travessia, passeio de pesca, passeio de barco - GEDMMA
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travessia, passeio de pesca, passeio de barco - GEDMMA
TRAVESSIA, PASSEIO DE PESCA, PASSEIO DE BARCO: CONSTITUIÇÃO DO TURISMO EM RAPOSA, MARANHÃO LUCIANA SOARES SANTOS (autora) [email protected]; graduanda Licenc. Ciências Biológicas/CEUMA; GEDMMA/DESOC/UFMA; JOSEMIRO FERREIRA DE OLIVEIRA (co-autor) [email protected]; graduando Bachar. Ciências Sociais/UFMA; GEDMMA/DESOC/UFMA; MADIAN DE JESUS FRAZÃO PEREIRA (orientadora) [email protected]; Doutora em Sociologia / Profª. Adj. DESOC/UFMA; GEDMMA/ DESOC/UFMA. 1 INTRODUÇÃO Este trabalho propõe um relato da pesquisa em andamento sobre o turismo em constituição em Raposa, Maranhão, a partir de observação participante e da apreensão de depoimentos dos visitantes e de narrativas da memória social dos moradores. Em um trabalho anterior (SANTOS et al, 2011), caracterizamos o município de Raposa como uma paisagem cultural singular no contexto de sua ocupação a partir de migrações recentes, desde a década de 50, por cearenses e maranhenses vindos do litoral e do interior. Este processo configura-se diverso ao eixo histórico de ocupação da Ilha de Upaon-Açu, que remonta ao período colonial, a partir da fundação francesa da capital São Luís, em 1612, e dos municípios de São José de Ribamar e Paço do Lumiar. O estabelecimento da instituição arquitetônica e administrativa portuguesa do município envolveu uma intervenção sobre a costa dentro e no entorno da ilha (MARTINS, 2000). No entanto, na fala dos moradores, Raposa permaneceu pouco habitada em função da grande dinâmica das marés e difícil acesso local. Av. dos Portugueses, S/N – Campus do Bacanga – São Luís – Maranhão – 65080-040 Bloco 03 - 2º Andar – Sala: Núcleo de Humanidades – Telefone (98) 3301-8337 www.nucleohumanidades.ufma.br; e-mail: [email protected] O desembarque pesqueiro significativo em proximidade da cidade de São Luís favoreceu, após a construção de uma avenida (Rodovia MA 203) que dá acesso ao porto de Raposa, na década de 70, o fluxo de visitantes atraídos pela compra de pescados e o consumo da culinária local (SOARES, 2011). Esse fluxo promoveu uma forma de sociabilidade própria entre os pescadores locais e pescadores amadores, moradores dos demais municípios da Ilha, principalmente da zona urbana, na forma de passeios de pesca, realizados aos fins de semana, em caráter de diversão e amizade, mas que para os últimos representa uma experiência genuína de contato com a territorialidade física/simbólica/cosmológica da pesca e suas técnicas precisas em relação com o etnoconhecimentoi sobre os recursos pesqueiros. Como se caracteriza atualmente, o passeio de pesca pode ser ofertado como atrativo turístico, de maneira espontânea por guias locais, mas normalmente é realizado por encomenda de pessoas que já mantêm uma relação de constância e fidelidade com determinados pescadores. Quando ofertado pelos guias, é valorado em uma escala de duração em relação aos demais passeios turísticos. O passeio de pesca costuma durar uma maré inteira (período de 6 horas) ou mais. Os passeios de barco menores, apesar de dependerem do horário de maré para a saída, podem desenvolver-se em 2 a 4 horas, e suas atividades estão relacionadas às percepções e sensações da beleza cênica de determinados percursos no manguezal e pontos de parada e de banho específicos, podendo incluir refeições em referência aos recursos e modos de fazer da culinária local. Ainda, a travessia constitui a forma mais efêmera de serviço turístico, por realizar o acesso à praia de Carimã, separada da parte habitada por um canal de mangue que encontra a maré um pouco à frente do cais de Raposa, durando cerca de 10 minutos, com baixo custo. 2 MIGRAÇÃO, TRAVESSIA, PESCA, PASSEIO: faces do imaginário liminar de Raposa Av. dos Portugueses, S/N – Campus do Bacanga – São Luís – Maranhão – 65080-040 Bloco 03 - 2º Andar – Sala: Núcleo de Humanidades – Telefone (98) 3301-8337 www.nucleohumanidades.ufma.br; e-mail: [email protected] Em março de 2010, a escolha de Raposa como campo de estudo para a realização de um trabalho acadêmico disciplinar deu-se em virtude de sua singularidade enquanto lugar de vivência cultural, já que um dos integrantes da equipe do referido trabalho, morador de São Luís, mantinha relações de amizade através dos passeios de pesca com nosso primeiro informante, Seu Zezinho, pescador aposentado de 92 anos, natural de Humberto de Campos, litoral oriental do Maranhão. A primeira face do turismo vivenciada para o grupo de pesquisa foi a travessia do canal. O canal é a foz de um rio que corre paralela à praia e encontra com o mar à esquerda do cais de pedras, construído para conter as grandes cheias das marés de lua sobre a parte habitada de Raposa. A travessia constituiu-se, há cerca de 20 anos, como atividade autônoma em relação à pesca, envolvendo uma categoria de habilitação específica junto à Capitania dos Portos, a de condutor de passageiros. Motivou-se pelas demandas de visitação da praia por um turismo principalmente interno aos municípios da Ilha e pelas demandas de acesso local pelos moradores, por motivos diversos como a pesca e a mariscagem, a visitação e o banho de mar. O cais torna-se uma referência para a comunidade à medida que fixa apenas temporariamente os limites para a força das marés. Já foi mudado de lugar três vezes, e a cada ano, entre agosto e setembro, tempo das maiores cheias, o mar invade o canal e transborda o cais. Foi nessa paisagem móvel que os primeiros migrantes cearenses instalaram-se em Raposa. Há cerca de 50 anos, o canal era mais próximo da praia; e a praia, dezenas de metros adiante do local atual. Suas casas originais em palha e madeira do mangue, à beira da praia, e os poços de água potável extraída dos lençóis freáticos, na areia, compunham, junto com o sistema de pesca de currais, a primeira propriedade familiar raposense, dela fazendo parte os artefatos da confecção da renda de bilro, atividade produtiva das mulheres cearenses, sejam vindas do litoral ou do sertão. Para Beth Rondelli (1993), em memórias locais apreendidas entre 1977 e 1978 e citando o Av. dos Portugueses, S/N – Campus do Bacanga – São Luís – Maranhão – 65080-040 Bloco 03 - 2º Andar – Sala: Núcleo de Humanidades – Telefone (98) 3301-8337 www.nucleohumanidades.ufma.br; e-mail: [email protected] trabalho de Chaves (1973) sobre a organização social em Almofala, uma das praias pesqueiras de origem dos moradores de Raposa, os currais de pesca representaram a influência dos sistemas socioprodutivos e tecnológicos da pecuária sobre o litoral cearense. Foi o contexto de pressão da pecuária sobre o litoral, associada às constantes secas no sertão, a motivação das migrações cearenses via marítima a Raposa (RONDELLI, 1993), como parte da conjuntura de seguidas migrações nordestinas desde a segunda metade do século XIX, que conforme Galdez (2010) alcançaram as terras devolutas do Maranhão, ante ao ritmo das secas e à atração das frentes de ocupação da Amazônia no ciclo da borracha. Galdez (2010) propõe uma desconstrução da imagem do migrante como retirante passivo, homogêneo, à mercê das circunstâncias. Tecendo considerações sobre as memórias de migrantes cearenses estabelecidos em cidades interioranas do Maranhão, na região do Médio Mearim, buscou representações dos processos identitários nas imagens e enunciações locais da seca e do recomeço, e das práticas culturais que estabeleceram territorialidades próprias de maneira relacional com as sociabilidades já existentes no lugar de chegada, diluindo os limites das fronteiras arbitrariamente instituídas enquanto “Maranhão”, “Piauí”, “Ceará”. Em Raposa, conforme Rondelli (1993), as práticas culturais do contar estórias, como tradição literária nordestina, estruturaram a organização da memória local segundo uma matriz narrativa que ressignificou as migrações como rituais de transição, como descritos por Victor Turner (1974), numa sucessão entre fases de separação, liminaridade e reagregação - experiências de subjetivação e reconstrução da teia social. O contar estórias, em Raposa, estabeleceu-se como instrumento de sociabilidade associada aos momentos noturnos e espontâneos de convívio e expressão artística, e aos momentos de trabalho e interação entre os grupos de pesca e de Av. dos Portugueses, S/N – Campus do Bacanga – São Luís – Maranhão – 65080-040 Bloco 03 - 2º Andar – Sala: Núcleo de Humanidades – Telefone (98) 3301-8337 www.nucleohumanidades.ufma.br; e-mail: [email protected] confecção de rendas de bilro, propiciando trocas simbólicas no âmbito das práticas, dos saberes e dos valores de uma economia moralii. Seguida de um extenso manguezal, sem terras agricultáveis, a paisagem da praia representou os primeiros limites em terra de Raposa, já que sua territorialidade marinha caracteriza-se como em Diegues (1999) a partir de revisão bibliográfica sobre estudos de povos do mar: O mar, espaço de vida dos pescadores marítimos, é marcado pela fluidez das águas e de seus recursos, pela instabilidade contínua provocada por fatores meteorológicos e oceanográficos, pela variação e migração das espécies, seus padrões de reprodução, migração, etc. A vida no mar é também marcada não só por contingências naturais, mas por temores e medos, acidentes e naufrágios, pela flutuação dos preços, pela extrema perecibilidade do pescado que, uma vez capturado, deve ser vendido rapidamente, o que obriga o pescador a acertos particulares de comercialização que, usualmente, lhe são desfavoráveis (DIEGUES, 1999, p. 16). É nesses contextos, marcados por fenômenos rítmicos e padrões complexos de orientação e classificação, que as representações simbólicas ganham forma promovendo a subjetivação das forças naturais na estruturação do tempo, do espaço e da experiência sensorial do saber e da técnica transmitidos pelo grupo. Equilibrando a organização da propriedade e da divisão das funções e recursos sobre a geografia do território marinho, comunal, estabelece-se pois uma economia moral, baseada em dimensões cosmológicas (DESCOLA, 2000), sincretizadas a partir das lógicas culturais das matrizes formadoras do povo brasileiro. Diegues (1996) analisa como as paisagens energeticamente importantes revestem-se, nas cosmovisões de povos e comunidades tradicionais, dos cuidados de entidades personificadas ou bioantropomórficas, representando forças arquetípicas que reposicionam o humano no equilíbrio do sagrado, do físico e do histórico, o que contribui para a conservação de lugares de grande beleza cênica e o manejo e renovação dos processos ecológicos. Av. dos Portugueses, S/N – Campus do Bacanga – São Luís – Maranhão – 65080-040 Bloco 03 - 2º Andar – Sala: Núcleo de Humanidades – Telefone (98) 3301-8337 www.nucleohumanidades.ufma.br; e-mail: [email protected] Para Madian Pereira (2007), no Maranhão tais lugares caracterizam-se como encantados, sendo suas entidades guardiãs celebradas nos cultos de religiosidade afrobrasileira, como alimentação dos vínculos identitários das comunidades locais. José Ribamar Reis (2006), escritor que relata estórias locais a partir de passeios de pesca, aponta o hibridismo cultural nas devoções de pescadores cearenses e maranhenses tanto a São José de Ribamar, padroeiro dos pescadores no catolicismo populariii, quanto a entidades da encantaria, como João de Una, dono das praias de Araçagi e de Carimã. Dessa forma os processos comunicativos dos pescadores estão permeados de uma constante organização da pluralidade simbólica nas representações sobre o universo da pesca, na forma de causos - histórias vividas, ou das estórias narradas, de modo que sua própria experiência está imbuída de um imaginário fantástico (PEREIRA, 2007), associado à viagem enquanto atividade produtiva cotidiana, e enquanto memória da migração a Raposa. Essas dimensões constituem o pano de fundo do imaginário de viagemiv associado à experiência turística em Raposa. Ao estudar o turismo na Ilha dos Lençóis, litoral ocidental do Maranhão, Pereira (2007) cita Van Gennep (1973) e Turner (1974) ao considerar um consenso antropológico a identificação do processo de viagem com a experiência da liminaridade, enquanto um estado de suspensão, de “liberação da estrutura social rotineira”. Em Raposa, na forma dos passeios de pesca, o turismo apresenta-se muito próximo do tempo e do modo de fazer da pesca cotidiana, caracterizando uma interação entre pescadores - exercendo seus próprios papéis, e turistas - buscando apreender a experiência dos pescadores, momentos propícios à reprodução das técnicas e do hábito narrativo tradicional. 3 ENTRE A PESCARIA E O ECOTURISMO: liminaridades contemporâneas Av. dos Portugueses, S/N – Campus do Bacanga – São Luís – Maranhão – 65080-040 Bloco 03 - 2º Andar – Sala: Núcleo de Humanidades – Telefone (98) 3301-8337 www.nucleohumanidades.ufma.br; e-mail: [email protected] A construção na década de 70 do primeiro cais e da avenida principal (MA 203), que ligou o então povoado de Raposa ao restante da ilha, favoreceu sua urbanização e estabeleceu uma nova configuração (SOARES, 2011). As casas instalaram-se ao longo da avenida, formando o atual Corredor das Rendeiras, e, como residências fixas, puderam ser construídas como casas assoalhadas (assim definidas pelos moradores), utilizando-se de tábuas, erguidas à moda de palafitas sobre o mangue, já que seus quintais recebem as marés enchentes. A partir da municipalização de Raposa, em 1994, a formalização do turismo é incentivada, com a constituição de empresas especializadas e a sistematização das rotas e dos rituais dos passeios de pesca em roteiros turísticos, os passeios de barco. Com a necessidade de se atender a uma demanda por passeios com o tempo de duração mais reduzido, os roteiros foram determinados em duas ou quatros horas, bem como um novo processo de especialização surgiu com a demanda pelos serviços turísticos formais. Dessa forma, percebe-se uma mudança cultural através da experiência turística, enquanto ampliaram-se a visibilidade, o fluxo e a possibilidade de geração de renda para novos sujeitos da comunidade, ainda que por meio de papéis periféricos. Em 2010, o número de empresas formalizadas era reduzido, e seus proprietários, em sua maioria, não residentes em Raposa. Estabeleceu-se uma separação entre as empresas formais, como promotoras oficiais dos passeios de barco, e entre os condutores habilitados para a realização da travessia e dos passeios de pesca, envolvidos com as origens do turismo na comunidade. Dessa maneira, a parte habitada de Raposa próxima ao cais, ao final da avenida principal, conhecida como bairro do Garrancho, foi reorganizada em função da expectativa de destinação da área para a atividade comercial vinculada ao turismo. Concentraram-se ao final da avenida as bancas e lojas de venda de pescados, distribuindo-se, para o lado direito da mesma, restaurantes, bares, pousadas e as zonas de desembarque pesqueiro e atracamento de barcos. Na forma de organização local, os Av. dos Portugueses, S/N – Campus do Bacanga – São Luís – Maranhão – 65080-040 Bloco 03 - 2º Andar – Sala: Núcleo de Humanidades – Telefone (98) 3301-8337 www.nucleohumanidades.ufma.br; e-mail: [email protected] barcos de alto-mar, que pescam com redes de emalhe, desembarcam diante do mercado de peixe, seguindo muitos deles para o atracamento no Porto do Braga, no canal do mangue. Os barcos que pescam no mar mais próximo, com apetrechos de linha, como os espinhéis, atracam e desembarcam numa região intermediária, em frente ao atual estacionamento e ponto final do ônibus. E os barcos de travessia localizam-se no limite direito do cais, já diante do manguezal, onde sua movimentação não interfere tanto no percurso dos barcos que saem para pescar no mar. É nessa redistribuição que é possível se evidenciar a crescente influência do turismo no modo de vida local. O turismo constituiu-se na região da travessia, que se configura como a de mais difícil acesso a partir da avenida principal. Por outro lado, os barcos das empresas ocuparam a parte central do cais, em frente ao estacionamento e ponto de ônibus, para onde convergem os visitantes, e onde também atracam os barcos de pesca com linha, pela proximidade do mercado de peixe. No entanto, com as atuais facilidades de crédito para aquisição de barcos, as fronteiras entre pesca e turismo tornam-se negociadas pelo otimismo local com o turismo como fonte principal ou complementar de renda para a comunidade. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS: identidade e fartura na re-significação do associativismo Atualmente, cerca de oito empresas formais concentram-se na região central do cais, que passou a ser referenciada como cais do turismo. Dessas empresas, metade delas constituiu-se a partir de 2010, pela compra de barcos tradicionais por pescadores locais que passaram a exercer integralmente a atividade turística. Baseadas no trabalho familiar, o pescador torna-se condutor do barco, a esposa ou os filhos tornam-se guias, e o aprendizado do receptivo e demais atividades estabelece-se de maneira horizontal entre as novas empresas familiares, como atualização das formas de associativismo local. A rede de comércio de pescados, rendas de bilro e restaurantes é revitalizada e um Av. dos Portugueses, S/N – Campus do Bacanga – São Luís – Maranhão – 65080-040 Bloco 03 - 2º Andar – Sala: Núcleo de Humanidades – Telefone (98) 3301-8337 www.nucleohumanidades.ufma.br; e-mail: [email protected] revezamento no receptivo fortalece o sentimento cooperativo entre as empresas, com base em trabalho realizado pelo SEBRAE. Na região da travessia, mais de 20 barcos vêm atuando nesta atividade, oferecendo também passeios de barco e de pesca. Apesar de não formalizados como empresas, os barcos estão habilitados na Capitania dos Portos para condução de passageiros, assegurados e equipados com coletes salva-vidas. Uma certa tensão ainda se configura na distribuição entre as empresas formais, as iniciativas informais dos condutores habilitados e uma terceira categoria, a dos pescadores que realizam a atividade turística de maneira mais ocasional e circunstancial, entre uma e outra atividade da pesca. Mas entre todas as categorias sociais de Raposa, cresce o interesse pela atividade turística, representada pela imagem da fartura que caracterizou a constituição inicial do município. Reorganiza-se, de maneira simultânea e complementar à pesca, uma forma de uso do território por meio de iniciativas principalmente endógenas, apropriando-se da redescoberta de Raposa por seus atributos naturais, ecológicos. Dessa forma, o território de pesca torna-se também território do turismo, o que aumenta o envolvimento local com a conservação e educação ambiental. Por outro lado, o artesanato em renda de bilro tradicional de Raposa vem sendo reconhecido por meio da inserção da Associação das Rendeiras Bilro de Ouro em projetos nacionais de fomento ao artesanato, como o Programa de Promoção do Artesanato de Tradição Cultural (PROMOART)v, conforme registro de Flávia Tavares (2011). A associação, nascida em 1988 e composta atualmente por 55 rendeiras tradicionais, mesmo reconhecendo os vínculos de origem que unem a renda raposense ao Ceará, está concebendo uma iconografia própria para a renda de bilro oriunda de Raposa. O objetivo da proposta diferencial é fortalecer o protagonismo das rendeiras diante das lojas de rendas locais, que estabelecem preços nem sempre justos pela facilidade de aquisição de peças artesanais a grosso diretamente do Ceará. Atualmente há um ponto de vendas na Casa de Nhozinho, da Superintendência de Cultura Popular no Centro Histórico em São Luís, que além de gerar renda Av. dos Portugueses, S/N – Campus do Bacanga – São Luís – Maranhão – 65080-040 Bloco 03 - 2º Andar – Sala: Núcleo de Humanidades – Telefone (98) 3301-8337 www.nucleohumanidades.ufma.br; e-mail: [email protected] direta para as rendeiras, sensibiliza e encaminha o fluxo turístico da capital para Raposa, conforme informação das associadas. Na paisagem do turismo, as iniciativas locais abrangem também uma reação aos problemas estruturais e aos impactos da visitação constante. No bairro do Garrancho, desestruturado enquanto zona de habitação em função da atividade turística, duas associações locais buscam reconstruir a sociabilidade nessa área a cada ano desgastada pelas marés grandes. As associações oferecem atividades de profissionalização e inclusão produtiva. Como o universo da pesca ainda é a maior fonte de renda da comunidade e opção de trabalho para os jovens homens, sendo nele iniciados desde pequenos, os cursos são frequentados principalmente por jovens mulheres e mães de família. Em uma delas, o trabalho é vinculado ao público especialmente vulnerável à situação de exploração infanto-juvenil, sendo realizada também a Terapia Comunitáriavi, proposta de revitalização de vínculos e sentimento de pertença. É ainda nesse cenário de trocas simbólicas intensas que se incluem o grande número de pesquisas realizadas por instituições de ensino, processos de consulta a licenciamentos ambientais e demais intervenções fomentadas pela gestão local, e que emerge o movimento dos pescadores pelo ordenamento pesqueiro e contra as intervenções desenvolvimentistas sobre as áreas de pesca artesanal (SANTOS; PEREIRA, 2011). Assim, através das observações aqui apresentadas, pretendemos dar prosseguimento à pesquisa, identificando como essas iniciativas, que atualizam as formas de organização próprias e reafirmam os sujeitos locais, reaproximam o turismo local da experiência comunitária e das referências vinculadas ao patrimônio cultural de Raposa. Av. dos Portugueses, S/N – Campus do Bacanga – São Luís – Maranhão – 65080-040 Bloco 03 - 2º Andar – Sala: Núcleo de Humanidades – Telefone (98) 3301-8337 www.nucleohumanidades.ufma.br; e-mail: [email protected] i Caracterizado por Diegues (1996) como os sistemas de conhecimento de comunidades com modos de vida em estreita relação produtiva com a natureza. ii Expressão cunhada por Thompson, citada por Silveira (2009) para as relações éticas reguladoras dos modos de vida e produção de comunidades pequenas e integradas. iii Para Silveira (2009), é o entrecruzamento de crenças de caráter transcedente e identitário ligado à resignificação do catolicismo pelas camadas subalternas da América Latina. iv Construção ideológica vinculada a lugares paradisíacos, recônditos da Terra, e à romantização de culturas “nativas”, segundo Laplantine (2000). v Programa desenvolvido pela Associação de Amigos do Museu de Folclore Edison Carneiro, como parte do Programa Mais Cultura, do Ministério da Cultura, sob gestão do CNFCP / Departamento de Patrimônio Imaterial / IPHAN em parceria local com a Casa de Nhozinho / Superint. de Cultura Popular / Sec. Est.de Cultura do Maranhão e o Instituto de Desenvolvimento do Artesanato Maranhense (IDAM). vi Rede voluntária de inclusão social desenvolvida em Quatro Varas, aglomerado urbano de Fortaleza, e difundida no Brasil e no mundo pela experiência do médico Adalberto Barreto. REFERÊNCIAS CHAVES, L. G. M. Trabalho e subsistência em Almofala. Rio de Janeiro: UFRJ/Museu Nacional, 1973. (Dissertação de Mestrado). DESCOLA, Phillipe. Ecologia e Cosmologia. In: Etnoconservação: Novos rumos para a proteção da natureza nos trópicos. HUCITEC/NUPAUB/ USP, 2000. DIEGUES, Antônio C. S. O mito moderno da natureza intocada. São Paulo: HUCITEC/NUPAUB/ USP,1996. _____________. A sócio-antropologia das comunidades de pescadores marítimos no Brasil. Etnográfica, v. 3 (2), p. 361-375, 1999. GALDEZ, Milena. Práticas culturais de migrantes nordestinos no Maranhão (19302010). In: Encontro Nacional de História Oral da UFPE. Testemunhos: História e Política, 10., 2010, Recife. LAPLANTINE, François. 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