CORPO, BELEZA, FAMA - 3ª Jornada Internacional de Estudos do

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CORPO, BELEZA, FAMA - 3ª Jornada Internacional de Estudos do
CORPO, BELEZA, FAMA: REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE ATRIZES
BRASILEIRAS EM CAPAS DA REVISTA BOA FORMA
Rhaysa Ricci CORREA (UEM)
Introdução
Analisar o corpo e toda sua capacidade de ação e intervenção perante a
sociedade é tentar entender o imbricamento de várias outras áreas de conhecimento que
fazem dele um objeto de estudo, tais como: a antropologia, a biologia, a medicina, a
arte, entre tantos outros, mas, sobretudo, a comunicação.
Discutido amplamente no meio acadêmico, o corpo encontra na mídia impressa
o espaço necessário de representação em que são construídos e reproduzidos discursos,
vozes, sobre como ele é visto, almejado e vendido em demasia através de anúncios
publicitários, fotos, ilustrações, textos jornalísticos etc.
Na tentativa de explorar em demasia o corpo feminino, na mídia impressa, mais
precisamente nas capas de revista como síntese dessas representações e imaginários, a
revista feminina, há anos, reproduz, divulga e forma conceitos de corpos saudáveis,
sempre estampando as capas com modelos de mulheres para ser seguido sob o intuito de
um único objetivo: o padrão de corpo ideal.
Conduzidos por alcançar essa aparência desejável e imposta pela mídia, a
sociedade globalizada de consumo acaba atribuindo aos sujeitos a responsabilidade pela
plasticidade ou artificialidade de seus próprios corpos, mesmo que para isso seja
necessário a prática de exercícios intensos, cirurgias plásticas e dietas radicais. Logo, o
plano da aparência física se sobrepõe, uma vez que se muda o tipo de corpo que se
deseja; entretanto, a proposta de apresentar sempre o corpo da época atual acaba se
tornando imutável. E é justamente o que ocorre com as revistas femininas, pois
continuam apresentando a mulher mais contemporânea do que a própria
contemporaneidade e, consequentemente, passível de construir caracterizações e estudá-
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las.
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Partindo dessas indagações, o objetivo deste artigo é refletir sobre o modo como
a mídia impressa propaga o corpo, a beleza e a fama representados por corpos de atrizes
brasileiras estampados em capas da revista Boa Forma. A partir dos postulados da
Análise do Discurso Foucaultiana, bem como estudiosos brasileiros que compreendem o
corpo e a constituição das representações sociais subjetivas dos sujeitos, a apresentação
do corpus é exposta por meio da análise de quatro capas, de anos subsequentes, da
revista Boa Forma, que servem como materialidade para se pensar o corpo ideal perante
a representação midiática para com o cuidado de si. Inicialmente, foi feita a leitura a
respeito do “corpo ideal” sob a representação midiática, passando, posteriormente, para
ascese e bioacese em um processo de subjetivação para o cuidado de si e, em seguida,
levantamentos a respeito da revista Boa Forma para, então, se chegar às possíveis
interpretações das capas mencionadas.
O “corpo ideal” sob a representação midiática
Antes de dar início aos questionamentos acerca do corpo sob a representação
midiática, é necessário deixar evidente sobre o quê se entende por corpo de acordo com
os postulados de Michel Foucault na Análise do Discurso.
Milanez (2009, p. 215), estudioso brasileiro que busca entender o corpo e a
constituição de suas identidades, cita que
O corpo considerado como unidade discursiva não é o corpo que fala,
que trabalha, que vive. Não é tampouco o mesmo corpo que pratica
esportes, que se deixa ver nas fotos de família, que se deita no sofá.
Não é, pois, o corpo que vive as práticas diárias e corriqueiras,
autômatas ou refletidas como andar, comer, dormir ou ler. O corpo
com suas funções biológicas, que exerce suas práticas sócio-históricas
do cotidiano não é ainda o corpo do discurso. Para estarmos diante de
um corpo discursivo não basta nos depararmos com práticas do fazer
do nosso dia a dia. Precisamos focalizar a existência material desse
objeto que denominamos corpo, em consonância com suas formas e
carnes por meio da representação sob a qual o identificamos.
Dessa forma, faz-se necessário colocar em evidência as condições no qual o
corpo se insere, isto é, esse corpo do qual se fala, o lugar no qual o corpo se configura, a
corpo não só como uma prática corporal, mas, sobretudo, como uma prática discursiva.
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determinado momento e lugar. A partir desses pressupostos, compreende-se, então, o
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data que ele marca e estabelecer limites que fazem com que ele apareça naquele
Foucault (2000, p. 136), em Arqueologia do saber, torna clara a questão da
prática discursiva e a define como “um conjunto de regras anônimas, históricas, sempre
determinadas no tempo e no espaço, que definiram, em uma dada época e para uma
determinada área social, econômica, geográfica ou linguística, as condições de exercício
da função enunciativa”. Em outras palavras, cogitando que a prática discursiva para
Michel Foucault não é uma mera expressão de ideias ou formulação de frases, a
enunciação feita pelos indivíduos de uma sociedade estão implantados em formações
discursivas que carregam consigo um conjunto de regras, valores e verdades de um
determinado tempo. O estudioso ressalta que não existe nada por de trás do discurso, ele
corrobora ao conjunto de regras crenças e valores da sociedade. Ora, quando
materializada essa definição, pressupõe-se o corpo como um enunciado concreto,
emergindo em redes, possibilitando deslocamentos e modificações, que criam novos
campos de saber e delineiam certo tipo de sujeito do conhecimento (MILANEZ, 2009,
p. 216).
Definido esse corpo como discurso, agora inserido sob a representação
midiática, tem-se uma ênfase dada às mudanças referentes ao conceito de corpo
saudável, seja no aspecto beleza ou saúde, detecta-se, hoje, diversificadas abordagens
que a mídia impressa revela sobre o assunto. Para isso, considerando o dispositivo
pedagógico da mídia, de acordo com a teoria foucaultiana, tem-se que os meios de
comunicação participam do processo de subjetivação e constituição dos sujeitos, uma
vez que produz imagens, significações e saberes que, de alguma forma, pretendem
dirigir um certo tipo de “conceito a ser seguido” para as pessoas. Segundo Rodrigues et
al. (2010, p. 09), estudiosos da análise da apropriação do discurso, citam que “o
discurso pedagógico midiático pode ser considerado discursivo ou não discursivo, já
que é discursivo na medida em que se produz discursos e saberes, e não discursivo, uma
vez que este discurso midiático já está inserido em um contexto social e político”.
O corpo ideal, saudável, esteticamente dentro dos padrões de beleza,
representados por sujeitos em voga na sociedade e estabelecidos na contemporaneidade
são reproduzidos por revistas femininas, como é o caso da Boa Forma. Essa mídia
impressa reproduz discursos e imagens, especialmente em suas capas, que afirmam o
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uma marca cultural da sociedade contemporânea, a busca pelo “corpo ideal” ou pela
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estereótipo feminino em um contexto social pré-determinado. Mais do que um interesse,
“vida saudável” são utilizadas pela mídia para atender o interesse público e também
para instigá-lo, na medida em que o assunto se tornou uma estratégia mercadológica.
Assim, é possível entender o aumento no número de publicações especializadas e o
interesse avantajado da mídia no tratamento do assunto (RODRIGUES et al. , 2010, p.
10).
Apesar de não ser considerada como um veículo de produção científica, a revista
Boa Forma se baseia nos argumentos da ciência para confirmar suas interpretações junto
ao público leitor. Por outro lado, de acordo com os autores supracitados, a própria
biomedicina contemporânea, os avanços nos estudos sobre a qualidade de vida,
produzem materiais que viabilizam a produção de discursos em torno da Ditadura da
Beleza pregada pelas revistas femininas. Mas, todo este poder não está apenas nas mãos
da mídia. Historicamente situada, a cultura ocidental contemporânea comporta um
contexto de valorização e espetacularização do corpo, principalmente o feminino. De tal
modo, conforme Foucault, um determinado objeto (como um conjunto de enunciações)
existe sob condições positivas, em um feixe de relações em um determinado discurso.
Tudo pode ser percebido e aprendido pelos próprios textos, fazendo relações entre este
propriamente dito, o discursivo, e o não discursivo, atentando para a adequação da
temporalidade dos mesmos.
Entendendo o discurso social como tudo que é dito e escrito por uma
sociedade, tudo que se diz publicamente ou se apresenta na mídia, a
ditadura beleza e a busca pelo corpo “saudável” são construídas no
cenário das representações sociais como estereótipos a serem
reproduzidos (RODRIGUES et al., 2010, p. 12).
Por todos os aspectos levantados, estar belo significa estar “bem consigo
mesmo”, à medida que “estar bem consigo mesmo” é estar de acordo e seguir os
padrões de beleza estabelecidos pelos meios midiáticos impressos, ainda que de forma
não totalmente consciente. Pensando nisso, de acordo com esses pressupostos aqui
enraigados, a seguir, observar-se-á como a ascese e a bioacese corroboram no processo
de subjetivação para com o cuidado de si.
Da ascese à bioacese: o processo de subjetivação para o cuidado de si
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fazer com que ele seja cada vez mais saudável e que sirva de modelo para outros
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Partindo do pressuposto das inúmeras exigências feitas ao corpo, na tentativa de
sujeitos que pregam a cultura dos cuidados de si, nada mais sugestivo do que os
trabalhos de Foucault a respeito do biopoder, justamente para refletir sobre as relações
do ser humano com o seu próprio corpo e com a sociedade.
Para entender esse processo de subjetivação para o cuidado de si, isto é, voltar-se
um olhar a si por uma análise detalhada do que merece ser cuidado, investido e, muitas
das vezes, melhorado em relação ao seu corpo, Ortega (2002, p. 140), estudioso do
corpo submetido à submissão do corpo pelo viés da ascese e da bio-acese, define que o
ascetismo é analisado como fenômeno geral existente em todas as culturas e que, no
entanto, só é compreensível nas formas, motivos, contextos e comportamentos
específicos nos quais a conduta ascética aparece. Concomitante a essa afirmação,
Foucault se aproxima dessa noção quando define as “práticas em si” como esquemas
que o indivíduo encontra na sua cultura e que lhe são propostos, sugeridos e impostos
pela sua cultura, sua sociedade e seu grupo social. Ora, a ascese, entendida como um
processo de subjetivação e volição, constitui um deslocar de uma subjetividade a outra,
em uma oscilação de uma identidade recusada e outra almejada.
A ênfase é dada, então, às formas das relações consigo, aos
procedimentos e às técnicas pelas quais são elaboradas, aos exercícios
pelos quais o próprio sujeito se dá como objeto por conhecer e às
práticas que permitam transformar seu próprio modo de ser
(FOUCAULT, 1984, p.37).
Ainda para Foucault (2001), a definição de ascético está ligada como o conjunto
ordenado de exercícios disponíveis, recomendados e até obrigatórios, utilizáveis pelos
indivíduos num sistema moral, filosófico e religioso para atingir um objetivo espiritual
específico. Em outras palavras, é uma alternativa à disciplina. Ela representa uma saída
aos impasses apresentados pela sua analítica do poder, a qual localizava os pontos de
resistência aos dispositivos disciplinares no corpo e nos prazeres (ORTEGA, 2002, p.
152).
Nas asceses da antiguidade, especialmente as clássicas greco-romanas, Ortega
(2002, p. 142) cita que o almejado era sempre “um desafio aos modos de existência
prescritos, uma forma de resistência cultural, uma vontade de demarcação, de
ascese espiritual - como prova de capacitação para vida pública, de contato com a
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visando sua superação e transcendência - a ascese corporal aparece vinculada a uma
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singularização, de alteridade”. Mais do que isso, o corpo era submetido a uma dietética,
divindade ou da superação da condição humana individual e da adoção da perspectiva
da natureza universal.
A dietética, enquanto equilíbrio corporal, enquanto cuidado de si, estilística da
existência e prática de liberdade, visava uma purificação da alma; “a ascese corporal
visa, no fundo, uma ascese da alma” (ORTEGA, 2002, p. 145). O sujeito ascético, na
autorrenúncia, desenvolvia um universo simbólico à parte, visto que a delimitação de
suas relações sociais identificava-se a uma reestruturação das mesmas. As práticas
dietéticas, então, eram componentes fundamentais da vida política, da ação livre e da
vontade forte. Estilísticas da existência que miravam não o sujeito ascético e seu corpo,
mas o outro e a cidade. É a presença do outro que valoriza o cuidado de si.
De acordo com Silva et al. (2009, p. 03), classicamente, as práticas de saúde,
dietéticas, legitimavam o corpo para a vida pública. Através da ascese, da autoanulação,
do encontro com Deus, o corpo adquiria uma autonomia da vontade, liberdade sobre si
que transbordava em poder sobre os demais. Nas modernas bio-asceses, entretanto, a
vontade não é libertária, mas “ressentida, serva da ciência, da causalidade, da
necessidade, que constrange a liberdade de criação e elimina a espontaneidade”
(ORTEGA, 2002, p. 144). À ascese Antiga, enquanto prática de liberdade da alma,
contrapõe-se as bio-asceses contemporâneas, medicina social em forma de disciplina
individual.
É por meio desses processos que se busca compreender os cuidados legitimados
ao corpo, a toda exposição midiática que estimula a construção de bio-identidades. Com
o intuito de analisar como a revista Boa Forma contribui na formação de conceitos e
valores voltados ao cuidado do corpo, a seguir, observar-se-á como esse recurso
midiático impresso postula conceitos aos sujeitos que se interessam ao contexto ideal de
corpo.
Por dentro da Boa Forma
Publicada pela editora Abril no ano de 1986, voltada ao público feminino que se
interessa por saúde, fitness, estética, nutricão, entre outros assuntos, a revista Boa Forma
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mensal no ano de 1988 e passou por uma modificação editorial no ano 2000, uma vez
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surgiu como um guia de ginástica em uma edição especial da revista Saúde!. Tornou-se
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que a competitividade de mercado e a tendência acirrada necessitaram de um
direcionamento e uma afinidade maior com o público leitor feminino.
Segundo Albino e Vaz (2008, p. 201), pesquisadores do corpo e as técnicas para
o embelezamento feminino, essa mídia impressa apresenta como conteúdo central de
suas reportagens técnicas
dietas e séries de exercícios, fármacos para a pele e o cabelo com fins
para o embelezamento do corpo e cuidados com a saúde, e reportagens
com temas de autoajuda. Ela organiza-se em seções específicas: 1Fitness; 2- Beleza; 3- Dieta e nutrição; 4- Bem-estar e 5- Especial.
Além dessas seções apresenta sempre uma reportagem com a garota
da capa e outras mini-seções que veiculam conteúdos similares aos
das seções fixas.
Toda essa questão de exploração pela cultura de massa e por setores da
economia dos cuidados com o corpo e a saúde, dirige-se ao conceito trabalhado por
Foucault, mencionado como “cuidado de si”. Para ele, ter esses “cuidados consigo” é o
princípio que domina e possibilita a existência, que fundamenta as necessidades do
indivíduo, comanda o seu desenvolvimento e organiza sua prática. Nos dizeres das
estudiosas do corpo como representação social na mídia, Siqueira e Faria (2007, p. 178)
afirmam que a cultura de si tomou a forma de uma atitude, de uma maneira de se
comportar, impregnou formas de viver; desenvolveu-se em procedimentos, em práticas
sociais, em trocas e comunicações. Resumidamente, proporcionou certo modo de
conhecimento e elaboração de um saber.
A subjetividade capitalista produzida pelos meios de comunicação de massa gera
uma espécia de cultura particular com vista a uma universalidade. Nos dizeres de
Guattari (2000, p. 39)
a imprensa, enquanto produtora de cultura de massa, alimenta-se de
fluxos de singularidades para produzir, dia a dia, individualidades
serializadas. Democraticamente ela “amassa” os processos de vida
social, em sua riqueza e diferenciação, e, com isso, produz, a cada
fornada, indivíduos iguais e processos empobrecidos.
Os discursos midiáticos presentes na revista Boa Forma, por exemplo, fazem
com que outros caminhos não sejam alcançados senão por aqueles presentes numa
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estigmatizado relacionar-se consigo mesmo e com suas vidas de acordo com os
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espécie de identidade corporal midiática de padrões de beleza. É como se já estivesse
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discursos, as imagens e os pressupostos veiculados pelos meios de comunicação
(SIQUEIRA e FARIA, 2007, p. 179).
O que mais chama atenção de estar atento a esses perfis é que a mídia impressa
ganhou e vem ganhando um espaço cada vez maior na divulgação capitalista do que se é
chamado pelos especialistas de “culto ao corpo”, pois é por através dessa exposição
pública que o comportamento dos sujeitos é estimulado, visto que as próprias revistas
femininas, nas palavras de Siqueira e Faria (2007), mostram tal comportamento
recorrentemente, enquadram-se no cotidiano e o mantêm no presente. À luz de todas
essas indagações mencionadas, tomando o discurso do corpo em representações de
atrizes brasileiras estampadas na capa da revista Boa Forma, a seguir, analisar-se-á
quatro capas dessa mídia impressa, bem como os efeitos de sentidos que provocam no
público leitor quanto a representação e propagação de conceitos de corpo feminino
saudável.
Desenvolvimento do estudo: análise das imagens das capas da revista Boa Forma
Swain (2001), estudiosa do feminismo e das representações sociais, entende a
análise de revistas femininas como um recorte de discursos que interagem num dado
momento. Um lugar de fala que nos traz textos e imagens como objetos sociais e
históricos, elaborados no social, segundo códigos e significados já construídos; por
outro lado, são também produtores das representações instituidoras da socialidade
(RODRIGUES et al., 2010, p. 07). Estas revistas se apropriam de um discurso, que
segundo Michel Foucault cita, é um conjunto de enunciados que se apóiam na mesma
formação discursiva. Em consequência disso, a teoria do discurso do autor entende
ainda o discurso como um número limitado de enunciados que pode ser definido um
conjunto de condições de existência.
Com a finalidade de apresentar conceitos de corpo saudável, aos cuidados de si,
por meio de representações sociais de atrizes brasileiras, para ilustrar esse artigo, quatro
capas da revista Boa Forma dos anos 2011, 2012, 2013 e 2014 foram selecionadas. É
por meio da Análise do discurso que será possível mostrar o processo de produção de
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Inserida na linha de pesquisa qualitativa, pois “envolveu-se a obtenção de dados
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um significado que se materializa por meio da linguagem verbal e não-verbal.
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descritivos, obtidos no contato direto do pesquisador com a situação estudada,
enfatizando mais os processos do que o produto, e se preocupando em retratar a
perspectiva dos participantes” sob um processo indutivo (LÜDKE e ANDRÉ, 1986), a
seleção das capas se deu na busca de relacionar com a realidade mais próxima que as
leitoras estão inseridas, ou seja, no contexto de globalização e das relações de corpo
ideal, beleza, saúde e fama, as quais estão sempre presentes na mídia.
Assim, serão apresentados, a seguir, quatro exemplos de capas da revista Boa
Forma representadas por atrizes brasileiras. Seguido por uma ordem cronológica, temse, primeiramente, a capa da revista do mês de Março de 2011, com Fernanda Paes
Leme, posteriormente de Flávia Alessandra, do mês de Outubro de 2012, logo depois da
atriz Cleo Pires, estampando o mês de Maio de 2013 e, por fim, a capa de Juliana Paes
referente ao mês de Agosto do ano de 2014.
Fig. 1- Fernanda Paes Leme na capa da revista do mês de Março de 2011.
A capa da revista Boa Forma é sempre estampada por uma personalidade do
meio artístico, de biquíni, expondo seus corpos. Cores alegres e leves são sempre
utilizadas na diagramação das capas. Na maioria das vezes, as “garotas das capas” estão
em evidência na mídia no determinado momento. Além disso, a capa da revista é o
primeiro contato que se tem com o meio impresso, o que consequentemente tende a
chamar a atenção e, normalmente, relata um resumo do que vem a ser tratado no interior
como objeto representado: uma mulher. Analisa-se que a revista tem a tentativa de ser
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Ao observar essa imagem, percebe-se que é um ícone, pois possui semelhança
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da revista.
harmoniosa, colocando a cor de fundo da capa em branco e letras em verde e rosa para
harmonizar com imagem da belíssima atriz na capa. Carregadas de vários sinais e
significados, as capas sempre devem trazer algo atrativo que chame a atenção do leitor,
como foi desta, uma vez que não só utilizou uma atriz muito bonita, mas também
utilizou roupas sensuais, com a finalidade de evidenciar o corpo e a boa forma da atriz.
Com relação à linguagem, utilizou letras em um tom de rosa, combinando com a
vestimenta do sujeito, a fim de chamar a atenção do leitor no momento da escolha da
revista. Ao voltar-se o olhar para a capa, pode-se perceber que a linguagem se mistura à
Fernanda Paes Leme, na tentativa de prender a atenção do leitor e afimar que o que está
dito é comprovado pela imagem da atriz. O que fica sobressaliente, então, são as frases:
“Perca 1 número do manequim em 1 mês comendo mais... e melhor” e “Nós temos a
solução para a maior ameaça ao cabelo longo”. Quando o leitor recebe essas mensagens,
tende a se atrair pela praticidade de perder o peso e ficar bela, concomitantemente.
Por ser considerada famosa e estar sempre em evidência no meio artístico, faz-se
necessário que estes tipos de sujeitos estejam bem consigo para poderem transparecer a
outras pessoas. No caso de Fernanda, para manter a boa forma e os cuidados de si, ela
investe em boxe e pilates, duas práticas de exercícios que são destaques entre os
famosos por obterem resultados satisfatórios e rápidos com as perdas de calorias
excessivas. Assim, é por meio dessa representação midiática subjetiva, materializada
por essa capa de revista, que os leitores poderão levá-la como um modelo padrão a ser
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Fig. 2- Flávia Alessandra na capa da revista do mês de Outubro de 2012.
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seguido.
Assim como na capa da revista anterior, ao observar essa imagem, percebe-se,
também, que se trata de um ícone midiático, pois possui semelhança com o objeto
representado: uma mulher. Um fator que não se pode deixar de notar é que a atriz da
capa é a Flávia Alessandra, de 38 anos, casada e mãe de duas meninas. A revista, com
intenção de persuadir o consumidor, utiliza modelos em seu auge de sucesso e boa
forma. Flávia Alessandra utiliza um biquíni diferente da outra capa analisada; abusa de
uma sensualidade mais conservadora, a ponto de se retrair e colocar a mão em seu
próprio colo. Em contrapartida, exibe um corpo escultural e em total forma física. A cor
branca do plano de fundo da capa da revista, novamente, remete-se a ideia de leveza
pela sua similaridade com a as cores azul e verde presente nas letras. Nessa capa de
revista, como na anterior, foram utilizadas letras coloridas em destaque e números
salientes, chamado a atenção para a matéria destacada e para o corpo da atriz.
Pode-se notar na capa da revista que o que prende a atenção do leitor é o fato de
que a atriz conseguiu ficar ainda mais magra depois da gestação de seu bebê, por meio
de um cardápio balanceado e atividades físicas que fazem com que o cuidado de si
prevaleça. Outro fator relevante é o fato da atriz ter 38 anos e exibir uma forma física
invejável. É uma tentativa de dizer ao leitor: “Se ela pode, você também pode”.
Com relação à linguagem, observa-se em letras garrafais o “Desafio de verão 10kg e corpo novo” e novamente a menção, como foi dada a outra capa, à prática de
pilates no intuito de “chapar a barriga”. Ao que tudo indica, essa modalidade de
exercícios é febre no mundo dos famosos, como bem mencionado, pois ajuda no
fortalecimento corporal para com os cuidados de si.
Ainda neste exemplo, pode-se perceber a estereotipização feminina enquanto
corpo, tanto no que remete a necessidade de ser bela, quanto na ideia de envelhecimento
em desacordo com a beleza. Flávia Alessandra é um exemplo do que “se deve ser”, e
um “incentivo” para as mulheres que leem a Boa Forma.
Por fim, a revista ainda traz informações sobre como essa famosa mantêm o
corpo. Cada edição utiliza uma artista, logo, em cada edição é abordada uma forma
diferente de manter o corpo. Diferenças biológicas não são consideradas, como pele
que ela usa”, na maioria das vezes, prevalece.
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humanos, e assim a ideia que “aquela mulher é linda, logo farei o que ela faz e usarei o
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diferente, metabolismo, organismo entre tantas outras especificidades dos corpos
Fig. 3- Cleo Pires na capa da revista do mês de Maio de 2013.
Cleo Pires, considerada uma das atrizes mais belas do Brasil, estampa a capa da
revista Boa Forma do mês de Maio do ano de 2013. Bem diferente das duas capas
analisadas anteriormente, esta com um ar muito mais sensual do que as outras duas,
explicita e deixa evidente as próprias características intrínsecas à atriz.
Ao começar pela atenção dada ao fundo da capa em tom vermelho,
complementando com o maiô utilizado, a maquiagem e se remetendo a toda essa
sedução materializada pelo rosto e pelo corpo da atriz. Vale lembrar que, na época, Cleo
Pires estava em evidência na novela Salve Jorge exibida pela Rede Globo e,
consequentemente, sempre aparecia em revistas e matérias jornalísticas.
Outro quesito que chama a atenção do público leitor é que a saúde tornou-se
uma utopia, pois a procura pela perfeição por corpo enxuto e livre de doenças e toxinas
é exacerbado pelos veículos de comunicação. O corpo esteticamente perfeito é visto na
maioria das vezes como uma consequência do corpo saudável, que deve se submeter a
programas de emagrecimento com dietas e severas atividades físicas. Nos enunciados
verbais expostos na capa, como em: “Perca os últimos 3 kg com a dieta queimagordura”, “Vale a pena cortar o glúten e a lactose?” e “Desafio da corrida: derreta 8 kg e
vire fera na pista” são exemplos de discursos que a mídia promove nos sujeitos a fim de
abdicarem o uso de prazes para combater o excesso de peso, visto como um vilão
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feminino.
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Mais do que essa vida saudável e corpo perfeito, exemplicados pela atriz, a
busca para se alcançar esses ideias são estratégias da própria mídia com o intuito de
atender o interesse do público, mas, sobretudo, instigá-lo a ser igual ou parecido com o
exemplo apresentado. Cleo Pires, ao contrário de Fernanda Paes Leme e Flávia
Alessandra, exibe uma forma física mais torneada, ressaltando não a magreza, mas o
“corpão” típico das brasileiras. Mais uma vez, os discursos materializados evidenciam
que existem vários tipos físicos de corpos que são padrões e prontos para servirem de
exemplos a outras pessoas.
Fig. 4- Juliana Paes na capa da revista do mês de Agosto de 2014.
Considerada como referência de atriz, nacional e internacionalmente, Juliana
Paes, de 35 anos, casada e mãe de dois filhos, exibe um corpo esbelto logo após a sua
recente gravidez. As atrizes brasileiras têm um estereótipo já determinado de que
possuem um capital corporal, sob um prestígio por terem alcançado um corpo
considerado ícone de beleza e boa forma. E é justamente por esse motivo que são
consideradas detentoras de segredos e fórmulas que prometem revelar ao leitor que irá
comprar a revista. É por meio desses tipos de promessas, já mencionados, que as
leitoras acham que é possível ter um corpo semelhante aos das garotas estampadas na
capa, ou que a beleza exacerbada pela fama dessas atrizes são frutos de investimentos,
beleza e fama, pois deixa evidente que é possível ter um corpo em forma depois da
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Sob esses pressupostos é que Juliana Paes materializa essas questões de corpo,
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possíveis, então, para todas as pessoas.
gravidez, como foi o caso de Flávia Alessandra e, mais do que isso, revela por meio da
mídia impressa como consegue obter êxito para com os cuidados de si.
Ao analisar a capa, bem diferente das outras três aqui observadas, percebe-se
não mais cores que prevaleçam a atriz, mas um cenário real, de praia, que contribui com
as características físicas de Juliana Paes, bem como sua vestimenta e seus acessórios.
Mais uma vez em evidência a “barriga chapada”, bem como a prática de exercícios
físicos e os cuidados com a beleza, como recursos da linguagem a fim de atiçar a
curiosidade do leitor.
Mais do que um complexo de dispositivos exibidos que incidem sobre a
feminilidade, os discursos que envolvem o corpo acabam abarcando diferentes públicos
que buscam o desejo e o controle de si. Esses processos de representações sociais por
meio dos cuidados com o corpo e a boa forma promovem como consequência um
controle maior do corpo das leitoras da revista Boa Forma. É através desse domínio e
cuidado de si que “se está bem consigo, se estará bem com outras pessoas também”,
seja através do serviço dos dispositivos da biopolítica que correspondem à indústria
cultural de comunicação, ou pelo processo de representações sociais também expostos
pela mídia impressa.
Considerações finais
Por todos os aspectos teorizados e analisados neste artigo, bem como os
discursos arraigados do biopoder sob a representação de atrizes brasileiras nas capas da
revista Boa Forma, é possível perceber que muito mais do que a interpretação imagética
dos discursos, concomitantes as estratégias discursivas, tais como a coloquialidade, a
linguagem com verbos no imperativo, as cores que muito dizem sobre a personalidade
das envolvidas, o apelo à curiosidade imposta ao leitor, bem como os interdiscursos, é
possível afirmar que os meios de comunicação, sobretudo, os impressos, dão à
sociedade aquilo que ela quer ou precisa, tendo como exemplo as capas estampadas com
atrizes belas, corpos esbeltos, tudo o que as pessoas precisam para servir de modelo à
sua vida.
representações sociais exemplificadas. Outro fator relevante é o modo como a
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discurso e imagem, o poder que um exerce sobre o outro é muito marcado através das
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Fica evidente, também, que por meio dessa comunicação intercalada entre
diagramação das capas é enfatizado, a ponto de influenciar o leitor a comprar a
mercadoria, muitas vezes, apenas pela imagem.
Ao finalizar esses apontamentos proeminentes, faz-se necessário reafirmar esse
sujeito proposto pela Análise do Discurso Foucaultiana, representado socialmente por
atrizes brasileiras, as quais procuram aliar o seu próprio presente com as transformações
sociais ocorridas pela sociedade, e expressar, por meio dos seus cuidados de si, outros
discursos que podem ser ampliados em outros contextos por meio desse modelo a ser
seguido.
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