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Jornal do Serviço educativo OUTUBRO A DEZEMBRO 2011 | NUMERO 19 Coordenação Elisabete Paiva Edição Inês Mendes Produção Gráfica Paulo Covas Comunicação Bruno Barreto Marta Ferreira Design Atelier Martino&Jaña Textos de Cecília Maia Luís Pereira Madalena Victorino & Giacomo Scalisi Magda Henriques Susana Gomes da Silva Distribuição Andreia Novais Carlos Rego Catarina Pereira Hugo Dias Pedro Silva Sofia Leite Susana Pinheiro PUBLICAÇÃO TRIMESTRAL servicoeducativo@ aoficina.pt ISSN 1646-5652 Tiragem 3000 exemplares O GRANDE ARquItECtO é O tEMPO. Siza Vieira JORNAL DE ARTES E EDUCAÇÃO EDITORIAL ERA UM PEQUENO DESEJO. TOMOU BALANÇO E FEZ-SE UM JORNAL QUE EXISTE HÁ 5 ANOS E É LIDO POR TODO O PAÍS. UM PEQUENO GESTO, REPETIDO, GANHA ENERGIA E ESPAÇO, CONSTRÓI UM CORPO, DÁ-SE A VER. Imaginámos o LURA com a mesma seriedade e pertinência que qualquer outro projecto do Serviço Educativo. Perseverámos na sua continuidade e mantivemo-nos fiéis ao suporte papel, marcas distintivas no seio de uma programação que tem o efémero como matéria de trabalho. Efémero que carece de ser documentado, partilhado, discutido. Que carece de se confrontar com o tempo da leitura, com as leituras daqueles que não estão obrigatoriamente no centro da produção cultural e artística, com o quotidiano - um jornal era o formato necessário. Assim como era necessário que não fosse um espaço unívoco ou insular, mas multivocal e propositivo - chamamos outros, e depois outros, e depois mais outros, como cerejas. A todos agradecemos o tempo, que é sempre tão pouco, em que partilharam connosco os frutos do seu trabalho e experiência, tecendo cuidadosamente as palavras. Siza Vieira diz que o tempo também faz arquitectura e nós reiteramos, e dizemos que o tempo também faz as relações, os projectos, as pessoas o tempo faz crescer. A partir de agora, o LURA passará a ter 12 páginas. Em 2012, uma nova rubrica surgirá, para leitores mais novos - o Laboratório passará a materializar-se num espaço gráfico a explorar com ou sem a companhia de alguém mais crescido. Abriremos também uma secção de reportagem procuramos novos jornalistas, olhares atentos e críticos. Esperamos por novos leitores e colaboradores, talvez sentados debaixo de uma árvore, com a cidade ao fundo, talvez antes dançando, algures nos bastidores. Elisabete Paiva A MONTANTE TERRITÓRIOS EDUCATIVOS Susana Gomes da Silva pág.04 PISTAS Caminhos do Olhar Magda Henriques pág.02 NA LURA Filosofar e ser criança Cecília Maia pág.10 2 | LURA PISTAS CAMINHOS PARA FAZER JUNTOS CAMINHOS DO OLHAR Magda Henriques * * Professora de História das Artes e responsável pelo programa de actividades pedagógicas da Associação Circular. Caminhos do Olhar ...constrói-se sobre a absoluta necessidade de disponibilidade, esforço, tempo e persistência para aceder à alegria que a arte e o conhecimento podem trazer. Âmbito Caminhos do olhar é um programa que deseja partilhar um conjunto de instrumentos que permitam uma aproximação à arte, em particular, à arte do nosso tempo. Quer ser um lugar de exercício da reflexão, do pensamento e da conversa, de partilha de visões e de ampliação de paisagens individuais e colectivas. gostar, às vezes, é preciso compreender... ainda que também às vezes não percebamos nada e gostemos tanto... Esta alegria, este espanto, refere-se ainda à sensação provocada pelo reconhecimento e conhecimento do eu e do outro que a arte tantas vezes desperta e atiça... Esta alegria não é necessariamente festiva, ainda que essa dimensão também possa estar presente. Esta alegria pode até implicar dor. Trata-se de uma espécie de plenitude, de proximidade com o eu, o outro, de reconhecimento do eu na multidão, com o todo... de abrir mundos... por mais dolorosos que, por vezes, possam ser... O programa Caminhos do olhar desenvolve-se ainda a partir da convicção de que os caminhos são singulares e individuais e de que aquilo que somos afecta, define e configura o modo como olhamos e interpretamos o que nos rodeia. Constrói-se também, a propósito da interpretação, em particular das obras de arte, sobre o princípio de que há sempre uma dimensão indizível e de que as palavras são sempre outra coisa, ou seja, podemos e devemos falar sobre e a partir Exposição Pedro Sousa Vieira - Direitos reservados Fundamento Este programa constrói-se sobre alguns alicerces, alguns princípios orientadores, como a absoluta necessidade de disponibilidade, de esforço, de tempo e de persistência para aceder à alegria que a arte e o conhecimento podem trazer. A alegria está aqui relacionada com a descoberta, o encantamento, a revelação... com o espanto como motor do pensamento. A alegria como sensação que decorre do processo de construção da compreensão, da descodificação. Uma espécie de encantamento indizível semelhante ao momento em que aprendemos a ler ou em que começamos a compreender e a falar outra língua. Nas palavras de George Steiner: "abrir janelas sobre horizontes inteiramente novos". Quanto tempo demoramos a aprender inglês, francês...? É preciso tempo. É preciso exercitar continuamente. Diz-se que uma das formas mais eficazes de aprimorar essa aprendizagem é viver entre aqueles que falam essa língua. É preciso conviver para que o estranho se entranhe... Também a arte exige tempo, convivência, para que nos possamos espantar, surpreender, com mais frequência. Para ...sobre o princípio de que há sempre uma dimensão indizível e que as palavras são outra coisa; ou seja, podemos e devemos falar sobre e a partir das obras de arte mas não pretender substituí-las por palavras. Exposição Guimarães Arte Contemporânea 2011 - Direitos reservados das obras de arte mas não pretender substituí-las por palavras. Queremos ainda afirmar que não acreditamos no “vale tudo". A arte é uma das marcas criadas pelo indivíduo que permite aceder a uma parte da complexidade da história humana. A História é uma ciência. Tomando o pensamento de José Mattoso, uma ciência cuja atitude racional e científica não se opõe a uma atitude contemplativa, que o mesmo autor relaciona directamente com a linguagem poética e com o amor, que não prejudicam a objectividade do conhecimento, antes pelo contrário. Este programa surge num contexto particularmente privilegiado na cidade de Guimarães enquanto Capital Europeia da Cultura. Alimenta-se da intensa oferta cultural da capital europeia mas inicia-se antes e continua para além dela porque acreditamos que as construções consistentes e resistentes exigem tempo, trabalho e persistência e raramente são compatíveis com resultados de visibilidade imediata. É, assim, um programa que se contrói em regularidade e continuidade. A estrutura do programa Os caminhos de aproximação às práticas artísticas contemporâneas são trilhados com idas a espectáculos, visitas a exposições, conversas com artistas e "encontros de formação", no CCVF Os "encontros de formação", de periodicidade sensivelmente mensal e com a duração aproximada de 3 horas, são o momento da partilha de impressões e da discussão sobre o que experienciámos, da contextualização teórica dos trabalhos e da criação de pontes com outras obras e outros criadores. O primeiro momento deste programa, excepcionalmente com a duração de 6 horas, desenha-se como uma introdução abrangente à arte contemporânea com o apoio de suportes variados (textos, imagens, músicas, excertos de filmes e documentários) que nos servem de mote para a discussão. Porque construímos sempre sobre o que os outros já construíram, e a arte se situa entre o transitório e o intemporal, faremos incursões pontuais na arte do passado para melhor compreendermos a arte do presente. 3 | LURA PISTAS CAMINHOS PARA FAZER JUNTOS Vassilissa ou a Boneca no bolso Fotografia_Pedro Soares “Actriz - Eu tenho uma história sobre o fogo. Na Rússia, que é um país muito frio, à noite, sentadas à volta da lareira, as pessoas contam uma história que fala do fogo. Por favor, escutai com atenção, porque só conto esta história uma vez e depois não volto a contá-la. Era uma vez uma menina que se chamava Vassilissa...” Assim começa a actriz o conto. Assim começa a actriz o teatro. Vassilissa é a história de um fogo: o fogo da intuição, da luz que vem de dentro, passada de mãe para filha, duma geração à outra, e na história simbolizada pela boneca que Vassilissa guarda sempre no seu bolso. É a capacidade de perscrutar, de ouvir, de sentir e saber rapidamente como agir, de compreender que às vezes as coisas não são o que parecem. Neste antigo conto russo, que chegou até nós através de Afanasiev*, a procura do fogo obriga a menina a deixar a sua casa e a entrar numa vida nova. Na profundez da floresta, Vassilissa encontrará uma velha bruxa selvagem, Baba Jaga, a quem terá de pedir o fogo - é na relação com esta bruxa com algo de mãe que se consubstancia a iniciação da menina. Morte, solidão e encontro, medo e coragem, emoções que o conto não oculta. Uma actriz interpreta a bruxa Baba Jaga (e todas as outras personagens da história) e uma menina escolhida entre o público será Vassilissa. A relação entre as duas personagens é por isso diferente a cada representação. As restantes crianças assistem à acção muito de perto, partilhando com as protagonistas um espaço delimitado por um círculo vermelho. Neste espectáculo, joga-se com o público no limiar entre o real e o ficcional. Aqui, como quando se conta uma história, tudo assenta na relação: entre a actriz e a menina, entre a actriz e o público, entre os meninos no público. Mas não se pense que só os mais pequenos são apanhados nas emoções da Neste espectáculo, joga-se com o público no limiar entre o real e o ficcional. história - também os adultos, a quem é pedido que se mantenham num plano recuado, na sombra, são capturados desde o primeiro momento num inteligente mecanismo de repetição, que se vai complexificando. As crianças não deverão, no entanto, ser preparadas antes do espectáculo. Não deverão conhecer a fábula, nem saber que uma das meninas irá participar na história. Assim, o espectáculo propõe-se também como uma inesquecível iniciação ao teatro, arte que as crianças tão bem manipulam, agora sou este, agora já não sou, agora sou eu, agora sou outro… Esta peça emblemática do teatro para a infância, criada por Letizia Quintavalla com o Teatro delle Briciole em 1994, surge em Portugal pelas mãos do Teatro O Bando, numa co-produção com o entretanto desaparecido CPA - Centro de Pedagogia e Animação do CCB, dirigido entre 1996 e 2008 por Madalena Victorino. A equipa d’O Bando estava ainda mergulhada no bulício da Expo ’98 e da criação de “Peregrinação”, quando aceitou o convite do CPA, transitando de um projecto de grande escala para um trabalho que exigia grande intimidade e subtileza. Símbolo de um espaço digno para o teatro infantil, esta criação joga-se num corpo a corpo entre a actriz e o seu público, que de vários modos é levado a participar, recorrendo simultaneamente a uma estilização rigorosa e a um crescendo emotivo sublinhado pela repetição e pelo espaço circular que os intervenientes ocupam. Sem medo do medo, sem medo da morte, como se fosse a própria vida a ser jogada em palco. Texto redigido pelo Serviço Educativo a partir de material gentilmente cedido pelo Teatro O Bando. * Afanasiev foi um importantíssimo etnólogo Russo; enquanto investigador de folclore, fez uma das maiores recolhas de contos tradicionais a nível mundial, num total de 8 volumes da tradição russa, publicados entre 1855 e 1867. 4 | LURA A MONTANTE AS NOSSAS REFERÊNCIAS TERRITÓRIOS EDUCATIVOS: PARADIGMAS, ESTIGMAS E OUTRAS PEDRAS NO SAPATO Susana Gomes da Silva * Um paradigma é extremamente poderoso na vida de uma sociedade, uma vez que influencia a forma como pensamos, como os problemas são resolvidos, os objectivos a atingir e aquilo a que se atribui valor. Gablick, S., (1991). The reenchantment of art. New York: Thames and Hudson, pp. 2-3 Os Serviços Educativos têm vindo a ser recentemente alvo de uma cada vez maior atenção, o que se reflecte num crescimento acentuado do seu número e também na multiplicação de seminários, redes informais, congressos, e alguma expressão na academia, ainda tímida na sua especificidade enquanto área académica de direito próprio e área de especialização profissional, mas apesar de tudo ganhando aos poucos alguma visibilidade e voz. Pensados não já apenas na tradicional esfera dos museus (instituições-raiz que lhes deram origem, desenhando e experimentando grande parte dos modelos de funcionamento que hoje conhecemos e praticamos, e sobretudo lutando assumidamente pelo seu reconhecimento, necessidade e importância), eles surgem agora como espaços cruciais de mediação cultural alargando a sua acção às instituições culturais na sua globalidade, expandindo-se para bibliotecas, teatros, auditórios, centros culturais, projectos, eventos e festivais dos mais diversos tipos e temáticas. Dir-se-ia que os serviços educativos estão há já bastante tempo na ordem do dia e se, aparentemente, não há novo equipamento ou projecto cultural que não nasça actualmente com a noção de que terá inevitavelmente de contemplar uma área educativa, já os papéis que lhe são atribuídos e a forma como lhe será dado corpo, espaço e margem de Fotografia: Mário Rainha Campos_Projecto Intervir - Heróis e Vilões. 5 | LURA Fotografia: Mário Rainha Campos_Projecto Intervir - Moradas Colectivas A MONTANTE AS NOSSAS REFERÊNCIAS acção constituem pontos sensíveis e frequentemente inconsistentes, reforçando a convicção de que esta continua a ser uma área profissional a precisar de premente e continuada reflexão crítica e ideológica. É que no meio desta azáfama de números e iniciativas persistem grandes assimetrias e diferenças nos enfoques, visões e paradigmas de intervenção. Perguntemos então o básico: O que são exactamente os serviços educativos? O que desejamos que sejam? Que desafios enfrentam? Que práticas preconizam? Que paradigmas educativos encarnam e propõem? Como se integram e que papel desempenham nas instituições que servem? Que papel(éis) desempenham na sociedade actual? …fazer serviço educativo é programar (…) um espaço de criação e reflexão, fruto de um processo de selecção, decisão e experimentação que constitui uma segunda curadoria, uma curadoria educativa… seus modelos e paradigmas de referência. No actual discurso produzido sobre e pelos serviços educativos acerca da sua importância, papéis e razões primeiras de ser e existir alguns termos sobressaem À laia de definição: pontos para pensar actualmente como pilares definidores: Poderíamos dizer que os serviços formação de públicos e mediação. educativos ocupam, desenham e propõem Embora aparentemente próximos, lugares, espaços e estratégias de relação estes dois vectores identificadores da entre as pessoas e os objectos/produtos especificidade do trabalho do serviço culturais, entre os fruidores e os criadores, educativo são na realidade discursos entre os programadores e os participantes, com fundamentos e origens diferentes. assumindo a missão de comunicar, mediar, Basta pensarmos que o argumento da promover experiências e vivências formação de públicos é um discurso partilhadas, desenhar pontes e potenciar de forte componente política usado caminhos, formar e inspirar os públicos, habitualmente para justificar a existência se não da cultura (como seria desejável e importância dos serviços educativos numa visão abrangente e transversal), pelo por quem está fora deles, enquanto o menos da instituição ou projecto a quem argumento da mediação, construção servem (onde se pressupõe que estejam de conhecimento e estabelecimento de integrados de forma orgânica, consistente, pontes e relações é usado habitualmente continuada e reconhecida). pelos próprios profissionais de serviço Nesta visão propositadamente generalista educativo para definirem a sua verdadeira estão contidos alguns dos traços e tensões acção, para anteciparmos algumas das mais habituais, quer ao nível do discurso tensões e contradições em que assentam as sobre o papel educativo das instituições diferenças de perspectiva e consequentes culturais (e por consequência do lugar práticas de trabalho. do serviço educativo na sua estrutura, Acredito por isso que o momento pede ideologia e funcionamento) quer ao nível uma reflexão mais crítica e consequente das práticas de programação educativa e dos discursos em que assenta a nossa verdadeira prática, pois deles nascem os conceitos com que tecemos aquilo em que acreditamos, e essa teia tanto pode crescer e libertar como enredar e limitar. Que cresçamos então sobre os termos, as noções e os conceitos que desenham o paradigma em que verdadeiramente nos queremos mover e agir! Ao serviço da formação de públicos: um pau de muitos bicos Não há dúvida de que os serviços educativos também servem para captar e formar públicos (e, em última instância, se bem sucedidos, para os fidelizar e aumentar). No entanto, é importante não perder de vista que a ideia e o argumento da formação de públicos não são necessariamente educativos e acompanham o surgimento das chamadas políticas e indústrias culturais na década de 80 do século XX. Esta expansão, que resultou na criação de um amplo conjunto de novos espaços e plataformas culturais que dinamizaram, descentralizaram e revitalizaram de alguma forma o tecido cultural do país, não só implica uma visão mais alargada do público como um elemento crucial a ter em consideração na equação cultural enquanto destinatário, “consumidor”, “utilizador” e fruidor dos novos espaços e programas culturais, como a própria forma de financiamento da maioria dos projectos passou a implicar a existência de uma dimensão educativa como requisito básico. A formação de públicos passou a ser assim a pedra de toque e a palavra de ordem para a justificação de muitos dos programas educativos encetados no âmbito dos novos centros culturais, capitais da cultura, festivais, museus e outros equipamentos, e uma forma de capitalizar investimentos e políticas 6 | LURA A MONTANTE AS NOSSAS REFERÊNCIAS * Responsável pela programação do Sector de Educação e Animação Artística do CAM / Fundação Calouste Gulbenkian. à promoção do acesso ao conhecimento de um público não especializado e/ou em formação, assente uma vez mais no argumento da formação e manutenção dos públicos futuros. Por tudo isto não deixa de ser importante reconhecer que é parte fundamental do trabalho educativo formar públicos, mas é essencial que o paradigma de referência se re-situe num processo de releitura crítica. Formar públicos transcende necessariamente a ideia de criação de “utentes” e de apresentação de números e implica um envolvimento de toda a instituição numa visão comum de promoção de uma cidadania activa, crítica e completa, e portanto de promoção de espaços e estratégias concertadas para a efectiva formação de cidadãos participantes no tecido e práticas culturais do seu tempo. Mediação e curadoria educativa: um desafio Formar públicos neste sentido alargado implica que o serviço educativo possa assumir de pleno direito o território fecundo que habita, o espaço que media o dentro e o fora, as pessoas e as coisas, as ideias e os actos, a vida e a criação. O trabalho do serviço educativo é essencialmente um trabalho de mediação e construção de relações. E como tal implica, também, repensar a forma como a programação educativa integra a programação geral, como a instituição vê, pensa e vive a educação e como deseja que ela se projecte para o mundo. Para isso é preciso integrar o trabalho educativo des- Fotografia: Mário Rainha Campos_Projecto Intervir - Moradas Colectivas através do aumento dos números de afluência. Como consequência, parte do reforço do número de serviços educativos fez-se numa lógica utilitária, reduzindo a sua acção e função à criação de iniciativas e actividades de divulgação capazes de mobilizar os supostos públicos do futuro. A este centrar da atenção na formação de públicos na área cultural, corresponde no âmbito específico dos museus uma viragem conceptual crucial: a necessidade de reequacionar o papel das instituições museológicas inscrevendo-as numa agenda de relevância social e educativa mais efectiva, descentrando a atenção das colecções e tradicionais funções determinantes da identidade dos museus para as pessoas, os visitantes e a sua experiência, dando maior visibilidade aos espaços, serviços e profissionais vocacionados para promoção desse encontro. E se de facto a assunção do papel social e educativo dos museus produziu mudanças extremamente significativas no desenho de novos espaços e práticas educativos, sendo inclusivamente capaz de promover o desenho de novas relações orgânicas da educação dentro das instituições, a verdade é que em muitas situações não foi capaz de sublimar uma estrutura de secundarização do trabalho educativo inscrita num sistema de valor em que a componente educativa continua a ocupar o final da linha, servindo uma programação pré-definida, um discurso pré-estabelecido e resumindo a sua utilidade de a origem, torná-lo parceiro e companheiro de caminho ao longo de qualquer projecto de programação cultural. Mas implica também alargar as funções educativas que lhes são tradicionalmente atribuídas e imputadas, tornando os serviços educativos mais flexíveis e ambiciosos nas abordagens e nos programas, suficientemente capazes de promover a globalidade nas grandes premissas subjacentes aos desafios da contemporaneidade e a “localidade” nas acções, programas e relações que desenvolvem para a realidade em que se inserem, construindo comunidades de aprendizagem partilhada, políticas de proximidade e vizinhança, projectos de intervenção e criação com e na comunidade. Isso requer tanto um reconhecimento da sua importância dentro das instituições (numa lógica de coerência e consistência em termos de missão e objectivos ao nível da programação geral) como um conhecimento próximo das comunidades a que se dirigem, de forma a promover a eficácia e consistência da sua acção. E isto implica novas estratégias, novas ferramentas, novas linhas de acção, nomeadamente o reconhecimento de que fazer serviço educativo é programar e de que a programação educativa deve poder ser assumidamente, também ela, um espaço de criação e reflexão, fruto de um processo de selecção, decisão e experimentação que constitui uma segunda curadoria, uma curadoria educativa, uma proposta assente na programação-base da instituição mas com espaço para o seu alargamento e enriquecimento com outros olhares e estratégias de mediação. E se esta realidade começa a ser visível nalgumas das estruturas educativas de referência associadas às artes performativas, onde a programação educativa se mescla, entretece e integra na programação geral de forma orgânica e paritária, apresentando de pleno direito propostas artísticas e experiências criativas sob a forma de espectáculos e produções próprias, e implicando um trabalho de programação partilhado e respeitado, nos museus e maioria das outras estruturas culturais, a programação educativa continua a constituir um apêndice menor e secundário que reflecte um sistema de valor que a remete para o espaço residual da criação de iniciativas puramente subsidiárias da programação central, num modelo frequentemente reprodutivo e transmissivo dos discursos previamente construídos e estabelecidos. A vitalidade das sociedades mede-se também pela diversidade de plataformas e espaços de criação e de promoção do pensamento criativo e crítico, espaços essenciais ao desenvolvimento de uma cidadania plena e participativa. Os serviços educativos são, a meu ver, um aliado fundamental na criação destes espaços mas para se afirmarem nesse papel necessitam ainda de travar importantes batalhas pela mudança de práticas e discursos, identidades e paradigmas. Estrutura financiada pela Secretaria de Estado da Cultura e Direcção-Geral das Artes Apoios 8 | LURA A MONTANTE AS NOSSAS REFERÊNCIAS FESTIVAL TODOS Caminhada de Culturas Madalena Victorino e Giacomo Scalisi * Viajar pelo mundo sem sair de Lisboa Conhecer um bairro através dos mundos das artes TODOS, Caminhada de Culturas é uma iniciativa da Câmara Municipal de Lisboa / GLEM, Gabinete Lisboa Encruzilhada de Mundos e da Academia de Produtores Culturais. Trata-se de um festival internacional e multidisciplinar, uma grande festa para a dimensão de um bairro, que também é, em simultâneo, um espaço de pesquisa artística e sociológica. Desenvolve-se numa das zonas mais antigas e mais carismáticas da cidade de Lisboa: a Mouraria, o Martim Moniz, o Intendente, Anjos e S. Domingos. Este projecto começou em 2009. Já se realizaram três edições, sempre durante o mês de Setembro. Cada festival foi sempre um grande encontro de públicos, um momento tocante de participação No início, lançámonos ao terreno. Embatemos num território pouco transparente, no qual escorregávamos a cada passo...não sabíamos ao certo, onde estávamos...um território que nos prendeu de imediato. A população da Mouraria é multi-racial e multicultural. É um bairro cheio de cor, cheio de velocidades várias, cheio de dor, cheio de vazio. Muitas pessoas de todas as idades, em pequenos grupos, em família, a dois, sozinhas, passam, correm, vagueiam, fogem. Convivem quotidianamente pelas ruas e ruelas, partilham edifícios estreitos onde moram, usam a mesma cabine telefónica, o mesmo comércio, os serviços, as escolas. São oriundas da China, Índia, África, Portugal, Brasil, Europa de Leste. Os lugares de culto proliferam. Crenças e religiões, modos de vestir, de comportar-se, hábitos de vida amontoam-se num espaço demasiado apertado para as diferenças acentuadas e para a grande quantidade de pessoas que aqui vivem, que aqui sobrevivem, que aqui se constroem. Muitas formas de abordar o trabalho coexistem num mesmo quarteirão, dandonos a sensação de que vários países se arrumam por secções numa mesma rua. Uns trabalham, outros lutam por um trabalho, outros esperam, outros vencem. Outros recomeçam a procura, outros conseguem encontrar qualquer coisa. Todos, no entanto, projectam nos seus passos e nos seus dias a ideia de uma vida melhor e maior. Ouve-se uma quantidade de línguas indecifráveis, num só minuto. Escondem-se mundos atrás das expressões que passam. Pressentem-se negócios, expectativas, conformismos. Da loja onde organizamos o festival, vemos, ouvimos e sentimos este mundo passar à nossa frente. Estamos em 2011, na terceira edição deste festival, sentimos o bairro cada vez mais perto. A comunidade chinesa, trabalhadora, metódica, focada sobre o objectivo que a traz para um país tão longínquo, conseguiu transformar o Martim Moniz numa grande muralha, com duas janelas rasgadas sobre dois centros comerciais que ladeiam a praça, que mais nos parecem uma China comerciante e apressada que se tranca a sete chaves da e generosidade de pessoas locais, uma oportunidade para os artistas e seus projectos. O público do bairro e o público vindo de todos os pontos de Lisboa e do país encheu as praças e a programação. No início, lançámo-nos ao terreno. Embatemos num território pouco transparente, no qual escorregávamos a cada passo...não sabíamos ao certo onde estávamos...um território que nos prendeu de imediato. Vivemos neste lugar feito de muitos lugares o tempo suficiente para podermos fundar os alicerces de um festival com várias dimensões: dimensão artística, humanista, abrangente e festiva. Nasceram depois as questões de fundo, que temos vindo ao longo destes três anos a perseguir, a polir e a aprofundar: 1. Como fazer nascer, na população da grande Lisboa, a vontade de vir conhecer e visitar um bairro da sua cidade que tem uma imagem negativa generalizada? 2. Como oferecer às pessoas que habitam ou que trabalham neste bairro, e que vêm de todas as partes do mundo, uma grande festa que lhes diga respeito a todas, que lhes pertença e que se guarde futuramente na memória que têm de Lisboa, da sua Lisboa? 3. Como convidar artistas a cruzarem-se com populações, com hábitos e culturas diversificadas? Como seduzi-los a encontrar, dentro do bairro, o seu espaço de pesquisa e como sugerir-lhes um trabalho de criação e de apresentação das suas obras que se confronte e encontre com aspectos dessa realidade rica e complexa? 4. Como fazer compreender a TODOS, que o TODOS é um grande “campo” de encontros entre o mundo das nacionalidades, culturas e raças de Lisboa e o mundo fascinante das artes? Como dizer-lhes que no coração de Lisboa se organiza a partir de dados culturais sedimentados neste território um pensamento sobre a arte contemporânea? Como dizer-lhes a todos, que lhes oferecemos um fim-de-semana de experiências artísticas únicas, num lugar único, às quais não é possível escapar? vida mundana lisboeta. Neste terceiro ano de trabalho, os vendedores chineses de caranguejos vêm-nos mostrar as suas mãos feridas, as crianças chinesas entram no nosso escritório curiosas, o ciclista idoso chinês sorri para dentro da nossa montra. Autorizam-nos a colagem da divulgação do nosso festival escrito em mandarim nas suas lojas e mercados. O Largo do Intendente, que é a palavra mais proibida do bairro, foi um dos corações que bateu mais forte no festival deste ano. O festival atravessa a fotografia, o teatro, os jogos, a dança, o vídeo, a culinária, a música. Neste ano, o fotógrafo Luís Pavão pensou num pretexto para uma grande exposição. Propôs que se realizasse um trabalho sobre o retrato no espaço público, inventando um mecanismo que se chamou TODOS À TENDA e que funcionou como um estúdio fotográfico surpreendente. No Largo do Intendente, uma tenda com um estúdio rudimentar dentro, convidava quem passava na rua a deixar-se fotografar. As pessoas, num primeiro momento, hesitavam. Depois, voltavam e, quando entravam finalmente na tenda, muitas tinham ido pentear-se, vestir-se. Tinham ido chamar o avô, o amor, o cão. Rondavam a tenda como uma caixa de curiosidades. Fizeram-se 450 fotografias. 450 encontros, 450 conversas sobre a vida, sobre o corpo, sobre a família, sobre tudo e TODOS. Anjos, também há na Mouraria... Uma programação de música e canto litúrgico nas igrejas do bairro, com grupos oriundos sobretudo da Europa de Leste, tem sido parte de um programa de músicas que inclui fanfarras indianas, que habitualmente tocam para os casamentos no Rajastão e que serpentearam o bairro da Mouraria, iluminando-o com um som que fez famílias inteiras de mães e filhos muçulmanos e hindus saírem das suas casas ou assomarem às varandas da Rua do Benformoso para dançar como na sua terra. O Bollywood encheu as Fotografia: Luísa Ferreira_Projecto Todos à Tenda 9 | LURA A MONTANTE AS NOSSAS REFERÊNCIAS O director da Orquestra TODOS com os seus assistentes e os músicos escolhidos trabalham para encontrar em Lisboa uma sonoridade própria para esta nova orquestra, um encontro de culturas musicais diferentes, só aqui possível. As pessoas, num primeiro momento, hesitavam. Depois, voltavam e, quando entravam finalmente na tenda, muitas tinham ido pentear-se, vestir-se. Tinham ido chamar o avô, o amor, o cão. Fotografia: Luísa Ferreira_Projecto Todos à Tenda praças do Martim Moniz e do Intendente. A world music - desde a bossa nova à música hebraica, a versões híbridas que misturam as tradições ciganas, árabes, africanas, chinesas, portuguesas - surgiu na programação com bandas como os Terrakota, Gypsy Connection, Melech Mechaia, Draska, Kocani Orkestar, Aldina Duarte, Gong Linna e António Chainho, Orquestra di Piazza Vittorio, Raspa de Tacho, Dinho Zamorano e, finalmente, a Orquestra TODOS. Para além de um conjunto de espectáculos que, em estreia absoluta, cruzaram artistas como Joana Craveiro, Cláudio Silva, Ainhoa Vidal, Ana Madureira, José Barbieri, Rafael del Rio, os Filhos de Lumière, entre outros, com pessoas vindas deste bairro e também da cidade de Lisboa realizando em conjunto experiências artísticas marcantes, será talvez a Orquestra TODOS o projecto maior e mais relevante que este festival está a levar a cabo. Depois da apresentação da Orquestra di Piazza Vittorio no Largo do Intendente, na edição de 2009, nasceu a vontade de criar um projecto musical a partir de Lisboa A história da Orchestra di Piazza Vittorio começa no bairro Esquilino, em Roma, um bairro que gira à volta de uma praça colorida no coração romano: a Praça Vittorio. Este lugar de passagem e de convivência de muitas culturas e raças inspirou Mario Tronco a criar este projecto musical. Muitos músicos de origens, experiências e instrumentos todos muito diferentes juntam-se para formar uma orquestra com um som único. Reinventam a música do mundo, com uma energia nova que impressiona o público em cada concerto. Esta experiência multicultural musical visitou Lisboa e depois do concerto no Festival TODOS, em Setembro de 2009, no Largo do Intendente, nasceu uma nova ideia, um novo projecto musical a partir de Lisboa: a Orquestra TODOS. Mario Tronco, o director desta orquestra, teve vontade de realizar uma nova experiência: uma orquestra no Largo do Intendente um sonho lisboeta...onde pudesse encontrar novos sons, outras culturas, novos músicos, os novos lisboetas. Uma nova orquestra que nascesse dos sons que a cultura portuguesa acolhe, na riqueza de relações que sempre desenvolveu com territórios próximos e também os mais longínquos do mundo: o norte, o centro e o sul de Portugal, Espanha, Cabo Verde, Índia, Brasil, Itália, Roménia, Moçambique, Angola. O projecto TODOS, Caminhada de Culturas transforma-se assim no motor que faz aparecer esta orquestra com a presença de Mario Tronco e alguns dos seus colaboradores em Lisboa em residências artísticas faseadas no tempo. A metodologia seguida para encontrar o corpo orgânico desta orquestra multicultural incluiu encontros, procuras, audições e workshops, em parceria com diferentes associações e instituições musicais da cidade. O apoio da Fundação Calouste Gulbenkian foi crucial. A composição de um grupo amplo de músicos de diferentes culturas presentes em Lisboa surge, então. Músicos com uma história musical própria, interessante, que muitas vezes não conseguem viver do seu trabalho individual. 15 músicos desconhecidos do grande público, alguns só de passagem por Lisboa mas que transportam consigo uma riqueza cultural única, um mundo próprio e singular, são encontrados. Um verdadeiro laboratório musical encontra o seu espaço no Sport Clube do Intendente, com a direcção do maestro Mario Tronco e a assistência dos músicos Pino Pecorelli e Francesco Valente, este último conhecido no ambiente musical lisboeta (Terrakota, Tora Tora Big Band, Anónima Nuvolari etc.). O director com os seus assistentes e os músicos escolhidos trabalham para encontrar em Lisboa uma sonoridade própria para esta nova orquestra, um encontro de culturas musicais diferentes, só aqui possível. Esta última fase de trabalho foi agora concluída, apresentando-se um repertório de 14 músicas no 1° concerto do Largo do Intendente, em estreia mundial, na 3° edição do festival Todos 2011. Este foi o primeiro momento de vida desta nova Orquestra Lisboeta do mundo, pronta ela própria a sair de Lisboa e a viajar pelo país e pelo mundo. * Programadores do Festival TODOS, Caminhada de Culturas 10 | LURA TRILHOS MARCAS QUE FICARAM E QUEREMOS PARTILHAR Filosofar e ser criança Cecília Maia * O entendimento não deve aprender pensamentos, mas a pensar. Deve ser conduzido (…), mas não levado em ombros, de maneira que no futuro seja capaz de caminhar por si sem tropeçar. − Kant− A distinção entre as denominações Filosofia para Crianças ou Filosofia com Crianças parece-nos importante apenas como tomada de consciência daquilo que é ou deverá ser a prática filosófica com crianças. Por um lado, Filosofia para Crianças, na medida em que adaptamos o desenvolvimento de competências filosóficas especificamente para crianças, em analogia ao desejavelmente feito em Filosofia enquanto disciplina do Ensino Secundário e o subsequente Programa da disciplina para os 10°, 11° e 12° anos de escolaridade. Pois, enquanto professores, quer gostemos deste em termos estéticos, éticos, de conteúdo ou utilidade, quer não gostemos, a realidade é que do ponto de vista teórico e lógico o mesmo se adapta ao desenvolvimento cognitivo médio, ou normal, das idades a que se destina. Por outro lado, Filosofia com Crianças pois a génese da mesma, e aqui entenda-se deste tipo de prática do ponto de vista lipmaniano, pressupõe a criação de uma Comunidade de Investigação em que as crianças são co-autoras da sua própria aprendizagem e investigação filosóficas. Temos vindo a debruçar-nos sobre a dimensão ética da prática filosófica com crianças. Uma questão recorrentemente colocada, principalmente por pessoas estranhas à área, e com a qual qualquer profissional que desenvolva esta prática já se viu certamente confrontado, é a seguinte: “Não estaremos a roubar a infância às crianças?”. Neste ponto parece-nos importante delinear o que se entende por infância. Assim, cremos que propiciar conhecimento, ou melhor, fornecer ferramentas para se poder conhecer, não consiste numa violação de qualquer estádio da existência humana esterilizado numa redoma como o é, segundo esta crítica, a infância. Considerar a infância como uma fase espontânea das nossas vidas não equivale a considerá-la como necessariamente irreflectida e irracional. Abordemos, por instantes, o mito de Prometeu e Epimeteu*. Alguma vez nos questionamos sobre se Epimeteu era apenas uma criança e Prometeu um adulto pausado e racional nas suas decisões? Cremos que não! Ora, considerar a infância como epimeteica e a adultez como prometeica não fará também sentido! Assim, a questão ética relativa à Filosofia para/com Crianças é respondida ao não considerarmos a infância uma fase irracional que se deve manter afastada Uma questão recorrentemente colocada, principalmente por pessoas estranhas à área (…) é a seguinte: “Não estaremos a roubar a infância às crianças?”. permite é o acesso à sua condição de ser humano, ou seja, o acesso metódico à racionalidade. E este não consiste numa violação da condição de ser criança! Esta prática apenas permite contactar com as ferramentas possíveis para se poder trabalhar o que se é e, porque não, trabalhar o mundo. A prática filosófica com crianças implica que as crianças sejam crianças e, cremos até, mais crianças, seja o que for que englobe a definição do conceito de criança: imaginação, criatividade, tranquilidade existencial, inexistência de tabus…, e que certamente não incluirá nas suas acepções ausência de racionalidade! * Prometeu e Epimeteu: Personagens da mitologia grega associadas à dualidade da natureza humana. Prometeu em grego significa, literalmente, "pré-pensador", aquele que analisa, conhece antes de fazer, pensa antes de agir. Epimeteu em grego significa "pós-pensador", aquele que faz e depois pensa, age antes de pensar. Se um representa o homo sapiens, faber, prosaico, o outro é símbolo do homo demens, loquem, poético. Direitos Reservados * Professora de Filosofia do ensino secundário e co-criadora do grupo Enteléquia – Filosofia Prática, no âmbito do qual é formadora do Programa À Descoberta. das vicissitudes da existência humana, pois o que a prática filosófica com crianças propicia não são ensinamentos práticos dogmáticos a aplicar de forma acrítica. Aquilo que a prática filosófica com crianças 11 | LURA NA LURA ESPAÇO DE TODOS PARA TODOS Aprender com os Monumentos Luís Pereira * As entidades tutelares dos monumentos históricos têm uma função essencial na forma de os monumentos veicularem cultura, educação, ideias formativas. (…) Contudo, a sociedade civil também tem um papel fundamental na conservação deste património… negativos, dependendo da forma como estas são educadas (não só pelas entidades responsáveis e competentes como pelo contexto local em que se encontram). Não existem educações isentas ou imparciais. Todas respeitam uma tendência. O que pode advir para o sumo benefício de um monumento é a educação potenciada para a compreensão da As entidades tutelares dos monumentos históricos têm uma função essencial na forma de os monumentos veicularem Os monumentos falam connosco, sem que nós tenhamos que pedir. Costumam, os monumentos, ser os elementos mais puros das relações que estabelecem com as pessoas. cultura, educação, ideias formativas. O aspecto da conservação do espaço físico, em paralelo com as políticas mais adequadas e inovadoras no que toca ao relacionamento dos monumentos com as pessoas, constitui o cerne da tentativa de aproximação da história à população. No entanto, os monumentos conseguem transmitir para o exterior histórias das suas vidas sem que seja sempre necessário puxar por essas histórias, através dos estudos científicos, por exemplo. Os monumentos falam connosco, sem que nós tenhamos que pedir. Costumam, os monumentos, ser os elementos mais puros das relações que estabelecem com as pessoas. Não mentem mas podem não ser de fácil compreensão. Devem ser entendidos e nós devemos-lhes dar oportunidades para nos convencerem das histórias que nos tentam contar. Contudo, a sociedade civil também tem um papel fundamental na conservação deste património, apesar de, normalmente, se desvincular dessa posição, de tal modo que acaba por contribuir (por vezes, irremediavelmente) para a decadência física e, em certos momentos, para a ruína completa dos monumentos. As pessoas são factores importantes, tanto positivos como história e de monumentos históricos. Mas esta intenção implica abertura mental e disponibilidade das pessoas para tal e, por norma, este processo resvala, mormente, para a “reeducação” (ou seja, uma viragem após uma raiz educativa) do que para educação de origem. Em termos gerais, essa reeducação cai em saco roto pois é constituída por hábitos que nunca fizeram parte das vidas de diversas pessoas do quotidiano, desde o início. E o aspecto mental nunca é o primeiro a mudar mas, sim, o último. A cultura e a educação por via da história, através do património edificado, pode dar-nos, enquanto comunidade possuidora de uma identidade social nuclear, noções mais fortes da nossa existência, abrindonos a mente e ajudando-nos a tornar o nosso quotidiano melhor preparado, mais instruído, mais conhecedor das realidades sociais e mais prevenida dos malefícios do dia-a-dia. Ou seja, mais certamente propícia para o desenvolvimento espiritual, tão necessário para sermos “mais altos”. * Museólogo e criador do Serviço Educativo do Mosteiro de Santa Maria de Pombeiro, em Felgueiras. Direitos reservados Considera-se monumento, uma obra ou construção edificada, um bem imóvel que tem como função principal fazer permanecer a memória de algo que a história consagrou como marcante para a formação da sociedade actual de um dado espaço, em algum momento da história. Tal conceito tem lugar numa sociedade cuja mentalidade se desenvolveu, no geral, desde séculos mas, de forma mais célere, desde há poucas décadas até à actualidade, para um nível de percepção da história (independentemente do formato em que se apresenta ao público) mais proactiva para com nós mesmos. Isto é, mais útil para o nosso espírito, o nosso reconhecimento, nós. Trata-se da sensação de vermos algo e sentirmos que se trata da nossa cultura, do que nos forma (enquanto portugueses), do que nos influenciou naquilo que hoje somos. É esse o ponto de aproximação da “cultura” para com as pessoas, por via dos monumentos, por exemplo (entre outras tantas formas de exposição de informação ao público). Concurso de reportagem Eis um desafio a repórteres que ainda não sabem que o são. Se tens olho atento, gosto pela fotografia e/ou pela escrita e sentido crítico sobre a realidade que te rodeia, veste a pele de jornalista e faz uma reportagem para o jornal do Serviço Educativo do CCVF. Fotografias devem vir devidamente legendadas, com local, data e (se assim entenderes) título. Formato preferencial: Tif ou Jpg, resolução 300 dpi. Textos devem figurar com título (subtítulo opcional) e ter entre 400 e 500 palavras. Tens liberdade total sobre o tema. No mais pequeno recanto da rua onde moramos ou no mais longínquo ponto do planeta, escondem-se coisas e gentes à espera de serem reveladas… Mobiliza-te. Só ou bem acompanhado! Quanto a aspectos de forma, considera os seguintes aspectos: Individual ou colectiva, a reportagem deverá ser enviada com a assinatura do(s) seu(s) autores. No caso de grandes grupos, como turmas, poderá criar-se um nome que represente a equipa de repórteres. Os melhores trabalhos serão publicados no LURA, numa secção especialmente criada para o efeito! Aceitam-se Colaborações, Sugestões, Ideias e Outras Coisas… para publicação neste Jornal [email protected] LABORATÓRIO PARA METER AS MÃOS NA MASSA SECÇÃO DO LURA FAZEMOS SUGESTÕES PARA OS PAIS E PROFESSORES *NESTA DESENVOLVEREM COM AS CRIANÇAS E JOVENS: DISCUSSÕES, PROPOSTAS DE ACTIVIDADES, MATERIAIS RELACIONADOS COM OS ESPECTÁCULOS, COMO LIVROS OU FILMES, POSSIBILIDADES DE CONTACTO COM OS CURRÍCULOS ESCOLARES. ESPERAMOS QUE SEJA ÚTIL. LABORATÓRIO MÃE-MÃO AMANHÃ… A partir dos 2 anos Ser pequeno é esticar os braços, para agarrar um pedaço de mundo lá no alto... Dê um passeio pela casa com a criança como guia. Peça-lhe que escolha três sítios num plano alto em que gostaria de tocar. Fazendo o molde a partir da mão da criança, ajude-a a desenhar, pintar e enfeitar três mãozinhas. Com ela ao colo, refaça o percurso, para que ela mesma coloque nos lugares as suas três mãozinhas… Que bom é tocar no amanhã! LABORATÓRIO SOPA NUVEM ** DEITA-ME AÍ UM OLHINHO NA SOPA Dos 6 aos 12 anos O livro Notas de Cozinha*, escrito e ilustrado por Leonardo Da Vinci, é uma obra hilariante, pela surpresa das receitas que criou, pelos comentários às regras de etiqueta da época, pelos desenhos que aqui e ali salpicam as páginas. E por que não juntar primos e primas, meninos e meninas, e fazer uma sessão de leitura? Eleger uma receita entre toda a gente. Ir ao mercado à cata de ingrediente. Deitar tudo na fervura e saborear a aventura! nuar a obra do mestre e desenhar uma fabulosa máquina de cozinha! Importante: há que colocar pequenos apontamentos ao lado do desenho, género guia de instruções, para um aprendiz de cozinheiro saber como ela funciona. ENGENHARIA DE COZINHA LABORATÓRIO VASSILISSA Dos 6 aos 12 anos "As máquinas que ainda tenho de inventar para as minhas cozinhas • Uma para depenar patos • Uma para cortar um porco em cubos • Uma para fazer puré • Uma para triturar um porco • Uma para extrair os sucos a um carneiro - Como devo, porém, accioná-las? A vento ou a água? Rodas dentadas e manivelas? Bois ou camponeses?" Peguemos numa grande folha de papel. Munidos de régua e esquadro, compasso, aristo ou transferidor, vamos conti- * Notas de Cozinha, de Leonardo Da Vinci, Artemágica Editores, 2002. Inspirada num antigo conto russo, a peça d’ O Bando convida à leitura de outros contos. • Contos da Selva, de Horacio Quiroga, Ed. Cavalo de Ferro (2004) • Bichos, de Miguel Torga, Publicações Dom Quixote, 2007 Eis ainda sugestões de narrativas de raiz tradicional, ilustradas por grandes mestres da escola russa: • Os mais belos contos de Grimm, com ilustrações de Alexander Koshkin, Ed. Círculo de Leitores, 1992 • Os mais belos contos de Esopo, com ilustrações de Michael Fiodorov, Ed. Círculo de Leitores, 1992 MAPA DE BOLSO A nossa agenda do trimestre VISITAS GUIADAS Escrita/ Som Todo o ano Terça a Sexta 22 Outubro 18h00 Visitas Guiadas ao CCVF + Maiores de 6 anos Visitas guiadas A partir de Dezembro Terça a Sexta OFICINAS/FORMAÇÃO Segunda a Sexta 19 a 23 Caminhos Dezembro A Palavra + do Olhar Natal feito com Manifesta ° Magda Henriques as mãos + Gimba e Gonçalo Maiores de 15 anos Dos 6 a 10 anos Alegria Maiores de 6 anos 28 a 30 Outubro Teatro Exposição 25 Novembro 10h00 Paintings against painting e2615h00 Novembro 16h00 Hugo Canoilas* Vassilissa Maiores de 6 anos ou a boneca ESPECTÁCULOS/ no bolso ** OFICINA Teatro O Bando Multidisciplinar De 4 a 7 anos 14 Outubro 10h00 e 19h00 Multidisciplinar Sopa Nuvem ** Companhia Caótica Maiores de 7 anos Multidisciplinar Artes e Comunidades Encontros+ Letizia Quintavalla, João Sousa Cardoso, Madalena Victorino & Giacomo Scalisi Preços + consultar condições específicasemwww.ccvf.pt * 0,50€ ** 2€ ° Entrada gratuita Reservas para espectáculos Tlf 253 424 700 / Fax 253 424 710 [email protected] Informações e reservas para outras actividades Tlf 253 424 700 [email protected] Adultos 10 Dezembro 16h00 Entretecer ° Pé de Pano Maiores de 6 anos Estrutura financiada pela Secretaria de Estado da Cultura e Direcção-Geral das Artes Apoios Centro Cultural Vila Flor Av. D. Afonso Henriques, 701 4810 431 Guimarães Tel 253 424 700 [email protected] www.ccvf.pt