baixar anexo - Diocese de Campo Mourão

Transcrição

baixar anexo - Diocese de Campo Mourão
CNBB – REGIONAL SUL 2
Boletim on line
Ano VIII – Janeiro de 2014
Quatro orientações
fundamentais
Dom Orlando Brandes
O ser humano é orientado espontaneamente por
quatro direções básicas
da vida que são: diálogo
com Deus, fraternidade
com os outros, aceitação
de si e cuidado com
as criaturas. Em
outras palavras
somos chamados a
ser: filhos de Deus,
irmãos entre nós,
amigos de nós
mesmos e cuidadores do planeta.
Primeiro:
a filiação
divina
Nascemos abertos à
transcendência, com o
desejo inato de Deus,
sentindo fome, sede,
saudade e aspiração
pelo divino. Somos criaturas de Deus pelo dom
da criação e filhos de
Deus pelo dom da redenção em Cristo, “filhos
no Filho”.
Adorar, dialogar, relacionar-se com Deus, é um
instinto, um anelo, uma
atração que chamamos
de lei natural. Nossa natureza espiritual é natural, é inata, é congênita.
Nenhum povo do mundo
é ateu radicalmente, pelo contrário todos os povos têm religiosidade.
Portanto, procurar a
Deus, estabelecer com
ele amizade, aliança,
obediência,
filiação é um
dado natural
e um direito
a ser respeitado. As religiões muito
contribuíram
para a elevação da
humanidade.
Ser filho de
Deus é a mais alta condecoração que nos é
dada. Reconhece ó cristão, a tua dignidade.
2
Segundo:
a fraternidade
humana
Eis outra dimensão natural da vida. Encontrar o
outro, relacionar-se,
conviver, existir em interdependência mútua, é
o que torna possível a
vida e a sociedade humana. Somos seres sociais. Sem o outro, eu
não vivo, não subsisto,
não cresço, não amadureço. Somos interdependentes, e interativos,
somos irmãos. O outro
não é um inimigo, uma
ameaça, um perigo. Pelo
contrário, o outro é meu
centro, meu sustento,
meu companheiro, meu
irmão. A fraternidade é
uma dimensão social da
lei natural. Tudo na vida
é encontro, ajuda mútua,
saída de si, comunicação, relacionamento.
Quanto mais fraternidade, mais vida, mais paz,
mais desenvolvimento,
mais humanização haverá de acontecer. O outro
é um dom, um amigo,
um irmão, um presente
de Deus.
Terceiro:
a aceitação
de si
Precisamos ser amigos
de nós mesmos, termos
auto-estima, autovalorização, autocompreensão, autoaceitação. Eu sou eu
mesmo, sou único, sou
original, sou digno pelo
fato de ser humano.
Sem aceitação de si, a
pessoa sofre e faz sofrer. O primeiro passo
para o amor a Deus e ao
próximo é a autoestima,
gostar de si mesmo.
Quem acredita no amor
de Deus, tem todas as
condições para aceitação de si, não será vítima da auto-rejeição e da
auto-condenação. Como
é bom ouvir Deus dizer:
tu és minha alegria, em ti
coloco meu afeto; és
meu; eu te acolho te
aceito; te perdoo; te quero bem. Todas estas
afirmações encontramos
nas Escrituras.
Quarto:
o cuidado
com as
criaturas
Quem ama cuida. Nosso
relacionamento com a
natureza, o meio ambiente deve ser como o do
jardineiro. A terra é de
todos, é nossa casa comum, não devemos depredá-la. Isso é contra a
lei natural. Cultivar,
guardar, cuidar da criação, exige uma mudança
de mentalidade e de hábitos, comportamentos,
atitudes. O cuidado com
as criaturas é uma urgência urgentíssima,
porque disso depende
nosso futuro.
, a convivência.
Dom Orlando Brandes
Arcebispo de Londrina
3
4
Juares Celso Krum (*)
O Setor Casos Especiais da Pastoral Familiar tem realizado um
trabalho intenso e prioritário com
os casais em segunda união,
com bons resultados.
É preciso ficar claro, porém, que os
Casos Especiais não se resumem
em casais em segunda união.
E que prioridade não significa
exclusividade.
A exortação apostólica Familiaris
Consortio de João Paulo II, o
Diretório da Pastoral Familiar e
os subsídios da Comissão Nacional da Pastoral Familiar (CNPF):
Guia de Orientação para os Casos Especiais e Setor Casos
Especiais ― para citar apenas
alguns documentos ― deixam
claro a diversidade de casos nesse
setor.
Numa relação de vinte e seis casos
aparecem os matrimônios mistos
dentro das famílias em situações
especiais, pois não se trata de
famílias em situações irregulares
― por não estarem em discordância das normas ― nem de famílias
em situações conflitivas ― por não
se tratarem, exclusivamente, de
situações de risco ou sofrimento
temporário (Cf. Guia de Orientação
para os Casos Especiais, p.25).
Assim, algumas situações especiais merecem nossa atenção, com
uma ação pastoral bem pensada,
planejada e realizada com o conhecimento pleno dos agentes da
Pastoral Familiar, sabendo distinguir os matrimônios mistos dos
matrimônios com disparidade de
culto.
O Capítulo VI do Livro IV do Código de Direito Canônico trata dos
matrimônios mistos, no sentido
estrito, tendo como característica
que ―as duas partes sejam batizadas, das quais uma tenha sido
batizada na Igreja católica ou nela
recebida depois do batismo, e que
não tenha dela saído por ato formal, e outra pertencente a uma
Igreja ou comunidade eclesial que
não esteja em plena comunhão
com a Igreja católica‖ (cân. 1124).
Por sua vez, o cânon 1086 § 1 dá
o conceito e natureza do impedimento de disparidade de culto:
―É inválido o matrimônio entre duas
pessoas, das quais uma foi batizada na Igreja católica ou nela recebida e não a abandonou por ato
formal, e a outra não é batizada‖.
Processo de
habilitação
O Ordinário local pode conceder
LICENÇA expressa, para a celebração do matrimônio misto, se
houver causa justa e razoável e se
forem atendidas as condições seguintes:
1ª) a parte católica declare estar
preparada para afastar os perigos de defecção da fé, e
promova sinceramente fazer
todo o possível a fim de que
toda a prole seja batizada e
educada na Igreja católica;
2ª) informe-se, tempestivamente,
desses compromissos da parte católica à outra parte, de tal
modo que conste estar esta
verdadeiramente consciente
do compromisso e da obrigação da parte católica;
3ª) ambas as partes sejam instruídas a respeito dos fins e propriedades essenciais do matrimônio, que nenhum dos
contraentes pode excluir.
Ao preparar o processo de habilitação de matrimônios mistos, o
pároco pedirá e receberá as declarações e compromissos, preferivelmente por escrito e assinados
pelo nubente católico.
A diocese adotará um formulário
especial, em que conste expressamente a disposição do nubente
de afastar o perigo de vir a perder
a fé, bem como a promessa de
fazer o possível para que a prole
seja batizada e educada na Igreja
católica.
Tais declarações e compromissos
constarão pela anexação ao pro-
5
cesso matrimonial do formulário
especial, assinado pelo nubente,
ou, quando feitos oralmente, pelo
atestado escrito do pároco no
mesmo processo. Ao preparar o
processo de habilitação matrimonial, o pároco cientificará, oralmente,
a parte não-católica dos compromissos da parte católica e disso
fará anotação no próprio processo.
Forma de
Celebração
De uma forma geral, os matrimônios mistos devem ser celebrados
de acordo com a forma canônica,
mas permite exceções (cân. 1127).
Se a parte não católica é de rito
oriental, a forma canônica deve ser
observada apenas para a liceidade do ato. Para a validade requerse a intervenção de um ministro
sagrado ― bispo, presbítero ou
diácono (cân. 1127, § 1). Ou seja,
é necessária a intervenção – a
presença não necessariamente
ativa ― desse ministro, que não
deve solicitar e receber o consentimento, como é prescrito na forma
canônica ordinária.
A forma canônica pode ser dispensada, caso houver dificuldades
para a sua observância, visto que
ela se origina de uma lei puramente eclesiástica. Nesse caso exigese, porém, para a validade, de uma
forma pública de celebração, que
deve ser apta a provar juridicamente a realização da celebração do
matrimônio.
Para ficar bem claro, transcrevo a
Legislação Complementar ao Código de Direito Canônico da CNBB
(cân. 1127, § 2):
Para se obter uma atuação concorde quanto à forma canônica dos
matrimônios, observe-se o seguinte:
1. A celebração dos matrimônios
mistos se faça na forma canônica, segundo as prescrições
do cân. 1108.
2. Se surgirem graves dificuldades
para sua observância, pode o
Ordinário do lugar da parte católica, em cada caso, dispensar
da forma canônica, consultando
o Ordinário local de onde se celebrará o matrimônio.
3. Consideram-se dificuldades
graves:
a) Sério conflito de consciência
em algum dos nubentes;
b) Perigo próximo de grave
dano material ou moral;
c) Oposição irredutível da parte não-católica, ou de seus
familiares, ou de seu ambiente mais próximo.
4. Atenda-se também, na concessão da dispensa, à repercussão
dos nubentes junto à família e
comunidade da parte católica.
5. Em substituição da forma canônica dispensada, exigir-se-á
dos nubentes – para a validade
do matrimônio – alguma forma
pública de celebração.
6. Quanto à anotação dos matrimônios celebrados com dispensa da forma canônica, observese o procedimento prescrito no
cân. 1121, § 3.
Um presbítero ou um diácono católico, com autorização do ordinário
local, pode estar presente à celebração do matrimônio com dispensa da forma canônica, e pode fazer
orações suplementares, ler as
Escrituras, fazer uma exortação e
abençoar o casal.
Contudo, se o matrimônio misto foi
celebrado com a forma canônica –
é proibida – antes ou depois dessa
celebração, outra celebração religiosa para dar ou renovar o consentimento matrimonial.
Proíbe-se, portanto, a expressão
dupla do consentimento, com a
intervenção ativa no momento da
troca do consentimento por parte
do padre ou diácono e o pastor,
mas não a participação de ministros de diversas confissões na
mesma cerimônia religiosa, mediante a recitação de preces, leituras, homilias ou bênçãos.
Por isso, na prática, o impropriamente chamado casamento
ecumênico deverá ser realizado
pedindo e recebendo o consentimento um único ministro: o católico, se for celebrado na forma canônica ordinária; o não-católico, se
for celebrado num rito não católico,
com dispensa da forma. Mas o
outro ministro poderá participar
ativamente – com o consentimento
do Ordinário local – em todo o
resto da cerimônia.
Dificuldades
práticas1
No espírito de sinceridade que
deve nortear todo diálogo ecumênico, não podemos esquecer as
dificuldades que se apresentam
normalmente, na vida de um casal
interconfessional, já desde o momento em que começa a preparação para a celebração do matrimônio. Distingamos, porém, três casos diferentes:
a) Casamentos nos quais
nenhum dos noivos é cristão
praticante convicto, mas que
pedem uma cerimônia
religiosa mais por motivos de
conveniência social.
Nesses casos, os ministros das
Igrejas deveriam esforçar-se para
1
Item constante do Documento da Comissão
Teológica do CONIC: Os Casamentos Interconfessionais de 03/jun/1986.
6
reavivar a brasa que parece estar
para se extinguir. Como disse o exArcebispo de Cantuária, Michael
Ramsey: enquanto houver algum
sentimento religioso rudimentar —
mesmo que seja apenas uma fé
rudimentar em Deus — dêem-lhes
as boas-vindas, pois existe alguma
coisa sobre a qual é possível construir. Não exercemos o nosso ministério em favor do povo porque
ele seja forte, mas para tentar ajudá-lo a que seja forte (Canadian
Churchman, nov. 1971, p. 17).
b) Casamentos nos quais um
dos noivos é membro fervoroso de sua Igreja e o outro é
indiferente ou não-praticante.
Nesses casos, devemos dar todo o
apoio, se o não-praticante se esforça para conhecer, enquanto
possível, a fé do seu parceiro e se,
ficando convencido, aderir à Igreja
correspondente. Contudo, isso não
deveria ser feito simplesmente
para agradar o parceiro, mas como
um ato que deveria basear-se em
escolha pessoal e esclarecida da
fé.
c) Casamentos nos quais
ambos os noivos são
verdadeiramente conscientes
de sua fé e procuram vivê-la,
com todo o empenho, como
uma resposta de fidelidade
ao apelo de Cristo.
A primeira atitude a ser tomada,
nesses casos, é a de procurar um
conhecimento mútuo, em atitude o
mais aberta possível, da fé e da
prática da Igreja à qual pertence o
parceiro. Ambos ganharão assim
em compreensão e simpatia, ambos se acostumarão a dialogar,
com vistas ao futuro, sobre essas
questões. Mesmo assim, porém,
haverá pontos em que não lhes
será possível compartilhar a mesma crença. E acabarão por consta-
tar que a comunhão de vida, que
constitui o ser mais íntimo de todo
matrimônio, encontra aí um limite
dolorosamente intransponível.
Além disso, é também necessário
que esses casais tomem consciência das dificuldades que poderão
surgir em torno dos futuros filhos.
Quem procura viver cada dia a sua
fé, percebe a grandeza do dom
que recebeu e procura naturalmente transmiti-lo a seus filhos. Pais,
no sentido autêntico da palavra,
são não só os que transmitem
inicialmente a vida, mas os que
cuidam dela, a alimentam e a fazem crescer até a sua plenitude.
Por isso, consciente ou inconscientemente, os pais estão sempre
transmitindo valores, participando
da formação do caráter e da consciência dos filhos.
Algo semelhante acontece no
campo religioso, mais especificamente em relação à vida cristã.
Pelo batismo somos sepultados
com Cristo, para vivermos uma
vida nova (cf. Rm 6,4). Mas essa
vida nasce frágil e ameaçada. Os
pais que apresentam seus filhos
para serem batizados desejam,
certamente, que essa vida cresça
na fé. Ora, as divisões existentes
entre as diversas confissões cristãs
repercutem dramaticamente na
educação dos filhos na fé. Ambos
os pais têm responsabilidade na
formação cristã da criança e, como
nos casais interconfessionais a
compreensão desta fé não é exatamente igual, é possível que surjam problemas e dificuldades que
afetam de modo angustioso a
consciência dos esposos. Os ministros das Igrejas envolvidas poderão ajudar a resolver esses conflitos, mas sempre serão os próprios esposos que deverão dizer a
última palavra.
Não podemos considerar uma
solução o adiamento da educação
religiosa até a adolescência, sob o
pretexto de que o próprio filho haverá de decidir, no momento oportuno, a fé que deve abraçar. Na
realidade, o problema se apresenta
já antes, pois todas as Igrejas que
atualmente são membros do CONIC praticam o batismo de crianças. Além disso, valores não suficientemente transmitidos durante a
infância dificilmente serão assimilados depois. Por outro lado, a
criança não deve crescer sem
render explicitamente culto a Deus.
E esse culto, gostemos ou não,
tem sempre uma certa conotação
confessional. Quando as crianças
começam a perguntar, é necessário dar uma resposta. E elas também vão perguntar sobre questões
religiosas. Talvez sem conseguir
entender a profundidade do problema, elas constatam, nos lares
interconfessionais, que o modo de
expressar o reconhecimento devido a Deus não é igual do pai para
a mãe. E, ainda por cima, as próprias Igrejas insistem na necessidade da preparação de crianças e
adolescentes para uma inserção
mais profunda na comunidade
eclesial, através de atos como
primeira Eucaristia, profissão de fé,
confirmação ou crisma.
O problema é tanto mais sério
quanto a vida da criança é indivisível. Os cônjuges, num espírito de
tolerância e compreensão, poderão
conviver harmoniosamente, mesmo que existam entre eles certas
diferenças no campo religioso,
contanto que haja uma vontade
autêntica de diálogo e de respeito
mútuo. Mas o filho não pode ser
dividido em duas partes, uma pertencente ao pai e a outra à mãe.
Uma certa opção se impõe como
necessária. E é aí que costumam
surgir os maiores problemas.
7
A tomada de consciência das dificuldades apontadas não significa
que não possam ser superadas. O
que não se pode admitir é que os
matrimônios interconfessionais
sejam contraídos na inconsciência
dos possíveis problemas futuros.
Por isso, a questão da educação
dos filhos é algo que, pelo próprio
bem do casal, deveria ser resolvido
antes de contrair matrimônio. Os
noivos precisam refletir sobre essa
realidade. A decisão a ser tomada
não pode ser unilateral, é uma
decisão em que a consciência dos
dois cônjuges deve ser respeitada.
Padres e pastores poderão ajudar
nessa tomada de consciência e
nessa procura de uma solução,
mas não podem querer substituir
os próprios envolvidos. Aqueles a
quem as igrejas confiaram o ministério pastoral precisam, por isso,
aprofundar seus conhecimentos
acerca da doutrina das diversas
tradições cristãs sobre o matrimônio e devem tomar uma atitude •de
respeito e compreensão diante de
uma escolha que pode trazer consequências dolorosas. Às vezes
somente lhes será possível sofrer
com os que sofrem. Mesmo assim,
o seu apoio ao casal pode ser de
grande valor. Os clérigos não deveriam colaborar com celebração
de casamento interconfessional na
inconsciência, porque isso seria,
na maior parte dos casos, contribuir para um fracasso posterior e
para muito sofrimento que poderia
ser poupado.
Não bastam todas as determinações e conselhos sobre a preparação e celebração dos casamentos
interconfessionais. É necessário
que a comunhão de vida, iniciada
com a colocação da união matrimonial sob o sinal da Palavra e do
Amor de Deus, se manifeste, cada
vez mais profundamente, no dia-adia, numa dimensão de fé. O sucesso de um matrimônio depende,
em grande parte, da sinceridade e
honestidade dos cônjuges. Essa
sinceridade e honestidade valem
também para a vivência religiosa
dos esposos. Os dois são responsáveis não só pelo testemunho
pessoal que devem dar, mas também pela ajuda e encorajamento
que devem prestar a seu parceiro,
a fim de que ele pratique a sua fé.
ajuda, mas não devem pretender
interferir nas decisões pessoais
dos primeiros interessados, que
são os esposos. A participação,
embora limitada, em atos de culto
e em atividades das duas comunidades pode ajudar os esposos a
crescer na unidade de um matrimônio que quis nascer sob o sinal
do Amor de Deus.
As nossas Igrejas são conscientes
das suas responsabilidades neste
campo. Por isso fazem um apelo a
todos os que trabalham na pastoral
familiar, para que procurem compreender a problemática especial
dos lares interconfessionais e para
que ajudem os esposos a alimentar, cada dia, a unidade de vida
conjugal, na certeza de que a graça de Deus não lhes faltará.
O exercício da paternidade responsável é um dever de todo cristão que vive a vida matrimonial.
Mas as decisões a serem tomadas
a esse respeito podem representar
um problema real. É muito importante ficar bem informado antes de
decidir, ou seja, é preciso tomar
consciência das necessidades do
casal, dos aspectos morais envolvidos na questão e das diversas
alternativas possíveis. Pastores ou
padres, médicos, conselheiros de
diversos tipos poderão dar uma
ajuda valiosa, mas a responsabilidade da decisão final, a ser tomada em consciência, é sempre dos
próprios cônjuges, procurando
honestamente realizar aquilo que
acreditam ser moralmente certo.
Este documento tenta dar algumas
orientações a este respeito. Mas
uma pastoral autenticamente ecumênica só será possível mediante
contatos e entrosamentos em nível
local ou de base. A atitude dos
ministros das Igrejas em face dos
lares interconfessionais poderia e
deveria ser um tema a ser refletido
nas conversações entre padres,
diáconos e pastores. Em lugar de
colocar ainda maiores dificuldades
no caminho de cristãos que procuram ser sinceros na vida, os representantes das Igrejas deveriam
ajudá-los a encontrar uma expressão de fé comum, no respeito mútuo como testemunho da caridade
que nos une em Cristo.
Testemunhar a
fé na vida2
Para a realização plena de um
matrimônio interconfessional, pode
ajudar muito a oração em comum,
Seria bom que casais que já têm
essa experiência ajudassem aqueles que começam essa caminhada,
nem sempre fácil, de compartilhar
a vida. Também aqui, padres, diáconos e pastores poderão dar uma
2
Item constante do Documento da Comissão
Teológica do CONIC: Os Casamentos Interconfessionais de 03/jun/1986.
(*) Juares Celso Krum é
Diácono Permanente, incardinado na Diocese de
União da Vitória - PR,
Bacharel e Mestre em
Teologia pela Pontifícia
Universidade Católica do
Paraná – PUCPR.
8
9
Tentações dos agentes pastorais
Papa Francisco na Exortação apostólica Evangelii Gaudium
Sinto uma enorme gratidão pela
tarefa de quantos trabalham na
Igreja. Não quero agora determe na exposição das atividades
dos vários agentes pastorais,
desde os Bispos até ao mais
simples e ignorado dos serviços
eclesiais. Prefiro refletir sobre
os desafios que todos eles
enfrentam no meio da cultura
globalizada atual. Todavia,
antes de tudo e como dever de
justiça, tenho a dizer que é
enorme a contribuição da Igreja
no mundo atual. A nossa
tristeza e vergonha pelos
pecados de alguns membros da
Igreja, e pelos próprios, não
devem fazer esquecer os
inúmeros cristãos que dão a
vida por amor: ajudam tantas
pessoas seja a curar-se seja a
morrer em paz em hospitais
precários, acompanham as
pessoas que caíram escravas de
diversos vícios nos lugares mais
pobres da terra, prodigalizam-se
na educação de crianças e
jovens, cuidam de idosos
abandonados por todos,
procuram comunicar valores em
ambientes hostis, e dedicam-se
de muitas outras maneiras que
mostram o imenso amor à
humanidade inspirado por Deus
feito homem. Agradeço o belo
exemplo que me dão tantos
cristãos que oferecem a sua vida
e o seu tempo com alegria. Este
testemunho faz-me muito bem e
me apoia na minha aspiração
pessoal de superar o egoísmo
para uma dedicação maior [76].
Apesar disso, como filhos desta
época, todos estamos de algum
modo sob o influxo da cultura
globalizada atual, que, sem
deixar de apresentar valores e
novas possibilidades, pode
também limitar-nos,
condicionar-nos e até mesmo
combalir-nos. Reconheço que
precisamos de criar espaços
apropriados para motivar e
sanar os agentes pastorais,
«lugares onde regenerar a sua fé
em Jesus crucificado e
ressuscitado, onde compartilhar
as próprias questões mais
profundas e as preocupações
quotidianas, onde discernir em
profundidade e com critérios
evangélicos sobre a própria
existência e experiência, com o
objectivo de orientar para o bem
e a beleza as próprias opções
individuais e sociais». Ao
mesmo tempo, quero chamar a
atenção para algumas tentações
que afetam, particularmente nos
nossos dias, os agentes pastorais
[77].
vida espiritual confunde-se com
alguns momentos religiosos que
proporcionam algum alívio, mas
não alimentam o encontro com
os outros, o compromisso no
mundo, a paixão pela
evangelização. Assim, é
possível notar em muitos
agentes evangelizadores – não
obstante rezem – uma
acentuação do individualismo,
uma crise de identidade e um
declínio do fervor. São três
males que se alimentam entre si
[78].
A cultura midiática e alguns
ambientes intelectuais
transmitem, às vezes, uma
acentuada desconfiança quanto
à mensagem da Igreja, e um
certo desencanto. Em
consequência disso, embora
rezando, muitos agentes
pastorais desenvolvem uma
espécie de complexo de
inferioridade que os leva a
relativizar ou esconder a sua
identidade cristã e as suas
convicções. Gera-se então um
círculo vicioso, porque assim
Sim ao desafio duma
não se sentem felizes com o que
espiritualidade
são nem com o que fazem, não
se sentem identificados com a
missionária
missão evangelizadora, e isto
Hoje nota-se em muitos agentes debilita a entrega. Acabam
pastorais, mesmo pessoas
assim por sufocar a alegria da
consagradas, uma preocupação missão numa espécie de
exacerbada pelos espaços
obsessão por serem como todos
pessoais de autonomia e
os outros e terem o que
relaxamento, que leva a viver os possuem os demais. Deste
próprios deveres como mero
modo, a tarefa da evangelização
apêndice da vida, como se não torna-se forçada e dedica-se-lhe
fizessem parte da própria
pouco esforço e um tempo
identidade. Ao mesmo tempo, a muito limitado [79].
10
Nos agentes pastorais,
independentemente do estilo
espiritual ou da linha de
pensamento que possam ter,
desenvolve-se um relativismo
ainda mais perigoso que o
doutrinal. Tem a ver com as
opções mais profundas e
sinceras que determinam uma
forma de vida concreta. Este
relativismo prático é agir como
se Deus não existisse, decidir
como se os pobres não
existissem, sonhar como se os
outros não existissem, trabalhar
como se aqueles que não
receberam o anúncio não
existissem. É impressionante
como até aqueles que
aparentemente dispõem de
sólidas convicções doutrinais e
espirituais acabam, muitas
vezes, por cair num estilo de
vida que os leva a se agarrarem
a seguranças econômicas ou a
espaços de poder e de glória
humana que se buscam por
qualquer meio, em vez de dar a
vida pelos outros na missão.
Não nos deixemos roubar o
entusiasmo missionário [80]!
obsessivamente com o seu
tempo pessoal. Isto, muitas
vezes, fica-se a dever a que as
pessoas sentem imperiosamente
necessidade de preservar os
seus espaços de autonomia,
como se uma tarefa de
evangelização fosse um veneno
perigoso e não uma resposta
alegre ao amor de Deus que nos
convoca para a missão e nos
torna completos e fecundos.
Alguns resistem a provar até ao
fundo o gosto da missão e
acabam mergulhados numa
acédia paralisadora [81].
com a própria marcha; outros
ainda caem na acédia, por não
saberem esperar e quererem
dominar o ritmo da vida. A
ânsia hodierna de chegar a
resultados imediatos faz os
agentes pastorais não tolerarem
facilmente tudo o que signifique
alguma contradição, um
aparente fracasso, uma crítica,
uma cruz [82].
Assim se gera a maior ameaça,
que «é o pragmatismo cinzento
da vida quotidiana da Igreja, no
qual aparentemente tudo
procede dentro da normalidade,
O problema não está sempre no mas na realidade a fé vai-se
excesso de atividades, mas
deteriorando e degenerando na
sobretudo nas atividades mal
mesquinhez». Desenvolve-se a
vividas, sem as motivações
psicologia do túmulo, que
adequadas, sem uma
pouco a pouco transforma os
espiritualidade que impregne a cristãos em múmias de museu.
ação e a torne desejável. Daí
Desiludidos com a realidade,
que as obrigações cansem mais com a Igreja ou consigo
do que é razoável, e às vezes
mesmos, vivem constantemente
façam adoecer. Não se trata de tentados a apegar-se a uma
uma fadiga feliz, mas tensa,
tristeza melosa, sem esperança,
gravosa, desagradável e, em
que se apodera do coração como
definitivo, não assumida. Esta
«o mais precioso elixir do
acédia pastoral pode ter origens demônio». Chamados para
diversas: alguns caem nela por iluminar e comunicar vida,
sustentarem projetos
acabam por se deixar cativar por
Não à acédia egoísta
irrealizáveis e não viverem de
coisas que só geram escuridão e
Quando mais precisamos de um bom grado o que poderiam
cansaço interior e corroem o
dinamismo missionário que leve razoavelmente fazer; outros, por dinamismo apostólico. Por tudo
sal e luz ao mundo, muitos
não aceitarem a custosa
isto, permiti que insista: Não
leigos temem que alguém os
evolução dos processos e
deixemos que nos roubem a
convide a realizar alguma tarefa querem que tudo caia do Céu;
alegria da evangelização [83]!
apostólica e procuram fugir de outros, por se apegarem a
qualquer compromisso que lhes alguns projetos ou a sonhos de Não ao pessimismo estéril
possa roubar o tempo livre.
sucesso cultivados pela sua
A alegria do Evangelho é tal
Hoje, por exemplo, tornou-se
vaidade; outros, por terem
que nada e ninguém no-la
muito difícil nas paróquias
perdido o contato real com o
poderá tirar (cf. Jo 16, 22). Os
conseguir catequistas que
povo, numa despersonalização males do nosso mundo – e os da
estejam preparados e
da pastoral que leva a prestar
Igreja – não deveriam servir
perseverem no seu dever por
mais atenção à organização do como desculpa para reduzir a
vários anos. No entanto, algo
que às pessoas, acabando assim nossa entrega e o nosso ardor.
parecido acontece com os
por se entusiasmarem mais com Vejamo-los como desafios para
sacerdotes que se preocupam
a «tabela de marcha» do que
crescer. Além disso, o olhar
11
crente é capaz de reconhecer a
luz que o Espírito Santo sempre
irradia no meio da escuridão,
sem esquecer que, «onde
abundou o pecado,
superabundou a graça» (Rm 5,
20). A nossa fé é desafiada a
entrever o vinho em que a água
pode ser transformada, e a
descobrir o trigo que cresce no
meio do joio. Cinquenta anos
depois do Concílio Vaticano II,
apesar de nos entristecerem as
misérias do nosso tempo e
estarmos longe de otimismos
ingênuos, um maior realismo
não deve significar menor
confiança no Espírito nem
menor generosidade. Neste
sentido, podemos voltar a ouvir
as palavras pronunciadas pelo
Beato João XXIII naquele
memorável 11 de Outubro de
1962: «Chegam-nos aos
ouvidos insinuações de almas,
ardorosas sem dúvida no zelo,
mas não dotadas de grande
sentido de discrição e
moderação. Nos tempos atuais,
não veem senão prevaricações e
ruínas. [...] Mas a nós parecenos que devemos discordar
desses profetas de desgraças,
que anunciam acontecimentos
sempre infaustos, como se
estivesse iminente o fim do
mundo. Na ordem presente das
coisas, a misericordiosa
Providência está-nos levantando
para uma ordem de relações
humanas que, por obra dos
homens e a maior parte das
vezes para além do que eles
esperam, se encaminham para o
cumprimento dos seus desígnios
superiores e inesperados, e tudo,
mesmo as adversidades
humanas, converge para o bem
da Igreja» [84].
Uma das tentações mais sérias
que sufoca o fervor e a ousadia
é a sensação de derrota que nos
transforma em pessimistas
lamurientos e desencantados
com cara azeda. Ninguém pode
empreender uma luta, se de
antemão não está plenamente
confiado no triunfo. Quem
começa sem confiança, perdeu
de antemão metade da batalha e
enterra os seus talentos. Embora
com a dolorosa consciência das
próprias fraquezas, há que
seguir em frente, sem se dar por
vencido, e recordar o que disse
o Senhor a São Paulo: «Basta-te
a minha graça, porque a força
manifesta-se na fraqueza» (2
Cor 12, 9). O triunfo cristão é
sempre uma cruz, mas cruz que
é, simultaneamente, estandarte
de vitória, que se empunha com
ternura batalhadora contra as
investidas do mal. O mau
espírito da derrota é irmão da
tentação de separar
prematuramente o trigo do joio,
resultado de uma desconfiança
ansiosa e egocêntrica [85].
É verdade que, em alguns
lugares, produziu-se uma
«desertificação» espiritual, fruto
do projeto de sociedades que
querem construir sem Deus ou
que destroem as suas raízes
cristãs. Lá, «o mundo cristão
está a tornar-se estéril e se
esgota como uma terra
excessivamente desfrutada que
se transforma em poeira». Em
outros países, a resistência
violenta ao cristianismo obriga
os cristãos a viverem a sua fé às
escondidas no país que amam.
Esta é outra forma muito triste
de deserto. E a própria família
ou o lugar de trabalho podem
ser também o tal ambiente
árido, em que há que conservar
a fé e procurar irradiá-la. Mas
«é precisamente a partir da
experiência desse deserto, desse
vazio, que podemos redescobrir
a alegria de crer, a sua
importância vital para nós,
homens e mulheres. No deserto,
é possível redescobrir o valor
daquilo que é essencial para a
vida; assim sendo, no mundo de
hoje, há inúmeros sinais da sede
de Deus, do sentido último da
vida, ainda que muitas vezes
expressos implícita ou
negativamente. E, no deserto,
existe sobretudo a necessidade
de pessoas de fé que, com suas
próprias vidas, indiquem o
caminho para a Terra
Prometida, mantendo assim
viva a esperança». Em todo o
caso, lá somos chamados a ser
pessoas-cântaro para dar de
beber aos outros. Às vezes o
cântaro transforma-se numa
pesada cruz, mas foi
precisamente na Cruz que o
Senhor, trespassado, Se nos
entregou como fonte de água
viva. Não deixemos que nos
roubem a esperança [86]!
Sim às relações novas
geradas por Jesus Cristo
Neste tempo em que as redes e
demais instrumentos da
comunicação humana
alcançaram progressos
inauditos, sentimos o desafio de
descobrir e transmitir a
«mística» de viver juntos,
misturar-nos, encontrar-nos, dar
o braço, apoiar-nos, participar
nesta maré um pouco caótica
que pode transformar-se numa
verdadeira experiência de
fraternidade, caravana solidária,
12
peregrinação sagrada. Assim, as
maiores possibilidades de
comunicação traduzir-se-ão em
novas oportunidades de
encontro e solidariedade entre
todos. Como seria bom, salutar,
libertador, esperançoso, se
pudéssemos trilhar este
caminho! Sair de si mesmo para
se unir aos outros faz bem.
Fechar-se em si mesmo é provar
o veneno amargo da imanência,
e a humanidade perderá com
cada opção egoísta que fizermos
[87].
outros. Na sua encarnação, o
Filho de Deus convidou-nos à
revolução da ternura[88].
várias formas de
«espiritualidade do bem-estar»
sem comunidade, por uma
«teologia da prosperidade» sem
O isolamento, que é uma
concretização do imanentismo, compromissos fraternos ou por
experiências subjetivas sem
pode exprimir-se numa falsa
autonomia que exclui Deus, mas rostos, que se reduzem a uma
busca interior imanentista [90].
pode também encontrar na
religião uma forma de
Um desafio importante é
consumismo espiritual à medida
mostrar que a solução nunca
do próprio individualismo
doentio. O regresso ao sagrado consistirá em escapar de uma
relação pessoal e comprometida
e a busca espiritual, que
caracterizam a nossa época. são com Deus, que ao mesmo
fenômenos ambíguos. Mais do tempo nos comprometa com os
outros. Isto é o que se verifica
O ideal cristão convidará
que o ateísmo, o desafio que
hoje quando os crentes
sempre a superar a suspeita, a
hoje se nos apresenta é
procuram esconder-se e livrardesconfiança permanente, o
responder adequadamente à
medo de sermos invadidos, as
sede de Deus de muitas pessoas, se dos outros, e quando
sutilmente escapam de um lugar
atitudes defensivas que nos
para que não tenham de ir
para outro ou de uma tarefa para
impõe o mundo atual. Muitos
apagá-la com propostas
outra, sem criar vínculos
tentam escapar dos outros
alienantes ou com um Jesus
profundos e estáveis: «A
fechando-se na sua privacidade Cristo sem carne e sem
imaginação e mudança de
confortável ou no círculo
compromisso com o outro. Se
lugares enganou a muitos». É
reduzido dos mais íntimos, e
não encontram na Igreja uma
um remédio falso que faz
renunciam ao realismo da
espiritualidade que os cure,
dimensão social do Evangelho. liberte, encha de vida e de paz, adoecer o coração e, às vezes, o
Porque, assim como alguns
ao mesmo tempo que os chame corpo. Faz falta ajudar a
reconhecer que o único caminho
quiseram um Cristo puramente à comunhão solidária e à
é aprender a encontrar os
espiritual, sem carne nem cruz, fecundidade missionária,
demais com a atitude adequada,
também se pretendem relações acabarão enganados por
que é valorizá-los e aceitá-los
interpessoais mediadas apenas propostas que não humanizam
como companheiros de estrada,
por sofisticados aparatos, por
nem dão glória a Deus [89].
sem resistências interiores.
ecrãs e sistemas que se podem
As formas próprias da
Melhor ainda, trata-se de
acender e apagar à vontade.
religiosidade popular são
aprender a descobrir Jesus no
Entretanto o Evangelho
encarnadas, porque brotaram da rosto dos outros, na sua voz, nas
convida-nos sempre a abraçar o encarnação da fé cristã numa
suas reivindicações; e aprender
risco do encontro com o rosto
cultura popular. Por isso
também a sofrer, num abraço
do outro, com a sua presença
mesmo, incluem uma relação
com Jesus crucificado, quando
física que interpela, com os seus pessoal, não com energias
recebemos agressões injustas ou
sofrimentos e suas
harmonizadoras, mas com Deus, ingratidões, sem nos cansarmos
reivindicações, com a sua
Jesus Cristo, Maria, um Santo. jamais de optar pela
alegria contagiosa
Têm carne, têm rostos. Estão
fraternidade [91].
permanecendo lado a lado. A
aptas para alimentar
verdadeira fé no Filho de Deus potencialidades relacionais e
Nisto está a verdadeira cura: de
feito carne é inseparável do dom não tanto fugas individualistas. fato, o modo de nos
de si mesmo, da pertença à
relacionarmos com os outros
Em outros setores da nossa
comunidade, do serviço, da
sociedade, cresce o apreço por que, em vez de nos adoecer, nos
reconciliação com a carne dos
cura é uma fraternidade mística,
13
contemplativa, que sabe ver a
grandeza sagrada do próximo,
que sabe descobrir Deus em
cada ser humano, que sabe
tolerar as moléstias da
convivência agarrando-se ao
amor de Deus, que sabe abrir o
coração ao amor divino para
procurar a felicidade dos outros
como a procura o seu Pai bom.
Precisamente nesta época,
inclusive onde são um
«pequenino rebanho» (Lc 12,
32), os discípulos do Senhor são
chamados a viver como
comunidade que seja sal da terra
e luz do mundo (cf. Mt 5, 1316). São chamados a
testemunhar, de forma sempre
nova, uma pertença
evangelizadora. Não deixemos
que nos roubem a
comunidade![92]
Não ao mundanismo
espiritual
O mundanismo espiritual, que
se esconde por detrás de
aparências de religiosidade e até
mesmo de amor à Igreja, é
buscar, em vez da glória do
Senhor, a glória humana e o
bem-estar pessoal. É aquilo que
o Senhor censurava aos
fariseus: «Como vos é possível
acreditar, se andais à procura da
glória uns dos outros, e não
procurais a glória que vem do
Deus único?» (Jo 5, 44). É uma
maneira sutil de procurar «os
próprios interesses, não os
interesses de Jesus Cristo» (Fl
2, 21). Reveste-se de muitas
formas, de acordo com o tipo de
pessoas e situações em que
penetra. Por cultivar o cuidado
da aparência, nem sempre
suscita pecados de domínio
público, pelo que externamente
tudo parece correto. No entanto,
se invadisse a Igreja, «seria
infinitamente mais desastroso
do que qualquer outro
mundanismo meramente moral»
[93].
Este mundanismo pode
alimentar-se sobretudo de duas
maneiras profundamente
relacionadas. Uma delas é o
fascínio do gnosticismo, uma fé
fechada no subjetivismo, onde
apenas interessa uma
determinada experiência ou uma
série de raciocínios e
conhecimentos que
supostamente confortam e
iluminam, mas, em última
instância, a pessoa fica
enclausurada na imanência da
sua própria razão ou dos seus
sentimentos. A outra maneira é
o neopelagianismo autoreferencial e prometeuco de
quem, no fundo, só confia nas
suas próprias forças e se sente
superior aos outros por cumprir
determinadas normas ou por ser
irredutivelmente fiel a um certo
estilo católico próprio do
passado. É uma suposta
segurança doutrinal ou
disciplinar que dá lugar a um
elitismo narcisista e autoritário,
onde, em vez de evangelizar,
analisam-se e classificam os
demais e, em vez de facilitar o
acesso à graça, consomem-se as
energias a controlar. Em ambos
os casos, nem Jesus Cristo nem
os outros interessam
verdadeiramente. São
manifestações de um
imanentismo antropocêntrico.
Não é possível imaginar que,
destas formas desvirtuadas do
cristianismo, possa brotar um
autêntico dinamismo
evangelizador [94].
Este obscuro mundanismo
manifesta-se em muitas
atitudes, aparentemente opostas
mas com a mesma pretensão de
«dominar o espaço da Igreja».
Em alguns, há um cuidado
exibicionista da liturgia, da
doutrina e do prestígio da
Igreja, mas não se preocupam
que o Evangelho adquira uma
real inserção no povo fiel de
Deus e nas necessidades
concretas da história. Assim, a
vida da Igreja transforma-se
numa peça de museu ou numa
possessão de poucos. Em
outros, o próprio mundanismo
espiritual esconde-se por detrás
do fascínio de poder mostrar
conquistas sociais e políticas, ou
numa vanglória ligada à gestão
de assuntos práticos, ou numa
atração pelas dinâmicas de autoestima e de realização
autorreferencial. Também se
pode traduzir em várias formas
de se apresentar a si mesmo
envolvido numa densa vida
social cheia de viagens,
reuniões, jantares, recepções.
Ou então desdobra-se num
funcionalismo empresarial,
carregado de estatísticas,
planificações e avaliações, onde
o principal beneficiário não é o
povo de Deus mas a Igreja
como organização. Em qualquer
um dos casos, não traz o selo de
Cristo encarnado, crucificado e
ressuscitado, encerra-se em
grupos de elite, não sai
realmente à procura dos que
andam perdidos nem das
imensas multidões sedentas de
Cristo. Já não há ardor
evangélico, mas o gozo espúrio
duma autocomplacência
egocêntrica [95].
14
Neste contexto, alimenta-se a
vanglória de quantos se
contentam com ter algum poder
e preferem ser generais de
exércitos derrotados antes que
simples soldados dum batalhão
que continua a lutar. Quantas
vezes sonhamos planos
apostólicos expansionistas,
meticulosos e bem traçados,
típicos de generais derrotados!
Assim negamos a nossa história
de Igreja, que é gloriosa por ser
história de sacrifícios, de
esperança, de luta diária, de
vida gasta no serviço, de
constância no trabalho fadigoso,
porque todo o trabalho é «suor
do nosso rosto». Em vez disso,
entretemo-nos vaidosos a falar
sobre «o que se deveria fazer» –
o pecado do «deveriaqueísmo»
– como mestres espirituais e
peritos de pastoral que dão
instruções ficando de fora.
Cultivamos a nossa imaginação
sem limites e perdemos o
contato com a dolorosa
realidade do nosso povo fiel
[96].
Quem caiu neste mundanismo
olha de cima e de longe, rejeita
a profecia dos irmãos,
desqualifica quem o questiona,
faz ressaltar constantemente os
erros alheios e vive obcecado
pela aparência. Circunscreveu
os pontos de referência do
coração ao horizonte fechado da
sua imanência e dos seus
interesses e, consequentemente,
não aprende com os seus
pecados nem está
verdadeiramente aberto ao
perdão. É uma tremenda
corrupção, com aparências de
bem. Devemos evitá-lo, pondo a
Igreja em movimento de saída
de si mesma, de missão
centrada em Jesus Cristo, de
entrega aos pobres. Deus nos
livre de uma Igreja mundana
sob vestes espirituais ou
pastorais! Este mundanismo
asfixiante cura-se saboreando o
ar puro do Espírito Santo, que
nos liberta de estarmos
centrados em nós mesmos,
escondidos numa aparência
religiosa vazia de Deus. Não
deixemos que nos roubem o
Evangelho [97]!
e resplandecente. Que todos
possam admirar como vos
preocupais uns pelos outros,
como mutuamente vos
encorajais animais e ajudais:
«Por isto é que todos
conhecerão que sois meus
discípulos: se vos amardes uns
aos outros» (Jo 13, 35). Foi o
que Jesus, com uma intensa
oração, Jesus pediu ao Pai:
«Que todos sejam um só (…)
em nós [para que] o mundo
creia» (Jo 17, 21). Cuidado com
Não à guerra entre nós
a tentação da inveja! Estamos
no mesmo barco e vamos para o
Dentro do povo de Deus e nas
diferentes comunidades, quantas mesmo porto! Peçamos a graça
guerras! No bairro, no local de de nos alegrarmos com os frutos
alheios, que são de todos [99].
trabalho, quantas guerras por
invejas e ciúmes, mesmo entre Para quantos estão feridos por
cristãos! O mundanismo
antigas divisões, resulta difícil
espiritual leva alguns cristãos a aceitar que os exortemos ao
estar em guerra com outros
perdão e à reconciliação, porque
cristãos que se interpõem na sua pensam que ignoramos a sua
busca pelo poder, prestígio,
dor ou pretendemos fazer-lhes
prazer ou segurança econômica. perder a memória e os ideais.
Além disso, alguns deixam de
Mas, se virem o testemunho de
viver uma adesão cordial à
comunidades autenticamente
Igreja por alimentar um espírito fraternas e reconciliadas, isso é
de contenda. Mais do que
sempre uma luz que atrai. Por
pertencer à Igreja inteira, com a isso me dói muito comprovar
sua rica diversidade, pertencem como em algumas comunidades
a este ou àquele grupo que se
cristãs, e mesmo entre pessoas
sente diferente ou especial [98]. consagradas, se dá espaço a
O mundo está dilacerado pelas
guerras e a violência, ou ferido
por um generalizado
individualismo que divide os
seres humanos e põe-nos uns
contra os outros visando o
próprio bem-estar. Em vários
países, ressurgem conflitos e
antigas divisões que se
pensavam em parte superados.
Aos cristãos de todas as
comunidades do mundo, quero
pedir-lhes de modo especial um
testemunho de comunhão
fraterna, que se torne fascinante
várias formas de ódio, divisão,
calúnia, difamação, vingança,
ciúme, a desejos de impor as
próprias ideias a todo o custo, e
até perseguições que parecem
uma implacável caça às bruxas.
Quem queremos evangelizar
com estes comportamentos
[100]?
Peçamos ao Senhor que nos
faça compreender a lei do amor.
Que bom é termos esta lei!
Como nos faz bem, apesar de
tudo amar-nos uns aos outros!
15
Sim, apesar de tudo! A cada um
de nós é dirigida a exortação de
Paulo: «Não te deixes vencer
pelo mal, mas vence o mal com
o bem» (Rm 12, 21). E ainda:
«Não nos cansemos de fazer o
bem» (Gl 6, 9). Todos nós
provamos simpatias e antipatias,
e talvez neste momento
estejamos chateados com
alguém. Pelo menos digamos ao
Senhor: «Senhor, estou
chateado com este, com aquela.
Peço-Vos por ele e por ela».
Rezar pela pessoa com quem
estamos irritados é um belo
passo rumo ao amor, e é um ato
de evangelização. Façamo-lo
hoje mesmo. Não deixemos que
nos roubem o ideal do amor
fraterno[101]!
causa de um excessivo
clericalismo que os mantém à
margem das decisões. Apesar de
se notar uma maior participação
de muitos nos ministérios
laicais, este compromisso não se
reflecte na penetração dos
valores cristãos no mundo
social, político e econômico;
limita-se muitas vezes às tarefas
no seio da Igreja, sem um
empenhamento real pela
aplicação do Evangelho na
transformação da sociedade. A
formação dos leigos e a
evangelização das categorias
profissionais e intelectuais
constituem um importante
desafio pastoral [102].
onde se tomam as decisões
importantes, tanto na Igreja
como nas estruturas sociais
[103].
As reivindicações dos legítimos
direitos das mulheres, a partir
da firme convicção de que
homens e mulheres têm a
mesma dignidade, colocam à
Igreja questões profundas que a
desafiam e não se podem iludir
superficialmente. O sacerdócio
reservado aos homens, como
sinal de Cristo Esposo que Se
entrega na Eucaristia, é uma
questão que não se põe em
discussão, mas pode tornar-se
particularmente controversa se
se identifica demasiado a
A Igreja reconhece a
potestade sacramental com o
indispensável contribuição da
poder. Não se esqueça que,
mulher
na
sociedade,
com
uma
quando falamos da potestade
Outros desafios eclesiais
sensibilidade, uma intuição e
sacerdotal, «estamos na esfera
A imensa maioria do povo de
certas capacidades peculiares,
da função e não na da dignidade
Deus é constituída por leigos.
que habitualmente são mais
e da santidade». O sacerdócio
Ao seu serviço, está uma
próprias das mulheres que dos
ministerial é um dos meios que
minoria: os ministros
homens. Por exemplo, a
Jesus utiliza ao serviço do seu
ordenados. Cresceu a
especial solicitude feminina
povo, mas a grande dignidade
consciência da identidade e da pelos outros, que se exprime de vem do Batismo, que é
missão dos leigos na Igreja.
modo particular, mas não
acessível a todos. A
Embora não suficiente, pode-se exclusivamente, na
configuração do sacerdote com
contar com um numeroso
maternidade. Vejo, com prazer, Cristo Cabeça – isto é, como
laicado, dotado de um arreigado como muitas mulheres
fonte principal da graça – não
sentido de comunidade e uma
partilham responsabilidades
comporta uma exaltação que o
grande fidelidade ao
pastorais juntamente com os
coloque por cima dos demais.
compromisso da caridade, da
sacerdotes, contribuem para o
Na Igreja, as funções «não dão
catequese, da celebração da fé. acompanhamento de pessoas,
justificação à superioridade de
A tomada de consciência desta famílias ou grupos e prestam
uns sobre os outros». Com
responsabilidade laical que
novas contribuições para a
efeito, uma mulher, Maria, é
nasce do Batismo e da
reflexão teológica. Mas ainda é mais importante do que os
Confirmação, contudo, não se
preciso ampliar os espaços para Bispos. Mesmo quando a
manifesta de igual modo em
uma presença feminina mais
função do sacerdócio ministerial
toda a parte; em alguns casos,
incisiva na Igreja. Porque «o
é considerada «hierárquica», há
porque não se formaram para
gênio feminino é necessário em que ter bem presente que «se
assumir responsabilidades
todas as expressões da vida
ordena integralmente à
importantes, em outros por não social; por isso deve ser
santidade dos membros do
encontrar espaço nas suas
garantida a presença das
corpo místico de Cristo». A sua
Igrejas particulares para
mulheres também no âmbito do pedra de fecho e o seu fulcro
poderem exprimir-se e agir por trabalho» e nos vários lugares
não são o poder entendido como
16
domínio, mas a potestade de
administrar o sacramento da
Eucaristia; daqui deriva a sua
autoridade, que é sempre um
serviço ao povo. Aqui está um
grande desafio para os Pastores
e para os teólogos, que
poderiam ajudar a reconhecer
melhor o que isto implica no
que se refere ao possível lugar
das mulheres onde se tomam
decisões importantes, nos
diferentes âmbitos da Igreja
[104].
consciência de que toda a
comunidade os evangeliza e
educa, e a urgência de que eles
tenham um protagonismo
maior. Deve-se reconhecer que,
no atual contexto de crise do
compromisso e dos laços
comunitários, são muitos os
jovens que se solidarizam
contra os males do mundo,
aderindo a várias formas de
militância e voluntariado.
Alguns participam na vida da
Igreja, integram grupos de
serviço e diferentes iniciativas
A pastoral juvenil, tal como
missionárias nas suas próprias
estávamos habituados a
desenvolvê-la, sofreu o impacto dioceses ou noutros lugares.
Como é bom que os jovens
das mudanças sociais. Nas
estruturas ordinárias, os jovens sejam «caminheiros da fé»,
felizes por levarem Jesus Cristo
habitualmente não encontram
a cada esquina, a cada praça, a
respostas para as suas
cada canto da terra [106]!
preocupações, necessidades,
problemas e feridas. A nós,
Em muitos lugares, há escassez
adultos, custa-nos ouvi-los com de vocações ao sacerdócio e à
paciência, compreender as suas vida consagrada.
preocupações ou as suas
Frequentemente isso fica-se a
reivindicações, e aprender a
dever à falta de ardor apostólico
falar-lhes na linguagem que eles contagioso nas comunidades,
entendem. Pela mesma razão, as pelo que estas não entusiasmam
propostas educacionais não
nem fascinam. Onde há vida,
produzem os frutos esperados. fervor, paixão de levar Cristo
A proliferação e o crescimento aos outros, surgem vocações
de associações e movimentos
genuínas. Mesmo em paróquias
predominantemente juvenis
onde os sacerdotes não são
podem ser interpretados como
muito disponíveis nem alegres,
uma ação do Espírito que abre
é a vida fraterna e fervorosa da
caminhos novos em sintonia
comunidade que desperta o
com as suas expectativas e a
desejo de se consagrar
busca de espiritualidade
inteiramente a Deus e à
profunda e dum sentido mais
evangelização, especialmente se
concreto de pertença. Todavia é essa comunidade vivente reza
necessário tornar mais estável a insistentemente pelas vocações
participação destas agregações e tem a coragem de propor aos
no âmbito da pastoral de
seus jovens um caminho de
conjunto da Igreja [105].
especial consagração. Por outro
lado, apesar da escassez
Embora nem sempre seja fácil
vocacional, hoje temos noção
abordar os jovens, houve
crescimento em dois aspectos: a mais clara da necessidade de
melhor selecção dos candidatos
ao sacerdócio. Não se podem
encher os seminários com
qualquer tipo de motivações, e
menos ainda se estas estão
relacionadas com insegurança
afetiva, busca de formas de
poder, glória humana ou bemestar econômico [107].
Como já disse, não pretendi
oferecer um diagnóstico
completo, mas convido as
comunidades a completarem e a
enriquecerem estas perspectivas
a partir da consciência dos
desafios próprios e das
comunidades vizinhas. Espero
que, ao fazê-lo, tenham em
conta que, todas as vezes que
intentamos ler os sinais dos
tempos na realidade atual, é
conveniente ouvir os jovens e os
idosos. Tanto uns como outros
são a esperança dos povos. Os
idosos fornecem a memória e a
sabedoria da experiência, que
convida a não repetir
tontamente os mesmos erros do
passado. Os jovens chamam-nos
a despertar e a aumentar a
esperança, porque trazem
consigo as novas tendências da
humanidade e abrem-nos ao
futuro, de modo que não
fiquemos encalhados na
nostalgia de estruturas e
costumes que já não são fonte
de vida no mundo actual [108].
Os desafios existem para ser
superados. Sejamos realistas,
mas sem perder a alegria, a
audácia e a dedicação cheia de
esperança. Não deixemos que
nos roubem a força missionária
[109]!
17
Amor conjugal?
A
reflexão sobre a natureza do amor conjugal nos últimos
cem anos acompanha, passo a passo, a evolução da
sociedade e da cultura. O
Concílio Vaticano II representou um momento muito
particular para a concepção
do amor matrimonial, uma
realidade natural vivida
desde as origens da humanidade.
Antes, a questão era posta
nos termos de qual fosse o
fim principal do matrimônio, se o amor conjugal (em
contraste com o modo tradicional cristão de entender
a procriação) ou a procriação (que era então interpretada como uma “instrumentalização” do amor conjugal).
O Concílio superou esta
apresentação inadequada
do problema, pondo sobre o
amor conjugal não a per-
gunta “para que serve?”,
mas refletindo sobre a essência do matrimônio e
perguntando-se “que é o
matrimônio?”.
A unidade e indissolubilidade do matrimônio encontram alma e forma no amor
conjugal e na instituição
matrimonial.
Isto não significa, porém,
que o amor e o matrimônio
sejam a mesma coisa. O
amor conjugal é um elemento constitutivo do matrimônio, mas não é o único, porque a realidade do
matrimônio é a de uma instituição.
O matrimônio, portanto, é a
instituição do amor conjugal. Amor conjugal e instituição matrimonial implicam-se mutuamente. O matrimônio pressupõe o amor,
mas o amor deve também
ser fruto do matrimônio.
Isto significa que o amor
conjugal é também uma
tarefa que deve se realizada
na vida dos esposos.
A reflexão teológica nos
mostra, então, que o amor
conjugal está orientado a
uma certa plenitude, a uma
determinada vivificação por
obra da graça que o eleva, o
aperfeiçoa, o cura e o enriquece: a caridade conjugal.
O amor conjugal, que se
exprime na recíproca doação, e a orientação à procriação do matrimônio confluem na sexualidade matrimonial, que deve ser uma
genuína manifestação da
doação recíproca das pessoas casadas, reproduzindo
em si a imagem da instituição matrimonial e do amor
conjugal que a protege.
(Leia o artigo completo às
páginas 41 a 46 em Lexicom)
18
A Sagrada Escritura e a prática
tradicional da Igreja veem nas
famílias numerosas um sinal da
bênção divina e da generosidade dos pais (Cf. GS 50, 2).
entre si pelo casamento. Elas
traem «o direito exclusivo de se
tornar pai e mãe somente um
por meio do outro» (CDF, instr.
Donum vitae, 2,1).
É grande o sofrimento dos casais que descobrem que são
estéreis. «Que me darás, Senhor
Deus?» – pergunta Abraão a
Deus. «Continuo sem filhos...»
(Gn 15, 2). – «Faze-me ter filhos também, ou eu morro!» –
disse Raquel a seu marido Jacob
(Gn 30, 1).
Praticadas entre o casal, estas
técnicas (inseminação e fecundação artificiais homólogas) são
talvez claras a um juízo imediato, mas continuam moralmente
inaceitáveis. Dissociam o ato
sexual do ato procriador. O ato
fundante da existência dos filhos já não é um ato pelo qual
duas pessoas se doam uma à
outra, mas um ato que «remete
a vida e a identidade do embrião para o poder dos médicos e
biólogos, e instaura um domínio
da técnica sobre a origem e a
destinação da pessoa humana.
Tal relação de dominação é por
si contrária à dignidade e à igualdade que devem ser comuns aos pais e aos filhos»
(CDF, inst. Donum vitae, II,
741,5). «A procriação é moralmente privada de sua perfeição
própria quando não é querida
como o fruto do ato conjugal,
isto é, do gesto específico da
união dos esposos... [...] Somente o respeito ao vínculo que
existe entre os significados do
ato conjugal e o respeito pela
unidade do ser humano permite
As pesquisas que se destinam a
reduzir a esterilidade humana
devem ser estimuladas, sob a
condição de serem postas «a
serviço da pessoa humana, de
seus direitos inalienáveis, de
seu bem verdadeiro e integral,
de acordo com o projeto e a
vontade de Deus» (CDF, instr.
Donum vitae, intr. 2).
As técnicas que provocam a
dissociação do parentesco, pela
intervenção duma pessoa estranha ao casal (doação de esperma ou de óvulo, empréstimo de
útero) são gravemente desonestas. Estas técnicas (inseminação
e fecundação artificiais heterólogas) lesam o direito da criança
de nascer de um pai e de uma
mãe conhecidos dela e ligados
uma procriação de acordo com
a dignidade da pessoa» (CDF,
instr. Donum vitae, II, 4).
O filho não é algo devido, mas
um dom. O «dom mais excelente do matrimônio» é uma pessoa
humana. O filho não pode ser
considerado como objeto de
propriedade, a que conduziria o
reconhecimento de um pretenso
«direito ao filho». Nesse campo, somente o filho possui verdadeiros direitos: o de «ser fruto
do ato específico do amor conjugal de seus pais, e também o
direito de ser respeitado como
pessoa desde o momento de sua
concepção» (CDF, instr.
Donum vitae, II, 8).
O Evangelho mostra que a esterilidade física não é um mal
absoluto. Os esposos que, depois de terem esgotado os recursos legítimos da medicina,
sofrerem de infertilidade unirse-ão à cruz do Senhor, fonte de
toda a fecundidade espiritual.
Podem mostrar sua generosidade adotando crianças desamparadas ou prestando serviços em
favor do próximo.
(Catecismo da Igreja Católica,
nº 2373 a 2379)
19
Pai e mãe: presenças
insubstituíveis na educação
e formação de filhos!
Postado em 3 de janeiro de 2014 por Carmadélio -
As funções do pai e
da mãe são totalmente
diferentes, e
o filho precisa dos dois
para o seu equilíbrio: ela
introduz o filho no mundo
dos afetos, na esfera íntima; ele proporciona independência, abrindo-o ao
mundo exterior.
destronados. La importancia de la paternidad“.
Quem explica isso nesta
entrevista é María Calvo,
presidente, na Espanha,
da Associação de Centros
de Educação Diferenciada
e autora do livro “Padres
As funções do pai e
da mãe são totalmente
diferentes; não se pode
pensar que são iguais.
Em alguns âmbitos, ao
invés de falar de “pai” e
“mãe”, opta-se por “progenitor 1″ e “progenitor
2″. Isso quer dizer que
não há diferenças entre o
que cada um deles oferece
ao seu filho?
A diferença entre o pai e
a mãe são percebidas in-
clusive pelo bebê. Um experimento em Israel mostrou que os bebês prematuros ganhavam peso
mais rapidamente quando
eram visitados pelo pai.
O pai confere um estímulo psicológico ao filho,
que ele percebe.
Em outra pesquisa, psiquiatras mostraram que
as crianças, quando percebem a presença do pai,
inclinam as costas e mexem as sobrancelhas de
forma especial, porque
intuem que ele os pegará
20
no colo, e percebem que
ele os pega de maneira
diferente à da mãe.
Isso ocorre em diversas
culturas e níveis sociais, é
algo biológico.
Concretamente,
qual é a
contribuição da
mãe e qual é a do
pai?
Também é interessante
saber que o pai aproxima
o filho da realidade, da
realidade autêntica, não
da virtual, na qual
a mãe o coloca para que
não tenha sofrimento e
dor.
Muito simples: quando
a mãe está sozinha com
o filho, tende-se a criar
uma relação quase de casal entre mãe e filho. Seu
amor e sua neuroquímica
são tão fortes, que são capazes de dar tudo. Esta
relação não é saudável
para os filhos, que precisam de autonomia.
O pai entra em jogo para
separar este binômio (não
me refiro ao pai que se
identifica com um modelo
patriarcal, que é o contrário). O pai, ao romper a
relação tão íntima, confere liberdade.
Esta liberdade ajuda
o filho a identificar-se
como ser independente e
autônomo, já que a relação só com a mãe pode
ser limitadora para
o filho; a mãe parece tentar prolongar a relação
uterina para sempre e,
por isso, vemos adultos
com relacionamentos doentios. O pai dá liberdade
também à mãe, que, de
outra forma, poderia acabar sendo escravizada.
Por outro lado, o pai não
costuma dar ao filho o
que ele precisa imediatamente
Assim, o filho aprende o
autocontrole, aprende que
nem tudo se consegue na
hora em que se quer. E aprende a empatia: se sente
fome, frio etc., pode compreender quem passa por
isso também.
A natureza nos deu este
equilíbrio: a mãe oferece
intimidade (o mundo dos
afetos, o íntimo) e o pai, a
independência (o mundo
exterior, o público). Quando falta algum dos pais,
isso afeta o equilíbrio
do filho.
Quais são as
consequências da
ausência do pai
na educação dos
filhos?
As diferenças se referem a
uma herança vital de valores, ao equilíbrio psíquico
e pessoal. A situação atual
é provocada, em grande
medida, pela ideologia de
gênero; é um momento
único na história da humanidade.
Em países anglosaxônicos, foram realizados diversos estudos que
estabelecem uma relação
de causa-efeito entre ausência paterna e violência
nos filhos, fracasso escolar
e drogas.
Atualmente, quase 25 milhões de crianças estão
crescendo sem
seu pai biológico. Isso provoca um desequilíbrio social.
Como é possível
potencializar a
paternidade?
É verdade que antes havia
um modelo machista, no
qual o homem só controlava a parte econômica e os
resultados acadêmicos,
mas não podemos esquecer
o lado positivo da paternidade, como a capacidade
de estabelecer normas, impor disciplina e limites. Ao
mesmo tempo, é preciso
aproveitar os traços mais
atuais da paternidade, como um maior envolvimento emocional do pai.
É preciso respeitar o estilo
de atuação do homem, que
é masculino, e que complemente o da mulher.
Quando a mulher percebe
isso, ela ganha liberdade,
os filhos ganham um pai e
o casal ganha confiança,
diálogo. Os pais não
são mães defeituosas:
são pais.

Documentos relacionados