O Pierrô e a Columbina Na primeira noite dos festejos de carnaval

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O Pierrô e a Columbina Na primeira noite dos festejos de carnaval
O Pierrô e a Columbina
Na primeira noite dos festejos de carnaval, em plena avenida no centro da cidade
outrora maravilhosa, hoje um reduto do crime organizado e da violência, um pierrô
se depara com uma colombina, os olhos dos dois se encontram durante um fugaz
momento, foi o suficiente para eles ficarem juntos, um acordo firmado de alma para
alma, sem necessidade de palavras. Não houve apresentações, eles começam a
dançar e cantar como se fossem conhecidos de longo tempo, sem tirar as máscaras
e mostrar os rostos, sem falarem seus nomes e sem nada conversar. Apenas o
prazer de dançar e cantar, eles se entregam à alegria dos festejos de rua, no ritmo
dos blocos que se sucedem, a desfilarem pela avenida. O pierrô e a colombina
dançam de maneira linda e suave, como se estivessem a flutuar na avenida, no
ritmo da música, iguais a bolinhas de sabão tangidas ao sabor da brisa da alegria
que inunda seus corpos e suas almas. De repente uma briga provoca um tumulto na
rua, correrias e gritos, uma confusão geral, a columbina é arrastada pela multidão
para um lado e o pierrô para o outro, não mais se encontram. Durante todo o
restante da noite o pierrô procura em vão a colombina, o sol já está alto quando,
triste e inconformado com o fato de ter perdido a sua colombina, ele volta para casa.
Nos outros dias de carnaval o pierrô procura a colombina. Ele encontra outras
colombinas, mas elas não cantam e dançam como aquela colombina do primeiro dia.
Após alguns momentos juntos elas não mais desejavam dançar, tiravam as
máscaras, abandonavam a dança, elas queriam namorar. Foram momentos
prazerosos para o pierrô, mas a lembrança da primeira colombina não lhe sai da
cabeça. O carnaval acaba e com ele a esperança do pierrô de encontrar aquela
colombina, triste e desanimado ele volta para casa, quem sabe se no próximo ano
ele voltará a encontrá-la.
Durante todo o ano as lembranças da colombina povoaram os pensamentos e os
sonhos do pierrô. Os contornos do corpo dela, vislumbrados debaixo da fantasia de
colombina, eram graciosos e sensuais, ele fica a imaginar como seria o seu rosto,
escondido pela máscara que ela usava. Ele indaga a si mesmo como poderia ficar a
sonhar com uma pessoa que não conhece, poderia cruzar com ela na rua sem saber
que era a colombina tão procurada. Por que razão as outras colombinas não lhe
causaram aquela sensação? E o pierrô chora a perda da colombina durante todo o
ano, mas cheio de esperança de encontrá-la no próximo carnaval.
Depois de um ano de espera, para o pierrô o tempo parece se arrastar a passo de
tartaruga, finalmente chega o carnaval. Na primeira noite ele veste a mesma
fantasia, usa a mesma máscara e vai para a avenida em busca daquela colombina.
Quando ele chega à avenida reconhece a reduzida possibilidade de encontrar a sua
colombina, milhares de pessoas brincam e passam em blocos, é como procurar uma
agulha em um palheiro. Mas ele não desiste, passa a noite a procurar a colombina.
As noites se sucedem e finalmente chega a quarta-feira de cinzas, era o fim do
carnaval e das esperanças do pierrô, ele agora está convencido de que não voltará a
dançar na vida com aquela colombina. Triste e desanimado ele senta no meio-fio e
chora a perda de um amor que nem sequer tinha começado, mas tinha deixado
marcas profundas na alma do pierrô, um sentimento de perda e uma sensação de
vazio.
O pierrô pergunta a si mesmo o que a colombina teria sentido nos breves momentos
em que brincaram juntos durante o carnaval. Teria ela sentido a magia do clima que
tinha se estabelecido entre eles após uma simples troca de olhar? Dançar com ela
foi como bailar nas nuvens, o roçar dos corpos quando dançavam produzia uma
troca de energia sensual que eletrizava o seu corpo e acendia o desejo de amá-la,
aqueles tinham sido momentos mágicos e inesquecíveis para ele. Teria a colombina
sentido a mesma coisa? Por que razão as mesmas sensações não tinham
acontecido com as outras colombinas?
O que teria ocorrido se eles tivessem continuado juntos, pergunta o pierrô a si
mesmo. Estaria a colombina sentindo neste momento a mesma coisa que ele?
Agora ele sabia a razão dos pierrôs chorarem pela perda do amor das colombinas.
Ele jamais imaginou que algo assim ocorresse com ele, sentir falta de uma pessoa
que não sabia o nome, não vira o rosto, não sabia seu endereço e nem seu telefone.
Mas a realidade é que sentia falta dela, da sua voz, do seu sorriso e dos seus olhos
castanhos, as únicas coisas que ele conseguiu perceber com os sentidos. As outras
coisas tinham sido apenas desenhadas pela imaginação, para averiguações a serem
realizadas posteriormente, mas que a brusca separação não permitiu a realização.
Um amor que nem sequer começou, mas deixou marcas profundas no pierrô. Ele
ficou triste durante muito tempo, jogou a fantasia fora, nunca mais se vestiu de
pierrô. Outros carnavais se sucedem sem que o ex-pierrô volte a encontrar aquela
colombina. O ex-pierrô, agora usando outras fantasias, dança com outras fantasias,
mas elas não têm aquele brilho nos olhos castanhos, a leveza de movimentos, o riso
franco e aberto, a voz clara e suave como um dia de primavera. Elas não têm o
mesmo prazer de dançar e a mesma alegria de viver.
Com o passar dos anos a colombina foi esquecida, depois de algum tempo vieram o
casamento e os filhos, ele nunca mais se fantasiou de pierrô e perdeu a alegria de
brincar o carnaval. Nos dias de festejos do Rei Momo ele ainda lembra aqueles
olhos castanhos e recorda o som daquela risada cristalina e gostosa da colombina,
mas tudo tinha ficado para trás, restaram apenas as recordações.
Marcos Antônio da Cunha Fernandes
João Pessoa, agosto de 2006.

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