A importÂnciA dA lEiturA: Em pApEl, Em ECRAN?

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A importÂnciA dA lEiturA: Em pApEl, Em ECRAN?
Ideias À Solta
random thoughts
Ideias À Solta
random thoughts
A IMPORTÂNCIA DA LEITURA:
EM PAPEL, EM ECRAN?
A geração de passagem
- os “milenaristas”
Luís Sá Cunha
Para além das vantagens práticas,
à disposição e experimentação
de gente de todas as idades,
sem dúvida que o mundo digital
é um fenómeno geracional,
radicalmente inerente às novas
gerações. Mas, em dez anos,
bastantes coisas evoluíram.
A proliferação de novidades
tecnológicas com crescentes
possibilidades e modalidades
de apreensão de informação
e conhecimentos tem introduzido
uma revolução nos hábitos e
preferências da leitura, com especial
incidência nos sectores estudantis,
pressionados às permanentes
colheitas de informação.
Nos EUA, um estudo-sondagem
foi realizado para avaliar
o comportamento da primeira
geração do milénio, jovens
nascidos nos anos 80-90,
os primeiros que nasceram
e conviveram com as novas
tecnologias, apelidados de
O universo digital entrou
a destronar avassaladoramente
o universo Guttenberg abrindo
uma nova era para a civilização.
Mas as complexidades inerentes
às inovações, como sempre, foram
também durante a última década
suscitando as mais diversas
interrogações, questionamentos,
dúvidas, debates, sobretudo
nos meios de pedagogos
e técnicos de educação.
“milennials”
ou “geração
Y”.
58%
814 milhões de horas
de internet em 2013, um crescimento de 20%, face a 2012.
do total. Refira-se que foram, ainda, utilizados
smartphones
e tablets?
Parece que não: os
“milennials”,
geração de transição
entre os tempos do
velho livro e dos manuais
impressos e o novo
mundo digital, tinham
ainda ficado em parte
fiéis à galáxia
Guttenberg.
As potencialidades das inovações
tecnológicas que repercuções
têm na leitura? Tornam a leitura
mais acessível e atractiva? Como
tal dispensam a leitura de textos
impressos em papel? O fascínio
dos ecrans, com tantas
potencialidades lúdicas, é nefasto
à concentração dos estudantes
nas nucleares matérias curriculares?
Ler, é importante?
Os serviços de internet de banda larga da rede fixa representaram
tablets
Quando a procura das
dispara e o mercado
dos manuais escolares
emigra para o digital,
a Universidade de Nova Iorque
foi indagar da prática
e da atitude dos estudantes
ante a nova realidade. Seria que
os estudantes tinham abandonado
o velho livro impresso em
papel para estudarem nos
58% of the total.
814 million hours in 2013,
Fixed broadband internet subscribers accounted for
Duration of internet usage reached
up by
20% year-on-year.
Fonte: Direcção dos Serviços de Estatística e Censos, Governo da RAEM
Source: Statistics and Census Service, Macao SAR Government
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O estudo “Student Reading
Practices in Print and Electronic
Media” destinado a verificar os
hábitos de leitura de uma amostra
de estudantes da Universidade de
Nova Iorque menores de 25 anos,
concluiu que os estudantes usavam
em massa os computadores,
tabletes e smartphones para as
leituras não académicas. Mas, logo
que tinham que trabalhar numa
tese ou trabalho de várias dezenas
de páginas, preferiam em geral os
textos impressos. A responsável da
sondagem-estudo, Nancy Foasberg,
assim o resumiu: “Eles indicaram
que utilizavam os computadores
e as tabletes para os trabalhos
menos importantes, mas logo
que os trabalhos adquiriam maior
envergadura eles imprimiam os
textos”. Alguns, mesmo, confessaram
uma aversão pelos manuais escolares
digitais, pelas razões de que
as inúmeras ligações eram factores
nefastos de distracção e que não
podiam tomar notas à margem.
O estudo revelou ainda que a maior
parte dos inquiridos se considerava
ainda pertencer à geração
precedente. “No liceu toda a gente
utilizava ainda os manuais escolares
tradicionais. Só quando entrámos
na Universidade é que as práticas
começaram a mudar”, disse uma
aluna de 21 anos. A responsável do
estudo afirma que são as gerações
seguintes as que se sentirão
Website
Mas as preferências divergem,
segundo as acções e ocasiões;
uns dizem que ler em tablete
num dia de Verão é impraticável,
só se se estiver na praia
a tomar banho à meia-noite (!);
outros chamam a atenção de que
se podem ter mil livros na mão dentro
de uma tablete, que se podem ler
na semi-obscuridade; outros ainda
opinam que um livro é um património,
que num livro se lê e na tablete
se brinca.
São vulgares nos dias que correm
as notícias, na imprensa europeia,
de programas fáceis para fazer sites
individuais, como vimos este mês
em jornais de França e de Portugal.
A verdade só começa a surgir quando
se abandonam lógicas de alternativas
exclusivistas e se olha a funções
complementares...
à vontade com as bases digitais,
porque começaram a ser educadas
com aprendizagem electrónica
e exercícios em rede. Segundo um
estudo do Pew Research Center
de Julho, os docentes indicam
que as novas tecnologias estão
crescentemente presentes
e a ser utilizadas nos liceus e que
mais de 40% dos alunos tinham
já contribuído para a criação
de um
.
random thoughts
“Eles indicaram
que utilizavam
os computadores
e as tabletes para
os trabalhos menos
importantes,
mas logo que
os trabalhos
adquiriam maior
envergadura
eles imprimiam
os textos”.
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Como vamos de leitura, no mundo?
Sucedem-se os estudos-sondagens
sobre as práticas de leitura,
consideradas fundamentais para
a aprendizagem e o rendimento
dos alunos em todo o mundo.
Num estudo realizado para
a OCDE, sobre o prazer da leitura
em geral em vários países
do mundo, apurou-se que 72%
dos inquiridos liam diariamente
com prazer (jovens de meios
sócio-económicos mais favorecidos)
contra 56% (meios sócio-económicos
mais desfavorecidos). O estudo
indicava ainda que os alunos lêem
cada vez menos por prazer. Em
média, nos países desenvolvidos
e ricos do norte europeu (OCDE)
em 2009, 37% afirmavam não ler
por prazer. Na Áustria e Lichtenstein,
mais de 50 % também declararam
não ler por prazer. Em contraste,
em muitos outros países (Albânia,
Kazakhistão, Tailândia, China) mais
de 90% liam por prazer. O estudo,
que foi realizado comparando
estatísticas de resultados entre os
anos de 2000 e 2009, (onde acusou
baixas assinaláveis de prazer
da leitura de 2000 para 2009, tendo
em conta que considerava sobretudo
a leitura em papel), apresentou
um resultado surpreendente no caso
do Japão: manifestavam gosto na
leitura 70% em 2000 e 61% em 2009,
com assinalável manutenção da
prática da leitura em papel, notável
num dos países mais avançados
tecnologicamente.
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Os técnicos de educação
mostraram--se apreensivos com
os dados recolhidos, uma vez que,
embora se subentendesse ali uma
fuga para leituras digitalizadas,
o mais importante era o facto
de a noção de prazer na leitura
andar associada aos melhores
resultados dos alunos nas escolas.
Mas por que é que a Bulgária
ou o Kazakhistão, países menos
avançados economicamente do que
a França, a Grã-Bretanha
ou os EUA, os ultrapassavam
no aspecto do “prazer da leitura”?
É uma consequência do estímulo
da curiosidade e do desejo
de saber, e do êxito nos estudos
e na vida em sociedade.
“Os docentes encaminham
muitas vezes os alunos à Biblioteca,
inculcam-lhes hábitos de leitura,
mas têm sobretudo objectivos mais
escolares, mais técnicos. O prazer
de ler depende também do país.”
“Os jovens lêem mas não como
dantes”, escreveu o sociólogo
Bernard Lahine num artigo publicado
pelo conceituado CNRS de França
(Centro Nacional para a Investigação
Científica); a “leitura escolar variou
a sua definição ao longo da História.
Hoje já não basta aprender apenas
a interpretar um texto. É preciso
compreender bem o que se lê, o que
significa, saber responder, sobretudo
por escrito, a todos os tipos
de perguntas sobre os textos lidos”.
“Não há dúvida de que, no futuro, as
novas formas de escrita sobre ecran
produzirão novas formas de leitura
e novas definições de “bem ler”
ou de habilitação para a leitura”.
É uma questão económica, opinam
os técnicos da OCDE, porque neste
países, muito menos desenvolvidos,
o livro é um objecto ainda por
vezes difícil de se obter, sendo ali a
procura pela leitura mais intensa.
O mais importante é a motivação
a criar nos alunos jovens pela
leitura, que para muitos pode ser
uma acção abstracta e repetitiva,
“uma ferramenta puramente escolar
e desagradável”, sentida como mais
uma sobrecarga dispensável.
Mas não deve ser assim. Para
Bruno Germain do Observatório
Nacional de Leitura de França,
“o prazer não se decreta,
tem que vir com a fluidez;
não se ganha gosto de ler
se não quando se torna mais
fácil a leitura”, quando não há
“mais esforços” a fazer.
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Os dados obtidos no estudo
da OCDE, que não considerava
especificamente leituras através da
internete e outros meios digitais,
mostrou um claro aumento das
leituras efectuadas através destes
meios entre 2000 e 2009. Lê-se, mas
não como dantes. Talvez se leia mais,
por disponibilização e facilidade de
acesso a tantos meios electrónicos,
cada vez mais manuseáveis. Mas
a questão fulcral é saber o que é
que se lê, e saber que ler é pensar
o que está escrito, e que para isso
é preciso ler bons textos, em geral
textos de autoridade, ou seja, que
têm qualidade de autor.
A senhora Sophie Vajsettes, da
Direcção de Educação da OCDE,
comentou assim os resultados da
sondagem: “A queda da leitura não
é uma questão de pedagogia uma
vez que se assiste a um fenómeno
mundial. Uma das explicações
avançadas é que a leitura sofre forte
concorrência. Os jovens passam
cada vez mais tempo nas redes
sociais, nos jogos vídeo etc..
“Não há dúvida de que, no futuro,
as novas formas de escrita
sobre ecran produzirão novas formas
de leitura e novas definições
de “bem ler” ou de habilitação
para a leitura”.
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A oferta de passatempos aumenta
crescentemente; o livro não é já o
primeiro vector cultural. Não é senão
um meio entre outros.”
Mas a leitura é importante, mesmo
fulcral. O empenho na leitura explica
18% de variação dos resultados
escolares nas sondagens deste
estudo. Comparando as diferenças
entre o quadro dos alunos que
apreciam ler e o dos que não
apreciam, contabiliza-se uma
diferença de três anos escolares!
O facto de gostar de ler e o facto
de obter boas classificações estão
interligados. A leitura continua
fundamental para triunfar, ela é
em todos os sentidos necessária.
Segundo o estudo, os melhores
resultados são obtidos pelos bons
leitores de ficção, diz Sophie
Vajsettes.
Segundo ela, os alunos que obtêm
melhores sucessos são aqueles
que utilizam diferentes tipos
de leituras (BD, romances, jornais
etc.); aqueles que focalizam
a leitura num só género não têm
tanto sucesso. A terminar,
conclui-se ali que não é
de espantar a quebra na leitura
em termos clássicos: os jovens
não lêem forçosamente menos,
lêem é diferentemente. Lêem talvez
menos os grandes autores, mas
mais notícias de jornais e textos de
revistas. Lêem em ecran, mas esta
leitura digital é diferente.
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Ler, sempre
Num estudo realizado pela Education
Nationale francesa, para avaliar
as repercussões que os aparelhos
das novas tecnologias têm sobre
os estudos e seus resultados
nos comportamentos dos alunos
no que se refere às distracções
e perdas de tempos em actividades
puramente lúdicas, chegou-se a uma
conclusão de que estas não têem
incidências especiais sobre
os desempenhos escolares.
Computadores, telefones
portáteis, internete, televisão,
ocupam lugar de leão nos tempos
dos alunos/jovens de hoje.
A dispersão em ludismos tem sido
uma preocupação de pedagogos,
mas sobretudo dos pais. Este
sentimento é compartilhado
pela Direcção de Avaliação e do
Desempenho Escolares do Ministério
da Educação Nacional de França.
Neste estudo (2011) feito
em consultas a 23000 jovens,
comprova-se que os jovens são
adeptos das
sendo cerca de 79% a escutar
A primeira verificação é que,
a televisão é o inimigo mais
penalizador para os estudantes.
E não se distinguem programas.
A telerealidade é toda prejudicial.
“O visionamento muito frequente
de programas de televisão
(e igualmente das séries românticas)
faz perder aos jovens espectadores
alguns pontos consideráveis
nas avaliações”, verificaram
os avaliadores.
Traduzido e quantificado isto
em nota da escala tradicional (0 a 20)
“um aluno médio estagnaria
a 8,5/20” estimou Alain Lieury,
professor emérito da Universidade
de Rennes. As raparigas (83%)
são mais adictas do que os rapazes
(65%) na frequência e visionamento
destas emissões televisivas.
A “idade romântica explica este
fenómeno de fascínio das jovens
nas histórias de coração”.
novas tecnologias,
diariamente música,
a comunicar com os amigos nas
redes sociais
e pelos telemóveis, que começam
a usar frequentemente a partir
dos 14 anos e meio. Mas o uso
quotidiano e muito frequente
dos telemóveis (78%
dos jovens) e das redes
sociais (73%), não teria,
segundo este estudo, senão
uma incidência mínima sobre o
trabalho das escolas, tal como os
Jogos de vídeo.
Alguns estudos americanos
que vinham falando de um possível
impacto positivo dos jogos vídeo
no desenvolvimento cognitivo
dos jovens foi denunciado num
comentário do Sr. Lieury como
“argumento de marketing”. Em
França, pelo menos e neste estudo,
o impacto dos jogos vídeo sobre
o trabalho escolar dos jovens
revela-se neutro. Assiste-se
simplesmente a uma ligeira melhoria
nos testes de raciocínio, mas não
tem efeitos visíveis sobre a rapidez
e sobre a memória dos jovens.
Podem considerar-se uma forma
de relaxamento... mas dentro
de doses razoáveis.
Outra verificação importante é que
a leitura é sempre também benéfica
para a aprendizagem. E isto
aplica-se tanto à ficção como
à leitura de revistas e de jornais,
segundo os investigadores.
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É assim que um aluno médio
que leia muito situe a sua nota
no 14/20. O efeito benéfico
é devido a um enriquecimento
de vocabulário e da sintaxe
que ajuda os jovens a progredir
nos seus testes de compreensão.
Mas a leitura não melhora
o raciocínio: “Ler Sherlock Holmes
não substitui os cursos
de matemática ou de física”.
Verificou-se também que os
passatempos digitais suplantaram
a leitura em papel, que surge
já muito distante nas ocupações
quotidianas dos jovens.
todos os dias no mundo em explosão
triunfante rumo ao futuro.
Em meio das incógnitas, uma
coisa é certa: ler, ler bem,
é fundamental ao curso
individual e ao destino
da humanidade.
•
É cedo ainda para tirar conclusões
mais sólidas sobre os efeitos
que as novas tecnologias virão
a ter, mais do que sobre estatísticas
de sucessos escolares,
no espírito das novas gerações.
A era Guttenberg está no derradeiro
estertor e uma nova era se implanta
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