ANEXO I Pareceres legais
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ANEXO I Pareceres legais
ANEXO I Pareceres legais No âmbito da oferta pública de aquisição de ações da Diagnósticos da América S.A. por Cromossomo Participações II S.A. Fevereiro de 2014 Sumário Parecer de Nelson Eizirik Nelson Eizirik Advogados.........................................................................................................3 Parecer de Luiz Leonardo Cantidiano Mota, Fernandes e Rocha Advogados....................................................................................54 Parecer de Erasmo Valladão Azevedo Novaes França e Marcelo Vieira von Adamek...... 72 Parecer de Marcelo Trindade Trindade Sociedade de Advogados......................................................................................88 Parecer de Nelson Eizirik Nelson Eizirik Advogado 3 Parecer de Luiz Leonardo Cantidiano Mota, Fernandes e Rocha Advogados 48 Nelson Cândido Motta Oswaldo de Moraes Bastos Sobrinho Alaor de Lima Filho Luiz Leonardo Cantidiano Maria Lucia Cantidiano Eduardo Garcia de Araujo Jorge André Cantidiano Luiz Eduardo Cavalcanti Corrêa Luiz Fernando Teixeira Pinto Durval Soledade Horacio Bernardes Neto Maria Regina Mangabeira Albernaz Lynch Roberto Liesegang Eli Loria Márcio Monteiro Gea Michael Altit Otto Eduardo Fonseca de Albuquerque Lobo Luís Wielewicki Henrique de Rezende Vergara Claudia Gottsfritz Marcio Marçal F. de Souza Viviane Paladino Gustavo Goiabeira de Oliveira André Luiz de Lima Daibes Rodrigo Piva Menegat Renato Santos de Araujo Renata Weingrill Lancellotti Daniel Kalansky Antonio Joaquim Pires de Carvalho e Albuquerque Marcelo Martin Bruno Pierin Furiati Cecilia Vidigal Monteiro de Barros Denise de Sousa e Silva Alvarenga Andrea de Moraes Chieregatto Camila Spinelli Gadioli Patricia Lynch Pupo Mariana Martins Ribeiro Ana Carolina Crepaldi de A. Penteado Cecília Mignone Modesto Leal Rodrigo Maia Beatriz Villas Boas P. Trovo Michelle Marie Morcos Pedro Schiesser Bernardini Fernando Stacchini Renata Ciampi Jorge Celso Fleming de Almeida Filho Isabel Cantidiano Renato de Góes Ribeiro Isabel Godoy Seidl Guilherme Henrique Traub Marcelo Moura Guedes Fernanda Lopez Marques da Silva João Candido Lindenberg Motta Marcela Tarré Bernini Camila Aguileira Coelho Bernardo Souza Barbosa Thomas Banwell Ayres Roberta Almeida Aguiar Gabriela Giacomin Cardoso Ligia Lacerda Mansutti Fassani Ivan Iegoroff de Mattos Rubens Carlos de Proença Filho Marina Akemi Suzuki Eduardo Nogueira de Oliveira e Silva Fernanda Maria Martins Santos Caio Lages Balestrin de Andrade Camila Colombo Caldorin Barbara Corban Renato Ramos Viçoso Silva Marcelo Trindade Matos de Andrade Mariana Brancatti de Moro Cardoso Rodrigo Sadi Fernanda Corrêa Dalbem Pedro Magalhães e Silva Rafael Lima Sakr Paula Guena Reali Fragoso CONSULTORES: Sebastião do Rego Barros Osmar Simões São Paulo, 21 de fevereiro de 2014 Considerando o fato de que já foi realizado, com sucesso, o leilão de aquisição, pela Cromossomo, de ações que lhe asseguram o controle de Dasa, esclareço que, a meu juízo, não podem os acionistas da referida companhia aberta, que alienaram suas ações aceitando a oferta pública de compra que lhes foi dirigida, pretender pleitear o recebimento de diferença de preço na eventualidade de ser determinada a apresentação, por Cromossomo, da oferta pública prevista no artigo 45 do estatuto de Dasa. Assim entendo porque como todos sabem a oferta pública de aquisição de ações é uma proposta firme de celebração de um contrato que é dirigida a um conjunto de pessoas, destinatárias de tal proposta. Conforme assinala a doutrina, não podem os destinatários da oferta, se decidem aceitá-la, fazê-lo sob condição, vez que dito procedimento representaria uma contraoferta, situação esta que não encontra respaldo na legislação. Tendo presente tal circunstância especial da oferta, está ciente o destinatário da oferta que, alienando suas ações, ele deixa de ser acionista da companhia emissora das ações de que ele (destinatário da oferta) é titular, razão pela qual, aceita a proposta não poderá ele pleitear, na eventualidade de ser posteriormente realizada outra oferta pública de aquisição de ações, de pretender receber eventual diferença de preço. Não me parece que seja aplicável à hipótese submetida a minha análise o disposto no artigo 14 da Instrução CVM n° 361/02. Assim penso porque, à época da realização da OPA em que Cromossomo pretendia adquirir o controle de Dasa, como de fato veio a ocorrer, ela – pelas razões já expostas no curso da apreciação que fiz das questões que foram submetidas a minha reflexão – não estava obrigada a apresentar a OPA prevista no estatuto da referida companhia. Se, agora, a CVM determinar a realização da mencionada oferta, regulada no estatuto de Dasa, dita oferta será imposta à Cromossomo, razão pela qual ela poderá apresentar nova proposta de compra das ações que remanescerem em circulação no mercado, sem que, no entanto, esteja obrigada a pagar eventual diferença de preço. Como diz o referido artigo 14 da Instrução CVM n° 361/02, o ofertante apenas estará compelido a pagar diferença de preço se, antes de estar vencido o período de 1 ano, contado do leilão da oferta anterior, ele decidir apresentar uma oferta voluntária. Luiz Leonardo Cantidiano 2 Parecer de Erasmo Valladão Azevedo Novaes França e de Marcelo Vieira von Adamek 64 Parecer de Marcelo Trindade Trindade Sociedade de Advogados 88 t r i n d a d e sociedade de advogados PARECER OFERTA PÚBLICA VOLUNTÁRIA NÃO INCIDÊNCIA DE CLÁUSULA DE PROTEÇÃO À DISPERSÃO ACIONÁRIA: AQUISIÇÃO POR MEIO DE OFERTA PÚBLICA VOLUNTÁRIA QUE PREENCHE OS REQUISITOS DA CLÁUSULA DE PROTEÇÃO USUFRUTO DE AÇÕES E GRUPO DE ACIONISTAS: AFASTAMENTO DA OBRIGAÇÃO DE REALIZAR A OFERTA, NO CASO CONCRETO Parecer elaborado a pedido de Cromossomo Participações II S.A. São Paulo, 7 de fevereiro de 2014. São Paulo Rua Leopoldo Couto de Magalhães Jr 758 2º andar Itaim Bibi CEP 04542-000 Tel 55 11 3014.6600 Fax 55 11 3014.6610 Rio de Janeiro Av. Borges de Medeiros 633 Grupo 701 Leblon CEP 22430-041 Tel 55 21 3206.3366 Fax 55 21 3206.3367 t r i n d a d e sociedade de advogados CAPÍTULO I INTRODUÇÃO 1. OBJETO DO PARECER A Cromossomo Participações II S.A. (“Cromossomo”), por meio de seu ilustre advogado, Dr. Carlos Mello, apresentou consulta sobre certas questões relacionadas à oferta pública voluntária para aquisição de controle da Diagnósticos da América S.A. (“DASA”), cujo edital foi publicado em 23 de dezembro de 2013 e aditado em 30 de janeiro de 2014 (“OPA Cromossomo”). A consulta explica que, atualmente, a DASA é uma companhia aberta que não possui acionista controlador, sendo os seus maiores acionistas os Srs. Edson de Godoy Bueno (“EB”) e Dulce Pugliese de Godoy Bueno (“DB”) que detêm em conjunto, aproximadamente, 23,59% (vinte e três vírgula cinquenta e nove por cento) do total das ações ordinárias de emissão desta companhia. As ações pertencentes a EB e DB foram adquiridas em decorrência de uma incorporação, pela DASA, de ações de emissão da MD1 Diagnósticos S.A. (“MD1”) realizada em 23 de dezembro de 2010 (“Incorporação de Ações”). Ainda de acordo com a consulta, nos termos do Instrumento Particular de Instituição de Usufruto celebrado em 14 de setembro de 2007 e aditado em 25 de junho de 2008 – anteriormente à Incorporação de Ações – as ações da MD1 de titularidade de DB foram gravadas com usufruto vitalício de voto em favor de EB. Com a Incorporação de Ações, o referido gravame ficou subrogado as ações de emissão da DASA atribuídas a DB, conforme referido no Protocolo e Justificação de Incorporação de Ações: “As ações a serem incorporadas nos termos do presente Protocolo de Incorporação, que forem objeto de usufruto averbado no Livro de 2 t r i n d a d e sociedade de advogados Registro de Ações Nominativas da MD1 na data da Incorporação de Ações, serão substituídas por ações da DASA sujeitas ao mesmo usufruto, pelo prazo original e nos termos dos respectivos instrumentos de constituição de usufruto.” Desta forma, em decorrência da constituição do usufruto, EB é titular, isoladamente, de 23,59% (vinte e três vírgula cinquenta e nove por cento) dos direitos de voto da DASA. De acordo com o edital de oferta pública publicado em 23 de dezembro de 2013, a OPA Cromossomo será realizada por conta e ordem da Cromossomo, sociedade controlada por EB (detendo DB 49% do capital), e será destinada à totalidade das ações ordinárias de emissão da DASA, observada a quantidade mínima de 82.362.124 (oitenta e dois milhões, trezentas e sessenta e duas mil e cento e vinte e quatro) ações, correspondentes a 26,41% (vinte e seis vírgula quarenta e um por cento) mais 1 (uma) ação do capital social da DASA. Em 30 de janeiro de 2014, foi publicado um aditamento ao edital, pelo meio do qual a Cromossomo anunciou a adoção de procedimento diferenciado de unificação das ofertas públicas voluntárias, nos termos do art. 34, § 2º, da Instrução CVM nº 361/02 (“Instrução 361”), para aquisição de até a totalidade das ações de emissão da DASA, quais sejam: (i) a oferta voluntária simples, que visa à aquisição de qualquer número de ações de emissão da DASA; e (ii) a oferta voluntária para aquisição de controle, nos mesmos termos do edital publicado em 23 de dezembro de 2013. Tal procedimento diferenciado permitirá que, caso não haja adesão de acionistas da companhia que representem quantidade de ações que assegure ao ofertante o controle da companhia, a oferta pública voluntária 3 t r i n d a d e sociedade de advogados de aquisição de controle não logre êxito, mas a oferta voluntária simples seja liquidada para aquisição de qualquer número de ações. A Cromossomo se dispõe a pagar, por cada ação objeto da oferta, o preço de R$15,00 (quinze reais). O preço por ação é, aproximadamente, 12,44% (doze vírgula quarenta e quatro por cento) superior ao preço de fechamento das ações ordinárias de emissão da DASA em 20 de dezembro de 2013, bem como, aproximadamente, 22,9% (vinte e dois vírgula nove por cento) superior à média ponderada do preço das ações ordinárias de emissão da DASA nos 90 (noventa) dias anteriores ao dia 20 de dezembro de 2013 (dia útil imediatamente anterior ao primeiro anúncio da OPA). Ocorre que o estatuto social da DASA contém cláusula de proteção à dispersão da base acionária (“Cláusula Poison Pill”) impondo a qualquer acionista comprador que venha a adquirir, ou se torne titular, de 15% (quinze por cento) ou mais do seu capital social, o ônus de realizar uma oferta pública para a aquisição da totalidade das ações de emissão da companhia (“OPA Poison Pill”). O preço de aquisição de cada ação na OPA Poison Pill não poderá ser inferior ao maior valor entre (i) o valor econômico apurado em laudo de avaliação, (ii) 100% (cem por cento) do preço de emissão das ações em qualquer aumento de capital realizado mediante distribuição pública ocorrido no período de 12 (doze) meses que anteceder a data em que se tornar obrigatória a realização da OPA Poison Pill, (iii) 100% (cem por cento) da cotação unitária média das ações de emissão da companhia, durante o período de 90 (noventa) dias anterior à realização da OPA Poison Pill, ponderada pelo volume de negociação, na bolsa de valores em que houver o maior volume de negociações das ações, ou (iv) 100% (cem por cento) do maior valor pago pelo acionista comprador por ações da Companhia em 4 t r i n d a d e sociedade de advogados qualquer tipo de negociação, no período de 12 (doze) meses que anteceder a data em que se tornar obrigatória a realização da OPA Poison Pill (“Preço de Aquisição”). Por sua vez, a OPA Poison Pill não será exigida quando – dentre outras hipóteses previstas no estatuto social da DASA – o adquirente se torne titular de mais de 15% (quinze por cento) do total das ações de emissão da companhia em decorrência de “incorporação de ações de uma outra sociedade pela Companhia”. Em razão disto, a consulta indaga sobre a necessidade de realização, após o encerramento da OPA Cromossomo, da OPA Poison Pill prevista no estatuto social da DASA. 2. QUESITOS FORMULADOS Tendo em vista os fatos acima narrados, a consulta apresenta os seguintes quesitos, que serão examinados e respondidos ao longo deste parecer: Quesito 1: “A aquisição do controle da DASA (e, portanto de mais de 15% das ações de sua emissão) por meio da OPA Cromossomo, i.e., assegurando a todos os acionistas da DASA a possibilidade de venda de suas ações em igualdade de condições, por preço superior à média da cotação das ações no mercado e em linha com o preço-alvo determinado pelos analistas de mercado, dá – dos pontos de vista econômico e jurídico – aos acionistas que eventualmente não quiserem vender suas ações o direito de exigir a efetivação de OPA Poison Pill nos termos do artigo 45 do estatuto social da DASA?” Quesito 2: “Considerando que as Ações Detidas de titularidade de DB estão gravadas com usufruto sobre o direito de voto em favor de EB, podem EB e DB serem considerados um grupo de acionistas para efeitos 5 t r i n d a d e sociedade de advogados da definição de “Grupo de Acionistas” prevista no estatuto social da DASA? Se sim, o grupo formado por EB e DB já detinha participação acima de 15% do capital social total da DASA à época da incorporação das ações da MD1, não disparando, entretanto, o mecanismo do artigo 45 do estatuto social da DASA por conta do disposto no parágrafo sexto do mesmo artigo 45. Face a esse entendimento, é razoável afirmar que o mecanismo de poison pill previsto no artigo 45 do estatuto social da DASA não se aplica ao grupo EB e DB (que inclui a Cromossomo), caso a Cromossomo, em razão da OPA Cromossomo, adquira Ações Objeto da Oferta que representem mais do que 15% do capital social total da DASA?” Quesito 3: “Na hipótese das questões objeto dos itens anteriores virem a ser discutidas em procedimento arbitral do qual resulte decisão que determine a obrigatoriedade de realização da OPA Poison Pill, o critério de preço estabelecido no inciso (iii) de seu parágrafo segundo (i.e., “100% (cem por cento) da cotação unitária média das ações de emissão da Companhia, durante o período de 90 (noventa) dias anterior à realização da OPA”) deveria tomar por base as cotações das ações de emissão da Companhia no período de 90 (noventa) dias anterior à data do edital da OPA Cromossomo ou as cotações das ações no período de 90 (noventa) dias anterior à decisão arbitral?” 3. ORGANIZAÇÃO DO PARECER Este parecer está dividido em quatro Capítulos, sendo esta Introdução o primeiro deles. No segundo Capítulo analisa-se a questão jurídica mais ampla necessária à resposta ao primeiro quesito formulado, que é a seguinte: existindo norma estatutária obrigando a realização de uma OPA por quem adquira uma certa quantidade de ações, aquela obrigação 6 t r i n d a d e sociedade de advogados prevalece caso a aquisição ocorra, ela mesma, por meio de uma OPA que observe os parâmetros da OPA obrigatória? No terceiro Capítulo deste parecer analisam-se as questões jurídicas necessárias à resposta ao segundo quesito formulado. Esse Capítulo só interessará a quem acredite que a resposta à questão tratada na primeira seção é afirmativa, isto é, que mesmo a aquisição por OPA obriga à realização de uma nova OPA. Por fim, no quarto Capítulo são apresentadas as respostas aos quesitos formulados. 7 t r i n d a d e sociedade de advogados CAPÍTULO II SOBRE A EXIGIBILIDADE DE DUAS OFERTAS I. AS OPAS DECORRENTES DE POISON PILLS 1. BREVE HISTÓRICO DA EVOLUÇÃO NOS EUA Na realidade dos Estados Unidos da América, como se sabe, a regra é a da grande dispersão das ações das companhias abertas, com importantes impactos na gestão das empresas.1 Nessas companhias é que surge o fenômeno do chamado “controle gerencial”, ou administrativo, que “é aquele em que a propriedade está tão dispersa, que nenhum indivíduo ou pequeno grupo tem sequer o interesse minoritário grande o suficiente para dominar os negócios da empresa”.2 Essa modalidade de controle só é possível por conta da omissão dos acionistas titulares de ações com direito a voto, que permite aos próprios administradores conduzir os negócios sociais, inclusive exercendo, por procuração, o voto dos acionistas em assembleia. Uma das principais garantias que os acionistas têm, em tais cenários, de que os interesses dos administradores estarão alinhados aos seus, é o risco, sempre presente, de que um terceiro apresente uma oferta pública para a aquisição das ações em circulação no mercado, adquirindo o controle da companhia. Nesse cenário, caso o preço seja atrativo e a maioria dos acionistas decida vender suas ações, os administradores serão provavelmente substituídos por outros, nomeados pelo adquirente do controle. Como detalhadamente examinado na obra clássica de Adolf BERLE e Gardiner MEANS, “A Moderna Sociedade Anônima e a Propriedade Privada”, São Paulo: Abril Cultural, 1984. 2 BERLE e Gardiner MEANS, ob. Cit., p. 94. 1 8 t r i n d a d e sociedade de advogados Diante disso, os administradores deveriam, idealmente, trabalhar em favor da valorização da companhia, a refletir-se no preço de suas ações, dificultando a oferta hostil pelo controle, isto é, uma OPA não negociada com aqueles mesmos administradores. Ocorre que surgiram nos Estados Unidos, na década de 80 do século passado, cláusulas que vieram a ficar conhecidas como “poison pills”, destinadas exatamente a dificultar as tentativas de tomada hostil do controle das companhias norte-americanas. Basicamente, tais cláusulas destinavam-se a atribuir a certos grupos de acionistas (normalmente fundadores), ou ao conselho de administração, poderes ou direitos especiais, exercíveis apenas diante de um evento específico como uma oferta hostil.3 Nos Estados Unidos, a poison pill é normalmente criada por deliberação do conselho de administração. Exatamente por isso a adoção destes mecanismos foi amplamente debatida nas cortes norte-americanas4. Reconheceu-se a legalidade da poison pill, mas foram impostos limites à sua 3 Conforme explica MODESTO CARVALHOSA, na verdade são muitos os mecanismos utilizados nessas poison pills: “(i) emissão de bônus de subscrição que outorguem aos seus titulares o direito de subscrever ações por valor inferior ao de mercado, no momento do anúncio de uma oferta hostil de aquisição do poder de controle; (ii) emissão de debêntures (simples ou conversíveis) resgatáveis por um valor elevado (principal + juros) na hipótese de anúncio de um takeover hostil; (iii) “cavaleiro branco” (white knight): após o anúncio da oferta hostil, a empresa alvo incorpora outra companhia, a fim de tornar a aquisição mais custosa para o ofertante (exemplo: caso Vodafone / Mannesmann); (iv) pac man: a companhia alvo da oferta hostil lança uma contra-oferta pela aquisição das ações de emissão da própria ofertante, a fim de obstar a concretização do negócio; (v) compra ou venda de ativos relevantes no curso da oferta”. CARVALHOSA, Modesto. As poison pills estatutárias na prática brasileira - alguns aspectos de sua legalidade in Direito Societário - Desafios Atuais. Castro, Rodrigo R. Monteiro de. Aragão, Leandro Santos de (coord.). São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 28. 4 Vejam-se os leading cases Herald Co. vs. Seawell, Unocal Corp. vs. Mesa Petroleum Co., Unitrin Inc. vs. American General Corp., Household International Corporation vs. Dyson Kissner-Moran. Conforme explica PLÍNIO JOSÉ LOPES SHIGUEMATSU, “a Suprema Corte de Delaware opinou pela legalidade da poison pill, entendendo que sua presença (...) permitia à companhia procurar melhores preços para suas ações”. SHIGUEMATSU, Plínio José Lopes. Mecanismos de proteção e estratégias de defesa em tomadas hostis de controle. in Direito Societário - Desafio Atuais. Castro, Rodrigo R. Monteiro de. Aragão, Leandro Santos de (coord.). São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 407. 9 t r i n d a d e sociedade de advogados utilização e à atuação dos administradores – até mesmo para evitar que os interesses destes últimos, não necessariamente alinhados com os dos acionistas, prevaleçam em qualquer situação. 2. BREVE HISTÓRICO DA EVOLUÇÃO NO BRASIL Já no Brasil, as cláusulas conhecidas como poison pills são diferentes das norte-americanas. Aqui, embora existam alguns casos de companhias com capital inteiramente pulverizado, o cenário mais comum ainda é o do controle majoritário, isto é, aquele em que um acionista, ou um grupo definido de acionistas unido por acordo de voto, detém mais de 50% (cinquenta por cento) do capital votante. Mas se isso é verdade, também cresce o número de companhias nas quais, embora não exista um acionista controlador majoritário, e o capital não chegue a estar pulverizado como o das grandes corporações norteamericanas, algum ou alguns acionistas (muitas vezes fundadores da empresa) detêm participação importante, inclusive, comumente, com representação no conselho de administração e acompanhamento próximo dos negócios sociais. Esse cenário tem se verificado especialmente em companhias que abriram o capital mediante listagem no Novo Mercado da BM&F Bovespa, e portanto emitiram apenas ações ordinárias, como é o caso da DASA. Assim, na realidade brasileira, com a retomada das aberturas de capital a partir de 2004, pode-se dizer que convivem cinco principais situações, no que se refere ao exercício do poder de controle: (i) companhias com um acionista controlador majoritário; (ii) companhias com controle majoritário exercido por meio de acordo de voto entre acionistas que, isoladamente, não 10 t r i n d a d e sociedade de advogados deteriam o controle majoritário; (iii) companhias com controle minoritário, exercido isoladamente ou mediante acordo de voto por acionistas que, mesmo reunidos, não detêm a maioria do capital votante, mas por deterem participação muito substancial prevalecem reiteradamente nas deliberações sociais, e orientam os negócios da empresa; (iv) companhias com o que se passou a denominar de “capital disperso”, em que um ou alguns acionistas (que têm sido frequentemente denominados “acionistas de referência”), embora minoritários e não unidos por acordos de voto, exercem papel relevante na condução dos negócios sociais, inclusive indicando membros para o conselho de administração; e (v) companhias com o capital completamente desconcentrado, ou “pulverizado”, como se passou a dizer, nas quais a administração conduz com grande liberdade os negócios sociais, à exemplo do que ocorre nas grandes corporações dos Estados Unidos da América. Essa realidade múltipla, e relativamente recente, gerou, nos agentes de mercado, a percepção de que a lei e a regulamentação brasileira poderiam não estar preparadas para lidar com todas as situações. E por isso, independentemente do acerto dessa percepção (que não cabe aqui discutir, apenas ressalvar), ocorreram dois importantes movimentos no nosso mercado de capitais. O primeiro daqueles movimentos foi, conforme já mencionado, a criação do Novo Mercado da BM&F Bovespa (então Bovespa), em 2000, e que terminou se transformando no locus da grande maioria das aberturas de capital ocorridas a partir de 2004. O Regulamento de listagem no Novo Mercado buscou endereçar certos riscos que, a seu ver, não eram corretamente prevenidos pela lei e pela regulamentação. 11 t r i n d a d e sociedade de advogados Além de outros aspectos que não são relevantes para este parecer, é importante destacar, no Regulamento do Novo Mercado, o tratamento dado às alienações de controle em cenários de controle minoritário. Como a Lei das S.A. tratava apenas do controle majoritário, e de modo considerado insuficiente, o risco percebido era o de que o poder de controle mudasse de mãos sem que fosse lançada uma OPA por aquisição de controle, que assegurasse aos demais acionistas a possibilidade de alienar suas ações pelo mesmo preço recebido pelo controlador. Sem o tratamento da situação, o acionista vendedor poderia se apropriar de um prêmio de controle que não seria recebido pelos demais acionistas. Além disso, haveria uma potencial alteração substancial na condução dos negócios da empresa sem que uma oportunidade igualitária de saída fosse concedida a todos os acionistas.5 Assim, o Regulamento do Novo Mercado estabeleceu a obrigatoriedade de realização de uma OPA em igualdade de condições, em favor de todos os acionistas, na hipótese de alienação de controle acionário majoritário ou minoritário, consagrando o chamado tag along em todas as situações de alienação do controle. O tag along assegura que os acionistas controlador e minoritário terão tratamento equivalente no momento em que o controle seja alienado e, além disso, contribui para que a gestão da companhia, ao longo do tempo, não seja realizada com preocupações motivadas por uma potencial apropriação de prêmio de controle quando da sua alienação.6 Sobre as diversas justificativas teóricas para assegurar-se o direito de venda de ações quando da aquisição do controle, veja-se DAVIES, Paul L., the Notion of Equality in European Takeover Regulation, J. Payne Ed., Takeovers in English and German Law. Disponível em: www.ssrn.com 6 Para um maior detalhamento, veja-se a interessante exposição constante da Carta Dynamo. N° 36, 4° trimestre de 2002. Disponível em: http://www.dynamo.com.br/uploads/f102638fa034d175a68d02cce71735af95cc0c81.pdf 5 12 t r i n d a d e sociedade de advogados Contudo, a existência de outros cenários, além do controle minoritário, levou a um segundo movimento, este capitaneado pelos agentes de mercado. Assim, muitas das companhias brasileiras que foram a mercado a partir de 2004 introduziram voluntariamente em seus estatutos normas que as protegessem de riscos existentes em outros cenários, que não o do controle majoritário ou minoritário. Dentre esses riscos inclui-se o de concentração do capital. Por isso, as cláusulas estatutárias destinadas a combatê-lo receberam o nome de “mecanismos de proteção à dispersão acionária”. A ausência de dispersão acionária pode gerar, naturalmente, dois efeitos básicos. O primeiro, o de surgimento de um acionista (ou grupo de acionistas) que, isoladamente, prepondere nas deliberações sociais. Essa situação (de controle majoritário ou minoritário) não é necessariamente ruim, evidentemente, e frequentemente colabora para o sucesso da empresa. O segundo risco é o da iliquidez das ações, isto é, o de que, por força de sucessivas aquisições em mercado, seja reduzida a liquidez das ações e, consequentemente, a possibilidade dos acionistas alienarem suas ações a um preço justo. O risco de iliquidez é tratado pela Lei das S.A. em cenários de controle majoritário, prevendo-se a obrigação do acionista controlador lançar uma OPA quando adquirir participação relevante no capital da companhia aberta, adicional à participação de controle, “que, segundo normas gerais expedidas pela Comissão de Valores Mobiliários, impeça a liquidez de mercado das ações remanescentes” (§ 6º do art. 4º da Lei das S.A.). Trata-se da OPA por Aumento de Participação, a qual, segundo o art. 26 da Instrução CVM 361/02, deve ser lançada “sempre que o acionista 13 t r i n d a d e sociedade de advogados controlador, pessoa a ele vinculada, e outras pessoas que atuem em conjunto com o acionista controlador ou pessoa a ele vinculada, adquiram, por outro meio que não uma OPA, ações que representem mais de 1/3 (um terço) do total das ações de cada espécie e classe em circulação”. Contudo, para situações em que não há acionista controlador majoritário, a Lei das S.A. é omissa, e o mesmo ocorria com o Regulamento do Novo Mercado no momento da retomada das aberturas de capital no Brasil, em 2004. Por isso surgiram, nos estatutos, cláusulas tentando lidar com esse risco de concentração em outras situações que não as disciplinadas pela lei. Tais cláusulas, basicamente, determinam a realização de uma OPA para a totalidade dos acionistas quando algum deles (ou um grupo de acionistas) adquire uma participação relevante, como definida pelo estatuto social. 3. A POISON PILL À BRASILEIRA Tal movimento, no Brasil, está alinhado à clara tendência internacional – com exceção dos Estados Unidos da América – de impor a obrigação de realização de uma OPA quando atingido um percentual do capital social inferior ao necessário para o alcance da maioria absoluta dos votos nas assembleias gerais, especialmente em situações de companhias com capital pulverizado. Essa espécie de OPA termina por produzir o mesmo efeito de uma obrigação de lançar uma OPA por alienação de controle – ou, mais propriamente, por aquisição originária de controle, ainda que minoritário, e tem a finalidade de permitir a todos os acionistas participar da venda de um bloco relevante, que possa gerar a aquisição de controle minoritário ou majoritário. O direito comunitário europeu, por exemplo, estabelece a obrigatoriedade de oferta pública sempre que a aquisição se faça em quantidade de ações 14 t r i n d a d e sociedade de advogados suficiente para atribuir ao seu titular o controle da companhia, não importando se majoritário ou não.7 No Brasil, além das cláusulas determinando a realização das OPAs, alguns estatutos sociais de companhias do Novo Mercado determinam, adicionalmente, (i) a limitação do direito de voto a um certo percentual do capital social (com fundamento na norma do art. 110, § 1°, da Lei das S.A.), inferior àquele que dispara a obrigação de realizar a OPA – visando a tornar menos atraente a aquisição dos direitos econômicos desacompanhados do poder político – ou (ii) a obrigação de apenas adquirir ações em bolsa de valores (e não privadamente) a partir de um certo percentual de participação no capital, também mais baixo que o da OPA – assegurando a todos os acionistas a oportunidade de vender ações ao potencial comprador do controle antes mesmo que ele o atinja.8 Tais regras estatutárias é que têm sido comumente denominadas de poison pills entre nós, mas elas claramente diferem daquelas que surgiram no mercado norte-americano. Sua característica não é, a princípio, “venenosa” É o que dispõe a Diretiva 2004/25/CE em seu art. 5º, nº 1: “Sempre que uma pessoa singular ou colectiva, na sequência de uma aquisição efectuada por si ou por pessoas que com ela actuam em concertação, venha a deter valores mobiliários de uma sociedade a que se refere o n.o 1 do artigo 1.o que, adicionados a uma eventual participação que já detenha e à participação detida pelas pessoas que com ela actuam em concertação, lhe confiram directa ou indirectamente uma determinada percentagem dos direitos de voto nessa sociedade, permitindo-lhe dispor do controlo da mesma, os Estados-Membros asseguram que essa pessoa deva lançar uma oferta a fim de proteger os accionistas minoritários dessa sociedade. Esta oferta deve ser dirigida o mais rapidamente possível a todos os titulares de valores mobiliários, para a totalidade das suas participações, a um preço equitativo definido no nº 4” 8 É preciso, entretanto, lembrar que caso se esteja diante de uma companhia com grande pulverização das ações, a OPA produzirá o efeito da oportunidade de saída diante da iminência de uma alteração substancial nos negócios sociais, mas também produzirá o efeito perverso de dificultar a formação de posições relevantes por acionistas que poderiam interferir positivamente na gestão da companhia. Isso, portanto, poderá resultar no fortalecimento de uma administração não necessariamente eficiente. E esse efeito perverso será ainda mais danoso caso o preço da OPA deva embutir um prêmio. 7 15 t r i n d a d e sociedade de advogados ou surpreendente, pois constam dos estatutos e visam a colaborar para a preservação da liquidez das ações das companhias. Qual a razão, então, da alcunha dada, no Brasil, a essa modalidade de cláusula? Ela está em um fator acidental, e não estrutural dessas regras. É que a obrigação de realizar OPA prevista nos estatutos sociais das companhias brasileiras veio normalmente acompanhada do estabelecimento do preço pelo qual tal OPA deve ser realizada. E, mais do que isso, muitas vezes da fixação do preço inclui um prêmio em relação ao valor de mercado vigente proximamente à OPA, e mesmo sobre o valor econômico da companhia.9 E, pior, frequentemente a isso tudo se somou a previsão de sanções para os acionistas que votassem pela retirada da cláusula do estatuto.10 Os frequentes prêmios, e as demais cláusulas restritivas, que encarecem e dificultam a OPA, é que deram causa à equiparação de tais cláusulas estatutárias às poison pills das companhias dos Estados Unidos da América, criadas para dificultar a tomada de controle de muitas das corporations daquele país. Em companhias com acionista controlador majoritário, a previsão de tais cláusulas com prêmios e limitações de voto não teria qualquer utilidade no “Algumas companhias com controle pulverizado têm introduzido em seus estatutos determinados dispositivos que visam a impedir ou a dificultar a aquisição do seu controle acionário, sendo o mais relevante e discutido o que obriga a realização de oferta pública pelo acionista ou grupo de acionistas que adquirir participação acionária superior a determinado percentual – por exemplo, 30% (trinta por cento) do capital –, por preço a ser fixado conforme as regras do estatuto acrescido de prêmio”. EIZIRIK, Nelson. A Lei das S/A Comentada. Volume III. São Paulo: Quartier Latin do Brasil. 2011, p. 464. 10 A CVM, através do Parecer de Orientação n° 36, deixou claro seu entendimento quanto à ilegalidade dessa espécie de disposição estatutária, afirmando que “não aplicará penalidades, em processos administrativos sancionadores, aos acionistas que, nos termos da legislação em vigor, votarem pela supressão ou alteração da cláusula de proteção à dispersão acionária, ainda que não realizem a oferta pública prevista na disposição acessória”. 9 16 t r i n d a d e sociedade de advogados que se refere à alienação do controle, servindo apenas para assegurar que não sejam formadas posições capazes de reduzir a dispersão – e consequentemente a liquidez – das ações não pertencentes ao acionista controlador, que compõem o free float. Mas em companhias com controle minoritário e, principalmente, com controle gerencial por capital pulverizado, a obrigação de realizar OPA com aqueles prêmios tende a evitar, ou ao menos a dificultar, a tomada de controle da companhia em momentos em que a cotação das ações, ou a situação da companhia, se encontre momentaneamente depreciada em relação aos parâmetros utilizados. Nesses casos, tais mecanismos podem gerar a perpetuação de uma administração ineficiente no comando da companhia, dificultando que o conjunto dos acionistas exerça sua legítima opção de alienar a empresa. Esta é a razão pela qual tem sido considerada uma distorção das finalidades legítimas das poison pills a imposição do pagamento de preços superiores aos de mercado (ou ao valor econômico) e, mais ainda, as disposições estatutárias que impõem ônus a quem vote pela retirada de tais cláusulas dos estatutos, ou estabelecem quorum qualificado para tais deliberações. Tais prêmios excessivos, e o impedimento de sua supressão pela maioria dos acionistas, é que podem conferir, verdadeiramente, um caráter “venenoso” a essas disposições estatutárias, afastando pretendentes legítimos à aquisição do controle das companhias, limitando a eficiência econômica dos processos de take over e permitindo o encastelamento de administradores cujo desempenho seja insatisfatório para o conjunto dos acionistas. 17 t r i n d a d e sociedade de advogados 4. FINALIDADES LEGÍTIMAS (OU A PROTEÇÃO DESEJADA) Em casos em que não haja a imposição de prêmios, a proteção à dispersão e à liquidez são reconhecidamente as principais finalidades das poison pills no Brasil. Nesse sentido, anotou MODESTO CARVALHOSA: "Resumidamente, as cláusulas de poison pills têm por objetivo: (i) desestimular a compra em bolsa de percentual de relevante participação por não controladores, assegurando, com esse desestímulo, um número ideal de ações em circulação no mercado e sua liquidez; (...).”11 Para PLÍNIO SHIGUEMATSU, em artigo sobre o tema, assegurar a dispersão das ações tem sido, na verdade, o principal objetivo da adoção das poison pills pelas companhias brasileiras, em contraste com a experiência americana, mais interessada no combate às tomadas hostis do controle: “Mas, na maioria dos casos em que a poison pill foi adotada no Brasil, tudo parece indicar que seu intuito foi, ao contrário, assegurar a dispersão do capital social, tornando-se um mecanismo para desestimular a concentração das ações nas mãos de poucas pessoas ou de grupos de pessoas.”12 Na prática, ao assegurar a realização de uma OPA, a poison pill garantirá uma oportunidade de saída aos acionistas a um preço justo no caso de ocorrer uma concentração substancial de ações em mãos de um certo acionista, lidando ao mesmo tempo com os dois potenciais riscos daí decorrentes: (i) o CARVALHOSA, Modesto. As poison pills estatutárias na prática brasileira - alguns aspectos de sua legalidade in Direito Societário - Desafio Atuais. Castro, Rodrigo R. Monteiro de. Aragão, Leandro Santos de (coord.) São Paulo : Quartier Latin, 2009, p. 23. 12 SHIGUEMATSU, Plínio José Lopes. Mecanismos de Proteção e Estratégias de Defesa em Tomadas Hostis de Controle in Direito Societário Desafios Atuai. coord. Rodrigo R. Monteiro de Castro e Leandro Santos de Aragão. São Paulo: Quartier Latin. 2009. p. 399. 11 18 t r i n d a d e sociedade de advogados de uma alteração da condução dos negócios sociais que poderia resultar da aquisição e (ii) o de perda de liquidez que poderia resultar daquela concentração. II. A OPA POISON PILL DO ESTATUTO SOCIAL DA DASA 1. CARACTERÍSTICAS É preciso agora examinar a Cláusula Poison Pill prevista no estatuto social da DASA, para analisar os riscos com os quais ela pretendeu lidar, a fim de avaliar, em seguida, se a OPA Cromossomo os endereça adequadamente. O estatuto social da DASA dispõe o seguinte: “Artigo 45 - Qualquer Acionista Comprador que venha a adquirir ou se torne titular, por qualquer motivo (i) de ações de emissão da Companhia; ou (ii) de outros direitos, inclusive usufruto ou fideicomisso, sobre ações de emissão da Companhia em quantidade igual ou superior a 15% (quinze por cento) do seu capital social deverá efetivar uma OPA para aquisição da totalidade das ações de emissão da Companhia, observando-se o disposto na regulamentação aplicável da CVM, os regulamentos da BM&FBOVESPA e os termos deste Artigo. O Acionista Comprador deverá solicitar o registro da referida OPA no prazo máximo de 30 (trinta) dias a contar da data de aquisição ou do evento que resultou na titularidade de ações ou direitos em quantidade igual ou superior a 15% (quinze por cento) do capital social da Companhia. Parágrafo Primeiro - A OPA deverá ser (i) dirigida indistintamente a todos os acionistas da Companhia; (ii) efetivada em leilão a ser realizado na BM&FBOVESPA; (iii) lançada pelo preço determinado de acordo com o previsto no Parágrafo Segundo deste Artigo; e (iv) paga à 19 t r i n d a d e sociedade de advogados vista, em moeda corrente nacional, contra a aquisição na OPA de ações de emissão da Companhia. Parágrafo Segundo - O preço de aquisição na OPA de cada ação de emissão da Companhia não poderá ser inferior ao maior valor entre (i) o Valor Econômico apurado em laudo de avaliação; (ii) 100% (cem por cento) do preço de emissão das ações em qualquer aumento de capital realizado mediante distribuição pública ocorrido no período de 12 (doze) meses que anteceder a data em que se tornar obrigatória a realização da OPA nos termos deste Artigo 45, devidamente atualizado pelo IPCA até o momento do pagamento; (iii) 100% (cem por cento) da cotação unitária média das ações de emissão da Companhia, durante o período de 90 (noventa) dias anterior à realização da OPA, ponderada pelo volume de negociação, na bolsa de valores em que houver o maior volume de negociações das ações de emissão da Companhia; e (iv) 100% (cem por cento) do maior valor pago pelo Acionista Comprador por ações da Companhia em qualquer tipo de negociação, no período de 12 (doze) meses que anteceder a data em que se tornar obrigatória a realização da OPA nos termos deste Artigo 45. Caso a regulamentação da CVM aplicável à OPA prevista neste caso determine a adoção de um critério de cálculo para a fixação do preço de aquisição de cada ação da Companhia na OPA que resulte em preço de aquisição superior, deverá prevalecer na efetivação da OPA prevista aquele preço de aquisição calculado nos termos da regulamentação da CVM. ...omissis...” 20 t r i n d a d e sociedade de advogados Verifica-se que, de acordo com tal cláusula estatutária (a Cláusula Poison Pill), será obrigatória a realização da OPA Poison Pill quando um acionista13 atinja a participação de 15% (quinze por cento) do capital social da companhia. Por sua vez, o parágrafo primeiro da Cláusula de Poison Pill determina alguns parâmetros que a OPA Poison Pill precisará observar. Isto é, ela deverá ser (i) dirigida indistintamente a todos os acionistas da DASA, (ii) efetivada em leilão a ser realizado na BM&F Bovespa, (iii) lançada pelo preço determinado nos termos do parágrafo segundo da Cláusula de Poison Pill, e (iv) paga à vista, em moeda corrente nacional. Como mencionado na Introdução deste parecer, o preço de aquisição de cada ação na OPA Poison Pill deverá obedecer a 4 (quatro) critérios, não podendo ser inferior ao maior valor entre (i) o valor econômico apurado em laudo de avaliação, (ii) 100% (cem por cento) do preço de emissão das ações em qualquer aumento de capital realizado mediante distribuição pública ocorrido no período de 12 (doze) meses que anteceder a data em que se tornar obrigatória a realização da OPA Poison Pill, (iii) 100% (cem por cento) da cotação unitária média das ações de emissão da companhia, durante o período de 90 (noventa) dias anterior à realização da OPA Poison Pill, ponderada pelo volume de negociação, na bolsa de valores em que houver o maior volume de negociações das ações, ou (iv) 100% (cem por cento) do maior valor pago pelo acionista comprador por ações da Na verdade, um Acionista Comprador, como definido no estatuto social, o que abrange o conceito de Grupo de Acionistas, também definido no estatuto como “o conjunto de 2 (dois) ou mais acionistas da Companhia: (i) que sejam partes de acordo de voto; (ii) se um for, direta ou indiretamente, acionista controlador ou sociedade controladora do outro, ou dos demais; (iii) que sejam sociedades direta ou indiretamente controladas pela mesma pessoa, ou conjunto de pessoas, acionistas ou não; ou (iv) que sejam sociedades, associações, fundações, cooperativas e trusts, fundos ou carteiras de investimentos, universalidades de direitos ou quaisquer outras formas de organização ou empreendimento com os mesmos administradores ou gestores, ou, ainda, cujos administradores ou gestores sejam sociedades direta ou indiretamente controladas pela mesma pessoa, ou conjunto de pessoas, acionistas ou não”. Voltaremos ao tema no Capítulo III deste Parecer. 13 21 t r i n d a d e sociedade de advogados Companhia em qualquer tipo de negociação, no período de 12 (doze) meses que anteceder a data em que se tornar obrigatória a realização da OPA Poison Pill. Assim, pode-se afirmar que a OPA Poison Pill tem por características: (i) ser obrigatória quando ultrapassada uma determinada quantidade de ações ou direitos sobre ações por um titular; (ii) ser destinada a todos os acionistas da companhia; e (iii) dever ser lançada no mínimo por um certo preço, apurado segundo os critérios estabelecidos pelo estatuto. Além disso, constata-se que a OPA Poison Pill não estabelece prêmio em relação aos parâmetros de preço previstos no estatuto, embora o acionista que, por ventura, votar em favor da retirada ou alteração da Cláusula Poison Pill fique obrigado a lançar ele próprio uma OPA Poison Pill, atribuindo um certo caráter “venenoso” à Cláusula Poison Pill. 2. FINALIDADES Quando a DASA abriu o seu capital no Novo Mercado da BM&F Bovespa, em 2004, o seu estatuto social não previa a Cláusula Poison Pill.14 Isso era perfeitamente compatível com a divisão do capital social àquele tempo: uma sociedade holding controlada por um grupo de acionistas unidos por acordo de voto detinha, e continuaria a deter depois da oferta pública inicial de distribuição de ações, o controle majoritário do DASA.15 Conforme o Prospecto Definitivo de Distribuição Pública Primária e Secundária de Ações Ordinárias de Emissão da DASA de 18 de novembro de 2004. 15 Conforme o Prospecto Definitivo de Distribuição Pública Primária e Secundária de Ações Ordinárias de Emissão da DASA de 18 de novembro de 2004. 14 22 t r i n d a d e sociedade de advogados Em março de 2006 o estatuto foi alterado, para introduzir a Cláusula Poison Pill, e no mesmo mês foi realizada uma nova oferta pública de distribuição de ações, após a qual a DASA deixou de ter um acionista controlador.16 A finalidade da Cláusula Poison Pill incluída no estatuto social veio expressa no Prospecto daquela oferta de distribuição: “MECANISMO DE PROTEÇÃO À DISPERSÃO ACIONÁRIA Nosso Estatuto Social contém disposição que tem o efeito de evitar a concentração de nossas ações nas mãos de um grupo pequeno de investidores, de modo a promover uma base acionária mais dispersa. A disposição neste sentido exige que qualquer acionista, que adquira ou se torne titular de (i) ações de emissão da Companhia; ou (ii) de outros direitos, inclusive o usufruto e o fideicomisso, sobre ações de emissão da Companhia, em quantidade igual ou superior a 15% do total de ações de emissão da Companhia deverá, no prazo máximo de 30 dias a contar da data de aquisição ou do evento que resultou na titularidade de ações em quantidade igual ou superior a 15% do total de ações de emissão da Companhia, realizar ou solicitar o registro de uma OPA da totalidade das ações de emissão da Companhia, observando-se o disposto na regulamentação aplicável da CVM, os regulamentos da BOVESPA e os termos do nosso Estatuto Social (grifou-se).”17 É verdade que a existência da Cláusula Poison Pill não foi capaz de “evitar a concentração de nossas ações nas mãos de um grupo pequeno de investidores”. Por força de aquisições inferiores ao limite estatutário e da Incorporação de Ações, a DASA chegou a um cenário, no momento da publicação do edital da OPA Cromossomo, em que cinco acionistas detinham, quando do lançamento Conforme o Prospecto Definitivo de Distribuição Pública Primária e Secundária de Ações Ordinárias de Emissão da DASA de 23 de março de 2006. 17 Conforme o Prospecto Definitivo de Distribuição Pública Primária e Secundária de Ações Ordinárias de Emissão da DASA de 23 de março de 2006, p. 193. 16 23 t r i n d a d e sociedade de advogados da OPA Cromossomo, praticamente 50% (cinquenta por cento) do capital social.18 Mas, para o que interessa a este parecer, fica claro que a finalidade da OPA Poison Pill era a de proteger a dispersão acionária. Com isso, a Cláusula lidava com ambos os riscos antes analisados, potencialmente decorrentes da concentração: (i) consolidação do controle majoritário ou minoritário em mãos de um acionista ou de um grupo de acionistas que possa alterar a condução dos negócios sociais; e (ii) perda de liquidez das ações.19 III. A OPA CROMOSSOMO E A INEXIGIBILIDADE DE NOVA OPA 1. OPA COMO MEIO DE PROTEÇÃO Como a ofertante da OPA Cromossomo é controlada por dois dentre os acionistas atuais, e precisamente aqueles que detêm maior participação no capital, a oferta, se bem sucedida, terá o efeito de consolidar (ou praticamente consolidar) o controle em mãos daqueles acionistas.20 E embora não se possa afirmar, sem conhecer-se o resultado da OPA Cromossomo, que a liquidez da ações da DASA posterior à oferta será afetada, a situação já relativamente concentrada do capital da DASA indica uma razoável probabilidade de, no caso de uma aquisição bem sucedida pela Cromossomo, reduzir-se a liquidez das ações remanescentes. Segundo o edital da OPA Cromossomo, eram eles: Edson de Godoy Bueno, Dulce Pugliese de Godoy Bueno, Fundação Petrobras de Seguridade Social, Oppenheimer Funds, Inc. e Tarpon Gestora de Recursos S.A.. 19 Ambos os riscos estavam descritos na seção de fatores de risco do Prospecto Definitivo de Distribuição Pública Primária e Secundária de Ações Ordinárias de Emissão da DASA de 23 de março de 2006: (i) “Caso surja um grupo de controle e este passe a deter o poder decisório da nossa Companhia, nós poderíamos sofrer mudanças repentinas e inesperadas das nossas políticas corporativas e estratégias, inclusive através de mecanismos como a substituição dos nossos administradores” (p. 68, grifou-se); (ii) “Não podemos garantir que um mercado de negociação líquida e ativa para as nossas Ações vai se desenvolver ou se sustentar” (p. 67, grifou-se). 20 Ou mais propriamente na pessoa de Edson de Godoy Bueno, como se verá mais adiante. 18 24 t r i n d a d e sociedade de advogados Portanto, não parece haver dúvida de que a aquisição potencial de ações, resultante da OPA Cromossomo, consumaria ambos os riscos com as quais a Cláusula Poison Pill quis lidar. Ocorre que a aquisição de ações potencialmente realizada através da OPA Cromossomo se dará ela mesmo – passe o truísmo – por meio de uma OPA. E a realização de uma OPA (a OPA Poison Pill) foi o meio de que se utilizou o estatuto social da DASA para lidar com os riscos decorrentes da aquisição, a fim de alcançar a finalidade tendente a lidar com aqueles riscos, qual seja, a concessão de uma oportunidade de saída para todos os acionistas da companhia, a preço justo. Em outras palavras, o tratamento escolhido pelo estatuto social da DASA para lidar com os riscos decorrentes da concentração acionária foi o de assegurar uma oportunidade simultânea de liquidez para os acionistas. Logo, a questão que se impõe antes de qualquer outra, para ser discutida neste parecer, é esta: o lançamento da OPA Cromossomo não cumpre as finalidades da OPA Poison Pill e endereça os riscos por ela considerados, tornando dispensável a realização de uma segunda OPA? A resposta, a nosso ver, será afirmativa, desde que a OPA Cromossomo observe os requisitos objetivos da OPA Poison Pill. Isso porque, ao tratar dos riscos já examinados, decorrentes da concentração acionária, a solução do estatuto social da DASA foi exatamente a de obrigar à realização de uma OPA, isto é, a de assegurar liquidez a todos os acionistas, simultaneamente, e nas mesmas condições. O estatuto previu a realização de uma OPA porque a concentração acionária em uma companhia com capital disperso normalmente ocorre por meio de 25 t r i n d a d e sociedade de advogados aquisições em bolsa ou privadas, sem visibilidade senão após atingidos certos patamares de comunicação obrigatória. Nesses casos, uma vez alcançado limite estatutário, surgiria a obrigação de lançar a OPA Poison Pill. Mas se o limite for alcançado exatamente pela liquidação de uma OPA que preenche os mesmos requisitos da OPA prevista no estatuto, o risco se consumará ao mesmo tempo em que o remédio estatutário de assegurar a liquidez se verificará. Cumpre, nessa linha, insistir em um ponto: ao contrário de outros estatutos – que, por exemplo, estabelecem limitação de direito de voto com base no art. 110, § 1º, da Lei das S.A.21 ou, pior, obrigam à realização de ofertas com prêmios exorbitantes sobre o valor econômico das ações –, o estatuto da DASA considerou que a oportunidade de saída dos acionistas a preço justo seria o meio adequado e proporcional para lidar com os riscos que identificou. Sendo esse o caso, como nos parece induvidoso, parece-nos igualmente certo que se a aquisição das ações for diretamente realizada por uma OPA que atenda os requisitos da OPA Poison Pill, não se pode exigir a realização de uma nova OPA caso a primeira seja bem sucedida. A OPA Poison Pill é um meio de proteção contra determinados riscos identificados pelo estatuto – leia-se, pelos acionistas –, mas não uma finalidade em si mesma, que obrigue a sua realização mesmo quando a aquisição de ações já se processa por meio de uma OPA que cumpra com os seus requisitos. 21 Art. 110, § 1º. O estatuto pode estabelecer limitação ao número de votos de cada acionista. 26 t r i n d a d e sociedade de advogados Assim, é preciso verificar se a OPA Cromossomo observa todos os requisitos objetivos estabelecidos pelo estatuto para a OPA Poison Pill, e que, portanto, o seu próprio lançamento supre a necessidade de lançamento da OPA Poison Pill. 2. COMPARANDO OS REQUISITOS OBJETIVOS DA OPA POISON PILL COM A OPA CROMOSSOMO A nosso ver os requisitos objetivos estabelecidos pelo estatuto social da DASA para a OPA Poison Pill estão, todos, sendo observados na OPA Cromossomo, como se passa a analisar. (A) OFERTA DIRIGIDA INDISTINTAMENTE A TODOS OS ACIONISTAS De acordo com o edital da OPA Cromossomo, a Cromossomo se comprometeu a adquirir “a quantidade total de 311.803.015 (trezentos e onze milhões, oitocentos e três mil e quinze) Ações, que correspondem à totalidade das ações ordinária de emissão da DASA”22, cumprindo fielmente os termos da Cláusula de Poison Pill. (B) REALIZAÇÃO EM LEILÃO Também consoante o disposto no edital da OPA Cromossomo, a oferta será concluída “por meio de um leilão (“Leilão”) no Segmento Bovespa da BM&FBOVESPA S.A. - Bolsa de Valores Mercadorias e Futuros (“BM&FBOVESPA”)”23, conforme impõe a Cláusula de Poison Pill. (C) PAGAMENTO REALIZADO À VISTA, EM MOEDA CORRENTE NACIONAL Adicionalmente, observando os termos do parágrafo primeiro da Cláusula de Poison Pill, o edital de oferta pública também estabelece que “o 22 23 Grifou-se. Grifou-se. 27 t r i n d a d e sociedade de advogados pagamento do Preço por Ação no âmbito da Oferta será efetuado à vista, em moeda corrente nacional, na Data da Liquidação do Leilão”24. (D) PREÇO DETERMINADO NOS TERMOS DO PARÁGRAFO SEGUNDO DA CLÁUSULA DE POISON PILL Finalmente, no que se refere ao preço, e considerando que não ocorreram os eventos que ensejariam a utilização dos critérios das alíneas (ii) e (iv) do parágrafo segundo da Cláusula de Poison Pill25, resta analisar se a OPA Cromossomo preenche os critérios previstos nas alíneas (i) e (iii) do mesmo parágrafo. (D.1) COTAÇÃO DE MERCADO Como mencionado na Introdução deste parecer, a Cromossomo oferece por cada ação objeto da oferta o valor de R$15,00 (quinze reais). O preço por ação é, aproximadamente, 12,44% (doze vírgula quarenta e quatro por cento) superior ao preço de fechamento das ações ordinárias de emissão da DASA em 20 de dezembro de 2013, bem como, aproximadamente, 22,9% (vinte e dois vírgula nove por cento) superior à média ponderada do preço das ações ordinárias de emissão da DASA nos 90 (noventa) dias anteriores ao dia 20 de dezembro de 2013 (dia útil imediatamente anterior à publicação do edital de oferta pública). Percebe-se, portanto, que a Cromossomo atribuiu às ações da DASA um valor correspondente a 122,9% (cento e vinte e dois vírgula nove por cento) do valor da cotação unitária média das ações de emissão da companhia Grifou-se. De acordo com as informações disponíveis no site da CVM, a DASA não realizou aumento de capital mediante subscrição pública no período de 12 (doze) meses anteriores ao edital da OPA. Não houve também qualquer negociação, no mesmo período, para a aquisição de ações da DASA realizada por Cromossomo, EB ou DB. 24 25 28 t r i n d a d e sociedade de advogados durante o período de 90 (noventa) dias anteriores ao anúncio da OPA Cromossomo. Nesse sentido, o preço de aquisição das ações ofertado na OPA Cromossomo supera em 22,9% (vinte e dois vírgula nove por cento) o valor estabelecido mediante o critério da alínea (iii) do parágrafo segundo da Cláusula de Poison Pill. Anote-se, neste ponto, que o estatuto estabelece que o preço da OPA Poison Pill não poderá ser inferior a 100% (cem por cento) da cotação unitária média das ações de emissão da companhia, durante o período de 90 (noventa) dias anterior à realização da própria OPA Poison Pill. Essa disposição, entretanto, deve ser interpretada de maneira apropriada, quando a aquisição das ações que determinaria a obrigação de realizar a OPA Poison Pill se der por meio de uma OPA que anteceda – e cumpra a finalidade, como no caso – a OPA Poison Pill. Evidentemente o parágrafo segundo considera o preço de mercado no período de 90 (noventa) dias anterior ao lançamento da OPA Poison Pill porque, no caput do próprio art. 45, in fine, impõe que a OPA Poison Pill seja lançada em até 30 (trinta) dias do evento que resultar na aquisição de 15% (quinze por cento) das ações. Nesse caso, de uma aquisição por outro meio que não o lançamento da OPA, essa é a forma correta de assegurar que os demais acionistas, que não venderam ações ao ofertante, possam receber o preço justo por suas ações. Mas se a obrigação de adquirir por OPA é cumprida pela própria aquisição das ações, evidentemente o preço de mercado a ser considerado deve ser o da média anterior ao lançamento dessa própria OPA, até mesmo porque, por 29 t r i n d a d e sociedade de advogados ter sido ela o meio de observar o estatuto, ela dispensará, segundo entendemos, o lançamento da OPA Poison Pill. (D.2) VALOR ECONÔMICO O ponto remanescente diz respeito à avaliação da DASA por valor econômico, porque, como visto, o critério da alínea (i) do parágrafo segundo da Claúsula Poison Pill é o de 100% do valor econômico das ações apurado “em laudo de avaliação”. Considerando o substancial prêmio na OPA Cromossomo em relação às cotações de mercado, e o fato de que normalmente um mercado ativo como o das ações da DASA reflete o valor econômico das ações, há um forte indício de que o preço ofertado na OPA Cromossomo é pelo menos igual ao valor econômico da companhia. Entretanto, o estatuto estabelece que o valor de mercado deve ser apurado em laudo de avaliação, por avaliador escolhido pelo conselho de administração.26 O conselho de administração, até onde se saiba, não determinou a elaboração de um laudo com as formalidades previstas no estatuto social – como deveria, a nosso ver, caso entendesse que o preço da oferta é inferior ao valor econômico. Entretanto, o conselho de administração contratou um assessor financeiro e divulgou em 13 de janeiro de 2014 o entendimento de que “(i) a avaliação Artigo 45, Parágrafo Nono do Estatuto Social da DASA: “O laudo de avaliação de que trata o Parágrafo Segundo acima deverá ser elaborado por instituição ou empresa especializada, com experiência comprovada e independente quanto ao poder de decisão da Companhia, seus administradores e controladores, devendo o laudo também satisfazer os requisitos do parágrafo 1º do artigo 8º da Lei n.º 6.404/76 e conter a responsabilidade prevista no parágrafo 6º do mesmo artigo da Lei. A escolha da instituição ou empresa especializada responsável pela determinação do Valor Econômico da Companhia é de competência privativa do Conselho de Administração. Os custos de elaboração do laudo de avaliação deverão ser assumidos integralmente pelo Acionista Comprador.” 26 30 t r i n d a d e sociedade de advogados independente apurou intervalo de valor inferior ao ofertado e que a opinião especializada independente concluiu que o preço ofertado é adequado, do ponto de vista financeiro, aos destinatários da OPA; (ii) as premissas utilizadas pelo Assessor Financeiro foram debatidas com o Conselho de Administração; e (iii) o preço ofertado na OPA embute prêmio sobre as cotações anteriores à divulgação da OPA, apuradas em um período em que as ações tiveram liquidez provavelmente superior à esperada após a OPA, entende o Conselho de Administração que tal preço atende aos interesses dos acionistas da Companhia destinatários da OPA, considerada a situação atual da Companhia e os fatores de curto prazo antes detalhados. Como mencionado, no longo prazo o Conselho de Administração acredita que a Companhia, considerando o ótimo posicionamento no mercado, alta capacidade e cenário positivo de crescimento de demanda com aumento de qualidade, poderá apresentar resultados superiores para os acionistas.”27 Posteriormente, em 31 de janeiro de 2014, a DASA enviou ao ofertante, e tornou público, uma carta em que informa que o entendimento de seus assessores legais é o de que, caso a OPA Cromossomo seja bem sucedida, será obrigatório o lançamento da OPA Poison Pill. Esse entendimento surpreende, pelas razões antes expostas, na medida em que a OPA Cromossomo cumpre todas as exigências da OPA Poisson Pill, não se justificando o lançamento de uma nova OPA se estão atendidas todas as formalidades do estatuto social. Adicionalmente, como se verá a seguir, também as possíveis finalidades da OPA Poison Pill estão atendidas pela OPA Cromossomo, não sendo exigível, a nosso ver, o lançamento de uma segunda OPA. Mas, de qualquer modo, o que interessa neste momento da análise deste parecer é que, mesmo após a divulgação dessa carta, o conselho de 27 Parecer do conselho de administração da DASA a respeito da OPA Cromossomo, p. 5 e 6. 31 t r i n d a d e sociedade de advogados administração voltou a reunir-se, e informou, em 06 de fevereiro de 2014, que “consultou o Banco de Investimento Credit Suisse (Brasil) S/A (“Assessor Financeiro”), acerca da existência de modificações, em razão do Aditamento, com relação à fairness opinion sobre a OPA e ao relatório de avaliação sobre a DASA, que constaram como anexos à Manifestação do Conselho de Administração”. Segundo o conselho de administração, o “Assessor Financeiro informou que tendo em vista a alteração da OPA descrita no Aditamento, não teriam sido alteradas, na data de sua emissão, a conclusão descrita na fairness opinion e as considerações descritas no relatório de avaliação, na data de sua emissão, utilizando a mesma data base de análise de 20.12.2013.” Por isso mesmo, isto é, porque o assessor financeiro do conselho de administração confirmou a justiça do preço ofertado, o conselho de administração reiterou sua manifestação em favor da aceitação da OPA Cromossomo. Portanto, com os elementos que estão disponíveis até o momento, tudo continua a indicar que o preço ofertado na OPA Cromossomo também é pelo menos igual ao valor econômico da DASA na data do anúncio da oferta. E sendo esse o caso, todos os requisitos da OPA Poison Pill estão observados na OPA Cromossomo. 3. OPA COMO CONDIÇÃO (PRÉVIA) E OPA COMO CONSEQUÊNCIA (POSTERIOR) Estando comprovado, no nosso entender, que a OPA Cromossomo preenche todos os requisitos objetivos da OPA Poison Pill, é possível adicionar uma razão de interesse público para recomendar que ela sirva desde logo à finalidade de oferecer aos acionistas da DASA a oportunidade de liquidez que o estatuto quis assegurar-lhes. 32 t r i n d a d e sociedade de advogados É que no mercado de capitais não se deve estimular a prática de atos inócuos, porque isso gera insegurança nos agentes de mercado, especulação indevida e pode colocar os acionistas diante de um falso dilema, entre aceitar uma OPA concretamente formulada e que preenche todos os requisitos do estatuto, e a possibilidade de aceitar uma outra futura OPA, cujos termos eles podem supor – até mesmo pela exigência de sua formulação – que seriam diferentes daquela da OPA original. A OPA Cromossomo é uma OPA voluntária,28 porque a decisão de lançá-la decorreu exclusivamente da vontade dos ofertantes, que a tanto não estavam obrigados. Já a OPA Poison Pill é uma OPA obrigatória, porque o seu lançamento decorre de um dever imposto pelo estatuto social. Mas as OPAs obrigatórias podem ser lançadas como “condição” à prática de um ato ou à obtenção dos efeitos jurídicos desse ato, ou como “consequência” do próprio ato. Veja-se que a Instrução CVM 361/02 deixa clara tal distinção, ao referir-se à OPA para cancelamento de registro como uma “OPA obrigatória, realizada como condição do cancelamento do registro para negociação de ações nos mercados regulamentados de valores mobiliários” (art. 2º, I), e à OPA por aumento de participação como aquela “realizada em consequência de aumento da participação do acionista controlador” (art. 2º, II). No caso concreto, a OPA Cromossomo é voluntária mas cumpre a condição obrigatória, representada pela OPA Poison Pill, para que a aquisição de participação que exceda 15% (quinze por cento) produza todos os efeitos. Como deixa claro o art. 2º da Instrução CVM 361/02, as OPAs podem ser voluntárias – quando sejam lançadas de forma espontânea pelo ofertante – ou obrigatórias – quando seu lançamento se fala para o cumprimento de uma obrigação legal, regulamentar, de auto-regulação ou por força do estatuto da companhia. 28 33 t r i n d a d e sociedade de advogados O mesmo ocorreria caso fosse lançada uma OPA para aquisição de controle de uma companhia listada no Novo Mercado, com base no art. 257 da Lei das S.A., a 100% (cem por cento) dos acionistas, e certos acionistas que exercessem o controle minoritário da companhia o alienassem naquela OPA. A OPA para aquisição de controle é voluntária (como diz corretamente o inciso V do artigo 2º da Instrução CVM 361/02). Mas o seu lançamento, caso bem sucedido, tornaria dispensável a OPA por alienação de controle, isto é, “a OPA obrigatória, realizada como condição de eficácia de negócio jurídico de alienação de controle de companhia aberta, por força do art. 254-A da Lei 6.404” (inciso III do art. 2º da Instrução CVM 361/02). Para lidar com esse e com outros exemplos de OPAs obrigatórias legais e regulamentares é que a Instrução 361/02 estabelece expressamente, no § 2º do art. 34, que a autarquia “poderá autorizar a formulação de uma única OPA, visando a mais de uma das finalidades previstas nesta instrução, desde que seja possível compatibilizar os procedimentos de ambas as modalidade de OPA, e não haja prejuízo para os destinatários da oferta” (grifou-se). Por igual razão, o art. 5º, nº 2, da já citada Diretiva 2004/25/CE, que cuida das OPAs por alcance de participação relevante, estabelece que o “dever de lançar uma oferta previsto no nº 1 não é aplicável quando o controlo tiver sido adquirido na sequência de uma oferta voluntária realizada em conformidade com a presente directiva, dirigida a todos os titulares de valores mobiliários, para a totalidade das suas participações”. Ou seja: é perfeitamente possível que uma OPA criada para funcionar como “consequência” de um ato seja lançada como “meio” para a prática desse ato – no caso, o ato de aquisição de participação superior a 15% (quinze por cento) do capital social. 34 t r i n d a d e sociedade de advogados Aliás, mais do que possível, do ponto de vista da informação dos acionistas da companhia, e de sua capacidade de tomar uma decisão adequada quanto a vender ou não suas ações, é substancialmente melhor que a aquisição se dê por meio de OPA prévia, e não posterior à concentração acionária. Até porque, neste caso, o conjunto dos acionistas poderá decidir não vender para o adquirente, cientes de suas intenções – o que poderia não ocorrer com compras em bolsa. Desse modo, nos parece completamente impróprio que se possa cogitar de suspender os direitos de um acionista que adquirir ações de maneira pública, através de uma OPA, uma certa quantidade de ações. A suspensão de direitos prevista no estatuto social claramente se destina às situações em que alguém adquire a participação às escondidas e depois se recusa a cumprir a norma estatutária que determina o lançamento da OPA. No caso analisado neste parecer, bem ao contrário, a aquisição, se ocorrer, se dará às claras, com toda a informação disponível para os acionistas, e portanto qualquer suspensão de direitos se constituiria em ato ilícito, a nosso ver 4. ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL E FORMALIDADES INSTRUMENTAIS Por fim, anote-se que o direito não legitima a exigência do cumprimento de uma formalidade instrumental, quando substancialmente se dá cumprimento à obrigação. Na verdade, aliás, mesmo o cumprimento parcial, mas substancial, é modernamente equiparado ao adimplemento de uma obrigação, exatamente para prestigiar o princípio da boa-fé e desestimular condutas fúteis29. Nesse sentido explica a melhor doutrina: “Todavia, cumpre reconhecer que o adimplemento dirigese não à satisfação arbitrária do credor, mas ao atendimento da função socioeconômica, identificada com a própria causa do ajuste estabelecido entre ambas as partes. Em outras palavras, o que o 29 35 t r i n d a d e sociedade de advogados Começando pelas formalidades instrumentais, veja-se o tratamento do Código de Processo Civil. O art. 244 estabelece que “[q]uando a lei prescrever determinada forma, sem cominação de nulidade, o juiz considerará válido o ato se, realizado de outro modo, lhe alcançar a finalidade”. Na mesma linha, diz o art. 154: “Os atos e termos processuais não dependem de forma determinada senão quando a lei expressamente a exigir, reputandose válidos os que, realizados de outro modo, lhe preencham a finalidade essencial”. Aliás, nem é preciso ir tão longe. Quando a lei societária entende que é possível afirmar que a finalidade da norma (isto é, a proteção visada) foi alcançada, ela dispensa a formalidade. É o exemplo eloquente do art. 124, § 4º, da Lei das S.A.. A Lei admite como válida a assembleia a que compareçam todos os acionistas, mesmo que a reunião tenha sido irregularmente convocada ou, mesmo, não tenha sido convocada. A razão da norma é evidente. A finalidade da convocação é permitir a presença de todos os acionistas. Se todos comparecem, mesmo sem que as regras de convocação tenham sido cumpridas, a finalidade foi alcançada. No caso concreto, pelas razões expostas, nosso entendimento é o de que a OPA Cromossomo cumpriu todos os requisitos e alcançou todas as adimplemento exige não é tanto a satisfação do interesse unilateral do credor, mas o atendimento à causa do contrato, que “se constitui, efetivamente, do encontro do concreto interesse das partes com os efeitos essenciais abstratamente vistos no tipo (ou, no caso dos contratos atípicos, da essencialidade que lhe é atribuída pela própria autonomia negocial).” Se o comportamento do devedor alcança aqueles efeitos essenciais que, pretendidos concretamente pelas partes com a celebração do negócio, mostram-se merecedores de tutela jurídica, tem-se o adimplemento da obrigação, independentemente da satisfação psicológica ou não do credor”. SCHREIBER, Anderson. A tríplice transformação do adimplemento: Adimplemento substancial, inadimplemento antecipado e outras figuras. In Revista Trimestral de Direito Civil, vol. 32, p. 15. 36 t r i n d a d e sociedade de advogados finalidades desejadas pelo estatuto social, ao estabelecer a obrigatoriedade de lançamento da OPA Poison Pill. Portanto, ainda que se considerasse que as formalidades do estatuto social não tenham sido observadas, seria forçoso reconhecer que substancialmente a obrigação foi cumprida, não podendo ser novamente exigida. 5. CONCLUSÃO DESTE CAPÍTULO Nossa conclusão, por todas as razões expostas, é no sentido de que o lançamento da OPA Cromossomo atende aos requisitos objetivos da OPA Poison Pill, e serve de meio de cumprimento da finalidade estatutária, de assegurar uma oportunidade de saída a preço justo ao conjunto dos acionistas nos casos de concentração acionária que supere o limite estatutário, fazendo indevida a exigência da formulação de uma nova OPA. 37 t r i n d a d e sociedade de advogados CAPÍTULO III USUFRUTO DE AÇÕES E GRUPO DE ACIONISTAS 1. O USUFRUTO NO DIREITO CIVIL O usufruto constitui direito real que outorga ao seu titular a possibilidade “de fruir as utilidades e frutos de uma coisa sem alterar-lhe a substância, enquanto temporariamente destacado da propriedade”30. O usufruto é comumente classificado como direito real de fruição, como as servidões, o direito de uso e o de habitação e, dessa forma, assim como os direitos reais de garantia, é modalidade do gênero direitos reais sobre coisa alheia. A incidência do gravame de usufruto não altera a propriedade do bem, apenas retira do proprietário (denominado nu-proprietário), em favor do usufrutuário, certos direitos, como dispõem os arts. 1.390 a 1.411 do Código Civil. 2. O USUFRUTO DE AÇÕES A Lei das S.A. prevê, expressamente, a possibilidade de se estabelecer o usufruto sobre ações de emissão de uma sociedade anônima. De acordo com a regra do art. 40 da Lei das S.A., o usufruto e outros direitos e ônus que eventualmente gravarem ações, “serão constituídos mediante averbação, se nominativo, no Livro de Registro de títulos nominativos, e se escritural, nos livros da instituição financeira, que os anotará no extrato da conta de depósito fornecido ao proprietário do título (art. 40)” 31. GOMES, Orlando. Direitos Reais. 9ª ed. Forense: Rio de Janeiro, 1985, p. 290. LAMY FILHO, Alfredo, e BULHÕES PEDREIRA, José Luiz. Natureza e Normas Gerais. In LAMY FILHO, Alfredo, e BULHÕES PEDREIRA, José Luiz. Direito das Companhias, Rio de Janeiro: 30 31 38 t r i n d a d e sociedade de advogados Uma vez instituído o usufruto, a Lei das S.A., em seu art. 20532, é expressa ao determinar que os dividendos beneficiam o usufrutuário. A razão de ser dessa norma está relacionada à própria natureza do dividendo, que constitui um fruto civil e, portanto, de acordo com o art. 1.394 do Código Civil33, pertence sempre ao usufrutuário. Em relação ao direito de voto, a Lei das S.A. confere maior autonomia às partes contratantes, estipulando que “o direito de voto da ação gravada com usufruto, se não for regulado no ato de constituição do gravame, somente poderá ser exercido mediante prévio acordo entre o proprietário e o usufrutuário”34. Desse modo, as partes têm ampla liberdade para estipular se o direito de voto permanecerá com o nu-proprietário ou se será transferido ao usufrutuário. 3. O USUFRUTO EM FAVOR DE EB E A OPA POISON PILL Como visto na Introdução deste parecer, por meio do Instrumento Particular de Instituição de Usufruto celebrado em 14 de setembro de 2007 e aditado em 25 de junho de 2008, as ações da MD1 de titularidade de DB foram gravadas com usufruto vitalício de voto em favor de EB, nos seguintes termos: “Pela presente e na melhor forma de direito, DULCE, neste ato, institui, em favor de EDSON, o usufruto vitalício, enquanto na posse plena de suas faculdades mentais, sobre o direito de voto relativo à totalidade das AÇÕES de propriedade de DULCE, inclusive no que se refere à transformação da forma societária e reestruturação das Sociedades, Forense, 2009, p. 534. 32 Lei das S.A.: “Art. 205. A companhia pagará o dividendo de ações nominativas à pessoa que, na data do ato de declaração do dividendo, estiver inscrita como proprietária ou usufrutuária da ação”. 33 Código Civil: “Art. 1.394. O usufrutuário tem direito à posse, uso, administração e percepção dos frutos”. 34 Art. 114 da Lei da S.A. 39 t r i n d a d e sociedade de advogados com ou sem abertura de capital de qualquer dessas Sociedades após reestruturação das mesmas”. Após a Incorporação de Ações, o referido gravame foi sub-rogado nas ações de emissão da DASA atribuídas à DB, conforme referido no Protocolo e Justificação de Incorporação de Ações: “As ações a serem incorporadas nos termos do presente Protocolo de Incorporação, que forem objeto de usufruto averbado no Livro de Registro de Ações Nominativas da MD1 na data da Incorporação de Ações, serão substituídas por ações da DASA sujeitas ao mesmo usufruto, pelo prazo original e nos termos dos respectivos instrumentos de constituição de usufruto.” Considerando que DB detinha à época da incorporação, aproximadamente, 11,56% (onze vírgula cinquenta e seis por cento) das ações ordinárias de emissão da DASA e EB, aproximadamente, 12,03% (doze vírgula zero três por cento), em decorrência da constituição do usufruto, EB passou a deter, isoladamente, 23,59% (vinte e três vírgula cinquenta e nove por cento) do capital votante da DASA. A Cláusula Poison Pill, conforme explicado no Capítulo anterior, estabelece que qualquer acionista que venha a adquirir, ou se torne titular, de ações de emissão da companhia ou de outros direitos sobre as ações, inclusive usufruto, em quantidade igual ou superior a 15% (quinze por cento) do seu capital social deverá efetivar a OPA Poison Pill. Ocorre que, como também se viu, o parágrafo sexto da Cláusula Poison Pill, em seu item (iii), excepciona a obrigatoriedade de realização da OPA Poison 40 t r i n d a d e sociedade de advogados Pill quando, dentre outras hipóteses, a aquisição das ações se der por meio de incorporação de ações35. Por isso, tendo em vista que o usufruto das ações de emissão da DASA em favor de EB decorreu de uma incorporação, pela DASA, de ações de emissão da MD1, não foi exigível que EB realizasse a OPA Poison Pill à época da constituição do usufruto sobre as ações de emissão da DASA. Assim sendo, o quadro, quando do lançamento da OPA Cromossomo, é o de titularidade por EB de “(i) de ações de emissão da Companhia” e “de outros direitos, inclusive usufruto ou fideicomisso, sobre ações de emissão da Companhia em quantidade igual ou superior a 15% (quinze por cento) do seu capital social”. Isto é: EB, induvidosamente, já detinha, quando do lançamento da OPA, ações e direitos sobre ações de emissão da DASA em percentual superior a 15% (quinze por cento). Portanto, mesmo que se desconsiderasse a conclusão exposta no Capítulo II deste parecer, seria forçoso reconhecer que EB não estaria obrigado a lançar a OPA Poison Pill, porque ele já havia ultrapassado o patamar estatutário, e a Cláusula Poison Pill apenas exige o lançamento da OPA quando aquele patamar for ultrapassado. Por outro lado, as ações de emissão da Cromossomo detidas por DB também estão submetidas a usufruto em favor de EB, e portanto DB não ficará Parágrafo Sexto – O disposto neste Artigo não se aplica na hipótese de uma pessoa se tornar titular de ações de emissão da Companhia em quantidade superior a 15% (quinze por cento) do total das ações de sua emissão em decorrência (i) de sucessão legal, sob a condição de que o acionista aliene o excesso de ações em até 30 (trinta) dias contados do evento relevante; (ii) da incorporação de uma outra sociedade pela Companhia; (iii) da incorporação de ações de uma outra sociedades pela Companhia; ou (iv) da subscrição de ações da Companhia, realizada em uma única emissão primária, que tenha sido aprovada em Assembleia Geral de acionistas da Companhia, convocada pelo seu Conselho de Administração, e cuja proposta de aumento de capital tenha determinado a fixação do preço de emissão das ações com base em Valor Econômico obtido a partir de um laudo de avaliação econômico-financeira da Companhia realizada por empresa especializada com experiência comprovada em avaliação de companhias abertas. 35 41 t r i n d a d e sociedade de advogados obrigada ao lançamento da OPA, pois quem adquiriu os direitos de voto sobre as ações foi EB. 4. GRUPO DE ACIONISTAS E A OPA POISON PILL Aliás, se assim não fosse, então seria forçoso reconhecer que EB e Cromossomo deveriam ser tratados como um Grupo de Acionistas, para os efeitos da Cláusula Poison Pill, o que redundaria na mesma inexigibilidade do lançamento da OPA Poison Pill por eles. Isto porque, de acordo com a definição constante do estatuto social da DASA, Cromossomo e EB são considerados Grupo de Acionistas, uma vez que a primeira é controlada pelo segundo36. Vejamos: “Parágrafo Décimo – Para fins exclusivos deste Artigo 45, os termos abaixo iniciados em letras maiúsculas terão os seguintes significados: “Acionistas Comprador” significa qualquer pessoa, incluindo, sem limitação, qualquer pessoa natural ou jurídica, fundo de investimento, condomínio, carteira de títulos, universalidade de direitos, ou outra forma de organização, residente, com domicílio ou com sede no Brasil ou no exterior, ou Grupo de Acionistas. “Grupo de Acionistas” significa o conjunto de 2 (dois) ou mais acionistas da Companhia: (i) que sejam partes de acordo de voto; (ii) se um for, direta ou indiretamente, acionista controlador ou sociedade controladora do outro, ou dos demais; (iii) que sejam sociedades direta ou indiretamente controladas pela mesma pessoa, ou conjunto de De acordo com o edital de oferta pública publicado em 23 de dezembro de 2013, a composição acionária da Cromossomo II, na data do edital, consistia em 51% (cinquenta e um por cento) das ações detidas por EB e 49% (quarenta e nove por cento) por DB. Até a liquidação da OPA, a Cromossomo II passará a ser controlada pela Cromossomo Participações III S.A., veículo de investimento detido em sua totalidade pelo Fundo de Investimento em Participações Genoma II, atualmente em fase de constituição, o qual, por sua vez, será indiretamente detido em sua totalidade por EB e DB. 36 42 t r i n d a d e sociedade de advogados pessoas, acionistas ou não; ou (iv) que sejam sociedades, associações, fundações, cooperativas e trusts, fundos ou carteiras de investimentos, universalidades de direitos ou quaisquer outras formas de organização ou empreendimento com os mesmos administradores ou gestores, ou, ainda, cujos administradores ou gestores sejam sociedades direta ou indiretamente controladas pela mesma pessoa, ou conjunto de pessoas, acionistas ou não [...].” (grifou-se) Conforme demonstrado acima, EB detém, em decorrência do Instrumento Particular de Instituição de Usufruto, 23,59% (vinte e três vírgula cinquenta e nove por cento) dos direitos de voto das ações de DASA. Portanto, considerando que EB e Cromossomo constituem um Grupo de Acionistas, a aquisição de ações por Cromossomo, por meio da OPA, implica apenas um aumento de participação desse Grupo, que já era superior a 15% (quinze por cento). Tendo em vista que o Estatuto Social apenas impõe a obrigação de realizar a OPA Poison Pill quando o percentual de 15% (quinze por cento) for atingido e não a cada vez que sua participação se eleve em 15% (quinze por cento), é nosso entendimento que a OPA ofertada por Cromossomo não disparará a OPA Poison Pill. Portanto, mesmo que não fosse considerada nossa conclusão exposta no Capítulo II deste parecer, da existência de usufruto em favor de EB decorreria nosso entendimento de que a realização da OPA não impõe a EB, DB ou à Cromossomo a obrigação de realizar a OPA Poison Pill. 43 t r i n d a d e sociedade de advogados CAPÍTULO IV CONCLUSÃO Diante do exposto, nossa conclusão quanto a cada um dos quesitos formulados pela consulente é a seguinte: Quesito 1: “A aquisição do controle da DASA (e, portanto de mais de 15% das ações de sua emissão) por meio da OPA, i.e., assegurando a todos os acionistas da DASA a possibilidade de venda de suas ações em igualdade de condições, por preço superior à média da cotação das ações no mercado e em linha com o preço-alvo determinado pelos analistas de mercado, dá – dos pontos de vista econômico e jurídico – aos acionistas que eventualmente não quiserem vender suas ações o direito de exigir a efetivação de OPA Poison Pill nos termos do artigo 45 do estatuto social da DASA?” Resposta: A nosso ver, a OPA Cromossomo atende a todos os requisitos objetivos da OPA Poison Pill, quais sejam: é (i) dirigida indistintamente a todos os acionistas da DASA, (ii) efetivada em leilão a ser realizado na BM&F Bovespa, (iii) lançada pelo preço determinado nos termos do parágrafo segundo da Cláusula Poison Pill, e (iv) paga à vista, em moeda corrente nacional. Adicionalmente, ela cumpre a finalidade originalmente intentada quando da inserção da Cláusula Poison Pill no estatuto social da DASA. Isto é: a de servir como um meio para assegurar uma oportunidade de saída a preço justo ao conjunto dos acionistas nos casos de concentração acionária, que possa pôr em risco a liquidez das ações Nossa conclusão, portanto, é no sentido de que o lançamento da OPA Cromossomo torna indevida a exigência da formulação de uma nova OPA, na medida em que é possível reconhecer que substancialmente a obrigação foi cumprida, não podendo ser novamente exigida. 44 t r i n d a d e sociedade de advogados Quesito 2: “Considerando que as Ações Detidas de titularidade de DB estão gravadas com usufruto sobre o direito de voto em favor de EB, podem EB e DB serem considerados um grupo de acionistas para efeitos da definição de “Grupo de Acionistas” prevista no estatuto social da DASA? Se sim, o grupo formado por EB e DB já detinha participação acima de 15% do capital social total da DASA à época da incorporação das ações da MD1, não disparando, entretanto, o mecanismo do artigo 45 do estatuto social da DASA por conta do disposto no parágrafo sexto do mesmo artigo 45. Face a esse entendimento, é razoável afirmar que o mecanismo de poison pill previsto no artigo 45 do estatuto social da DASA não se aplica ao grupo EB e DB (que inclui a Cromossomo), caso a Cromossomo, em razão da OPA, adquira Ações Objeto da Oferta que representem mais do que 15% do capital social total da DASA?” Resposta: De acordo com a definição prevista no estatuto social da DASA, EB e DB não podem ser considerados um Grupo de Acionistas. Todavia, em decorrência da constituição do referido usufruto, EB passou a deter, isoladamente, cerca de 23,59% (vinte e três vírgula cinquenta e nove por cento) dos direitos de voto das ações da DASA. Ainda que esta posição acionária tenha ultrapassado o limite estatutário, não era exigível que EB houvesse realizado a OPA Poison Pill, uma vez que (i) a constituição do usufruto nas ações de emissão da DASA decorreu da incorporação de ações de emissão da MD1; e (ii) o estatuto social da DASA excepciona a obrigatoriedade de realização da OPA Poison Pill quando a aquisição de mais de 15% (quinze por cento) das ações de emissão da companhia se der por meio de incorporação de ações. Por isso, tampouco se exigirá a realização da OPA Poison Pill agora com o lançamento da OPA Cromossomo, uma vez que EB já havia ultrapassado o patamar estatutário e a Cláusula Poison Pill apenas exige o lançamento da OPA quando aquele patamar for ultrapassado, e não quando ocorram novos acréscimos. 45 t r i n d a d e sociedade de advogados Com relação a DB, as ações de emissão da Cromossomo por ela detidas também estão submetidas a usufruto em favor de EB, e portanto DB não ficará obrigada ao lançamento da OPA Poison Pill, tendo em vista que foi EB que adquiriu, indiretamente, direitos de voto sobre as ações adquiridas por Cromossomo. Ainda que assim não se entenda, é forçoso reconhecer que, de acordo com a definição constante do estatuto social da DASA, Cromossomo e EB devem ser considerados como um Grupo de Acionistas, uma vez que a primeira é controlada pelo segundo. Portanto, considerando que EB já detinha, conforme exposto acima, mais de 15% (quinze por cento) das ações de emissão da DASA, a aquisição por Cromossomo implica apenas um aumento de participação que aquele Grupo de Acionistas detinha, e que já era superior a 15% (quinze por cento). Dessa forma, a OPA realizada por Cromossomo não impõe a realização da OPA Poison Pill por aquele Grupo de Acionistas. Quesito 3: “Na hipótese das questões objeto dos itens anteriores virem a ser discutidas em procedimento arbitral do qual resulte decisão que determine a obrigatoriedade de realização da OPA Poison Pill, o critério de preço estabelecido no inciso (iii) de seu parágrafo segundo (i.e., “100% (cem por cento) da cotação unitária média das ações de emissão da Companhia, durante o período de 90 (noventa) dias anterior à realização da OPA”) deveria tomar por base as cotações das ações de emissão da Companhia no período de 90 (noventa) dias anterior à data do edital da OPA Cromossomo ou as cotações das ações no período de 90 (noventa) dias anterior à decisão arbitral?” Resposta: Caso, por ventura, se entenda pela obrigatoriedade de realização da OPA Poison Pill, a nosso ver a correta interpretação da Cláusula Poison Pill quanto ao critério de preço estabelecido no seu inciso (iii) do parágrafo segundo (100% do valor de mercado) deverá tomar por base o período de 90 (noventa) dias imediatamente anterior ao anúncio da OPA Cromossomo, 46 t r i n d a d e sociedade de advogados na medida em que a partir de seu anúncio as cotações passaram a ser influenciadas pela própria OPA. No máximo poder-se-ia sustentar, em uma interpretação menos econômica, e mais literal, que deveria ser considerada a cotação das ações da DASA no período de 90 (noventa) dias anterior à data da liquidação da OPA Cromossomo – data na qual as ações serão efetivamente adquiridas e, consequentemente, estará consumado o evento que daria ensejo à obrigação de realizar a OPA Poison Pill. Mas não nos parece possível sustentar, em nenhum cenário, que o período a ser considerado para cálculo do preço fosse o imediatamente anterior à decisão de um procedimento arbitral. E isso por duas razões. Do ponto de vista econômico tal intepretação desvirtuaria a Cláusula Poison Pill, cuja finalidade é a de assegurar a saída a um preço compatível com cotações contemporâneas ao fato gerador da OPA. E do ponto de vista jurídico, tal interpretação terminaria por importar, salvo por coincidência, em enriquecimento indevido ou de quem realizasse a OPA ou de quem vendesse ações, respectivamente no caso das cotações caírem ou subirem após a aquisição de que redunde a realização da OPA. É o Parecer, s.m.j. São Paulo, 7 de fevereiro de 2014. Marcelo Trindade Advogado Professor no Departamento de Direito da PUC-RIO 47