Carta de Conjuntura – Julho/2013
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Carta de Conjuntura – Julho/2013
- Uma economia que continua patinando - Juros mais altos e medo da inflação persiste - 19 anos do Plano Real - Revisitando as manifestações de junho - Crise do Egito – Queda de Morsi Pra começo de conversa Algumas evidências da economia brasileira confirmam que a inflação tende a continuar acima do centro da meta em 2013 e que o Banco Central manterá a política de aperto para frear a elevação dos preços. E, para bom entendedor, manter a política de apertos significa mais aumentos na taxa básica de juros, a SELIC, que hoje é 8,5% ao ano. O que chama a atenção é que a presidenta Dilma em seus pronunciamentos tem insistido na idéia de que a inflação brasileira não é um problema presente na realidade nacional, trata-se de um fenômeno “de caráter cíclico e sazonal”. De qualquer modo a presidenta deveria ter combinado os seus discursos recentes ao menos com as anotações da última ata do COPOM. Aliás, essa ata indica que o setor público vive um momento expansionista, o que certamente não combina com as recentes afirmações do ministro Guido Mantega de que cortes deverão ser feitos na estrutura orçamentária. Diante dessas controvérsias, complica-se a missão do Banco Central, especialmente de seu presidente Alexandre Tombini que mais uma vez tem insistido na ideia que “é preciso restaurar a confiança na economia”. E quando questionado sobre as possibilidades do governo cumprir as anunciadas promessas de ajustes nas contas públicas, o presidente do BC disse que “essa decisão não passa por ele”, ao mesmo tempo em que considera que na atualidade não se pode deixar dúvidas. Ou seja, o governo precisa afinar o seu discurso para que possa de alguma maneira reconquistar a confiança e refazer o caminho na economia e na política. E garantir a confiança dos agentes nesse contexto certamente não é uma tarefa das mais fáceis. A confiança é essencial para que a relação entre economia e as decisões do governo guarde conseqüências positivas. É por isso que mais uma vez reitero a ideia de que a economia não é uma ciência exata. Não há, portanto, questões automáticas na economia, essa ciência social examinada por diferentes pontos de vista sempre precisa ser vista em função de suas tendências e possibilidades. Veja o que acontece nos Estados Unidos recentemente em relação ao emprego. Esperava-se um crescimento de 160 mil vagas no mês de junho e o crescimento foi maior, algo em torno de 195 mil. E qual foi a conseqüência para a Bolsa Valores? A Bolsa caiu. Essa queda acontece porque o mercado espera menos estímulos do governo. É preciso acertar o remédio Os dois últimos anos não foram bons para a economia brasileira. Em 2011, o Produto Interno Bruto cresceu 2,7% e a taxa de inflação (IPCA) atingiu 6,5%. Em 2012 o crescimento do PIB foi 0,9% e o IPCA, 5,84%. Já em 2013, as previsões de crescimento são de 2,5% e inflação em 5,9%. O PIB cresce pouco, a indústria de transformação está em forte contração. Enquanto os setores de serviços (2,7% e 1,7%), comércio (3,4% e 1%) e construção civil (3,6% e 1,4%) mostraram crescimento em 2011 e 2012 - ainda que a taxas decrescentes -, a indústria de transformação cresceu apenas 0,1% em 2011, encolheu 2,5% em 2012 e continuou encolhendo no início de 2013 (-3,2% nos 12 meses encerrados em fevereiro). Esses dados mostram que o País entrou em processo de estagflação 1 e está se desindustrializando. A estagflação é um fenômeno cuja origem é a incapacidade de a oferta de bens e serviços responder de forma adequada aos aumentos de demanda. Como a oferta não cresce, os aumentos de demanda se transformam em aumentos de custos, de preços e de importação, o que leva a uma desaceleração do crescimento combinada com um aumento da inflação. Questiona-se sobre porque na atualidade a oferta não tem respondido ao crescimento da demanda. E o professor José Marcio Camargo lembra que se as máquinas, equipamentos, infraestrutura e mão de obra já estiverem totalmente empregados, a produção apenas poderá crescer se conseguir aumentar a quantidade e a qualidade desses fatores. Isso certamente exige mais investimentos, que quase sempre leva um tempo maior para maturar do que os estímulos à demanda. De outro modo, enquanto isso não ocorre, mais demanda pode criar um problema quando se transforma em aumento de cus- 1 CAMARGO, José Márcio. Remédio errado pode matar o paciente. 20 de abril de 2013 tos, inflação e mais importações, com pouco crescimento. Os bens gerados pelos setores de serviços são, em grande parte, vendidos no próprio local onde são produzidos, enquanto aqueles bens gerados pela indústria de transformação podem ser vendidos em qualquer lugar do mundo, independentemente de onde são produzidos. Existe uma importante diferença entre a reação destes dois grupos a uma situação de excesso de demanda. O primeiro grupo, como não sofre a concorrência de empresas de outros países, quando ocorre excesso de demanda e seus custos de produção aumentam, repassa esses aumentos de custos para os preços, gerando inflação. Para o segundo grupo esse repasse é impossível, porque ele tem de competir com produtos similares que são importados. A inflação desses bens dentro do país tem de ser similar à inflação no resto do mundo, corrigida pela taxa de câmbio. O excesso de demanda e o aumento de custos significam redução das margens de lucros e da capacidade de competir com os importados e, portanto, menos investimento. Quanto maior o excesso de 2 demanda, menos competitivo será o setor. Os dados sobre a economia brasileira em 2012 indicaram que as políticas de incentivo à demanda, redução de juros, desonerações tributárias, expansionismo fiscal, etc., aceleraram a inflação de serviços, ao lado disso ocorreram aumentos de salários acima dos ganhos de produtividade o que fez crescer o custo unitário do trabalho e a redução da competitividade da indústria. Persistir nesse caminho tende a agravar o problema. A indústria de transformação definha, enquanto os setores produtores de bens não comerciáveis crescem a taxas cada vez menores. Está na hora de reconhecer que o diagnóstico e o remédio estão errados e precisam ser mudados. 2 CAMARGO, José Márcio. Remédio errado pode matar o paciente. 20 de abril de 2013 A inflação persiste e permanece como grande ameaça destaca que, em momentos como o atual, a política monetária deve se manter especialmente vigilante, de modo a minimizar riscos de que níveis elevados de inflação, como o observado nos últimos doze meses, persistam no horizonte relevante para a política monetária. Nesse mês, foi divulgado o Relatório de Inflação, uma publicação trimestral do Comitê de Política Monetária (Copom), em conformidade com o Decreto nº 3.088, de 21 de junho de 1999. O maior objetivo deste é avaliar o desempenho do regime de metas para a inflação e delinear cenário prospectivo sobre o comportamento dos preços, explicitando as condições das economias nacional e internacional que orientaram as decisões 3 do COPOM em relação à condução da política monetária. Este Relatório é constituído de seis capítulos: Nível de atividade; Preços; Políticas creditícia, monetária e fiscal; Economia internacional; Setor externo; e Perspectivas para a inflação. Como se pode perceber, o relatório de inflação antecipou algumas opiniões que serão externalizadas em sua reunião seguinte. Desde o último Relatório se apontavam os riscos para a estabilidade financeira global permaneceram elevados. O Comitê reafirma sua visão de que a volatilidade dos mercados financeiros atravessam um contexto em que apesar de identificar baixa probabilidade de ocorrência de eventos extremos, o Comitê pondera que o ambiente externo permanece complexo. Ainda sobre o âmbito externo, em linhas gerais, mantiveram-se inalteradas as perspectivas de atividade global moderada desde o último relatório. De fato, as evidências ainda apontam taxas de crescimento, em economias maduras, baixas e abaixo do crescimento potencial, aliadas a certa acomodação dos preços de commodities nos mercados internacionais, bem como maior volatilidade e tendência de apreciação do dólar dos Estados Unidos. Um exercício que a sociedade deve fazer com a máxima atenção A leitura das atas do COPOM nos remete ao exame de outros textos importantes para a compreensão da nossa realidade. Nos tempos em que trabalhava no DIEESE, acompanhava sempre com grande expectativa o momento em que mensalmente se anunciavam resultados de duas importantes pesquisas: inflação e desemprego. Ocorre que invariavelmente a imprensa destacava fortemente os “grandes números” e muitas eram as vezes que questões relevantes não recebiam o mesmo tratamento. Fazer pesquisa não é uma tarefa fácil especialmente em nossa realidade onde muitas vezes o empirismo e a passionalidade assumem status absolutamente prioritários. Desse modo, essa Carta de Conjuntura tem realizado um esforço de interpretação das “Atas do COPOM” por acreditar que dessa maneira podemos observar com um pouco mais de A despeito de sinais que indicam recuperação de im- cuidado uma série de questões essenciais para a economia. E portantes economias, a fragilidade presente em alguns blocos certamente há muitos outros temas para além dos números da econômicos, bem como incertezas sobre desenvolvimentos taxa selic a serem refletidas. futuros da economia global ainda se apresentam como fatores importantes de contenção da demanda agregada doméstica. O É verdade que a leitura desse documento é sempre Comitê avalia que, no curto prazo, a inflação em doze meses dominado pelo tecnicismo, motivo pelo qual reitero sempre ainda apresenta tendência de elevação e que o balanço de riscos a necessidade de combinar o olhar das questões econômicas para o cenário prospectivo se apresenta desfavorável. O Copom com diversas outras, sociais, políticas, culturais etc. 3 Fonte: http://www.bcb.gov.br/htms/relinf/direita.asp?idi- oma=P&ano=2013&acaoAno=ABRIR&mes=06&acaoMes=ABRIR Na ata 176 do COPOM, apontam-se as principais resoluções da reunião realizada nos dias 9 e 10/7/2013, quando mais uma vez seus membros analisaram a evolução e as perspectivas para a economia brasileira.4 Vamos tentar entender a evolução recente da economia A inflação continua preocupando. O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) variou 0,26% em junho, 0,18% a mais que em junho de 2012. Dessa forma, a inflação acumulada em doze meses atingiu 6,70%. Os preços livres aumentaram 8,28% e os preços administrados, 1,77%. Especificamente sobre preços livres, os bens comercializáveis aumentaram 6,75%, e os bens não comercializáveis, 9,63%. Os preços do grupo alimentos e bebidas arrefeceram na margem, variando 0,04% em junho e 12,80% em doze meses. Por sua vez, os preços dos serviços aumentaram 8,64% em doze meses. A média das variações mensais das medidas de inflação, calculadas pelo Banco Central, passou de 0,48% em maio para 0,39% em junho. Assim, a variação acumulada em doze meses atingiu 6,43%. A atividade econômica também preocupa. O Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br) avançou 0,8% em abril, após expansão de 1,1% em março. Em relação ao mesmo mês do ano anterior, o IBC-Br aumentou 1,2% em março e 7,3% em abril. O Índice de Confiança do Consumidor (ICC), da Fundação Getulio Vargas (FGV), recuou em junho. O Índice de Confiança do Setor de Serviços (ICS) ficou estável em junho, após recuar em abril e em maio. Já a confiança do empresário industrial, medida pelo Índice de Confiança da Indústria (ICI), aumentou em maio e diminuiu em junho. No que se refere à agricultura, o Levantamento Sistemático da Produção Agrícola (LSPA), do IBGE, projeta crescimento de 14,7% na produção de grãos em 2013, em relação a 2012. 4 http://www.bcb.gov.br/?COPOM176 Os Indicadores de Condições de Crédito evidenciam para o terceiro trimestre de 2013, em comparação ao segundo, perspectiva de moderação no ritmo de concessões de novas operações de crédito para o segmento de grandes empresas, e de manutenção no caso de micro, pequenas e médias empresas. Em relação ao crédito às pessoas físicas, o indicador sugere estabilidade no ritmo de concessões de linhas de crédito voltadas ao consumo e moderação nas concessões no segmento habitacional. A situação da indústria tem estado volátil em meses recentes, o que em parte reflete ajustes no número de dias úteis decorrentes de feriados móveis. Nesse contexto, a produção industrial recuou 2,0% em maio, revertendo a alta de 1,9% observada em abril. De acordo com dados divulgados pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), o faturamento real da indústria de transformação cresceu 6,2% nos cinco primeiros meses de 2013, comparativamente ao mesmo período do ano anterior, e o número de horas trabalhadas permaneceu estável. Entre as categorias da indústria, a produção de bens de capital recuou 3,5% em maio em relação ao mês anterior; a de bens intermediários, 1,1%; a de bens de consumo duráveis, 1,2%; e a de bens de consumo semiduráveis e não duráveis, 1,0%. Em relação à taxa de desemprego nas seis regiões metropolitanas cobertas pela Pesquisa Mensal de Emprego (PME), foi estimada em 5,8% em maio, a mesma de abril. A taxa de desocupação em maio permaneceu em 5,4%, próxima ao mínimo da série histórica (5,3%), iniciada em março de 2002. A redução da taxa de crescimento da População em Idade Ativa (PIA) ao longo dos últimos anos tem contribuído para a manutenção da taxa de desocupação em patamares historicamente baixos. Por sua vez, o nível de ocupação permaneceu estável, em 53,8% da PIA, em maio. Ainda de acordo com a PME, o rendimento médio real habitual cresceu 1,4% em maio, comparado a igual mês do ano anterior, e a massa salarial real aumentou 1,5% em relação a maio de 2012. Dados divulgados pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) mostram criação de 72 mil postos de trabalho formais em maio, menor leitura para o mês desde 1992. Em suma, dados disponíveis indicam estreita margem de ociosidade no mercado de trabalho, embora existam sinais de moderação na margem. A Pesquisa Mensal do Comércio (PMC) indica que o volume de vendas do comércio cresceu 1,6% em abril, em relação a abril de 2012. O Índice de Confiança do Comércio (ICOM), medido pela FGV, recuou ligeiramente em junho. O Copom avalia que a trajetória do comércio continuará a ser influenciada pelas transferências governamentais, pelo ritmo de crescimento da massa salarial real e pela expansão moderada do crédito. O Nível de Utilização da Capacidade Instalada (Nuci) na indústria de transformação, calculado pela FGV, alcançou 84,2% em junho. A utilização da capacidade no setor de bens de capital recuou para 82,0%. No setor de bens de consumo, de bens intermediários e de materiais de construção, a utilização da capacidade se posicionou em 83,3%, 86,2% e 90,4%, respectivamente. O saldo da balança comercial acumulado em doze meses recuou para US$9,3 bilhões em junho. Esse resultado adveio de exportações de US$239,9 bilhões e de importações de US$230,5 bilhões. Por sua vez, o deficit em transações correntes, acumulado em doze meses, atingiu US$73,0 bilhões em maio, equivalente a 3,2% do Produto Interno Bruto (PIB). Já os investimentos estrangeiros diretos totalizaram US$64,2 bilhões em doze meses até maio, equivalentes a 2,8% do PIB. Na economia mundial, permanece o cenário de baixo crescimento este ano em importantes economias maduras, notadamente na Zona do Euro, e indicadores de volatilidade respondem às perspectivas de mudanças na política monetária nos Estados Unidos (EUA). Altas taxas de desemprego na Europa, aliadas aos esforços de consolidação fiscal e a incertezas políticas, traduzem-se em recuo dos investimentos e em baixo crescimento. O indicador antecedente composto, divulgado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), referente a maio, aponta perspectivas de crescimento acima da tendência em diversas economias avançadas, a exem- plo da Alemanha e do Japão. Em relação à política monetária, nas economias maduras prevalecem posturas acomodatícias. Nas economias emergentes, de modo geral, a política monetária se apresenta expansionista. A inflação continua em níveis moderados nos EUA e na Zona do Euro, e no Japão ainda se registra deflação. Ata do Copom faz Banco Central ganhar pontos com mercado O título dessa sessão da carta de conjuntura é resultado da transcrição da manchete do Jornal O Estado de São Paulo de 18 de junho. E, convenhamos, trata-se de uma manchete “esclarecedora”. No entanto, esses tempos em que as coisas vão ficando mais claras podem indicar que, no fundo, há motivos para que as dúvidas permaneçam. Os analistas não se cansam de elogiar a disposição da autoridade monetária de combater com mais firmeza a inflação. E em tempos de crise os elogios podem funcionar como a cera que na mitologia ensurdecia os navegantes. Há que se perguntar até quando irão os afagos e os elogios. Até as vésperas da próxima reunião do COPOM com certeza, a partir da qual mais uma onda de “pressão” será necessária para que as autoridades “façam o que precisa ser feito”. Há muitas questões não explicadas em função da mudança de postura do BC, COPOM e do governo em relação ao tema da inflação. Depois de ser muito criticado nos últimos tempos por uma postura de conivência com a alta da inflação, o Banco Central ganhou rasgados elogios de analistas do mercado. E essa mudança de postura na forma de encarar os aumentos de preços não tem sido acompanhada de uma autocrítica em relação ao período anterior, o que do ponto de vista pedagógico é duplamente equivocado. Primeiro porque não faz uma autocrítica do período anterior, segundo porque não consegue restabelecer a necessária confiança na atualidade. Na última reunião, o que se viu foi mais um aumento de 0,50 ponto porcentual da taxa básica de juros, a Selic, que agora subiu de 8% para 8,5% ao ano. O que confirma as expectativas do cenário de juros, que oscilam de 9,25% a 9,75% no final de 2013. Essa tendência de crescimento é ainda mais preocupante na medida em que se verifica o papel que o câmbio pode exercer daqui para frente na condução da política monetária. O Copom deixou o espaço aberto, condicionado à situação do câmbio, para subir ainda mais a taxa básica a Selic nas próximas reuniões. Os analistas do mercado são apresentados para o mundo real como se fossem “seres extraordinários, independentes, neutros e com visão generosa para os caminhos da sociedade”. Mas, certamente isso não condiz com uma realidade em que sempre cada um dos experts fazem suas analises, apostas e previsões sempre focado em defender os interesses de suas corporações. E tudo vai caminhando para que, ao final, o combate a inflação seja de fato “vendido” como a prioridade das prioridades, mesmo que isso aconteça em detrimento do crescimento. Plano Real: Mais um ano de uma história de combate a inflação do a tão sonhada estabilização da moeda, mas certamente foi insuficiente para garantir plena estabilização da economia. A economia tem a moeda como uma questão relevante, mas não única. Há outras questões cujos desequilíbrios e instabilidades foram evidentes ao longo desses 19 anos. Destacando-se os juros, a renda, o emprego, a dívida pública entre outros elementos. Entre os pontos relevantes para o atingimento dos seus objetivos destacam-se três que são principais: a) A liberalização comercial que gerou uma grande b) Uma taxa de câmbio mais estável, que contribuiu c) A desindexação da economia, que consistiu em abertura do país ao capital estrangeiro. para o aumento da concorrência aos produtos brasileiros e pressionou os preços para baixo. reduzir mecanismos de repasse automático da inflação, como os gatilhos salariais, que não permitiam que os preços se estabilizassem. O Plano Real completou no dia primeiro desse mês 19 anos. Criado em 1994 pela equipe do então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, durante o governo Itamar Franco, o Plano e sua moeda conseguiram o que vários outros planos econômicos não conseguiam: debelar a possibilidade de hiperinflação. A inflação chegou a 916,46% no ano de 1994 e foi estabilizada em níveis muito baixos nos anos seguintes, mas não deixou de existir. Entre 1994 e 2013, a taxa acumulada, segundo o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), foi de 332,33%. De um modo geral a questão da estabilidade da moeda tem se constituído como um importante valor para a economia e para a sociedade brasileira. É certo que o grande êxito do Real contribuiu para que seus idealizadores escondessem erros e deficiências, ao passo que os críticos, especialmente no início, procurassem destacar seus problemas. O Plano Real foi importante por ter conquista- Certamente esse é o motivo que contribui fortemente para que as políticas econômicas estejam orientadas de maneira tão incisiva para combater quaisquer possibilidades de que a inflação retome a cena nacional. Rever o papel do Estado é uma tarefa essencial da política O exame da economia é muito importante para que possamos compreender a realidade, mas sempre repetiremos a idéia de que se isso acontecer isoladamente de outros aspectos, políticos, sociais, culturais, será absolutamente insuficiente. Nesse sentido é oportuno considerar a necessidade de importantes mudanças de postura do Estado. Se não é razoável elevar ainda mais a alta carga tributária, a providência que deve ser tomada e que compete ao governo federal se refere a necessidade de reduzir os desperdícios com juros. São enormes os desperdícios, o setor público gastou no período 2002/2012 em média 6,3% do PIB com juros, o equivalente hoje a R$ 300 bilhões. Nesse período manteve a Selic entre as mais altas do mundo. Neste ano, apesar do fraco crescimento e de nenhum outro país elevar a taxa básica de juros, o Banco Central, mais uma vez na contramão, continua elevando a Selic. Ao seguir nesse caminho, com medo do fantasma da inflação, o governo federal dá tiro no próprio pé e 6 no mínimo enfraquece seus argumentos de que faltam recursos. Até porque o que se observou nas recentes manifesOs cerca de R$ 300 bilhões desperdiçados a cada ano tações de rua foram as críticas ao sistema político ao lado da ex- igência de melhorias na área social, o que exige mais recursos dariam para ter na área social patamares bem superiores de do setor público, obrigando-o a trabalhar com maior eficiência. atendimento e qualidade. Os investimentos em infraestrutura teriam permitido melhorar a situação existente que é inclusive um Desde o início das manifestações, a reação dos gov- entrave ao desenvolvimento. Uma gestão pública mais calibrada ernantes apontava que não havia recursos suficientes para o pode contribuir para aproveitar melhor os recursos extraídos da atendimento das demandas sociais, à medida que a pressão população em função de uma gama mais qualificada de serviços aumentou os governadores e prefeitos pressionaram o gover- públicos. no federal por maiores transferências de recursos. O professor Amir Khair tem sido bastante enfático ao criticar a postura atual das autoridades monetárias e sua subserviência aos recorrentes aumentos das taxas de juros. Ele sugere na atualidade a combinação de três questões para enfrentar a conjuntura: a) redução da Selic, para evitar desperdícios com juros; b) retomar o crescimento econômico, que é a maior fonte para am- Há um grande reconhecimento de que o Brasil pliação da arrecadação e; c) gestão dos recursos à disposição reduziu muito a desigualdade social nos últimos anos. No endos governantes. No entanto, enquanto a política econômica tanto, a juventude em São Paulo foi explícita: “Não é só sobre se subordinar ao mercado financeiro, pouco se conseguirá. centavos, é um grito contra a corrupção, arrogância, e às vezes a brutalidade dos políticos e sua polícia”.7 Muitas análises já Em 2011, foram gastos 5,7% do PIB com juros e o foram feitas sobre as manifestações recentes, e muitas outras País na comparação internacional só foi ultrapassado pela certamente o serão para que possamos compreender melhor o Islândia, que passa por situação financeira e fiscal delica- tom dado pelas ruas desde junho. Nessa Carta de Conjuntura da. E ao elevar a dívida, para atender governadores e pre- também retomamos esse tema. feitos, cresce a despesa com juros do governo federal, reduzindo ainda mais os recursos existentes. Essa é a típica É verdade que sempre existem razões para indignação política do curto prazo, que domina o País há décadas. As- em praticamente todos os lugares, mas ninguém podia imaginar sim, quanto mais passa o tempo pior a situação do setor pú- que a combinação de uma certa crise de legitimidade política e blico, na ciranda de pressão e resposta que vem ocorrendo.5 a enorme capacidade de se comunicar levam à possibilidade de Refletindo um pouco mais sobre as manifestações da sociedade brasileira 5 KHAIR, Amir. A importância da gestão. Carta Maior, 25 de julho 2013. 6 KHAIR, Amir. A importância da gestão. Carta Maior, 25 de julho 2013. 7 MENDES, Daniela. Castells diz que Dilma foi a primeira líder mundial a ouvir as demandas das ruas. Revista Isto É, 30.06.2013. que surjam movimentos sociais espontâneos a qualquer momento e em qualquer lugar. E quando pensamos em relação ao transporte numa cidade como São Paulo, assim como em boa parte das grandes cidades brasileiras, reconhecemos como algo que sem dúvida é caótico. Anos de poder de empreiteiras e montadoras articuladas com políticos fisiológicos a seu serviço nos deram muitos viadutos, túneis e ruas paralisadas por 7 milhões de veículos. A apropriação da política urbana pelos sucessivos malufismos gerou uma estagnação do transporte coletivo. O paulistano perde uma média de duas horas e quarenta minutos no trânsito por dia. E na ausência de transporte público decente, quem mora na Capela do Socorro acorda às 5h da manhã para chegar na hora ao emprego, volta para casa às 21h e adormece no sofá vendo bobagens.8 tos atuais” tem dinâmicas diferentes, atuam em coletivos não hierárquicos, com gestão descentralizada, produzem manifestações com outra estética. Maria Gohn disse ainda que a maioria dos participantes dessa nova forma de movimento social é composta principalmente por jovens escolarizados de classe média, conectados nas redes digitais e críticos das formas tradicionais de política. Esses jovens que foram às ruas são otimistas em relação ao futuro e desencantados em relação ao presente, eles participam de coletivos mas preservam valores individualizantes.10 As novas gerações que foram às ruas estão atentas ao modelo de sociedade em que vivemos, onde há excesso de consumo e carência de qualidade de vida. Na sua maioria, os participantes dos “novos movimentos” têm mais autonomia e não atuam sob a coordenação de Não é o caso de se ter a pretensão de explicar a juven- uma liderança central. Eles possuem valores, princípios e fortude, e muito menos de sair por aí dando conselhos sobre os mas de organização distintos de outros movimentos sociais. movimentos. A realidade é que crianças e jovens representam As opiniões da professora Maria Glória Gohn são coum terço da população, mas as políticas urbanas foram organi- zadas para a faixa etária superior e para as elites. Não se trata de incidentes com os resultados de uma pesquisa realizada pelo 20 centavos, trata-se de um saco cheio generalizado com o caos CNPq. Nesse levantamento, se detecta que os jovens não estão urbano gerado, que transtorna a qualidade de vida das pessoas, se afastando automaticamente de atividades politicamente engajadas, ao contrário, um número significativo está se mobilie dos jovens em particular. zando em torno de um amplo leque de questões políticas e so É por isso que o movimento levantou demandas por ciais que variam desde a luta pela mobilidade urbana e passam transporte gratuito, pois afirma que o direito à mobilidade é um por grupos de hip hop e cineclubes nas periferias. direito universal. Os problemas de transporte que tornam a vida E outra importante pesquisa realizada pelo IBOPE nas cidades uma desgraça são consequência da especulação aponta-nos dados que precisam ser considerados: quatro em imobiliária, que constroem irracionalmente o planejamento local, por causa da subserviência dos prefeitos e suas equipes cada cinco brasileiros consideram os partidos políticos corrup9 tos ou muito corruptos. Essa pesquisa que foi encomendada aos interesses do mercado imobiliário, não dos cidadãos. pela organização não governamental Transparência Internacion Um balanço das manifestações iniciadas em junho no al em que foram entrevistados 114 mil pessoas em 107 países. Brasil revela que estas aconteceram em mais de 350 cidades e No Brasil, foram realizadas 2002 entrevistas e 81% das pessoas tomaram conta de maneira inédita do noticiário das principais consideram que os partidos são corruptos, número que é maior redes de comunicação do nosso país. Recentemente a profes- que a média mundial que ficou em torno de 65%. sora Maria Glória Gohn afirmou que a população que foi as ruas O desprestigio é grande e os resultados são controverem junho é crítica em relação a atual forma de fazer política. A sos especialmente se partimos do ponto de vista que os partidos nova geração de brasileiros não se identifica com as formas de organização existentes. De um modo geral, esses “movimen- são importantes pilares da democracia existente na sociedade. 8 DOWBOR, Ladislau. Ser jovem não é fácil. 17 de junho de 2013 9 MENDES, Daniela. Castells diz que Dilma foi a primeira líder mundial a ouvir as demandas das ruas. Revista Isto É, 30.06.2013. 10 BERABA, Marcelo. Após atos, governo não tem interlocutores. Entrevista Jornal O Estado de São Paulo com Maria da Glória Cohn. 14.07.2013 Diferentes sujeitos e seus diferentes caminhos política se refere a uma demanda para que não haja “velhos” líderes manipulando. Há um sentido de que à medida que a pessoas se sentem mais fortes como redes, não como massas que seguem qualquer bandeira, cada um é capaz de realizar o A cada dia temos aprendido mais sobre a multiplici- seu próprio movimento. A intransigência policial muitas vezdade de sujeitos sociais que têm freqüentado a cena política es também ajuda a espalhar o movimento através de imagens nacional. Há um mosaico que contribui para o restabelecimento na internet. de novos olhares sobre os seus significados. E, de um modo Manuel Castells diz que a ausência de líderes não é geral, há um forte sentimento que deve haver esperanças de no- vas conexões entre instituições e cidadãos. Mas, para tanto, há evidência do enfraquecimento desse processo, esta é a sua grande força, eles são espontâneos, livres, festivos, é uma que existir boa vontade de ambos os lados. celebração da liberdade. A fraqueza não é deles, a fraqueza é Manuel Castells ajuda-nos a entender um pouco mais a arrogância da classe política que muitas vezes é insensível sobre esse processo quando recentemente tratou da relação en- às demandas autônomas de cidadãos. Essas manifestações tre poder, comunicação e o papel da internet nas mobilizações articuladas através das redes sociais demandam uma nova da sociedade brasileira e internacional. Diante da crise na “co- forma de participação dos cidadãos nos processos de decisão municação de massas político-midiática” e das transformações do Estado, é a nova forma de participação política emergente tecnológicas nas comunicações, esse será cada vez mais um em toda parte. tempo de “autocomunicação de massas” na rede. Nesse moA sociedade brasileira tem demonstrado elevado mento em que as manifestações nascem na rede e ganham as grau de amadurecimento. E a nossa democracia aos poucos ruas, a onda de protestos ganhou um novo espaço público. se consolida e aprende a conviver com múltiplos sujeitos. Há Segundo Castells, a lógica midiática leva à “personal- diferentes projetos em disputa, há diferentes opiniões sobre ização extrema da política”, na qual “a mensagem política se re- incontáveis temas de nossa agenda. Essa diferença ficou bassume a um rosto a ser eleito” ou a ser destruído em escândalos tante evidenciada quando no dia 11 de julho foi agendada por midiáticos. “Se a confiança na pessoa é a mensagem central, a diversas Centrais Sindicais o dia nacional de manifestações. principal arma de combate político é a destruição dessa pes E quando examinamos o dia 11 creio que é imporsoa”,O resultado é a desconfiança geral em relação à política. tante apontar um sinal de alerta. Se não é verdade que há A internet altera esse esquema de dois modos: ao per- “irrelevância das centrais” como destacou o Jornal o Estado mitir a “autocomunicação”, retirando a mediação dos meios de de São Paulo, é certo que as manifestações não evidenciaram comunicação, e ao aglutinar demandas “emocionais”, como a a força desejada. “dignidade” reivindicada por movimentos europeus. “A internet De um modo geral, nesse dia as mobilizações foram é a liberdade e é um meio de perdermos o medo juntos”. Para Castells, já vivemos uma “virtualidade real” e não mais uma mais expressivas onde o transporte público deixou de funcionar, mas em inúmeras cidades importantes do Brasil a adesão “realidade virtual”. ficou abaixo das expectativas. Foram nove Centrais que de “A internet é a infraestrutura de nossas vidas”, afirmou. maneira inédita participaram dessa agenda conjunta. Em São “Somos anjos e demônios. Viver na internet tem um perigo: nós Paulo, realizaram uma manifestação na Avenida Paulista que reuniu cerca de dez mil pessoas. Segundo os levantamentos mesmos”. E o que às vezes é entendido como sendo a negação da oficiais foram pouco mais de 100 mil pessoas que partici- param de manifestações em 26 capitais. Os médicos e seus corporativismos Ou seja, o grito ouvido nas ruas no dia 11 de julho foi muitas vezes mais baixo que aquele que ouvimos nas semanas anteriores, o que sugere que o movimento sindical haverá que É importante assinalar nesse momento o quão são disencontrar as alternativas para que possa apresentar para o gov- erno e a sociedade a sua importante pauta do trabalho que há pares os interesses dos diferentes segmentos sociais que de uma maneira geral tem ido às ruas no último período. Vejamos anos aguarda dialogo em nossa institucionalidade nacional. o caso dos médicos que, de uma maneira geral, têm realizado Entre os sujeitos presentes na cena pública, há quem caminhadas e protestos específicos em função de uma questão diga que Marina Silva e a Rede poderiam dialogar com a moça- pontual: a rejeição da “importação de profissionais de saúde do da nas ruas, propondo-lhe um o caminho adequado a seu exterior”. mal-estar, a seus desejos. O PSDB pouco tem a dizer e só com De um modo geral, esses profissionais têm insistido muita dialética tenta aproveitar a herança do movimento - mas, para disputar isso, precisa enterrá-lo; O PT está desacorçoado, em negar uma realidade bastante evidente, o número de médidivide-se entre o sentimento de que o povo é injusto com ele e cos não tem seguido o crescimento da infraestrutura de saúde no Brasil. É verdade que estamos longe de ter as condições toa nostalgia do tempo em que era dono da rua.11 talmente adequadas para atender o conjunto da população, mas E parece digno Marina dizer à imprensa que não quer certamente o número de médicos tem crescido abaixo de todas se aproveitar dos movimentos nas ruas, mas o papel do bom as taxas do setor. político se relaciona com as possibilidades de agarrar a oporO Ministério da Saúde lembra que, ao longo dos últitunidade, o kairós dos gregos - para dar nome ao que está con- mos cinco anos, o total de equipamentos de saúde registrados fuso, identidade ao vago, futuro ao novo. Por que ela não fez, não faz isso. O Professor Renato Janine Ribeiro receia que ela pelo Governo Federal teve alta de 72,3%, o número de leitos não esteja à altura dos anseios que surgiram, tem noção deles, hospitalares subiu 17,3%, e nesse mesmo período a oferta de médico cresceu apenas 13,4%. Para a grande maioria da popumas não sabe o que fazer com eles. lação quando na atualidade necessita de cuidados para a saúde “A natureza tem horror ao vácuo”, dizia Aristóteles, sabe que muita coisa precisa ser feita para que a situação possa dois mil e trezentos anos atrás. A política, mais ainda. Um lugar atender de maneira mais humana o conjunto da sociedade. que fica vazio é prontamente ocupado. O espaço que pareceria pronto para um político alternativo e respeitado caberá ao aventureiro, ou à velha política, que lançar mão dele. As instituições - partidos e mídia - correm para sepultar, o mais rápido possível, os movimentos. Querendo ou não, a presidenta Dilma Após o pico das ondas de protestos, o que se percebeu Rousseff contribuiu para isso ao pôr na mesa a reforma política. foi uma forte queda na aprovação dos governantes em todos os Já nos vemos, de novo, a falar em partidos, em governabilidade, níveis. Mas certamente o número que mais chama a atenção diz em voto distrital ou lista fechada. Tudo isso é importante, mas respeito à queda de popularidade da presidenta Dilma, que teve é o plano B da vida social. O Plano A deveria ser aprofundar as uma queda de 58% em março para 30% em julho. insatisfações. Pois há meio século, pelo menos, que as instituições políticas andam muito desgarradas do mundo da vida. A cena pré-eleitoral tende a esquentar seja porque Não têm sequer ideia do que a vida atual é. 12 houve uma significativa aproximação de vários concorrentes da 2014 é logo ali 11 RIBEIRO, Renato Janine. Marina Silva e as chances perdidas. Valor Econômico 12 RIBEIRO, Renato Janine. Marina Silva e as chances perdidas. Valor Econômico presidenta que, em principio, tentará a reeleição. Marina Silva subiu para 22%, Aécio Neves foi para 13% e Eduardo Campos para 5%. E mais: a cena atual recoloca na cena da disputa presidencial a possibilidade de retorno do Presidente Lula e a apresentação de Joaquim Barbosa – Presidente do Supremo Tribunal Federal. De um modo geral, muita coisa ainda vai acontecer antes da campanha eleitoral de 2014 e certamente nesse momento os partidos buscam reforçar as suas estruturas e criar os seus consensos. O PSDB ainda vive debates sobre a possibilidade de saída de José Serra que publicamente foi convidado para ser candidato pelo PPS e de maneira menos explicita pelo PSD. O PT que conviverá seguramente com o “volta Lula”, Eduardo Campos que luta para criar uma maior unidade dentro do PSB e Marina Silva que trabalha para dar legalidade à sua Rede Sustentabilidade. Nesse cenário, certamente a maior dúvida fica em função de Joaquim Barbosa que hoje não está filiado a nenhum dos partidos que na atualidade ensaiam disputar as eleições presidenciais. O Egito não é aqui no Egito e a retomada da força das manifestações da praça Tahir nos coloca diante da necessidade de refletir sobre uma série de questões, sejam elas semelhanças ou diferenças em relação ao que acontece na realidade brasileira. A necessária reforma política. É preciso fortalecer esse debate. Há mais de duas décadas que o tema da reforma política figura entre aqueles que devem ser prioritários na agenda nacional. No entanto, quando se percebe que as reformas políticas serão feitas pelos políticos, há muita descrença. Certamente é por isso que o tema da reforma política não tem impactado fortemente as pessoas. Em grande medida também porque muitos são aqueles que não se consideram representados no atual quadro político institucional, ao mesmo tempo em que não existem canais claros de dialogo e expressão. O governo apresentou uma proposta de plebiscito logo após as manifestações, e esta proposta foi rejeitada até mesmo pelo Congresso Nacional, o que sugere que o governo tem tido dificuldades de encontrar interlocutores.13 Quando o presidente do Congresso anunciou a criação de uma Comissão para preparar uma “proposta de reforma política” na qual indicou para a sua coordenação o deputado Candido Vaccarezza, se precipitaram inúmeras reações a essa indicação especialmente dentro do PT, a começar pelo deputado Henrique Fontana que, no momento anterior, era o responsável O escritor egípicio Alaa Al Asway afirmou na Festa do partido para a construção de uma proposta em relação a esse Literária de Parati – FLIP que a revolução que em 2011 der- tema. rubou o ditador Hosni Mubarak foi roubada pela Irmandade As reações a Vaccarezza são apenas mais uma demonMuçulmana, “O governo do Presidente Morsi quis dominar tudo em nome de Deus” e concluiu dizendo: “A democracia não stração do quanto faltam interlocutores para o governo e como essa proposta terá dificuldades de evoluir no meio político. A é um livro sagrado”. presidenta Dilma ouviu as demandas das ruas, no entanto, as Historicamente é comum acompanharmos as relações respostas e as armadilhas das articulações políticas que mantientre dogmas religiosos e política, seja no passado distante, ou veram a presidenta até aqui tem traduzido parte significativa dos na atualidade, de qualquer modo a queda do presidente eleito problemas que certamente ela deverá enfrentar mais adiante. Enquanto as ruas de São Paulo e do Brasil eram ocupadas por cenas interruptas de passeatas e manifestações, o mundo acompanhou a queda do Presidente Mohamed Morsi no Egito. 13 BERABA, Marcelo. Após atos, governo não tem interlocutores. Entrevista Jornal O Estado de São Paulo com Maria da Glória Cohn. 14.07.2013 Governo vai montar ‘gabinete digital’ para as redes sociais Depois das manifestações de junho, que ocorreram após intensa organização na internet, o governo decidiu montar um “gabinete digital” para se comunicar com as redes sociais. O objetivo é abastecer o mundo cibernético com dados oficiais; monitorar e pautar o debate virtual; fazer disputa de versões, desfazer boatos e tentar, na medida do possível, colocar a presidenta Dilma Rousseff em contato mais direto com internautas. A visita do Papa Francisco Em meio a tantos acontecimentos relevantes, essa Carta de Conjuntura não poderia deixar de pontuar a importância da presença do Papa Francisco, que agora em julho visitou o Brasil por ocasião da Jornada Mundial da Juventude. Foi a “estréia” de um pontificado marcado por uma clara mudança de postura da autoridade religiosa em relação a “seu rebanho”. E o argentino Jorge Bergoglio retornará a Roma com a certeza de que já fez um grande milagre: conseguiu an Essa plataforma servirá de base para instrumentalizar gariar com sua simplicidade e carisma muito mais simpatia enas redes sociais. Além disso, está em avaliação a criação de tre os brasileiros que outros importantes compatriotas. uma espécie de “ouvidoria virtual”, ligada quase em tempo real O Papa, que sugeriu que “o futuro exige reabilitar a à Presidência da República. política” e que mudou hábitos e costumes, que iniciou mu Mas em relação a esta questão há que se considerar danças no Código Penal do Vaticano para reforçar a luta conque as “redes sociais” são conexões entre pessoas e as “mídi- tra a corrupção e os abusos sexuais certamente marcará seu as sociais” são “ambientes” onde isso acontece. Um “gabinete pontificado em função de uma perspectiva renovadora da igreja digital” não tem como se comunicar com as “redes sociais”, católica, o que em alguma medida sinaliza com a possibilidade pois elas não têm “endereço fixo”. Nesse caso, há um risco em- inclusive de reaproximação de alguns grupos internos cujas inente em se criar uma “central de boatos chapa-branca” lembra contradições e diferenças têm sido evidenciadas ao longo da história recente. Juarez de Paula.