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Se você já leu As Mortas da Perestroika 1.0, boas notícias: esta aqui
é uma edição revisada. Demos um tapinha ali, outro aqui. E ainda
temos uma sequência de conselhos inéditos. Está tudo no Capítulo 9.
Se quiser ganhar tempo, pule direto para lá.
A sessão posts também sofreu drásticas mudanças, principalmente
com novos posts, que foram escritos no intervalo entre a primeira e a segunda edição. Para você, que já leu o Mortas 1.0, vale dar uma olhada.
A terceira novidade é a própria revisão em si. Que me forçou a cortar
muita coisa. Principalmente, as contribuições de profissionais do mercado. Agradeço muito e adoraria mantê-las. Mas percebi uma coisa:
se a minha visão sobre comunicação mudou nesse meio tempo, a
deles também poderia ter mudado.
Aqueles conselhos faziam parte de um contexto específico. E eu devia respeitá-lo.
A solução seria consultar um a um. Como perdi contato da maioria
dos profissionais, fiquei meio sem saída. Se deixasse só algumas colaborações, daria margem para confusão. Se deixasse todos, certamente ouviria alguma reclamação.
Para não correr riscos, fiz o mais seguro: cortei todos dessa edição e
os mantive na versão anterior, dentro do cenário apropriado. Achei o
mais justo. Com eles, colaboradores. E com você, leitor.
Novamente: agradeço a colaboração de todos os profissionais que dividiram sua experiência com os nossos leitores. E recomendo a você,
que não leu, a procurá-los.
tg
Olá,
meu nome é Tiago.
Durante mais de uma década, fui redator publicitário. Trabalhava no
departamento de criação de agências de propaganda, fazendo campanhas para clientes nacionais. (Se você não troca de canal na hora do
intervalo, é bem possível que tenha visto algum comercial que eu fiz).
Hoje, dirijo – ao lado do meu sócio, Felipe Anghinoni – uma escola
chamada Perestroika. Se você já ouviu falar da gente, legal. Se você
nunca ouviu falar, não tem problema.
Para seguir a leitura, a única coisa que você tem que saber sobre a
Perestroika é que nós somos uma escola de criatividade. Na verdade, uma escola de atividades criativas. Temos, obviamente, projetos
ligados à publicidade. Mas também em empreendedorismo, literatura, design, moda, futebol como negócio, internet, comportamento do
consumidor, arquitetura efêmera, poker profissional. E mais um monte
de coisas que você não encontra em nenhum outro lugar.
Mas vamos ao que interessa:
No meu tempo de redator, um dos hábitos que eu tinha era receber
candidatos a estágio. As telefonistas das agências até já sabiam: se
alguém ligava querendo mostrar a pasta, passavam direto para o
meu ramal.
Fazia isso por vários motivos. O primeiro é que eu me sentia em dívida com o mercado. Muita gente me ajudou no início da carreira, sem
nem me conhecer direito. Nada mais justo do que manter a Corrente
do Bem.
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Em segundo, porque eu sempre gostei de ser um caça-talentos. Então, quanto mais pastas eu via, maior era a chance de eu encontrar
um Pelé no início de carreira. Esse meu costume se tornou tão comum
que meu caderninho virou um departamento de RH informal. Quando
a nossa equipe precisava de alguém, sempre me consultavam. E até
quando amigos de outras agências estavam em busca de estagiário,
meu telefone tocava.
Certamente, a grande inspiração para começar a organizar esses conselhos foi o Manual do Estagiário, do Eugenio Mohallem. Um clássico
da categoria. Mas além dele, também absorvi várias dicas do Criação
Sem Pistolão, do Carlos Domingos. E muita coisa dos três livros do
Paul Arden: It’s not how good you are, It’s how good you want to be /
Whatever you think, think the opposite / God explained in a taxi cab.
Os cinco são leituras praticamente obrigatórias para quem está começando.
Por fim, essa era uma maneira de aprender também. Quando você
se força a dar opinião técnica sobre um assunto, você precisa buscar
no seu banco de dados motivos para criticar ou elogiar determinada
peça. Esse exercício aguçava o meu critério e melhorava o meu próprio trabalho.
E aí aconteceu um negócio engraçado. De tanto avaliar pastas, os
candidatos a estágio começaram a me ver como uma pessoa acessível dentro do mercado da propaganda. Um foi indicando outro,
que foi indicando um terceiro, que falou para outro amigo. E quando eu vi, essa rotina de ver portfolios virou uma verdadeira rotina
para mim.
Mesmo saindo de agência (desde 2008 estou fulltime na Perestroika),
ainda mantenho com alguns jovens publicitários – alguns nos nossos
cursos, alguns pela amizade, alguns ainda do período de agência. E é
interessante perceber que as dúvidas e os dilemas prossionais continuam existindo – e continuam seguindo um certo padrão.
Esse foi o grande motivo de escrever esse material. A ideia é reunir
aqui as principais dúvidas dos novatos da profissão que me procuraram nos últimos anos. Sejam dúvidas sobre o mercado, sejam escolhas profissionais, sejam conselhos do ponto de vista técnico.
Tudo o que está aqui, neste livro, saiu da minha cabeça. Mas muita
coisa que está na minha cabeça veio de outras fontes. Por isso, nada
mais justo do que listar todo mundo que faz parte da ficha técnica.
Também extraí bastante coisa das conversas que tenho feito por força
da Perestroika. Para citar apenas alguns nomes que dividiram seu a
perspectiva de vanguarda do Roberto Martini (Cubo.cc), a visão de
Riqueza Social do Lucas Mello (Livead), o olhar multidisciplinar do
Eduardo Camargo (Mutato), as referências incansáveis do Carlos Merigo (Brainstorm9), a visão inovadora de clientes como Google (Félix
Ximenes), Coca-cola (Gian Martinez) e Red Bull (Cássio Côrtes). As visões sobre criatividade e inovação de gente como Fred Gelli, Ronaldo
Fraga, Claude Troigos, Gringo Cardia, Emicida, Sebastián Borensztein,
Lobão, Jum Nakao, Oskar Metsavaht, Federico Pistono, Lala Deheinzelin, MV Bill. Enfim, muita gente legal.
Também respingam aqui as entrevistas que fiz num passado remoto
(2007, 2008 e 2009), quando ainda era professor do curso de publicidade. Naquele momento, elas foram importantes para trazer os pontos de vista de profissionais relevantes do mercado offline. O próprio
Eugenio Mohallem (na época, Diretor da Mohallem/Artplan), Ícaro Dória (na época, Diretor de Criação da Saa- tchi&Saatchi / Nova York),
Marco Loco Bezerra (na época, Diretor de Criação da TBWA Berlim),
Beto Baibich (na época, Diretor de arte na Crispin, Porter + Bogusky),
Fernando Perottoni (na época, Diretor de arte da TBWA/Londres), Emiliano Trierveiller (na época, Diretor de Criação da TBWA/ Berlim), entre
outros.
Mas veja bem: não quero comprometer nenhum desses profissionais.
Depois de ouvi-los, tirei minhas próprias conclusões. Nunca vou usar
aspas, e raramente vou citá-los. Sem falar que todos poder ter mudado de opinião nesse meio tempo. O que está escrito aqui é resultado
do meu filtro.
Falando em filtro: talvez este seja o grande valor deste material. A
possibilidade de reunir todas essas dicas em apenas um documento,
de forma (mais ou menos) organizada.
Outra coisa boa é que ele foi adaptado às mudanças que a nossa
propaganda sofreu nos últimos anos. (O Manual do Estagiário, por
exemplo, foi escrito em 1997. De lá para cá, muita coisa mudou.
Além disso, ele sempre esteve muito focado em São Paulo. Determinadas situações simplesmente não fazem sentido no dia-a-dia de
outros mercados.) Apesar disso, a velocidade de comunicação é tão
rápida que este manual, mesmo reeditado e revisado, corre o sério
risco de estar com algumas informações defasadas.
Importante: não se esqueça de considerar a seguinte equação. Por
um lado, estou fora do mercado, e realmente não estou vivendo o
dia-a-dia das empresas de comunicação. Por outro, convivemos nos
nossos cursos com gente que está na vanguarda da comunicação do
Brasil (em alguns casos, do mundo).
Para fechar, entenda que a Perestroika é uma empresa um pouco
diferente nesse sentido. Ela faz sua própria comunicação. Somos médico e monstro das nossas próprias teses.
Portanto, ao ler este manual, já treine uma das principais qualidades que
um profissional de comunicação deve ter: leia tudo com muito critério.
Nada aqui é definitivo. São apenas opiniões, baseadas na minha experiência pessoal e na forma como alguns profissionais com quem
conversei encaram o negócio da propaganda.
Isso aqui não é um livro de auto-ajuda. É um livro somente de
ajuda. Muitas dessas dicas funcionaram comigo e talvez ainda
funcionem para outras pessoas.
Espero que seja o seu caso.
11
P.S.:
Esse livro é uma obra que respeita o conceito Freemium, com distribuição gratuita através do site da Perestroika: www.perestroika.com.br
(Caso o livro tenha repercussão positiva, e caso exista interesse por
uma versão impressa, faremos uma leva de poucas unidades – todas
elas cobradas. Entretanto, mesmo que isso aconteça, a versão gratuita continuará disponível para download no nosso site.)
Se alguém quiser vendê-lo para você, não compre. É picareta na certa.
O que fizemos, para satisfazer aqueles que insistiram muito, foi abrir
uma conta especificamente para receber contribuições espontâneas.
Então, se você achar o livro uma porcaria, não deposite nada. Nós já
fizemos você perder o seu tempo.
Se você achar bom, mas estiver com preguiça, não deposite nada
também. Não queremos que você passe trabalho.
Se você achar muito bom, mas estiver sem grana, a gente entende.
Fica para a próxima.
Agora, se você achar o livro bacana, e quiser contribuir, legal. Deposite
o quanto achar justo. Não existe valor sugerido. Você é quem manda.
Entre em contato pelo email [email protected] que a gente
explica como fazer o depósito.
Parte do valor será revertido em outras ações Freemium da Perestroika.
13
P.S. 2:
Este livro, como bom filhote da internet, é Beta. E sempre será. Estará
em constante atualização e, de tempos em tempos, sofrerá as mudanças necessárias. Todas as novas versões estarão disponíveis para
download gratuitamente nosso site: www.perestroika.com.br
Lançar um Work in progress foi uma decisão difícil. Não queria que ele
viesse ao mundo prematuro. Não queria que ele nascesse com cara
de joelho.
Mas também não dava para esperar mais. Especialmente depois
que eu me dei conta que esse job estava há exatos nove meses na
minha pauta.
Se você tem sugestões, reclamações, dúvidas, pode escrever para
[email protected]. Vou adorar ouvir o que você achou. E vou
considerar tudo o que você disser para a próxima versão.
Por fim, é legal saber que, por ser de graça, decidimos não contratar
um revisor oficial. Estamos contando com a sua boa vontade: se você
encontrar qualquer errinho, nos perdoe. E nos avise.
15
P.S. 3:
A ilustração da capa e todo projeto gráfico da edição 2.0 é de Vinícius
Souza. Um trabalho incrível em “tempo recorde”. Muito obrigado.
Se você também gostou, entre em contato com ele e agradeça a dedicação: facebook/vinicius.nrs. O cara merece.
Índice
Capítulo 1
Manual Express • 18
Capítulo 2
Montando o portfólio • 40
Capítulo 3
Dentro da agência • 74
Capítulo 4
Trocando de emprego • 96
Capítulo 5
Primeiros dilemas profissionais • 110
Capítulo 6
Melhorando seu trabalho • 138
Capítulo 7
O novo criador • 156
Capítulo 8
O que aconteceu comigo • 170
Capítulo 9
As novas mortas • 224
Capítulo 10
Posts • 212
capítulo 1
as mortas da perestroika
capítulo 1 – MANUAL EXPRESS
Se você está sem saco de ler todo esse livro, pelo menos preste
atenção nesses toques.
São pílulas. E pílulas do dia seguinte: você lê e, amanhã mesmo,
pode colocar em prática.
Bem vindo ao nosso drive thru de conselhos profissionais.
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capítulo 1 – MANUAL EXPRESS
as mortas da perestroika
Vai lá e faz.
Todas as pessoas do mundo têm boas ideias. Inclusive você. A grande diferença é que algumas conseguem executá-las. Portanto, não
deixe seus planos mofando. Ideia na gaveta é a mesma coisa que
ideia inexistente.
A vida é a melhor
referência.
Você só consegue criar coisas legais se você for um cara legal. Isso
significa viver situações inusitadas. Sair da zona de conforto. Sair do
lugar comum. Lembre-se: o seu trabalho está intimamente ligado às
experiências que você passou. Se você for uma pessoa com vivências
únicas, o seu trabalho será único. E aí, ninguém vai conseguir copiá-lo.
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as mortas da perestroika
A quantidade
faz a qualidade.
Você conhece a teoria da toalha molhada? Ela é bem simples: você
pega uma toalha molhada e torce até sair toda água. Daí, você torce
de novo, e vai ver que sai mais um pouco de água. E se você torcer
uma terceira vez, vai sair mais um pouquinho. E mais um pouquinho.
E mais um pouquinho. Insistir faz parte. As primeiras soluções são as
mais fáceis, mas as mais óbvias. Não surpreendem e, pior: provavelmente alguém já teve antes de você.
capítulo 1 – MANUAL EXPRESS
“Mais ou menos” é menos.
Se quando você acha que o seu trabalho está bom, muitas vezes ele
é reprovado, imagine quando você acha que ele está médio. Não se
acostume com a mediocridade. Estresse a sua criação até chegar no
seu limite.
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as mortas da perestroika
Trabalhar com criação
é divertido, mas é trabalho.
E trabalho às vezes
é um saco.
Quando você vai no cinema, paga o ingresso. Quando você viaja, paga
o avião. Quando você trabalha em propaganda, eles é que pagam
você. E não pense que é porque você é um cara legal. Não: trabalho
é trabalho. Por mais apaixonado que você seja por publicidade, há
momentos em que até um monge budista perde a paciência.
capítulo 1 – MANUAL EXPRESS
O melhor jeito de ser
puxa-saco é com um
bom trabalho
Quem decide segurar o seu emprego apenas com bajulações normalmente se dá mal. Nem a Monica Lewinsky, que era uma estagiária
extremamente dedicada ao patrão, conseguiu se manter no cargo.
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as mortas da perestroika
Na maioria das vezes,
a montanha não vem
a Maomé.
Por mais desistimulante que isso seja para alguém que está iniciando,
é importante dizer: chegar lá vai dar trabalho.
capítulo 1 – MANUAL EXPRESS
Você aprende sozinho.
Para sobreviver numa empresa de comunicação é preciso ter um pouquinho de Chuck Norris no DNA. Ninguém tem tempo de pegar você
pela mão e ensiná-lo a fazer as coisas. Seja observador, veja como os
outros fazem, descubra o que eles gostam. E vá à luta.
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as mortas da perestroika
Não encha o saco.
Você tem todo direito de fazer quantas perguntas quiser. Mas por favor: existe uma linha tênue que separa o cara curioso do mala sem
alça. Todo mundo adora um estagiário interessado. E todo mundo
abomina um estagiário chato.
capítulo 1 – MANUAL EXPRESS
Quem se apega demais às
ideias é porque tem poucas.
Se você teve uma ideia bacana, e acredita nela, defenda até um certo
limite. Se não aprovarem, parta para outra.
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as mortas da perestroika
Aprenda a lidar com
a frustração:
ela é a maioria
do nosso trabalho.
Você já se deu conta que praticamente tudo o que criamos vai para o
lixo? No final das contas, se tudo der certo, por mais que você tenha
muitas ideias legais para um job, só uma vai sobreviver e veicular.
capítulo 1 – MANUAL EXPRESS
Ideias para publicitários
só atingem um público:
os publicitários.
Faz cinco anos que saí da publicidade e, todos os anos, pós-Festival
de Cannes, é sempre a mesma discussão. “Temos que parar de fazer
fantasmas”. A questão é: só os publicitários podem mudar isso. É
uma decisão particular de cada um. Recomendo que você não entre
nessa. Nem experimente, fantasma porque é como crack: parece inofensivo, mas vicia de primeira. Sempre prefira investir sua energia em
campanhas que caem no gosto do grande público, que viram parte da
cultura popular, que entram para a história da propaganda. Elas são
muito diferentes daquelas ideias assépticas, comuns em festivais.
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as mortas da perestroika
capítulo 1 – MANUAL EXPRESS
É melhor ser co-autor de
algo brilhante a ser autor
solitário de algo comum.
A maioria dos gênios da
propaganda acorda cedo
e dorme tarde.
Acho que a frase diz tudo.
Os melhores profissionais que eu conheci na publicidade eram pessoas bastante dedicadas. A fantasia do gênio que senta na cadeira e
tem uma ideia brilhante, assim, num lampejo, só existe na cabeça de
dois tipos de profissionais. Os iniciantes, ainda muito ingênuos e deslumbrados. E a galera old school, que confunde propaganda com arte.
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as mortas da perestroika
Propaganda é a sua
carreira, não a sua vida.
É normal que um criador de publicidade goste de criar publicidade.
Mas é bem possível que ele se divirta mais fazendo outras coisas,
como ver futebol na TV, comer churrasco com os amigos ou viajar ao
redor do mundo. Acredite: isso é completamente sadio.
capítulo 1 – MANUAL EXPRESS
Uma ideia só é original
até outra pessoal pensar
a mesma coisa – e fazer
antes de você.
Hoje em dia, um criador em Nova York e um na Sibéria têm acesso às
mesmas referências. Então, não fique procrastinando. Ou você corre o
sério risco de ver a sua linda ideia estampada na marca concorrente.
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as mortas da perestroika
Câncer é um problema
grave. Propaganda é só
propaganda.
Sempre que você se deparar com uma situação em que parece que o
fim do mundo está próximo, lembre-se: isso é só propaganda.
Ninguém vai morrer.
capítulo 1 – MANUAL EXPRESS
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capítulo 2
as mortas da perestroika
o que é um portfólio?
O mercado está cheio de bons profissionais, com trabalhos fantásticos e campanhas memoráveis. Mas também está cheio de enroladores, que só têm pose e nunca fizeram nada de relevante.
Na hora de contratar alguém, como saber se o candidato faz parte do
primeiro ou do segundo grupo?
Para acabar com essa dúvida, inventaram um negócio chamado portfólio. O nome é chique. Mas não passa de um compilado, que reúne todo
o seu histórico de trabalhos.
O objetivo do portfólio é desmascararar os metidos e provar que o seu
passado justifica uma contratação.
capítulo 2 – Montando o portfólio
O portfólio analógico
já era.
No meu tempo, o portfólio era uma pasta, com os anúncios impressos
em papel fotográfico. Hoje, a grande maioria dos profissionais avalia
as peças em formato digital. Porque, convenhamos: é mais fácil para
ambos os lados.
Diria mais: se a pessoa que está contratando você exige um portfólio
físico, preste atenção. Isso já indica alguma coisa.
Como será apresentado? Bom, aí é com você. Pode ser um portfólio
on-line. Constantemente atualizado. Mas é bom ter também JPGs das
suas peças. Nem muito pesados, para não atolar a caixa do cara. Nem
muito leves, para a resolução não ficar baixa demais.
O ideal é ter três tipos de arquivos. Bem pesado, com a máxima resolução, preservando os detalhes das suas imagens. Um Tamanho intermediário, que preserve a qualidade, mas não atole o email de ninguém.
E bem levinho, em caso de emergências.
Não existe um padrão para o portfólio on-line. Acredito que o jeito
mais fácil seja fazer um blog, Flickr, Tumblr. Ou se registrar num site
como Behance ou Carbonmade, as centrais de portfólios mais populares da internet.
E só para não deixar passar: na edição anterior, eu disse que a pasta
impressa era importante. “Talvez, daqui uns anos, ela caia em desuso.
Mas hoje ainda vale ter uma.” Pois nesse meio tempo, acho que ela
morreu e está enterrada a sete palmos.
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as mortas da perestroika
capítulo 2 – Montando o portfólio
Portfólio sempre
atualizado.
Como selecionar
as peças da sua pasta.
Nunca me ligaram e disseram: Ouvi falar bem do seu trabalho. Que tal
falarmos daqui um mês?
A regra básica é: o que joga a sua pasta para baixo, sai. O que joga a
sua pasta para cima, fica.
Em agência de propaganda, nada tem prazo. Nem entrevista. Quando
estão procurando gente, é sempre para ontem.
O problema é que, se você mostrar a sua pasta para dez criadores
diferentes, cada um vai dizer uma coisa. A única pista que você vai
ter é sobre o que é muito ruim e o que é muito bom. Nisso, os caras
experientes costumam concordar.
Montar um portfólio na correria é uma dupla insanidade. Primeiro, porque é bastante estressante correr atrás dos arquivos com pouco prazo.
Segundo, porque é um suicídio profissional. Já pensou, perder aquela
vaga preciosa porque você deixou o portfólio defasado?
Sempre tenha a pasta impecável. Tem gente que faz atualizações
mensais. Tem gente que faz atualizações semanais. Nesse sentido,
eu sempre fui bem CDF: fazia atualizações instantâneas. Se saía um
anúncio legal, já separava o arquivo para mim.
Para não ficar empurrando com a barriga, o jeito mais fácil é já deixar
no seu desktop um folder Portfólio. Fez coisa bacana? Arrasta para lá.
Se você for redator, encha o saco do seu dupla. É fundamental estar
com as peças ao seu alcance.
Em geral, os critérios são muito subjetivos. Por isso, não existe certo
e errado. Existe o certo e errado para cada situação.
Não adianta chegar com um monte de ideias bundonas numa agência
que faz só faz anúncios fora da casinha. E vice-versa.
Você tem que se adequar ao seu público-alvo. Até na hora da entrevista.
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as mortas da perestroika
Na Matemática da Pasta,
1 + 1 = 1.
Antes de sair da minha última agência, vivi uma situação inusitada. Um
candidato a estágio me ligou pedindo para mostrar a sua pasta, que
tinha três anúncios. Sugeri que ele me procurasse novamente quando
tivesse, no mínimo, dez peças.
No dia seguinte ele me ligou. Fiquei um pouco intrigado. Mas marquei
a entrevista mesmo assim.
Como combinado, ele chegou com as dez peças. Mas elas faziam
parte da mesma campanha. Dez anúncios, todos bem parecidos, com
pequenas alterações de cor entre um e outro.
Não sabia nem por onde começar.
Esse episódio me ajudou a criar a Matemática da Pasta. Ela é simples
e evita que você pague esse tipo de mico.
Cada peça vale um. Um anúncio, um outdoor, uma embalagem, um
logo, um jingle, uma ação. Tudo isso vale um.
Até aí, fácil.
Se você tem uma campanha com três anúncios, e cada um deles tem
uma ideia diferente, contam três peças. Agora, se você tem uma campanha com três anúncios, e os três anúncios são razoavelmente parecidos, conta apenas um.
capítulo 2 – Montando o portfólio
Para complicar ainda mais: se essa campanha de três anúncios diferentes tiver um desdobramento (por exemplo, um outdoor), ele conta
como uma nova peça. A não ser que ele seja apenas uma reprodução
de um dos anúncios. Aí não vale nada.
Só por favor: não leve ao pé da letra. A Matemática da Pasta é bem flexível e pode sofrer adaptações caso a caso. O objetivo principal é ser um
guia para não deixar o seu portfólio nem muito curto, nem longo demais.
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as mortas da perestroika
capítulo 2 – Montando o portfólio
Em seguida, avalie a relação de títulos vs. ideias visuais. Você não
pode ter os cinco primeiros anúncios de um grupo e os cinco últimos
de outro. Fica muito previsível. Seu objetivo é justamente surpreender
quem está vendo a pasta, não é?
Ordem.
O Manual do Estagiário consagrou uma maneira de montar as pastas
que funciona muito bem. Você pega as suas dez peças e coloca em
ordem. Começando pela pior até a melhor.
O mesmo vale para design gráfico vs. design 3D ou propaganda offline vs. on-line. Monte de um jeito que fique interessante.
Outra coisa importante é a relação de clientes. Se você tem no seu
portfólio um total de nove campanhas, sendo três para cada cliente,
não deixe elas juntinhas.
10 (a pior), 9, 8, 7, 6, 5, 4, 3, 2, 1 (a melhor).
Aí, você joga a melhor lá para o início:
1 (a melhor), 10 (a pior), 9, 8, 7, 6, 5, 4, 3, 2 (a segunda melhor).
Assim, você começa dando um chute no saco. E termina a pasta sem
fazer feio, deixando uma boa impressão.
Eu sou um defensor desse sistema. Mas para falar a verdade, nunca
segui esse método fielmente. Sempre usei como ponto de partida.
Depois, mudava a partir de outras variáveis que considero igualmente importantes.
Nunca contei esse meu método para ninguém. Me sentia meio herege de contrariar as dicas do Mohallem. Só fiquei mais tranquilo no
dia em que tive a oportunidade de entrevistar o próprio Eugenio. Ele
comentou que ficava chocado ao ver algumas pessoas seguindo a
ordem cegamente.
Aí eu relaxei.
Então, aí vai a minha sugestão: faça o 1, 10, 9, 8, 7, 6, 5, 4, 3, 2.
Cliente 1, Cliente 1, Cliente 1, Cliente 2, Cliente 2, Cliente 2, Cliente 3,
Cliente 3, Cliente 3.
Misture. Não pode parecer uma pasta com três blocos. Deve parecer
uma pasta com nove campanhas.
Cliente 1, Cliente 2, Cliente 3, Cliente 2, Cliente 1, Cliente 2, Cliente 3,
Cliente 3, Cliente 1.
E por último: cuide das cores das suas peças. Umas são mais avermelhadas. Outras têm fundo branco. Outras são escuras. Não deixe ela
monótona. Crie estímulos visuais para quem estiver vendo.
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as mortas da perestroika
Redator vs. diretor de
arte, Offline vs. online.
Por mais que muitas agências já tenham migrado para um modelo híbrido,
em que não há mais divisão de papeis, a verdade é que a grande maioria
do mercado ainda funciona de forma segmentada.
Redator é redator, DA é DA. Existe um departamento para off e um
para on.
Na teoria, sabemos que não deveria ser assim. Mas, verdade seja dita:
é bem complicado fazer essa migração.
Enquanto ela não acontece, algumas sugestão para você.
capítulo 2 – Montando o portfólio
Pequeno cuidado para se
ter com os exercícios de
fora da propaganda.
Se o portfólio publicitário não estiver agradando, não ultrapasse o limite do bom senso. Os exercícios fora da propaganda devem ser o tiro
de misericórdia, não um tiro no próprio pé.
Vamos supor que a sua pasta seja fraca. Alguém teve paciência para
criticar vários títulos, textos e conceitos. Ficou lá, explicando por A+B
porque você deveria refazer seus anúncios.
Aí, no final da entrevista, você insiste para que ele leia algumas crônicas que você imprimiu do seu blog. Parece um pouco Joselito, não?
Além disso, saiba que se o portfólio em si não estiver lá essas coisas,
dificilmente uma parede que você grafitou ou uma letra da sua banda
vai salvar a sua pasta. (Minha sincera opinião? Isso deveria contar
mais do que os próprios anúncios. Mas não é o que o mercado costuma achar.)
Os exercícios fora da propaganda costumam ser a cerejinha. Por isso,
capriche no bolo.
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as mortas da perestroika
Modernices.
O perfil do portfólio muda na mesma velocidade que a propaganda.
Então, ter ideias mais contemporâneas podem chamar a atenção. Algumas possibilidades:
1. Um vídeo “viral” (muito cuidado com esse termo)
2. Um prédio como solução de ambient media
3. Estratégias de relacionamento on-line
4. Um aplicativo para Iphone
5. Um jogo de videogame
capítulo 2 – Montando o portfólio
Por melhor que seja
o seu currículo, ele só
vai atrapalhar você.
Durante a entrevista, vão perguntar se você está estudando, onde você
trabalhou, que programas domina, e tudo mais que julgarem necessário.
Em outras palavras: não existe muita necessidade de um currículo impresso. Para falar a verdade, até pega mal. É até uma piada entre os criadores: Veio um estagiário só com currículo querendo emprego, pode?
Só não esqueça que esse tipo de solução criativa está em fase experimental nas maioria das agências. Não é o job do dia-a-dia. Portanto,
serve mais para mostrar o seu potencial criativo do que para demonstrar uma expertise que será aplicada na agência.
Gaste tempo na sua pasta que vale mais a pena.
Pelo menos, que será aplicada por você, que, no início, pegará só craca.
Perder a vaga com um portfólio ruim, vá lá. Agora, perder a vaga por
sumiço, aí já é demais.
Só não esqueça de deixar o seu contato. Pode ser um cartão de visitas ou seu nome e e-mail/celular na capa.
Se você quer que dê namoro, tem que deixar pelo menos o telefone, né?
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as mortas da perestroika
capítulo 2 – Montando o portfólio
Se você ainda não tem nenhum dos dois, comece hoje mesmo.
O melhor jeito de fazer
uma pasta é trabalhando
numa agência. Mas para
entrar numa agência,
você precisa de uma
pasta. E aí?
Aí você senta na frente do computador, pensa num briefing que renda
uma boa campanha e começa a trabalhar.
Mas eu nunca trabalhei, como vou saber o que é um bom briefing?
Ora, um bom briefing é aquele que você gostaria de ter em mãos. Normalmente, são assuntos nos quais você já se interessa. Quem gosta
de futebol provavelmente vai curtir criar para a Nike. Quem é viciado
em videogame vai adorar pensar em ideias para Playstation.
Só não perca muito tempo nessa parte do processo. Pensar num
briefing é infinitamente mais fácil do que pensar num anúncio para
esse briefing.
Outra boa maneira de iniciar a pasta é acionar o seu Banco de ideias.
Todo criador tem um arquivo de Word chamado Banco_de_ideias.doc.
Alguns preferem um caderninho de anotações (especialmente os diretores de arte) porque dá para rabiscar.
Agora, se nada disso fez você se mexer, ainda existe uma última esperança. O Criação Sem Pistolão sugere o Método da Revista Veja. Você
abre a revista em qualquer página que tenha pelo menos um anúncio.
Aí, você identifica o briefing e tenta criar uma ideia melhor para o mesmo problema do anúncio.
É difícil. Mas se você conseguir fazer anúncios melhores que os da
Veja, eu tenho certeza que você consegue uma vaga.
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as mortas da perestroika
Seja o seu próprio
atendimento.
É legal você se colocar um prazo. Ou vai ficar empurrando com a
barriga eternamente. O anúncio de amanhã sempre pode ficar para
depois de amanhã.
Então, caso você esteja com tempo livre, sugiro que você coloque a
seguinte meta: produzir uma pasta com dez peças em um mês.
É bem razoável. Você terá 2,5 dias para criar e executar cada anúncio.
O que, numa agência de verdade, é um luxo. E ainda terá todos os
finais de semana livres para não pensar em propaganda.
Se você já tem uma pasta, mas quer trocar algumas peças que foram
criticadas, dá para manter a média de 2,5 dias por peça.
Eu mesmo já utilizei esse sistema. E como garoto-propaganda da minha própria ideia, afirmo com um sorriso no rosto: funciona!
capítulo 2 – Montando o portfólio
A hora da verdade:
quando a pasta está boa
para fazer uma entrevista?
Assim como o surfista, que morre em busca da onda perfeita, você vai
morrer e não vai ter o portfólio ideal.
A moral da pasta é justamente essa: estar sempre melhorando o seu
conjunto de peças. Então, não adianta ficar pedalando a entrevista.
Uma hora você tem que cair no mar.
Para ser um pouco mais prático: pense num mínimo de dez peças.
Menos que isso é perda de tempo. Para você, que terá pouca coisa
para ser avaliada. E para quem entrevista, que vai criar um buraco na
agenda para analisar o seu trabalho.
Acima de vinte peças também não precisa. Sinal de que você filtrou
mal. Corre o sério risco de aborrecer o cara. E aborrecer também esposa do cara, que odeia jantar sozinha.
Entre quinze e dezoito peças está na medida.
Outra coisa importante: assim que você tiver um portfólio, não enrole.
Marque logo as entrevistas, mesmo que dê um medo. Imagine que o
objetivo da conversa não é ser contratado. É ouvir críticas e melhorar
a sua pasta. Para, numa próxima vez, aí sim disputar a vaga.
57
as mortas da perestroika
capítulo 2 – Montando o portfólio
Não precisa existir
vaga para marcar uma
entrevista.
Lugares legais para
trabalhar. Lugares ruins
para trabalhar.
Você está em casa e de repente toca o telefone. Fiquei sabendo que
você gostaria de estagiar aqui na nossa agência. Estamos com uma
vaga. Quer vir mostrar a pasta?
Toda empresa tem a cara do dono. E como cada dono pensa de um
jeito, as personalidades das empresas também são muito diferentes.
Parece bizarro, mas é assim que alguns estudantes agem. Ficam esperando a oportunidade, em vez de criá-la.
O jeito mais fácil de conseguir uma entrevista é usando os seus contatos. Se você tem algum conhecido que trabalha em agência, peça
para ele ver o seu trabalho. Dificilmente vão recusar.
Se esse seu amigo for muito novato, peça para ele agilizar com outra
pessoa mais experiente. Quase sempre dá certo. Ou simplesmente
pegue o telefone e ligue para as agências. Pergunte se tem vaga para
estágio. Se não houver, pergunte se alguém da Criação pode ver a
sua pasta.
O pior que pode acontecer é dizerem não. E você ficar na mesma.
Não caia no truque do Fale conosco. Você provavelmente será ignorado. Por sinal, e-mail é uma ótima ferramenta para ignorar candidatos
a estágio. Ligar sempre é mais garantido.
Não é difícil descobrir o estilo de cada agência. Umas trabalham mais,
outras trabalham menos. Umas pagam melhor, outras pagam pior.
Umas têm mais benefícios, outras têm menos. Umas fazem mais festas, outras menos.
É importante lembrar, também, que não é só o dono que faz o perfil da
empresa. Existem fatores externos e internos que influenciam. Como
um novo Diretor de Criação ou uma mudança no cenário econômico.
Pense na crise que tivemos há alguns anos (aquela que o Lula chamou
de “marolinha”). Algumas empresas mais soltinhas ficaram assustadas puxaram o freio de mão. E vice-versa.
No meu tempo de estagiário, a F/Nazca era a agência com as ideias
mais ousadas. A DM9 era a agência mais sintonizada com o novo
padrão internacional. A Almap tinha a direção de arte e os títulos
mais inteligentes.
Evidente que, de lá para cá, houve mudanças. Analise o que as agências estão fazendo, se informe com profissionais experientes. Vai ficar
mais fácil para você entender a personalidade atual dessas agências.
59
capítulo 2 – Montando o portfólio
as mortas da perestroika
Entretanto.
Por fim.
Não existe empresa perfeita. E como a grama do vizinho é sempre
mais verde, você costuma perceber apenas os defeitos do lugar onde
você trabalha. E não valorizar o que ele tem de legal.
Vem o mais importante: você quer trabalhar nesse lugar?
Sim, porque se convidarem você, mas você não estiver a fim, ou achar
que o lugar não contribui para o seu crescimento, não vá.
Olhe a metade cheia do copo.
Não conheço nenhum departamento de RH que prenda as pessoas
na agência. (Apesar de imaginar que muitos adorariam.) Você é livre
para ir e vir.
61
as mortas da perestroika
capítulo 2 – Montando o portfólio
Mas mostrar que você tem ambições além do Excel também não
atrapalha.
Pasta para quem quer ser
um Criativo. Mas não no
departamento de Criação.
Muita gente me procura porque quer trabalhar com criação, mas não
da forma tradicional. Uns se identificam mais com a área de Planejamento. Outros querem ter boas ideias para cliente, dentro do marketing da empresa.
Fico bem feliz em ver estudantes pensando assim. Acredito até que
a filosofia da Perestroika (Você sempre pode ser criativo, em qualquer área, em qualquer profissão) tenha uma importante participação nesse processo.
Não conheço nenhum modelo de portfólio para Planejamento ou
Marketing. Eu, se estivesse concorrendo a uma vaga nessas áreas,
pensaria em projetos criativos. Apenas para mostrar meu potencial.
Vamos pegar Nike como exemplo.
Se eu quisesse trabalhar no Planejamento da agência que atende essa
conta, ou no próprio cliente, eu faria o seguinte. Criaria várias ações
envolvendo a marca. Novos produtos, eventos, hotsites, sugestões de
crossmedia, ideias baseadas em tendências que ainda não se popularizaram. E por aí vai.
É claro que só boas ideias não bastam. Esses três departamentos exigem
de você outras qualidades bem específicas e diferentes da Criação.
63
as mortas da perestroika
Pasta para quem quer
trabalhar no lado
mais business ou no
operacional.
Existem outras três áreas fundamentais dentro de uma agência, que
também exigem criatividade, mas de uma forma diferente: o Atendimento, a Produção e a Mídia.
São áreas em que o dia-a-dia exige respostas mais rápidas. Então, a
rotina é comprometida muito pelo lado operacional.
O currículo nessas áreas ainda pesa. Mas o que realmente pesa é a
sua capacidade de convencer o entrevistador. E até faz sentido. Se
você não for bom em se vender, como vai negociar com clientes, fornecedores e veículos?
Acho que aqui, mais do que qualquer outro lugar, vale demonstrar
vontade pela vaga. Não tenha medo de dizer: Eu sei pouco, mas quero aprender e não arrepio.
capítulo 2 – Montando o portfólio
Pasta para quem quer
trabalhar no lado
mais business ou no
operacional, e já é um
pouquinho mais rodado.
Se você está buscando vaga na Produção, pode montar tranquilamente um portfólio com seus melhores trabalhos. É legal, de alguma
forma, explicar que interferência a Produção teve no processo de execução. Esse é o motivo pelo qual estão contratando você.
Já na Mídia e no Atendimento, talvez você consiga reunir alguns cases
onde sua participação foi fundamental.
E quando eu digo fundamental, não é Eu fui lá e aprovei a campanha,
ou Eu que fiz o plano de mídia.
É: Eu percebi uma oportunidade de negócio entre o meu cliente e uma
outra marca. Fizemos uma promoção conjunta e vendemos que nem
água. Ou: Eu sugeri um novo formato de anúncio. Mas ele fez tanto
sucesso que entrou na grade de formatos-padrão do jornal X.
65
as mortas da perestroika
Engula o choro.
Se você quer elogios, não vá mostrar a pasta. Ninguém está lá para
bajular você. As pessoas vão dizer o que pensam, goste você ou não.
A verdade é que as chances de você ser duramente criticado
são altíssimas.
Lembre-se: você não é nem estagiário. É aspirante a estagiário. Nada
mais normal do que você ter uma pasta com erros de principiante.
capítulo 2 – Montando o portfólio
Cada cabeça, uma sentença.
Mas nunca uma sentença
de morte.
Sinto que muitos estagiários vão para a entrevista esperando uma opinião definitiva. Um oito ou oitenta. Se ele gostar, é porque eu nasci
para a coisa. Se ele não gostar, é sinal de que sou um fracassado.
O cara que vê a sua pasta não é um Imperador Romano, que levanta
ou baixa o polegar e decide a sua vida. Ele está ali apenas para julgar
o trabalho que você quiser mostrar, e que reflete aquele momento específico da sua carreira. Só.
Agora, se o entrevistador tiver um ataque de megalomania e resolver
encerrar a sua carreira ali mesmo (dizendo algo como Troque de profissão, você não serve para a coisa), agradeça a oportunidade educadamente. E depois delete a entrevista do seu banco de dados.
Primeiro, porque ninguém tem poder para adivinhar o futuro. Segundo,
porque quem faz isso é muito idiota. E você não tem por que ouvir
conselhos de um idiota.
Não são poucas as histórias folclóricas de profissionais de sucesso
que ouviram esse tipo de conselho (Largue a propaganda!). E hoje são
chefes dos idiotas.
67
as mortas da perestroika
Cuidado: tem
entrevistador que
só quer se livrar de você.
A primeira coisa que eu sempre disse, mesmo antes de abrir a pasta,
é: Vou ser brutalmente honesto. Quer continuar?
Tome cuidado com quem vê a sua pasta. É muito mais fácil para o
entrevistador passar os olhos rapidinho, dizer Legal, qualquer coisa eu
mando um e-mail e chegar cedo em casa, do que dizer A sua pasta
está muito ruim, eu sugiro que você mude isso, isso, isso, isso, isso,
isso, isso, isso por causa disso, disso, disso, disso, disso, disso.
Quando se é mais crítico, a entrevista costuma durar no mínimo meia
hora. E o cara vai se incomodar com a patroa, que vai jantar mais uma
vez sozinha.
Eu sempre prefiri o caminho mais difícil: ver a pasta de verdade. Ou
fazia assim ou nem marcava. Comentava peça a peça, entrava nos detalhes e fazia várias críticas. Todas, é claro, pensando em contribuir.
E a janta eu aquecia no microondas.
(Obs: hoje eu não vejo mais portfolios. Não me sinto à vontade por
estar há um tempo fora do mercado. Se essa era a sua ideia, por favor:
não insista. Se ainda assim estiver tentado, releia a página 30.)
capítulo 2 – Montando o portfólio
Portfólio visto.
No início da carreira, são pequenas as chances de qualquer entrevista
se transformar em vaga. Aí, é natural ficar aquela impressão de que o
esforço não valeu a pena.
Mas valeu. Na pior das hipóteses, você vai ter ouvido várias dicas
para melhorar a pasta. Vai ter feito contato com pessoas importantes.
Vai ter aguçado o seu critério, entendendo o que os mais experientes
julgam ser bom e ser ruim.
E se for a sua primeira entrevista, vai ter o que eu considero o mais
importante: um choque de realidade. No mundo profissional, não há
lugar para paternalismos.
69
as mortas da perestroika
Tic-tac-tic-tac.
O tempo passa
e ninguém responde.
Particularmente, eu acho legal se você mandar um e-mail depois da
entrevista sinalizando que está a fim da vaga. Outros podem achar
meio malice. E não duvido que alguns considerem forçação da sua
parte e o eliminem da disputa.
Então, use o feeling para saber até onde dá para ir.
O tempo da resposta é muito variável. Geralmente a contratação é
rápida. Mas em alguns casos, o processo pode demorar semanas.
Fique sempre atento para saber se a vaga já foi preenchida ou se você
ainda está no páreo.
capítulo 2 – Montando o portfólio
Na traaaaaaaaaaave.
Se no final das contas você não conseguir nada, não faz mal. Ouça com
atenção tudo o que disseram e refaça a sua pasta. Uma nova entrevista
só se justifica se você tiver mais da metade do portfólio remodelado.
71
as mortas da perestroika
Tá no filó.
Mais cedo ou mais tarde, você vai conseguir um estágio. Talvez, não
seja a vaga dos seus sonhos. Mas não dá nada: o importante é que
você mudou de status. Antes, você era candidato a estagiário. Agora,
você já é um estagiário. E está apto a ler o próximo capítulo.
capítulo 2 – Montando o portfólio
73
capítulo 3
capítulo 3 – Dentro da agência
as mortas da perestroika
Round One: fight.
dois pontos.
O primeiro dia de um estagiário costuma ser parecido. O pessoal faz
um tour rápido e apresenta você para o resto da agência. Depois, os
caras da TI dão um jeito no seu computador, para que você tenha email e aprenda a salvar na rede.
Para se dar bem dentro de uma agência, você precisa ser competente
em duas frentes:
A partir daí, você ganha um tapinha nas costas e um monte de pepinos para descascar.
1. A questão técnica, do trabalho propriamente dito.
2. As regras de convivência, a etiqueta profissional, o seu comportamento no dia-a-dia.
Em geral, os profissionais orientam você no que diz respeito ao ponto
um. Mas não dão praticamente nenhuma ajuda no ponto dois.
Portanto, se você quer uma mãozinha, leia com atenção as próximas
páginas. São dicas que aprendi quando ainda era estagiário. Fruto
de muita observação, muito jogo de cintura e algumas cabeçadas na
parede.
77
as mortas da perestroika
capítulo 3 – Dentro da agência
Malandro não é malandro.
É mané.
Cuidado com o efeito
soneca do celular.
Estagiários são jovens. Aproveitam a vida como jovens. Saem, enchem a cara, dormem duas horas e chegam na agência transpirando
Whisky com Redbull.
Brasileiro nunca respeita horário. Você marca 9h30, o cara chega 9h45.
Você marca 9h45, o cara chega às 10h. Você marca às 10h, o cara liga
10h15 para dizer que está chegando.
Eu entendo perfeitamente isso. E acho justo. O Early 20’s é a melhor
época para fazer todas as coisas irresponsáveis que se espera de
um moleque.
Eu acredito que estagiário tem que chegar na hora. Se a agência começa a funcionar 9h, acho que todo estagiário deveria estar lá, às 9h,
de prontidão. Por um simples motivo: estagiário é o soldado preparado para resolver qualquer problema. E problema não tem hora para
aparecer.
A única coisa que você não pode esquecer é que a sua pauta social
não pode comprometer a sua pauta no trabalho. Administrar isso é
problema seu. Só seu.
Se você bebeu mais do que devia, se dormiu mais do que devia, não
faça o que não deve. Não minta.
O seu chefe já teve a sua idade. Já passou pela mesma situação. E
sabe exatamente o que passa pela cabeça numa hora dessas. Invento
uma desculpa e tento sair limpo? Ou falo a verdade e corro o risco de
me queimar?
Assuma o seu vacilo. Ouça o xixi com o rabo entre as pernas. Sente a
bunda na cadeira. E trabalhe, trabalhe muito.
Pior do que o estagiário que chega de ressaca é o estagiário não rende por causa da ressaca.
Como dizia o Ron Seichrist, Reitor da Miami Ad School: If you’re on
time, you’re already late.
79
as mortas da perestroika
Dress code.
Dentro dos ambientes criativos, é comum ver muita gente com o estilo
moderninho. O primeiro conselho que eu dou a você é: não se intimide. Se você é emo, mauricinho ou surfista, não precisa trocar todo o
guarda-roupa só para fazer parte da turma.
Agora, não dá para patifar também. Não dá para chegar de Havaianas,
calção do Inter e camiseta de regata furada.
Para não errar, é só fazer o óbvio. Os homens devem usar o clássico
jeans com tênis e uma camiseta arrumadinha. Já as meninas só devem evitar as roupas minúsculas. Apesar de fazer sucesso nos corredores, os trajes micro viram assunto também na reunião de diretoria.
capítulo 3 – Dentro da agência
Missão dada
é missão cumprida.
Não tem nada mais chato que o estagiário que não resolve problemas.
Aquele cara que conjuga todos os verbos no gerúndio.
— Já montou as peças que eu pedi há duas horas?
— Estou só resolvendo uma coisa aqui e já vou pegar.
— Você corrigiu aquele título que pediram para trocar?
— Estou só vendo uma coisa e já faço.
Se derem uma tarefa para você fazer, ou você diz alguma coisa na
hora, ou a batata quente acabou de passar para a sua mão. É melhor
não ficar cozinhando em banho-maria. Resolva rápido o que passarem, ou a chapa esquenta para o seu lado.
Então, se você está cheio de trabalho, e não vai dar conta do recado,
avise. Mas não avise quando o prazo estiver estourando. Lembre-se:
estourando também está no gerúndio.
Um estagiário é medido por produtividade: pela criatividade nos jobs,
não pela criatividade nas desculpas.
81
as mortas da perestroika
capítulo 3 – Dentro da agência
Não deu tempo.
Inteligência emocional.
Não deu tempo é uma frase que não existe. Ou melhor, existe, mas em
outro tempo verbal: Gente, não vai dar tempo.
Os EUA não ganharam a Segunda Guerra sozinhos. Formaram um
bloco com os chamados Países Aliados e, aí sim: destruíram com
Hitler e companhia.
De novo: se você se deu conta que o prazo está apertado demais, não
deixe para avisar em cima da hora. Ou nada poderá ser feito.
Pense comigo: se até a maior superpotência do planeta precisa de
ajuda, não vai ser você que vai resolver tudo sozinho, né?
Assim que você receber o job, grite. Ou quem vai ouvir no final é você.
O dia-a-dia de uma agência é uma guerra. Vem bomba daqui, rajada
dali, granada pelo alto. Se você não tiver amigos, morre antes mesmo
de desembarcar na Normandia.
Então, já de cara, exercite a fina arte da diplomacia. Depois, com o
tempo, evolua e comece a formar o seu grupo de parceiros estratégicos. E aí vá expandindo seus territórios. Igualzinho ao War.
Na hora que você precisar – e, acredite, um dia você vai precisar – é
para essas pessoas que você vai ter que pedir água.
83
capítulo 3 – Dentro da agência
as mortas da perestroika
Aprofundando o assunto:
Conta Corrente Subjetiva.
Sabe quando dizem Depois dessa, fico devendo uma? Essa Uma é a
moeda da Conta Corrente Subjetiva.
No momento em que você quebra um galho para alguém, você ganha
pontos. Quando você pede auxílio, é justamente o contrário: entra no
vermelho. Quanto maior o favor, maior o valor.
A grande maneira de ser respeitado dentro do ambiente de trabalho
é estar sempre no positivo. Com todo mundo. Assim, ninguém pode
falar nada de você. E quando você precisar de uma mão, não vão
poder recusar.
Então, siga o conselho dos religiosos: dê sem esperar nada em troca.
Ou, se preferir, siga a filosofia de Dom Corleone, o personagem célebre
de O Poderoso Chefão, que dizia para quem vinha lhe pedir favores.
Eu não quero o seu dinheiro. Quero a sua amizade.
Capisce?
Pergunte.
Insista uma vez.
E era isso.
Você está autorizado a perguntar. Inclusive, o porquê costuma ser o
melhor amigo das pessoas inteligentes.
Mas se você é realmente inteligente, vai saber a hora em que a curiosidade vira pentelhação. Em que a contestação vira desrespeito à hierarquia. E aí, mesmo não concordando com a justificativa que deram a
você, o jeito é sentar na frente do computador e fazer mais.
85
as mortas da perestroika
capítulo 3 – Dentro da agência
Lembre-se: até conquistar o seu espaço, você não é o que você é.
Você é o que os outros perceberem o que você é.
Facebook, Twitter, Youtube
e e-mail. Não fique com
a fama de vagal.
Em todas as agências, sempre tem um estagiário que fica com o estigma do cara que passa o dia na internet. Fuja desse rótulo. Ou sua vida
dentro da empresa vai durar menos que 140 caracteres.
Minha sugestão é que você aproveite os horários extra-pauta (antes
das 9h, depois das 19h e o intervalo para o almoço) para fazer o seu
tour virtual.
De novo: essa não é a minha opinião. Mas é o que percebo
do mercado.
Imagine a seguinte situação. O seu chefe está estressado, precisando
que você termine um layout até as 16h. Faltando duas horas para a
apresentação, ele passa pelo seu monitor e vê, abertas no seu e-mail,
as últimas fotos da Carolina Dieckmann. Chega no final do trabalho, a
montagem não fica como ele esperava.
Vai sobrar para você. E para a Carol também.
Sempre que você estiver mandando fotinhos de putaria, ou dando
um like no post do Alemão, ou visitando o Twitter do Neymar, você
está correndo o risco de que alguém chegue e pergunte: E aí, já
limpou a pauta?
Obs.: se o seu monitor estiver estrategicamente virado para a entrada da Criação, onde todo mundo passa e vê o que está na tela
(esses monitores sempre caem para os estagiários), o cuidado deve
ser redobrado.
87
as mortas da perestroika
Ei, eu posso estar no
Youtube vendo referências
para um trabalho.
Eu posso estar no Facebook
pesquisando um grupo
de consumidores.
Claro, cada caso é um caso. Inclusive, racionalmente, todo mundo entende que essas coisas (o Neymar, a Carolina Dieckmann e o Alemão)
são referências da vida e que fazem de você um criador melhor.
Ao mesmo tempo, o seu chefe tem uma pauta represada, esperando
que você diga Acabei! para passar o próximo job.
E outra: não pense que o seu chefe não nota. Ele sabe exatamente
a diferença entre um trabalho sério e alguém que está matando. Até
porque, ele também tem um chefe, e também dá uma matadinha de
vez em quando.
capítulo 3 – Dentro da agência
Estágio de seis horas.
Há pouco tempo, entrou em vigor uma lei que determina que os estagiários não trabalhem mais que seis horas.
Acho, sinceramente, a típica lei onde todo mundo sai perdendo. Principalmente o estagiário.
Você está lá, cercado de um monte de gente melhor do que você.
Profissionais que estão dando dicas, conselhos e oportunidades para
você mostrar o seu trabalho. Cada hora, cada minuto, cada segundo
num ambiente assim é valioso.
Por que ficar apenas seis horas? Onde você aprende mais: dentro de
uma agência ou em casa, coçando o saco?
Se você for contratado para trabalhar seis horas, já se coloque à disposição para trabalhar mais, bem mais. No final das contas, é bom
para você.
89
capítulo 3 – Dentro da agência
as mortas da perestroika
Bem mais é beeeeeeem mais.
Quando você decide trabalhar com publicidade, tenha em mente o
seguinte: a sua jornada de trabalho vai longe. Muitas vezes, entra final
de semana e só termina quando o Tadeu Schimidt está mostrando os
gols do Fantástico.
Não fui eu que inventei isso. É a forma como o mercado da propaganda se organizou (ou se desorganizou).
Essa é a regra do jogo. Se você não concorda, beleza. Não precisa
entrar em campo. Mas se entrar em campo, não pode reclamar de
carrinho no tornozelo.
Moral da história: não seja um desses estagiários chatos que reclama
dos horários malucos. Isso é um absurdo, é desumano. Não está satisfeito? Peça demissão. Ou você acha que uma empresa inteira vai se
adequar ao seus horários?
Conheço um monte de agência pequena que termina o expediente
diariamente às 18h30. Mas só faz trabalhos de menor visibilidade. É o
que você quer? Então vá lá.
Aí, você pode dizer que tem gente que ganha bem, só faz trabalhos
grandiosos e trabalha pouco.
Claro, esses empregos existem, sim. Mas são pouquíssimos. E disputados pelo melhores dos melhores. Você, que recém começou, ainda
está muito longe dessa cadeira.
Dica de sobrevivência
na selva: não coloque tudo
a perder nas baladas
da empresa.
Existem agências e agências. Mas todas elas fazem algum tipo de
comemoração. Ou quando conquistam uma conta nova, ou quando
ganham um grande prêmio, ou – se o ano for magro – a festa de
final de ano.
De novo: existem agências e agências. Em algumas, ninguém se importa se você tomar um porre, vomitar no meio da pista e chegar solando na mulher do VP. Em outras, todo mundo vai ficar de olho quando você pedir o segundo whisky.
Já pensou? Você demora anos para construir uma reputação e duas
tequilas colocam tudo a perder?
Em geral, chega uma hora na festa em que o álcool pega. Quem não
quer incomodação, vai embora. Quem está para a maldade fica.
A partir daí, está liberado.
91
capítulo 3 – Dentro da agência
as mortas da perestroika
Essa história é real e ajuda a reforçar um ponto de vista que tenho:
qualquer um se acha um bom avaliador de propaganda.
Antes de chegar
nos finalmentes:
três coisas que todo
mundo acha que tem.
Propaganda é um meio extremamente subjetivo. Isso dá margem para
muita discussão e opiniões controversas.
No início da carreira, é legal fugir do fogo cruzado. Então, já ligue o
seu radar para os três pontos a seguir:
1. Bom senso
Você já ouviu alguém dizer Eu não tenho bom senso?
Eu nunca vi. Mas já vi muita reunião discutindo se fulano teve bom
senso ou não. Quando isso acontecia, era um saco. Nunca se chegava a uma conclusão.
Pense comigo: cada pessoa tem um critério diferente. E como não
existe uma Lei Universal, que determine o que é certo e o que é errado
na publicidade, toda a pessoa tem a sensação de que o seu critério é
melhor que o dos outros.
Por isso que, se você não cuidar, sua peça vai receber pitaco de todo
mundo. Até da tia do café.
3. Caráter
Você tem um amigo que é apaixonado por uma mulher gostosíssima.
Mas ela não quer nada com o cara, e sim com você. Dar em cima da
gatinha é sacanagem?
Uns vão dizer que sim, outros vão dizer que não. Depende do grau de
amizade, da gostosa, e principalmente: dos conceitos que vocês têm
sobre o assunto.
Eu já vi muito filho da puta fazer filhadaputice. E na maioria das vezes,
eles não se achavam filhos da puta por isso. Sempre tinham uma justificativa – que para mim não fazia sentido, mas para os caras era mais
do que suficiente.
De novo: é tudo uma questão de bom senso e critério.
2. Critério
Certa vez, uma menina, que estava quase se formando, foi pedir estágio. Quando perguntaram se ela queria Redação ou Direção de Arte,
a garota disse Direção de Criação. Eu não sou muito boa fazendo propaganda, mas sou ótima avaliando peças.
Por isso, sempre que você fizer alguma coisa, e o pessoal olhar torto,
avalie a situação. De repente, na sua cabeça, está tudo bem. Mas os
outros podem estar tirando você para mau caráter.
93
as mortas da perestroika
E finalmente: aproveite.
O estágio teria tudo para ser uma etapa de merda na sua carreira.
Você trabalha um monte. Pega só craqueira. E sempre que alguma
coisa dá errado, sobra para você.
Mas o estágio é uma das épocas mais legais da vida profissional. E
a última dica desse capítulo é justamente essa: aproveite. Curta. Tem
um lado muito legal de ser estagiário.
P.S.: Apesar de ser uma fase legal, eu não vou enrolar você. Uma hora,
a coisa perde o encanto. E aí, quando o leite começa a azedar, é hora
de pular para o capítulo quatro.
capítulo 3 – Dentro da agência
95
capítulo 4
as mortas da perestroika
capítulo 4 – Trocando de emprego
Antes de qualquer coisa:
planeje a sua carreira.
Mudar é importante
para a sua formação.
É fácil planejar o seu dia. Hoje eu vou acordar, trabalhar durante a manhã, ao meio-dia vou na academia, volto para agência, depois vou para
a aula e quando voltar, durmo na minha namorada.
Se você trabalhar durante anos em apenas uma agência, com um
mesmo time de criadores, você vai aprender tudo o que eles têm de
bom. Mas também vai aprender tudo o que eles têm de ruim.
Também não é difícil planejar o seu mês. Até o dia 15 eu vou economizar, no terceiro final de semana eu vou para a praia, perto do dia 30 eu
faço uma puta balada com a grana que sobrar.
Ou você acha que os grandes profissionais não têm defeitos?
Têm sim. E depois de consagrados, aí sim é que eles não mudam mais.
Agora, você consegue planejar os próximos seis meses? Os próximos
dois anos? Os próximos cinco anos?
O complicado de trabalhar num lugar só é que você fica com uma
visão viciada e limitada. Dois defeitos que um criador não pode ter.
Infelizmente, é um mal necessário. Porque você só vai saber se
uma decisão na sua carreira é certa ou errada se souber qual é o
final da história.
E, não por acaso, a melhor época para trocar de agência é quando
você é estagiário. Os compromissos são menores. As consequências
são menores. Até o interesse em segurar você vai ser menor.
E saiba que todo plano foi feito para ser mudado. O plano é um guia,
não um cão-guia. Você não precisa seguir cegamente.
99
as mortas da perestroika
Para saber se é hora
de mudar, preste atenção
nessas duas coisas.
1. A pasta estagnada.
Não é regra, mas um bom indicativo para saber se o seu atual emprego está legal é analisar a sua pasta. Se faz horas que você não coloca
nenhuma peça nova no portfólio, das duas, uma:
Ou você só está pegando trabalhos que não estão contribuindo para
o seu crescimento. Craqueiras que não ensinam nada. E que também
não dão oportunidade de você mostrar o seu potencial;
Ou você está desmotivado e não está rendendo o melhor que pode. O
que também é um sinal de que talvez seja a hora de sair.
capítulo 4 – Trocando de emprego
Mudar é importante
para a sua formação.
E sua formação
é importante para
toda a sua carreira.
Um jogador de futebol, enquanto está nas categorias de base, recebe constante orientação. Tem sempre alguém por perto ensinando os
fundamentos básicos, como o cabeceio, o passe e o chute. Tolerando
os erros e indicando os atalhos do campo.
O período de formação é muito importante e não pode ser atropelado.
Quando o jogador sobe para os profissionais, ele precisa estar pronto.
Porque nos profissionais, ninguém vai pegar o jogador pela mão e
dizer Não, filho, é assim que se chuta.
2. O copo encheu.
Se você não der resultado, vai para o banco. Ou pode até ser dispensado.
Existem também aqueles momentos em que você simplesmente enche o saco. Por mais que esteja crescendo, por mais que a sua pasta
ganhe uma peça nova por semana.
Via de regra, todo emprego tem um prazo de validade.
Craques como o Ronaldinho Gaúcho ou o Alexandre Pato poderiam
subir para os profissionais antes do tempo. Eles eram tão bons que,
já com 15 anos, teriam condições de disputar de igual para igual
com os grandalhões.
Os criadores são pessoas que gostam de mudança, do novo. A rotina,
para esse tipo de gente, é um vilão ainda mais malvado.
O problema é que esse período é precioso na formação. E se for tirado
do jogador, nunca mais será recuperado.
101
capítulo 4 – Trocando de emprego
as mortas da perestroika
O mesmo acontece com o estagiário de publicidade. Porque depois
que você é contratado, a exigência muda. Antes você tinha alguém
para orientá-lo, agora você vai ter alguém para cobrá-lo.
Se você não aprender o que precisa aprender na hora certa, não aprende mais. Então, por favor: não atalhe a sua formação. Não se deixe seduzir por uma proposta de contratação antes que você esteja pronto.
Essa é a maior burrice que você pode fazer com a sua carreira.
Conheço vários caras que queriam o cargo de Redator ou de Diretor
de Arte. Queriam deixar o posto de estagiário a qualquer custo. Queriam subir para os profissionais antes da hora. Mas ainda não sabiam
chutar nem cabecear.
Resultado? Hoje estão jogando no Bragantino.
Você não precisa
crescer rápido.
Precisa crescer sempre.
Um redator demora no mínimo três anos para se formar. Dois como estagiário e mais um como Redator Júnior (que é um estagiário com grife).
Isso quer dizer que, se você conseguir um estágio no primeiro semestre da faculdade, e fizer tudo certo, só vai conseguir um contrato
pouco antes de se formar.
No início, você vai fazer bons títulos, boas ideias visuais e bons textos. Esse é o mínimo que se exige de alguém que queira trabalhar
com Redação.
Depois, você tem que ser capaz de criar campanhas. Conceitos fortes
que se desdobrem em várias mídias.
Em seguida, você tem que criar boas peças de rádio e, talvez, comerciais
baratos de TV. Tem que saber brifar um produtora. Mais: você tem que
conseguir analisar a produção e dizer se ela está boa ou não. Você tem
que detectar os problemas e pedir alterações, até que ela fique boa.
Achou muito?
Pois um diretor de arte demora o dobro. Se você for assistente de
alguém bom, você precisa de no mínimo dois anos de estágio. Se for
você um cara mais ou menos, o ideal é ficar três anos.
103
as mortas da perestroika
capítulo 4 – Trocando de emprego
Isso para aprender só o básico, como diagramação, combinação de
cor, escolha de fonte e montagens fotográficas.
Depois do estágio, você precisa de mais dois anos como Diretor de
Arte Júnior. Só então você vai aprender os processos mais complexos,
como produção de foto e ilustração.
O que já dá uma dica.
Se for preciso,
pedale a faculdade.
Fique esperto com a relação Estágio vs. Formatura. Se você não estiver com perspectivas de contratação, não adianta se formar. Muitas
vezes, vale a pena prorrogar alguns semestres para não sair da faculdade com uma mão na frente e outra atrás.
Alguns pais incomodam, porque querem que os filhos se formem nos
quatro anos. Mas o mais importante é o seu bem. Então, se for necessário, e se for possível fazer esse esforço financeiro (todo novo semestre existem taxas de matrícula), converse com eles e tome a decisão
que for melhor para a sua carreira.
Se ajudar, mostre esse capítulo para os seus pais e diga que a culpa
é minha.
105
as mortas da perestroika
capítulo 4 – Trocando de emprego
Voltando ao ponto
principal deste capítulo:
Você pode contratar
o seu novo chefe.
Você chegou à conclusão que é hora de trocar de agência. Então, prepare-se para o seu tour.
Pintou uma oportunidade em outra agência. Será que vale a pena?
Agende entrevistas nos principais lugares. Se você é estagiário, provavelmente ninguém conhece você e o seu trabalho. É hora de se
apresentar para o mercado.
Faça isso de forma discreta. É chato quando descobrem que você
está mostrando pasta por aí. Até porque, quando a entrevista é durante o expediente, você vai ter que inventar uma desculpa (Vou ao
médico). E toda vez que você sai, deixa a pauta pendurada para
outro resolver.
Lembre-se também que a chance de rolar alguma coisa imediatamente é baixa. Então, assim que você sentir que é hora de mudar, faça o
tour o quanto antes.
A melhor maneira de saber quem é quem no mercado são os Anuários.
Lá está a ficha corrida de todo mundo. Inclusive daquele cara que
chamou você para uma entrevista.
Não esqueça: antes de saber se ele quer contratar você, você deve
saber se quer ser contratado por ele. Isso vai determinar o tom da
entrevista, as suas respostas e a sua postura.
107
as mortas da perestroika
capítulo 4 – Trocando de emprego
Abrindo parênteses:
o que é um Anuário.
A partir daí,
vão surgir coisas.
A maioria dos festivais de propaganda geram, ao final do evento, um
livro/DVD que reúne as peças vencedoras e suas respectivas fichas
técnicas. Assim, você sabem quem fez o que.
E você começa a viver os seus primeiros dilemas profissionais.
Em outras palavras: é um registro do que de melhor foi feito naquele ano.
O CCSP (Clube de Criação de São Paulo) é o mais famoso do Brasil,
com trabalhos das principais agências do país. Visite www.ccsp.com.
br e encomende o seu.
Existem também os Anuários gringos, como o AD&D, o Art Directors
e o The One Show.
Uma maneira barata é encomendar pela Amazon. Demora mais que
via os revendedores locais, e é chatinho de achar. Mas sai mais em
conta e compromete menos o seu salário.
Especialmente se o seu salário ainda é uma bolsa-estágio.
109
capítulo 5
as mortas da perestroika
Quando chamam você
para uma entrevista.
capítulo 5 – Primeiros dilemas profissionais
Durante a entrevista, você tem que saber o seu objetivo. Você quer
trabalhar com essa pessoa? Você quer trabalhar nessa agência? Você
quer trabalhar com essas contas?
Primeira parte da
entrevista: você vai ouvir
exatamente o que quer.
Por isso, ouça com atenção.
Essas são algumas perguntas básicas que você tem que considerar antes da conversa, e não durante a conversa. Porque aí, você será capaz
de tirar as informações que você precisa para tomar a sua decisão.
Primeiro ouça. Se o entrevistador for um cara esperto, ele vai dizer
exatamente o que você quer ouvir. Lave bem os ouvidos. Mas sempre
deixe uma pulga atrás da orelha.
Acho esse um erro bem comum cometido pelos estagiários. Eles dizem: Vou lá só ouvir. E levam isso ao pé da letra. Vão lá só para ouvir
mesmo. Em vez de aproveitarem a oportunidade para perguntar.
Tenha em mente que o entrevistador não mente. Mas sempre conta
uma versão conveniente da verdade.
Conveniente para ele, não para você.
Já dizia Guillaume D’Orange: Não há vento favorável para quem não a
que porto se dirige.
Só depois de pensar bastante sobre os pontos positivos e negativos
de trocar de emprego você vai estar preparado para a entrevista.
A pessoa que estiver entrevistando você vai falar só maravilhas. Como
a agência é interessante, das oportunidades que você vai ter, as pessoas legais que vai conhecer. Sempre com aquele leve exagero, natural das tentativas de persuasão.
Da mesma forma, sempre vai usar eufemismos para as coisas ruins.
Em vez de dizer que o seu dupla é vagabundo, por exemplo, ele vai
dizer que o seu dupla é um cara mais low profile.
Fique atento a esses detalhezinhos.
113
as mortas da perestroika
Use o feitiço
contra o feiticeiro.
A primeira coisa importante é não se expor. Não entre em terrenos
perigosos. Evite polêmicas. Evite opiniões muito fortes. Dê respostas convenientes.
Eles não estão procurando um Prêmio Nobel. Estão procurando
um estagiário.
Evite falar dos seus defeitos. Se por acaso você tiver que abrir o jogo,
use eufemismos também. E sempre que houver oportunidade, valorize os seus pontos fortes. Mas de forma natural.
capítulo 5 – Primeiros dilemas profissionais
Faça o tema de casa.
Entre no site da agência. Veja os trabalhos que foram feitos. Entenda
a filosofia da empresa. Tente identificar a visão de propaganda que
essa pessoa tem.
E fale exatamente o que ele quer ouvir. Se você fizer isso, e fizer bem
feito, estará ali, ali para chegar lá.
115
as mortas da perestroika
Bom humor é mais
do que bom.
Pessoas contratam pessoas. Se você é um cara legal e interessante, aja
naturalmente. Se você não é, tente ser. Pelo menos durante a entrevista.
Bom humor é uma coisa que pega muito bem na entrevista. Rir na
medida certa e fazer rir na medida certa é uma grande dica.
Às vezes, para descontrair o clima, o entrevistador faz uma ou outra
piadinha. Não veja isso como um sinal verde para você lançar o seu
arsenal de tiradas geniais. Vá com calma.
Conheço um estagiário que passou por todas as etapas da triagem de
uma grande agência. Então, foi falar com o Diretor de Criação, que começou a entrevista com uma piada de gaúcho. O estagiário devolveu,
fazendo uma piada de catarinense.
capítulo 5 – Primeiros dilemas profissionais
Segunda parte da
entrevista: as perguntas
certas são mais
importantes que
as respostas certas.
A partir daí, vão aparecer oportunidades para você questionar. Pergunte, dentro do limite do bom senso, tudo o que você deseja saber.
Fique atento aos sinais corporais. Se você perguntar alguma coisa, e
o entrevistador cruzar os braços, ou se encostar para trás, é sinal de
uma postura defensiva. Você deve ter tocado num ponto delicado.
Também atente para os atos falhos. Por mais experiente que seja o
entrevistador, ele pode muito bem cometer um deslize.
Ele só esqueceu de um detalhe: o Diretor de Criação era de Santa Catarina.
E nunca esqueça desses dois pontos.
117
as mortas da perestroika
capítulo 5 – Primeiros dilemas profissionais
É como no jogo de sedução. Você não pode sair disparando logo de
cara (Vamos para um motel?). Por outro lado, tem que dar alguma dica.
Então, quer uma carona?
Ponto um: você sempre
está satisfeito com o seu
atual emprego. Mesmo que
você não esteja.
Mais um detalhe: tome cuidado ao afirmar que adora trabalhar com
Fulano, que Fulano sabe muito, que Fulano é muito bom. Não supervalorize o seu atual chefe – ainda mais, se você estiver vindo de uma
agência menor.
Quando perguntarem se você está feliz, não titubeie. Diga que você
está feliz, sim. É uma questão de sobrevivência.
Talvez ele não seja tão bom assim e você já demonstre uma falta de
critério.
1. Detonar o seu atual emprego soa, no mínimo, arrogante. Já pensou se ele é amigo do seu chefe? É queimação na hora. O mercado
é muito pequeno e todo mundo se conhece.
2. Se você demonstrar desinteresse pelo atual emprego, talvez
passe uma certa desmotivação. E tudo o que ele não quer é um
estagiário sem energia.
3. E o mais importante: abrindo totalmente o jogo (Aceito qualquer
proposta!), você parece meio desesperado e se desvaloriza.
Então, lembre-se: você está feliz no seu emprego, no matter what.
Mas não assuste o entrevistado ao ponto dele pensar Pô, esse cara
está tão feliz que eu nunca vou conseguir contratá-lo.
É fundamental verbalizar uma possível troca de ares. Se você fizer
muitas juras de amor ao seu atual emprego, talvez ele nem faça
uma proposta.
O melhor a dizer é algo assim: Feliz eu estou, mas também sempre
penso em crescer. Um novo desafio pode ser bom a minha carreira.
Por que não?
119
capítulo 5 – Primeiros dilemas profissionais
as mortas da perestroika
Ponto dois: você sempre
deve demonstrar
interesse. Mesmo se não
tiver interesse nenhum.
Vai chegar um momento da entrevista que vão perguntar: E aí, você
está a fim?
Você sempre deve demonstrar interesse. Mesmo que você já saiba
que vá recusar a proposta.
Por quê? Bom, analise bem a situação sob o ponto de vista do cara
que quer contratar você:
Alguém, que é mais experiente que você, está fazendo um convite.
Dizer não, assim, na lata, pode soar ofensivo. Por mais convincentes
que sejam os seus motivos. Ninguém gosta de ser renegado. Especialmente por um estagiário. Ora, quem esse moleque pensa que é
para recusar minha oferta?
Sou partidário de sempre acenar positivamente, mas sem se comprometer. Algo como: Olha, achei a proposta bem legal, bem interessante,
mas eu preciso falar com o pessoal lá da agência para ver direitinho
como ficam as coisas. Posso dar uma resposta definitiva até 19h?
É hora de ganhar tempo. É hora de ganhar o máximo que a situação permitir. Uma proposta na mão é a única e principal arma de um estagiário.
Cenários.
Com a proposta na mão, você tem vários cenários. Escolha o que melhor combina com o seu momento e tente sair no lucro. Agora, nada de
ser malandrinho e nem de ficar se achando. Todo cuidado é pouco.
121
as mortas da perestroika
Primeiro cenário: você
não quer trocar de
agência. Quer deixar tudo
exatamente como está.
Essa é a mais fácil de todas. Basta ligar, ou mandar um e-mail (dependendo do que ficar combinado):
Conversei com o pessoal aqui e eles me prometeram algumas mudanças que vão ser bem legais para mim. Fiquei muito balançado,
porque as duas propostas são ótimas. Mas dicidi ficar. Muito obrigado pelo convite, fiquei muito feliz pelo interesse. Espero ainda
trabalhar com vocês um dia.
Se existem realmente mudanças, se houve realmente uma conversa,
isso é irrelevante. O importante é você demonstrar que realmente considerou a proposta. E que só não aceitou porque a situação que propuseram na sua atual agência foi realmente muito boa.
O cara não pode pensar: Que estagiário FDP, se queimou comigo! Tem
que pensar: Puxa, que pena. Quase deu. Fica para a próxima.
Ah: não deixe de falar para o seu atual chefe que você recebeu a proposta. Ele precisa saber que você está sendo sondado.
capítulo 5 – Primeiros dilemas profissionais
Segundo cenário: Você não
quer trocar de agência.
Mas quer aproveitar
a oportunidade para
tentar alguma valorização.
A resposta continua a mesma. O que muda é a conversa entre você e
o seu chefe. Nesse caso, você tem que convocar o bate-papo o quanto antes. E colocar a situação, sempre com muita humildade:
Recebi uma proposta para trabalhar na agência Tal. Eu gosto muito
daqui, não quero sair, mas eles sinalizaram algumas coisas bem
interessantes, oportunidades que eu não tenho hoje. Eu estou bem
dividido. Então, queria saber se existe alguma possibilidade das
coisas mudarem aqui na agência. Se existe a chance de eu receber
um aumento ou ser contratado. Isso certamente me faria ficar. Eu
quero muito continuar aqui, mas estou bem na dúvida.
Assim, você mete uma pressão de leve, sem botar o seu chefe na parede. E não cria um clima ruim para depois dizer: É, realmente, pensei
bem e decidi ficar.
Seja porque foi contratado. Seja porque recebeu um aumento. Ou não.
123
as mortas da perestroika
capítulo 5 – Primeiros dilemas profissionais
nidade de trabalhar nesse ramo. E lá, eu vou cuidar de uma das
maiores contas de Moda do Brasil. Não tem dinheiro que pague
essa experiência.
Terceiro cenário: Você
nem quer ouvir uma
contra-proposta. Quer
sair de qualquer jeito.
Teoricamente, essa aqui também é barbada. É só comunicar a sua
saída. Se ninguém oferecer resistência, está resolvido.
O problema é que, às vezes, o pessoal da sua atual agência se ofende
com a decisão. Ou discorda da sua posição. E fica enchendo o saco.
Para evitar qualquer constrangimento, para se esquivar de qualquer
tipo de contra-proposta supostamente irrecusável, o jeito é arranjar
um argumento que o seu futuro empregador possa oferecer, e o seu
atual não. Só assim você sai ileso.
Entendeu? Você tem que dizer que, na nova agência, vai receber uma
coisa que o seu atual chefe não possa oferecer.
Certa vez, eu recebi uma oferta muito boa. Por outro lado, eu sabia
que meu Diretor de Criação faria todo e qualquer esforço financeiro
para me manter. Como eu queria ir de qualquer jeito, já comecei a
conversa sem dar muita chance:
As nossas principais contas são de Indústria e Varejo. Adoro
atender esses clientes. Mas eu não serei um Redator completo
se eu não aprender a criar para Moda. Eu ainda não tive oportu-
Ele ficou mudo por alguns instantes, deu um sorriso meio amarelo e
fez aquela cara de Bom, o que eu vou fazer? Depois emendou: Quando é o seu ultimo dia?
O papo não durou nem cinco minutos.
125
as mortas da perestroika
Quarto cenário: você
está inclinado a sair. Mas
dependendo da contraproposta, até pode mudar
de ideia e ficar.
Esse é uma mistura do segundo com o terceiro cenário. A diferença
é que, aqui, a pressão é maior. Você já tem que chegar mais decidido.
Mas sempre na humildade:
Recebi uma proposta para trabalhar na agência Tal. Eu gosto muito
daqui, não quero sair, mas eles sinalizaram algumas coisas bem interessantes, oportunidades que eu não tenho hoje. Então, botando
a minha situação atual na balança, decidi ir. Ainda não respondi para
os caras. Preferi falar primeiro com vocês, até para saber se existe
alguma possibilidade de mudança na minha posição. Se existe, por
exemplo, alguma chance de eu receber um aumento ou ser contratado. Isso poderia tranquilamente me fazer trocar de ideia.
Quando perguntarem os motivos que fizeram você ir, arranje sempre
argumentos que não possam ser oferecidos pela sua agência atual.
Como no cenário três.
Aí, é ver como as coisas se desenrolam.
capítulo 5 – Primeiros dilemas profissionais
Quinto cenário: você está
completamente indeciso.
Antes de qualquer outra dica duvidosa, eu tenho uma dica infalível.
Quando você está passando por um dilema (no caso, um dilema profissional), preste muita atenção e avalie muito bem os seus conselheiros.
A coisa mais importante que eu aprendi fazendo terapia foi que, em
geral, as pessoas dão opiniões completamente irresponsáveis. Normalmente, elas não conseguem se colocar na sua pele. Julgam a situação a partir do próprio ponto de vista, sem considerar o que você
está sentido, os seus valores e os seus interesses.
Cansei de ver vários profissionais experientes dando dicas muito ruins.
Cansei de ouvir vários conselhos muito ruins. Inclusive de amigos bem
próximos. Pessoas inteligentes, mas com dificuldade de se colocar na
minha posição.
Então, aí vai um conselho: cuidado com os conselhos. Especialmente
quando você estiver totalmente dividido.
(Como você pode notar, esse tópico coloca em xeque todos os meus
conselhos anteriores. Por isso eu não coloquei lá no início do livro.
Agora é tarde.)
127
as mortas da perestroika
Sexto cenário: Você
consultou as pessoas
certas. Mas continua
indeciso.
Eu ainda não li o Blink: A Decisão Num Piscar de Olhos. Mas, assim
como o Silvio Santos, recomendo.
Na verdade, achei tão interessante o assunto do livro que tratei de
procurar resenhas e críticas na Internet, além de me informar com
pessoas que já leram.
O livro fala, entre outras coisas, da importância da intuição. Ele explica
que uma parte do nosso cérebro, chamada de inconsciente adaptável,
é capaz de realizar associações em frações de segundo. Assim, ele
chega a conclusões antes que a gente racionalize, antes que se tome
consciência do que está acontecendo.
Eu sempre acreditei no meu feeling. E até hoje continuo ouvindo com
atenção o anjinho e o diabinho que ficam do lado da minha cabeça.
Bom, tudo isso para dizer que: quando você está vivendo um dilema,
você provavelmente já tomou a decisão. E tomou no exato instante
que comparou A com B.
Depois, você fica ali, enrolando, tentando encontrar argumentos racionais para justificar a sua escolha. Mas ela, lá dentro da sua cabeça,
já está feita.
capítulo 5 – Primeiros dilemas profissionais
Como colocar em prática
o Método Blink.
Responda de bate-pronto: você quer A ou B? Não pense, simplesmente responda.
Talvez o seu lado racional não consiga explicar o porquê. Mas é, sem
dúvida, um bom jeito de chegar a uma decisão. Especialmente se o
jogo continua empatado depois do tempo normal, da prorrogação e
dos pênaltis.
Outro jeito simples é fazer um cara ou coroa. Quando você jogar a
moeda para o alto, vai naturalmente torcer para uma das alternativas.
Só não abuse. Eu confio no meu feeling. Mas não usaria, por exemplo,
o Método Blink na pergunta final do Show do Milhão.
129
as mortas da perestroika
Sétimo cenário: para quem
não confia no Método
Blink, o Método Tabelinha.
Outro método consagrado é a Tabelinha.
Você faz quatro colunas. Nas duas primeiras, coloca os prós e os contras do seu atual emprego. Nas outras, coloca as vantagens e desvantagens do novo. Depois compara tudo e tenta tirar alguma conclusão.
Para muita gente, funciona. Mas para mim, ele parece muito racional
e só complica.
capítulo 5 – Primeiros dilemas profissionais
Não se acaba namoro
por sms.
Você é um comunicador. Use o meio certo para mandar a sua mensagem.
Se você vai recusar uma proposta de emprego, pense bem. Algumas
coisas você pode mandar por e-mail. Outras, justificam uma ligação. E
quando o papo é mais delicado, a conversa tem que ser olho no olho.
131
as mortas da perestroika
capítulo 5 – Primeiros dilemas profissionais
Nunca feche portas.
Eu preciso da grana.
A maioria das portas de agência são giratórias: ela leva você para dentro. Mas rapidinho, pode estar levando você para fora.
Se você depende do dinheiro que ganha, a sua situação é um pouco
mais complicada. E exige um planejamento muito maior, já que você
precisa encontrar uma oportunidade que seja mais interessante para
você. Seja ganhando mais. Seja ganhando o mesmo, mas num lugar
mais legal. Seja ganhando mais – e num lugar mais legal.
Seja lá qual for a sua decisão, nunca se queime com ninguém. Mesmo
que seja uma agência pequena ou um profissional que você não admire. Trate todo mundo com o mesmo respeito que você teria com o
Diretor de Criação da sua agência favorita.
Se não for por amor ao próximo (é legal tratar todo mundo bem, você
não acha?), pelo menos por amor próprio.
O único conselho que eu dou para você é tomar cuidado com a estagnação. Quem depende do dinheiro geralmente corre menos riscos.
Esse tipo de gente costuma tomar decisões seguras demais para um
criador. E, muitas vezes, esse conservadorismo é justamente uma boa
causa para darem um belo pé na sua bunda.
A melhor maneira de não virar um refém dessa situação é o Fundo
Foda-se.
133
as mortas da perestroika
Fundo Foda-se
Eu acredito que todo profissional, de todo e qualquer nível, deveria ter
um fundo, onde estejam acumulados seis salários.
Isso é uma garantia dupla. Primeiro, porque se você for demitido, não
precisa se sujeitar a qualquer proposta.
A segunda é que, assim, você pode ter a liberdade de trabalhar nas
condições ideais. Pode dar opiniões sinceras, sem medos de retaliações. Pode criar sem um peso desnecessário nas costas.
Em suma: assim, você não precisa vira nem um puxa-saco, nem
um burocrata.
capítulo 5 – Primeiros dilemas profissionais
O dilema mais comum:
viagem ou trampo?
A pergunta que a maioria dos estagiários que me procurava era: eu
tenho muita vontade de viajar, fazer um intercâmbio. Será que devo?
Claro que deve. Não conheço ninguém, absolutamente ninguém, que
se arrependeu de passar um tempo fora.
Eu garanto que uma viagem vai ensinar muito mais do que você pode
aprender dentro de uma empresa. E, na maioria dos casos, você ainda
volta falando uma outra língua, que é um puta diferencial competitivo.
Um amigo meu sempre dizia que comer e viajar são as quatro melhores coisas da vida. Não sei se são. O que eu sei é que, quando se é
novo, e dependendo do roteiro, uma viagem dá bastante oportunidade para fazer as outras três.
135
capítulo 5 – Primeiros dilemas profissionais
as mortas da perestroika
A pergunta de
um milhão de dólares.
Às vezes, a gente pede conselhos. Mas são perguntas que apenas
nós mesmos podemos responder.
Você já deve ter se deparado com a famosa pergunta de um milhão de
dólares. O que eu quero para a minha vida?
Se você tiver dificuldade para respondê-la, simplifique. O que eu quero para a minha vida AGORA?
Quero ficar na minha cidade ou viajar? Quero investir no meu atual
emprego ou dar uma espairecida? Quero trocar de profissão ou continuar na mesma?
Se você pensar num período de dez anos, vai ver que essa pergunta
ganha um peso desproporcional. Às vezes, tudo o que a gente precisa
saber é o que vai fazer pelos próximos três meses.
Tudo termina bem.
Você pode simplesmente ignorar para todas as sugestões que eu dei
aqui. E ainda assim, eu tenho certeza que tudo vai dar certo para você.
As coisas sempre terminam bem. Sempre.
O único erro que eu tenho certeza que você não pode cometer é o da
enrolação. Não fique esperando as coisas acontecerem. Não fique aí
parado. O mundo está lá fora esperando por você.
Vai lá e faz.
137
capítulo 6
capítulo 6 – melh0rando o seu trabalho
as mortas da perestroika
Fica mais legal. Mas não daria para dizer isso de uma forma ainda
mais bacana?
A nossa maior matériaprima: informação.
Um pedreiro precisa de tijolos para levantar a sua parede. Um marceneiro precisa de madeira para desenvolver suas peças.
E um criador publicitário, o que precisa?
Antes de tudo, de conhecimento, informação, referências, bagagem.
O motivo é muito simples. Uma peça publicitária nada mais é do que
a reorganização de informações que já existem. O papel do criador é
tornar essa informação mais interessante – com humor, emoção ou
racionalidade.
Um exemplo.
Se você me pedir para definir a Dercy Gonçalves, eu poderia tirar da
Wikipedia: Dolores Gonçalves Costa, conhecida pelo nome artístico
Dercy Gonçalves, foi uma atriz brasileira, oriunda do teatro de revista,
notória por suas participações na produção cinematográfica brasileira
das décadas de 1950 e 1960.
Tudo é verdade. Mas se pegarmos o segundo parágrafo, ela parece
muito mais interessante.
Celebrada por suas entrevistas irreverentes, bom humor e emprego
constante de palavras de baixo calão, foi uma das maiores expoentes
do teatro de improviso no Brasil.
A Dercy não morria nunca porque, toda vez que a morte chegava para
levá-la, a veia mandava ela tomar no cu.
Viu?
E por que foi possível evoluir da primeira para a segunda forma? Porque tivemos mais informação, e com mais informação, pudemos escolher aquilo que torna a Dercy mais simpática para quem está lendo.
Em seguida, fizemos um trabalho de processamento da informação:
pegamos parte do primeiro parágrafo e parte do segundo e demos
uma forma.
141
capítulo 6 – melh0rando o seu trabalho
as mortas da perestroika
Conclusão óbvia.
Quanto mais informação você tem, maior a sua capacidade de encontrar
o lado mais simpático do produto/marca que você quer vender.
Informação: faça uma
suruba na sua cabeça.
Quando um homem e uma mulher se conhecem na noite, ninguém quer
se comprometer muito. Ninguém quer queimar o filme logo de cara. Então
os dois ficam se estudando, com perguntas clichê e respostas evasivas.
Por exemplo: quando um pergunta sobre o gosto musical do outro,
vem a resposta. Eu sou bem eclético, curto de tudo.
Ser eclético não é só bom em papo de balada. Ser eclético é fundamental para quem quer ser um bom publicitário. Inclusive dizem que
Na propaganda, você tem que ler tudo, ver tudo, ouvir tudo.
Apesar de ser meio batido, é mais ou menos por aí mesmo. Porque
quando o cara tem uma formação muito popular, acaba não conseguindo sofisticar de terminadas peças que precisam de um polimento especial. Ao mesmo tempo, quando o cara é muito erudito, não sabe quem
é o personagem central da novela das oito. Também não funciona.
O legal é quando você realmente gosta de tudo. Quando você consegue transitar com tranquilidade por esses mundos.
Se você é fã de BBB, mas também fica amarradão com os documentários do History Channel, tem tudo para se dar bem.
E quem não curte?
Bom, quem não curte se ferrou. Vai ter que ser na marra. Cultura geral
é ferramenta de trabalho.
143
as mortas da perestroika
capítulo 6 – melh0rando o seu trabalho
Crítica também é matériaprima. E uma das melhores.
As ideias mais simples são
as que dão mais trabalho.
A maioria das pessoas, quando mostra o trabalho para os colegas
de agência, pedindo uma opinião, mostra para ouvir elogio. Se você
critica, sugere uma mudança, coloca um ponto de vista diferente, normalmente ouve uma resposta defensiva.
O Marcello Serpa diz, no livro As 22 Consagradas Leis da Propaganda
e Marketing, uma coisa que eu levei para o resto da vida:
É, mas isso aí veio no briefing.
É, mas isso aí foi um pedido do cliente.
O simples só é sofisticado, só é valorizado quando é descoberto antes de se tornar óbvio. (...) Foi preciso que alguém pensasse
primeiro, que descobrisse a idéia, para que outro alguém pudesse então dizer ‘uau, por que não pensei nisso antes?’ E, apenas
depois desta frase, repetida por muitos, é que uma idéia simples
transforma-se no óbvio.
É, mas isso aí foi ordem do meu Diretor de Criação.
A crítica não pode ser levada como uma coisa ruim. Pelo contrário:
crítica é uma coisa maravilhosa.
Se crítica também é informação, crítica também é matéria-prima. Enxergue ela como mais um dado que você pode usar a seu favor para
deixar o trabalho melhor.
Quando você vir uma ideia muito simples (não confunda ideias simples com ideia simplória), não pense que ela foi concebida rapidamente. Ao que tudo indica, foi fruto de muito trabalho.
Observe as ideias simples e tente encontrar o que existe de genial por
trás do seu raciocínio. Toda ideia simples é uma aula de propaganda.
145
as mortas da perestroika
Você não é um gênio
incompreendido.
Aqui na Perestroika, eu tive oportunidade de ter contato muitos caras
bons. Em alguns casos, com os melhores dos melhores, nas mais
diversas áreas. E engraçado: todos os caras realmente geniais que eu
conheci não se achavam gênios. Se consideravam pessoas comuns,
com algum talento e muita sorte.
Imagine você, no início da carreira, já se achando o fodão. Você acha
que isso vai ajudá-lo? Provavelmente não, né?
Com o nariz empinado, você não vê direito o que tem pela frente. A
chance de você tomar um tomar um tombo mais cedo ou mais tarde
é grande.
Então, seja humilde. Por mais que você olhe para os profissionais
mais experientes e veja mediocridade, você nunca pode pensar que é
melhor que os caras do topo da pirâmide.
Nessa etapa da vida, você provavelmente não é.
capítulo 6 – melh0rando o seu trabalho
Talento é algo discutível.
Quando você olha uma pessoa fazendo um desenho à mão, pode
pensar: Nossa, esse cara tem muito talento.
Mas e se esse cara treina, desde os cinco anos, doze horas por dia?
Isso é talento? O que é talento? É facilidade em desenvolver determinada tarefa? É uma habilidade natural? É treino? É ser eficiente
numa função?
Eu não gosto de entrar muito nesse terreno, porque acho ele quase
irrelevante. Para mim, se um cara com talento e um sem talento chegam no mesmo lugar, eles são igualmente bons.
Acredito que o importante não é o meio. O importante é atingir a meta.
Se foi graças a um dom divino, horas de suor, macumba ou um pedido
para o gênio da lâmpada, que diferença faz?
No final, é melhor quem tem um resultado melhor. Simples assim.
147
capítulo 6 – melh0rando o seu trabalho
as mortas da perestroika
Quando pedirem, faça.
Quando não pedirem,
surpreenda.
A expectativa é a mãe da merda. Portanto, quando pedirem para que
você faça algo bem feito, faça no mínimo bem feito. Ou vão achar
uma porcaria.
Agora, quando você propõe alguma coisa, você pega todo mundo
pelo contrapé. Mesmo uma ideia não muito brilhante ganha outra dimensão. E você ainda faz o filme por demonstrar proatividade.
Aos 45 do segundo tempo.
Nas última semana, acompanhei uma aula da Keka Morelle cheia de
dicas bacanas. O livro já estava selado, lacrado, dependendo apenas
da revisão. Teoricamente, essas manhas deveriam entrar só na versão 2.0. Mas eu achei elas tão úteis que resolvi fazer um puxadinho
no capítulo.
Fale tudo antes
A hora de discutir tudo, absolutamente tudo, é antes do trabalho começar. Tirar dúvidas sobre como vai ser realizado o trabalho, entender
bem o briefing, brifar bem o fornecedor. Depois que o processo começou, tudo fica muito mais difícil.
Saiba dizer não
Não fique constrangido. Se o fornecedor não fez como você queria,
diga não. Pior é dizer sim e ter que dizer não logo ali na frente. O não
é um bom amigo do trabalho de excelência.
Resignifique as referências
Referência, como o próprio nome diz, é uma referência. Não é uma
solução. O papel do criador é entender a referência, mas acrescentar
em cima dela. Se é para simplesmente reproduzir algo que já foi feito
por outra pessoa, a agência não precisa de você.
149
as mortas da perestroika
\Tenha sua própria voz
Você não é um artista, que cria tudo de um jeito e enfia goela abaixo
dos outros. Mas você pode ter um estilo, uma personalidade, um
jeito de trabalhar que ninguém mais tem. E é essa voz que você
deve buscar.
Mantenha o entusiasmo
O trabalho brilhante é aquele em que a gente consegue manter o entusiasmo do início ao fim. Quando os problemas nos fazem perder o
tesão, isso naturalmente se reflete na peça. Não são raras as campanhas que começam lindas e vão murchando, murchando, até ficarem
mornas e sem graça.
capítulo 6 – melh0rando o seu trabalho
Dicas bem práticas.
1. A folha em branco é sua inimiga.
Acabe com ela o mais rápido possível.
Costuma funcionar comigo. Logo que eu começo um brain, trato de
escrever a primeira ideia que me vem à cabeça. Normalmente, esse
é um gatilho para que o meu cérebro entenda: OK, agora entramos
no trabalho.
2. Ficar conversando numa salinha não é brain.
Brainstorming é um processo de solução de problemas de insight. Por
ser o mais popular dentro das agências de propaganda, parece ser o
único. Mas não é: existem outros, como o Seis Chapéus, o Release
Thinking, o Matrix Game (criado pela Cubo.cc), entre muito outros.
Brainstorming não é passar o dia numa salinha, conversando sobre a
vida. Brainstorm não é ficar só falando coisas sem sentido. Brainstorm
ingdá trabalho.
Por mais contraditório que pareça, Brainstorming exige uma certa disciplina. Quer ter bons brains? Estude o processo.
3. Na hora de criar, ligue o foda-se. NA HORA DE EXECUTAR,
NUNCA LIGUE O FODA-SE.
Uma coisa é certa: no brain, o seu filtro deve ser muito permissivo.
Nada de criticar o seu dupla. Nada de fazer avaliações instantâneas.
Sua mente tem que estar relaxada.
151
as mortas da perestroika
capítulo 6 – melh0rando o seu trabalho
Portanto, durante o brain, ligue o foda-se.
6. Não insista demais em determinado tema.
Agora, na hora de executar a ideia, e encontrar a melhor forma para
concretizá-la, não relaxe. Leve o acabamento ao limite. Se você estiver cansado, louco para ir para casa, mas ainda não está totalmente
satisfeito com o resultado, pegue um café e volte ao computador.
Não quero parecer chato com esse papinho de problemas de insight,
mas a maioria deles se resolve através desse estalo. É uma coisa meio
assim: pá-pum.
Durante a execução, nunca ligue o foda-se.
4. Registre as ideias.
Primeiro, porque se você não anotar, pode esquecer.
Segundo, porque verbalizar/desenhar/rafear/documentar a sua ideia
é a senha para que o seu cérebro pense: Beleza, posso partir para a
próxima.
5. Leia muito sobre o assunto antes
de começar a criar: incubação.
Eu tenho um monte de ideias tomando banho. Eu tenho um monte de
ideias dirigindo.
Ou, melhor: Eu sou aquela pessoa que está pensando na vida e, de
repente, dá um estalo.
Vou contar um segredo para você: todo mundo tem ideias tomando
banho, dirigindo. Todo mundo tem estalos. Esse é um processo natural na resolução dos problemas de insight (se eu não falei até agora,
anotem: peças publicitárias normalmente são problemas de insight).
Uma etapa natural, que vem antes do estalo, é a incubação. Quanto
mais informação você tiver, maiores as chances de você encontrar um
evento precipitador que cruze A com B – e resulte na sua ideia genial.
Então, quando você insiste demais em determinado tema (Acho que
tem alguma coisa com dinossauro...Tô com um cutuco que dinossauro
rende alguma coisa... Desculpa insistir, mas e se fosse um lance com
dinossauro?), você está reduzindo drasticamente a sua chance de ter
uma boa ideia.
153
as mortas da perestroika
Por fim, a dica mais
importante de todas:
trabalhe com gente boa.
Isso sim faz diferença na sua vida. Se aproxime dos bons, ouça o que
eles dizem e, por um tempo, siga os conselhos dos caras. Normalmente dá certo.
capítulo 6 – melh0rando o seu trabalho
155
capítulo 7
capítulo 7 – o novo criador
as mortas da perestroika
Pequena introdução.
Tenha uma vida digital ativa.
Um bom criador, há quinze anos, não precisava nem ter e-mail. Hoje
em dia, a maioria das entrevistas para trabalhar numa agência são
marcadas por e-mail.
Nativo ou imigrante, você tem que ter que se relacionar bem com as
mídias sociais. E aí, não importa se você não gosta muito de fuçar no
Facebook, de trocar DM no Twitter ou de ficar stalkeando o Google+
daquela gostosa.
Talvez você, que é de outra geração, não entenda bem isso. Mas a
propaganda está se reinventando nesses últimos anos. E você é quem
vai fazer essa mudança.
Não tem jeito: é trabalho.
E não adianta você usar uma, duas vezes e achar que Já entendi como
funciona. É um pouco mais complicado que isso. Internet é relacionamento, e isso significa entender os códigos, a conduta e o comportamento do usuário nessas plataformas. Porque cada uma tem uma
lógica, uma estética e as suas consequentes piadas internas.
Além disso, tudo muda muito rápido. O que é novo hoje, fica velho
amanhã, e pode voltar a ser novo na semana seguinte.
159
capítulo 7 – o novo criador
as mortas da perestroika
Use o seu trabalho
autoral como laboratório.
Manje um mínimo
de tecnologia.
Um bom jeito de se familiarizar com as novas mídias é desenvolver
um trabalho autoral, em paralelo ao seu trabalho do dia-a-dia. Dessa
maneira, você tem menos responsabilidades. Se der errado, ninguém
vai ser demitido.
Você não precisa ser um geek. Você não precisa saber a última novidade do blog mais espertinho das coisas mais tecnológicas do mundo.
E se der certo, bom: aí você tem um grande case no portfólio.
Em 2007, o Felipe anghinoni criou junto com outros amigos o Bronze Brasil, Blog que sacaneava o desempenho dos atletas brasileiros
no Pan.
Essa brincadeira já seria uma ótima maneira de aprender a administrar
um Blog com vários colaboradores e diversas postagens diárias. Mas
o Bronze Brasil estourou, saiu na grande mídia e virou um webhit.
No meu caso, já experimentei várias ideias para Youtube. Pelo menos
quatro tiveram algum potencial viral, ultrapassando os 50 mil views. O
último, lançado há quinze dias, bateu hoje nos 45 mil.
E o keko? É que, na hora de levarmos isso para nossos conteúdos de
marca, os aprendizados dos vídeos ajudaram muito. O nosso primeiro movimento no Youtube ultrapassou os 190 mil views. No segundo
(uma série de seis episódios), pelo menos três ultrapassaram 100 mil
views.
Claro: esses números estão longe de um Pôneis Malditos. E, fazendo
uma análise crítica, a gente acha que poderia melhorar muita coisa.
Mas também não dá para dizer que não houve algum tipo de mérito.
Agora, você também não pode ser o último a saber das novidades.
O motivo é bem lógico: sempre que surge uma nova tecnologia, o
simples fato de colocar essa tecnologia numa ideia publicitária já tem
impacto suficiente para chamar a atenção.
Se a tecnologia vinga e começa a se popularizar, é natural que outras
marcas também comecem a criar ideias para essa plataforma. E é aí
que complica: se aumenta concorrência, não basta mais ter uma ideiazinha qualquer. Você vai ter que caprichar para chamar a atenção.
Veja o exemplo do comercial da Toshiba. Eles apresentaram, pela primeira vez num filme de televisão, a tecnologia Timesculpture (algo parecido com o efeito bullet time do Matrix, procure no Youtube).
Tem ideia? Tem. Mas ela é um pouco diferente das ideias publicitárias tradicionais. Ela impressiona mais pelo visual, pela apresentação
da tecnologia em si, do que por um raciocínio conceitual, com início,
meio e fim.
Moral da história: quando a tecnologia ainda é incipiente, você nem
precisa ter uma grande ideia. A tecnologia já é a ideia.
161
as mortas da perestroika
capítulo 7 – o novo criador
Fique esperto no que
está bombando.
Aprenda coisas que
pouca gente sabe.
De alguma forma, você tem que sacar o que está sendo comentado
na internet. E aí, não estamos falando necessariamente de tecnologias.
Mas das novas celebridades, das piadas internas, dos últimos webhits.
Muitos criadores da velha geração falam, de forma até um pouco desinformada, que é impossível planejar um “viral”.
Lembra quando começaram a aparecer os primeiros Literal Videos (videoclipes que literalizavam as imagens nas suas letras)? A linguagem
era um prato cheio para qualquer marca, de qualquer segmento, de
qualquer parte do mundo. Quem estivesse ligado, poderia se apropriar
dessa estética e sugar todo o recall que ela tinha na web.
Evidente que existe técnica por trás de um “viral”, que aumenta consideravelmente a sua margem de sucesso. Agora, um profissional
consagrado, com uma penca de prêmios de propaganda offline, talvez não tenha paciência para sentar, ouvir e aprender. Se reciclar não
é fácil.
É aí, é nessas brechas que você pode criar boas oportunidades.
E se tornar uma figura importante dentro da agência.
Assim como o “viral”, existem muitas outras estratégias de comunicação e relacionamento digital que ainda estão engatinhando no Brasil.
Você pode sair na frente.
E só para explicar as aspas: “viral” é um adjetivo, não um substantivo. Portanto, não existe “crie um viral”. É como dizer: “crie um
jingle chiclete”.
163
capítulo 7 – o novo criador
as mortas da perestroika
Multidisciplinaridade.
Na dúvida, siga a bússola.
Na agência de propaganda antigas, os profissionais tinha que ser
grandes especialistas nas suas áreas. O redator tinha que escrever
muito bem, e só. O Layoutman tinha que fazer uma bela arte, e só. E
tanto é verdade que os dois nem sentavam juntos: cada um ficava
numa sala diferente.
Se antigamente quem ditava a propaganda mundial era o Grand Prix
de Film e de Press & Poster, ultimamente se criaram novas categorias
que são muito mais badaladas.
Não existia troca, não existiam vasos comunicantes. Era cada um
por si.
O Titanium nasceu a partir do BMW Films, série com vários curtas metragens, dirigidos por nomes consagrados de Hollywood. Um projeto
que chacoalhou e rediscutiu toda indústria da propaganda. O prêmio
era só uma formalidade.
Esse perfil foi sendo transformado, mas a herança do especialista ainda existe em algumas agências mais old school.
Acho que o perfil do profissional multidisciplinar vai, aos pouquinhos,
substituir o especialista-mega-especializado.
Exemplo? o Titanium Lions.
O único problema é que ele não se encaixava em nenhuma das categorias vigentes no Festival de Cannes. Tiveram que criar uma só para isso.
Aí nasceu o Titanium.
Se você também pensa assim, tem tudo para se dar bem.
Logo depois do Titanium, nasceram muitas categorias. Algumas, na
minha opinião, até um pouco contraditórias.
O importante não é se ligar nos detalhes, mas no espectro geral. Para
os caras de Cannes, só vale a pena lançar uma categoria quando já há
trabalho relevante na categoria.
Portanto, fique atento. Se amanhã surgir a categoria “Google Glass
Ad”, é porque já tem bastante gente anunciando nessa plataforma.
165
capítulo 7 – o novo criador
as mortas da perestroika
Big Idea.
JJ + PK + ST.
Os novos formatos de Cannes valorizam a chamada Big Ideia: um
conceito que se desdobre para várias mídias. A Crispin+Porter, Bogusky é uma agência famosa por criar dentro desse formato. Você
pode procurar na internet os cases do Whopper Freakout, por exemplo. Nessa ação, um restaurante da rede Burger King simplesmente
tirou de circulação o seu sanduíche mais famoso, o Whopper. Quando os clientes chegavam, recebiam a notícia de que o clássico havia
sido descontinuado.
Esses dias, o Carlos Merigo (que é mais conhecido pelo seu blog,
o #Brainstorm9) veio falar com a gente e apresentou um raciocínio
muito bacana.
Bizarro, né?
Pois foi justamente essa estranheza que gerou um grande bafafá,
valorizou o produto e se transformou num grande case da propaganda moderna.
Ele acredita que o criador do futuro é uma mistura de J.J. Abrams,
Philip Kotler e Star Trek. Ou seja: temos que fundir, cada vez mais, o
lado entretenimento, com o marketing, com a tecnologia.
Eu adorei essa visão. Acho que é bem por aí: a propaganda vai ter
cada vez menos cara de propaganda, mas isso não significa que ela
vai deixar de ser propaganda. No final das contas, tem que vender.
Outro case interessantíssimo é Tap Project desenvolvido pela Droga5.
É legal justamente pela simplicidade e pelos resultados contundentes.
O conhecimento tecnológico, como já falei há algumas páginas atrás,
vai ser uma expertise Sine Qua Non para a boa criação. No momento
em que o consumidor está (por exemplo) procurando restaurante via
um aplicativo de Iphone, como que a gente faz? Se mete no meio,
como fazia antigamente? Ou tenta ser tão útil, interativo e divertido?
Os dois são ótimas referências. Não só do que é bom, mas do que é
considerado o norte da propaganda mundial.
O cara esperto tem que estar muito esperto para essas as novas
espertices.
167
capítulo 7 – o novo criador
as mortas da perestroika
Para fechar, um boa
notícia: você está vivendo
o momento mais legal da
história da propaganda.
Esse é um raciocínio que o Vinícius Malinoski apresentou numa aula
da Perestroika – e eu concordo totalmente.
As possibilidades hoje são praticamente infinitas, e só vão ficar ainda
mais divertidas daqui para frente.
Pense comigo: o celular, os games, a TV digital, o cinema 3D, o GPS,
a realidade aumentada. Tudo isso ainda vai evoluir e impactar diretamente no trabalho dos publicitários.
O portfólio do
novo criador.
Como falamos antes: agora, o novo padrão do mercado são as chamadas Big Ideas.
Na verdade, esse é um conceito antigo – muitas grandes campanhas
do passado eram Big Ideas, só não tinham esse nome – que foi reciclado e agora é o objetivo de todo criador de agência de propaganda.
Pois bem: um portfólio de Big Ideas é difícil de se conceber. A melhor
maneira de apresentar isso é através de cases. Então, se você quer
montar uma pasta mais moderninha, leve pelo menos um case de
uma Big Idea.
Você pode apresentar através de um vídeo, com uma lâmina que explique todas as ações ou simplesmente inventar um jeito novo. Não existe padrão. E se a ideia for boa, isso se torna menos relevante ainda.
169
capítulo 8
capítulo 8 – o que aconteceu comigo
as mortas da perestroika
Existe um ditado que diz.
O plano.
Pessoas espertas aprendem com os próprios erros. Pessoas muito espertas aprendem com os erros dos outros.
Sempre quis ser redator, desde o primeiro dia de propaganda. E tentando alcançar esse objetivo, tive uma estratégia diferente da maioria
dos meus contemporâneos.
Por isso, resolvi contar com mais de detalhes o meu início de carreira.
Não serve para seguir à risca. Serve muito mais para você evitar (e rir)
das cagadas que eu fiz.
Não tentei uma vaga como assistente de Redação logo de cara. Achei
que o melhor seria aprender outras coisas ligadas à criação.
Áreas afins, que me fariam um redator melhor no futuro.
173
as mortas da perestroika
capítulo 8 – o que aconteceu comigo
O primeiro estágio.
Rompendo o hímen.
Meu primeiro emprego foi aos 17 anos, num jornal-piloto. Eu escrevia
matérias, participava da diagramação e criava os anúncios que iam
nos rodapés das páginas.
Sou da teoria que, se você ainda não trabalha, deve aceitar qualquer
proposta de emprego. O primeiro trampo é apenas uma boa forma de
perder a virgindade profissional. Você começa a entender como o mundo real é. E percebe que ele é bem diferente das relações que você tem
com seus pais, com seus amigos, com seus colegas e professores.
Aí, você vai me perguntar: Como que um estagiário de publicidade
escrevia matérias para um jornal? Isso não é proibido?
Pois é: eu demorei um mês para me dar conta desse pequeno detalhe.
Estava tão empolgado com o primeiro estágio que nem perguntei muita coisa. Já saí escrevendo.
O jornal era picaretagem pura. O dono não dizia nada com nada e só
mandava eu escrever. Quando eu comecei a desconfiar, ele veio com
um papo de me transferir para a Europa com salário de US$ 3.000,00.
Aproveitei que a história estava ficando nebulosa e desapareci no meio
da fumaça. Nunca vi essa grana. Por sinal, nunca vi grana nenhuma.
Mas eles também nunca mais ouviram falar de mim.
Arranje logo um primeiro emprego. Você não quer ser um virgem de
40 anos, quer?
Por sinal, não crie muitas expectativas sobre o seu primeiro emprego.
É mais ou menos como imaginar que a sua primeira vez vai ser a melhor transa da sua vida.
Se o seu primeiro emprego for ruim, ainda assim será ótimo.
175
capítulo 8 – o que aconteceu comigo
as mortas da perestroika
O segundo estágio.
Um estudo antropológico.
Antes mesmo do meu primeiro estágio, eu descobri que um amigo do
meu pai era sócio de uma gráfica. Pedi um estágio na cara-dura. Deu
a coincidência dos caras me chamarem em janeiro, alguns dias depois
de eu desistir do jornal.
Ao contrário do que você pode imaginar, eu não ia para a parte administrativa da gráfica. Eu não ficava num escritório, com ar-condicionado, ajudando em tarefas burocráticas.
Eu fui para o chão da fábrica.
Meu contrato era de apenas dois meses. As aulas começavam em
março e, como o trabalho era em turno integral, e eu estudava de
manhã, não tinha escolha.
Naquela época, não me dava conta que estudar de manhã era um
atraso profissional. (Se você estuda de manhã, peça transferência o
quanto antes. Você está diminuindo em mais de 50% as suas chances
de conseguir uma vaga num lugar legal.)
Imaginei que, passando um tempo numa gráfica, eu poderia aprender
mais sobre o processo de impressão. Só que a gráfica não fazia muitos trabalhos publicitários. Ela imprimia, basicamente, livros. Sempre
com o mesmo papel, sempre PB, sempre nos mesmos formatos.
Meu objetivo foi para o beleléu. Mas, sem querer querendo, aprendi
naqueles dois meses uma coisa ainda mais interessante.
Só que as tarefas eram absolutamente mecânicas e fáceis de resolver,
mesmo para uma pessoa recém chegada. Com isso, tive bastante
tempo livre para conhecer melhor meus colegas de setor.
Depois de algumas semanas, eu já estava bem entrosado com a galera. Cumprimentava todo mundo pelo nome, trocava uma ideia na hora
do almoço. Até jogar bola com os caras eu joguei.
Mas não foi sempre assim.
No início, eu senti na pele o preconceito racial. Eu era um dos poucos
funcionários brancos. E certamente o único de classe média (mesmo
usando uniforme, dava para perceber que eu era filhinho de papai).
Um alvo fácil para piadas, sacanagens e apelidos semitas.
Nos primeiros dias, eu me senti tão mal que estacionava o carro bem
longe, para ninguém ver que eu tinha um Gol zero.
Foi bom ver o outro lado da moeda. Me ensinou a ser mais humilde e
mais humano. Um choque de realidade que estourou a bolha onde eu
vivi durante anos e anos.
177
capítulo 8 – o que aconteceu comigo
as mortas da perestroika
Mas o mais legal foi conhecer os gostos, os interesses, os valores de
um grupo de pessoas com o qual eu nunca conviveria se não tivesse
trabalhado lá.
Só para citar um dos milhares de exemplos marcantes: logo que fui
apresentado, um dos funcionários me perguntou.
— Colorado ou gremista?
— Colorado.
— Imperadores ou Bambas?
Carnaval para mim era apenas um feriado onde eu viajava, enchia
a cara e tentava marcar muitos pontos. Imperadores, Bambas, Salgueiro ou Viradouro, isso não tinha a menor importância. Carnaval
era gandaia.
Para eles, Carnaval era coisa séria.
Entretanto.
A minha família tinha programado uma puta viagem para o Exterior
para a mesma época. Daquelas grandes e inesquecíveis.
Eu, obviamente, estava convidado. Mas na época, eu era um legítimo
Abobadinho da Propaganda. Tão abobadinho que não podia perder a
chance de conhecer mais sobre o processo gráfico.
Por mais legal e recompensador que essa experiência profissional tenha sido para a minha vida e para a minha carreira, a viagem com a
minha família era algo especial.
Abrir mão disso foi uma burrice sem tamanho. E também me ensinou
uma lição.
179
capítulo 8 – o que aconteceu comigo
as mortas da perestroika
Lição.
O terceiro estágio.
Nunca deixe de fazer algo que vai ficar marcado pelo resto da sua vida
por causa de trabalho.
No jornal-picareta-piloto, fiz amizade com uma estudante de RP. Ela
trabalhava numa agência minúscula, que era dividida em duas áreas.
De um lado, o departamento de Relações Públicas, onde ela assistia
à RP Sênior, sócia do negócio. Do outro lado, era o departamento de
propaganda. Onde ficava o outro sócio e um estagiário.
Não deixe de acompanhar o nascimento do seu filho. Não falte ao casamento do seu melhor amigo. Não perca a formatura do seu irmão.
Nenhum emprego, nenhuma agência, ninguém paga tão bem para
que você abra mão das coisas que não têm preço.
Eu.
Me interessei pela vaga justamente porque era uma legítima Eugência.
Eu fazia tudo. Ia no banco. Atendia o telefone. Preparava o cafezinho.
Mandava fax com os comprovantes de veiculação. Criava os títulos,
os textos, layoutava e finalizava os anúncios.
Neste caso específico, o que mais me interessava era aprender a
mexer nos programas de Direção de Arte. Sempre acreditei que um
criador só seria completo se ele fosse capaz de criar e executar as
suas ideias.
E aí vai a primeira dica do terceiro estágio.
181
as mortas da perestroika
capítulo 8 – o que aconteceu comigo
O inverso também é verdadeiro. Diretor de Arte que não sabe escrever,
que não sabe fazer título, que não sabe roteirizar um spot, fica totalmente dependente do dupla.
Primeira dica do
terceiro estágio.
O Rafa Bohrer, meu dupla por muitos anos, é um bom exemplo do
criador completo. Além de ser um fenômeno como Diretor de Arte, ele
sempre escreveu títulos e conceitos tão bons quanto qualquer redator
experiente. Já vi ele criar textos invejáveis. Mais de uma vez.
Se você é redator, você não pode depender do seu diretor de arte.
Esse é um vício muito comum. Tem redator que não sabe as funções
básicas do Photoshop. Tem redator que nem sabe abrir o Photoshop.
A moral é que você tem que ser um especialista, mas também tem que
ser um generalista. Por mais contraditório que isso possa parecer.
Dominar as ferramentas de manipulação e diagramação fazem com
que você crie melhor. Só praticando direção de arte é que você entende conceitos importantes de alinhamento, agrupamento e hierarquia.
Em suma, você só consegue criticar com mais autoridade o layout do
seu dupla se tiver futricado, pelo menos um pouquinho, nos programas.
Do ponto de vista prático, tem mais uma vantagem. Você não precisa ficar mendigando para que o seu diretor de arte faça JPGs das
suas peças, ou grave um DVD com o seu portfólio. Se você dominar
o básico do Photoshop e do Illustrator (ou um similar), vai ser um
criador independente.
Para finalizar, eu acredito que um criador tem que ser capaz de colocar
em prática as suas ideias.
Durante o período que estive na Miami Ad School (chegaremos lá), não
foram poucas vezes que eu sentei no computador e criei tudo sozinho.
É evidente que você não precisa se sofisticar ao ponto de virar um
Diretor de Arte de verdade. Eu, por exemplo, investi apenas dois anos
da minha carreira, e decidi parar quando atingi o meu objetivo.
183
as mortas da perestroika
Segunda dica do
terceiro estágio.
Construir uma network sólida é um talento. E usar esses contatos com
sabedoria é um talento ainda maior.
A maioria absoluta dos estagiários entra na agência a partir de uma
indicação. Os profissionais mais experientes, com poder de contratação, não têm contato com os estudantes dos primeiros semestres.
Alguém precisa fazer esse meio campo.
Boa parte das vezes, as indicações são feitas diretamente para a pessoa que está contratando. Tenho um amigo que se interessa pela vaga.
Vou pedir para ele mandar a pasta.
Mas existe também uma rede de indicações muito mais poderosa,
que circula por listas de e-mail, invade os Twitters, vira postagem
no Facebook.
Fulano me contou que Ciclano ouviu falar que estão procurando alguém na agência Tal.
Nesse caso, nem sempre vence o mais forte. Às vezes, vence o
mais rápido.
Dependendo do caso, a agência precisa de um estagiário para ontem.
Se você tiver uma ótima pasta, mas só ficar sabendo da oportunidade
depois de amanhã, pode ser tarde.
capítulo 8 – o que aconteceu comigo
O quarto estágio.
A vantagem de uma Eugência é que você aprende a ser meio Homembanda: faz de tudo um pouco. Participa de todas áreas e descobre
qual é a sua preferida. Você suja as mãos, perde eventuais frescuras
e endurece o couro.
A desvantagem de uma Eugência é que você faz tudo. E chega uma
hora que enche o saco.
Outra coisa ruim da Eugência é que, normalmente, os criadores não
são lá caras muito competentes. São uns faça-você-mesmo, que
aprenderam aos trancos e barrancos. Cheios de vícios e com olhares
pouco profissionais do negócio.
No início, você até aprende a fazer propaganda. Mas depois de um
tempo, você aprende a como não fazer propaganda.
Passados alguns meses, pedi demissão. Eu não tinha nada em vista.
Só achei que o meu prazo de validade tinha expirado.
E hoje, passados muitos anos, eu diria que existe um tática infalível
para pedir demissão, desde que você tenha envergadura para enfrentar a situação.
185
as mortas da perestroika
capítulo 8 – o que aconteceu comigo
revelar o que é. Por mim, eu até falava, mas as minhas sócias pediram
sigilo. Assim que a gente lançar, eu conto.
A primeira coisa que eu pensei foi: Eu conheço esse golpe.
Transparência absoluta.
Passados alguns meses, pedi demissão. Eu não tinha nada em vista.
Só achei que o meu prazo de validade tinha expirado. Pedi para conversar com o meu chefe.
Recebi uma proposta de uma agência chamada ACS. É uma agência
nova, pequena, que vai ser lançada por uns amigos do meu pai até o
final do mês. Acho que vai ser uma boa para mim.
Se você procurar na internet, não vai encontrar uma agência chamada
ACS. Ela não existe. Ela nunca existiu. Ela só existiu durante aquela
rápida conversa.
Eu precisava dê um motivo para não haver resistência por parte do
meu chefe. Do outro lado, ele precisava de um motivo para não se
sentir rejeitado. No final, todos saíram felizes.
Não sinto muito orgulho dessa minha atitude. Não me sinto bem fazendo essa recomendação. Mas também não posso ignorar: funcionou.
Portanto, se você quer uma dica da Propaganda das ruas de “como
pedir demissão, sem ter nenhuma proposta, e não se queimar”, essa
é uma boa estratégia
Quando você quiser sair de um lugar, para ficar coçando em casa, a
grande malandragem é criar uma historinha. Capriche no roteiro. Você
tem que criar um cenário onde exista alguma informação que o seu
chefe não possa ter acesso.
No meu caso, eu tinha como trunfo o fato de ser uma empresa dos
amigos do meu pai. Se ele pesquisasse sobre o assunto, nunca acharia nada.
No caso da estagiária, ela tinha que manter o sigilo profissional do
próprio negócio.
Ambas histórias são duvidosas. Mas fazem sentido. E se você for um
estagiário sério, com credibilidade, e não gaguejar na hora de pedir
demissão, ninguém vai fazer uma sabatina para saber os detalhes.
Mesmo que alguém desconfie, sua saída vai ser aceita. E aceita
com tranquilidade.
É como a clássica cena do marido chegando em casa de madrugada.
Ele diz que estava numa reunião extraordinária e põe a credibilidade à
prova. Se o cara for um bom moço, não estiver com bafo de cerveja,
perfume de mulher ou batom na gola, por que não acreditar?
Você pode usar sua imaginação de criador.
***
Há pouco tempo, eu tive uma estagiária que pediu as contas.
Estou abrindo um negócio com umas amigas. A coisa está ficando
séria e eu preciso dedicar mais tempo. Infelizmente, ainda não posso
Agora, sinceramente, eu olho hoje para essa minha atitude e não acho
legal. Diria mais: sinto vergonha. A minha recomendação é justamente
o contrário.
187
as mortas da perestroika
capítulo 8 – o que aconteceu comigo
Se você realmente tiver tranquilidade e envergadura para enfrentar o
seu chefe, e ele for um cara legal, a melhor maneira de sair é sendo
transparente.
Como diz o Felipe: a verdade liberta.
O grande problema é que as pessoas não estão preparadas para a
transparência. E que a maioria dos chefes são autoritários e egocêntricos. Aí, você tem que enfrentar o sistema. E talvez uma “verdade com
açúcar” não seja tão questionável.
Mas não há nada melhor do que simplesmente dizer a verdade, botar
a cabeça no travesseiro e dormir tranquilo.
O quinto estágio.
Fiquei alguns dias parado, descansando, mas me entediei rapidinho.
Queria um novo estágio, e não sabia como.
Então, peguei o guia telefônico (naquela época, a internet estava engatinhando, não existia nenhum tipo de cadastro de agências) e comecei a ligar uma a uma.
Fui por ordem alfabética. Alô? Eu gostaria de saber: vocês estão procurando estagiário na área de redação?
Já na primeira tentativa eu dei pé quente. Os caras queriam justamente um estagiário para criação. No mesmo dia, fui lá, mostrei alguns
trabalhos, fiz uma espécie de teste vocacional (completamente sem
sentido, diga-se de passagem) e fui selecionado.
Era uma típica agência familiar, onde trabalhavam pai (atendimento),
mãe (espécie de faz-tudo) e os dois filhos (um atendimento e outro
diretor de criação).
Apesar de também ser pequena – devia ter uma dez pessoas –, era
uma evolução para mim. Lá, comecei a entender um pouco da dinâmica de departamentos.
Eles tinham vários estagiários, todos fazendo um misto de direção
de arte e produção. Por causa disso, o nível do trabalho era muito
baixo. Também tinha uma redatora contratada. Mas ela não elevava
muito o padrão: era desinteressada, acomodada e não fazia quase
nada legal.
189
capítulo 8 – o que aconteceu comigo
as mortas da perestroika
Como vocês devem ter notado, a minha vaga era muito mais de Direção de Arte do que de Redação. Passava o dia layoutando cartões,
folhetos, tags, placas de esquina e anúncios rodapé. Mas como eu
não me satisfazia muito com os títulos da redatora, comecei a sugerir
opções em paralelo. Queria mostrar para eles que eu era capaz de
fazer as duas coisas.
E aí, eu naturalmente comecei a me destacar no meio dos outros estagiários. Enquanto todo mundo só fazia o que era pedido, eu ia além.
Layoutava o que me mandavam – sempre muitas e muitas opções – e
depois ficava lá, sugerindo títulos e outras ideias.
Virei o queridinho do diretor de criação – o que não chegava a ser uma
grande façanha, já que o resto do pessoal fazia um trabalho muito
burocrático. Mas antes mesmo de colher os frutos desse reconhecimento, pedi as contas e fui embora.
O lugar tinha um vibe estranha. A matrona tratava os estagiário como
filhos, mas pelo lado ruim. Estava sempre xingando alguém, e sempre
além do limite profissional. O atendimento tinha um jeito meio estranho. E o diretor de criação, segundo boatos, tinha um rolo que eu
prefiro nem relatar aqui.
Foram apenas três meses. Mas foram bem proveitosos. Como eu passava o dia layoutando, aprendi na marra a mexer nas ferramentas de
layout. Posso até dizer que foi ali que eu aprendi a layoutar.
A layoutar mal, mas aprendi.
Mãe Dinah.
Quando avisei que estava indo embora, falei para a publicitária-mãe.
Estou indo trabalhar na Zeppelin. O que acabou sendo uma previsão
de fazer inveja a qualquer jogador de búzios.
Pouco tempo depois, eu realmente consegui um estágio na Zeppelin.
Não por coincidência: eu tinha muitos amigos da faculdade por lá.
Amigo indica amigo, que indica amigo, que me indicou.
Como a tarefa que eu iria realizar não tinha nenhum pré-requisito, além
de um teleencéfalo minimamente desenvolvido e de um polegar opositor, minha pasta não serviu para nada.
Repare: o que me colocou lá dentro foi apenas o network, já falado
neste guia.
Este foi – disparado – o melhor estágio que eu poderia desejar para
a minha formação como criador. E tudo o que eu precisei foi só um
pouco de sorte, alguns bons contatos e perceber uma grande oportunidade onde pouca gente percebeu.
191
capítulo 8 – o que aconteceu comigo
as mortas da perestroika
O sexto estágio.
A Zeppelin é uma das maiores produtoras de comerciais do Brasil. Na
época, ela já era respeitada no mercado local, e estava começando a
trabalhar de maneira mais constante com agências de São Paulo.
Como toda produtora que se preze, ela tinha um arquivo, onde ficavam todas as fitas VHS e Betas. Esse departamento era gerenciado
por uma menina chamada Gabriela, que sabia de cor onde estavam
todos os filmes.
– Gabi, onde está o comercial Bolada Pepsi? – Naquela beta grande,
que fica na última prateleira, atrás de uma pilha de fitas virgens.
Só que um dia a Gabriela pediu as contas, e todo o arquivo da produtora teve que ser catalogado. Alguém teria que ver fita a fita, filme a
filme, cadastrar um a um, com a secundagem exata e breve descrição
do comercial.
E esse alguém era eu.
Em outras palavras: eu tive oportunidade de ver todo o acervo da
produtora. Desde os comerciais mais antigos aos mais modernos. Vi
as fitas brutas, com as imagens não montadas. Vi as matrizes, com
os comerciais editados. Vi uma coleção inteira de Shots e Latin Spots,
com comerciais estrangeiros premiados no mundo inteiro. Vi animações. Vi curtas metragens. Vi longas. Vi a história da Zeppelin. Vi a
história da propaganda gaúcha.
Além de catalogar as fitas, também tinha que fazer todas as cópias da
produtora. Era meio chato, especialmente porque eu tinha que pedir
licença para o pessoal da finalização (a dupla da época nunca me
tratou com, digamos, muita consideração).
Mas eu não estava nem aí. Fazer as cópias e aturar o mau humor
alheio era um preço pequeno para tudo o que eu estava absorvendo.
Pude perceber a evolução da fotografia, do tratamento da imagem,
da montagem. Lá nos primórdios da Zeppelin, era tudo muito simples.
Mas à medida que a produtora ia crescendo, a sofisticação e o acabamento dos filmes iam ficando absolutamente nítidos.
Eu era um bom estagiário. Apesar de alguns erros crassos – como enviar
para a Globo um comercial errado, que felizmente foi trocado a tempo –,
eu era um bom estagiário. Era voluntarioso e não afrouxava nunca.
Por exemplo: uma vez, precisaram de alguém para dar uma força na
produção de um comercial de cerveja. Não tinham quem convocar, e
lá fui eu. Virei duas noites seguidas (isso não é figura de linguagem)
mesmo não sendo minha função. E no outro dia, eu estava de pé, na
produtora, fazendo as cópias e catalogando os comerciais. Por essas
e outras, foram soltando a corda. Comecei a digitalizar alguns materiais
para montagem. Comecei a ser melhor recebido pelo pessoal da finalização. Começaram a pintar oportunidades para que eu crescesse por lá.
Mas você devem lembrar:
Meu objetivo era ser redator. Então, nenhuma dessas possibilidades
me comoveu muito. Pelo contrário: antes de assumir um compromisso
lá dentro, saltei fora. Eu tinha um outro compromisso, comigo mesmo.
Começava a última etapa do meu plano.
Tive acesso a referências que nenhum estagiário na minha idade poderia ter. Eu estava no lugar certo, na hora certa.
193
as mortas da perestroika
capítulo 8 – o que aconteceu comigo
Mas eu olhei para a minha pasta e achei que estava meio careta. Então, juntei todo o meu material autoral e coloquei junto. Crônicas, poesias, letras de música, ilustrações, charges. Na época, não sabia se ia
dar certo. Hoje eu sei que pesou bastante a meu favor.
Período de reclusão.
Sabe quando o vilão perde para o mocinho, desaparece por um tempo e, depois, ele volta muito mais poderoso? Aqueles trailers que dizem: He’s back!
Pois eu queria fazer meio isso. Sair de circuito por um tempo e fortalecer a minha pasta. Para, quando voltasse a apresentá-la nas agências,
tivesse um material mais maduro.
Sentei a bunda na cadeira e, ao longo de dois meses, montei a melhor pasta que eu poderia produzir dentro das minhas limitações. Eu
praticamente dava expediente, só que em casa. Trabalhava todas as
tardes religiosamente. (À noite, eu saía com meus amigos. De manhã,
curava a ressaca. Ninguém é de ferro.)
Foi um dos períodos mais produtivos, talvez o mais produtivo, do meu
início de vida profissional. Eu era uma máquina. Ou melhor: uma maquininha, já que tinha um critério muito ingênuo na época.
Produzia anúncios em série, praticamente um por dia. Fazia tudo. A
direção de arte, a redação. Se tinha que tirar fotos, eu mesmo tirava.
Se tinha que tratar imagem, lá ia eu. Viram por que é tão importante
saber se virar sozinho?
Em determinado momento, achei que estava bem servido. Eu tinha
algo como 30 peças. Gravei tudo num Zip Drive – se você não sabe o
que é isso, não se preocupe: você nunca vai precisar saber – e mandei
imprimir na faculdade.
Para ajudar, tive sucesso em três premiações universitárias, que confirmaram que o trabalho produzido nesse período de reclusão tinha algum valor. Numa delas, ganhei uma viagem para Porto Seguro. O que
só facilitou as coisas: eu ia para a Bahia, tirava umas pequenas férias
dentro das minhas férias e, na volta, procurava um emprego.
195
as mortas da perestroika
O primeiro estágio
como redator.
Uma das agências mais tradicionais do mercado do RS tinha um programa de contratações muito legal, chamado Estagiário do Futuro.
Funcionava assim: você mandava o seu portfólio e indicava se queria
vaga para Direção de Arte ou Redação. Também havia vagas para os
outros departamentos, mas a Criação era infinitamente mais concorrida. Muitas pastas entravam na disputa (não lembro exatamente, mas
chutaria umas 100). Eles selecionavam três duplas. A melhor, trabalharia de janeiro a abril. A segunda melhor ficava de maio a agosto. E a
terceira ia de outubro até o final do ano.
Achei que essa era uma boa oportunidade para testar o meu trabalho.
E pelo visto, foi mesmo: minha pasta acabou sendo selecionada como
a melhor de Redação.
Só isso bastaria para me deixar feliz por muitos e muitos dias. Mas
tinha mais.
Chegando na entrevista, a primeira coisa que perguntaram foi sobre o
meu dupla. Estavam curiosos para saber quem tinha feito os layouts
dos meus anúncios.
Quando descobriram que era eu, veio a segunda grande notícia: eles
haviam me selecionado também como melhor portfólio de Direção de
Arte. Eu literalmente podia escolher com qual das vagas ficar.
capítulo 8 – o que aconteceu comigo
Falando hoje, parece pouco. Mas para um estagiário cheio de dúvidas,
foi um suspiro de alívio. Lembrem-se: eu tinha um plano de carreira nada comum. Enquanto eu estava lá, escrevendo no jornal piloto,
layoutando cartões de visita, catalogando comerciais, meus colegas
de faculdade redatores já estavam em agências legais.
Eu sempre me perguntava se estava fazendo a coisa certa. Nesse dia,
eu tive certeza que sim.
197
capítulo 8 – o que aconteceu comigo
as mortas da perestroika
O último estágio
como redator.
Logo na minha chegada, percebi que aquele era um ótimo ambiente
para eu me firmar.
A Redatora do Ano estava lá e poderia me dar boas dicas. Por sinal,
a agência tinha uma cultura de redação, especialmente nos trabalhos
de rádio.
A criação tinha apenas duas duplas, além dos estagiários. Numa estrutura assim, os brains coletivos são mais comuns. Para mim, era
uma grande chance para conferir de perto o processo criativo dos
caras mais experientes.
A pauta era organizada e os prazos bem razoáveis. Para um iniciante,
um sonho.
Mas apesar de trabalhar quase na CNTP, o que realmente acelerou
minha carreira foi (mais) um festival universitário. Para minha sorte, o
júri era forma do só por profissionais do mercado. Entre eles, estavam
a Keka Morelle e o Gustavo Diehl (duas pessoas especiais que já nos
prestigiaram com aulas na Perestroika).
A minha campanha era totalmente all type, diferente dos outros caras, que fizeram ideias visuais rebuscadíssimas. Por sinal, vale a pena
contextualizar: na época, as ideias visuais eram uma febre nas competições de propaganda.
O Guga e a Keka gostaram do meu trabalho, pediram para a comissão
organizadora o meu e-mail e marcamos uma entrevista. O papo foi bacana e me indicaram para o Diretor de Criação. O cara também gostou
e, ao final da conversa, fez uma quase-proposta. Só pediu para eu esperar uma nova ligação, pois ele precisava resolver mínimos detalhes.
Estava a um passo de trabalhar numa agência incrível. O sonho de
consumo de todo estagiário da época. Tinha um perfil bastante criativo e recém havia criado uma das campanhas mais criativas da história
da propaganda brasileira.
A agência que eu estava era muito legal. Mas uma possível proposta
seria irrecusável.
Mesmo sem a confirmação, eu tinha motivos de sobra para acreditar
que a vaga era minha. O principal deles foi uma extrema empolgação
que virou afobação. Nunca se conta com o ovo no cu da galinha.
Voltei para a agência, chamei os meus superiores e já fui avisando que
estava de saída. Isso causou um corre-corre. E por um bom motivo
(pelo menos, bom para mim): os caras não queriam me perder de jeito
nenhum. Então, me fizeram um pedido.
Espere até amanhã para dar a resposta. Vamos fazer uma proposta
para te contratar.
Justo.
Mas vejam só como é a vida. No dia seguinte, antes mesmo de receber a proposta da agência que estava, recebi uma ligação do Gustavo.
Achei que era apenas para confirmar a vaga. Só que era justamente
o contrário: ele me contou que os planos tinham mudado. Um atendimento da agência iria receber uma oportunidade na criação. A vaga
tinha se fechado para mim. (Curiosidade: tempos depois, descobri
que o cara em questão era o Felipe Anghinoni, hoje meu sócio.)
199
as mortas da perestroika
No final das contas, a proposta para me segurar na agência veio. Mesmo sem confirmação da concorrente. Mesmo com apenas quatro meses de agência. Fui efetivado, ganhei carteira assinada, ticket, valerefeição e um belo aumento.
E aí, deixei de ser estagiário.
capítulo 8 – o que aconteceu comigo
Apêndice: Miami Ad School.
Muita gente pergunta sobre a minha experiência na Miami Ad School.
Então, acho que valem algumas palavrinhas.
Na época em que eu fui, os Portfolio Programs só existiam no exterior.
Por isso, rolava uma curiosidade maior.
Hoje em dia, com a proliferação desse modelo no país (só para citar
algumas: Cuca, Lemon School, Escola de Criação da ESPM, além da
própria Miami Ad School de SP), essa curiosidade diminuiu. Por isso,
não vou gastar o seu tempo explicando tintim por tintim.
Confesso para vocês que eu me frustei um pouco. Claro que aprendi
muito. Claro que tive ótimos professores. Mas o modelo, na minha
opinião, era previsível. E ser previsível é tudo o que eu não espero de
uma escola de criação.
A MAS ensinava pela tentativa e erro, e não pela instrumentalização. É
um método válido, mas que não me satisfazia.
Eu pensava: Se essa é considerada a melhor escola de criação do
mundo, tem alguma coisa errada.
Que fique claro: não estou colocando todas as portfolio school no
mesmo saco. Acredito que muitas das citadas acima sejam excelentes. A questão não era a qualidade do ensino, mas a diferente entre
a minha expectativa e o que eles tinham para me oferecer. Sonhava
com uma escola com aulas realmente diferentes. Que conseguissem
ser subversivas, técnicas e inspiradoras ao mesmo tempo.
Esse foi um dos embriões fundamentais para o nascimento da Perestroika.
201
capítulo 9
capítulo 9 – as novas mortas
as mortas da perestroika
Se você chegou até aqui.
Parabéns. Ou resistiu bravamente aos oito capítulos anteriores. Ou
você é leitor de segunda viagem, e veio só conferir o que há de novo.
Qual é o futuro
da propaganda?
Seja qual for o seu caso, muito obrigado. Fico, sinceramente, agradecido com o prestígio.
Obviamente, ninguém sabe. Nem o maior futurista do mundo é capaz
de prever, com 100% de certeza, o que vem pela frente.
E pretendo retribuir à altura. Estou neste momento na Singularity, fazendo meu programa de Futurismo. Um nome cheio de pompa para
“leitura de cenários”.
Mas algumas tendências parecem nos ajudar a entender qual são os
desafios da nova comunicação.
Então, separei aqui o que julgo ser uma visão um pouco mais futurista
da propaganda. Talvez, para você, iniciante, algumas das coisas nem
façam muito sentido. Para você, que é desconfiado, talvez pareça ficção científica.
Mas, a verdade é que eu realmente acredito nisso.
Peço desculpas se alguns dos meus pensamentos aqui parecerem
contraditórios com o que foi dito antes. Corro esse risco. O conhecimento exponencial nos prega peças.
Também não quero bancar o sabe-tudo. São apenas tentativas de desenhos de cenários futuros. O objetivo não é acertar. Mas tentar pensar qual é o próximo passo.
Um futurista trabalha no mesmo terreno dos criativos: a imaginação.
Então, como você bem sabe, as coisas não são fáceis.
Estamos no mesmo lado.
A primeira delas é a compreensão dos avanços tecnológicos. Hoje, a
inteligência artificial e o processamento de grandes capacidades de
dados é muito diferente de dez anos atrás.
As máquinas do presente são capazes de reproduzir (leia-se: copiar
por conta própria, a partir de uma programação prévia), com muita facilidade, qualquer peça de design gráfico. São, inclusive, capazes de
produzir arte. Nem mesmo os críticos profissionais são capazes de diferenciar o que é realizado por humanos e o que é feito por máquinas.
A mesma coisa para texto. Bots coletam informações de um evento
esportivo e escrevem um artigo sobre a partida. Com piadas, sarcasmo e referências externas. Impossível dizer que foi feito por um monte
de silício. Só a Forbes, no ano passado, publicou milhares de artigos
usando esse tipo de recurso. E quase ninguém notou.
É fácil encontrar na internet artigos falando de computadores que
criam música ou que editam vídeos sozinhos. Já existem algorítmos
que identificam, com uma precisão de cerca de 60%, se uma música
vai para as paradas da Billboard ou não.
205
as mortas da perestroika
Obviamente, já existem robôs produzindo propaganda. você preenche algumas informações (como clientes, o principal diferencial competitivo e qual é o objetivo da comunicação) e ele entrega, prontinho:
uma foto (retirada de um banco de dados), um conceito (criado pela
máquina) e a assinatura. Está muito longe de ser bom. Mas não é difícil imaginar uma drástica evolução nos próximos anos.
Esses exemplos não são futuro. São presente. Ou melhor: são passado, porque já existem há algum tempo.
Quando percebemos isso, nos damos conta de uma verdade cruel: as
máquinas serão – se já não são – criativas.
Essa é uma verdade dura. Porque nós, do ramo criativo, sempre imaginamos que não seríamos substituídos por esse monte de parafusos.
Achávamos que nós, criativos, estaríamos ilesos aos avanços tecnológicos. Essa preocupação que deveria ter aquele cara que aperta parafuso na fábrica de carros e que, claramente, seria vencido por um
braço mecânico. Muito mais preciso, muito mais rápido, muito mais
barato, e que trabalha 24h por dia, sem férias e décimo terceiro.
Minha impressão? Não dá para ter certeza quando isso acontecerá.
Mas, provavelemnte, vai sobrar para os criativos publicitários também.
capítulo 9 – as novas mortas
Peraí que agora fiquei
nervoso: como assim?
Calma, calma. Vale lembrar que os grandes avanços tecnológicos demoram a chegar no mercado. Às vezes trinta anos. Ultimamente, tem
sido mais rápido. Mas não será amanhã que você chegará na agência
e encontrará um computador trabalhando sozinho.
O mais importante, na minha opinião, é você entender o contexto.
207
capítulo 9 – as novas mortas
as mortas da perestroika
um sistema de inteligência artificial, que criará o anúncio sozinho
(como faz com os artigos jornalístico hoje em dia) e enviará por wireless. O seu celular cruza esse dado com o seu perfil automaticamente
e, ao perceber que pode ser interessante, pula na tela um anúncio.
OK, essa é a má notícia.
E qual é a boa?
Na verdade, essa é a boa notícia. A outra grande mudança que a
comunicação enfrentará em breve é isso associado aos serviços de
geolocalização.
Imagine o seguinte: você está perto de um restaurante. O dono vendeu apenas dez pratos do dia, quando previu vinte. Se ficar encalhado com dez, terá um belo prejuízo. Melhor oferecer uma promoção
de última hora e garantir um lucro, mesmo que seja menor do que
o esperado.
Legal. Mas como se faz isso?
Simples: o nosso celular terá um imenso banco de dados das duas
compras. Terá o nosso perfil, os nossos gostos, o nosso ticket médio,
o nosso prato predileto.
Do outro lado, a rede do restaurante emite uma mensagem para todos
os mobiles num raio de 5 km. E, vejo só: capta você, baseado nas
suas informações.
“Só hoje: prato do dia com 50% de desconto”.
Você gosta da ideia, vai lá, enche a pança e economiza uns trocados.
Nada, ou muito pouco disso, será feito por humanos. A informação
que o restaurante está encalhado será gerada automaticamente por
Não entro no mérito se isso é criativo ou não. Mas acredito que esse
formato é bastante viável, efetivo e não está muito longe de acontecer.
Portanto, fica aí a minha dica.
209
capítulo 9 – as novas mortas
as mortas da perestroika
POR OUTRO LADO.
Dica.
Por outro lado, você pode dizer. É, mas em vez de ter o anúncio do
Weather Channel, pode ter um da Coca-cola. Aproveite que hoje está
calor.
Muita gente fala que o futuro da propaganda é o mobile. E quando se
fala em mobile, normalmente se pensa em celular.
Mobile, se formos analisar de forma literal, significa “móvel”.
Verdade. Até que o Google mude o seu modelo de negócio (em breve).
Você já deve ter visto o Google Glass. As informações que aparecem
ali não vêm do seu celular, mas de um aparelho móvel.
E aí está o grande pulo do gato.
Pense que, quando você olhar para o céu, enxergará a temperatura,
sem ter que entrar no Weather Channel para conferir se fará sol ou se
vai cair um toró.
A lógica interruptiva da propaganda, que vê tudo como mídia, seria:
“já sei, vamos botar um anúncio do Weather Channel ao lado da previsão do tempo. Assim, quando ele olhar para o céu, teremos nossa
marca associada ao serviço prestado”.
A questão não é essa. A questão é: se ele já tem a informação da
temperatura (oferecida por sensores, não pelo site), por que a gente
precisa do Weather Channel?
E se a gente não precisa do Weather Channel, qual é o sentido do
Weather Channel existir?
E se ele não existir, como vai anunciar?
211
as mortas da perestroika
capítulo 9 – as novas mortas
Nem tudo está perdido.
MUDANÇA NA REMUNERAÇÃO
A verdadeiro boa notícia é que muitas das empresas líderes no ramo
de tecnologia ainda baseiam seu modelo de negócio em anúncios.
Google e Facebook, só para citar dois, ainda não encontraram um
modelo sustentável sem depender disso.
O próprio Google pode estar migrando para um modelo de remuneração através dos devices (o Google Glass não é grátis, certo?). Veja o
tablet recém lançado. Ou o Google Car. Isso pode ser, tranquilamente,
um indicativo de que propaganda não é quem paga a conta.
Portanto: talvez o Google realmente precise botar algum tipo de anúncio
para pagar as contas do sensor que informará você da temperatura.
Será que o Google não está mudando o seu sistema de remuneração?
E se o business model do Google mudar, será que a indústria inteira
não muda junto?
Se pensarmos assim, certamente por um bom tempo, ainda haverá
espaço para a publicidade.
O que você deve ter em mente é que o futuro nos reserva mudanças.
Seja qual for o sistema, provavelmente a informação será gerada automaticamente, com pouca (ou nenhuma) interferência humana.
Será puro processamento de dados.
213
capítulo 9 – as novas mortas
as mortas da perestroika
Mas isso vai
acontecer quando?
Não faço a menor ideia. Se você quer um chute, assim, sem responsabilidade? Diria que em cinco anos estará no mercado. O que não
significa que estará em TODO o mercado. Como comentei antes: as
tecnologias, depois de desenvolvidas, demoram um bom tempo até
se popularizarem.
E se pensarmos no Brasil, um país que está crescendo, mas que ainda
tem muito a evoluir, pode ser que ser que demore muito mais. E se
pensarmos que todo o nosso mercado ainda se remunera dentro de
uma comissão de mídia, talvez seja ainda mais complicado.
Entretanto, acho que você entendeu meu recado.
Se não entendeu, eu peço ajuda de um robozinho para escrever
pra mim.
Importante:
a propaganda está mudando
exponencialmente.
Nós, seres humanos, temos uma mania de pensar de forma linear. Não
nos damos conta que o avanço tecnológico acontece de forma exponencial. Pense no caminho que as mídias percorreram. O jornal existia
há muito tempo, quando chegou o rádio. Algum tempo depois, veio a
TV. Algum tempo, começaram a pipocar novas mídias. Até que surgiu
a internet e acelerou o processo de forma muito intensa.
Para os mais desatentos, pode parecer que a internet é a grande responsável pela mudança. Quando, ao analisar o cenário de mídia como
um todo, não é difícil perceber a curva que está subindo abruptamente. E a internet é só mais um ator dessa peça.
Portanto, fique atento. As mídias serão substituídas numa velocidade
muito diferente do que estamos acostumados a pensar.
Pense nisso.
215
as mortas da perestroika
Reflexão.
Se você entrou na publicidade para fazer a publicidade que você conhece hoje, eu tenho um conselho. Pense bem.
É provável que os modelos sejam revistos nos próximos anos, e que
tenhamos uma transformação muito maior do que a que está aconteceu pela internet.
capítulo 9 – as novas mortas
Depois de tantos
conselhos, só me faça um
favor: pense com carinho.
Sei que você não disse nada aí do outro lado. Mas se você me pedisse um único conselho, eu diria, da maneira mais carinhosa possível:
pense com carinho.
Esteja preparado para a mudança, porque ela vai acontecer.
Pense com carinho se você realmente quer trabalhar com propaganda.
E quando disso isso, peço que você não interprete meu comentário
como uma desaprovação. Quem sou eu para ir contra a sua vocação.
Se você gosta de publicidade, e está decidido, me coloco justamente
do outro lado. Dou o maior apoio.
Também não estou dizendo que a propaganda vai morrer. Se você fez
essa interpretação, peço que volte até a primeira casa, e revise todo o
texto. Você vai ver que não é por aí.
Meu ponto é: lembre-se que ninguém é OBRIGADO a trabalhar
com propaganda.
Digo isso porque, na minha época, as pessoas que queriam expressar a sua criatividade não tinham muito para onde ir. Hoje, existem
muitas alternativas. Na internet, elas são quase infinitas. Não é legal
ver um monte de gente produzindo suas próprias séries no Youtube e
ganhando dinheiro com isso?
217
as mortas da perestroika
capítulo 9 – as novas mortas
Eu acho o máximo.
Antigamente, esses talentos seriam obrigado a trabalhar numa agência. Uma das poucas alternativas viáveis para se envolver com criatividade e pagar as contas no final do mês.
Portanto, só pense com carinho.
Repito: entenda bem o que estou dizendo. Não estou falando que a
solução é largar a faculdade para produzir vídeos engraçadinhos no
Youtube. Essa é só UMA das alternativas.
O novo publicitário
é um comunicador.
Uma vez, twittei: “O maior erro da publicidade é tentar ser publicidade
antes de ser comunicação”.
Também vale lembrar que fugir do tradicional é um caminho duro. Para
cada Porta dos Fundos que emplaca, temos milhares de anônimos
que não chegam nem aos 100 views.
Por isso, antes de virar um publicitário, que fala publicitês, aprenda
outra língua. A língua mãe de todos os seres humanos. Que está na
essência das relações humanas.
O que estou fazendo é provocando você. Se você é realmente criativo,
você deve, antes de qualquer movimento, sair da caixinha. Existem
possibilidades incríveis fora do sistema tradicional. Especialmente
para, nós, brasileiros, que demos o maior pé quente. O país decidiu
crescer justamente quando a internet ofereceu oportunidades nunca
existentes em termos de criatividade.
Na medida que a comunicação um-para-muitos perde espaço para a
um-para-um, que trabalhamos com plataforma, que emergem conceitos como Riqueza Social, fica claro: temos que ser mais RPs do PPs.
Empreender (no caso, uma empresa ligada à criatividade, que não
trabalhe necessariamente com propaganda) não é fácil. Mas pode ser
muito mais recompensador.
Vi centenas de amigos optarem pela carreira publicitária por falta de
opções. Não é o seu caso.
Portanto, pense com carinho.
O mundo é tão grande quanto a sua criatividade.
Vou repetir: temos que ser mais RPs do que PPs. Se você me perguntar qual é o futuro da profissão, antes de falar em robôs criativos, eu
certamente apostaria por aí.
Isso não significa fazer um curso de RP, mas pensar que engajamento
acontece muito mais pela profundidade com poucos do que pela superficialidade com muitos.
219
capítulo 9 – as novas mortas
as mortas da perestroika
E, para ser completa, deve ser auto-sustentável. É uma start-up comm:
ela gera receita e se paga. Talvez, até dê lucro.
O novo comunicador é um empreendedor.
Último recado.
Na Perestroika, temos alguns cursos de comunicação contemporânea. A tese que apresentamos é que, hoje, em termos contemporâneos, Fazer é maior Dizer.
Ou, para ficar mais icônico: Fazer > Dizer.
Muita gente confunde. Muita gente acha que estamos reforçando o
conceito Vai lá e faz. “Ah, entendi: Fazer > Dizer é para a gente não
ficar esperando muito e botar logo a mão na massa, né?”.
Apesar do conselho acima também ser válido, não é bem isso.
Fazer > Dizer significa que temos que procurar movimentos de comunição baseados menos no discurso e mais na ação. Uma propaganda
realizacional. Um evento. Uma coisa que aconteça.
Para comunicar essa coisa, usamos as mídias tradicionais - que passam, dessa forma, a ser periféricas.
Essa ação deve criar relacionamento com a sua audiência, criando Riqueza Social. Uma moeda invisível - mas que, ali na frente, vira dinheiro.
De preferência, deve ter utilidade (Ad Utility, termo que ouvi pela primeira vez pela Livead), e ser um serviço para a sociedade.
Deve deixar um legado, e fazer com que esse serviço se perpetue
para muito além da ação de comunicação.
Realização, prestação de serviço, legado, riqueza social e lucro. Essas
coisas não são excludentes. Já é presente. E será, na minha opinião, o
futuro próximo de toda a comunicação.
Minha dica final é essa: antes de ser publicitário, seja uma mistura de
RP e empreendedor.
221
capítulo 9 – as novas mortas
as mortas da perestroika
O seu projeto pode ser o roteiro de um longa metragem. Pode ser a
sua festa de casamento. Pode ser uma viagem de barco ao redor do
mundo.
Último recado. Juro.
Pode ser uma coisa despretensiosa. Pode ser uma busca espiritual.
Pode ser o projeto da sua vida.
Quando convidei outros criadores para que contribuíssem com seus
conselhos, percebi que não era uma situação muito confortável.
Não importa. Tenha um projeto.
Na verdade, era um puta injustiça.
Eu tinha escrito páginas e páginas com o que eu julgava ser interessante. Não tive a difícil missão de filtrar, entre todas as dicas que dei,
a mais importante.
Não viva no piloto automático. Tenha um projeto que lhe dê orgulho.
Saiba o que você está fazendo e por que está fazendo.
E quando você acabar, encontre um novo. E comece tudo de novo. E
de novo. E de novo.
Essa é a melhor forma de se sentir vivo.
Já com eles foi bem diferente. Pedi para que dessem um único conselho. Um conselho.
O conselho.
E ainda dei um briefing cheio de polices. Limite de linhas, prazo apertado e um foco não muito camarada.
Por isso, para fechar, resolvi me colocar na mesma panela de
pressão, para ver se eu conseguia me virar tão bem quanto eles
se saíram.
Pois a minha dica é: tenha um projeto que lhe dê orgulho.
O seu projeto pode ser autoral, como está sendo este livro. Pode ser
empresarial, como foi a Perestroika para mim. Pode ser filantrópico,
como foi o Clube dos Jovens Criativos, do qual eu fiz parte desde a
primeira reunião.
223
capítulo 10
capítulo 10 – posts
as mortas da perestroika
Foi absolutamente randômico.
Alguns posts sofreram pequenos ajustes em virtude das imagens e
vídeos que não puderam ser reproduzidos aqui.
Introdução.
A Perestroika tem um blog (perestroika.com.br) com atualizações
diárias. Ou quase diárias. Lá, a gente discute tudo o que acha interessante. E um dos temas mais requisitados por quem nos lê são os
conselhos profissionais.
Pensei em colocar aqui todos os posts legais. Mas quando fiz o meu
primeiro short-list, percebi que teria um grande problema. Gostava
de muitos.
Então, tive que tomar uma decisão drástica. Primeiro, fiz um filtro com
50. Sim: o Top 50 do Blog da Perestroika.
Reuni aqueles que, na minha opinião, valem a pena ser lidos por alguém que está procurando ajuda no início da carreira.
Depois, fiz um novo corte, só com os posts que foram escritos por
mim e pelo Felipe, para preservar as opiniões de quem ainda continua
na empresa. Achei educado.
Então, fiz um corte radical. Escolhi os top 15 que mais fazem para o
público leitor desse manual.
Foi quando lembrei que, da primeira edição para cá, rolaram posts
legais. Fiz um novo filtro e fiquei com 20. E pronto.
Vale lembrar algumas coisas:
Eles não estão organizados por ordem cronológica ou de preferência.
Sempre tente imaginar o post dentro do seu contexto. Vários são antigos e, hoje, talvez sejam menos impactantes do que na época em que
foram escritos.
Muitos posts foram escritos antes da reforma ortográfica.
Não são necessariametne os melhores posts, na minha opinião. São
os mais apropriados para este manual.
227
as mortas da perestroika
1. FOI LÁ E FEZ.
Eu tenho a impressão que quanto mais tempo a gente leva pensando,
menos tempo a gente se envolve fazendo. Claro, pensar e planejar é
importante, nem vou entrar muito nesse mérito. O que diferencia o ser
humano de todos os outros animais é justamente a capacidade de raciocinar. Mas, talvez, o que diferencie uma pessoa de todos os outros
seres humanos seja a capacidade de realizar.
Já vi muito departamento de planejamento de agência, e às vezes a
agência como um todo, gostar de ficar intelectualizando, questionando, ruminando, pensando e repensando. Uma punheta mental que às
vezes até gera um trabalho bem esclarecido, bem defendido. Mas que
nunca funciona muito quando colocado em prática.
Se até as regras da física que a gente aprende no colégio são para
abstrair e não funcionam na prática como nos livros, imagina no universo da imaginação e criatividade, onde as bases são bem mais subjetivas e abstratas.
Acho que se o Ronaldinho pensasse muito, não tentaria fazer os dribles maravilhosos que ele faz. Quem pensa muito, não pula na piscina
porque a água tá fria. Quem fica pensando muito, sempre pede mais
uma cerveja antes de chegar na mulher que já tá encarando há mais
de 10 minutos. Só pra ver um outro filho da puta chegar e levar a mina
(é só um exemplo, não que tenha acontecido comigo). Se tu parar pra
pensar em todas as conseqüências possíveis, provavelmente tu não
vai entrar vestido de vaca numa sala de aula. Se tu parar pra pensar,
já tem tanta faculdade de comunicação e publicidade, ninguém vai
querer fazer a Perestroika.
capítulo 10 – posts
Se tu parar pra pensar, vai ver que todos os teus projetos geniais ficam guardados na gaveta porque no fundo tu tem medo do que pode
dar errado. De tentar fintar e perder a bola. De tomar um fora. De os
alunos te tirarem pra trouxa. Mas a grande verdade, a grande verdade
que eu acredito, pelo menos, é que a linha que separa a genialidade
do fiasco é muito fina. Muito tênue. E que as poucas pessoas que se
arriscam a andar em cima dessa linha, podem cair pros dois lados.
Mas passar um pouco de vergonha ou de frio não é nada perto da
recompensa de ser realmente genial.
Lembrem-se que até mesmo os grandes pensadores também tinham
que ser grandes escritores. Pense nisso. Mas só um pouquinho, tá?
229
as mortas da perestroika
2. PESSOAS APAIXONADAS
SÃO PESSOAS APAIXONANTES.
Eu sou um cara megasensível. E muito passional. Talvez, na Perestroika, o mais passional de todos. O que tem o lado bom e o ruim,
como tudo na vida. O lado ruim é que fica mais difícil lidar com críticas.
Muitas vezes já quero brigar com comentários no nosso blog, com
twitadas e com outros percalços naturais do processo de se ter uma
empresa, administrar uma marca e lidar com pessoas. Graças a Deus
tem o Tiago aqui que sempre faz o contraponto e me faz pensar sobre
essas coisas antes de sair tomando atitudes.
O lado bom é que fico emocionado com as coisas, com as oportunidades, com os elogios, com as coisas que dão certo e tal. Fico feliz
mesmo, arrepiado, com vontade de sair pulando às vezes, chorando
outras e, algumas vezes, de sair pela Perestroika andando de cueca
– o que de fato já aconteceu algumas vezes. Talvez por isso, tenha me
emocionado tanto com o surfe do Romeu no Dilúvio.
Sou um cara que se leva pelas paixões. E embora isso tenha também
o seu lado bom e o ruim, ser extremamente racional também tem. E
sou feliz assim, mesmo que momentos de tristeza também acompanhem essa jeito apaixonado de viver.
Para mim, viver sem paixão não faz o menor sentido. Trabalhar sem
paixão também não. E o resumo do que quero dizer para vocês é esse:
persigam a paixão. Na vida, no trabalho e em tudo o que fizerem.
capítulo 10 – posts
Posso dar essa sugestão com a tranquilidade de quem arriscou muita
coisa em nome disso. Vejam bem: eu comecei minha carreira na publicidade como atendimento na Dez Propaganda, em 98. E não foi um
estagiozinho de 3 meses, como acontece com muita gente. Fiz estágio, em pouco tempo, fui contratado como assistente. Passei 3 anos
e meio no atendimento. Era uma jovem promessa, que cresceu rápido
na agência. Eu tinha 22 anos e era o segundo atendimento da agência
na época. Mas eu não estava feliz. Pedi demissão e decidi que ia para
a criação. Fui absorvido na própria Dez, como estagiário de redação,
ganhando 8 vezes menos do que ganhava como atendimento.
Na criação, fui contratado com apenas 3 meses. 9 meses depois, fui
o Redator do Ano do Prêmio Colunistas. Depois saí e fui trabalhar na
Paim como redator. Em 2005, logo depois da conta da Renner ter ido
para a Escala, assumi a área de Novos Negócios da Paim, deixando
a trajetória de redator publicitário para trás e assumindo uma rotina
ligada a prospecção, gestão de projetos e planejamento.
Um ano depois, nova guinada: virei Diretor de Criação da Paim. Tinha
28 anos. Era uma coisa bem fora do normal uma pessoa dessa idade
estar numa posição dessas numa das 5 maiores agências do estado.
Uma situação bem confortável, digamos assim. Bom, eu não tinha
nem 4 meses como DC e fui convidado para trabalhar na LiveAD, uma
empresa que eu nem sabia o que fazia. Mas segui totalmente meus
instintos – porque a razão talvez mandasse eu ficar.Menos de 2 anos
depois de assumir a Criação da LiveAD, larguei tudo para me dedicar
exclusivamente à Perestroika, que ainda estava engatinhando, sem
nenhuma garantia que daria certo, e ganhando si-gnificativamente
menos do que lá.
Em todas essas mudanças, eu sempre tive medo. Foi um trabalho
árduo dos meus sentimentos tentando convencer minha razão de que
era a coisa certa a fazer, o que é mais difícil que o contrário (a razão
convencendo os sentimentos). Mas nunca consegui jogar para debaixo do tapete o que o meu coração (ui, que gay) dizia para fazer. E em
231
as mortas da perestroika
todas, absolutamente TODAS as mudanças, eu nunca me arrependi.
Sempre fiquei mais feliz. Que na real é o que importa.
Tá: para não parecer que tudo foi tão perfeito, teve uma vez que eu
fiquei um tempão numa empresa sem amá-la mais. Tipo todas as células do meu corpo diziam que eu não tinha mais que estar lá. Menos
o meu cérebro. “O que tu vai fazer?” “Tu vai arregar?” “Se tu sair, tu
vai assumir o teu fracasso.”
Na real, eu queria racionalmente vencer aquela situação. Não queria pecar por omissão, por falta de tentativa. E fiquei um bom tempo (mesmo) nessa empresa. Claro, no final o fato de eu ter ficado lá
me gerou muito aprendizado. Mas quando finalmente eu saí, tive uma
puta sensação de alívio, de libertação, de felicidade. E fiquei me perguntando por que não tinha saído antes. Isso também foi aprendizado.
Hoje, eu sei que dá para ser feliz fazendo o que se quer fazer. Vivo isso
na Perestroika todos os dias. Cada trabalho, cada novo projeto, cada
novo curso é um puta tesão. Muita vontade de se envolver, de mergulhar, de se entregar. E quando a gente se entrega, não tem problema
ter que trabalhar todos os sábados, não tem nada de errado acordar
às 8 da manhã de domingo para fazer reunião. O amor é cego.
capítulo 10 – posts
O Tiago já escreveu um post muito legal nesse blog sobre as recompensas que se obtém no trabalho. Eu acho que a paixão é uma das
recompensas da vida.
Tem outra coisa que eu acho que torna todo esse discurso mais relevante ainda que é o seguinte: a gente trabalha com criação. Ou pelo
menos com o processamento de um monte de informação, conteúdo
e estímulos que recebemos para a formatação de um produto criativo.
Seja ele comercial, experimental ou autoral.
Eu particularmente acredito que a sensibilidade necessária para identificar esses estímulos, essas vibrações vêm da paixão.
Uma vez li em algum lugar uma história do Lupicínio Rodrigues sobre as várias mulheres que ele teve, e o sofrimento que a paixão não
correspondida ou traumática que algumas desses romances geraram
nele. E ele disse algo, que não foi bem isso, mas que é mais ou menos
por aqui: ele não se arrependia de ter se apaixonado e ter se entregado em todos esses casos, mesmo para as mulheres que mais fizeram
ele sofrer. Porque as que mais fizeram ele sofrer foram as responsáveis pelas melhores obras dele.
Felicidade, tristeza, emoções fortes são combustível criativo.
E o mais legal é que a recompensa é o próprio processo de trabalho.
Muita gente não se dá conta disso e fica se focando no trabalho final, na execução final, no filme pronto na formatura. Mas o processo
criativo – uma das poucas coisas que absorvi do curso do Charles
Watson – deve ser um processo autotélico, onde encontramos e focamos o prazer no processo, e não no ponto final. Em outras palavras, o
caminho é a viagem, não o lugar de chegada.
A gente vê que os alunos que mais se puxam, mais se empenham,
mais nos impressionam, são os mais apaixonados. Pela Perestroika.
Pelo projeto que estão fazendo. Pela vida, como é o caso do Romeu.
Vejam o Vinícius de Moraes. O cara foi foda na produção cultural e artística brasileira. Foi um cara que se apaixonou muitas vezes. Casou 9,
só para a gente ter noção. Porra, era um cara que acreditava no amor.
E provavelmente, na paixão.
A razão é muito importante, é claro. Pensem, racionalizem. Mas lembrem-se que a razão nos deixa seguros, e nos deixa brabos. O que
nos deixa feliz ou triste é emoção.
Planejar, projetar, pensar é bem racional. Mas a paixão é que vai a
gente ir lá e fazer.
233
capítulo 10 – posts
as mortas da perestroika
Vão lá e faça. Se apaixonem. E, de vez em quando, deixem se
levar pelas paixões. Acho que vocês vão concordar comigo que
vale a pena.
Beijos, Felipe
3. NÃO OLHE PARA O LADO.
OLHE PARA FRENTE.
Há um tempo, eu ouvi falar de um estudo sobre felicidade que eu
achei fantástico. Inclusive, sugiro que você faça o teste antes de ler o
resto do post.
O entrevistador conversava com os funcionários de uma determinada
empresa, um a um, separadamente. E pedia que eles apontassem
qual situação faria deles pessoas mais felizes.
1. Você prefere ganhar um salário de 100,
sendo que todos os seus colegas ganham 50.
2. Você prefere ganhar um salário de 150,
sendo que todos os seus colegas ganham 200.
Segundo o estudo, a maioria optou pelo primeiro cenário. Mesmo que
no segundo, a pessoa tivesse uma renda maior.
A tese do cara é que a nossa noção de felicidade está diretamente
relacionada à comparação. Você tem que olhar para o lado e ver uma
situação pior que a sua. Só assim as pessoas (ou, pelo menos, a maioria delas) se sente realmente feliz.
Isso talvez justifique várias manifestações da nossa sociedade. Como
a gangorra do futebol, a popularização das fofocas, a grande audiência das tragédias e dos programas sensacionalistas.
235
capítulo 10 – posts
as mortas da perestroika
Eu fIquei bem surpreso ao saber do resultado. Quando me perguntaram, respondi de bate-pronto. “Óbvio que eu prefiro ganhar mais!”.
Provavelmente, muito em função de uma crença que eu tenho.
Não olhe para o lado. Olhe para frente.
O que, em outras palavras, quer dizer: o importante é você buscar as
suas próprias metas. Sejam elas re levantes ou não para os outros.
se os outros redatores do mercado estavam produzindo coisas boas
ou não. Se os outros redatores da agência estavam recebendo jobs
melhores que os meus. Se estavam fazendo fantasmas. Eu simplesmente baixei a cabeça e produzi o meu melhor. Via em cada pit uma
oportunidade de emplacar um trabalho legal. Não produzi um único
fantasma, uma única campanha filantrópica, uma única peça de caráter duvidoso. Tudo o que fiz foi pelas vias normais.
E deu certo.
O fundamental desse conceito é entender que você deve simplesmente ignorar aquilo que não influencia a sua vida. Mas ficar atento para
o que influencia.
Por exemplo: trabalham no mesmo departamento você e o João, um
cara chato, vagabundo e incompetente. Se o João receber um aumento, e esse aumento não tiver relação nenhuma com o seu salário, isso
não afeta em nada a sua vida. Bom para o cara.
Agora, se o João receber um aumento, e esse aumento influenciar em
todo o planejamento financeiro da empresa, de forma que você não
seja promovido jus tamente por isso: bom, aí o furo é mais embaixo.
Eu sou um cara bastante competitivo. E não acho isso ruim. Porque
sou competitivo olhando para frente, não olhando para o lado.
Gosto de estar na fatia de cima da pirâmide. Mas na medida do possível, não me preocupo muito com o que os outros estão fazendo.
Vou dar um exemplo bem ilustrativo que aconteceu na minha vida:
Eu queria ser Redator do Ano. E quando fui, não fiquei preocupado
Porque se eu fizesse o meu melhor, eu não poderia me sentir culpado
numa eventual derrota. Pô, eu fiz o meu melhor!
Agora que está começando um novo ano, aproveite e pense um pouco sobre isso. O que você realmente quer para 2009? O que vai fazer
você feliz?
Se na hora do amigo secreto o seu par de meias for mais feio que o do
seu primo, não dê bola.
237
capítulo 10 – posts
as mortas da perestroika
Parece loucura. Mas eu juro que acredito nisso.
4. O FRITADOR DE
HAMBÚRGUERES.
Daí, você pode dizer. “Tiago, você realmente acha que um atendimento criaria um bom título? Que uma mídia pensaria numa ideia
visual bacana?”.
Sim, acredito. Com alguns meses de treino e muito disciplina por parte do cara, acredito pra caralho.
Cada vez mais eu acredito numa coisa. E cada vez mais, eu acredito
que é essa coisa que diferencia os bons criadores.
Daí, você pode insistir: “Mas Tiago, você acha que eles vão conseguir
criar aquelas ideias inusitadas, que a gente fica morrendo de inveja?”.
É a disciplina. Por mais contraditório que isso possa parecer.
Aí eu não sei.
Eu sinceramente acho que, se nós pegássemos qualquer departamento de uma agência de propaganda (atendimento, produção, mídia,
etc.) e colocássemos na criação, e treinássemos durante alguns meses essas pessoas, o resultado seria surpreendente.
Ao mesmo tempo, eu não sei quantas ideias realmente inovadoras
e inustitadas um departamento de criação produz por ano. Aquelas
ideias que a gente diz: QUE COISA NOVA!
Chegar em boas ideias não é difícil. Pensar em porralouquices não
é difícil. Estou convencido disso. Quanto mais estudo o processo
brainstorming, e como as ideias surgem, mais eu me impressiono. O
brain é só um processo. Que qualquer um pode seguir.
O que talvez facilite a nossa vida (nossa = criadores do departamento de criação) é a personalidade das pessoas que vão para a Criação. Porque, em geral, nós temos traços que FACILITAM o processo
de brainstorm. Como (só para citar dois exemplos) a desinibição e
a sensibilidade.
Mas se uma pessoa qualquer decidir treinar essas características,
e investir tempo e energia exercitando (de novo, só para citar dois
exemplos) a desinibição e a sensibilidade, eu acredito, sinceramente,
que o resutado não será muito diferente do que temos hoje no dia-adia de uma agência.
Porque se formos realmente críticos com os nossos próprios portfólios, vamos ver que a maioria absoluta do que fazemos são fórmulas. São padrões. Até as peças que criamos exclusivamente
para festivais.
Vocês já ouviram falar do Faking It? É um reality show antigo, que passava na TV inglesa e era reproduzido por alguma canal a cabo aqui do
Brasil (acho que era o Multishow).
A moral era a seguinte: eles pegavam um profissional X e o treinavam
durante um mês para executar uma atividade diferente da que ele fazia anteriormente (ex: um tosador de ovelhas viraria cabeleireiro).
No final, outros três profissionais (no caso, outros três cabeleireiros)
passavam pelo crivo de um júri, que avaliava o desempenho dos qua-
239
as mortas da perestroika
tro. Então, o júri era comunicado que havia um impostor infiltrado. Na
maioria dos casos, o júri não acertava quem era o picareta.
Tipo, um vigário virava vendedor de carros usados. Um bailarino virava lutador de luta-livre. Um fritador de hambúrgueres virava chef. Um
pintor de casas virava pintor de quadros (e hoje ganha uma puta grana
como artista plástico).
Você acha que o programa encontrou talentos em meio à multidão?
Que foi sorte? Que foi uma chance em um milhão? Eu prefiro acreditar
que foi só disciplina, foco, treino.
capítulo 10 – posts
Certa vez, criei uma campanha para um festival de publicidade que
dizia: Você é tão bom quanto o seu último trabalho. Nem achava a
ideia tão legal, mas o conceito eu realmente curtia.
Se nos dermos conta que um fritador de hambúrgueres pode virar
chef, em apenas um mês, nós vamos nos dar conta que somos extremamente vulneráveis.
A não ser, é claro, que a gente continue fazendo coisas boas. Todos
os dias.
Esse foi um dos principais motivos para eu vir para a Perestroika.
Procure no Youtube o cantor punk que se tornou maestro. Tudo bem,
tudo bem. O cara não virou um maestro. Ele regeu apenas uma música, uma única vez. Não sei se é suficiente para comprovar a teoria. No
mínimo, nos deixa uma pulga atrás da orelha.
Toda essa longa introdução é para dizer o seguinte: a gente, na Criação, tem uma tendência a achar que somos insubstituíveis. Quando
chegamos num determinado patamar, simplesmente relaxamos. Achamos que o nosso talento, que o nosso histórico, é suficiente para nos
garantir uma cadeira e um computador.
Não, não é.
Qualquer um pode nos substitutir. A dupla mais jovem. O estagiário
que recém entrou. Ou o estudante, que ainda nem foi contratado
pela agência.
É só um processo. É só treino. É só foco.
E essa é, na minha opinião, a principal razão pela qual muitos profissionais de mais de 30 anos somem, desaparecem. Depois de um
certo tempo, falta aquele tesão. E aí, vem o fritador de hambúrgueres
e rouba a vaga do chef.
Recomeçar do zero, numa função onde você não sabe nada (no caso,
eu não sabia nada sobre “administrar uma escola”), é a melhor forma
de não deixar a vaidade nos detonar.
241
capítulo 10 – posts
as mortas da perestroika
Na teoria, a vida é muito simples. A gente só precisa saber duas coisas:
1. O que a gente quer.
2. O que a gente vai fazer para conseguir aquilo que se quer.
5. A PERGUNTA DE 1 MILHÃO
DE DÓLARES.
Uma das coisas mais legais da Perestroika é a relação que a gente
tem com os alunos. Sem dúvida, é uma proximidade muito diferente
do normal. Pelo menos, muito diferente de tudo o que eu vivenciei
como aluno. Seja no colégio, na universidade, quando fiz intercâmbio
ou até na Miami Ad School.
A gente curte pra caralho isso, se sente feliz por ser importante para os
alunos e pelos vários papeis que a gente acaba assumindo nessa relação.
Por um lado, nós somos professores – ou facilitadores, como preferimos chamar. A gente procura explicar a técnica, o processo, os
atalhos, as dicas, mostrando o que a gente acha que funciona e o que
normalmente não funciona.
Um tanto óbvio, não?
Óbvio o caralho! Na prática, a gente sabe que não é bem assim.
Às vezes, a gente já está contratado, mas pinta uma proposta de estágio num lugar muito legal. E fica dias e dias se remoendo para saber
o que fazer.
Em outras, bate aquele desespero. Pedalo a faculdade para apostar
no trabalho ou invisto no curso e vejo o que acontece depois?
Tem horas que a gente se vê numa encruzilhada. Não sabe se se
dedica à vida pessoal ou à vida profissional. Especialmente quando
se tem vários amigos que fazem Direito ou Adminitração e sabem do
trabalho às 17h30.
Porra, é isso mesmo que eu quero fazer nos próximos 30 anos?
De outro, a gente serve como provocadores. Para provocar a curiosidade, sugerir novas soluções, fomentar o pensamento lateral e a
busca de respostas para perguntas que ainda não existem.
Vou para a capital ou continuo aqui, na minha cidade pequena?
Mas vários alunos nos procuram para pedir conselhos sobre a profissão e a vida. Meio naquela pilha Sr. Miyagi.
Em meio a tudo isso, há uma boa e uma má notícia.
O que eu faço, isso ou aquilo?
O que é melhor, este ou aquele outro?
Para onde eu vou, para cá ou para lá?
A famosa PERGUNTA DE UM MILHÃO DE DÓLARES.
Será que eu sou criativo mesmo ou sou uma farsa?
A má notícia é que, desde que a Humanidade é Humanidade, essa é a
pergunta mais difícil que existe. Porque só você tem a resposta.
A boa é que, como o próprio nome sugere, essa é uma pergunta de 1
milhão de dólares. Se você responder, e responder certo, nada mais
segura você. O 1 milhão de dólares – seja em dinheiro, seja em outro
243
capítulo 10 – posts
as mortas da perestroika
tipo de recompensa – é inevitável. Você pode largar o psiquiatra e viver
a vida numa boa.
O grande problema é que, diferente do Show do Milhão, essa pergunta não dá pra pular. A gente infelizmente (ou felizmente) tem que
enfrentar isso de frente. Porque só assim a gente sabe o que é melhor:
isso ou aquilo, ir pra lá ou pra cá.
Então, valendo 1 milhão de dólares: qual é a sua resposta?
6. A LENDA DO
MERCADO SATURADO.
Todo mundo já ouviu lendas urbanas.
“Não aceite bebida de estranhos, ou você pode acordar numa banheira cheia de gelo e sem os seus rins.”
“Não vá no cinema do Iguatemi, porque os caras colocam agulhas
infectadas com HIV.”
“Não coma no McDonald’s: os hambúrgueres são feitos com carne
de minhoca.”
É ou não é? Ainda mais, depois que inventaram o e-mail. Lenda urbana é o que não falta.
Pois bem: dentro da propaganda, existe uma lenda que me incomoda
bastante. A de que “o mercado está saturado”.
Eu já troquei de emprego quatorze vezes. Já fui peão de gráfica e host
de restaurante metido. Já fui assistente de arte, arquivador de fitas e
jornalista de um veículo totalmente picareta. Já distribuí flyer na praia.
Já fui o último estagiário na hierarquia de uma grande produtora (aquele que vem depois do cu do cachorro). Hoje, sou Diretor da minha
própria empresa. Mas sabe-se lá o que virá amanhã.
E por todos esses lugares, eu sempre acompanhei o desespero dos
meus chefes quando alguém pedia demissão. Guardadas algumas ex-
245
capítulo 10 – posts
as mortas da perestroika
ceções, era sempre um parto achar um substituto. Fosse quem fosse.
Do novato ao presidente.
Isso indica que, diferente do que se diz nos corredores, o mercado não está saturado. Quer dizer: o mercado está saturado, sim.
Mas saturado de profissionais que estão abaixo da expectativa de
quem contrata.
Quando se precisa de alguém bom, realmente bom, que entregue coisas acima da média, que tenha o respaldo de um bom portfólio, com
maturidade e postura, que seja do bem e não tenha medo de trabalho,
é foda de achar.
Vi isso se repetir por todas as agências que passei. Mas também no
restaurante, na gráfica e até no jornal picareta.
Esse cara valioso, quase insubstituível, que é uma mistura de Romário
(pelo talento) e Dunga (pela postura), é dificílimo de achar. E se você
abrir mão dos nomes de maior visibilidade (que normalmente já recebem um bom salário, ou já atendem boas contas, ou já estão felizes
na empresas em que trabalham), fica mais difícil ainda.
Se você for bom, mas bom mesmo, você vai ser valorizado pela
sua agência e respeitado pelos colegas. E vocês viverão felizes
para sempre.
THE END
7. TEMPO TODO MUNDO TEM.
É SÓ UMA QUESTÃO
DE PRIORIDADE.
Certa vez, estava na noite e vi a cena com meus próprios olhos. Uma
loira maravilhosa se aproximou do balcão e pediu um drink. Nem deu
tempo dela receber a bebida e já chegou um magrão solando.
Fiquei só ouvindo a conversa para ver onde ia terminar. Dava pra sacar
que o cara era endinheirado. Só o relógio devia custar mais que o meu
apartamento. Era um Patek Philippe todo balaqueiro. Não tinha como não
notar. A loirosa também percebeu. Talvez por isso fosse só sorrisos.
Papo vai, papo vem, não deu nem dois minutos e o cara largou.
— Então, vamos para o meu apê?
A loira foi muito elegante, e respondeu sem levantar o tom de voz.
— Acho que você se confundiu. Eu não sou dessas.
— E se eu pagasse para você 200 reais?
— Meu amigo, eu já falei. Você está me ofendendo.
— E se eu desse 10 mil reais, agora, na bucha. Você ia?
Ela mudou o semblante. Pensou, pensou, olhou o relógio.
— Por 10 mil reais eu vou.
— Então eu te ofereço 500.
247
as mortas da perestroika
— Tá maluco? Você acha que eu sou puta?
— Puta eu já sei que você é. Agora nós só estamos negociando
o preço.
Essa piada é um ótimo exemplo de um conceito que eu defendo
insistentemente.
Existe uma coisa dentro de cada um de nós que é o nosso combustível. Que nos estimula a fazer absolutamente tudo. É ela que define
o que é importante e o que não é importante. Que determina a nossa
relação de prioridades na vida.
Essa coisa se chama motivação. O sinal mais claro e evidente do que
nos dá prazer.
capítulo 10 – posts
Ninguém precisa dizer para você: dê atenção para a sua namorada. Se
você gosta dela, naturalmente vai agradá-la.
Se o seu filho adoecer e baixar hospital, você vai dar bola para o rodapé que tinha que layoutar até as 11h? Que nada: você vai sair correndo e deixar tudo pra trás. Afinal, essa é a sua prioridade.
Fico imaginando um torcedor fanático dizendo Não fui no jogo porque
esqueci que ontem era a Final da Libertadores.
Portanto, não se engane. As coisas que você lembra, que você dá
atenção, que você coloca em primeiro plano são verdadeiramente importantes para você. É que o dá prazer, é o que é relevante, são as
coisas que você acredita.
O que você faz aos trancos e barrancos, correndo, na última hora, não.
Se eu oferecer cinco reais para você correr uma maratona, você talvez
ache a proposta ridícula. Agora, se eu oferecer um milhão de reais, é
bem possível que você se interesse. E até consiga chegar à linha de
chegada, por mais fora de forma que esteja.
Todo mundo sabe que, como professor, sou bem exigente. E defendo
essa posição pelo princípio da motivação.
Um milhão de reais é uma grande motivação. É muito dinheiro, e dinheiro é importante pra (quase) todo mundo.
Se você tem uma semana para fazer o tema, e deixou para a última
hora, me desculpe. É sinal de que fazer o tema não era tão importante
para você quando você está tentando me convencer que era.
Só que no mundo real, ninguém oferece um milhão de reais para
você fazer o seu trabalho bem feito. Ou para você chegar na hora
nos compromissos. Ou para fazer as coisas com antecedência, e
não em cima da hora.
Você tinha outras prioridades. Ver a namorada, ir no jogo do Inter, beber com os amigos, dormir. Respeito e dou o maior apoio. Quem define as prioridades da sua vida é você. Agora, só não me venha dizer
que não teve tempo. Porque o dia tem 24h para todos nós.
Para fazer tudo isso, você precisa de motivação. É uma força interior. Ninguém precisa dizer nada. Você simplesmente faz porque
aquilo é importante.
Tempo todo mundo tem. É só uma questão de prioridade.
Se você não fez o tema, ou fez mal feito, sinal de que tinha outras
249
as mortas da perestroika
capítulo 10 – posts
prioridades. E aí, essa é uma escolha sua, não minha. Por isso, quem
tem que arcar com as consequências é você, não eu.
determinadas coisas, acredite: elas não são tão importantes quanto
você acha que são.
O mais importante de todo esse papo de motivação, pra mim, é
se conhecer.
A minha dica é não ficar lutando contra isso. Se você faz as coisas por
obrigação, e não por vontade própria, tente mudar esse panorama. Ou
você vai ficar sofrendo a vida inteira.
Por exemplo: se você procura determinado amigo só para pedir favores, é sinal de que aquela pessoa não é importante para você. Os
favores dela é que são.
Se você diz que adora o seu emprego, mas está sempre de saco cheio,
sem a menor paciência para fazer o que estão lhe pedindo, contando
as horas para o final de semana, pense bem. Tem coisa errada aí.
Perceba: as maiores dicas estão nos seus atos repetidos. É impossível
fugir da nossa natureza.
Se você sempre chega na hora quando o seu chefe manda, e sempre
chega atrasado nos encontros da sua turma, você definitivamente não
é um cara pontual.
Se você fica todos os dias até tarde na agência, isso tem alguma importância para você. Talvez, você esteja investindo na sua carreira,
porque isso é uma coisa na qual você acredita. Talvez você queria só
mostrar para os outros como é trabalhador, e por isso não abre mão
de entrar noite adentro. Talvez esse seja um valor da sua família, talvez
você esteja apenas repetindo o que o seu pai e a sua mãe workaholics
fizeram a vida inteira. Talvez você more sozinho, e não queira ficar isolado. Ou talvez você esteja duro e goste de ficar até tarde pra ganhar
pizza de graça.
Não importa. Seja com a sua namorada, com o seu dupla, com os
seus sócios ou com a sua família. Se você não faz espontaneamente
Você tem que estar apaixonado pelas coisas que faz e pelas pessoas
com quem convive.
Eu sou apaixonado pela Perestroika. E é por isso que, mesmo viajando, mesmo de férias, eu não consigo ficar longe do nosso Blog.
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capítulo 10 – posts
as mortas da perestroika
montou o time mais vitorioso da história do esporte, em todos esportes, em todos os tempos, foi diferente.
Peguemos como exemplo o Michael Jordan.
8.DIAMANTES.
Nesse final de semana, tive o privilégio de filmar novamente com o
Bernardinho. Ele é um cara fantástico no set. Não reclama, não tem
nenhum estrelismo e topa todas as bizarrices que a gente inventa. E
ainda é puro alto astral, está sempre fazendo piada e divertindo a galera da produção.
Mas dessa vez, eu tive um privilégio maior que nas edições anteriores.
Em determinado momento da filmagem, quando estavam rodando
uma cena só com o Giba, ficamos batendo um papo in off. Sem câmeras, sem microfones, sem responsabilidades.
Seria até presunção dizer que foi uma conversa. Porque durante aqueles 20 minutos, eu praticamente não falei. Não valia a pena investir
aqueles poucos minutos ouvindo a minha própria voz.
Vale lembrar: o Bernardinho cobra muito caro pelas palestras que dá.
Falamos principalmente de esporte. Eu adoro espor te, e parecia que
eu estava lendo um almanaque. Ele sabia datas, placares, nomes,
tudo de cor. Detalhes que fariam inveja ao PVC. Impressionante.
Sempre que tinha jogo decisivo, a história era a mesma. Faltavam
poucos segundos. O técnico adversário sabia que a bola ia para o
Jordan. O time adversário sabia que a bola ia para o Jordan. A torcida,
o comentarista, o mundo inteiro sabia que a bola ia para o Jordan.
E bola ia para o Jordan. Mas parecia impossível marcá-lo. Na pressão,
ele não arrepiava.
Acho que esse conceito se aplica um pouco ao nosso negócio.
Os grandes profissionais com quem convivi foram justamente aqueles
que, na hora do aperto, tiraram leite de pedra. Quando alguém virava
e dizia “ou a gente acerta nessa campanha, ou vamos perder a conta”.
E o cara ia lá, e fazia o melhor anúncio da vida.
Ou quando dava um problema num comercial, que mudava o roteiro
depois de filmado. E a dupla era obrigada a fazer um remendo, com as
cenas já captadas, deixando tão bom quanto a versão original.
Ou naquelas vezes que está tudo pronto, montado, e alguém descobre que a concorrência vai lançar uma campanha igual. Daí é virar a
noite e produzir algo tão bom quanto o que acabou de ser feito, mas
em tempo recorde.
No meio disso tudo, ele explicou qual é a principal diferença entre um
grande jogador e um campeão. Usando outras palavras, ele disse que
“o grande jogador é aquele que praticamente não erra. E o campeão é
o que não erra quando não pode errar.”
Existe um ditado que eu amo, que é: diamantes nascem sob pressão.
Tá, eu sei que esse não é um ponto de vista muito novo. Muita gente
fala isso e não é de hoje. Mas sei lá: ouvir essas palavas do cara que
Sempre que eu vejo os vencedores de um festival, faço a minha própria avaliação.
253
capítulo 10 – posts
as mortas da perestroika
Cada vez mais eu valorizo aqueles trabalhos de verdade, para produtos de verdade. Que dá para ver o briefing sendo resolvido. O problema que o cliente tinha e a solução que foi encontrada. É aí que estão
os diamantes.
Só nessas condições, só um trabalho que vai para a rua MESMO é
que me impressiona. Porque só assim a ideia é colocada a prova por
um diretor de criação que está pensando seriamente sobre o assunto.
Que tem um cliente avaliando de forma séria o que vai ao ar. E que é
julgado pelo consumidor, o verdadeiro júri das nossas ideias.
Criar para o mercado publicitário, ou para filantropia, ou fazer fantasmas, ou até esses clientes que não remuneram a agência e topam
qualquer barbaridade, é como jogar um amistoso.
Eu já criei, e vez por outra continuo criando para esse segmento. Não
sou a favor do fim desse tipo propaganda. Por favor!
Agora, lá no fundinho, eu sei que existe uma grande diferença entre
isso e o anúncio produto-e-preço da STIHL que volta e meia entra na
nossa pauta.
9. CORRERIA? CORRERIA!
É comum a gente, numa rodinha de publicitários, ouvir o seguinte papo:
— Esse findi eu trabalhei pra caralho.
Ou:
— Essa semana saí todos os dias às três da manhã.
Ou ainda:
— Putz, faz quatro meses que eu trabalho sábado e domingo.
Cada vez mais, eu acho que esse discurso não é por causa da nossa
rotina mega-atarefada. O que eu percebi, e essa é a tese que eu defendo, é que nós vemos a fodelança como status.
Isso aí. No nosso meio, se fuder é ser foda.
Então, toda vez que pintar um job casca grossa para você, não veja
como uma engronha. Veja como um teste. Um teste para saber se
você já está preparado para desafios maiores. Um teste para saber se
você já pode assumir grandes responsabilidades. Se você já se transformou em diamante, ou se ainda é carvão.
Você pode até nem concordar comigo. Mas sei lá. Parece que existe
uma necessidade da gente mostrar para os outros que se está trabalhando muito.
Não consigo identificar bem a razão.
E se o prazo for curto, lembre-se do Michael Jordan. Ele normalmente
tinha que se virar só com alguns segundos.
Talvez, isso signifique que a gente está numa agência grande (afinal, a
maioria das agências grandes são assim).
Ou um sinal de que temos muitas responsabilidades, que somos imprescindíveis no processo.
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capítulo 10 – posts
as mortas da perestroika
Ou que nós somos mega-exigentes e, dessa forma, nunca nos damos
por satisfeitos saindo na hora (quem garante que o próximo Leão não
vai pintar às 3h da madrugada?).
“Eu trabalho pouco, chego às 11h, saio pra almoçar, só volto às 15h,
nunca fico até mais tarde, tô cagando para todo mundo, e ainda assim
precisam de mim”.
Repare que, nos corredores dos festivais de propaganda, o discurso
clássico é:
Ninguém se vangloria de ter um carro caindo aos pedaços, ou de ganhar mal, ou de morar num JK alugado.
— E aí, como tá lá?
— Correria, e lá?
— Correria, correria.
Ninguém, tirando o Jorge Kajuru, chega para uma mina dizendo “Eu
sou ruim de cama, tenho pau pequeno e já fiz troca-troca”.
Ninguém se vende assim. Porque não existe status nisso.
É ou não é?
Então, por que insistimos tanto nessa Síndrome de Sofrenildo?
Parece meio aquela piada da Sharon Stone na ilha deserta. Se você
come uma gostosa, e não conta pra ninguém, não tem a menor graça.
Agora, não confunda isso tudo com falta de ralação.
Se você vira a noite trabalhando, e não conta para seus colegas, ninguém vai saber que você foi um herói.
Uma coisa é trabalhar para caralho. Ser um eterno insatisfeito. Ser exigente e não se contentar com o que já fizeram. Não aceitar bem a média.
Não seria essa uma prova de que vemos a fodelança como status?
Outra coisa é ter a necessidade de falar para todo mundo que você
trabalha para caralho. É se afirmar em cima disso.
Eu, num encontro desses, há alguns anos, fiz questão de responder
pra todo mundo “Pois é, minha vida está bem tranquila, tenho saído
no horário”. (OK, não era verdade. Mas eu só queria ver a reação
das pessoas.)
Uma coisa é a realidade do mercado. Que exige bastante e faz a gente
virar a noite. Que joga para o acostamento que não agUenta o tranco.
Outra coisa é se exibir. Como se o fato de ficar até tarde fosse um troféu.
E não é que todo mundo me olhava meio estranho? Como se fosse
proibido estar bem posicionado no mercado e sair às 19h.
Mais: se a questão é se exibir, não seria mais lógico o raciocínio inverso?
Sinceramente, espero que esse post sirva para recrutar pessoas que
também pensam como eu. Não existe nenhum problema em trabalhar
bastante, nem em ser exigente. O bizarro é ver alguma vantagem nisso.
É ou não é, Kajuru?
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as mortas da perestroika
capítulo 10 – posts
ataque, sai o segundo. A equipe se joga para tentar empatar, mas
abre espaços na defesa. Termina 4x0 e o comentarista larga: “foi uma
partida de um time só, que mostrou superioridade, soube se defender
e matar o jogo na hora certa”.
10. QUANDO A HISTÓRIA
É CONTADA DE TRÁS
PARA FRENTE.
Esses dias encontrei uma revista Wired que me chamou a atenção. A
capa tinha o logo da Apple e dizia “Reze”.
Aposto que a grande maioria das pessoas, hoje, lê o “Reze” como
“Reze em nome da Apple, afinal de contas, ela é foda”.
Quando olhei com atenção, e vi a data, me impressionei. “Junho de
1997”. Sim, essa edição tem mais de dez anos. E, ao contrário do que
possa parecer, o significado de “Pray” é justamente o contrário. “Reze
pela Apple, pois ela está quase morrendo”.
A Wired previa um futuro extremamente nebuloso para a companhia.
Justo quando Steve Jobs voltava à empresa como consultor e começava a tornar a Apple uma das empresas mais inovadoras do mundo.
Talvez A mais inovadora do mundo.
Revista Wired, 1997. A reportagem tem como título “101 maneiras de
salvar a Apple”. Curiosamente, o item 1 sugere: “Admita, Apple. Você
está fora do ramo de hardwares”. Hoje nós sabemos que a Apple não
só aumentou sua fatia no mercado de computa- dores, como criou
uma nova plataforma de hardware: o Ipod.
Canso de ver jogos de futebol que, até os 25 do segundo tempo, estão indefinidos. Um time na pressão, outro na retranca. Aí, num contra-
Quando a história é contada de trás para frente, é tudo muito fácil.
Cresci ouvindo meu pai dizer que as pessoas julgam o sucesso dos
outros, mas nunca consideram os riscos envolvidos para alcançar
esse sucesso. No caso do jogo de futebol: colocar o time inteiro na
retranca pode ser um tiro no pé. Se tomar um gol, o técnico é burro.
Se ganhar, é um herói.
Muita gente erra porque se arrisca. No ramo de computadores, no
futebol e na propaganda. Quantas campanhas a gente vê no ar e diz
“caralho, onde é que eles estavam com a cabeça?”.
Se dissessem que “para anunciar o PSP, a Sony vai grafitar muros de
Nova York com imagens de caras jogando”. Alguém em sã consciência teria coragem de reprovar esse viral?
Você com certeza ainda enfrentará muitas situações assim. Agora,
como criador das suas próprias ideias. E mais para frente, como avaliador das ideias dos outros.
Eu aprendi a admirar quem, no mundo da propaganda, sabe correr riscos. Sejam os doentes ou sejam os comportados. Sim, porque quando se fala em riscos, muitos confundem com ousadia. Às vezes, ser
conservador é o mais inusitado, justamente o que garante vida longa
para determinada campanha.
Veja o exemplo de marcas que não alteram as suas embalagens há
décadas. Aposto que algum chato passou anos e anos tentando convencer o Seu Maizena a trocar o rótulo para que o produto não parecesse velho.
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capítulo 10 – posts
as mortas da perestroika
Quando vir uma grande realização, valorize todos os capítulos da história. E, principalmente, os personagens que a fizeram possível.
Porque o sucesso só é fácil quando a história é contada de trás
para frente.
11. O ATENDIMENTO.
Acho que existe um preconceito, até uma certa ingenuidade, quando
se fala que o atendimento é burro.
Claro, eles não entendem a sutileza de determinadas ideias. Simplesmente porque não têm o cérebro treinado para isso. Assim como você
provavelmente não entende um monte de coisa que eles fazem muito
bem. E com uma mão nas costas.
Claro, eles não escrevem tão bem quanto um redator. E por isso aparecem erros de português no PIT. Por outro lado, você provavelmente não
tem o tato que os atendimentos precisam ter quando o cliente liga bufando porque acabou de ver que o seu anúncio saiu borrado no jornal.
Esse tato é talento. Um talento diferente do criador, mas igualmente
importante para a agência.
Se você fez um anúncio do caralho e o atendimento não aprovou, não
significa que ele tenha apresentado mal. Existem infinitos fatores para
que o cliente renegue um trabalho. Quem já esteve na linha de frente
sabe como é.
Já vi um diretor de arte reclamar que o atendimento tinha enviado sua
campanha para o cliente por email. E eu perguntei: “Você foi até o
atendimento defender a ideia? Ou mandou por email?”. Ele nem teve
coragem de responder.
Você já se imaginou no papel do atendimento? Como reagiria se alguém chegasse em cima do prazo e disesse “olha, vai demorar mais
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capítulo 10 – posts
as mortas da perestroika
uma hora até terminar de layoutar”. Ou quando apresentassem um
anúncio completamente fora do briefing quando não desse mais tempo de refazer?
Está cheio de atendimento burro ganhando 3, 4, 5 vezes mais que o
esperto da criação. Conheço muitos atendimentos que têm o cliente
na mão. Que se saísse da agência, levaria a conta junto. E conheço
pouquíssimos criadores com esse poder.
12. EU ADORO
VOLANTE BANDIDO.
Até concordo que, na média, eles são menos capacitados que os criadores. Mas discordo da generalização. Até porque, se eu concordar,
não aprovo mais nenhuma ideia.
Uma das coisas que eu mais gosto na Perestroika é, como diz o
Felipe, quebrar a matrix da turma. Porque no primeiro dia, a gente
olha lá de cima e fica imaginando quem vocês são. No primeiro contato, é impossível tirar qualquer conclusão sem cair em preconceitos
e estereótipos.
Com o passar das semanas, cada um vai se revelando. E é aí que a
coisa fica bacana. O Lucas deixa de ser o filho da Helena. O Panichi
deixa de ser o pinta que imita o Silvio Santos. Cada um se transforma
num cara diferente daquele neguinho do primeiro dia de aula. E invariavelmente essa nova pessoa é muito mais legal.
É nessa hora que a gente vê quem vocês realmente são.
O mercado publicitário nos induz a seguir um modelo que nem sempre combina com a gente. Temos que cortar o cabelo no Sexton. Temos que andar de All-Star. Temos que ter um Iphone. Ou não. Mas daí
vão olhar você dos pés à cabeça com um ar de reprovação. Justo o
mundo da publicidade, que se diz tão mente aberta.
Não há nada de errado em gostar de All-Star. O errado é ser engolido por esse universo. Não é fácil ser pagodeiro num meio onde todo
mundo gosta de música eletrônica. Não é fácil ser mauricinho quando
todo mundo é hype. E se você é pagodeiro ou mauricinho, tenho certeza que vai concordar comigo.
263
as mortas da perestroika
O mais importante é ser autêntico. Porque você só consegue dizer
coisas verdadeiras – seja na propaganda, seja na vida – se você for
verdadeiro. Quando a gente vive um personagem o tempo todo, e só
deixa o papel quando deita na cama, alguma coisa está errada.
Se o seu negócio é pagodão, desses bem bagaceiros, não tenha
medo de assumir. Até porque, uma hora ou outra, isso vai ser uma
puta vantagem competitiva para você. Já pensou, quando tiver que
criar um jingle chicletão para aquela rádio popular? Tenho certeza que
vai tirar de letra.
Seja autêntico. Os caras mais fodas que eu conheço são assim. E só
são fodas porque são assim.
Eu adoro volante bandido, jogar poker, Jack Black, cafuné, almoçar
sozinho, feijão com farinha, camisa de botão, humor negro, filmes de
máfia, dar aula na Perestroika, a sobremesa do Constantino, as piadas do meu vô, Diogo Mainardi, conversar com estrangeiros, Buenos
Aires, fazer churrasco ouvindo Sala de Domingo.
Eu odeio dirigir, tirar fotos, casamentos, fazer a barba, trabalhar no
final de semana, livros com mais de 100 páginas, frutas, verduras, inverno, morar longe dos meus pais, Cinema Novo, gente que dança no
meio da rodinha, Faustão e luau com violão.
E tudo isso, certo ou errado, eu tento colocar nos meus títulos e roteiros da maneira mais verdadeira possível. Porque essa conjunção de
fatores, essa visão de mundo, é um privilégio só meu.
Se eu conseguir transformar isso numa coisa interessante, será impossível copiar.
Nesse sentido, um aluno conquistou meu respeito e admiração. Um
cara que é bem resolvido, que não se intimidou nem pelos alunos,
nem pelos professores. Que lida com as brincadeiras com bom humor,
capítulo 10 – posts
sem nunca esquentar a cabeça. E que, mesmo com todas as provocações, nunca foi capaz de nos xingar com um único palavrão.
*Esse post faz referência a um aluno chamado Tronquini, que não falava
palavrão até entrar na Perestroika. Lembro com carinho desse cara.
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capítulo 10 – posts
as mortas da perestroika
13.VAI LÁ E FAZ. MAS VAI LÁ
E ACABA.
Muita gente conhece o lema “Vai lá e faz”. Mas muita gente o interpreta de forma errada.
Vai lá e faz é mais do que começar. Vai lá e faz é ir do início ao fim do
processo. É tirar o projeto do papel e colocá-lo de pé. Porque começar a primeira página de um livro é moleza. Porque montar o business
plan de um novo site de compra coletiva é teta. Porque ligar para a
menina e convidá-la pra sair não é o mais foda.
Difícil é ver o livro publicado, a empresa inaugurada ou o beijo
consumado.
Portanto, toda vez que você pensar em “vai lá e faz”, não esqueça que,
tão importante quanto começar, é terminar. Projetos pela metade têm
muito, muito pouco valor. Muitas vezes, não têm nenhum valor.
No meio corporativo, chamam isso de acabativa. Mas eu, sinceramente, não gosto desse termo. Prefiro a simplicidade do “vai lá e acaba”,
que é um tapa na cara das pessoas que são ótimas em desistir.
Nessas horas, faz todo o sentido se utilizar da lógica beta. Pense no
jeito mais simples de levantar o seu projeto. E aí, com ele funcionando,
comece a mudar. Aplique as melhorias. Ajuste o que puder ser evoluído. Troque a cor, mude o preço, reforce a equipe.
Se a Perestroika decidisse ser uma escola de atividades criativas na
sua primeira edição, a gente nunca teria conseguido tornar o negócio
rentável. Foi justamente essa lógica orgânica, de um passo de cada
vez, que nos deu um crescimento ágil, porém sustentável.Se você fica
olhando lá para frente, você nunca acaba. E só quando você acaba é
que as coisas começam.
Vai lá e faz. Mas vai lá e acaba o que você fizer.
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capítulo 10 – posts
as mortas da perestroika
14. SAIBA O QUE VOCÊ SABE.
E O QUE VOCÊ NÃO SABE.
Quem acompanha o blog sabe. Gosto muito de futebol. Acompanho
meu time, mas também acompanho o esporte como um todo. Gosto
de fazer aqueles desenhos táticos. Gosto de entender o que está passando pela cabeça do técnico. Gosto das movimentações silenciosas,
que não são valorizadas pela maioria dos torcedores.
Mas também adoro o lado business. A estratégia macro de um clube. Do que ele pensa para a instituição, e não apenas para o plantel
de jogadores.
Hoje, li que o Inter estuda fazer uma pré-temporada na Argentina, com
a intenção de difundir sua marca no exterior. E aí, quando você ouve
isso, fica mais fácil entender por que Guiñazu, Bolatti e D’alessandro
são figuras importantes no grupo colorado. Aí, fica mais fácil perceber
o motivo da contratação de Pato Abbondanzieri, mesmo em fim de
carreira. Aí, fica mais fácil sacar por que Jorge Fossati e Paulo Roberto
Falcão foram apostas da diretoria.
Se você olhar o microcosmo, olhar o jogo que vem pela frente, talvez
ache que o Guiñazu ser convocado para a Seleção Argentina é um
péssimo negócio. Mas quando você entende o contexto geral, fica
claro que – para a instituição – é um circunstância favorável.
As decisões num clube de futebol não são feitas, exclusivamente,
pensando no rendimento dentro das quatro linhas. Existe uma série
de coisas para se levar em conta. O reserva descontente que começa a minar o vestiário. O goleiro que brigou com a mulher e que
talvez não esteja seguro para a próxima partida. O dirigente que
quer se reeleger na eleição do ano que vem. O conselheiro que está
em dívida com um jornalista e que tem uma informação privilegiada.
A valorização de um atleta que está com o contrato encerrando. E
assim por diante.
Se você olha o micro, você pensa “puxa, por que ele não escala os
melhores!”. Mas se você entende o macro, você entende que ele,
provavelmente, ESCALOU OS MELHORES. A diferença é que você
não tem informação suficiente para fazer esse julgamento.
Isso, que é fácil de perceber em futebol, acontece em todos os organismos sociais. E a gente, do alto da nossa sabedoria, faz um julgamento leviano, raso, com a pretensão de que sabe tudo o que está se
passando. E diz, como senhor da verdade: “que cara idiota!”.
Criticamos o trabalho do colega, sem sabermos que ele passou a noite em claro cuidando do filho que estava com febre.
Criticamos a empresa concorrente, sem sabermos que eles estão a
ponto de fechar com um cliente gigante, e não puderam dar muita
bola para o produto recém lançado.
Criticamos o amigo que não sai de casa nunca, que é um velho, sem
sabermos que, no fundo, ele está em depressão profunda.
Criticamos um tweet sem sabermos que, na verdade, o cara está mandando uma mensagem velada para uma gatinha que está saindo.
Criticamos a política, a economia, o trânsito. Xingamos muito no Twitter. Avaliamos tudo por um prisma incompleto e batemos o martelo
numa sentença de certeza.
Eu faço isso. Você faz isso. Todo mundo faz isso.
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capítulo 10 – posts
as mortas da perestroika
Claro: o mundo seria muito chato se não houvesse essas opiniões. Talvez a graça das discussões de bar, dos papos informais, das conjecturas paranóicas esteja justamente aí. No caráter experimental, na dúvida, na incerteza, na convicção de um quebra-cabeças cheio de furos.
Por favor, não é isso que estou dizendo.
Só acho perigoso o cara que não apenas ignora várias variáveis da
equação, mas nem considera que elas possam existir. E aí, além de
errado, muitas vezes passa por ingênuo.Como empresário, vivi experiências boas e ruins nesses dois sentidos. Já me senti dono da
verdade e me quebrei bonito (e ainda vou me quebrar muitas vezes),
por achar que estava a par de tudo. Assim como já vivi situações em
que, por ter informações privilegiadas, vi como eram ingênuas certas
colocações.
Na obra-prima de Francis Ford Coppola, O Poderoso Chefão, que revi
esses dias, existe um diálogo que resume tudo isso que falei. Michael
Corleone, filho de Dom Corleone e futuro herdeiro do império da máfia,
conversa com sua futura esposa, Kate.
— Meu pai não é diferente de nenhum outro homem poderoso,
como um presidente ou um senador.
— Você percebe como é ingênuo? Presidentes e senadores não
mandam matar pessoas.
— Quem está sendo ingênuo, Kay?
Moral da história? Não basta só saber o que você sabe. Você tem
que ter uma noção do quanto você não sabe. Só assim você vai estar
preparado para uma rasteira que pode vir ali na frente. E evita uma
exposição desnecessária.
Evita que aquele comentário que você faz, convicto, gere uma troca
de olhares constrangidos entre todos os outros presentes na reunião.
Que pensam silenciosamente:
Se ele soubesse…
É difícil, muito difícil, especialmente para pessoas que ainda estão
amadurecendo na profissão (meu caso como empresário). Mas é importante. Especialmente quando o técnico escala um terceiro volante
e seu colega ao lado resmunga.
E isso é tudo o que sei. Ou que não sei.
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capítulo 10 – posts
as mortas da perestroika
Quando falo com esses fodalhões, é sempre assim. Eles vão se juntando com gente legal, que traz mais gente legal e, quando vê, é um
batalhão de mentes diferenciadas.
15. AS TRÊS PRINCIPAIS
COISAS QUE APRENDI COM
EMPREENDEDORES.
Esse período no Rio está fantástico. A quantidade de reuniões que a
gente tem feito com pessoas influentes é absurda. A recepção, em
todos os locais, sem exceção, foi ótima. E o aprendizado, às vezes
deliberado, às vezes por observação, às vezes por osmose, tem sido
pra vida.
Na volta da Farm, onde trocamos uma ideia com o Marcelo Bastos,
twittei uma conclusão que tirei desse intensivão. E agora que o dia acalmou um pouco, resolvi descrever melhor a minha linha de raciocínio.
Portanto, as três principais coisas que aprendi com empreendedores
até agora são:
1. Conheça e se conecte com gente foda.
Não tem como sair algo ruim.
2. Faça mais e planeje menos.
Não estou dizendo para não haver planejamento. Só estou dizendo
que SÓ o planejamento não leva a lugar nenhum. A ação, mesmo que
mal planejada, leva. Porque, muitas vezes, sem planejamento, e só
com intuição, é possível fazer muita coisa legal.
Moral da história: todos os caras incríveis que conheci na vida tinham
isso no sangue.
Eles planejavam, mas antes do planejamento estar 100% pronto, já
saíam tocando a ideia de alguma forma.
Não dá para explicar exatamente. Não é um sistema, não é uma ferramenta. É um modelo mental que confirma aquela máxima. Papel não
para em pé.
3. Quando chegar lá, não vire um escroto.
A maioria dos negócios que fiz nasceu depois de ter encontrado
gente relevante. Essas pessoas sugeriram ideias, me indicaram outras pessoas, convidaram para oportunidades que nunca rolariam
se eu não estivesse lá, naquele lugar, naquela hora. Outra: gente
foda atrai gente foda.
É óbvio que, quanto mais o cara cresce na vida profissional, mais
complicada fica a agenda. Chega uma hora que, por mais legal que
o neguinho seja, ele não vai conseguir dar atenção para todo mundo.
E alguns emails vão ficar sem resposta. Alguns telefonemas vão cair
na caixa. E alguns comentários como É, agora está se achando vão
surgir naturalmente.
Um dos meus lemas é sempre tentar ser o cara mais burro da reunião.
Sinal de que eu talvez não tivesse que estar lá. E se estou, é porque
tive méritos em me conectar com gente do caralho.
Mas os neguinhos foda, mesmo com sucesso, não fazem isso por cu
doce. Fazem porque fica inviável. No final das contas, eles continuam
caras legais, mas ocupados.
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capítulo 10 – posts
as mortas da perestroika
Óbvio que existem os megaempresários do mal. E não são poucos.
Mas esses caras são desmascarados rapidinho e são referência negativa nos seus mercados. Não são bem falados, não são inspiração. E
eu não conheço nenhum líder que não inspire.
Se um dia eu ficar rico e milionário, vou tentar manter o mesmo relacionamento com as pessoas que tenho hoje. Não sou o cara mais carismático do mundo, fato. Mas estou longe de ser um bandido. E, se você
quer saber, tem até umas pessoas que me acham legal. Vai entender.
Importante: essas não são As três regras para o empreendedor de
sucesso. São leituras que fiz, empiricamente, como muitos desses
empresários fazem. Concorde, discorde, opine. Mas, por favor, não
deturpe o que escrevi.
16. DEIXE SUA CRIANÇA
LIVRE LIVRE.
Há um tempo, participei de uma imersão de 36 horas bastante inusitada. Vivi alguns momentos tensos, outros de tédio, outros bastante discutíveis (que beiraram a irresponsabilidade). Mas alguns valeram bastante a pena, e me trouxeram lições que não vou esquecer tão cedo.
Uma das coisas mais legais que tirei de lá foi o conceito da Análise
Funcional da Personalidade. Não sei se entendi completamente os
fundamentos psicológicos apresentados (não sou um mega especialista do assunto, e nem pretendo ser). Mas, sinceramente, saber tintim
por tintim nem era o mais importante. O legal foi o aprendizado que
tirei de tudo isso.
De forma bem resumida, o que entendi: nós somos resultado de várias
pessoas que dialogam dentro do nosso eu. Sendo bem reducionista,
podemos listar seis figuras, que estão constantemente determinando
a nossa maneira de pensar e agir.
Pai crítico: nosso lado crítico, controlador, autoritário.
Pai protetor: nosso lado caridoso, bondoso, que ajuda e é amoroso.
Adulto: nossa faceta responsável, que avalia a situação com bom
senso, que pondera.
Criança rebelde: é o nosso lado do contra, subversivo e contestador.
Criança submissa: responsável por aquele nossa parte mais covarde, com um certo medo exagerado.
Criança livre: é nossa parte mais espontânea, criativa, intuitiva,
sem muitos filtros.
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capítulo 10 – posts
as mortas da perestroika
Quando olho esse diagrama, consigo entender perfeitamente porque
alguns de nós são mais criativos que outros. Nós, adultos, com nossas regras, leis, preconceitos e verdades absolutas, matamos a criança que existiu um dia.
Essa criança desenhava um círculo azul e dizia que era um sol. Por
quê? Ora, por que a representação gráfica de um sol tem que ser NECESSARIAMENTE amarela? Quem determinou isso?
Um adulto, provavelmente.
Essa criança pintava e se sujava sem medo. Faz parte do processo, não
faz? Existe artista mais visceral que uma mente infantil com um pincel?
Essa criança escrevia mesmo sem estar alfabetizada. Criava sua própria linguagem, seus algarismos, seus caracteres e sua lógica de leitura. Por que tem que ser da esquerda para a direita e de cima para
baixo? Quem inventou isso?
Eu aprendi, ao longo dessas 36 horas, que deixar a Criança Livre LIVRE é a melhor maneira de ser criativo.
Por isso, é uma bobagem aqueles que dizem: sou experiente, tenho
muitas referências, já vi de tudo nesse mercado. Quem diz isso só
está reforçando o seu lado adulto, e cada vez mais distante da verdadeira criatividade das mentes infantis.
Lembro de ver de perto as obras de Miró e ouvir de uma senhora crítica ao meu lado: Isso parece coisa de criança. Pois é, minha senhora:
talvez esteja justamente aí a sua genialidade.
Este texto está aberto a críticas, a discordâncias, a contraposições.
Mas antes de deixar sua mensagem, deixe a sua Criança Livre um
pouco mais livre, beleza?
Um beijo babado, com sabor de nuvem.
Titi Loquinho (meu apelido da 4a. série).
Um adulto, provavelmente.
Essa criança compunha músicas que não tinham corpo/refrão/corpo/ponte/refrão/solo/ponte/refrão. Porque esse jeito comercial é
completamente contrário ao caos musical de um menino de cinco
anos, que sai do ritmo, que esquece a letra e ainda assim se diverte
pra caramba.
Essa criança questionava tudo. Por quê? Por quê? Por quê? Depois
de velhos, nós ficamos previsíveis, preguiçosos e chatos. Não questionamos quase nada. Se essa é a regra, que se siga a regra. Se esse
é o padrão, que se siga o padrão. E se a criança sai do padrão, a gente
vai lá e dá um cascudo.
Coisa de adulto, né?
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as mortas da perestroika
17. GANHA-GANHA.
Nas minhas vidas passadas, eu devo ter sido um árabe, daqueles que
vendem bugigangas no meio de algum feirão de Constantinopla.
Eu adoro vender. E com certeza esse foi um fator que contribuiu muito
para que eu tenha caído na publicidade. (Aos que ainda não se deram
conta: publicidade é só, e simplesmente só, vender.)
Lembro que quando tinha 15 anos, pedi autorização para o meu pai
para trabalhar no McDonald’s. Ele não entendeu muito bem meu pedido. Mas eu queria trabalhar no balcão, conhecendo pessoas. E convencendo pessoas a levar por apenas mais R$ 2,00 uma tortinha de maçã.
Mas não convencer na maldade. Não convencer para forçar um consumismo injustificado. Eu queria tentar, de alguma forma, ajudar na
escolha da pessoa. Queria que ela fizesse uma compra melhor a partir
da minha indicação.
capítulo 10 – posts
que convence a pessoa a comprar algo que seja realmente útil. É o
cara que consegue abrir os olhos do consumidor para funcionalidades
que ele nem sabia que existiam. É quem acredita que, no final, a compra pode ser boa para todas as partes.
É o cara que diz: Realmente, Dona Maria, a senhora não precisa de
uma cama King Size. Mas quem sabe nós vemos um colchão novo,
para diminuir essa sua dor na coluna?
Talvez, a profissão de vendedor seja a que melhor represente a filosofia Ganha-ganha. Porque, para mim, o bom vendedor é justamente o
cara que acredita no ganha-ganha. Que acredita que ninguém precisa
perder para que todos saiam ganhando.
Por sinal, eu acho que todas as relações entre as pessoas deveriam
respeitar esse princípio. Todas as relações deveriam ser (ou tentar ser)
ganha-ganha.
Porque quando a gente acha que, para se dar bem em alguma coisa,
tem que enrolar o outro: cuidado. Tem coisa errada aí.
Meus amigos de Farroupilha achavam muito imbecil tudo isso. Pensavam que eu só poderia estar louco. Qual é a graça de ser um vendedor,
Tiago? De tanto ouvir aqui e ali, desisti do meu plano e nunca entrei
para a trupe do Ronald e cia.
Sempre que eu participo de um “momento ganha-ganha”, parece que
eu estou contribuindo para o equilíbrio do universo. Para a Corrente
do Bem. Para (OK, já que estamos em período de Ano Novo) um mundo mais bonzinho.
Mas essa filosofia, de ser um intermediário da boa compra, ficou.
Quando isso acontece, eu não me sinto culpado, já que não estou
prejudicando ninguém. E também não me sinto mal, porque não deixei
que ninguém me sacaneasse. É só o justo, ora.
Eu acho que o bom vendedor não é aquele que engana o consumidor.
Não é o picareta. Não é o que força a barra. Não é o que joga sujo para
ganhar uma comissão no final do mês.
É quem interpreta o problema e encontra uma boa solução. É aquele
Mas é complicado. Porque nós fomos educados para levar máxima
vantagem em tudo. Quando talvez o raciocínio correto seja simplesmente tentar tirar algo bom para todo mundo em todas as situações.
279
as mortas da perestroika
Naquela cena famosa do Mente Brilhante, o Nash diz: Se todos chegarem na loira, todo mundo sai perdendo. Se todos chegarmos nas
amigas, todo mundo se dá bem. Perfeito. Mas será que não existe um
jeito de não deixar a loira chupando dedo? Aí sim, todo mundo saiu
ganhando. (Inclusive a loira, porque ela vai terminar se dando bem de
alguma forma.)
É curioso, mas as relações ficam mais autênticas, genuínas e humanas. Tanto você com seus amigos. Você com sua família. Você na sua
empresa. Você com a sua namorada. Você com você mesmo.
Ou simplesmente você com o vendedor da Magazine Luiza.
capítulo 10 – posts
18. QUEREM SABER QUANTO EU
GANHO? ENTÃO VOU DIZER.
Uma das perguntas mais recorrentes dos alunos é sobre o nosso salário. E eu não vejo isso pelo lado bisbilhoteiro. Acho que, de certa
forma, eles nos vêem como ponto de referência. Então, quando perguntam quanto ganhamos, acredito que seja mais pra saber quais são
as perspectivas salariais no futuro.
Só que tanta gente tem essa dúvida que eu resolvi abrir o jogo. Lendo
esse post, vocês vão saber quanto eu ganho. Juro.
A primeira coisa importante é perceber que grana é só uma parte da
nossa remuneração. Além dos benefícios tradicionais, como ticket,
vale e plano de saúde, tem muito mais coisa envolvida.
Por exemplo: você tem duas propostas idênticas. Mas numa, você vai
trabalhar com um chefe legal pra caralho. Na outra, com um pau no cu.
Imagino que, em condições normais de temperatura e pressão, todos
fechariam na primeira. Por quê? Ora, porque as CONDIÇÕES DE TRABALHO (no caso, o chefe) também contam como salário.
Assim como as condições de trabalho, existem outras coisas que devem ser vistas como remuneração, e às vezes a gente nem se dá
conta. (Não listei todos os itens que compõem um “salário”. Só peguei
alguns representativos para ilustrar o raciocínio.)
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as mortas da perestroika
capítulo 10 – posts
Início de carreira
Salário: ruim
Trabalhos: ruins
Aprendizado: alto
Networking: alto
Mas vejam o outro lado. Como você sabe mais hoje do que sabia
ontem, as novidades diminuem. O aprendizado continua, lógico. Mas
fica mais lento. Antes, você mal sabia alinhar as coisas. Agora você já
entende de combinação de cor, diagramação, escolha de fontes. Os
conceitos básicos, que foram úteis para você antes, agora não são
mais. Se não são, sinal de que esse conteúdo você já domina. E se
você já domina, não vai pagar por ele.
O neguinho no início da carreira ganha pouca grana, sim. Mas por outro lado, ganha muito conhecimento. Porque o dia-a-dia o faz aprender com os profissionais mais experientes. E isso é uma forma de
salário. Lembre-se: se você paga para aprender sobre propaganda
numa universidade, é sinal de que esse conhecimento tem um valor. E
numa agência, teoricamente você está recebendo de graça.
Dependendo do ponto de vista, o salário de um iniciante na propaganda pode ser considerado uma puta grana. Vejam só.
Muita gente não se dá conta, mas a rede de contatos que você faz
quando entra numa empresa é valiosíssima. Se contato não valesse
dinheiro, não existiriam palavras como “lobbystas” ou “tráfico de influências”. Ninguém compraria mailings. E por aí vai.
Com o passar do tempo, você cresce na profissão. Agora, em vez de
trabalhar num computador podre, você já tem uma máquina bacana.
Agora, você não faz só rodapés: já pega campanhas com rádio e TV.
E além disso, você está com carteira assinada, ganhando o dobro do
trampo anterior. Ou seja, você está ganhando mais. Certo?
Depende.
A agência que está pagando mais dinheiro para você só está fazendo
isso porque, hoje, você tem uma certa experiência. Tem mais critério.
Tem mais conhecimento técnico. E, logicamente, isso faz com que
você resolva melhor e mais rapidamente os trabalhos.
Esse tipo de situação acontece na fase intermediária da carreira. A
gente passa a ganhar mais de um lado, mas deixa de ganhar do outro.
Veja só.
Início de carreira
Salário: médio
Trabalhos: médio
Aprendizado: médio
Networking: médio
Até que um dia você fica grandão, vai para uma puta agência, ganhando uma puta grana, com contas animais. E agora, você está ganhando
mais do que antes?
Pode ser que sim, pode ser que não. Tudo depende de como você
percebe o valor dessas coisas intangíveis.
Maturidade da carreira
Salário: alto
Trabalhos: alto
Aprendizado: baixo
Networking: baixo
Por esse raciocínio, a grande maioria das pessoas ganha mais ou menos a mesma coisa. De formas totalmente diferentes, mas com valores semelhantes.
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capítulo 10 – posts
as mortas da perestroika
Evidente que existem injustiças por aí. Tem cara Tabajara ganhando
mais do que deveria, tem neguinho competente ganhando menos do
que merece. O mundo não é perfeito.
Portanto, quer saber quanto eu ganho? O mesmo que você.
Fiquei sabendo que um estagiário da turma um, depois de ouvir essa
minha teoria, fez uma sensacional. Percebeu que o salário dele era
uma bosta. Que a agência em que trabalhava só tinha contas fodidas.
Mas que ao seu lado, sentava uma estagiária muito gostosa.
19. O ESPECIALISTA EM
MÍDIAS DIGITAIS.
Hoje em dia, qualquer pessoa que possui mais de 1.000 followers no
Twitter, mantenha um blog por mais de um ano e já tenha trabalhado
para alguma marca pode se auto-proclamar um “especialista em mídias digitais”.
Ele virou para o lado e falou.
“Olha, não me tire pra machista, não me leve a mal. Mas a gente vai ter
que negociar umas coisinhas. Você faz parte do meu salário.”
Eles estão aí, aos cântaros, pipocando e vendendo um peixe que nem
sempre é tão profissional assim.
Claro: existem várias pessoas que dominam esse conteúdo, e podem
cobrar – e cobrar caro – pelo conhecimento que detêm.
Ao mesmo tempo, vário novatos estão se aventurando num terreno complexo. E muitas vezes, com o consentimento da própria
empresa, que contratam um estagiário e o deixam coordenando
Twitter, Facebook e Blog. Já que “ele é da Geração Y e sabe mexer
nessas coisinhas”.
Complicado, não?
Sou um liberal por natureza. Acredito no livre mercado. Nada de protecionismo. Quem sabe fazer, que faça.
Agora, é notório que muitas marcas estão gerindo mal suas plataformas. E acho que este é um dos furos.
Na minha opinião (e aí, você pode discordar ou concordar, o mundo é
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capítulo 10 – posts
as mortas da perestroika
livre), um especialista em mídias digitais têm que reunir uma série de
qualidades. Que não são da noite para o dia que você adquire.
Vou listar apenas algumas das skills que julgo necessárias. De novo:
você pode concordar ou não, e não tem problema nenhum nisso. Essa
ainda é uma profissão em formação. Existem muito mais dúvidas do
que certezas.
Também não acho que um EMD (Especialista em Mídias Digitais) precise de TODAS essas características. Se a Internet é um sistema dinâmico, seria anacrônico enxergar por uma ótica cartesiana.
1. Entender a história da internet:
o passado, o presente e o futuro.
Os protocolos de convivência da internet, também chamados de “O
comportamento do usuário nas mídias sociais”, têm origem direta na
forma como a rede foi construída. Os fatores tecnológicos são a base
dos fatores humanos.
2. Entender o protocolo criado pela Revolução Digital
do ponto de vista técnico e sociológico.
Acredito que muitos EMDs dominam a parte ferramental, das novas
tecnologias que surgem. Mas nem sempre essas pessoas conseguem
mergulhar no que mais importa, que é: o impacto sociológico que a
Revolução trouxe.
3. Ir muito além do “crowdsourcing”
e “poder das massas”.
Toda hora surge um termo novo. Snack Culture, Storytelling, Engagement e por aí vai. Muitos desses temas são sobreposições. Temos que
tomar cuidado para não usarmos palavras novas para dizer exatamente as mesmas coisas que estavam sendo ditas anteriormente.
4. Acompanhar as mudanças.
Tudo acontece muito rápido. A cada dia, surge uma nova rede social.
Qual vai pegar? Qual é fogo de palha? O que é o Promoted to Twitter?
Você é beta tester do Google+? Por que o Facebook tem tanto rolo
com privacidade? Esses questionamentos fazem parte, ou deveriam
fazer parte, do dia-a-dia de um EMD.
5. Estudar
Muito do que se aprende sobre mídias sociais se aprende na marra,
fazendo, executando. Mas há uma vasta bibliografia que ajuda, e ajuda muito, a entender esse novo universo.
6. Não ter medo de errar.
A internet é beta. Então, saber criar riscos calculados é um dos talentos que eu julgo mais importante num EMD.
7. Ter capacidade de gerar teorias próprias.
Este e o próximo item são parecidos, mas não iguais. Então: ser
um simples consumidor do que os outros EMDs dizem é meio que
ser um papagaio dos formadores de opinião. O legal é ter poder de
análise, conseguir conectar pontos que nem todos estão vendo e
formular, a partir daí, uma visão particular. Isso é o que dá valor ao
seu trabalho.
8. Ter capacidade de desenhar cenários futuros.
O grande valor de um profissional é ter a capacidade de antecipação.
Então, acredito que um EMD que não consegue prever cenários, muitas vezes, trabalha apagando incêndios, em vez de evitá-los.
287
capítulo 10 – posts
as mortas da perestroika
9. Dominar as ferramentas mainstream.
13. Ter referências.
Existe uma certa ditadura do hype entre os EMD. Um papinho meio
chato de que o Facebook está Orkutizando. Pois é: no Brasil, o cara
que não usa Orkut está virando as costas para a rede mais popular no
país. Tem que saber o que é cool? Claro. Mas não pode largar o osso
do mainstream.
Explicar através de exemplos é sempre uma ótima forma de fortalecer
o nosso ponto de vista. Um EMD deve ter repertório, já que essa é
uma área nova e, muitas vezes, o exemplo ao lado é o melhor aprendizado que podemos ter.
10. Entender de comunicação.
Hoje, todos nós sabemos que a internet não é uma mídia. É muito
mais. Mas, inicialmente, ela foi entendida assim. O fato é que a internet TAMBÉM é uma mídia. Por isso, entender de comunicação (não
confunda entender de comunicação com ter um diploma em comunicação) é fundamental. Sem falar no óbvio: alguém que vai gerenciar os
canais com o consumidor, vai FALAR com os consumidores em nome
da marca. Tem que ter a manha, né?
11. Ter história.
As novas gerações, que nascem praticamente dentro de um computador, têm muito a nos ensinar. Esse é um exercício de humildade que eu faço diariamente. Mas nós não podemos ser ingênuos
e achar que os nativos digitais sabem tudo. Até porque, boa parte
do dia-a-dia de um profissional de dessa área é comum a qualquer
outra profissão. Por isso, acredito que um EMD não nasce do nada.
Ele precisa ter lastro.
12. Ter carisma digital.
Acredito que um EMD não é, necessariamente, um Geek. Mas o cara
tem que ter, no mínimo, carisma digital. Ele tem que absorver tudo
isso de forma natural, não com sofrimento.
14. Ter criado material autoral com relevância na web.
Os fenômenos de cultura popular estão nascendo, cada vez mais, da
Internet. Quem já fez algum webhit parece ter mais autoridade para
discutir, em alto nível, o que faz sentido no consumo de conteúdo.
Sem falar que esses caras, em geral, já controlam uma audiência própria. E esse trabalho de gerenciamento talvez seja a skill mais importante que se possa exigir.
15. Ter respeito de membros da rede.
Muito ouvir falar do termo panelosfera – que talvez já esteja até bem
datado. Existe sim um grupinho que se auto-referencia na internet
e que se protege. Mas esses caras sabem reconhecer novos talentos, têm olho clínico para ver quando alguém vai explodir e, como
passam muito tempo conectados, são impactados por quem estiver
fazendo um trabalho relevante. Se eles já ouviram falar de você, ótimo. Bom sinal.
16. Ter perfis nas redes sociais com métricas relevância
nas ferramentas de análise.
São trihões de ferramentas usadas para medir a sua importância
na Internet. Mas eu gosto muito da Família Grader (BlogGrader, FacebookGrader, TwitterGrader e WebsiteGrader), que chegaram até
mim pelo Dan Zarella, um dos maiores estudiosos de mídias sociais
no mundo.
289
as mortas da perestroika
17. Ter referências multidisciplinares que façam você
olhar muito além da internet.
Um cara que só vive a internet tem uma capacidade muito limitade
de análise. Os grandes pensadores, em geral, são pessoas que vivem
experiências multidisciplinares e têm conhecimento em mais de uma
área. É o cruzamento desses conteúdos aparentemente desconexos
que torna o contexto mais rico.
capítulo 10 – posts
ideias, mas os caras nunca aprovam”) é um raciocínio muito infantil.
Se você tem boas ideias, ótimo. Mas saber aprová-las com consistência é parte do seu trabalho. É sempre mais legal ser co-autor de algo
brilhante que autor solitário de algo comum.
18. Saber discutir qualquer um desses itens
com uma autoridade.
Buenas, espero não gerar muita polêmica com este post. A ideia é abrir
a discussão e ver se mais gente pensa como eu. Como falei: não é
uma ciência exata. É um mercado que está nascendo, que ainda gera
muitas incertezas e, por isso, não podemos ser obtusos em nada.
Bancar o espertão com um leigo, beleza. Agora, difícil é sentar numa
mesa de debatedores e não arrepiar em meio a outros especialistas.
Agora, isso não significa que temos que entregar a gerência das nossas plataformas digitais para o primeiro cara que aparecer.
19. Saber explicar qualquer um desses itens para uma
pessoa que nunca ligou um computador.
Eu acredito que um picareta é aquele cara que fala, fala, fala, fala e ninguém entende nada. Ele não tenta facilitar, digerir, mastigar o conteúdo.
Ele tenta tornar o mais complexo possível para sair por cima e parecer
superinteligente. Se você vir um desses caras, cuidado. Ele pode estar
aplicando pra cima da sua marca.
20. Saber mudar de opinião.
Só uma pessoa que nasceu sabendo tudo não muda de opinião. E como
eu acredito que nenhum EMD nasce com esse predicado, o cara tem
que saber rever os seus pontos de vista. Não pode se ter uma visão
dogmática. Veja o caso do Refresh, que fez a Pepsi despencar para o
terceiro lugar do mercado. Será que isso não é um indicativo?
21. Gostar de co-autoria
Esse negócio de ficar colocando a culpa no cliente (“eu proponho
Obs: O termo “mídias digitais”, em vez de “mídias sociais”, foi colocado deliberadamente. Um compreende o outro. O outro não compreende o um.
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as mortas da perestroika
capítulo 10 – posts
Eu acredito que já foi o tempo em que as marcas tinham que se chapa
branca. Ou que tinham que se alinhar apenas com causas neutras. Ou
ter posições necessariamente boazinhas.
20. AS EMPRESAS DEVERIAM
SER MAIS RONALD RIOS.
Eu acho que, daqui pra frente, vão se destacar as marcas que não
tiverem problemas em posicionar. As marcas que tiverem um discurso
de gente, mas gente de verdade. Porque gente de verdade fala mal de
pagode pra defender o heavy metal.
Esses dias, a Perestroika twitou uma frase tipo: “Eu nunca pegaria
a Carrie Bradshaw”. Aí, uma seguidora nossa, perguntou que “a Perestroika não poderia dizer isso, porque era Pessoa Jurídica, e não
Pessoa Física”.
Na minha opinião, as empresas deveriam ser mais Ronald Rios. Vão
saber dizer mais “eu gosto disso, eu não gosto disso”. (Atenção: se
você não gosta de palavrões, opiniões agressivas e ironia das fortes,
melhor não procurá-lo no Youtube – se é que você não o conhece.)
Pois eu repliquei dizendo que era exatamente esse o nosso jeito de se
comunicar por lá. Nós temos dupla personalidade (às vezes é o Felipe,
às vezes sou eu) e não pedimos autorização um para o outro. Simplesmente escrevemos o que julgamos ser legal. Às vezes, falamos
como Pessoa Jurídica. Mas muitas vezes – provavelmente a maioria
das vezes –, como Pessoas Físicas.
Claro que não estou dizendo que as empresas, a partir de agora, devem sair xingando todo mundo e emitindo opiniões racistas, fascistas
e Southpárkicas.
E quer saber? Acho legal pra caralho que a gente tenha essa postura.
Porque gente fala como gente, não fala como empresa. Gente prefere
pizza de calabresa do que muzarella. Gente odeia passear no parque.
Gente nunca pegaria a Carrie Bradshaw. E gente, muitas vezes, diz
que nunca pegaria a Carrie Bradshaw só para implicar com os outros.
Ou por ironia. Ou como piada interna.
Gente fala como gente, e isso se torna muito mais interessante do
que os discursos manjados das empresas falam. Que sempre “estão
pensando no futuro do planeta, com ações de sustentabilidade e presercação da natureza”. Já pensou, como seria um um papo de bar
entre várias empresas? Um saco, só com aqueles discursos oficilistas
e politicamente corretos.
Mas chega daquele discursinho morno e bege. Fico pensando se a
OI exigisse que a OI FM “contemplasse na sua programação todos
os gêneros musicais com o mesmo número de horas, faixas e com
a mesma participação no horário nobre”. Já pensou? Terminaria The
Killers e começaria Molejo.
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O autor.
Tiago Mattos é publicitário formado pela PUC/RS. Estudou como bolsista da Miami Ad School – na época, considerada por muitos a melhor portfolio school do mundo. Em 2012, ganhou novamente uma
bolsa e se formou Futurista pela Singularity University, parceria entre
Nasa e Google, no Vale do Silício.
Foi redator publicitário durante mais de uma década. Em 2005, venceu a disputa Young Creative (seleção dos melhores portfolios até 28
anos) e fez parte da delegação que representava o Brasil no Festival
Mundial de Cannes. No ano seguinte, foi Redator do Ano, maior distinção que poderia receber na sua função dentro do seu mercado. Um
ano depois, começou a transição, e lançou a Perestroika. Em 2008,
lançou a Balalaika, um dos primeiros grupos de Stand-Up Comedy do
Brasil. Foi quando, finalmente, largou a publicidade e assumiu o posto
de Diretor de Whatever, passando a atual full-time na empresa.
Foi o palestrante de abertura do TEDxPortoAlegre e debatedor do Fórum da Liberdade. Adora estudar e é palestrante de assuntos como
Futurismo, Comportamento Pós-revolução Digital, Inovação Empreendedora, Comunicação Contemporânea, Educação Disruptiva e
Criatividade aplicada.
Hoje, é co-gestor das unidades Perestroika São Paulo, Rio de Janeiro
e Porto Alegre. Também éb sócio do Iscola.cc, plataforma de crowdlearning.

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