Allen Wood - verlaine.pro.br

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Allen Wood - verlaine.pro.br
t<ar1t
ALLEN W. WOOD
Professor
ele Filosofia
nc1
Universidade de 5tanford, Califórnia
Tradução
Delarrwr José VolpatÇ> Dutra
Consultoria, supervisão e
revisão
i
técnica dest-.-1. edição:
Valerio Robden
Doutvr
',
e livre-clucente em Filosoi
f a pela Universidade Federal
do Rio Grande do Sul, com pós-doutorado na Universidade
de Miinsw; Alemunha. Professor titular Je Filosofia
na Universidade L_!tteraná do BrasiL
A O·{tica da razão pura foi fundamental pelas contribuições filosófi·
:as que tornam a obra ele Kant memorável para nós. A CrÍLica ela razi'io
>rática foi um crescimento d a obra de Kant em uma segunda edição de sua
>bra fundamental e também de sua tentativa de esclarecer os f un damcn­
os ela filosofia prática como ele os tinha apresentado na Fundamentação. É
iifícil dizer por que Kant escreveu a Crítica ela fawldade elo ju{zo, a qual,
�le afirma, leva sua empresa crítica i nteira a um termo (KU 5:170). Seu
)bjetivo fundamental, claramente ad m itido, foi unir o que ele percebeu
;er um abismo infinito entre o tratamento da razão prática e da razão
.eórica em sua filo so fia e, p or meio disso, unificar seu sistema filosófico.
::ontudo, qu al seria exatamente o problema tratado, ou qual seria suposta­
nente o problema em si mesmo, é m atéri a ele di s pu ta p rof1.1 n d a entre os
�specialistas em I<ant até hoje. Em um estudo como este, cu evitarei expor
:JUalquer opinião nessas questões, pois qualquer tratamento que eu pu des­
;e dar ser ia inevitavelmente controverso e não hav eri a espaço aqui para
�xplaná-lo ou defendê-lo. (Contudo, talvez eu possa cstnr certo de ret i rar
:ríticas de todos os lados, ainda qne eu ofereça a modesta sugestão de
:.�ue, sob o ponto de vista elo legado filosófico duradouro de Kant, as ques­
:ões obsc u ra s que circundam a un idade do sistema kantiano possam ser de
menor interesse do que devotndos especialistas em I<ant geral mente pen­
:;am que seja.)
/\parte desse objetivo fundamcn1al (aiuda que obscuro) , entretanto,
o propósito de Kant na terceira e final CdLiru foi tamb ém tratar de dois
tópicos que foram de gra nd e imponftncia filos ófi ca em seu rempo, bem
como guiar algumas das coisas que foram ditas sobre eles e que, n a visão
de KcnL, violavam os escriLos críticos que sua filosofia havia lançado . O
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Allen W.
primeiro tópico era o gosto, seus padrões próprios e as implicações de
nossa experiência da beleza para a metafísica e a moralidade. Estas foram
questões com as quais muito se ocupou, criativamente, o pensamento do
s écu l o XVIII. O segundo tópico era a teleologia natural, sua função na
ciência natural e suas implicações para a moralidade e as crenças religio­
sas. O ponto de vista mecanicista da natureza encabeçado por Descartes e
grande parte do pensamento moderno em seu início, foi contrariado or
Leibniz e pelos platônicos de Cambridge, sendo que a segunda metade do
século XVIII testemunhou uma forte continuação dessa reação, especial­
mente por parle de certos pensadores alemães. Kant quis dar o devido
respeito a essa reação, ainda que moderando alguns dos entusiasmos
anti<.:ientíficos aos quais ele acreditava serem propensos.
Contudo, ambos os tópicos, como Kant podia claramente perceber,
eram perlinentes a problemas de sua própria filosofia crítica que ele via
como ainda pendentes. Kant nomeou tais problemas em conjunto, referin­
do-os ao a bism o incalculável" entre sensível e supra-sensível, natureza e
liberdade, razão teórica e pr ática (KU 5: 175-176). Quase imediatamente
após a recepção da filosofia crítica de Kant, e desde então, ele tem sido
acusado por alguns de estabelecer um conjunto de clualismos falsos e não­
saudáveis-entre fenômenos e coisas em si ·mesmas, natureza e moralidade
inclinação e dever. A Crítica da faculdade do juízo é o reconhecimento des�
sas crfticas pelo próprio Kant e a sua tentativa de respondê-las.
'ütl como a milior parte ela estética do Esclarecimento, Kant afirma
haver uma conexão bastante estreita entre moralidade e sentimentos esté­
p
"
ticos do belo e do sublime. Ele vê tais sentimentos como conectando e
mediando a razão moral e a nossa nalllreza sensível. Beleza c sublimidade
nos dão um autêntico sentimento da moralidade o u até mesmo (na feliz
'
frase de Paul Guyer) uma experiência da liberdacle.1 Como podemos atual­
mente ve1� na experiência da beleza, segundo o tratamento kantiano dado
a ela, a faculdade do juízo medeia - e registra uma hannonia espontânea
entre -nossa faculdade sensível da imaginação e nossa faculdade intelec­
tual elo entendimento, A experiência da beleza também nos fornece cons­
ciência de "idéias estéticas" - representações sensíveis ou imaginativas às
quais nenhum conceito é adequado, que são o complemento das idéias da
razão
ou seja, representações intelectuais às quais nenhuma intuição
sensível pode ser adequada. O outro tema maior da terceira Crítica, a
teleologia da natureza, conecta, em última análise, nossa ciência teórica
da natureza ao sistema dos fins morais, mostrando-nos uma visão da natu­
reza qne se harmoniza com nossa vocação moral, unindo, assim, o abismo
entre razão teótica e prática, liberdade e natureza.
Ao mesmo tempo, porém, a Crítica da fawldade do jufzo define cui­
dadosamente o único lugar d os juízos estéticos em nossa vida mental e
-,
determina o
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Kant
Wood
papel especial e limitado dos juízos teleológicos em nossa
investigação da natureza. Desse modo, ela também efetiva _o empreendi­
mento crítico de Kant, guardando os limites de nosso conhecunento co�tra
uma espécie de entusiasmo estético ou religioso que ele vê como teoncamente irresponsável e praticamente perigoso.
, .
.
Neste capitulo, examinarei brevemente o aspecto estettco do proJeto
kantiano na terceira Crítica e sua relação com as teorias tradicionais do
gosto que Kant estava tentando mediar e cuja oposição ele também estava
tentando transcender.
es. Eles não
Juízos sobre um objeto ser belo ou fei o são muito peculiar
·
vezes, como
são como meras asserções que podemos considerar, algumas
"agr tclável"
o
obre
agradáveis ou repugnantes-- que Kant chama de juízos �
�
cam
de
cha
o
agrade
�mlla p�r­
ou "desagradável". Suponhamos que me
,:'a sct-vt-lo a num
que cu o associe a minha velha e doce avó, que costuma
agrade porque
nao
ele
você
a
que
passo
ao
,
marzipã
com
criança
quando
-lo a vo:e como
sua governanta com pele enrugada costumava empurrá
s o qua!1uma espécie ele medicação punitiva acompanhada de uma repreen �
cl e Nao
au
s
sua
para
ruim
ava
consider
ela
que
do você fazia alguma coisa
não
você
e
isso
aprecio
Eu
r.
discorda
s
possamo
que
o
sobre
11á nada aqui
;
em -e e
Nós dois temos ciência desses fatos e sabemos como eles prevalec
objeto é bel� e
tudo o que há para isso. No entanto, se. eu digo que certo
alguma cmsa
sobre
ndo
discorda
como
s
você diz que é feio, nós nos olhamo
ira, então
verdade
for
s
asserçõe
nossas
de
a
um
se
que,
os
-nós dois pensam
sido predicaclas
a outra deverá ser falsa. Ambas as asserções parecem ter
seu tamanh o
de um objeto real ou de wna propriedade objetiva, tal como
todos esses
entende
Kant
mau.
ou
bom
é
ou sua massa ou, inclusive, se ele
des o�jeti­
roprieda
o
jei
s
do
do
predican
�
como
F
caso,
r
e
u
�
juízos, em qualq
.
_
mente uma hbta.
obJetiva
e
hbra
uma
de
arroz
de
saca
Uma
coisas.1
das
vas
instru­
é
facas
elas
ão
Uma faca que efetivamente serve às finalidades-padr
faca que torna
menlalmente ou funcionalmente boa, ao passo que uma
a por leis
proibid
ação
Uma
ruim.
é
r
alcança
de
difíceis
essas finalidades
estabelecem
elas
que
ação
uma
que
passo
ao
má,
ente
moralm
é
morais
como meritória é moralmente boa.
s do mesmo
Nã.o obstante, juízos de beleza e feiúra não são objetivo
a bondade
sobre
juízos
que
ou
peso
o
e
o
nh
a
m
a
t
o
modo que juízos sobre
é que ele nos
objeto
um
de
bele7.a
a
sobre
l
essencia
coisa
A
e.
maldad
ou a
z C an o os obje­
apraz e sobre a feiúra ele outro objeto é que nos desapra q�
ncta em rela­
expene
nossa
e
ada
apropri
tos são considerados ela maneira
juizo
genu.íno
m
u
a
os
estranh
fatores
por
da
distorci
é
ção aos mesmos não
.
?
186
Allen W. Wood
------
187
Kont
e----
-
ele gosto). Nossos juizos de gosto divergem por que cada um de nós
pensa
que o ontro deva, no mínimo, estar apto a considerar o objeto dessa
ma­
neira apropriada e q ue, quando isso a con tece, o out ro deve compraze
r-se
com o objeto que consideramos belo e não gostar do objeto que conside
ra­
mos feio. Prazer e desprazer, porém, são sentimentos essencialmente
sub­
jetivos. Como Kanl com req üência insiste, o mero fato ele que um obj
eto
nos ap. ra� ou des apra z nao nos dá q ua lq uer indicação de suas proprie
da­
des o JetJvas, nem .me sm ? c e modo seme l hante a como a cor de um obje
to
me diZ algumn cotsa obJetiva sobre a luz que sua superfície reflete
sob
certas condições. A t.'mica i nformaç � o que eles dão é sobre o sujeito.
Então, juízos de gosto parec em a pre senta r-nos um p ara doxo. Eles pos­
sivelmente não podem ser juízos objetivos sobre um objeto, mas nós
os
tratamos como se fossem . Beleza e feiüra funcionam no discurso como
se
fossem pro priedades objetivas das coisas, ainda que s aiba mos perfeitamente
b em que n ã o são. Como pode acontecer que cheguemos a considerar um
objeto como aprazível ou não-aprazível, ao menos quando é visto de um
certo modo, como se fosse uma proptiedade objetiva dele? Poderia parecer
que tratam os esse ca so especial de prazer e des p r azer como no rmati v
o,
como se quando ele foss e visto des se modo fo sse correto, em algum senti­
do, ser aprazido por um objeto belo e errado não ser ap razid o por ele .
Kant é fTeqüentememe visto como t entand o med·iar ou trans cender a
o posiçã o entre "racionalismo" e "em pi rismo" na teo ria do conhecimento.
Con�udo, a únic a área da filosofia na qual ele entende sua própria tarefa
precisamente nesses termos é n a estética (KU 5:346)1 Pode ajudar-nos
a
entender a sua teoria do gosto anal isarm os brevemente as sol.u ções "em­
piristas" e "racionalistas" dadas ao paradoxo sobre os juízos de gosto e
vermos por que Kant considerou ambas as soluç ões insatisfatórias. Racio­
nalistas como Baumgarten ou Mendelssohn identificam a beleza com a
bondade ou a perfeição, sendo apreendida preferencialmente pelos senti­
dos antes que p elo intelecto. O ca �·�t er específico desse modo de apreen­
são, para eles, reside não só no fato de ser confuso, mais q ue distinto, mas
também no fato de que eles vêem o prazer e o d esp razer sensorial como
indispensável p a ra nos motivar à ação. Empirisras como Hutcheson ou Hurne
identificam a beleza c om o agra dá vel, mas uma agradabilidade é senti­
da somente sob certas condições -livre de in tere sse ou preconceitos, por
alguém experiente no tipo de objeto estét ico que deve ser julgado. Kant
rejeit a o ponto racionalista porque l ocal iza o ca rá
ter eminentemente não­
subje ti vo e não-conceitual da beleza apenas no modo de sua apreensão, ao
p asso que es ses aspectos pertencem à natureza da própria beleza. Ele
c?nsi dera o ponto de vista empirista, em contraste, como inapto para con­
stderar adequadamente a normatividade dos juízos estéticos, visto que o
padrão canônico das con diçõe s idealizadas dos juízos estéticos conta como
norm a tivo somente porque juizos sobre a agradab il idad e , feitos sob tais
�
?
�
eliciar nos�a apr �v ação - p? rque
condições, ocorrem , mais uma vez, para
noçao de JUÍZO estettc�
nossa
à
veis
agradá
são
ões
condiç
as próprias
.
do que, novameme, outro f<.�t.o
mas isso tamb ém nunca pode ser mais
.
el
adáv
r
g
a
empírico sob re o que consideramos
.
.
t m de com b m� 1 a
Uma s ol ução satisfatória ao prob lema do gosto �
JUIZOS
normatividade genuína ou a validade universal, a ncccss1dadc de tms ��e
e
o
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o
:'
co
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da
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para todos os sujeitos com sua essencial subj
, ou de sa p taz ,
aprctz
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n
que
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ente
eles sempre se referem fundamentalm
p razer �u desp raze.r �e;
e não a. qu alqu er proptiedade objetiva que c�L� sa
Is so e
de nossa ÍéiCUldacle cobrnJttva por me10 da qual
�·
�
� �
ramente por causa
.
.
conhec ido.
,
plorar, sua propna teon 1
A solução proposta por Kant consiste em ex
�
im o s no Capi LUlo 2, o conheci­
de nossas facul dades cognitivas. Como v
, el .
tra­
da intuição s�n s 1v
mento humano ocorre por meio da cooperação
tlla­
conceJ
sao
estes
,
o
t
n
e
nd im
vés dela objetos são dados e, através do e nte
os sobre eles ,.. Considera ndo
l izad os ' t ornan d o possíveis os juízos objetiv
preocupad? co1�1 as :·e1a­
está
1
Ka
os
estétic
: �
nossa c'ap acidade para juízos
!
s_ c�m a 1m�gmaçao -,
a
:
n
,
umnça
a
com
não
to
n
e
dim
n
?
ções do e nte
tcta d� objet�� (c?n:
visto que os juízos estéticos não c? n cernem a exrste!
sens ive l patd a lll1d
ntaçao
represe
dados na intuição) mas somente <J su a
j uízo é a faculd�de
O
não.2
ou
do
existin
como
g�nação, sejam ele� dados
.
tos �ob os qu�I� o
concel
aos
o
çã
a
agin
im
na
dado
é
ue
q
que relaciona 0
.
de d01s npos. No J u�zo
dado pode ser pensado. Essa relação pode, ser
.
ao passo que, no JUlZO
determinante' um conceito é aplicado ao que e dado,
s �a�o�
reflexivo, um conceito é proc urado para o _que- dado_ Em a1�bos ? r�s re�
e
en t1
.
ma
hanno
ou
açao
combm
de
forma
a
algum
0 que se requer é
.
.
�
nt çoes conce1tua�s,
ese
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as
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ma
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ou
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intuiçã
da
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presenta
.
oper�çao hat momo sa ent re as
as quais residem , por seu nano, em uma
,
en d n:1 ento.
ent
do
e
pr óprias faculdades da imaginação
, çao
e a ope a
to
n
e
m
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Jul
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ato
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.
Pressuposta, portan
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repres
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mento em
em relação re cípr oca da imaginação e do e�tendt
�
essa op�raç ao nao pressu­
tação dada. Especialmente em juízos retlextvos,
desses JUIZOS � ch,ega: um
põe qualquer conceito dado, visto que o ponto
.
hvr�
qu: Kan� cham d
o
em
envolv
m
també
conceito. Porém, os juízos
�
e,
-.:LVI
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jogo" da imaginação e do entendimento em .relaçao mutua
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A
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Jto
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dize r, livre de orientação por q ua l quer conc�
un <:_gmaçao c o n te nd im e nto
são t ais, que já nesse livre jogo c o n du �em t�
�a o �·epresenta esp?ntanea­
a uma relação harmoniosa ...0 que a una.gma
açao pelo entendtmento­
mente é então bem-ajustado à sua conce1tualtz
e s� ont ne a entre as facul­
nia
sendo q ue 0 sujeito experimenta essa harmo
pl l�açao de 9 t�al�uer con­
a
.ela
ntes
a
dade s imaginati v a e inte lecLUal ainda .
esnmnla e VlVJfJccl (belebt)
,
amma
ma
harmo
a
s
s
e
d
ceito dado. A experiência
de funcionamento d e c ada
ambas as fac ulda d es, p orqu e a ativi dad e vital
�
�
�
�
:
ct:
:
�
,?
:
J 88
Allen W.
Kant
Wood
uma é mais bem-sucedida e, nesse sentido, mais animada ou vivaz qua d
tra balham�� hannonia. Sendo assim, para q ualq u er uma de no s sas fa u
.
dad: s, o SUJetto exp en me�ta seu exercício bem-sucedido na fom1a de um
��
s: n nmento de prazer. E ntao, a harmonia ou animação
mútua ela irnagina.
çao e do entendimento em um livre jogo toma a forma de um prazet·. E sse
s:- nttmento de prazer, na teona kant1ana, é o prazer estético ou a ex1)er1· en
cr a d·a b�leza, O JU fzo estettco contrán o, aquele que percebe alguma coisa
co n�o feta, ocorre quan ? o a representação impede o entendimento em sua
.
atiVIdade de c on_:e1tua l tzar o que é dado na imagin aç ão , de s orte que nos­
sas faculd�d es nao podem cooperar harmoniosamente com o conhec imen­
t o elo � ue e dado a el as , runda anles ele qualquer conc eito, mesmo que h aj a
·
.
.
•
·
'
·
•
·
·
.
conceJt?s adequados prontos para tratar o objeto feio.
O �UJ, zo de gosto q ue percebe alguma coisa corno bela ou feia tem de
.
.
ser �UbJetlVO
e, além dtsso, ter uma validade universal. A teoria de Kant
explica esse aspecto at'ravés do fato de que a bele za é experi enciad a ern
_
uma representaçao quey rodt�z prazer unicamente pela animação de nos­
.
s�s faculdades em livre jOgo, l1vre de detennim1ção por qualquer conceito
Vtsto que nossas fae� tl dades estão em livre jogo de qualquer conceiLo,
.
fonte d? pra�er estético é pura�ente subjetiva- é i ndependente de qunl­
.
_
quer ;ur:o obJetivo sobre um objeto que poderia depender de um conceito
d e term mado q ue serve ::omo p redicado. Ademais, como isso depende ape­
.
.
_
nas d _? natureza essenctal da 1 magmaçao e do entendimento em g eral
que sao o ��smo .em tod os �s seres hurnan � -, as condições sob as quais
?
,
esse prazer e senttdo s er� umversa!mente vahda para todos os que experi­
mentarem a representa çao em termos elo livre jogo de suas faculdades.
O prazer estético é, portanto, também comunicável universalmenle- é
lU� prazer que po emos compartilhar e esperar compartilhar com todos os
SUJer ��s q ue entretem as me�ma� representações de wna m aneira puramente
.
estétic a•. rsto é, através elo livro .Jogo de sua im aginação e entendimento em
"harmoma mu�u �rnente estimulante. Como somos seres sociá ve is que têm
praze�· na apttdao de comunicar-se com outros de nossa espécie, há tam­
bém, JUnto ao nosso prazer na animação mútua de nossas faculdades o
prazer da s�ci�bilidade- o p razer de ter sensações que são un ivers alm n­
.
te comumcave1s, partilháveis com os ou tros (KU 5:216-219).
E m urna s:ção crucial da Analítica do Belo, Kant pergunta se no juízo
de gosto o �entlmento �e prazer pre ced e ou segue o juízo do obj eto corno
?e_lo (ou feio) (KU 5 :217). Sua r� spos ta (talvez surpreendente) é que o
JUIZO ter� de preceder o prazer, pots de outro modo o prazer poderia ser só
.
agradabJltdacle, e não prazer estético puro .
Isso impli ca du a s ou�·as conclusões sobre o prazer estético que sã o
.
.
dtg na� de not�. 1\. pnme1ra e, que o p raz er estético requer uma certa
,
.
leflexivtdade. f•az p arte do propri o prazer estético que s eja mos conscientes
dele como tendo uma espécie de validade universal. Se nosso juízo estéli-
:
_
�
�
•
189
co de t]Ue alguma coisa é bela é um juízo estético gemúno e correto, então
estamos cientes de que qualquer outro sujeito que faça um jtúzo est ét ico
genuíno sobre o objeto deve também te r prazer estético nele e julgá-lo
como sendo belo. Além disso, essa ciênci a é ela mesma um ingredient e do
próprio prazer estético, não uma mera ad ição a ele. A segu n da é que a
experiência do p raz e r estético sempre tem referência direta total à su�
comu nicabilidade aos outros e, por conse gu in te , à nossa sociabilidade. 'E
essencial ao nosso gozo d o belo que sejamos conscientes dele como algu­
ma c ois a que os o utros podem (e inclusive devem) aprec iar como nós faze­
mos. S egue-se assim que o gozo da beleza cul t iva - nos ou educa-nos, e isso
ele dois modos distintos, em bora relacionaclos1 De um lado, promove nos­
sos poderes cognitivos- em particul a r, a harmonia entre no ssa imagin ação
e nosso entendimento. De outro lado, também culti.va nossos poderes men­
tais para a comunicação so c iável, de modo que a teoria kantiana do prazer
estético mostra essas duas form as de cu ltivo mentaJ como estritamente
inler-relacionadas. Em outras p alavras, é uma parte proflmda ela conce p
ção kanti ana de nossas capacidades cognitivas que sentidos e e ntendime n­
to sej am concebidos como trabalhando juntos em harmonia, sendo que
seu exercício tem ele ser social no contexto e na destinação. Esse ponto da
doutrina kantiana desmente aqueles que a ceitam a imagem da filosofia
kantiana como sendo construída sobre um severo dualismo entre a sensi­
bilidade e o entendimento e como individualista em sua concepção da
aç·ão e do conhecimento humanos.
As representações da imaginação são belas quando envolvem formas,
regularidades, simetrias e contrastes que apelam ao nosso e ntendimen to,
mesmo à parte da conformidade a qu alquer conceito sob o qual pode da
mos querer trazê-los. Isso é especialmente verdadeiro quan do esse jargão
envolve um desenvolvimento através elo tempo, como no caso das notas
sucessivas na melodia ou nas m udanç as de acorde em uma peça de música,
ou na su cessã o de p aJav ras em um poerna ou na composição de p inturas
quando analisamos suas p arte s sucessivamente e, então, chegamos a com­
preendê -la como um todo. Esses asp ect os elo objeto belo constitue m o que
ele chama de uma "forma da conformidade a fins" (KU 5:221), isto é, quan­
do eles são tão proximamente rela cion ados um ao outro, que suas re la ções
envolvem um coerência que poderia ter sido o prod u to de um projeto pron­
tament e al cançad o pelo entendimento. Contudo, isso tem de ser - em ou­
tra frase paradoxal de Kan t- uma "conformidade a fms sem fim" (KU 5:220),
visto que as relações de finali dade ou coerência são alcançadas à parte de
qualquer conceito que especifique um fim determinado.
Kant objetiva capturar os elementos de verd ade nas t eorias racionalista
e emp iris ta do gosto, ainda que corrigindo as falhas de cada uma e indo
além delas. O rac iona lista coloca a beleza na pe1jeição apreen dida sensi­
velme nte . A perfe ição está certamente muito próxima da conformidade a
­
·
190
Allen W.
Kont
Wood
191
----··· -----
fins da beleza na teoria de Kant, já que a perfeição de um múltiplo consiste
na sua concordância o u unidade (KU 5:227), sendo isso o que leva 0 en­
tendimento a experienciar o d i verso d a imaginação como belo. A beleza
portanto, é análoga à perfeição de coisas vivas (KU 5:375). A validad
unive•:sal do juízo estético é similar à validade de um juízo objetivo que
_
_ part1cular
conforma-se à excelência da sua espé­
n os af1rma que u m a c01sa
�
_
Cie, denotada pelo conceito sob o qual nós a apreendemos. Todavia, falan­
do propriamenle, a perfeição sempre pressupõe o conceito de unidade
constituindo aquela espécie de coisa e mostrando a conformidade da
a seu conceito. Esse conceito determinado, contudo, está ausente no caso
elos juízos de gosto puros.
A consideração de Kant partilha com o tratamento empirista a idéia
de que_ aquilo 9u� é be�� tem de agradar subjetivamente sob condições
apropnadas ao JUIZO estet1co correto dele" Porém, ele identifica essas con­
dições não só com aquelas sob as quais podemos esperar contingentemente
aprova r o juízo como propriamente estético, mas também com aquelas sob
_
?s qu_ats ��osso prazer ou desprazer é ocasionado apenas pelo livre jogo da
Jmagmaçao e do entendimento, que propicia a validade universal do juízo
de gosto.
.
cais�
A teoria kantiana do jtúzo puro de gosto foi habitualmente entendida
como favorecendo uma estética formalista e austera, na qual as formas
abstratas dos objetos belos - em particular das obras de arte - predomi­
nam �m import�ncia estética sobre o conteúdo1 excluindo feições prazerosas
,
de ob��_tos estencos como atrac;ão e emoção. E verdé.lde que Kant distingue
especJhc<lmente o efeito da beleza daquele efeito da atração e da emoção
(KU 5:223), atribuindo a beleza dos objetos, nos juízos de gosto puros, à
sua forma d a conformidade a fins" {ainda que sem um fim determ inado)
e não a alguma coisa concernente a seu conteúdo ou aos fins humanos
que podem servir (KU 5:221 -222). 'No entanto, em razão disso, não signi­
ÍICa que a teor a kantiana ignore o conleúdo das obras de arte, sendo que
ao tratar ele lms obras ela tem recursos que permitem considerar o signifi­
cado estético que atribuímos ao conteúdo, à funcionalidade e ao apelo
emocional das obras de arte.
Kant era consciente da tese de Hume de que a beleza das obras de
arte está especialmente relacionada com a sua utilidade e, ainda que ele
pensasse que essa tese é falsa quanto aos juízos de gosto puros, ele quis
assegurar sua verdade em uma esfera apropriada. Por essa razão, distin­
gue a "beleza livre", atribuída por um juízo estético puro, de uma "heleza
aderente", atribuída por alguma coisa sob o fundamento que se conforma
excelentemente ao conceito de sua espécie (KU 5:229). Assim, um cavalo
belo ou uma casa de verão podem ser julgados de acordo com a aparência
lllle adquirem ern conformidade com o ripo de excelência indicada pelos
conceitos dessas espécies de coisas, inclusive por sua utilidade na vida
"
�
!
como
hum ana. Contudo, juízos estéticos puros são aqueles que não têm
finalidad e qualquer conceito.
.
Uma flor é bela meramente por causa das fom1as e cores apreendidas
quando a olhamos. Se, subseqüentemente, formamos um conceito_ CJ�le :eja
normativo para a beleza, digamos, de uma tulipa ou de uma begoma, tsso
envolve a snperimposição de um padrão de beleza aderente sobre a beleza
ureza
livre pertencente à flor simplesmente como um produto belo da n � t
uma
tem
que
humana
arte
da
obras
a
relação
em
verdadeiro
é
o mesmo
função - por exemplo, uma casa desenhada cte forma h � la ou uten:íl�os
para se alimentar. A bel eza livre de sua forma, como o obJero de um _JlllZO
de gosto p uro, é d istinta elo juízo estético sobre o mesmo e m _con or�mdade
com um conceito de sua espécie ou relacionado à sua funçao., E dtgno de
nota que isso é verdade em relação a obras ele arte que têm uma final idade
moral - por exemplo, a eloqüência de um sermão ou a exortação moral,
cuja util.idade para despertar nobres sentimentos em seus ouvintes perten­
ce somente à sua beleza aderente, sendo distinta da beleza livre que pode­
ria pertencer às propriedad es formais do modo como se usa a linguagem
.
[
ou das imagens e metáforas empregadas.
.
À luz disso, a pretensão de que Kant privilegia propriedades formais
dos objetos estéticos em detrimento ele seu conteúdo ou de s � a de capaci­
_
dade de despertar emoções dependeria da tese de que os JUizos de gosto
so�re juízos de
os
puros referentes a belezas livres cleve�sem ser privilegiad
que Kant
verdadeiro
ente
provavelm
E
gosto referentes a belezas aderentes.
dos
melhor
no
são
assim
pensar
para
razões
as
s
nos
mas
tese
aceite essa
casos indiretas, pois têm a ver com a ênfase que ele coloca em sua teona
dos juízos de gosto puros e com a relativa pouca atenção que ele devota à
'
.
beleza aderente. Se analisarmos os textos de Kant em busca de qualquer
asserção explícita sobre tal tese, e especialmente ele qualquer argumento
para eJ.a, eu penso que não encont1'aremos nenhum.
Outra pmte controversa ela teoria estética kantiana um ponto levan­
tado bem cedo por seu ex-aluno Herder - é a sua alegação ele que os ju�zos
estéticos possam pretender validade universal. Alguns pensaram que 1sso
i�sultaria a relatividade cultural dos valores estéticos e também o fato de
que as pessoas estão freqüentemente interessadas em . f�1�ar seus gostos
pessoais únicos, assim como estão interessadas em reivmclJcar que o que
elas experimentam como belo deva ser experimentado �essa forma pelos
outros. Entretanto, Kant tem algumas respostas verdadeJramente cogentes
capadda�e
a essas objeções, uma vez que compreendamos que qualquer
d
de
caso
no
� a�t� cn�­
individua l para j uízos estéticos - sobretudo
m d tv tclu :Is
s
a
I
n�
ne
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x
e
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limitada
ser
a
a
ad
in
dest
é
das pelo homem
passadas, pelos condicionamentos culturais e pela conseque nte e�tensao
s.
de sué.l habilidad e adquirida de fazer juízos puros de goslo pertmente
podem
música
de
o
apreciaçã
de
Pessoas educadas em diferentes tradições
-
�?ra_s
·
192
Allen W. Wood
Kont
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não ter habilidade de julgar obras musicais em uma tradição esLTanha à
sua. Não obstante, isso não significa que os juízos de gosto puros, formu­
lados por alguém com os recursos requeridos, nã o seriam válidos para
eles, bem como significa que poderiam concordar com os juízos que formula­
riam se eles pudessem adquirir a perícia adequada na tradição alienígena.
Outrossim, se formos juízes maduros e cultos, nosso objetivo no cul­
tivo de nosso próprio gosto não servirá para afirmar nossas próprias idios­
sincrasias ou mostrar nossas diferenças dos outros, mas, antes, para desen­
volver nossa perícia estétíca particular de modo a levar em con ta a l imita­
ção inevitável de nossos fundamentos e perspectivas . As pess oas também
desenvolvem sua perícia em questões teóricas: algumas se especializam
ern matem á tica ou bi oquími ca, outras em paleografía latina medieval, ou­
tras ainda em história política inglesa <lo século XVII. As verdades que cad a
um des cob re (ú m edida que encontra a verdade sobre essas matérias) são
válidas para todos os o u tros (de outro modo não seriam ve rdades) , mesmo
para aqueles aos quais falta o desejo, o treino ou até mesmo talento natu­
ral para c h egar a conhecê-l as . Da mesma maneira, eu posso concentrar-me
em desenvolve r meu gosto por música clássica européia, em vez dejazz ou
músicfl clássica indiana, sem por isso estar em posição de declarar essas
outras tradições musicais sem validade estética. E, se eu presumi declarar
isso sem ter a pelicia exigida para ju lgá-las, m inhas declarações não preci­
sam ser levadas mais a sério do que aquela de um historiador que possa
insensatamenle afirma não haver verdade algum a em algum ram o da
matemática que nunca estudou. Questões de gosto, que surgem entre pes­
soas da mesma cultura e com experiência em julgar os mesmos objetos ou
objetos similares, com muita freqüência têm respostas que raramente le­
vantam q uestões de relatividade ou incomensurabilid ade: a m úsica de
Mozart é superior à de S ali eri, e qualquer um que prefira Lawrence Welk a
D u kc Ellington deve ficar envergonhado de admitir isso.
da aprovação moral que envolve uma distinção entre _virtude s na_tu rais e
artificiais e o papel dos juízos de utilidade na produçao dos sentimentos
morais, é mais compleJ!.a.) Para Kant, contudo, o juízo de gosto é � uida­
dosamcnte distinguido da agradabi l id ade subjetiva e de todos os JUÍzos
objetivos sobre a bondade - tanto instrumental quanto moral . 'De um certo
ponto de vista, isso significa que a t�o ria k� miana_ do gosto assegura o que
alguns chamaram (usando a termt�ologta k an_tt a na, m�� d � um n:od?
que o próprio Kan t nunca o fez) de a auto.n om 1a da esteuca, : Isso Sl�m­
,
fica que os juízos estéticos são tratados como tendo seus propnos paclroes.
Padrões de beleza ou mérito estético não são a p enas distintos de todos os
padrões de moralidade ou utilidade ou de qualqu �r outra fo;m� de b o n­
dade, mas também são independentes destes.,Por tsso, Kant e v1sto como
abandommclo a esté tica do século XVIII, a qual via a beleza, em geral, e a
arte, em particular, em termos de sua função na p sicologia moral e n a
ed ucação moral. 1Assim, Kant adentra e m u m a estética nova mais r�o­
?
derna e livre, na qual a arte é vista como te ndo suas própnas funçoes
independentes na vida humana, à parte da moralidade ou de q u alque r
empreendimento orientado para a bondade.
.
.
Assim considerada a teoria kantiana, pode-se corretamente md1car
seu papel na inspiração de uma tradição subseq üe n te na arte e na_ estética;
contudo, tal consideração equivoca-se completamente quando vtsa a m a
�
Hi.festar o quamo o próprio ponto de vista de Kant sobre o assunto esta
conectado a tais questões. Isso ocorre porque I<ant pertence firmemente à
tradição da estética do século
no que ta�1 ge ao pensamento de qu� a
_
significação real da beleza e do gosto para a v1cla humana tem uma signifi­
cação moral fundamental.-1\. importânci a para Kant da chamada "autonomia
da estética" é a seguinte: some nte quando os juí?.Os de gosto podem ser
distinguidos dos juízos m orai s é que eles podem ser entendidos como de­
s em pe nha ndo o papel importante e positivo que de fato des emp enh am - e
devem desempenhar - na vida moral.
Kant entende interesse como um prazer experi mentado na existênci a
de um objeto (ou estado de coisas). O p razer estético é desinteressado
porque ele é um prazer na mera representação de
objeto , indepen �n­
temente de seu objeto (IW 5 : 204-205). Por exe mpl o, nosso prazer estenco
puro no projeto arquitetônico de uma casa é um prazer que sentimos inde­
pendentemente da expectativa de morar ou não na casa ou mesmo da
expectativa de construí-la ., A motivação moral na ação ou u� fi:U moral­
mente bom é também desinteressado, do mesmo modo que nao e baseado
em qualquer agradab ilidade subjetiva para nós na existência da ação o u
do fim. Contudo, quando praticamos uma ação ou buscamos um fi m por­
que este é moralmente bom, nosso prazer nele é e_nvolvido com �m inte­
,
resse, visto que nossa ciência de sua bond ade da ongem a um deseJO qu e a
ação deva ser praticada ou o fim realizado, sendo que esse prazer nao se
XvriT
UI�
A teoria kantiana do gosto lenta u ni r os elementos verdadeiros das
teorias empirista e racionalista. Apesar disso, ela também difere das teo­
rias racionalista e empirista ele um modo crucial. Ambas as teorias, em
última análise, identificam a beleza com bondade moral, visto que para o
racionalismo a bondade consiste em uma petfeição, ao passo que para os
teóricos do senso moral, como Hutcbeson e I lu me, a bondade é simples­
mente i den t ificada com o que excita nossa aprovação desinteressada.
Hutcheson, em todo caso, considera in clusi ve a aprovação moral e estética
como operações essencialmente do mesmo sentimento. (A te oria hum eana
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