A construção de Chico

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A construção de Chico
10 • Brasília, sábado, 12 de maio de 2007 • CORREIO BRAZILIENSE
CORREIO BRAZILIENSE • Brasília, sábado, 12 de maio de 2007
PENSAR
PENSAR
[ RELIGIÃO
PEDRAS
ESCANDALOSAS
D O C U M E N T O S S E C R E T O S D O V A T I C A N O, A N A L I S A D O S E M O B R A R E C É M L A N Ç A DA , M O S T R A M Q U E PA PA S P I O XI E P I O XI I R E S I S T I R A M À A S C E N S Ã O
D O N A Z I S M O. A P R O V E I T A N D O - S E D A V I S I T A D E B E N T O X V I A O B R A S I L ,
EDITORA LANÇA LIVRO SOBRE A CONSTRUÇÃO DA BASÍLICA DE SÃO PEDRO
CMYK
A VERSÃO DA IGREJA
PEDRO PAULO REZENDE
Lançado no embalo
da visita de Bento XVI
ao Brasil, Basílica de
São Pedro — Esplendor
e escândalo da construção da catedral do Vaticano traz detalhes deliciosos sobre a construção do maior templo
da cristandade, que levou mais de 160 anos
para ser construído e
representa um dos
mais importantes capítulos da história da
arte, da arquitetura, do
cristianismo, da civilização ocidental e da
ambição do homem.
Do lançamento da pedra fundamental, em
1506, ao acabamento
dos últimos adornos,
em 1667, a Basílica de
São Pedro, no Vaticano, foi um pesadelo financeiro e um atoleiro
administrativo. A realização do sonho do papa Nicolau V, que desejava erguer um templo
que fosse o mais glorioso já realizado pelo
homem, quase destruiu a Igreja Católica
ao longo de 30 papados, marcados por
conspirações, assassinatos, guerras, desvarios megalômanos e
lutas por poder e prestígio. (PPR)
[ MÚSICA POPULAR
A D E N S I DA D E P O É T I C A E O D E S T I N O DA L I T E R AT U R A B R A S I L E I R A S E E N CON T R A M N A
OBRA DO CANTOR E COMPOSITOR CARIOCA
A CONSTRUÇÃO DE CHICO
ALEXANDRE PILATI
ESPECIAL PARA O CORREIO
N
ALEXANDRE PILATI É DOUTOR EM LITERATURA
BRASILEIRA E POETA, AUTOR DE SQS 120M2
COM DCE (NTC, 2004).
BASÍLICA DE SÃO
PEDRO —
ESPLENDOR E
ESCÂNDALO DA
CONSTRUÇÃO DA
CATEDRAL DO
VATICANO
De R. A. Scotti
Nova Fronteira
352 páginas
Preço: R$ 44,90
CHICO BUARQUE NAS GRAVAÇÕES DO
PROGRAMA ENSAIO, NOS ANOS 1970: IMAGENS
FORTÍSSIMAS FINCADAS NO PAÍS REAL
Armando Borges/Divulgação
P 3-10
o início dos anos 1960, não parecia haver mais cacife em nossa vida
literária para gerar um autor que evidenciasse o nervo da nação, na
delícia e na desgraça. Aquele a quem chamamos Chico, com a peculiar intimidade brasileira, foi capaz de dar ao país (e não apenas ao
Brasil proprietário) uma voz que lhe traduzisse e questionasse em
grande estilo. Por isso, criou clássicos na era do mercado descartável.
Chico, que faz dois shows em Brasília nas próximas terça e quarta-feiras, é o
grande artista lírico brasileiro da segunda metade do século 20. O alcance de sua
obra só se consegue dimensionar observando a forma específica daquilo que ele
produziu como ninguém: a canção popular. Entretanto, dentro dessa forma específica, há uma profunda recuperação do melhor de nossa tradição poética.
Sem ser poeta, mas valendo-se de longo aprendizado literário, o compositor manejou, como poucos, diversos “recursos literários” que remontam à tradição
modernista de evidenciar o país não oficial aos brasileiros.
Um desses recursos está na criação, em poucas linhas, de
imagens fortíssimas, fincadas no país real. Lembremos acerca disso os doces e duros cortes de verso em Estação derradeira: “Rio de ladeiras/ civilização/ encruzilhada/ cada ribanceira é uma nação”. Ou mesmo a delicadeza de As vitrines, uma busca da poesia em meio ao mundo escurecido pela lógica da mercadoria: “... abrindo um salão/
passas em exposição/ passas sem ver teu vigia/ catando a poesia/ que entornas no chão”.
A urbanidade como espaço do possível aparece,
às vezes, sob o signo da festa; noutras, como lócus
de perigosa barbárie ou revolução. No primeiro caso, lembremos a inescapável alegria de Vai passar
em que “cada paralelepípedo da velha cidade/ esta
noite vai se arrepiar”. No segundo, a tenebrosa e
algo irônica canção Não sonho mais: “Vinha nego humilhado/ vinha morto vivo / vinha flagelado/ vinha um bom motivo pra
te esfolar”. Tudo
isso é dito em
palavras que
conhecemos
bem, que vivem, dia a dia, nos nossos ditos de injúria e amor.
É essa dicção do brasileiro médio que dá forma, nas letras de Chico, a um modo de ver e sentir que nos é muito próprio. Nelas encontramos familiaridade e
pensamos: “eu poderia ter dito isso, e nem precisava ser numa canção”. Essa familiaridade está no recurso ao ditado popular: “com açúcar com afeto/ fiz seu
doce predileto/ pra você parar em casa”. E também na utilização daqueles termos doce-ferinos de que lançaríamos mão apenas sob nosso próprio teto: “a
mesa posta de peixe/ deixa o cheirinho da sua filha”. Palavras comuns que Chico,
no melhor estilo de Drummond ou Bandeira, trespassa com o sentimento do
mundo real, fazendo o cotidiano significar muito mais do que rotina: “Todo dia
ela diz que é pra eu me cuidar/ e essas coisas que diz toda mulher”.
Assim também ocorre com os temas, que não se esgotam em si mesmos. Seu
alcance é sempre maior do que está evidente, graças ao trabalho fino com a metáfora, a alegoria e a substância concreta da palavra. Uma canção como Pedaço
de mim revela não apenas a dor pelo filho que se perdeu, mas o peso de tudo que
se foi e não passou. Dor histórica em última análise: “e assim como uma fisgada/
no membro que já perdi”. A concretude da palavra se exibe, mas nunca
puramente, pois está sempre eivada de vida, como no refrão de Roda viva, que é uma espécie de “concretismo que deu certo”.
Nos últimos tempos, Chico tem falado sobre a “morte da
canção”. Seu último CD, Carioca, é uma forma de anunciar isso, pelo sintoma. Salvo engano, em Carioca, o Brasil é, propositadamente, quase só paisagem. Parte dos questionamentos que Chico fizera outrora nas canções parece ter
migrado para sua obra narrativa, onde é possível ao “eu”
que narra se autoquestionar, como dificilmente ocorrera
nas suas letras. “Pode ser a gota d’água” da canção?
Numa matéria em que a evolução depende mais da
acumulação histórica do que do talento individual, é importante perceber o tamanho da “operação Chico Buarque” para a vida literária do país. De um lado, deu continuidade às lições da nossa lírica modernista; de outro,
mais recentemente, suas letras foram a primeira forma de
lírica por meio da qual jovens escritores tomaram contato
com alguma cultura séria. Por isso, será difícil falar da
nova poesia brasileira sem falar de Chico: um que
não foi poeta, mas que manteve viva a poesia.
Sua importância para a história das letras do
Brasil é maior do que se pode imaginar.
CMYK
P 3-10
A
depois que a Igreja Católica firmou uma concordata com Hitler, que
acabara de subir ao poder. A prelazia germânica estava dividida. O
núncio apostólico, cardeal Cesare Orsenigo, alertava para os riscos de
um confronto direto com o novo regime, que recebera um forte apoio
eleitoral dos católicos. Ao mesmo tempo, não se enganou com o caráter das novas autoridades. Alertou para a implementação de uma política ultranacionalista e racista que contrariava os princípios cristãos.
Por outro lado, bispos como Alois Hudal, que ajudaria a fuga de vários
carrascos nazistas depois da derrota alemã, acreditavam na possibilidade de convivência com o
governo, apesar das contínuas
violações aos termos da Concordata de 1933, como o fim do ensino religioso e o fechamento das
organizações católicas de jovens.
Já em 1934, sob rígido segredo
de Estado, os jesuítas Franz Hürth
e Johannes Baptista Rabeneck foram encarregados de analisar a
ideologia contida em Minha luta,
obra em que Adolf Hitler expriO VATICANO E
mia seu pensamento, e confrontá-la com a doutrina católica. O
HITLER
resultado, exposto em dois relatórios, classificou a liderança alemã
De Peter Godman
como neopagã e herética. As
Tradução de Evandro
ações anti-religiosas do regime
Ferreira e Silva
germânico causaram protestos
Martins Fontes
de Eugenio Pacelli, que ocupava a
304 páginas
Secretaria de Estado do Vaticano,
continuamente ignorados pela
Preço: R$ 39,80
cúpula do regime germânico. O
pontificado tomou outras atitudes. Além de uma bula alertando
para os erros do nazismo, a Mit brennender Sorge, o Papa Pio XI condenou explicitamente o anti-semitismo em audiências com peregrinos.
A excomunhão de Hitler chegou a ser cogitada, mas temia-se uma escalada violenta contra a Igreja Católica.
Com a morte de Pio XI e a ascensão de Pacelli ao papado como
Pio XII, a política de condenação discreta ao nazismo prosseguiu.
Tratava-se de realpolitik e de sobrevivência, sem qualquer conotação de subserviência. Um dos destaques de O Vaticano e Hitler
está na revelação do papel da Secretaria de Estado no complô que
tentou assassinar Hitler em 1940. Depois da conflagração do conflito, os diplomatas da Igreja intermediaram contatos dos conspiradores com o governo britânico.
Arte de Chin-Yee Lai sobre foto de Altrendo Travel/Getty Images
DA EQUIPE DO CORREIO
conturbada relação da Igreja Católica com o Terceiro Reich
de Adolf Hitler já foi abordada por inúmeras obras, como O
papa de Hitler, de John Cornwell, que pintam o papa Pio XI
e o secretário de Estado do Vaticano, cardeal Eugenio Pacelli
(futuro papa Pio XII) com fortes cores germanófilas. Dentro
dessa visão, consagrada por uma historiografia bastante
ampla, o Vaticano não só se omitiu na condenação do nazismo como
chegou a colaborar com a implantação e a consolidação do regime totalitário na Alemanha. Dessa
Paul Chiasson/AP
forma, o pontificado se enquadraria como cúmplice na política de limpeza racial, de eutanásia e eugenia e no genocídio
de 6 milhões de judeus, deficientes físicos e mentais, homossexuais e de grupos raciais
minoritários, como os ciganos.
O tema assumiu caráter explosivo depois da beatificação
de Pio XII, em maio deste ano.
Acusado de se calar diante do
Holocausto, atraiu acusações
do Estado de Israel e de entidades antinazistas. Nesse
oceano de ressentimentos, O
Vaticano e Hitler tem o mérito
de trazer um pouco de sutileza
a um fato histórico sempre
descrito sob a sombra do maniqueísmo. O autor, Peter Godman, teve um ponto de partida bem mais sólido que o das
obras anteriores. Nascido em
FIÉIS OBSERVAM RETRATO DO PAPA PIO XII
Auckland, Nova Zelândia, lecionou nas universidades de
Cambridge, Oxford e Tübingen e é professor de língua e literatura latina medieval na Universidade de Roma. Além de contar com a ajuda
de historiadores alemães, teve acesso a documentos dos arquivos secretos do Vaticano, com o objetivo de examinar os pensamentos e as
razões dos homens que formularam as práticas centrais da Igreja.
Pelor teor explosivo, essa documentação foi contrabandeada para
os Estados Unidos em 1940, durante a Segunda Guerra Mundial, para
que não caísse nas mãos dos fascistas ou dos nazistas. A França acabara de ser derrotada e a vitória alemã parecia garantida na Europa.
Parte do acervo é apresentado na íntegra como anexos, oferecendo
uma fonte de informações rica e ampla.
As primeiras condenações ao nazismo surgem em 1933, logo
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