PERSPECTIVAS INFANTIS ACERCA DO PRECONCEITO Ayla

Transcrição

PERSPECTIVAS INFANTIS ACERCA DO PRECONCEITO Ayla
125
Perspectivas acerca do preconceito
_________________________________________________________________________________________________________________
PERSPECTIVAS INFANTIS ACERCA DO PRECONCEITO
Ayla Rangel Dutra1
Catiane Monteiro Pacheco Souza2
Eliane Pereira da Silva 3
Adriane Pesovento4
RESUMO: A partir da inquietação através do contato com as variadas formas de injustiças
sociais causadas pelo preconceito fez-se a ideia de que o presente artigo fosse criado. A
metodologia de estudo se caracterizou a partir de pesquisas bibliográficas e entrevistas
semiestruturadas com seis crianças com idades entre sete e nove anos, todas residentes no
município de Rolim de Moura- RO, que trarão informações para a compreensão das possíveis
atitudes negativas por parte das crianças que sofrem ou sofreram esse tipo de preconceito, que
é em sua maioria causado por uma ideologia de superioridade por parte dos agressores. A
condição para viver em conjunto é o respeito mútuo e isso independe da classe social,
religião, sexo e cor da pele. O que se tem a fazer é pensar no cidadão com o intuito de
entender o sentido real da expressão “respeito mútuo” para que se cumpram as regras de
convivência básica.
PALAVRAS CHAVE: Preconceito. Crianças. Respeito. Convivência.
CHILDREN'S PERSPECTIVE ABOUT THE PREJUDICE
ABSTRACT: From the restlessness through contact with the various forms of social
injustices caused by prejudice became the idea that this Article was created. The study
methodology was characterized from bibliographical research and semi-structured interviews
with six children aged seven and nine, all residents in the municipality of Rolim Moura- RO,
which will provide information for understanding the possible negative attitudes by children
who suffer or have suffered this kind of prejudice, which is mostly caused by an ideology of
superiority by the offenders. The condition for living together is mutual respect and this is
independent of social class, religion, sex and skin color. What you have to do is thinking of
the citizen in order to understand the real meaning of "mutual respect" so that they comply
with the basic rules of coexistence.
KEYWORDS: Prejudice. Children. Respect. Coexistence.
1
Acadêmica da Universidade Federal de Rondônia (UNIR) campus Rolim de Moura, Curso de Pedagogia. Email: [email protected]
2
Acadêmica da Universidade Federal de Rondônia (UNIR) campus Rolim de Moura, Curso de Pedagogia. Email: [email protected]
3
Acadêmica da Universidade Federal de Rondônia (UNIR) campus Rolim de Moura, Curso de Pedagogia. Email: [email protected]
4
Professora Doutora em Educação no Campo
________________________________________________________________________
Rev. Saberes, Rolim de Moura, vol. 4, n. 1, jan./jun., p. 125-134, 2016. ISSN: 2358-0909
126
Perspectivas acerca do preconceito
__________________________________________________________________________________
INTRODUÇÃO
Enquanto a cor da pele for mais importante que o
brilho dos olhos, haverá guerra. Bob Marley
Uma série de encontros ordinários com a professora orientadora Dra. Adriane Pesovento
na disciplina de historia da educação fez com que ao se exortar sobre a escolha de um tema
relevante para pesquisa, fosse escolhido como assunto a ser abordado nas pesquisas realizadas
o estudo sobre a percepção das crianças em relação às diferenças da cor da pele. Em um
período de seis meses, foi realizada uma série de ações que foram se concretizando desde a
procura de aporte teórico para o entendimento acadêmico dos termos preconceito e
intolerância a partir de determinado grupo de autores, assim como a visão que os teóricos
estudados tinham a respeito da formação psicológica do ser humano, os comportamentos
pueris, e a influência que a sociedade apresenta no desenvolvimento da criança.
Também foi feita a partir das entrevistas uma análise do discurso dos colaboradores da
pesquisa: para se entender qual a percepção das crianças em relação ao preconceito, nada
melhor que usar os seus depoimentos para análise.
Como início das considerações do trabalho realizado e concretizado no presente artigo,
é interessante que se conceitue o termo preconceito, que se advém da manifestação de uma
opinião pré-concebida de alguém, ele se apresenta em forma de discriminação, e causa ao
individuo receptor dessa ação estando em sua idade pueril, uma serie de traumas que tendem a
refletir em sua vida adulta.
A inquietação em meio aos comportamentos tidos como “sem explicação” ou “normais”
e a necessidade de entendimento do que seria de fato a ideia de pessoa bonita e aceitável
foram outros motivos para os quais foi feito o trabalho, e por fim, a apresentação do mesmo
no presente artigo.
Se deve ressaltar que abordar tal tema principalmente com crianças é demasiadamente
periclitante, já que a influência dos pais na formação delas e o receio em relação às pessoas
consideradas estranhas no processo de pesquisa de campo são itens de clara preocupação
quando se pensa nos resultados a ser obtidos.
O estudo elaborado e realizado com o intuito de descobrir e compreender no que a
sociedade influi no comportamento e opinião das crianças, a priori, pretende trazer à tona uma
série de ideologias que estão implantadas na mente de cada cidadão desde as primeiras
_________________________________________________________________
Rev. Saberes, Rolim de Moura, vol. 4, n. 1, jan./jun., p. 125-134, 2016. ISSN: 2358-0909
127
Perspectivas acerca do preconceito
__________________________________________________________________________________
civilizações. A cor dos olhos que mais agrada, o corpo ideal, a cor da pele mais bonita e os
cabelos considerados mais aceitáveis (no caso do presente artigo) são exemplos dessa
exigência social.
1 PERSPECTIVAS INFANTIS ACERCA DO PRECONCEITO
A civilização humana, desde seus primórdios passou por uma série de mudanças tanto
no seu estado físico, quanto no seu comportamento e sua forma de pensar. Além das
alterações ideológicas, existiu também com o passar do tempo, as mutações na opinião das
pessoas em relação à beleza.
A ideia de rosto perfeito e corpo bem estruturado, por exemplo, sempre esteve na
constituição das sociedades, mas cada período da história apresentava como certo ou ideal
uma característica determinante: no período medieval a beleza era representada pelos corpos
fartos, diferente da sociedade contemporânea, que tem como exemplo de beleza, os corpos
torneados e magros.
Claro que em cada época estas características se mostravam essenciais para aceitação do
indivíduo. Estereótipos, independente de quais sejam, são responsáveis por causar, portanto,
exclusão entre as pessoas com a formação de classes fechadas que consistem em cidadãos
moldados e desprovidos de qualquer singularidade assim como argumenta Guattari apud
Filordi (2011, p. 30) “toda cristalização de competência como norma, como enquadramento
de performances concretas”.
Weber (1980), em sua teoria dos “tipos ideais” buscou idealizar características em uma
sociedade que poderiam levá-la a ser considerada como perfeita. Ao relacionar suas ideias
com os estereótipos atuais, é interessante usá-los como características necessárias para a
perfeição humana. Esses atributos estão relacionados à cor da pele, tipo de cabelo, peso,
altura, sexualidade, e tem como consequência a exclusão e segregação de pessoas que não se
encaixam nesses padrões. Esta ação não é nova, é algo que infelizmente se faz presente na
historia da humanidade.
Com a desagregação da ordem servil, que naturalmente aconteceu, como processo, à
abolição, foi se constituindo, pouco a pouco, o “problema negro”, e com ele
intensificando-se o preconceito com novo conteúdo. Nesse processo o “preconceito
de cor ou de raça” transparece nitidamente na qualidade de representação social que
toma arbitrariamente a cor ou outros atributos raciais distinguíveis, reais ou
imaginários como fonte para seleção de qualidades estereotipáveis (CARDOSO,
1962, p. 281).
_________________________________________________________________
Rev. Saberes, Rolim de Moura, vol. 4, n. 1, jan./jun., p. 125-134, 2016. ISSN: 2358-0909
128
Perspectivas acerca do preconceito
__________________________________________________________________________________
O momento histórico que a sociedade atual presencia tem como excluídas as pessoas
fora do padrão de beleza incumbido e apresentado pelas mídias, pontuando a forma racial que
se expõe, é interessante que se siga como exemplo de belo o cabelo liso e loiro, a pele clara,
os olhos azuis ou verdes. Essa “seleção” social causa nas crianças que não apresentam essas
características uma série de problemas em relação à sua estima, um sentimento de
inferioridade, uma falta de vontade de autoaceitação, e até mesmo uma sensação e um
sentimento de revolta.
O resultado [...] é que a experiência vivenciada, registrada com forte carga
emocional, afetará profundamente a memória, prejudicando a mente na construção
da sua história intrapsíquica, no desenvolvimento da sua inteligência, na sua
capacidade de autoexpressão e na sua atitude de primar por cidadania e qualidade de
vida em decorrência dos traumas sofridos (FANTE, 2011, p. 12).
O surgimento dessas ideias de perfeição e essa eventual exclusão fez com que surgisse
como ato presente na sociedade o preconceito, que é um “conceito ou opinião formados
antecipadamente, sem maior ponderação ou conhecimento dos fatos” (CUNHA, 2000, p.629),
desse modo, o que se apresentou de forma diferente do convencional e aceitável passou a se
mostrar desapropriado durante a classe homogênea da sociedade.
[...] imagens estereotipadas induz a criança negra a inibir suas potencialidades,
limitar suas aspirações profissionais e humanas e bloquear o pleno desenvolvimento
de sua identidade racial. Cristaliza-se uma imagem mental padronizada que diminui,
exclui, sub-representa e estigmatiza o povo negro, impedindo a valorização positiva
da diversidade étnico-racial bloqueando o surgimento de um espírito de respeito
mútuo entre negros e brancos e comprometendo a ideia de universalidade da
cidadania (ROCHA, 2011, p. 36).
A trajetória das pessoas de pele negra no Brasil se iniciou de forma cruel e devastadora,
deixando como herança uma ideia de “superioridade” nas pessoas com a cor da pele mais
clara. A marginalização do negro, a falta de oportunidades, a inferioridade posta, entre outras
coisas, faz com que as pessoas passem para seus filhos como atributo hereditário a ideia de
que o ser humano merece diferentes formas de tratamento por apresentar diferentes formas
físicas: “O individuo ‘aceitável’ é aquele que segue ou se enquadra no padrão social
dominante. Quem não se adapta a esse padrão vive ‘a margem da sociedade’, sendo culpado
por não possuir ou se aproximar desse ideal” (SAN’ANNA, 2005, p. 119).
Com a “conquista” obtida pelas pessoas negras no fim da escravidão no Brasil surgiu no
ideológico das pessoas uma pseudoigualdade entre as etnias brasileiras, que passada pela
mídia e pela classe dominante faz com que toda e qualquer melhoria buscada para negros seja
_________________________________________________________________
Rev. Saberes, Rolim de Moura, vol. 4, n. 1, jan./jun., p. 125-134, 2016. ISSN: 2358-0909
129
Perspectivas acerca do preconceito
__________________________________________________________________________________
sinônimo de privilégio. Desse modo se pode perceber que a escravidão mental, a desigualdade
gritante, o sentimento de superioridade de pessoas brancas se fazem presentes implicitamente
no cotidiano de cada cidadão.
O racismo brasileiro [...] na sua estratégia e nas suas táticas agem sem demonstrar a
sua rigidez, não aparece à luz, ambíguo, meloso, pegajoso, mas altamente eficiente
nos seus objetivos. [...] não podemos ter democracia racial em um país onde não se
tem plena e completa democracia social, política, econômica, social e cultural. Um
país que tem na sua estrutura social vestígios do sistema escravista, com
concentração fundiária e de rendas maiores do mundo [...], um país no qual a
concentração de rendas exclui total ou parcialmente 80% da sua população da
possibilidade de usufruir um padrão de vida decente; que tem trinta milhões de
menores abandonados, carentes ou criminalizados não pode ser uma democracia
racial (MOURA, 1994, p.160).
Em contrapartida, se pode notar na sociedade brasileira uma serie de características que
a transforma em um grupo social “diversificado”. As diferentes formas de pensar, cores de
pele, tipos de cabelos e etnias mostram que por maior que seja o quadro de discriminação, é
preciso que ao se deparar com a própria sociedade, possa se entender e respeitar as diferenças.
O problema disso tudo é que não se admite os maus feitos causados pela “seleção da beleza”
nas pessoas, principalmente nas crianças. A diversidade se torna assim em pura demagogia.
E a diversidade? Não vai mais além de uma constatação. Não capta o passo da
originalidade que pretende ser substancial e que se acredita essencial à diferença, por
meio das provas que esperam tudo aquilo que provém da natureza. A palavra
‘diversidade’ se acomoda a qualquer coisa [...] (LEFEBVRE, 1972, p. 75).
É interessante ressaltar que a pesquisa para a elaboração do presente trabalho foi feita
através de uma leitura feita a partir do quadro social das pesquisadoras, já que a ideia de
preconceito e discriminação como termos presentes na sociedade é um tanto que nova em
relação à civilização humana. O retrocesso apresentado, portanto, serve para que se entenda
que o julgamento de certo ou errado das ideias das crianças que serão pontuadas aqui é
totalmente desnecessário.
As pessoas não herdam, geneticamente, ideias de racismo, sentimento de
preconceito e modos de exercitar a discriminação, antes os desenvolvem com seus
pais, na família, no trabalho, no grupo religioso, na escola. Da mesma forma, podem
aprender a ser ou tornar- se preconceituoso e discriminadores em relação a povos e
nações (LOPES, 2005 apud ROSEMBERG, 1988).
Para entrosamento das mais variadas opiniões das crianças a respeito do tema estudado
foram elaboradas e apresentadas algumas entrevistas, que tiveram como alvo de analise o
entendimento de três crianças com a cor da pele branca e três negras. A escolha das crianças
_________________________________________________________________
Rev. Saberes, Rolim de Moura, vol. 4, n. 1, jan./jun., p. 125-134, 2016. ISSN: 2358-0909
130
Perspectivas acerca do preconceito
__________________________________________________________________________________
se deu pela ideia de democracia (voz aos dois grupos étnicos envolvidos), e pelo interesse em
comparar as ideias obtidas.
A partir dessa pesquisa de campo, foi notada uma série de pontos de discussão que são
importantes para se pensar; as perguntas sobre assuntos como diferenças, preconceito, e
intolerância mostrou no discurso de cada criança um conhecimento concreto sobre o
preconceito e suas consequências.
Eu falo assim: você não pode falar que o cabelo das pessoas de “Bombril” porque
depois você pode se arrepender. [...] Eu ia falar: você sabia que se a outra pessoa
chamar a policia você ia preso ia responder no crime um processo? Você sabia que
isso é crime? (GABRIEL, 2015)5.
Ouvir as crianças também fez com que fosse observado no discurso das mesmas um
“contato” constante com ações preconceituosas realizadas por outras pessoas tendo a mesma
idade e vivendo no mesmo grupo social. Pensar a partir disso faz entender que talvez as
atitudes prejudiciais fossem realizadas com algum propósito. Ao descartar a teoria de
ignorância por parte das crianças, houve a necessidade de saber qual o motivo de haver
atitudes de preconceito e intolerância com pessoas de pele e traços negros.
[...] Tem uns que chamam de ‘bruxa’ que fica falando que o cabelo de outro é feio e
diz palavrão muito feio ‘vai tomar no...’ outros ficam chamando de filho da ‘puta’. E
o cabelo ‘fuazento’, tem ‘descabelada’, mais coisa, só que eu não lembro mais
(MANUELA, 2015)6.
A partir de uma análise, se entendeu, portanto, que o “erro” cometido por elas é nada
mais do que a reprodução do que elas vivenciam: ao relacionar com pessoas adultas, tendem a
agir como tais. “O homem, que, nesta terra miserável, mora, entre feras, sente inevitável
necessidade de também ser fera” (ANJOS, 1965, p. 146).
Com a pesquisa e a realização da mesma, foi necessário que se fizesse um estudo mais
aprofundado sobre os problemas que o preconceito e a discriminação causam nas pessoas que
os sofrem. O que pode ser pontuado como consequência, portanto, é a série de sentimentos de
depressão, submissão, entre outros.
Não se pode negar, também, que as ações ocorridas no Normalmente, essas crianças
[...] ‘estampam’ facilmente as suas inseguranças na forma de extrema sensibilidade,
passividade, submissão, falta de coordenação motora, baixa autoestima, ansiedade
excessiva, dificuldades de se expressar [...] (SILVA, 2010. p. 38).
5
6
Entrevista concedida no dia 19 de agosto de 2015 às 10h35min com a autorização dos responsáveis.
Entrevista concedida no dia 19 de agosto de 2015 às 15h55min com a autorização dos responsáveis.
_________________________________________________________________
Rev. Saberes, Rolim de Moura, vol. 4, n. 1, jan./jun., p. 125-134, 2016. ISSN: 2358-0909
131
Perspectivas acerca do preconceito
__________________________________________________________________________________
Não se pode negar, também, que as ações ocorridas no período pueril do ser humano
são determinantes para a construção de sua personalidade. Ninguém nasce pronto, todos estão
sujeitos a mudanças até que se crie o “seu eu”. Esta fase de criação de caráter é deveras
importante, e deve ser tratada com zelo por quem se intitula como responsável por cada
criança para que não haja no psicológico e formação da mesma algum trauma causado por
atitudes negativas.
Qualificar toda condição humana em suas potencialidades requer uma alteração
profunda no nosso modo de conceber as nossas formas de nos relacionar uns com os
outros, com o mundo e com os direitos humanos. Quer dizer, não basta apenas
aceitar o outro como ele é; precisamos creditar ao outro, em sua singularidade, toda
transigência de ações que efetivem as condições suficientes para ele se afirmar como
é. Enquanto a aceitação pode ser meramente moral ou intelectual, a transigência de
ações tem de ser, forçosamente, ativa, pragmática, materializada (CARVALHO,
2014. V. 1. p.1-15).
Afirmar que tal problema vai ser solucionado de forma imediata é uma utopia, deve se
entender que o processo de clarificação ocorre de forma paulatina e que se deve pensar, por
hora, em movimentos, projetos, e ações que realizem em cada criança negra o
empoderamento de suas raízes, a transformação de toda negatividade imposta em positividade
e força. Estas são bandeiras que devem ser hasteadas e defendidas não somente por pessoas
negras, mas por todos aqueles que acreditam na consolidação, mesmo que a posteriori de uma
sociedade menos excludente.
2 POR QUE O PRECONCEITO AINDA ESTÁ PRESENTE NAS ESCOLAS?
Pensar em algum lugar que o preconceito possa ser reproduzido com mais força, talvez
pelo número de pessoas envolvidas, cada uma com sua singularidade, traz a imagem do
âmbito educacional oficial a mente de qualquer pesquisador: ora, o primeiro contato com um
número significativo de etnias, formas, cores, religiões entre outras coisas acontece com mais
frequência neste espaço.
É evidente que limitar a ideia a somente este estabelecimento não se pode constituir
numa concepção aceitável, mas ver como fato a existência frequente de tal ato nele mostra
que se pode ser interessante pensar no que acontece na realidade para que isso aconteça.
Talvez seja a falta do pensamento nas diferenças como algo natural em uma sociedade,
segundo (CARVALHO, 2014. V. 1. P. 1-15) “Afirmar que todos somos iguais é poder
_________________________________________________________________
Rev. Saberes, Rolim de Moura, vol. 4, n. 1, jan./jun., p. 125-134, 2016. ISSN: 2358-0909
132
Perspectivas acerca do preconceito
__________________________________________________________________________________
afirmar que todos somos diferentes. Pois o que nos iguala, digamos em termos ontológicos, é
justamente o fato de que todos somos diferentes”.
O preconceito estando na escola mostra como possível causa exatamente o tratamento
com o termo “diferença” em que a sociedade nos implica. A ideia de deficiente, doente, e até
ruim no diferente faz com que haja tratamentos para uns e outros, trazendo exclusão,
separação e descrédito.
Deleuze (2003) traz como crítica a essa ação o que realmente se deve fazer em relação
a esse fato, ele questiona: “O que nos fundamenta como iguais? Não são os nossos traços
iguais: são as nossas diferenças, a condição do ser da condição humana é a diferença. O que
precisamos fazer é ‘arrancar a diferença de seu estado de maldição”.
Partindo desse pressuposto se pode afirmar que a prática do preconceito embora tenha
sua raiz fundamentada antes do espaço escolar, se manifesta com mais força no mesmo.
Mudar isso, embora pareça utopia está mais próximo do que se parece, o fato de se formar
como educador faz com que tenhamos a chance de provocar em cada educando a criticidade,
o desejo de mudança, para que enfim, este ato preconceituoso seja erradicado.
3 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Com o levantamento, leitura, e analise das informações, portanto, se pôde observar que
o ato preconceituoso de discriminação está impregnado na sociedade, que é notável a
dificuldade de melhoria nessa questão, a falta de filtro das pessoas, e a falta de empatia por
parte das mesmas.
É interessante também considerar que como ser presente e ativo na sociedade, é normal
que a criança reproduza este ato. Toda via, vale ressaltar que por mais que a criança reproduza
tais atos mesmo sabendo das consequências deles, ela não nasce preconceituosa, mas forma
em seu caráter uma série de características impostas pelos adultos que as transformam em
pessoas tolerantes ou não.
Isso aumenta mais a indignação constada nos motivos iniciais para a elaboração da
presente pesquisa: o que se desconfiava se confirmou e depois que se pode perceber a
legitimação do aumento estridente dessas ações mesmo com tanta manifestação de luta que
geralmente acontece por determinado tempo com objetivo apenas de cumprimento de tabela.
_________________________________________________________________
Rev. Saberes, Rolim de Moura, vol. 4, n. 1, jan./jun., p. 125-134, 2016. ISSN: 2358-0909
133
Perspectivas acerca do preconceito
__________________________________________________________________________________
Uma sociedade repleta de adultos hipócritas e medíocres que dizem algo agindo de
forma contrária resulta em crianças reprodutoras do mesmo. E isto não começa simplesmente
assim: pensar que os adultos contemporâneos são crianças de outro tempo mostra que a
reprodução do preconceito é um ciclo vicioso que necessita urgentemente ser quebrado.
O que se procede desta reprodução é a existência impreterível de crianças que, mesmo
estando na idade contemporânea, “convivendo” com as mais variadas diferenças, se sentem
superiores ou melhores por apresentar características europeias, como se sua beleza existisse
em função dessa relação. Se encontra, assim, a legitimação do preconceito, o endeusamento
do liso, a nova escravização, que além de ter ocorrido de forma descarada, acontece todos os
dias através dos comentários disfarçados como simples opiniões.
Você gosta dos seus cabelos? Por quê?
Sim, porque ele é lisinho.
Seus colegas comentam sobre a sua cor de pele ou cabelo?
Sim, porque o meu cabelo é muito liso e é muito bonito (MARÍLIA, 2015) 7.
Também foi apreendido que essa situação pode ser mudada com o uso do bom senso, do
ensinamento provido de carinho para as crianças, da consciência de igualdade e direitos
iguais, do valor que cada um apresenta em sua essência. Essas ações podem, de fato,
transformar uma “tradição” de segregação e injustiça social em uma realidade melhor para
todos e todas. “Por isso ninguém pode ser considerado melhor que o outro. Antes de apontar
ou mesmo rejeitar algum aspecto fora do padrão de uma pessoa, temos que lembrar que, em
termos cerebrais, cada um de nós possui ‘fraquezas’ relativas” (SILVA, 2010, p.74)
É plausível notar como sentido de “justiça” as singularidades de cada ser humano. As
facilidades e dificuldades para determinado assunto faz com que as pessoas percebam que o
ser perfeito, superior, e exemplar não existe. Todos, sendo diferentes de formas parecidas
constituem uma sociedade diversificada nos mais variados sentidos.
Por hora, cabe à sociedade debater e ensinar que a perpetuação desse tipo de
preconceito não pode ser feita, e esclarecer os danos e consequências que o ato e a
disseminação do ódio causam na vida das pessoas. Vale salientar também que se deve dar
importância a esse tema, divulgar nas escolas e comunidades que as “minorias” que sofrem a
cada dia, muitas vezes sem direito de fala sem ser taxadas de sentimentais, merecem ter suas
dores compreendidas e suas vozes ouvidas.
7
Entrevista concedida no dia 20 de agosto de 2015 às 18h00min com a autorização dos responsáveis
_________________________________________________________________
Rev. Saberes, Rolim de Moura, vol. 4, n. 1, jan./jun., p. 125-134, 2016. ISSN: 2358-0909
134
Perspectivas acerca do preconceito
__________________________________________________________________________________
É interessante ressaltar que o ensino e o debate sobre o assunto trará na vida da criança
envolvida, ora sendo parte do “grupo opressor” ou oprimido pelo longo dos séculos, a ideia de
empoderamento, beleza, alternatividade, força, resistência e autoestima. Os resultados
almejados e pensados para esta “conversa” entre não apenas adultos e crianças, mas seres
humanos se constituem na ideia de que o ser diferente apresenta qualidades que necessitam
apenas do olhar apurado do orgulho e da sensibilidade, como nos relatou Maria 8: “Gosto,
porque são grandes e cacheados” (MARIA, 2015).
Se deve também trabalhar com responsáveis e adultos além das crianças. Ora, se o
preconceito e a discriminação são atos reproduzidos por aprendizado, é interessante que se
mostre aos educadores (pais ou responsáveis) de futuros adultos que valores de igualdade e
respeito são sempre bem vindos para a formação de pessoas melhores que aceitam e entendam
as diferenças dos outros, que vistas por outros ângulos, nem são tão gritantes quanto
“parecem”.
REFERÊNCIAS
ANJOS, A. Eu e outros poemas. 30. ed. Rio de Janeiro: Livraria São José, 1965.
CARDOSO, F. H. Capitalismo escravidão no Brasil meridional. São Paulo: Difusão
Europeia do Livro, 1962.
CUNHA, A. G. Dicionário etimológico Nova Fronteira da língua portuguesa. 2ed. 13imp.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000.
FANTE, C. Fenômeno Bullying: Como prevenir a violência nas escolas e educar para a paz.
Campinas, SP: Verus, 2011.
CARVALHO, A. F. Governo da infância e ontologia política do devir deficiente:
implicações para a educação. In: VII Colóquio Internacional de Filosofia da Educação,
2014, Rio de Janeiro. O que pode a escola hoje em nossa América?. Rio de Janeiro:
Universidade Estadual do Rio de Janeiro, 2014. V. 1. P. 1-15.
LEFEBVRE, H. Manifesto diferencialista. México (DF): Siglo XXI, 1972.
LOPES, V. N. Racismo, Preconceito e Discriminação. In: MUNANGA, Kabengele (org.).
Superando o racismo na escola. 2. Brasília-DF. Ministério da educação, Secretaria de
Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2005.
MOURA, G. Ilhas negras num mar mestiço. In: Carta falas, reflexões, memórias.
8
Entrevista concedida no dia 20 de agosto de 2015 às 15h02min com a autorização dos responsáveis.
_________________________________________________________________
Rev. Saberes, Rolim de Moura, vol. 4, n. 1, jan./jun., p. 125-134, 2016. ISSN: 2358-0909
135
Perspectivas acerca do preconceito
__________________________________________________________________________________
RIBEIRO, Darcy. Brasília 4, n.13, 1994.
ROCHA, L. C. P. Política educacional e a Lei 10.639/03: uma reflexão sobre a necessidade
de superação de mecanismo ideológico legitimadores do quando de desigualdades raciais e
sociais na sociedade brasileira. In: COSTA, H.: Silva, Paulo.
SANT’ANNA, D. B. É possível realizar uma história do corpo? In: Bueno Lúcia; Ana
Lúcia (org). Corpo Território da Cultura. São Paulo: Annablume, 2005.
BATISTA, V. (Org.) Notas de história e cultura afro-brasileira. Ponta Grossa: UEPG,
2011.
WEBER, M. Coleção Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1980.
Recebido em: 21/05/2016
Aceito em: 01/07/2016
_________________________________________________________________
Rev. Saberes, Rolim de Moura, vol. 4, n. 1, jan./jun., p. 125-134, 2016. ISSN: 2358-0909

Documentos relacionados