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empreendedorismo | mesa-redonda
inovação
Ricardo
CavallinI
Cofundador do
Makers Brasil
(makers.net.br),
consultor de
negócios digitais
e autor de livros
como Evolução:
Prepare sua Empresa
para Inovar Sempre,
Onipresente, O
Marketing Depois
de Amanhã
e Mobilize
Mark Hatch
Maker e colíder do movimento,
CEO da TechShop, autor de Maker
Movement Manifesto, ex-executivo
de várias empresas
Os makers
debatem a última
fronteira do
“faça você mesmo”
Entenda o movimento de empreendedorismo industrial que nasceu nos EUA em 2005 e
se espalha –ao Brasil chegou no fim de 2013–, e as oportunidades e ameaças que traz às
empresas no longo prazo, nesta conversa de seu líder, Mark Hatch, com makers brasileiros
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| edição 105
A l on
ski
So c h a czew
Cofundador do
Makers Brasil
(makers.net.br),
empreendedor serial
(fundou três das
principais agências
digitais do Brasil)
e coautor dos
livros Mobilize e
A Primeira Tela
divulgação; Mario Henrique
Q
Quando entra em uma TechShop, a
pessoa pode sentir-se perdida em uma
oficina gigantesca. É um local de US$ 1
milhão em máquinas e repleto de gente
fazendo coisas com elas.
Não são apenas impressoras 3D, tão
em moda, que se encontram lá. Há
máquinas de corte a laser, injeção a
plástico, costura industrial, modelagem
a vácuo, fresadora, pintura eletrostática, entre outras, além de materiais
diversos, como madeira, plástico, acrílico, ferro e têxteis.
Os frequentadores, como sócios de
um clube que pagam mensalidade
para usá-lo à vontade e ainda fazer cursos extras, vão de jovens a veteranos e
têm perfis variados, como os de artistas,
é tudo
fazer
O termo “makers” foi criado em 2005 por Dale Dougherty,
fundador da Make Magazine e criador da expressão “web
2.0”. Segundo ele,“todos nós somos ‘fazedores’. Nascemos
fazedores.Temos a capacidade de fazer coisas, de pegar
as coisas com as mãos. Usamos palavras como ‘pegar’
também metaforicamente, no sentido de entender as
coisas. Não vivemos apenas; fazemos. Criamos coisas”.
Quem disseminou realmente o conceito, no entanto, foi
Chris Anderson, ex-editor da revista Wired e autor de vários
best-sellers. Em seu livro Makers:The New Industrial Revolution,
ele reconhece a definição de Dougherty e a complementa,
lembrando o fascínio das crianças por desenhos, blocos de
Lego e trabalhos manuais.“Muitos de nós ainda mantemos
esse amor por nossos hobbies e paixões. Não se trata
apenas de oficinas e garagens. Se você ama cozinhar, você
é um fazedor da cozinha e seu fogão é sua bancada de
trabalho. Se você gosta de plantas, você é um fazedor do
jardim.Tricô, costura, scrapbook, ponto-cruz –é tudo fazer.”
profissionais liberais e executivos, trabalhando em seu hobby,
no protótipo de um futuro empreendimento próprio ou de
uma inovação social, ou ainda
enviados ali por suas empresas
para desenvolver a criatividade.
A TechShop tem oito unidades, cresceu 20 vezes em cinco
anos em mensalistas –hoje são
6 mil– e receita –US$ 1 milhão
por mês– e também é um dos
destaques da Maker Faire, evento que, em 2013, atraiu 195 mil
pessoas em dois finais de semana em San Francisco e Nova
York e já tem versões em Tóquio, Roma, Santiago e Oslo.
Fundadas em 2006, a Tech­
Shop e a Maker Faire são os
braços visíveis de um movimento que ganha cada vez mais
adeptos em tempos de incerteza
sobre empregos e de críticas aos
ambientes de trabalho convencionais: os makers (fazedores).
O que os makers pregam é a
retomada da ideia de criar algo
do começo ao fim, com as próprias mãos, mas sem as limitações do trabalho artesanal.
Mark Hatch é CEO da TechShop, autor do manifesto do
movimento maker, publicado
em livro em 2013, e um dos líderes do movimento. A convite
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Os 9
mandamentos do
Movimento Maker
Make – Faça
É o que define o ser humano.
Share – Compartilhe
É o método pelo qual o maker
(fazedor) se sente completo.
de HSM Management, ele conversou com os
brasileiros Ricardo Cavallini e Alon Sochaczewski, empreendedores que vêm organizando o movimento no Brasil, onde ele tem inspirado diversos
fóruns de internet. A primeira conclusão dos três
tem a ver com emoção: enquanto Hatch viu profissionais experientes chorarem na visita à TechShop, Cavallini e Alon viram profissionais experientes vibrarem como crianças em um workshop
deles de Arduino, por conseguirem realizar a tarefa de fazer uma lâmpada LED acender (Arduino é
a plataforma para prototipar hardware).
O manifesto do movimento maker começa
com o mandamento “make” (faça, em inglês).
Para Hatch, é isso que define o ser humano. “Há
algo único em fazer coisas físicas; temos de fazê-las para nos sentirmos completos. São como pedaços de nós.” A seguir, os melhores momentos
da mesa-redonda virtual, que também discutiu
as ameaças dos makers às empresas estabelecidas no longo prazo –e as oportunidades.
Ricardo Cavallini: A TechShop levantou
US$ 20 milhões em capital de risco, frequenta a
lista da revista Inc. das empresas que mais crescem
nos Estados Unidos e teve um salto de 798% no faturamento entre 2009 e 2012. Isso significa que as
pessoas estão prontas para ser e acolher os makers?
Mark Hatch: [Risos.] Quando abrimos a TechShop, oito anos atrás, um VC [investidor de risco]
descreveu-a como uma nova categoria –e investidores odeiam novas categorias, porque nenhum
retorno vem rápido e barato. De fato, para termos 200 membros, levamos dois anos. Hoje a
situação está melhor aqui nos Estados Unidos
–temos 6 mil membros–, mas não se pode dizer
que o mercado esteja pronto. De maneira geral,
acontece assim: se a gente disser “Venham!”, ninguém aparece. A gente precisa arrastar as pessoas
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Give – Doe
Há poucas coisas mais
satisfatórias do que, com
desprendimento, doar
algo que você fez.
Learn – Aprenda
É preciso aprender a fazer.
E, por mais que você se
torne um mestre artesão,
sempre há novas técnicas,
materiais e processos.
Tool up – Aparelhe-se
Você precisa ter acesso às
ferramentas corretas para o
projeto que tem em mãos.
Invista e desenvolva acesso
a elas, que nunca foram tão
baratas e fáceis de usar.
Play – Brinque
Divirta-se com o que está
fazendo e você ficará surpreso,
animado e orgulhoso do
que vai descobrir.
Participate – Participe
Una-se ao movimento
maker e tenha acesso a
pessoas a sua volta que estão
descobrindo a alegria de fazer.
Support – Apoie
Esse é um movimento e
ele exige apoio emocional,
intelectual, financeiro,
político e institucional.
Change – Mude
Acolha a mudança que vai
acontecer naturalmente
em sua jornada de maker.
Instalações da TechShop; uma
loja-padrão ocupa área de 3,5 mil
metros quadrados
para dentro, e nem todo mundo vai ficar.
Alon Sochaczewski: Aquele
aparelho para passar cartão de
crédito do iPhone, da Square,
nasceu na TechShop como protótipo. O que motiva os makers
é criar negócios?
Hatch: Acredito que a maioria
dos makers esteja fazendo principalmente porque quer fazer;
só depois vem a ideia de converter o fazer em um negócio.
E, se para lançar um negócio
nos EUA o indivíduo normalmente precisa de US$ 100 mil a
US$ 200 mil de capital inicial,
com a TechShop, esse custo cai
para US$ 15 mil a US$ 25 mil.
O fascinante aqui é poder criar
o negócio a partir de seu estilo
de vida e sustentar-se assim. Talvez você não fique podre de rico,
mas não é essa a motivação.
Cavallini: Você disse que é difícil para o VC entender o movimento. E quanto às empresas?
Hatch: Concordo que o ciclo de vida dos produtos fica menor a cada dia, o que exige um retorno
rápido do investimento, mas o custo do investimento em P&D também está diminuindo. Vivo dizendo aos executivos de inovação: “Dê para mim seu
orçamento, eu o reduzirei pela metade e triplicarei
o resultado, porque as coisas estão mal organizadas
aí”. Hoje há processos melhores do que os de antigamente –nos últimos cinco anos a área mudou
radicalmente; a mentalidade maker ajuda, sim.
Hatch: Estão perdidas. Só algumas fazem ideia
do que esteja acontecendo, como a GE, que aplica
conceitos dos makers em projetos específicos. As
empresas nos convidam para explicar o fenômeno.
Alon: Elas entendem ameaças e oportunidades?
Por exemplo, os makers lhes roubarão talentos?
Hatch: Acho que sim, mas isso levará de 15 a 20
anos para acontecer. As pessoas mais talentosas e
ambiciosas criarão os próprios empregos e provavelmente esnobarão as corporações. Cavallini: Então seria ir além da inovação aberta? É possível ter uma TechShop em uma companhia para viabilizar isso com mais segurança?
Alon: Vale um departamento maker na empresa? divulgação
Hatch: Acho difícil, porque a empresa quer criar
eficiência. Se você montar um ecossistema de empreendimento dentro da empresa, todo mundo
vai querer estar nele e não no restante das funções
necessárias à eficiência –não funciona. Além disso,
a maioria das pessoas de empresas é “viciada” na
carga horária das 8h às 17h e no salário que paga
todas as contas. Elas não aceitariam reduzir o salário à metade e trabalhar das 8h até a hora que
precisar, sete dias por semana, algo muitas vezes
necessário ao empreendedor; elas não se dispõem
a correr o risco.
Cavallini: Hoje, as empresas estão gastando
mais com pesquisa e desenvolvimento e ganhando
menos, pois o ciclo de vida dos produtos está caindo. A mentalidade maker pode mudar essa regra?
Quando as
pessoas virem
a iniciativa
maker como
uma opção, as
corporações
terão de
remunerá-las
melhor e ser
mais flexíveis
em horário
para
conquistá-las
Hatch: Claro que sim! Ninguém poder usar os
laboratórios incríveis que existem dentro das empresas é pouco inteligente. Deixem a comunidade usá-los! Essa ideia já está circulando entre as
empresas e deixando-as aterrorizadas, porque seus
advogados disseminam o medo. Alon: A TechShop faz parcerias com empresas?
Hatch: Em geral, somos procurados por pessoas
inovadoras de grandes empresas para projetos
específicos. Foi o caso de um gestor visionário da
Ford que queria criar um laboratório para quatro
colaboradores, leu sobre nós no New York Times,
chamou-nos, assinamos uma carta de intenções da
parceria e em 48 horas estava tudo certo. Temos
um bom número de negociações em andamento.
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Alon: Medo de arriscar é a maior barreira? Nas
empresas do Brasil, risco é algo a ser evitado de
todas as maneiras, e fracasso é uma vergonha...
Hatch: Se for isso, é uma bobagem. Antes, a ideia
de risco envolvia irritar o cliente e perder US$ 5
milhões. Hoje você faz um produto minimamente viável, disponibiliza-o só online, em uma única
cidade, e vai monitorando as vendas. Custa um
troco. A metodologia mudou completamente e a
única grande empresa que abraçou isso foi a GE,
que já fez dois ou três produtos assim.
Cavallini: O curioso é elas não enxergarem nenhum risco em não se aliarem aos makers e só serem ameaçadas por eles. Por exemplo, o mercado
de peças de reposição, que é extremamente lucrativo para algumas empresas, pode ser fulminado
da noite para o dia daqui a algum tempo...
Alon: No Brasil, talvez não vejam risco, porque o
ecossistema do movimento se baseia muito em conhecimento e crowdfunding, coisas ainda tímidas.
Mesmo nos EUA, o ecossistema
maker é precário?
Hatch: Sem dúvida! Um indivíduo cria uma luminária linda,
a um preço ótimo, e faz todo o
seu planejamento para produzir 100 por semana, com uma
campanha de divulgação modesta. Então, abre o negócio e
recebe a demanda de 4,8 mil
luminárias. O que acontece?
A demanda é desperdiçada,
porque o maker não consegue
comprar material nem produzir
rápido o suficiente.
São as lacunas do ecossistema as culpadas. A falta de
financiamento dos bancos é
uma; outra é o conhecimento em
si, porque, embora esse maker
saiba produzir 600 luminárias,
ele não sabe produzir 4,8 mil.
Mas não é motivo para alguém desistir de fazer. Quando
lançaram o primeiro carro, não
havia estradas. E o carro era incompleto, sem farol, alguém ia
na frente com uma lanterna...
Cavallini: No Brasil, ainda
temos pouca quilometragem,
começamos para valer no final
do ano com três workshops, de
impressão 3D, Arduino e prototipagem, e fizemos oito tur-
Dois exemplos brasileiros
Imagine um bebê que nasceu com malformação
cardíaca. Se, em vez de trabalhar com a imagem de
tomografia computadorizada tradicional, o cirurgião tiver
uma réplica real de seu coração, em 3D, o planejamento
da cirurgia corretiva será muito mais preciso. Essa foi a
oportunidade de empreender que os médicos e makers
brasileiros Bruno Aragão e Virginio Netto descobriram
e, com a impressora 3D e a ajuda do engenheiro
mecânico Danilo Barbosa, criaram uma startup, a 3Dux.
A solução de réplicas de órgãos com as patologias
reproduzidas, que já está sendo testada na prática,
pode ser de grande ajuda em muitos casos, como o de
uma equipe médica que deve treinar procedimentos
ortopédicos e vasculares ou o de estudantes de
medicina que querem ir além dos modelos genéricos
para entender a variedade de patologias reais.
Esse é apenas um exemplo do que o movimento
maker, embora jovem e incipiente no Brasil, já
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está fazendo por aqui. Outro caso é o do Bloom,
uma plataforma que permite realizar controle de
acesso, interações com redes sociais e até mesmo
pagamento sem atrito usando cartões ou celulares
e que tem tudo para mudar a indústria de eventos.
Envolvendo hardware, software e interface de
programação, ele nasceu com o uso de ferramentas
de prototipagem típicas dos makers pelos gestores
e makers Edson Pavoni e Isabelle Perelmuter e
seu lançamento está previsto para agosto.
Desenvolver soluções desse porte e complexidade
agora está ao alcance de todos –brasileiros inclusive. Esses
casos nacionais provam que tudo isso é possível e inspiram
outros a fazer o mesmo. Desconfio que, mais do que um
ciclo vicioso, esse movimento será um ciclo viciante.
POR RICARDO CAVALLINI,
maker e sócio do Makers Brasil
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Membros associados da TechShop dos Estados
Unidos criando coisas com vários equipamentos
mas de 10 a 15 pessoas cada uma, além de alguns
workshops in-company. O plano agora é montar
10 cursos, com kinect, wearable computing etc.
Quais os planos de longo prazo para a TechShop
e o movimento maker?
divulgação
Hatch: Estamos pensando em três fases na TechShop que vão influenciar o movimento. A primeira é simplesmente ampliar a plataforma existente,
passando a funcionar nas 200 maiores cidades do
mundo –alguns lugares vão precisar de subsídios
governamentais, como nas cidades da Coreia do
Sul, onde nossa mensalidade, de US$ 125, é muito
alta. Isso já está em andamento, sem pressa.
A segunda fase é passar a atuar também em um
tipo de plataforma educacional, com cursos online
de vários níveis, para dar apoio a outros espaços
makers e reduzir seus custos. Estamos aprendendo
como podemos ensinar as pessoas a fazer praticamente qualquer coisa em 90 dias, um aprendizado
que lhes será útil para o resto da vida. Talvez assim
consigamos ajudar a criar mil oficinas de serviços
de produção e prototipagem de curto prazo em
todo o mundo.
Em algum ponto desse arco, teremos uma fase
três, de um ecossistema mais completo, capaz de
apoiar a produção compartilhada. Aí seremos
realmente capazes de expandir para outros mercados e reduzir preços. E aí conseguiremos mais
subsídios locais para estender o conceito de makers a crianças na escola e a jovens abandonados
e desempregados. Espero chegar a 1 mil ou 2 mil
TechShops. Como só temos oito hoje, nem 1% da
meta, temos um longo caminho a percorrer.
Cavallini: O Brasil tem grandes problemas que
dificultam empreender, como a burocracia, a falta
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carros e
estradas
Há várias lacunas no
ecossistema maker, segundo
Mark Hatch, mas ele lembra
que também quando lançaram
os primeiros carros não
havia estradas
de infraestrutura, o déficit em
educação. Mas o País também
é reconhecido por sua criatividade e paixão. Com isso, você
acha que o movimento maker
poderia ser a chance para darmos um grande salto?
Hatch: Sim, realmente acho
que sim, porque há talento e faltam oportunidades. O conceito
de makers é sobre dar oportunidades de criar pequenos negócios e o talento é a fonte –e pode
ser educado em uma oficina
maker. As ferramentas nunca
foram tão baratas e acessíveis! Alon: Não se trata apenas de
dar oportunidades em países
emergentes como o Brasil, mas
também de dar oportunidades
em um mercado de trabalho
futuro, que possivelmente terá
menos empregos para humanos
e mais máquinas nas empresas... Como educar as crianças?
Hatch: Em 30 anos, as pessoas
que não souberem usar uma
impressora 3D ou não entenderem coisas afins não terão
emprego. Isso será tão normal
quanto o computador é hoje;
você precisa saber usá-lo, ainda
que não saiba programá-lo.
Quando quebrar a parte plástica do aparelho de barbear, as
pessoas irão até uma loja na esquina para imprimir a peça de
reposição. O projeto disso estará na nuvem, grátis ou bem barato para comprar do fabricante. Bastará baixá-lo e imprimir.
Não acredito que empreender seja para todo mundo, mas
pelo menos de 20% a 30% das
pessoas gostariam de ser empreendedoras e se reprimem
hoje. E, mesmo que a criança
queira ser médica, ela também
deve ser educada para empreender, porque isso lhe dará
controle sobre sua vida.
Cavallini: No Brasil, há pesquisas indicando que 50% gostariam de empreender.

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