editorial

Transcrição

editorial
Jornal do Serviço educativo OUTUBRO A DEZEMBRO 2011 | NUMERO 19
Coordenação
Elisabete Paiva
Edição
Inês Mendes
Produção Gráfica
Paulo Covas
Comunicação
Bruno Barreto
Marta Ferreira
Design
Atelier Martino&Jaña
Textos de
Cecília Maia
Luís Pereira
Madalena Victorino &
Giacomo Scalisi
Magda Henriques
Susana Gomes da Silva
Distribuição
Andreia Novais
Carlos Rego
Catarina Pereira
Hugo Dias
Pedro Silva
Sofia Leite
Susana Pinheiro
PUBLICAÇÃO TRIMESTRAL
servicoeducativo@
aoficina.pt
ISSN 1646-5652
Tiragem 3000 exemplares
O GRANDE ARquItECtO é O tEMPO.
Siza Vieira
JORNAL DE ARTES E EDUCAÇÃO
EDITORIAL
ERA UM PEQUENO DESEJO. TOMOU BALANÇO E FEZ-SE UM
JORNAL QUE EXISTE HÁ 5 ANOS E É LIDO POR TODO O PAÍS.
UM PEQUENO GESTO, REPETIDO, GANHA ENERGIA E ESPAÇO,
CONSTRÓI UM CORPO, DÁ-SE A VER.
Imaginámos o LURA com a mesma seriedade e pertinência que qualquer
outro projecto do Serviço Educativo. Perseverámos na sua continuidade
e mantivemo-nos fiéis ao suporte papel, marcas distintivas no seio de
uma programação que tem o efémero como matéria de trabalho. Efémero
que carece de ser documentado, partilhado, discutido. Que carece de
se confrontar com o tempo da leitura, com as leituras daqueles que
não estão obrigatoriamente no centro da produção cultural e artística,
com o quotidiano - um jornal era o formato necessário. Assim como era
necessário que não fosse um espaço unívoco ou insular, mas multivocal
e propositivo - chamamos outros, e depois outros, e depois mais outros,
como cerejas. A todos agradecemos o tempo, que é sempre tão pouco,
em que partilharam connosco os frutos do seu trabalho e experiência,
tecendo cuidadosamente as palavras.
Siza Vieira diz que o tempo também faz arquitectura e nós reiteramos,
e dizemos que o tempo também faz as relações, os projectos, as pessoas o tempo faz crescer.
A partir de agora, o LURA passará a ter 12 páginas. Em 2012, uma nova
rubrica surgirá, para leitores mais novos - o Laboratório passará a
materializar-se num espaço gráfico a explorar com ou sem a companhia
de alguém mais crescido. Abriremos também uma secção de reportagem procuramos novos jornalistas, olhares atentos e críticos.
Esperamos por novos leitores e colaboradores, talvez sentados debaixo
de uma árvore, com a cidade ao fundo, talvez antes dançando, algures
nos bastidores.
Elisabete Paiva
A MONTANTE
TERRITÓRIOS
EDUCATIVOS
Susana Gomes da Silva pág.04
PISTAS
Caminhos
do Olhar
Magda Henriques pág.02
NA LURA
Filosofar
e ser
criança
Cecília Maia pág.10
2 | LURA
PISTAS CAMINHOS PARA FAZER JUNTOS
CAMINHOS
DO OLHAR
Magda Henriques *
*
Professora de
História das Artes
e responsável
pelo programa
de actividades
pedagógicas da
Associação Circular.
Caminhos do Olhar
...constrói-se sobre a
absoluta necessidade de
disponibilidade, esforço,
tempo e persistência
para aceder à alegria que
a arte e o conhecimento
podem trazer.
Âmbito
Caminhos do olhar é um programa
que deseja partilhar um conjunto
de instrumentos que permitam uma
aproximação à arte, em particular, à arte
do nosso tempo.
Quer ser um lugar de exercício da reflexão,
do pensamento e da conversa, de partilha
de visões e de ampliação de paisagens
individuais e colectivas.
gostar, às vezes, é preciso compreender...
ainda que também às vezes não
percebamos nada e gostemos tanto...
Esta alegria, este espanto, refere-se ainda
à sensação provocada pelo reconhecimento
e conhecimento do eu e do outro que a arte
tantas vezes desperta e atiça... Esta alegria
não é necessariamente festiva, ainda
que essa dimensão também possa estar
presente. Esta alegria pode até implicar
dor. Trata-se de uma espécie de plenitude,
de proximidade com o eu, o outro, de
reconhecimento do eu na multidão, com
o todo... de abrir mundos... por mais
dolorosos que, por vezes, possam ser...
O programa Caminhos do olhar
desenvolve-se ainda a partir da convicção
de que os caminhos são singulares e
individuais e de que aquilo que somos
afecta, define e configura o modo como
olhamos e interpretamos o que nos rodeia.
Constrói-se também, a propósito da
interpretação, em particular das obras de
arte, sobre o princípio de que há sempre
uma dimensão indizível e de que as
palavras são sempre outra coisa, ou seja,
podemos e devemos falar sobre e a partir
Exposição Pedro Sousa Vieira - Direitos reservados
Fundamento
Este programa constrói-se sobre alguns
alicerces, alguns princípios orientadores,
como a absoluta necessidade de
disponibilidade, de esforço, de tempo e
de persistência para aceder à alegria que a
arte e o conhecimento podem trazer.
A alegria está aqui relacionada com a
descoberta, o encantamento, a revelação...
com o espanto como motor do pensamento.
A alegria como sensação que decorre do
processo de construção da compreensão,
da descodificação. Uma espécie de
encantamento indizível semelhante ao
momento em que aprendemos a ler ou em
que começamos a compreender e a falar
outra língua. Nas palavras de George
Steiner: "abrir janelas sobre horizontes
inteiramente novos".
Quanto tempo demoramos a aprender
inglês, francês...?
É preciso tempo. É preciso exercitar
continuamente.
Diz-se que uma das formas mais eficazes
de aprimorar essa aprendizagem é viver
entre aqueles que falam essa língua. É
preciso conviver para que o estranho se
entranhe...
Também a arte exige tempo, convivência,
para que nos possamos espantar,
surpreender, com mais frequência. Para
...sobre o princípio de que
há sempre uma
dimensão indizível e que
as palavras são outra
coisa; ou seja, podemos e
devemos falar sobre e a
partir das obras de arte
mas não pretender substituí-las por palavras.
Exposição Guimarães Arte Contemporânea 2011 - Direitos reservados
das obras de arte mas não pretender
substituí-las por palavras.
Queremos ainda afirmar que não
acreditamos no “vale tudo". A arte é
uma das marcas criadas pelo indivíduo
que permite aceder a uma parte da
complexidade da história humana.
A História é uma ciência. Tomando o
pensamento de José Mattoso, uma ciência
cuja atitude racional e científica não se
opõe a uma atitude contemplativa, que
o mesmo autor relaciona directamente
com a linguagem poética e com o amor,
que não prejudicam a objectividade do
conhecimento, antes pelo contrário.
Este programa surge num contexto particularmente privilegiado na cidade de Guimarães enquanto Capital Europeia da Cultura.
Alimenta-se da intensa oferta cultural da
capital europeia mas inicia-se antes e continua para além dela porque acreditamos
que as construções consistentes e resistentes exigem tempo, trabalho e persistência e
raramente são compatíveis com resultados
de visibilidade imediata.
É, assim, um programa que se contrói em
regularidade e continuidade.
A estrutura do programa
Os caminhos de aproximação às práticas
artísticas contemporâneas são trilhados
com idas a espectáculos, visitas a
exposições, conversas com artistas e
"encontros de formação", no CCVF
Os "encontros de formação", de
periodicidade sensivelmente mensal e com
a duração aproximada de 3 horas, são o
momento da partilha de impressões e da
discussão sobre o que experienciámos, da
contextualização teórica dos trabalhos e
da criação de pontes com outras obras e
outros criadores.
O primeiro momento deste programa,
excepcionalmente com a duração de 6
horas, desenha-se como uma introdução
abrangente à arte contemporânea com
o apoio de suportes variados (textos,
imagens, músicas, excertos de filmes e
documentários) que nos servem de mote
para a discussão.
Porque construímos sempre sobre o
que os outros já construíram, e a arte se
situa entre o transitório e o intemporal,
faremos incursões pontuais na arte do
passado para melhor compreendermos a
arte do presente.
3 | LURA
PISTAS CAMINHOS PARA FAZER JUNTOS
Vassilissa ou a
Boneca no bolso
Fotografia_Pedro Soares
“Actriz - Eu tenho uma história
sobre o fogo. Na Rússia, que
é um país muito frio, à noite,
sentadas à volta da lareira, as
pessoas contam uma história
que fala do fogo. Por favor,
escutai com atenção, porque só
conto esta história uma vez e
depois não volto a contá-la. Era
uma vez uma menina que se
chamava Vassilissa...”
Assim começa a actriz o conto. Assim começa a actriz o teatro.
Vassilissa é a história de um fogo: o fogo da
intuição, da luz que vem de dentro, passada de mãe para filha, duma geração à outra, e na história simbolizada pela boneca
que Vassilissa guarda sempre no seu bolso.
É a capacidade de perscrutar, de ouvir, de
sentir e saber rapidamente como agir, de
compreender que às vezes as coisas não
são o que parecem.
Neste antigo conto russo, que chegou até
nós através de Afanasiev*, a procura do
fogo obriga a menina a deixar a sua casa e
a entrar numa vida nova. Na profundez da
floresta, Vassilissa encontrará uma velha
bruxa selvagem, Baba Jaga, a quem terá de
pedir o fogo - é na relação com esta bruxa
com algo de mãe que se consubstancia a iniciação da menina. Morte, solidão e encontro, medo e coragem, emoções que o conto
não oculta.
Uma actriz interpreta a bruxa Baba Jaga
(e todas as outras personagens da história)
e uma menina escolhida entre o público
será Vassilissa. A relação entre as duas
personagens é por isso diferente a cada
representação. As restantes crianças assistem à acção muito de perto, partilhando
com as protagonistas um espaço delimitado por um círculo vermelho.
Neste espectáculo, joga-se com o público no
limiar entre o real e o ficcional. Aqui, como
quando se conta uma história, tudo assenta
na relação: entre a actriz e a menina, entre
a actriz e o público, entre os meninos no
público. Mas não se pense que só os mais
pequenos são apanhados nas emoções da
Neste
espectáculo,
joga-se com o
público no limiar
entre o real e o
ficcional.
história - também os adultos, a quem é pedido que se mantenham num plano recuado,
na sombra, são capturados desde o primeiro momento num inteligente mecanismo de
repetição, que se vai complexificando.
As crianças não deverão, no entanto, ser
preparadas antes do espectáculo. Não
deverão conhecer a fábula, nem saber
que uma das meninas irá participar na
história. Assim, o espectáculo propõe-se
também como uma inesquecível iniciação
ao teatro, arte que as crianças tão bem manipulam, agora sou este, agora já não sou,
agora sou eu, agora sou outro…
Esta peça emblemática do teatro para a
infância, criada por Letizia Quintavalla
com o Teatro delle Briciole em 1994, surge
em Portugal pelas mãos do Teatro O Bando, numa co-produção com o entretanto
desaparecido CPA - Centro de Pedagogia
e Animação do CCB, dirigido entre 1996 e
2008 por Madalena Victorino. A equipa d’O
Bando estava ainda mergulhada no bulício
da Expo ’98 e da criação de “Peregrinação”, quando aceitou o convite do CPA,
transitando de um projecto de grande
escala para um trabalho que exigia grande
intimidade e subtileza.
Símbolo de um espaço digno para o teatro
infantil, esta criação joga-se num corpo a
corpo entre a actriz e o seu público, que
de vários modos é levado a participar,
recorrendo simultaneamente a uma estilização rigorosa e a um crescendo emotivo
sublinhado pela repetição e pelo espaço
circular que os intervenientes ocupam.
Sem medo do medo, sem medo da morte,
como se fosse a própria vida a ser jogada
em palco.
Texto redigido pelo
Serviço Educativo a
partir de material
gentilmente cedido
pelo Teatro O
Bando.
* Afanasiev foi um
importantíssimo
etnólogo Russo;
enquanto
investigador
de folclore, fez
uma das maiores
recolhas de contos
tradicionais a nível
mundial, num total
de 8 volumes da
tradição russa,
publicados entre
1855 e 1867.
4 | LURA
A MONTANTE AS NOSSAS REFERÊNCIAS
TERRITÓRIOS
EDUCATIVOS:
PARADIGMAS,
ESTIGMAS
E OUTRAS
PEDRAS NO
SAPATO
Susana Gomes da Silva *
Um paradigma é
extremamente poderoso
na vida de uma sociedade,
uma vez que influencia a
forma como pensamos,
como os problemas são
resolvidos, os objectivos
a atingir e aquilo a que se
atribui valor.
Gablick, S., (1991). The
reenchantment of art. New York:
Thames and Hudson, pp. 2-3
Os Serviços Educativos têm vindo a ser
recentemente alvo de uma cada vez maior
atenção, o que se reflecte num crescimento
acentuado do seu número e também
na multiplicação de seminários, redes
informais, congressos, e alguma expressão
na academia, ainda tímida na sua
especificidade enquanto área académica
de direito próprio e área de especialização
profissional, mas apesar de tudo ganhando
aos poucos alguma visibilidade e voz.
Pensados não já apenas na tradicional
esfera dos museus (instituições-raiz
que lhes deram origem, desenhando e
experimentando grande parte dos modelos
de funcionamento que hoje conhecemos
e praticamos, e sobretudo lutando
assumidamente pelo seu reconhecimento,
necessidade e importância), eles surgem
agora como espaços cruciais de mediação
cultural alargando a sua acção às
instituições culturais na sua globalidade,
expandindo-se para bibliotecas, teatros,
auditórios, centros culturais, projectos,
eventos e festivais dos mais diversos tipos
e temáticas.
Dir-se-ia que os serviços educativos
estão há já bastante tempo na ordem do
dia e se, aparentemente, não há novo
equipamento ou projecto cultural que
não nasça actualmente com a noção de
que terá inevitavelmente de contemplar
uma área educativa, já os papéis que
lhe são atribuídos e a forma como lhe
será dado corpo, espaço e margem de
Fotografia: Mário Rainha Campos_Projecto Intervir - Heróis e Vilões.
5 | LURA
Fotografia: Mário Rainha Campos_Projecto Intervir - Moradas Colectivas
A MONTANTE AS NOSSAS REFERÊNCIAS
acção constituem pontos sensíveis
e frequentemente inconsistentes,
reforçando a convicção de que esta
continua a ser uma área profissional
a precisar de premente e continuada
reflexão crítica e ideológica.
É que no meio desta azáfama de números e
iniciativas persistem grandes assimetrias
e diferenças nos enfoques, visões e
paradigmas de intervenção.
Perguntemos então o básico: O que são
exactamente os serviços educativos? O
que desejamos que sejam? Que desafios
enfrentam? Que práticas preconizam?
Que paradigmas educativos encarnam
e propõem? Como se integram e que
papel desempenham nas instituições que
servem? Que papel(éis) desempenham na
sociedade actual?
…fazer serviço educativo é
programar (…) um espaço
de criação e reflexão,
fruto de um processo
de selecção, decisão e
experimentação que
constitui uma segunda
curadoria, uma curadoria
educativa…
seus modelos e paradigmas de referência.
No actual discurso produzido sobre e
pelos serviços educativos acerca da sua
importância, papéis e razões primeiras
de ser e existir alguns termos sobressaem
À laia de definição: pontos para pensar
actualmente como pilares definidores:
Poderíamos dizer que os serviços
formação de públicos e mediação.
educativos ocupam, desenham e propõem
Embora aparentemente próximos,
lugares, espaços e estratégias de relação
estes dois vectores identificadores da
entre as pessoas e os objectos/produtos
especificidade do trabalho do serviço
culturais, entre os fruidores e os criadores, educativo são na realidade discursos
entre os programadores e os participantes, com fundamentos e origens diferentes.
assumindo a missão de comunicar, mediar, Basta pensarmos que o argumento da
promover experiências e vivências
formação de públicos é um discurso
partilhadas, desenhar pontes e potenciar
de forte componente política usado
caminhos, formar e inspirar os públicos,
habitualmente para justificar a existência
se não da cultura (como seria desejável
e importância dos serviços educativos
numa visão abrangente e transversal), pelo por quem está fora deles, enquanto o
menos da instituição ou projecto a quem
argumento da mediação, construção
servem (onde se pressupõe que estejam
de conhecimento e estabelecimento de
integrados de forma orgânica, consistente, pontes e relações é usado habitualmente
continuada e reconhecida).
pelos próprios profissionais de serviço
Nesta visão propositadamente generalista educativo para definirem a sua verdadeira
estão contidos alguns dos traços e tensões
acção, para anteciparmos algumas das
mais habituais, quer ao nível do discurso
tensões e contradições em que assentam as
sobre o papel educativo das instituições
diferenças de perspectiva e consequentes
culturais (e por consequência do lugar
práticas de trabalho.
do serviço educativo na sua estrutura,
Acredito por isso que o momento pede
ideologia e funcionamento) quer ao nível
uma reflexão mais crítica e consequente
das práticas de programação educativa e
dos discursos em que assenta a nossa
verdadeira prática, pois deles nascem
os conceitos com que tecemos aquilo em
que acreditamos, e essa teia tanto pode
crescer e libertar como enredar e limitar.
Que cresçamos então sobre os termos,
as noções e os conceitos que desenham o
paradigma em que verdadeiramente nos
queremos mover e agir!
Ao serviço da formação de públicos: um
pau de muitos bicos
Não há dúvida de que os serviços
educativos também servem para captar e
formar públicos (e, em última instância,
se bem sucedidos, para os fidelizar e
aumentar).
No entanto, é importante não perder
de vista que a ideia e o argumento
da formação de públicos não são
necessariamente educativos e
acompanham o surgimento das chamadas
políticas e indústrias culturais na década
de 80 do século XX. Esta expansão, que
resultou na criação de um amplo conjunto
de novos espaços e plataformas culturais
que dinamizaram, descentralizaram e
revitalizaram de alguma forma o tecido
cultural do país, não só implica uma
visão mais alargada do público como um
elemento crucial a ter em consideração na
equação cultural enquanto destinatário,
“consumidor”, “utilizador” e fruidor dos
novos espaços e programas culturais,
como a própria forma de financiamento da
maioria dos projectos passou a implicar
a existência de uma dimensão educativa
como requisito básico.
A formação de públicos passou a ser
assim a pedra de toque e a palavra de
ordem para a justificação de muitos
dos programas educativos encetados
no âmbito dos novos centros culturais,
capitais da cultura, festivais, museus e
outros equipamentos, e uma forma de
capitalizar investimentos e políticas
6 | LURA
A MONTANTE AS NOSSAS REFERÊNCIAS
*
Responsável pela
programação do
Sector de Educação
e Animação
Artística do CAM /
Fundação Calouste
Gulbenkian.
à promoção do acesso ao conhecimento
de um público não especializado e/ou
em formação, assente uma vez mais no
argumento da formação e manutenção dos
públicos futuros.
Por tudo isto não deixa de ser importante
reconhecer que é parte fundamental
do trabalho educativo formar públicos,
mas é essencial que o paradigma de
referência se re-situe num processo
de releitura crítica. Formar públicos
transcende necessariamente a ideia de
criação de “utentes” e de apresentação
de números e implica um envolvimento
de toda a instituição numa visão comum
de promoção de uma cidadania activa,
crítica e completa, e portanto de promoção
de espaços e estratégias concertadas
para a efectiva formação de cidadãos
participantes no tecido e práticas culturais
do seu tempo.
Mediação e curadoria educativa:
um desafio
Formar públicos neste sentido alargado
implica que o serviço educativo possa assumir de pleno direito o território fecundo
que habita, o espaço que media o dentro e
o fora, as pessoas e as coisas, as ideias e os
actos, a vida e a criação. O trabalho do serviço educativo é essencialmente um trabalho de mediação e construção de relações.
E como tal implica, também, repensar a forma como a programação educativa integra
a programação geral, como a instituição vê,
pensa e vive a educação e como deseja que
ela se projecte para o mundo. Para isso é
preciso integrar o trabalho educativo des-
Fotografia: Mário Rainha Campos_Projecto Intervir - Moradas Colectivas
através do aumento dos números de
afluência. Como consequência, parte do
reforço do número de serviços educativos
fez-se numa lógica utilitária, reduzindo a
sua acção e função à criação de iniciativas
e actividades de divulgação capazes de
mobilizar os supostos públicos do futuro.
A este centrar da atenção na formação
de públicos na área cultural, corresponde no âmbito específico dos museus uma
viragem conceptual crucial: a necessidade
de reequacionar o papel das instituições
museológicas inscrevendo-as numa agenda
de relevância social e educativa mais efectiva, descentrando a atenção das colecções
e tradicionais funções determinantes da
identidade dos museus para as pessoas,
os visitantes e a sua experiência, dando
maior visibilidade aos espaços, serviços e
profissionais vocacionados para promoção
desse encontro.
E se de facto a assunção do papel social e
educativo dos museus produziu mudanças
extremamente significativas no desenho
de novos espaços e práticas educativos,
sendo inclusivamente capaz de promover
o desenho de novas relações orgânicas
da educação dentro das instituições, a
verdade é que em muitas situações não
foi capaz de sublimar uma estrutura de
secundarização do trabalho educativo
inscrita num sistema de valor em que a
componente educativa continua a ocupar o
final da linha, servindo uma programação
pré-definida, um discurso pré-estabelecido e resumindo a sua utilidade
de a origem, torná-lo parceiro e companheiro de caminho ao longo de qualquer projecto de programação cultural. Mas implica
também alargar as funções educativas que
lhes são tradicionalmente atribuídas e imputadas, tornando os serviços educativos
mais flexíveis e ambiciosos nas abordagens
e nos programas, suficientemente capazes
de promover a globalidade nas grandes
premissas subjacentes aos desafios da
contemporaneidade e a “localidade” nas
acções, programas e relações que desenvolvem para a realidade em que se inserem,
construindo comunidades de aprendizagem partilhada, políticas de proximidade
e vizinhança, projectos de intervenção e
criação com e na comunidade.
Isso requer tanto um reconhecimento da
sua importância dentro das instituições
(numa lógica de coerência e consistência
em termos de missão e objectivos ao
nível da programação geral) como um
conhecimento próximo das comunidades
a que se dirigem, de forma a promover a
eficácia e consistência da sua acção.
E isto implica novas estratégias, novas
ferramentas, novas linhas de acção,
nomeadamente o reconhecimento de que
fazer serviço educativo é programar e
de que a programação educativa deve
poder ser assumidamente, também ela,
um espaço de criação e reflexão, fruto
de um processo de selecção, decisão
e experimentação que constitui uma
segunda curadoria, uma curadoria
educativa, uma proposta assente na
programação-base da instituição mas
com espaço para o seu alargamento e
enriquecimento com outros olhares e
estratégias de mediação.
E se esta realidade começa a ser visível
nalgumas das estruturas educativas
de referência associadas às artes
performativas, onde a programação
educativa se mescla, entretece e
integra na programação geral de forma
orgânica e paritária, apresentando de
pleno direito propostas artísticas e
experiências criativas sob a forma de
espectáculos e produções próprias, e
implicando um trabalho de programação
partilhado e respeitado, nos museus e
maioria das outras estruturas culturais,
a programação educativa continua
a constituir um apêndice menor e
secundário que reflecte um sistema de
valor que a remete para o espaço residual
da criação de iniciativas puramente
subsidiárias da programação central, num
modelo frequentemente reprodutivo e
transmissivo dos discursos previamente
construídos e estabelecidos.
A vitalidade das sociedades mede-se
também pela diversidade de plataformas
e espaços de criação e de promoção do
pensamento criativo e crítico, espaços
essenciais ao desenvolvimento de uma cidadania plena e participativa. Os serviços
educativos são, a meu ver, um aliado fundamental na criação destes espaços mas para
se afirmarem nesse papel necessitam ainda
de travar importantes batalhas pela mudança de práticas e discursos, identidades
e paradigmas.
Estrutura financiada pela Secretaria de Estado
da Cultura e Direcção-Geral das Artes
Apoios
8 | LURA
A MONTANTE AS NOSSAS REFERÊNCIAS
FESTIVAL TODOS
Caminhada
de Culturas
Madalena Victorino e Giacomo Scalisi *
Viajar pelo mundo
sem sair de Lisboa
Conhecer um bairro
através dos mundos
das artes
TODOS, Caminhada de Culturas é uma
iniciativa da Câmara Municipal de Lisboa
/ GLEM, Gabinete Lisboa Encruzilhada
de Mundos e da Academia de Produtores
Culturais. Trata-se de um festival
internacional e multidisciplinar, uma
grande festa para a dimensão de um
bairro, que também é, em simultâneo, um
espaço de pesquisa artística e sociológica.
Desenvolve-se numa das zonas mais
antigas e mais carismáticas da cidade de
Lisboa: a Mouraria, o Martim Moniz, o
Intendente, Anjos e S. Domingos.
Este projecto começou em 2009. Já se
realizaram três edições, sempre durante
o mês de Setembro. Cada festival foi
sempre um grande encontro de públicos,
um momento tocante de participação
No início, lançámonos ao terreno.
Embatemos num
território pouco
transparente, no
qual escorregávamos
a cada passo...não
sabíamos ao certo,
onde estávamos...um
território que nos
prendeu de imediato.
A população da Mouraria é multi-racial
e multicultural. É um bairro cheio de cor,
cheio de velocidades várias, cheio de dor,
cheio de vazio. Muitas pessoas de todas as
idades, em pequenos grupos, em família, a
dois, sozinhas, passam, correm, vagueiam,
fogem. Convivem quotidianamente pelas
ruas e ruelas, partilham edifícios estreitos
onde moram, usam a mesma cabine
telefónica, o mesmo comércio, os serviços,
as escolas. São oriundas da China, Índia,
África, Portugal, Brasil, Europa de Leste.
Os lugares de culto proliferam. Crenças e
religiões, modos de vestir, de comportar-se,
hábitos de vida amontoam-se num espaço
demasiado apertado para as diferenças
acentuadas e para a grande quantidade
de pessoas que aqui vivem, que aqui
sobrevivem, que aqui se constroem.
Muitas formas de abordar o trabalho
coexistem num mesmo quarteirão, dandonos a sensação de que vários países se
arrumam por secções numa mesma rua.
Uns trabalham, outros lutam por um
trabalho, outros esperam, outros vencem.
Outros recomeçam a procura, outros
conseguem encontrar qualquer coisa.
Todos, no entanto, projectam nos seus
passos e nos seus dias a ideia de uma vida
melhor e maior. Ouve-se uma quantidade
de línguas indecifráveis, num só minuto.
Escondem-se mundos atrás das expressões
que passam. Pressentem-se negócios,
expectativas, conformismos. Da loja onde
organizamos o festival, vemos, ouvimos e
sentimos este mundo passar à nossa frente.
Estamos em 2011, na terceira edição
deste festival, sentimos o bairro cada
vez mais perto. A comunidade chinesa,
trabalhadora, metódica, focada sobre
o objectivo que a traz para um país tão
longínquo, conseguiu transformar o
Martim Moniz numa grande muralha, com
duas janelas rasgadas sobre dois centros
comerciais que ladeiam a praça, que mais
nos parecem uma China comerciante e
apressada que se tranca a sete chaves da
e generosidade de pessoas locais, uma
oportunidade para os artistas e seus
projectos. O público do bairro e o público
vindo de todos os pontos de Lisboa e do
país encheu as praças e a programação. No
início, lançámo-nos ao terreno. Embatemos
num território pouco transparente, no
qual escorregávamos a cada passo...não
sabíamos ao certo onde estávamos...um
território que nos prendeu de imediato.
Vivemos neste lugar feito de muitos lugares
o tempo suficiente para podermos fundar
os alicerces de um festival com várias
dimensões: dimensão artística, humanista,
abrangente e festiva. Nasceram depois as
questões de fundo, que temos vindo ao
longo destes três anos a perseguir, a polir e
a aprofundar:
1. Como fazer nascer, na população da
grande Lisboa, a vontade de vir conhecer
e visitar um bairro da sua cidade que tem
uma imagem negativa generalizada?
2. Como oferecer às pessoas que habitam
ou que trabalham neste bairro, e que vêm
de todas as partes do mundo, uma grande
festa que lhes diga respeito a todas, que
lhes pertença e que se guarde futuramente
na memória que têm de Lisboa, da sua
Lisboa?
3. Como convidar artistas a cruzarem-se
com populações, com hábitos e culturas
diversificadas? Como seduzi-los a
encontrar, dentro do bairro, o seu espaço
de pesquisa e como sugerir-lhes um
trabalho de criação e de apresentação das
suas obras que se confronte e encontre com
aspectos dessa realidade rica e complexa?
4. Como fazer compreender a TODOS,
que o TODOS é um grande “campo”
de encontros entre o mundo das
nacionalidades, culturas e raças de
Lisboa e o mundo fascinante das
artes? Como dizer-lhes que no coração
de Lisboa se organiza a partir de
dados culturais sedimentados neste
território um pensamento sobre a arte
contemporânea? Como dizer-lhes a todos,
que lhes oferecemos um fim-de-semana de
experiências artísticas únicas, num lugar
único, às quais não é possível escapar?
vida mundana lisboeta. Neste terceiro ano
de trabalho, os vendedores chineses de
caranguejos vêm-nos mostrar as suas mãos
feridas, as crianças chinesas entram no
nosso escritório curiosas, o ciclista idoso
chinês sorri para dentro da nossa montra.
Autorizam-nos a colagem da divulgação
do nosso festival escrito em mandarim nas
suas lojas e mercados.
O Largo do Intendente, que é a palavra
mais proibida do bairro, foi um dos
corações que bateu mais forte no festival
deste ano. O festival atravessa a fotografia,
o teatro, os jogos, a dança, o vídeo, a
culinária, a música. Neste ano, o fotógrafo
Luís Pavão pensou num pretexto para
uma grande exposição. Propôs que se
realizasse um trabalho sobre o retrato no
espaço público, inventando um mecanismo
que se chamou TODOS À TENDA e que
funcionou como um estúdio fotográfico
surpreendente. No Largo do Intendente,
uma tenda com um estúdio rudimentar
dentro, convidava quem passava na rua
a deixar-se fotografar. As pessoas, num
primeiro momento, hesitavam. Depois,
voltavam e, quando entravam finalmente
na tenda, muitas tinham ido pentear-se,
vestir-se. Tinham ido chamar o avô, o
amor, o cão. Rondavam a tenda como uma
caixa de curiosidades. Fizeram-se 450
fotografias. 450 encontros, 450 conversas
sobre a vida, sobre o corpo, sobre a família,
sobre tudo e TODOS.
Anjos, também há na Mouraria... Uma
programação de música e canto litúrgico
nas igrejas do bairro, com grupos oriundos
sobretudo da Europa de Leste, tem
sido parte de um programa de músicas
que inclui fanfarras indianas, que
habitualmente tocam para os casamentos
no Rajastão e que serpentearam o bairro
da Mouraria, iluminando-o com um som
que fez famílias inteiras de mães e filhos
muçulmanos e hindus saírem das suas
casas ou assomarem às varandas da
Rua do Benformoso para dançar como
na sua terra. O Bollywood encheu as
Fotografia: Luísa Ferreira_Projecto Todos à Tenda
9 | LURA
A MONTANTE AS NOSSAS REFERÊNCIAS
O director da Orquestra TODOS com os seus assistentes e
os músicos escolhidos trabalham para encontrar em Lisboa
uma sonoridade própria para esta nova orquestra, um
encontro de culturas musicais diferentes, só aqui possível.
As pessoas, num primeiro
momento, hesitavam.
Depois, voltavam e,
quando entravam
finalmente na tenda,
muitas tinham ido
pentear-se, vestir-se.
Tinham ido chamar o avô,
o amor, o cão.
Fotografia: Luísa Ferreira_Projecto Todos à Tenda
praças do Martim Moniz e do Intendente.
A world music - desde a bossa nova à
música hebraica, a versões híbridas que
misturam as tradições ciganas, árabes,
africanas, chinesas, portuguesas - surgiu
na programação com bandas como os
Terrakota, Gypsy Connection, Melech
Mechaia, Draska, Kocani Orkestar, Aldina
Duarte, Gong Linna e António Chainho,
Orquestra di Piazza Vittorio, Raspa de
Tacho, Dinho Zamorano e, finalmente, a
Orquestra TODOS.
Para além de um conjunto de espectáculos
que, em estreia absoluta, cruzaram artistas
como Joana Craveiro, Cláudio Silva, Ainhoa
Vidal, Ana Madureira, José Barbieri,
Rafael del Rio, os Filhos de Lumière, entre
outros, com pessoas vindas deste bairro
e também da cidade de Lisboa realizando
em conjunto experiências artísticas
marcantes, será talvez a Orquestra TODOS
o projecto maior e mais relevante que este
festival está a levar a cabo.
Depois da apresentação da Orquestra di
Piazza Vittorio no Largo do Intendente, na
edição de 2009, nasceu a vontade de criar
um projecto musical a partir de Lisboa A
história da Orchestra di Piazza Vittorio
começa no bairro Esquilino, em Roma, um
bairro que gira à volta de uma praça colorida no coração romano: a Praça Vittorio.
Este lugar de passagem e de convivência
de muitas culturas e raças inspirou Mario
Tronco a criar este projecto musical.
Muitos músicos de origens, experiências
e instrumentos todos muito diferentes
juntam-se para formar uma orquestra com
um som único. Reinventam a música do
mundo, com uma energia nova que impressiona o público em cada concerto.
Esta experiência multicultural musical
visitou Lisboa e depois do concerto no
Festival TODOS, em Setembro de 2009,
no Largo do Intendente, nasceu uma nova
ideia, um novo projecto musical a partir de
Lisboa: a Orquestra TODOS.
Mario Tronco, o director desta orquestra,
teve vontade de realizar uma nova experiência: uma orquestra no Largo do Intendente um sonho lisboeta...onde pudesse
encontrar novos sons, outras culturas,
novos músicos, os novos lisboetas. Uma
nova orquestra que nascesse dos sons que
a cultura portuguesa acolhe, na riqueza
de relações que sempre desenvolveu com
territórios próximos e também os mais
longínquos do mundo: o norte, o centro e
o sul de Portugal, Espanha, Cabo Verde,
Índia, Brasil, Itália, Roménia, Moçambique, Angola.
O projecto TODOS, Caminhada de Culturas transforma-se assim no motor que faz
aparecer esta orquestra com a presença de
Mario Tronco e alguns dos seus colaboradores em Lisboa em residências artísticas
faseadas no tempo.
A metodologia seguida para encontrar o
corpo orgânico desta orquestra multicultural incluiu encontros, procuras, audições
e workshops, em parceria com diferentes
associações e instituições musicais da
cidade. O apoio da Fundação Calouste
Gulbenkian foi crucial. A composição de
um grupo amplo de músicos de diferentes
culturas presentes em Lisboa surge, então.
Músicos com uma história musical própria,
interessante, que muitas vezes não conseguem viver do seu trabalho individual.
15 músicos desconhecidos do grande público, alguns só de passagem por Lisboa mas
que transportam consigo uma riqueza cultural única, um mundo próprio e singular,
são encontrados.
Um verdadeiro laboratório musical encontra o seu espaço no Sport Clube do Intendente, com a direcção do maestro Mario
Tronco e a assistência dos músicos Pino
Pecorelli e Francesco Valente, este último
conhecido no ambiente musical lisboeta
(Terrakota, Tora Tora Big Band, Anónima
Nuvolari etc.).
O director com os seus assistentes e os músicos escolhidos trabalham para encontrar
em Lisboa uma sonoridade própria para
esta nova orquestra, um encontro de culturas musicais diferentes, só aqui possível.
Esta última fase de trabalho foi agora
concluída, apresentando-se um repertório de 14 músicas no 1° concerto do Largo
do Intendente, em estreia mundial, na
3° edição do festival Todos 2011. Este foi
o primeiro momento de vida desta nova
Orquestra Lisboeta do mundo, pronta ela
própria a sair de Lisboa e a viajar pelo país
e pelo mundo.
*
Programadores
do Festival
TODOS,
Caminhada de
Culturas
10 | LURA
TRILHOS MARCAS QUE FICARAM E QUEREMOS PARTILHAR
Filosofar e ser criança
Cecília Maia *
O entendimento não deve aprender
pensamentos, mas a pensar. Deve ser
conduzido (…), mas não levado em ombros,
de maneira que no futuro seja capaz de
caminhar por si sem tropeçar.
− Kant−
A distinção entre as denominações Filosofia
para Crianças ou Filosofia com Crianças
parece-nos importante apenas como
tomada de consciência daquilo que é ou
deverá ser a prática filosófica com crianças.
Por um lado, Filosofia para Crianças,
na medida em que adaptamos o
desenvolvimento de competências
filosóficas especificamente para crianças,
em analogia ao desejavelmente feito em
Filosofia enquanto disciplina do Ensino
Secundário e o subsequente Programa da
disciplina para os 10°, 11° e 12° anos de
escolaridade. Pois, enquanto professores,
quer gostemos deste em termos estéticos,
éticos, de conteúdo ou utilidade, quer não
gostemos, a realidade é que do ponto de
vista teórico e lógico o mesmo se adapta
ao desenvolvimento cognitivo médio, ou
normal, das idades a que se destina.
Por outro lado, Filosofia com Crianças pois
a génese da mesma, e aqui entenda-se deste tipo de prática do ponto de vista
lipmaniano, pressupõe a criação de uma
Comunidade de Investigação em que as
crianças são co-autoras da sua própria
aprendizagem e investigação filosóficas.
Temos vindo a debruçar-nos sobre a
dimensão ética da prática filosófica com
crianças. Uma questão recorrentemente
colocada, principalmente por pessoas
estranhas à área, e com a qual qualquer
profissional que desenvolva esta prática
já se viu certamente confrontado, é a
seguinte: “Não estaremos a roubar a
infância às crianças?”.
Neste ponto parece-nos importante
delinear o que se entende por
infância. Assim, cremos que propiciar
conhecimento, ou melhor, fornecer
ferramentas para se poder conhecer,
não consiste numa violação de qualquer
estádio da existência humana esterilizado
numa redoma como o é, segundo esta
crítica, a infância. Considerar a infância
como uma fase espontânea das nossas
vidas não equivale a considerá-la como
necessariamente irreflectida e irracional.
Abordemos, por instantes, o mito de
Prometeu e Epimeteu*. Alguma vez nos
questionamos sobre se Epimeteu era
apenas uma criança e Prometeu um adulto
pausado e racional nas suas decisões?
Cremos que não! Ora, considerar a
infância como epimeteica e a adultez como
prometeica não fará também sentido!
Assim, a questão ética relativa à Filosofia
para/com Crianças é respondida ao
não considerarmos a infância uma fase
irracional que se deve manter afastada
Uma questão
recorrentemente
colocada, principalmente
por pessoas estranhas
à área (…) é a seguinte:
“Não estaremos a roubar
a infância às crianças?”.
permite é o acesso à sua condição de ser
humano, ou seja, o acesso metódico à
racionalidade. E este não consiste numa
violação da condição de ser criança!
Esta prática apenas permite contactar
com as ferramentas possíveis para se
poder trabalhar o que se é e, porque não,
trabalhar o mundo.
A prática filosófica com crianças implica
que as crianças sejam crianças e, cremos
até, mais crianças, seja o que for que
englobe a definição do conceito de criança:
imaginação, criatividade, tranquilidade
existencial, inexistência de tabus…, e que
certamente não incluirá nas suas acepções
ausência de racionalidade!
* Prometeu e Epimeteu:
Personagens da mitologia grega
associadas à dualidade da
natureza humana. Prometeu
em grego significa, literalmente,
"pré-pensador", aquele que
analisa, conhece antes de fazer,
pensa antes de agir. Epimeteu em
grego significa "pós-pensador",
aquele que faz e depois pensa,
age antes de pensar. Se um
representa o homo sapiens, faber,
prosaico, o outro é símbolo do
homo demens, loquem, poético.
Direitos Reservados
*
Professora de
Filosofia do
ensino secundário
e co-criadora do
grupo Enteléquia
– Filosofia Prática,
no âmbito do
qual é formadora
do Programa À
Descoberta.
das vicissitudes da existência humana,
pois o que a prática filosófica com crianças
propicia não são ensinamentos práticos
dogmáticos a aplicar de forma acrítica.
Aquilo que a prática filosófica com crianças
11 | LURA
NA LURA ESPAÇO DE TODOS PARA TODOS
Aprender com
os Monumentos
Luís Pereira *
As entidades tutelares
dos monumentos
históricos têm uma
função essencial na
forma de os monumentos
veicularem cultura,
educação, ideias
formativas. (…)
Contudo, a sociedade
civil também tem um
papel fundamental
na conservação deste
património…
negativos, dependendo da forma como
estas são educadas (não só pelas entidades
responsáveis e competentes como pelo
contexto local em que se encontram).
Não existem educações isentas ou
imparciais. Todas respeitam uma
tendência. O que pode advir para o sumo
benefício de um monumento é a educação
potenciada para a compreensão da
As entidades tutelares dos monumentos
históricos têm uma função essencial na
forma de os monumentos veicularem
Os monumentos falam
connosco, sem que
nós tenhamos que
pedir. Costumam, os
monumentos, ser os
elementos mais puros das
relações que estabelecem
com as pessoas.
cultura, educação, ideias formativas.
O aspecto da conservação do espaço
físico, em paralelo com as políticas mais
adequadas e inovadoras no que toca ao
relacionamento dos monumentos com as
pessoas, constitui o cerne da tentativa
de aproximação da história à população.
No entanto, os monumentos conseguem
transmitir para o exterior histórias das
suas vidas sem que seja sempre necessário
puxar por essas histórias, através dos
estudos científicos, por exemplo. Os
monumentos falam connosco, sem que
nós tenhamos que pedir. Costumam,
os monumentos, ser os elementos mais
puros das relações que estabelecem com
as pessoas. Não mentem mas podem
não ser de fácil compreensão. Devem
ser entendidos e nós devemos-lhes dar
oportunidades para nos convencerem das
histórias que nos tentam contar.
Contudo, a sociedade civil também tem um
papel fundamental na conservação deste
património, apesar de, normalmente, se
desvincular dessa posição, de tal modo
que acaba por contribuir (por vezes,
irremediavelmente) para a decadência
física e, em certos momentos, para a ruína
completa dos monumentos. As pessoas são
factores importantes, tanto positivos como
história e de monumentos históricos. Mas
esta intenção implica abertura mental e
disponibilidade das pessoas para tal e, por
norma, este processo resvala, mormente,
para a “reeducação” (ou seja, uma viragem
após uma raiz educativa) do que para
educação de origem. Em termos gerais,
essa reeducação cai em saco roto pois é
constituída por hábitos que nunca fizeram
parte das vidas de diversas pessoas do
quotidiano, desde o início. E o aspecto
mental nunca é o primeiro a mudar mas,
sim, o último.
A cultura e a educação por via da história,
através do património edificado, pode
dar-nos, enquanto comunidade possuidora
de uma identidade social nuclear, noções
mais fortes da nossa existência, abrindonos a mente e ajudando-nos a tornar o
nosso quotidiano melhor preparado, mais
instruído, mais conhecedor das realidades
sociais e mais prevenida dos malefícios
do dia-a-dia. Ou seja, mais certamente
propícia para o desenvolvimento
espiritual, tão necessário para sermos
“mais altos”.
*
Museólogo
e criador
do Serviço
Educativo do
Mosteiro de
Santa Maria de
Pombeiro, em
Felgueiras.
Direitos reservados
Considera-se monumento, uma obra ou
construção edificada, um bem imóvel
que tem como função principal fazer
permanecer a memória de algo que a
história consagrou como marcante para a
formação da sociedade actual de um dado
espaço, em algum momento da história.
Tal conceito tem lugar numa sociedade
cuja mentalidade se desenvolveu, no
geral, desde séculos mas, de forma mais
célere, desde há poucas décadas até à
actualidade, para um nível de percepção
da história (independentemente do
formato em que se apresenta ao público)
mais proactiva para com nós mesmos. Isto
é, mais útil para o nosso espírito, o nosso
reconhecimento, nós. Trata-se da sensação
de vermos algo e sentirmos que se trata da
nossa cultura, do que nos forma (enquanto
portugueses), do que nos influenciou
naquilo que hoje somos. É esse o ponto
de aproximação da “cultura” para com
as pessoas, por via dos monumentos, por
exemplo (entre outras tantas formas de
exposição de informação ao público).
Concurso de reportagem
Eis um desafio a repórteres que ainda não
sabem que o são. Se tens olho atento, gosto
pela fotografia e/ou pela escrita e sentido
crítico sobre a realidade que te rodeia, veste a
pele de jornalista e faz uma reportagem para o
jornal do Serviço Educativo do CCVF.
Fotografias devem vir devidamente
legendadas, com local, data e (se assim
entenderes) título. Formato preferencial: Tif ou
Jpg, resolução 300 dpi.
Textos devem figurar com título (subtítulo
opcional) e ter entre 400 e 500 palavras.
Tens liberdade total sobre o tema. No mais
pequeno recanto da rua onde moramos
ou no mais longínquo ponto do planeta,
escondem-se coisas e gentes à espera de
serem reveladas… Mobiliza-te. Só ou bem
acompanhado!
Quanto a aspectos de forma, considera os
seguintes aspectos:
Individual ou colectiva, a reportagem
deverá ser enviada com a assinatura do(s)
seu(s) autores. No caso de grandes grupos,
como turmas, poderá criar-se um nome
que represente a equipa de repórteres. Os
melhores trabalhos serão publicados no
LURA, numa secção especialmente criada
para o efeito!
Aceitam-se
Colaborações,
Sugestões, Ideias
e Outras Coisas…
para publicação
neste Jornal
[email protected]
LABORATÓRIO PARA METER AS MÃOS NA MASSA
SECÇÃO DO LURA FAZEMOS SUGESTÕES PARA OS PAIS E PROFESSORES
*NESTA
DESENVOLVEREM COM AS CRIANÇAS E JOVENS: DISCUSSÕES, PROPOSTAS DE
ACTIVIDADES, MATERIAIS RELACIONADOS COM OS ESPECTÁCULOS, COMO LIVROS
OU FILMES, POSSIBILIDADES DE CONTACTO COM OS CURRÍCULOS ESCOLARES.
ESPERAMOS QUE SEJA ÚTIL.
LABORATÓRIO
MÃE-MÃO
AMANHÃ…
A partir dos 2 anos
Ser pequeno é esticar os braços, para
agarrar um pedaço de mundo lá no alto...
Dê um passeio pela casa com a criança
como guia. Peça-lhe que escolha três
sítios num plano alto em que gostaria de
tocar. Fazendo o molde a partir da mão
da criança, ajude-a a desenhar, pintar
e enfeitar três mãozinhas. Com ela ao
colo, refaça o percurso, para que ela
mesma coloque nos lugares as suas três
mãozinhas… Que bom é tocar no amanhã!
LABORATÓRIO
SOPA NUVEM **
DEITA-ME AÍ
UM OLHINHO
NA SOPA
Dos 6 aos 12 anos
O livro Notas de Cozinha*, escrito e
ilustrado por Leonardo Da Vinci, é uma
obra hilariante, pela surpresa das receitas
que criou, pelos comentários às regras
de etiqueta da época, pelos desenhos
que aqui e ali salpicam as páginas. E
por que não juntar primos e primas,
meninos e meninas, e fazer uma sessão
de leitura? Eleger uma receita entre
toda a gente. Ir ao mercado à cata de
ingrediente. Deitar tudo na fervura e
saborear a aventura!
nuar a obra do mestre e desenhar uma
fabulosa máquina de cozinha! Importante: há que colocar pequenos apontamentos ao lado do desenho, género guia
de instruções, para um aprendiz de
cozinheiro saber como ela funciona.
ENGENHARIA
DE COZINHA
LABORATÓRIO
VASSILISSA
Dos 6 aos 12 anos
"As máquinas que ainda tenho de
inventar para as minhas cozinhas
• Uma para depenar patos
• Uma para cortar um porco em cubos
• Uma para fazer puré
• Uma para triturar um porco
• Uma para extrair os sucos a
um carneiro
- Como devo, porém, accioná-las? A
vento ou a água? Rodas dentadas e
manivelas? Bois ou camponeses?"
Peguemos numa grande folha de papel.
Munidos de régua e esquadro, compasso, aristo ou transferidor, vamos conti-
* Notas de Cozinha, de Leonardo Da
Vinci, Artemágica Editores, 2002.
Inspirada num antigo conto russo, a
peça d’ O Bando convida à leitura de
outros contos.
• Contos da Selva, de Horacio Quiroga,
Ed. Cavalo de Ferro (2004)
• Bichos, de Miguel Torga, Publicações
Dom Quixote, 2007
Eis ainda sugestões de narrativas de
raiz tradicional, ilustradas por grandes
mestres da escola russa:
• Os mais belos contos de Grimm, com
ilustrações de Alexander Koshkin, Ed.
Círculo de Leitores, 1992
• Os mais belos contos de Esopo, com
ilustrações de Michael Fiodorov, Ed.
Círculo de Leitores, 1992
MAPA DE BOLSO
A nossa agenda do trimestre
VISITAS GUIADAS
Escrita/ Som
Todo o ano Terça a Sexta
22 Outubro 18h00
Visitas Guiadas
ao CCVF +
Maiores de 6 anos
Visitas guiadas
A partir de Dezembro
Terça a Sexta
OFICINAS/FORMAÇÃO
Segunda a Sexta 19 a 23
Caminhos
Dezembro
A Palavra
+
do Olhar
Natal feito com
Manifesta °
Magda Henriques as mãos +
Gimba e Gonçalo Maiores de 15 anos
Dos 6 a 10 anos
Alegria
Maiores de 6 anos
28 a 30 Outubro
Teatro
Exposição
25 Novembro 10h00
Paintings
against painting e2615h00
Novembro 16h00
Hugo Canoilas* Vassilissa
Maiores de 6 anos
ou a boneca
ESPECTÁCULOS/
no bolso **
OFICINA
Teatro O Bando
Multidisciplinar
De 4 a 7 anos
14 Outubro 10h00 e
19h00
Multidisciplinar
Sopa Nuvem **
Companhia
Caótica
Maiores de 7 anos
Multidisciplinar
Artes e
Comunidades Encontros+
Letizia
Quintavalla,
João Sousa
Cardoso,
Madalena
Victorino &
Giacomo Scalisi
Preços
+ consultar condições
específicasemwww.ccvf.pt
* 0,50€
** 2€
° Entrada gratuita
Reservas para espectáculos
Tlf 253 424 700 / Fax 253 424 710
[email protected]
Informações e reservas
para outras actividades
Tlf 253 424 700
[email protected]
Adultos
10 Dezembro 16h00
Entretecer °
Pé de Pano
Maiores de 6 anos
Estrutura financiada pela Secretaria de Estado
da Cultura e Direcção-Geral das Artes
Apoios
Centro Cultural Vila Flor
Av. D. Afonso Henriques, 701
4810 431 Guimarães
Tel 253 424 700
[email protected]
www.ccvf.pt

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