consilii, ou seja, não era mais
inocente, especialmente aquelas maiores de 12 (doze) anos, quando
comprovadamente experientes e vezeiras nas práticas sexuais às
quais já não lhes eram mais estranhas. Em face da revogação
expressa da norma que estabelecia a presunção de violência para os
referidos crimes, o novo tipo penal específico (estupro contra
vulnerável) se consuma, em princípio, pelo simples fato de alguém
praticar conjunção carnal ou qualquer outro ato libidinoso,
independentemente de violência ou grave ameaça, ou seja, ainda
que não haja alguma dessas circunstâncias elementares, com
pessoa definida pela lei como vulnerável. Tornou-se proibido à
pessoa menor de 14 anos (ou seja, até o último dia dos seus 13 anos
completos) manter conjunção carnal ou praticar qualquer ato
libidinoso
diverso
da
conjunção
carnal
com
alguém,
independentemente de ter discernimento ou não, de consentir ou
não, de ser reconhecido como inocente ou não. Não mais se exige da
vítima a chamada innocentia consilii, que se traduzia, no sistema
anterior, pela necessidade de o ofendido ser inocente em relação ao
conhecimento e à prática de atos sexuais, para que seu
consentimento fosse considerado inválido. Que se cuidem os
namoradinhos, ele de mais de 18 anos e ela com menos de 14 anos;
e aqueles que, com essas idades, passam a viver como
companheiros, o que é muito comum, especialmente entre pessoas
das classes médias e inferiores, tanto na cidade quanto no interior.
Por certo não escapariam à condenação por estupro. O mesmo
ocorrerá com aqueles que molestam os enfermos mentais ou
deficientes mentais que não têm discernimento para consentir ao ato
sexual. Há quem diga que tais pessoas, ainda que maiores,
estivessem condenadas a nunca poderem unir-se a alguém em ato
sexual, mesmo que quisessem. Sim, porque uma vez que o fato de o
sujeito passivo do estupro ser vulnerável agora é elemento do crime e
não mais causa da presunção de violência. Ocorre que, para se
considerar vulnerável, o ofendido deve ser portador de enfermidade
mental ou deficiência mental severa, que lhe retira a possibilidade de
consentir validamente ao ato sexual. Com base no princípio da
razoabilidade e da proporcionalidade, não se poderia considerar
penalmente ilícita a conduta de quem pratica qualquer ato libidinoso
com doente mental ou deficiente mental maior de 14 anos, que tenha
suficiente controle de seu discernimento. É preciso resguardar o
direito à liberdade e à dignidade sexual também a essas pessoas. No
tocante aos sujeitos passivos considerados vulneráveis por não
poderem, doutra forma, oferecer resistência ao ato sexual, como se
disse, é preciso que, além da impossibilidade de resistir, haja
oposição, de sua parte, ao ato sexual, ou que o consentimento não
tenha sido dado, até por não estar o ofendido em condições de
consentir. Essa modulação é necessária para que não se venha a
condenar toda e qualquer pessoa que mantém relações sexuais com
um paraplégico ou tetraplégico maior de 14 anos, com pleno
discernimento para consentir e querer o ato sexual. É preciso
garantir-lhe o direito à liberdade e à dignidade sexual. A presunção
relativa de violência da lei antiga, consagrada no revogado art. 224
do Código Penal, ainda que buscasse proteger esses vulneráveis da
devassidão dos adultos, permitia modulação tal que poderia livrar
certos acusados da apenação, como aconteceu em vários casos
concretos julgados pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior
Tribunal de Justiça, amplamente noticiados na imprensa. Há
determinado sentimento na sociedade de que o arbítrio dos
Magistrados, nesse campo, poderia levar a absolvições não
recomendáveis. Daí o rigor da lei, na configuração do tipo específico
de estupro contra vulnerável, em que, como se viu, a vulnerabilidade
do sujeito passivo é elementar do crime e não mais presunção de
violência. De qualquer forma, a doutrina e a jurisprudência
encontrarão meios de livrar os acusados da desgraça de uma
expressiva condenação por estupro contra vulnerável. E uma dessas
fórmulas já foi encontrada: o erro de fato quanto à verdadeira idade
da vítima que o agente imaginava, com esteio nas circunstâncias
comprovadas de maturidade física e mental, que tinha mais de 14
anos, pode livrá-lo da condenação sob a excludente de culpabilidade
prevista no Código Penal, representada pelo erro essencial sobre
elemento do tipo a que se refere o art. 20. Ou erro de fato (portanto,
erro essencial de elemento do tipo) quanto à circunstância de o
ofendido ser doente mental ou deficiente mental, hipótese por certo
rara, uma vez que a enfermidade mental ou a deficiência mental deve
ser tal que retira do ofendido o discernimento para consentir
validadamente ao ato sexual, o que não pode passar despercebido
do agente.
36
RDP Nº 68 - Jun-Jul/2011 - ASSUNTO ESPECIAL - DOUTRINA
Por derradeiro, a faixa etária do agente passivo dos crimes de
estupro comum e especial (menor de quatorze ou de pessoa enferma
e maior de dezoito anos, respectivamente) sempre representa o
grande diferencial existente entre os tipos penais retromencionados,
decerto.
3 FORMAS QUALIFICADORAS DO ESTUPRO COMUM OU
SIMPLES E DO ESTUPRO ESPECIAL OU DE VULNERÁVEL
As formas qualificadoras acontecem, tanto no estupro comum
quanto no estupro especial, se da conduta do agente ativo resulta
lesão corporal grave ou morte da vítima, as quais estão alinhadas,
respectivamente, nos arts. 213, §§ 1º e 2º, e 217-A, e §§ 3º e 4º,
ambos do CP. Em razão dessa inovação, o novel diploma legal sob
comentário teve também de revogar o art. 223 do CP, obviamente.
As penas básicas impostas pelo novo estupro especial (art.
217-A) são severas e rigorosas, sobretudo para punir, de forma
exemplar, a conduta ilícita dos pedófilos. E tanto isso é verdade, que
as penas do estupro comum ou simples (art. 213, caput) não foram
alteradas ou majoradas com a reforma. E, portanto, continuam sendo
as mesmas do regime anterior.
Quanto à severidade das penas abstratas do estupro comum,
na sua forma qualificada, e as do estupro especial, aplaudimos o
legislador de 2009 por isto. Contudo, entendemos que a edição de leis
mais duras e enérgicas não vai acabar com a criminalidade e muito
menos com a impunidade no Brasil, cujos limites de tolerância já
foram todos literalmente ultrapassados, sobretudo em razão da falta
de políticas públicas ligadas a investimentos no setor penitenciário e
no setor educacional 19.
RDP Nº 68 - Jun-Jul/2011 - ASSUNTO ESPECIAL - DOUTRINA
37
Lamentavelmente, o rigor e a severidade dessas penas
impostas pela Lei nº 12.015/2009 só irão atingir, na sua grande
maioria, as condutas ilícitas dos hipossuficientes (pobres ou
miseráveis, economicamente), enquanto que a conduta dos
poderosos irá permanecer e continuar na impunidade, principalmente
em razão da leniência do Poder Judiciário, em todos os seus graus de
jurisdição.
Realmente, essa situação caótica que vem contaminando o
Poder Judiciário sempre aconteceu e vem acontecendo não só na
área do Direito Penal, mas também nos demais ramos do Direito, a
qual se apresenta consistente e cruel, no momento em que o cidadão
busca a prestação jurisdicional no sentido de ter seus interesses
reconhecidos. Para tanto, tem que enfrentar grandes percalços ou
dificuldades ligadas à morosidade da Justiça, que sempre tarda e
muitas vezes falha. Não foi à toa, portanto, que o inesquecível e
festejado Desembargador Lopes da Costa fez questão de afirmar:
"Justiça tardia é justiça desmoralizada" 20.
À esta luminar lição, de quem viveu à bem-aventurança da
Magistratura, podemos perfeitamente associar o magistério da lavra
de Edmo Magalhães Carneiro, Juiz de Direito aposentado, o qual está
vazado nestes termos:
Na verdade, o que se destaca é o comodismo impune em
todas as instâncias, inviabilizando a censura administrativa por
alguém que pratica a mesma conduta letárgica, além de acentuar
cada vez mais o desapreço com a cidadania que busca a prestação
jurisdicional. (destacamos)
E, logo depois, arremata com a mesma coerência:
O paradeiro desmedido dos feitos ajuizados, sem ter para
quem chamar providência, é verdadeiramente traumático para as
inditosas vítimas desse sistema avesso e cruel, mercê do desgaste
que ao longo do tempo tem sido propiciado por grande parte dos
integrantes do próprio Poder Judiciário. 21
Eis, pois, um dos motivos, talvez o mais grave deles, que
alimenta a impunidade e a criminalidade, neste País também "Cabôco
de Mãe Preta e Pai João".
Tudo isso, enfim, agravado pelo caos por que passa o nosso
sistema penitenciário e o setor educacional, não só pela falta de
recursos, mas também porque são mal gerenciados e administrados,
pelo menos nos últimos anos.
38
RDP Nº 68 - Jun-Jul/2011 - ASSUNTO ESPECIAL - DOUTRINA
Por via de consequência, as penitenciárias não recuperam
socialmente os presidiários e nem o sistema educacional esclarece as
nossas crianças, adolescentes, jovens e idosos dos males provocados
pela conduta ilícita dos delinquentes, sobretudo a dos estupradores, o
que, na verdade, os desestimula e os desencoraja no sentido de
denunciá-los.
Afinal de contas, esperamos que as autoridades competentes
tomem as providências cabíveis e que se fizerem necessárias para
acabar, ou pelo menos minimizar, com essa cruel criminalidade que aí
está e que vem se alastrando e se proliferando, de forma crescente e
em progressão geométrica, por todo território nacional. Por favor, não
deixem a Lei nº 12.015/2009 cair no vazio maroto do Poder Público, o
que já é recorrente neste País!
4 A FALTA DE RECURSOS FINANCEIROS: NO SETOR
PENITENCIÁRIO E NO SETOR EDUCACIONAL
Realmente, não existem investimentos adequados e
satisfatórios para aparelhar o sistema penitenciário brasileiro e o setor
educacional, o que, na verdade, seriam vitais, respectivamente, para a
ressocialização dos detentos e para esclarecer à população brasileira
que, nos últimos anos, a criminalidade vem crescendo em progressão
geométrica no Brasil e no mundo, sobretudo a que está relacionada
com a pedofilia. E para piorar a situação, os parcos recursos que
existem são mal gastos ou então desviados pela via da corrupção.
Enfim, o esclarecimento da população brasileira cabe,
especificamente, ao Ministério da Educação (MEC), cujo objetivo só
será atingido se disponibilizar educação de qualidade. Essa seria, sim,
a forma ideal para se combater, de forma eficaz, a criminalidade,
estimulando e encorajando o povo a denunciar os malfeitores aos
órgãos de segurança pública.
4.1 A falta de recurso no setor penitenciário
A insuficiência ou falta de recursos financeiros no sistema
penitenciário é evidente e representa um dado preocupante, piorado
pelo fato dos minguados que existem serem usados de forma
inadequada, em razão da incompetência de seus gestores ou
administradores 22. O certo é que essa triste realidade está
conduzindo o setor penitenciário brasileiro ao caos e à falência (talvez,
já falido!).
RDP Nº 68 - Jun-Jul/2011 - ASSUNTO ESPECIAL - DOUTRINA
39
Realmente, apesar dos avanços provenientes da nova lei dos
crimes sexuais, se percebe que, na contramão de tudo isso, está
levitando o sistema carcerário brasileiro, principalmente pelo fato de
não recuperar o presidiário ao convívio social. Ao contrário, o qualifica
para conviver com o submundo do crime, que o digam, por exemplo,
alguns dos perigosos detentos ligados ao Primeiro Comando da
Capital (PCC).
Nesse mesmo sentido, está voltada a realidade demonstrada
por Virginia da Conceição Camargo, mais precisamente no trabalho
intitulado A realidade do sistema prisional no Brasil:
Sabemos que o sistema carcerário no Brasil está falido. A
precariedade e as condições subumanas que os detentos vivem hoje
são de muita violência. Os presídios se tornaram depósitos humanos,
onde a superlotação acarreta violência sexual entre os presos, faz
com que doenças graves se proliferem, as drogas cada vez mais são
apreendidas dentro dos presídios e o mais forte subordina o mais
fraco. 23
É, sem dúvida, deplorável e deprimente!
Enfim, a vulnerabilidade e a fragilidade de nosso sistema
prisional, somadas ao descaso e a leniência do Poder Público,
afrontam e agravam não só a paz e o sossego da população
carcerária brasileira como um todo, mas também aquela que mora e
reside nas imediações dos presídios.
E o que é bem mais grave:
a) A perspectiva para se reverter essa situação
praticamente não existe, na medida em que essa população
carcerária só tende a crescer e aumentar, sobretudo pelo fato
de os detentos de alta periculosidade terem a "liberdade" para
comandar o crime organizado ou organizações criminosas de
que são membros de onde estão, inclusive determinando
abomináveis e cruéis execuções sumárias de seus comparsas
que os traírem, dentro e fora dos presídios 24.
Logo,
o
sistema
prisional
brasileiro
está,
inquestionavelmente, funcionando à margem da legalidade,
sobretudo porque os presidiários também são merecedores dos
direitos ligados à cidadania e à dignidade da pessoa humana
(CF, art. 1º, incisos II e III, respectivamente). Destarte, não
será, pois, possível ser promovida a ressocialização dos nossos
detentos enquanto perdurar esse abominável sistema.
Somente, enfim, no famigerado Regime Militar de 1964,
acontecia tanta violação e desrespeito aos direitos humanos e
dos cidadãos!
40
RDP Nº 68 - Jun-Jul/2011 - ASSUNTO ESPECIAL - DOUTRINA
Nem mesmos os nossos presídios federais, que se dizem
de segurança máxima, escapam dessa realidade triste e
melancólica dos cárceres comuns, vez que também não
recuperam ninguém ao convívio social, bem como não
impedem com a execução sumária de seus detentos e também
dos comparsas que os traíram ou venham trair, dentro e fora
deles, respectivamente. Essa recorrente e caótica situação,
sem dúvida, nos remete ao Holocausto dos Judeus, ocorrido na
Segunda Guerra Mundial (1939-1945), sob o comando do
sanguinário e ditador cruel alemão, Adolf Hitler.
b) Os presídios vêm se confundindo com as delegacias de
polícia, de forma irracional e temerária, pelo fato destas
também funcionarem como cárceres, inclusive abrigando
presos já condenados pela própria Justiça, comprometendo,
portanto, suas funções constitucionais ligadas, obviamente, à
polícia judiciária e previstas no art. 144, § 4º, da Carta Magna.
E o que é bem mais grave: existem muitos inocentes
presos e muitos criminosos soltos e em plena liberdade que
vêm se confundindo com os cidadãos de bem. Por isso,
perguntamos: onde estamos e aonde iremos chegar?
Afinal de contas, e ao contrário de tudo isso, acontece nos
países civilizados, como, por exemplo, na Itália, onde o sistema
prisional é tão eficiente que foi capaz de ressocializar
completamente o assassino da criança Maria Goretti, chamado
de Alessandro Serenelli, cujo fato criminoso (estupro qualificado
pelo resultado morte) ocorreu pelos idos do ano de 1902, ao
ponto de torná-lo (Alessandro Serenelli) membro da Ordem
Terceira dos Capuchinhos 25. É o que nos revela, de forma
magistral, Frei Betto, nestes termos 26:
Maria Goretti (1890-1902) foi uma jovem católica residente em
Nettuno, Itália, vizinha da família Serenelli. Aos 12 anos, foi atacada
pelo vizinho Alessandro Serenelli, que tentou violentá-la,
ameaçando-a com uma faca. Diante das recusas da menina,
Serenelli esfaqueou-a 14 vezes. No dia seguinte, após perdoar a seu
assassino, Maria Goretti faleceu. Condenado, Serenelli passou 27
anos na prisão. Arrependido, tornou-se membro da Ordem Terceira
dos Capuchinhos. Em 24 de junho de 1950, o Papa Pio XII canonizou
Maria Goretti, em cerimônia assistida por Serenelli. 27
4.2 A falta de recursos no setor educacional
O mesmo vem acontecendo em relação ao setor educacional,
assim como sucede com o setor cultural, ou seja, lhes faltam
investimentos adequados para educar as crianças, os adolescentes,
os jovens e os idosos para estimulá-los e encorajá-los a denunciarem
os crimes praticados por seus algozes ao Poder Público, a fim de que
fossem definitivamente apurados e também punidos os seus autores,
decerto.
RDP Nº 68 - Jun-Jul/2011 - ASSUNTO ESPECIAL - DOUTRINA
41
Se a população não denuncia esses criminosos, como vem
ocorrendo, o silêncio da mesma tem uma justificativa convincente, que
é: falta-lhe, com certeza, uma educação de qualidade, capaz de
esclarecer tudo o que vem ocorrendo no submundo da criminalidade.
Caso contrário, ou seja, se a população brasileira fosse
educada de forma decente, o silêncio dos bons não existiria e muito
menos o jargão policialesco que "lei do silêncio" que o induz 28. Logo,
a criminalidade e a impunidade brasileira têm muito a ver com o
sistema educacional que aí está, obviamente.
Deste modo, o silêncio dos bons é preocupante, porque
contribui com a criminalidade que, por sua vez, dá causa à
impunidade. Isto, enfim, nos remete ao luminar magistério da lavra de
Martin Luther King Jr., ativista político e Prêmio Nobel da Paz de 1964,
o qual foi vazado, nestes termos: "O que mais preocupa não é o grito
dos violentos, dos corruptos, dos desonestos, dos sem caráter, dos
sem ética. O que mais preocupa é o silêncio dos bons" 29. (os
destaques não são do original)
Desta forma posta, se vê, a olho nu, que a falta de investimento
no setor educacional brasileiro o torna frágil e vulnerável, o que, na
verdade, compromete todos os seus níveis de ensino (fundamental,
médio e superior), agravado pelo fato de esclarecer e de educar mal
seus estudantes e de quem dele faz uso, obviamente, para outros fins
educacionais.
Afinal de contas, essa caótica situação por que vem passando
a educação brasileira está ligada, decerto, aos seguintes fatos que
vêm acontecendo nos últimos anos e que a denegrecem, os quais
são:
a) O Programa Internacional de Avaliação de Estudantes Pisa 2009, por sua vez, e segundo relatório somente divulgado
no início de dezembro de 2010 pela Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Econômico - OCDE, afirma
que o Brasil ocupa a 53ª posição entre 65 (sessenta e cinco)
países, e diz que os estudantes brasileiros com 15 anos,
apesar da melhora apresentada em leitura, ciências e
matemática nos últimos nove anos, continuam sendo os mais
atrasados do mundo. 30
b) O Brasil perdeu 12 (doze) posições no índice de
educação, segundo relatório divulgado em 2010 pela Unesco, o
braço da ONU para a educação, ciência e cultura, caindo,
portanto, do 76º para o 88º lugar entre 128 (cento e vinte e oito)
países, tudo em razão da piora no índice de crianças que
chegam até a 4ª série.31
42
RDP Nº 68 - Jun-Jul/2011 - ASSUNTO ESPECIAL - DOUTRINA
c) O relatório do Índice de Desenvolvimento Humano - IDH
para 2010, divulgado no início de novembro deste ano, afirma,
literalmente, que o Brasil ocupa a 73ª posição entre 169 (cento
e sessenta e nove) países e aponta que o seu principal
problema está ligado à educação de baixa qualidade. 32
Destarte, o Poder Público precisa entender que não há política
mais eficaz do que investir na educação de crianças e adolescentes,
não só para instruí-las e se tornarem adultas bem-sucedidas, mas,
sobretudo, para encorajá-las, no sentido de denunciar os seus
malfeitores e também os da sociedade. Daí porque o economista
americano James Heckman, Prêmio Nobel da Paz de 2000, em
entrevista dada à Revista Veja, e respondendo indagação ligada aos
estímulos educacionais oferecidos às crianças, afirmou: "Quanto antes
os estímulos vierem, mais chances a criança terá de se tornar um
adulto bem-sucedido" 33.
Infelizmente, esta lição ainda não sensibilizou o MEC!
d) Foi veiculada pelo Jornal do Professor da Editora Atlas a
notícia de que o ranking elaborado pelo Jornal The Times,
intitulado Times higher education world reputation rankings, e
que foi divulgado, recentemente, no qual foi afirmado que
nenhuma universidade brasileira está entre as 200 melhores
universidades do mundo. A pesquisa foi feita com mais de treze
mil acadêmicos de 131 (cento e trinta e um) países. 34
e) Ainda segundo o jornal indicado no item anterior, foi
informado que foi distribuído livro didático pelo MEC para
alfabetização de crianças e adultos, no qual este defende
literalmente erro de concordância, como, por exemplo: no seu
capítulo intitulado "Por uma vida melhor" (incutindo, dizemos
nós, na cabeça não sabemos de quem) que na variedade
liguística popular é possível se dizer: "Os livro ilustrado mais
interessante estão emprestado" sem, contudo, se poder
considerar errada tal expressão, dentre outros absurdos. 35 (os
destaques são nossos)
Afinal de contas, como, enfim, crianças, adolescentes, jovens e
idosos denunciam seus estupradores cruéis? Não tem como,
evidentemente. Ao contrário, se esclarecidas fossem, nem mesmo a
"lei do silêncio" seria capaz de calá-las, não só para denunciar seus
algozes, mas também para delatar os malfeitores da sociedade em
geral perante os órgãos competentes, com certeza.
RDP Nº 68 - Jun-Jul/2011 - ASSUNTO ESPECIAL - DOUTRINA
43
5 AS NOVAS REGRAS DA AÇÃO PENAL
Como já é do nosso conhecimento, o art. 225 do CP foi
profundamente alterado pela Lei nº 12.015/2009, atribuindo novas
regras ao ponto de banir com a ação penal privada para apuração dos
crimes contra a liberdade sexual e dos crimes sexuais contra
vulnerável, previstos, respectivamente, nos Capítulos I e II do Título VI
da Parte Especial do Código Penal.
Deste modo, e a partir desta importante inovação, a apuração
de tais ilícitos (portanto, definidos nos Capítulos I e II, ora referidos
anteriormente) somente acontecerá pela via da ação penal pública
condicionada à representação ou pela via da ação penal pública
incondicionada, conforme o caso, ou seja, conforme se trate de
apuração ligada aos crimes contra a liberdade social ou contra
vulnerável, respectivamente.
Contudo, existe uma exceção em que é admitida ação penal
privada subsidiária para apuração desses crimes, no caso de omissão
ou inércia do Ministério Público pelo fato de deixar de oferecer
denúncia. Neste caso específico, pois, o ofendido, ou quem tenha
qualidade para representá-lo, tem legitimidade para propô-la ou
intentá-la, nos termos dos arts. 29 e 30, respectivamente, do CPP.
A ação penal pública incondicionada é apropriada e adequada
para apuração de todos os crimes contra pessoas vulneráveis,
previstos no Capítulo II, e, portanto, tipificados nos arts. 217-A, 218,
218-A e 218-B; inclusive os cometidos contra menor de dezoito ou
maior de catorze anos, previstos no art. 213, § 1º (2ª figura jurídica)
36, combinado com o art. 225, parágrafo único (1ª figura jurídica),
todos do CP.
Realmente, listar o Capítulo II no caput do art. 225, à primeira
vista, representa um equívoco do legislador que, sem dúvida, não tem
o aval da boa técnica legislativa. Esse cochilo do legislador, data
permissa, é capaz de levar o intérprete despercebido a erro, com
certeza. Por isso mesmo, enfim, veio à tona o magistério da lavra de
Paulo Rangel, o qual foi vazado nestes termos:
Pensamos que o que se quis dizer (aqui o terreno é
movediço: adivinhar o que o legislador quis dizer) no caput do art.
225 é que, nos crimes definidos no Capítulo I (apenas o Capítulo I), a
ação penal será pública condicionada à representação, e no
parágrafo único do mesmo artigo será pública incondicionada quando
a vítima for pessoa menor de 18 anos ou pessoa vulnerável. 37 (os
destaques não são do original, obviamente)
Portanto, o sistema atual é bem melhor e bem mais simples do
que fora o sistema antigo, senão vejamos:
44
RDP Nº 68 - Jun-Jul/2011 - ASSUNTO ESPECIAL - DOUTRINA
No regime antigo, e de acordo com a redação original do art.
225 do Código Penal, a ação penal podia ser dividida da seguinte
forma:
- Ação pública incondicionada, na hipótese de ocorrer
violência real contra a vítima (Súmula nº 608 do STF) 38, ou se
o crime fosse cometido com abuso do pátrio poder ou na
qualidade de padrasto, tutor ou curador, por força do art. 225, §
1º, inciso II, respectivamente.
- Ação pública condicionada à representação, na hipótese
da vítima ou seus pais não poderem prover as despesas do
processo sem privar-se de recursos indispensáveis à
manutenção própria ou da família, nos termos do art. 225, § 2º.
- Ação privada, nos demais casos, nos termos do caput do
art. 225.
Afinal de contas, e diante da nova redação dada ao art. 225 do
CP pela Lei nº 12.015/2009, a Súmula nº 608 do STF perdeu sua
validade, obviamente. Aliás, ela surgiu para corrigir a redação original
do dispositivo legal retromencionado.
6 PARTE CONCLUSIVA
A falta de responsabilidade para a utilização do dinheiro público
e a falta de qualidade no gerenciamento da coisa pública são
preocupantes e sinalizam que a criminalidade e a impunidade irão
continuar crescendo até atingir índices intoleráveis e insuportáveis,
agravados pelo fato de que as pessoas não estão sendo esclarecidas
e muito menos educadas ao ponto de denunciarem a ação criminosa
dos malfeitores da sociedade. Some-se a tudo isso, a superlotação
dos presídios que sempre cresce e que quase ninguém é recuperado,
socialmente 39.
Deste modo, virá mais um fato novo, representado pelos efeitos
da Lei nº 12.403/2011, que, sem dúvida, levará a criminalidade e a
impunidade à parte mais elevada da intolerância e do insuportável,
inclusive correndo o risco de ofuscar os objetivos a que se propôs
atingir a Lei nº 12.015/2009. Oxalá que não!
Esperamos, portanto, que esse deprimente e vexatório quadro
viesse sensibilizar o Poder Público, no sentido de tomar medidas
cabíveis e urgentes para por um basta em tudo isso que está
acontecendo e que virá acontecer (tendência sempre crescente da
criminalidade e da impunidade), começando-se pela aplicação correta
e adequada do novel diploma legal sob questionamento. Seria,
portanto, um dos primeiros passos a ser dado.
RDP Nº 68 - Jun-Jul/2011 - ASSUNTO ESPECIAL - DOUTRINA
45
Outros fatos lamentáveis, que se agigantam de forma
impiedosa e que não vêm sendo encarados como deveriam ser, são a
prostituição infantil ou infanto-juvenil e a impunidade dos
prostituidores. Aquele, caracterizado pelo turismo sexual; este, pela
morosidade da Justiça. Faz-se necessário, portanto, combatê-los e
reprimi-los, de forma urgente e eficaz, principalmente os crimes
ligados à pedofilia, cuja prática vem sendo facilitada por dois
deploráveis acontecimentos:
a) A crise ética e moral que vem atravessando a sociedade,
na qual predomina o sentimento de conquista e de prazer, não
importando a forma para se atingi-los, em detrimento de
qualquer limite moral ou legal.
b) A complexidade para apuração dos crimes virtuais, no
que ficam praticamente livres os pedófilos para a prática
recorrente da pedofilia, no Brasil e no exterior. E o que é pior: a
ação deles é facilitada pelo uso da própria família e também
das associações ou organizações criminosas para a
perpetração de seus hediondos, nefandos e abomináveis
crimes.
- Uso da família
Por incrível que pareça, os pedófilos usam do ambiente familiar,
no qual as crianças/adolescentes parecem estar mais protegidas
(lares, igrejas, clubes sociais e escolas), e por lá acontece, na sua
grande maioria, a prática desses seus nefandos e hediondos crimes.
Por isso, a maior incidência de casos de estupro é praticada pelos que
vivem mais próximos das crianças/adolescentes: pais, padrastos,
tutores, religiosos, vizinhos, professores e amigos.
E o que é revoltante: em razão do parentesco que une os
pedófilos às suas inditosas vítimas, na grande maioria das vezes
esses delitos são abafados, ao ponto de nem sequer serem
veiculados pela mídia e, muito menos, serem registrados boletins de
ocorrência junto aos órgãos de Segurança Pública.
Enfim, e diante dessa deprimente e triste realidade, esses
cruéis pedófilos ficam, com certeza, na mais absoluta impunidade,
tudo em razão da falta de esclarecimento das vítimas e também de
quem com elas divide o lar, deixando-os, na verdade, em situação
confortável de impunidade, decerto.
- Uso das associações ou organizações criminosas
Associações ou organizações criminosas, também conhecidas
por quadrilha ou bando, são reguladas pela Lei nº 10.217/2001, as
quais são usadas pelos pedófilos para a prática da pedofilia no mundo
inteiro, onde as ações individuais dos mesmos são organizadas em
redes que, por sua vez, são veiculadas pela Internet, desafiando o
Direito Penal mundial.
Um dos exemplos da atuação dessas redes veiculado pela
Internet, entre outros: descobriram-se casos em que pedófilos
abusavam da criança em tempo real e aceitavam pedidos dos que
estavam assistindo, que, naturalmente, lhes pagavam por isso. O lucro
daí emergente foi, sem dúvida, incalculável.
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RDP Nº 68 - Jun-Jul/2011 - ASSUNTO ESPECIAL - DOUTRINA
O Brasil, infelizmente, ocupa o quarto lugar no ranking mundial
dos países que divulgam a pedofilia pela Internet, segundo revelação
da Polícia Federal durante a operação intitulada Tapete persa, contra
a exploração, abuso sexual e pedofilia na Internet. O porquê, afinal, do
nome dessa operação: "Em um dos vídeos que foi interceptado pelas
investigações, aparece uma criança de 6 anos sendo abusada e um
tapete persa era exibido ao fundo da imagem" 40.
Imagine-se: temos imensas dificuldades para apurarmos e
punirmos os infratores dos crimes comuns, quanto mais para
apuramos e punirmos os criminosos dos delitos virtuais.
Por derradeiro, esperamos contar com o empenho inarredável
de todos os órgãos envolvidos diretamente no combate da
criminalidade e da impunidade, sobretudo os órgãos ligados à
Segurança Pública e à instituição do próprio Poder Judiciário, sob
pena de não chegarmos a lugar nenhum.
REFERÊNCIAS
BETTO, Frei. Diário de Fernando. Rio de Janeiro: Rocco, 2009.
CARNEIRO, Edmo Magalhães. Estranho poder judiciário - Refém das
forças políticas. Fortaleza: LCR, mar. 2011.
COSTA, Alfredo de Araújo Lopes da. Manual elementar de direito
processual. Rio de Janeiro: Forense, 1956.
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REVISTA Veja, n. 23, 10 jun. 2009.

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