O novo consumidor
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O novo consumidor
Capa O novo consumidor chegou para ficar Pesquisas de institutos econômicos mostram o que as empresas que atuam no varejo já sabiam: cresce a olhos vistos o contingente de brasileiros emergentes U m novo consumidor está despontando com força – e se consolidando – no Brasil. Ele é o integrante recém-chegado às classes B e C, as duas faixas econômicas da sociedade que mais aumentaram de tamanho nos últimos dez anos. Esse fenômeno de ascensão social foi detectado em levantamentos realizados por dois dos mais renomados institutos de economia do país, a Fundação Getúlio Vargas (FGV) e o Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea). Segundo ambos, o Brasil é, hoje, um país em que a classe média forma a maioria da População Economicamente Ativa (PEA). Apenas a classe C, com um contingente de 19,2 milhões de pessoas, já soma 51,89% da PEA. Há seis anos, esse porcentual era de 42,49%. A pesquisa A Nova Classe Média, coordenada pelo economista Marcelo Neri, chefe do Centro de Políticas Sociais da FGV, mostrou que a mobilidade social está em alta, com a chegada, nos últimos anos, de 5 milhões de pessoas à classe média e, ao mesmo tempo, a saída de outros 2 milhões de pessoas do nível da pobreza. Essa mudança no perfil econômico 10 da população já vinha sendo detectada pelas empresas que têm atuação no varejo. Por meio de pesquisas e observações sobre hábitos de consumo, essas companhias conseguiram se adiantar à ampliação do mercado e, agora, colhem alguns dos melhores resultados de suas trajetórias no Brasil. Fazem parte desse grupo gigantes como a Nestlé e a Samsonite, empresas que estão desenvolvendo produtos voltados especificamente para esse novo consumidor. Nesse grupo, uma das principais referências é a Unilever, companhia que completa, em 2009, 80 anos de atuação no Brasil. Uma das pioneiras no desenvolvimento de pesquisas com o consumidor, a empresa executa nos últimos anos uma estratégia diferenciada para atender ao novo consumidor, que incluiu a construção e operação de fábricas em pontos estratégicos, com operação de baixo custo. Nas próximas páginas, a revista LIDE abre espaço para que líderes destas três empresas contem, em entrevistas, o que cada uma delas têm feito para conseguir os melhores resultados nesses tempos de novo consumidor. 11 Capa Unilever identifica migração social Pesquisas da multinacional de produtos para o varejo mostram que o novo consumidor “exige” qualidade e ”aspira” por produtos que melhorem o seu status 12 O brasileiro está mais rico. Os resultados das mais recentes pesquisas sobre o perfil econômico da população, feitas pela Fundação Getúlio Vargas (FGV ) e pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), revelaram no início do segundo semestre o que muitas empresas com atividades no setor de varejo já sabiam há tempos: um novo tipo de público consumidor está em ascensão no Brasil. É aquele que está escalando os degraus das classes sociais por meio de uma gradativa melhora de renda. Um fenômeno que faz com que hoje, pela primeira vez na história, mais da metade da População Economicamente Ativa (PEA) se estabeleça dentro dos padrões de renda e consumo da chamada classe média. Segundo a pesquisa da FGV, intitulada A Nova Classe Média, 19,2 milhões de pessoas, ou 51,8% da PEA, compõem neste momento a classe C, com renda entre mil e 4,5 mil reais mensais. Há seis anos, esse contingente era de apenas 42,9%. O levantamento constatou que 2 milhões de pessoas deixaram, no mesmo período, a zona da pobreza. De acordo com o Ipea, cresceu também o número de ricos no Brasil – cidadãos com renda superior a16 mil reais mensais –, atingindo 10% do total das populações de seis grandes metrópoles brasileira (São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Salvador e Recife). Vale frisar que a iniciativa privada tem tudo a ver com esses resultados. “O ingrediente desse bolo com mais fermento para os pobres e, nos últimos tempos, para a classe média, é a recuperação do mercado de trabalho, com a geração de 1,8 milhão de empregos com carteira assinada nos últimos 12 meses”, afirma o professor Marcelo Neri, chefe do Centro de Políticas Sociais da FGV e coordenador da pesquisa. “Com mais renda, essa nova classe média está comprando de tudo um pouco, de computador a automóvel.” Assim como os institutos econômicos detectaram agora, muitas empre- O vice-presidente de Assuntos Corporativos da Unilever no Brasil, Luis Carlos Dutra, faz parte da terceira maior operação da companhia em 150 países. “O consumidor emergente é estratégico para o nosso negócio”, diz ele sas já vinham percebendo mudanças, para melhor, no padrão de consumo de milhões de brasileiros. A gigante Unilever, associada do LIDE – Grupo de Líderes Empresariais, está entre as companhias que primeiro identificaram esse saudável movimento. Explica-se: a poucos meses de completar 80 anos de atividades no Brasil, a empresa administra algumas das marcas mais conhecidas do grande público consumidor e investe pesada e seguidamente em seu setor de pesquisas. “Mantemos contato estreito com consumidores de todas as faixas de renda, uma vez que temos produtos para os públicos das classes A à E”, assinala o vice-presidente de Assuntos Corporativos da Unilever no Brasil, Luis Carlos Dutra. “Quanto aos setores de baixa renda em especial, já faz uns 15 anos que os consideramos estratégicos. Eles são emergentes.” Com efeito, a Unilever está presente em 150 países e a operação brasileira é a terceira maior em faturamento, com 9,7 bilhões de reais em vendas projetadas para 2008, atrás apenas do que está previsto para os Estados Unidos e Reino Unido. A partir do diagnóstico sobre a importância de estar presente e acreditar no crescimento da base da pirâmide social, a Unilever vem executando uma sofisticada estratégia de produção e lançamento de produtos. Para atender a essas bases, para as quais o preço é um fator determinante para qualquer compra, a empresa está investindo na diversificação de seus centros de produção. É nesse contexto que se inclui a montagem, desde 1996, de fábricas nos municípios nordestinos de Igarassu, Ipojuca e Guararapes, em Pernambuco. A de Igarassu produz exclusivamente o produto mais barato oferecido pela empresa ao mercado, o detergente em pó Ala (preço de 86 centavos de real para a embalagem de 200 gramas). 13 Capa Nestlé investe na O programa Nestlé até Você realiza vendas de porta a porta para se aproximar diretamente do novo consumidor base da pirâmide Ivan Zurita, presidente da multinacional do setor alimentício no Brasil, explica como a empresa age para se adaptar às possibilidades de desembolso das classes emergentes O presidente da Nestlé, Ivan Zurita, destacou em entrevista à revista LIDE a importância das companhias terem produtos adequados às possibilidades de desembolso dos consumidores das classes sociais que estão na “base da pirâmide”. Acompanhe. “Temos obrigação de trabalhar com as classe C, D e E” 14 LIDE – Sua empresa ajustou ou refez estratégias de vendas e lançamentos de produtos em razão do aumento no tamanho das classes B e C no Brasil? Quais? Ivan Zurita – A Nestlé Brasil é protagonista em projetos voltados às classes C, D e E, que formam a “base da pirâmide”. Esse é um dos pilares estratégicos para a sustentação dos nossos negócios no país. Considerando que 82% do consumo está concentrado nessas classes, temos a obrigação de trabalhar muito próximo desses consumidores para atendê-los com excelência. O intercâmbio com pessoas que vivem em regiões menos favorecidas nos fez aprender muito e a ter uma vantagem de conhecimento importante sobre esse segmento. Nossos projetos propiciam não só o lançamento de produtos com porções, sabores e adaptações de acordo com as possibilidades de desembolso desse grupo de pessoas, como também formulações nutricionais adequadas às necessidades dessas pessoas, a exemplo do Ninho Ideal. Além disso, implementamos o programa de vendas porta a porta Nestlé até Você, que busca facilitar o acesso do consumidor de bairros periféricos aos nossos produtos, de forma eficiente e econômica, e ainda favorece a geração de renda para essas pessoas. Nesse sistema de distribuição, a Nestlé seleciona e capacita parceiros comerciais locais – microdistribuidores –, responsáveis pela distribuição dos produtos e pelo recrutamento de mulheres da própria comunidade, que atuam como revendedoras autônomas e garantem para suas famílias uma renda extra no final do mês. Essas profissionais – muitas delas tendo a experiência de seu primeiro emprego – recebem treinamento específico fornecido pela Nestlé e reciclagem do aprendizado a cada três meses. Já temos o programa implementado com sucesso na periferia dos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná e Minas Gerais. Neste mês, chegaremos ao Pará. Atualmente, são 5,8 mil mulheres trabalhando no porta-a-porta e nossa expectativa é atingir 10 mil mulheres até o final deste ano. LIDE – O fenômeno do ingresso de milhões de pessoas no mercado de trabalho está beneficiando sua empresa? Em qual medida? Zurita – Sim. O ingresso de mais pessoas no mercado de trabalho melhora a renda, cria segurança e, por decorrência, melhora o padrão de consumo, criando condições para que a excelente imagem de marca que possuímos possa ser materializada. Este ano estamos crescendo mais de 10% nas classes C, D e E. E com presença, por meio de nossos produtos, em 98% dos lares brasileiros. LIDE – Para o último trimestre do ano, quando a economia tende a ficar mais aquecida em razão do impacto do décimo terceiro salário, qual é a sua estratégia de vendas? Pretende lançar produtos? Quais? A preços populares? Quanto? Zurita – Estamos sempre estudando as necessidades dos nossos consumidores e observando hábitos de consumo e, quando necessário, lançamos produtos que podem ser nacionais, regionais ou focados em uma camada da população. Com nossas 28 unidades industriais instaladas no país, estamos preparados para enfrentar o aumento da demanda. E, certamente, teremos novidades para o final do ano, buscando estar presente nas mesas dos consumidores brasileiros, sempre com nossa linguagem “alimento”. 15 Capa Samsonite amplia foco em emergentes Francisco Cortez, presidente da multinacional de malas no Brasil, revela a estratégia e os novos lançamentos da companhia para fisgar o público que agora tem mais acesso às viagens O presidente da Samsonite no Brasil, Francisco Cortez, saúda o maior acesso das classes populares ao mercado de viagens nacionais e internacionais. A seguir, a entrevista que ele concedeu sobre o tema à revista LIDE. LIDE – Com produtos voltados, tradicionalmente, a um público de elite, a Samsonite está interessada em atender as camadas mais populares? De que maneira? Francisco Cortez – Sim, estamos muito interessados em atender a esse novo consumidor emergente. Para tanto, realmente estamos fazendo ajustes em nossa oferta de produtos. O crescimento da renda nas classes B e C gerou um maior acesso dessas classes ao mercado de viagens, segmento diretamente ligado ao nosso negócio. Pacotes turísticos a preços mais atrativos, assim como formas de pagamento mais flexíveis, estão permitindo que essas classes possam hoje viajar com mais freqüência e, suportado por uma baixa taxa de dólar, realizar até viagens internacionais. A Samsonite, cujo posicionamento estratégico sempre foi o foco nas classes econômicas mais altas, decidiu se alinhar a este momento, trazendo para o Brasil, neste segundo semestre, produtos promocionais como linhas de malas básicas, com design mais simples, porém mantendo os mesmos padrões de qualidade característicos da marca. Ainda reforçando nossa estratégia “Vamos vender 20% mais, graças ao novo consumidor”, afirma Cortez, presidente da companhia. “Decidimos trazer para o Brasil produtos promocionais, com design mais simples, porém mantendo os mesmos padrões de qualidade” para atingir as classes emergentes, estaremos investindo na nossa segunda marca, American Tourister, trazendo ao Brasil diversos modelos com preços mais baixos, investindo em mídia e promovendo esses produtos nos pontos-de-venda. LIDE – Qual é a sua explicação para o surgimento de milhões de novos consumidores no Brasil? Cortez – A base disso é a criação de milhões de novos empregos na iniciativa privada. Esse aumento da mão-de-obra empregada gera nas famílias renda disponível com maior regularidade e permite ao consumidor planejar seu orçamento, assumir compromissos de pagamentos e passar a incluir entre suas aspirações atividades de lazer, entre elas as viagens. É um quadro muito diferente de algum tempo atrás, quando a situação do país permitia às classes B e C o consumo apenas dos itens básicos do dia-a-dia. 16 A segurança do trabalho faz com que essas classes passem a desejar, planejar e, finalmente, consumir. LIDE – Para o último trimestre do ano, quando a economia tende a ficar mais aquecida em razão do impacto do 13o salário, qual é a sua estratégia de vendas? Pretende lançar produtos? Cortez – De fato, a expectativa para este segundo semestre é bastante otimista. Estimamos um crescimento no volume de vendas de aproximadamente 20% em relação ao mesmo período do ano passado. Sendo este período tradicionalmente o mais forte para o nosso negócio – e em razão do crescimento da economia –, nossas expectativas são de superação das metas. A possibilidade de as classes emergentes incluírem entre suas prioridades viagens nacionais ou mesmo internacionais nos incentiva a aproveitar este momento, lançando no mercado duas coleções de malas promocionais e específicas para este período. São as linhas Toledo e Corsega, com um design básico e menor número de peças, que chegarão ao consumidor por um preço bastante acessível, cerca de 30% abaixo do das nossas linhas tradicionais. A marca American Tourister também será reforçada nas lojas especializadas e em redes de hipermercados. Estaremos, ainda, lançando em novembro as coleções de mochilas 2009, contando agora com modelos econômicos tanto para lazer como para notebooks – e, outra vez, bastante acessíveis a quem aspira um produto Samsonite. Outra importante iniciativa para este momento será o lançamento da linha Outlab, com sacolas e bolsas com rodas voltadas para viagens curtas, com preços básicos, para um consumidor que agora começa a descobrir o prazer de viajar. n 17