Pais que sabem - Oficina de Psicologia

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Pais que sabem - Oficina de Psicologia
Pais que sabem
Oficina de Psicologia
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Conteúdo
Brincar para aprender ............................................................................................................................. 3
Brincar desde cedo.................................................................................................................................. 6
Arrumar depois de brincar ...................................................................................................................... 9
Nutrir afectos na infância...................................................................................................................... 12
Parentalidade positiva: palavras-chave ................................................................................................ 15
Brincar é tão importante como… .......................................................................................................... 18
O filho que dizia “sim” a tudo ............................................................................................................... 21
Birras aos 5 ou aos 25 ........................................................................................................................... 24
Educar para a partilha ........................................................................................................................... 27
O filhote faz chichi na cama? ................................................................................................................ 30
Adeus fraldas......................................................................................................................................... 33
Já sei que não te vais portar bem ......................................................................................................... 37
Não fui eu!... A mentira dos miúdos ..................................................................................................... 40
Crianças desafiantes ou confusas? ....................................................................................................... 42
Crianças mais resilientes ....................................................................................................................... 45
Medos na infância ................................................................................................................................. 50
Tecnologia e as emoções das crianças .................................................................................................. 53
Problemas psicológicos do excesso de peso nas crianças .................................................................... 57
Aprendizagem de comportamentos na criança – como, quando e com quem? .................................. 60
Viajar sem sair do lugar......................................................................................................................... 63
Viajar com crianças: drama ou prazer?................................................................................................. 66
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Diga adeus às viagens familiares aborrecidas ou stressantes .............................................................. 69
Furacão na praia? Não, é só a birra do meu filho… .............................................................................. 73
A comida e as recompensas .................................................................................................................. 78
Soninho descansado ............................................................................................................................. 81
Crianças e animais de estimação: sim ou não?..................................................................................... 84
Como sobreviver à pré-adolescência? .................................................................................................. 87
Altos e baixos da adolescência ............................................................................................................. 91
Quando o corpo é uma preocupação para as adolescentes................................................................. 94
Sexualidade na adolescência ................................................................................................................ 97
Como ter vida própria apesar dos filhos ............................................................................................. 100
As crianças, o trabalho e um casal à beira de um ataque de nervos .................................................. 104
Como pode um casal manter a sua intimidade quando há filhos?..................................................... 107
Como anda o sono aí em casa? ........................................................................................................... 111
Quando a adopção vai ao consultório ................................................................................................ 116
Quando nasce o filho, nascem novas formas de relação ................................................................... 121
Pedir ajuda também é ser bom pai/mãe ............................................................................................ 124
Regresso dos filhos adultos à casa dos pais ........................................................................................ 127
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Brincar para aprender
Raquel Carvalho
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Vários autores reconhecem que a promoção de atividades que favoreçam o envolvimento da criança em
brincadeiras têm função pedagógica. Ou seja, a atividade lúdica é um fator promotor de desenvolvimento
físico, linguístico, cognitivo, emocional e social. É uma forma de conhecer e explorar o mundo que a
rodeia, descobrindo, observando, imitando, construindo e até inventando.
Brincadeiras ao ar livre e nas quais a criança exercite o corpo, danças, corridas, andar de bicicleta,
Macaquinho do Chinês, por exemplo, permitem-lhe aumentar resistência, força, velocidade e
coordenação desenvolvendo-se a nível motor.
Comunicar, partilhar, cooperar, esperar pela sua vez, tomar decisões, cumprir regras, criar empatia,
desenvolver amizades e sentimentos de pertença ao grupo são essenciais para o desenvolvimento de
competências intelectuais e sociais e são aprendidas nas brincadeiras e jogos desde os primeiros anos de
vida.
Errar e tentar de novo, lidar com a frustração de não conseguir fazer ou de não ser tudo à sua maneira,
treinar novos comportamentos para a resolução de problemas no dia-a-dia são indispensáveis para o
sucesso na vida adulta e podem ser aprendidas desde a infância…a brincar.
Brincar ao faz-de-conta tão conhecido como “brincar aos pais e aos filhos”, “brincar aos médicos”,
“brincar às casinhas” através de dramatizações permite representar papéis sociais e profissões. Para além
disso, as crianças gostam de reproduzir as suas histórias familiares, dramatizando e expressando as suas
emoções (medo, preocupações, raiva, alegria) sem receios e, às vezes, explorando desfechos diferentes
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da sua própria vivência. Neste sentido, também os desenhos, as plasticinas com criação de personagens e
histórias promovem o desenvolvimento emocional da criança.
Deixamos-lhe alguns exemplos específicos de várias brincadeiras que podem fazer juntos e quais as
habilidades que estará a desenvolver.
Parque infantil: desenvolve habilidades motoras (subir, equilibrar, saltar, controlar o corpo),
percetivas (calcular distâncias, controlo de movimentos), conceitos matemáticos (contagens,
calcular distâncias), sociais (resolução de problemas, criação de histórias).
Origami: desenvolve habilidades manipulativas (destreza dos dedos), percetivas (cores, linhas,
padrão, reprodução de modelos), conceitos matemáticos (“em baixo”, “a maior parte”,
“metade”), linguísticas (vocabulário).
Saltar à corda: desenvolve habilidades motoras (saltar, equilibrar, coordenar movimentos),
habilidades matemáticas (contagens, planear), linguísticas e sociais (ritmo, cantar, trabalho de
equipa).
Legos ou plasticinas: desenvolve habilidades manipulativas (ação coordenada de duas mãos,
força), percetivas (cores, linhas, padrão, reprodução de modelos), linguísticas (vocabulário),
sociais (criação de histórias).
Como vê, brincar é indispensável para o desenvolvimento humano a todos os níveis. As brincadeiras
livres abrem caminho para a criatividade e imaginação, e por incrível que pareça, quantos menos
materiais a criança tiver, mais ideias novas desenvolverá de forma espontânea. Faça um exercício de
memória e recue à sua infância. Não precisava de telemóveis, videojogos, nem computadores para se
divertir à grande, pois não?
Quer um filho mais inteligente e equilibrado? Dê-lhe tempo para brincar! Quer melhorar a sua relação
com ele? Brinquem juntos, todos os dias!
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Brincar desde cedo
Paula Brito
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Ser mãe é desde logo uma aprendizagem. É descobrir «coisas nossas» fora de nós, todos os dias. Cada
gesto e cada sorriso, ganha um simbolismo que até então nos passava completamente ao lado. É também
uma enorme responsabilidade para a qual nem sempre estamos preparadas. Há dicas úteis mas não há
“manual de instruções”. Principalmente no caso das mães de primeira viagem que, para além da
alimentação e higiene, muitas não fazem a menor ideia do que fazer com aquele pequeno ser.
Cada filho é único e o vínculo mãe-filho deve ser estimulado desde logo.
Apesar de inicialmente os bebés interagirem pouco, é fundamental que os pais tenham a noção de que
brincar com eles é fundamental porque, embora possa não parecer, estão atentos a tudo o que se passa
à sua volta. E esta deverá ser a sua ocupação primordial desde que nascem.
Brincar é muito importante, não só como divertimento mas também como uma forma de desenvolver
competências (físicas, de linguagem, interacção, autoconfiança, criatividade, habilidades cognitivas,
aprender a conhecer e experienciar sentimentos como prazer, alegria, medo, frustração…).
Brincar deve ser partilhado e, pelo menos com os mais pequenos, sem estrutura pré-definida porque a
criança que brinca é mais espontânea, tem maior facilidade de aprendizagem, é mais curiosa e o
relacionamento interpessoal passa a ser mais natural. Não nos podemos esquecer que a criança não é um
adulto em miniatura. É um ser único e com características próprias e, por isso, precisa percorrer todas as
etapas de desenvolvimento de forma adequada. O seu primeiro apoio nesse desenvolvimento é o seio
familiar e é através dele que a criança se torna mais propensa à interacção. Por isso, esta é uma
excelente forma de conhecer melhor o seu bebé e ao mesmo tempo faz com que este se sinta amado e
seguro. Brinque com ele pelo simples prazer de brincar. Quando é genuíno os bebés sentem e
aproveitam mais.
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Algumas sugestões:
Embale o seu bebé com sons e músicas suaves. Aproveite o momento para acaricia-lo. Assim, o
bebé sentir-se-á amado e protegido
Pegue o seu bebé ao colo e estimule movimentos com os braços, levante-o de forma segura, faça
cócegas
Toque em partes do corpo do bebé e nomeie de forma ternurenta; “Onde está o nariz? (toque) O
nariz… e a mão? Onde está a mão? (toque) … mão…” – à medida que for crescendo altere a
brincadeira estimulando-o a identificar essas mesmas partes do corpo
Conte-lhe histórias de forma serena e mesmo que ainda não entendam a história (não é
esperado que aconteça) o simples facto de falar com ele de forma tranquila transmite-lhe uma
sensação de sossego e protecção como se ainda estivesse na barriga da mãe.
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Arrumar depois de brincar
Inês Afonso Marques
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A forma das crianças brincarem vai variando à medida que a criança vai crescendo e se desenvolvendo.
Por volta dos dois anos, não só o conteúdo da brincadeira se torna mais diversificado, com as
brincadeiras faz de conta a liderar as suas preferências, como o tempo de brincadeira se torna
progressivamente mais prolongado e autónomo. A criança adquire uma maior capacidade de
concentração, focando-se numa actividade, de forma autónoma, por períodos de tempo
progressivamente mais longos. Boas notícias para si. Poderá intercalar períodos de brincadeira
inteiramente partilhados com o seu filho, mas descobrirá mais tempo para se dedicar a si. Um óptimo
equilíbrio para ambos! E, ao mesmo tempo, está a acompanhar o processo de autonomização do seu
pequenote, que ainda assim, encontrará nos seus adultos cuidadores, os parceiros ideais para as mais
divertidas e fantásticas brincadeiras.
Uma criança, nesta etapa do seu desenvolvimento, adora participar em brincadeiras que envolvam
muitos “materiais”, transformando mesmo utensílios do dia-a-dia em cenários da sua brincadeira! O
cobertor passa a ser uma caverna onde mora um urso assustador. A caixa dos cereais dá vida à garagem
dos seus carrinhos. As colheres de pau e caixinhas de plástico da cozinha lá de casa originam novos
instrumentos musicais. Tudo isto muito bem integrado com brinquedos mais convencionais do dia-a-dia –
a plasticina que faz de comida do urso, o ursinho de dormir que ganhou vida e habita a gruta, os blocos
de madeira que completam as construções...
E a hora de arrumar? Como é aí por casa? Muitos pais vão partilhando como o fim das brincadeiras é, por
vezes, acompanhado por uma enorme preguiça de arrumar os brinquedos. Já para não falar da enorme
resistência em parar de brincar! Bem, que levante a mão o crescido que não tem vontade de fazer uma
birra quando é obrigado a parar de fazer uma actividade que adora...
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A boa notícia é que pode tornar esse momento da arrumação mais fácil, transformando-o também num
momento de alegre brincadeira. Após a construção de um puzzle, por exemplo, poderá ajudar a criança a
separar novamente as peças e a arrumá-las dentro da caixa. Comece sempre por elogiar o resultado da
brincadeira, por exemplo o puzzle terminado, podendo mesmo aproveitar para conversar sobre o tema
da brincadeira. Depois poderão arrumar as peças na caixa tentando descobrir que barulho fazem… Poc!
Uiiii! Plim! Zuuuuum! Cada peça faz um barulho diferente?! A arrumar o bringo dos animais? Despeçamse de cada um deles de forma entusiasta. Adeus zebra! Dorme bem coelhinho! Bons sonhos gatinho.
Descubram formas diferentes e apelativas de deixar tudo arrumado depois da diversão.
Animação mesmo na hora de arrumar… E sem dramas!
Boas brincadeiras e boas arrumações!
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Nutrir afectos na infância
Sandra Azevedo
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Quando ouvimos a palavra “nutrir”, facilmente nos remetemos à nossa saúde física: nutrir a pele, nutrir o
cabelo, ter uma alimentação nutritiva, etc. Contudo, não são só estas dimensões que necessitam deste
cuidado. Os afetos também necessitam de ser nutridos e estão repletos de nutrientes essenciais à nossa
saúde emocional. Se nos adultos esta é uma dimensão importante, então quando falamos de nutrir
afetos na infância, esta ganha uma importância ainda mais significativa.
Será que dedicamos tempo suficiente a nutrir os afetos nos mais pequenos? Também o mundo dos
afetos precisa de ser cuidado desde a infância, onde este assume um papel particularmente importante.
Assim, deixamos-lhe os principais nutrientes com os quais deve alimentar os afetos no seu filho, para
uma vida emocional saudável:
Aceitação Incondicional: as crianças (tal como os adultos) são como o mar que por vezes está
calmo e que outras vezes está agitado e mais revolto. Se por um lado é fácil lidar e aceitar a fase
de acalmia, por outro lado é difícil aceitar as fases de maior agitação. A aceitação incondicional
implica precisamente alcançar um equilíbrio na aceitação do ser humano tal como ele é, com as
suas qualidades e os seus defeitos. Esta aceitação incondicional é particularmente importante na
infância, uma vez que as crianças são autênticas esponjinhas que absorvem o mais pequeno sinal
de crítica, reprovação ou de incoerência entre aquilo que dizemos e que fazemos, o que pode
provocar na criança uma atitude mais defensiva e sentimentos de insegurança e de
desaprovação. Procure mostrar ao seu filho que o aceita tal como ele é, apesar das birras, dos
ralhetes e dos castigos e que o amará sempre de forma incondicional.
Respeito incondicional: uma das preocupações dos pais é que os filhos tenham sempre uma
atitude de respeito para com as outras pessoas. A melhor forma de promover o respeito das
crianças pelos outros é tendo a mesma atitude de respeito para com as crianças. Procure
respeitar a criança nas suas opiniões, no seu ritmo, nas suas necessidades, sem reservas.
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Reconhecimento e valorização: reconheça e valorize os pequenos ganhos do seu filho. Procure
estar atento às mais pequenas coisas, seja um obrigado, um gesto simpático, o cumprimento de
uma tarefa simples, não hesite em demonstrar o quanto valoriza e fica contente ao seu filho.
Desta forma, estará a promover a auto-estima da criança.
Expressão afetiva: este constitui um verdadeiro bálsamo para a saúde emocional. Mime muito,
preencha a sua relação com o seu filho de beijinhos, abraços e gestos de carinho. Desta forma
estará a incutir emoções positivas e a promover a expressão afetiva no seu filho ao longo do seu
desenvolvimento.
Comunicação afetiva: procure comunicar com o seu filho de uma forma afetiva. Não se iniba de
dizer ao seu filho o quanto o ama, o quão orgulhoso se sente de alguma coisa que ele tenha dito
ou feito, de dizer de todas as formas o quanto ele é importante para si e a cada “mamã/papá,
gosto muito de ti” devolva o quanto gosta de ouvir isso e o quanto gosta dele também.
Não se esqueça: hidrate e cuide dos afetos dos seus filhos: o desenvolvimento deles agradece e eles
retribuirão sempre da melhor maneira do mundo para qualquer mãe ou pai: sendo felizes!
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Parentalidade positiva: palavras-chave
Sandra Azevedo
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Quando falamos em parentalidade, falamos numa experiência única e indiscritível na vida de uma pessoa,
que tem o poder de dar um novo significado e simbolismo à vida de cada pai e mãe. Mas a parentalidade
também traz consigo uma série de desafios que invadem os pais de dúvidas e inseguranças que fazem
com que na cabeça dos pais surja muito frequentemente a famosa questão: “ Serei eu um/a bom/boa
pai/mãe?” A insegurança é, sem dúvida alguma, mais do que legítima e acima de tudo, uma enorme
prova de sentido de responsabilidade e de uma grande vontade de desempenhar o melhor possível o
papel de pai e mãe.
Mas quais serão então os segredos, as palavrinhas chave de uma parentalidade positiva? Aqui ficam as
principais:
Amor: esta é obviamente a palavra principal. O ser humano, como ser afectivo que é, precisa de
amor e de carinho! Esta é a base do ser-se pai ou mãe. São os laços afectivos, o carinho que
ajudam a criança a expressar adequadamente as suas emoções, a estabelecer relações positivas
com os outros, a desenvolver uma auto-estima e um autoconceito positivos, aspectos que são
essenciais para a socialização e bem-estar psicológico ao longo da vida.
Não: pois é! A palavra “não” é essencial na educação das crianças. O “não” é sinónimo de
“limites”, “regras” e estes são imprescindíveis para que a criança saiba regular e ajustar os seus
comportamentos. A sociedade vive regida por normas, por limites que têm de ser cumpridos
para que exista harmonia. Na educação parental não é diferente! A criança precisa de saber
quais são as regras e limites que existem, para que desta forma não se sinta perdida e insegura e
possa adoptar comportamentos ajustados/desejados, sabendo assim aquilo que é esperado dela.
Consistência: este é outro dos segredos da parentalidade positiva. É muito importante que ao
estabelecer alguma regra ou ao dizer algo à criança, haja firmeza e consistência. Quando disser
“sim” a alguma coisa, procure de facto manter a sua posição e não contrariar aquilo que disse. O
mesmo se aplica às situações em que diz não. Se disser que não dá aquele brinquedo que a
criança tanto quer e depois ceder acabando por dar, a criança irá interiorizar que as suas
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decisões podem sempre mudar e futuramente irá insistir e ter comportamentos como birras ou
amuos até que ceda novamente.
Elogio: este é um aspecto essencial na educação parental! Se a consistência ajuda a criança a
perceber que os limites são bem definidos e isso ajuda a que não faça birras para conseguir que
volte com a palavra atrás, o elogio, por seu turno, ajuda a criança a repetir comportamentos
positivos no futuro. Se a criança for elogiada sempre que tiver um comportamento considerado
desejável ou adequado, sentir-se-á valorizada e isso fará com que no futuro procure adoptar o
mesmo comportamento.
Brincar: ser pai/mãe implica ter tempos de qualidade com os filhos. Brinque com eles, façam
jogos animados, divirtam-se todos juntos em família. Isto fará com que por um lado, esteja a
promover o seu desenvolvimento e interação social e, por outro lado, esteja a fortalecer laços
afectivos e segurança aos seus filhos, que aprenderão que os pais estão sempre lá, que são
presentes e disponíveis em todas as circunstâncias das suas vidas.
Desafiante? Sem dúvida que sim! Mas nunca se esqueça que também é extremamente recompensador!
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Brincar é tão importante como…
Inês Afonso Marques
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Através do brincar, as crianças abrem uma janela para o seu interior, diminuem ansiedades, expressam
emoções e medos, mostram a forma como compreendem o mundo, fazem perguntas, partilham dúvidas,
constroem sentidos... Envolvem-se numa troca social e afectiva muito rica. O brincar pode ser
considerado inato, ainda que sensível à estimulação, no sentido que a exploração do mundo e a
curiosidade são comportamentos que identificamos nos bebés, desde que nascem.
Brincar é uma das tarefas da infância com maior responsabilidade no desenvolvimento cognitivo,
emocional, social e motor. Através do brincar assiste-se ao desenvolvimento da criatividade, da
imaginação, da experimentação de papéis e da compreensão do mundo que rodeia a criança. No jogo
simbólico a criança experimenta diferentes papéis, dá forma aos seus pensamentos, ao que observa à sua
volta, exprime as suas emoções, interpreta o que acontece consigo e com os que a rodeiam e ensaia
comportamentos. Nesse sentido, o brincar, enquanto um processo, tem impacto no corpo, na mente e
no espírito. Brincar é por isso essencial, como ter uma rotina para estudar ou lavar os dentes.
É inegável que as brincadeiras das crianças de hoje são diferentes das dos seus pais e muito diferentes
das dos seus avós. Sem dúvida, as tecnologias vieram acrescentar um leque variado de novas brincadeiras
e formas de entretenimento. O recurso às “brincadeiras tecnológicas” não deve funcionar como uma
“ama tecnológica” que impede a criança de socializar, mas sim como uma via alternativa para a criança
brincar. O seu uso não deve ser proibido, mas também não deve ser a única forma da criança brincar.
Há brinquedos e brincadeiras que podem ser transversais a um vasto leque de idades, adequando apenas
o grau de “complexidade” ao nível de desenvolvimento da criança.
Puzzles e construções – permitem desenvolver a motricidade fina, o raciocínio lógico-abstracto,
a capacidade de planeamento, a resistência à fadiga e à frustração, a imaginação.
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Papel e material para rabiscar, desenhar e pintar; plasticinas - permitem desenvolver a
imaginação, a motricidade fina, a expressão emocional.
Livros - forma lúdica da criança aprender, consciencializar-se, regular e desenvolver-se
emocionalmente; proporciona a interacção entre a criança e quem explora com ela o livro;
permite colocar questões e reflectir; desenvolver a linguagem, a imaginação, a memória e o
espírito crítico.
Todos os materiais que permitam à criança brincar ao faz de conta e experimentar outros papéis,
desenvolvendo a imaginação, as suas competências sociais, estratégias de resolução de
problemas (lenços, chapéus, utensílios de cozinha, caixas, perucas, molas, malas, óculos...).
A que vão brincar hoje?
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O filho que dizia “sim” a tudo
Inês Carvalho
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“O Miguel era um menino calmo, sossegado e obediente. O Miguel era um menino que dizia que sim a
tudo. Contavam-se pelos dedos das mãos as vezes que tinha feito uma birra. Estava sempre pronto a
ajudar os pais, os professores, os amigos e todos os que precisassem.
Quem não conhecesse bem o Miguel podia jurar que nunca se chateava. Que era o filho, o irmão, o
amigo, o aluno perfeito! Não se lhe conheciam grandes euforias mas notava-se sempre um sorriso tímido
na sua cara redonda.
Era preciso conhecê-lo muito bem (e, mais que isso, estar bem atento) para perceber que também ele se
chateava. Também tinha os seus dias maus e também havia muitas coisas de que não gostava!
É que o Miguel tinha aprendido a não dizer. O Miguel tinha aprendido a ficar sossegado, no seu canto, até
que a irritação passasse.
O Miguel tinha aprendido que tinha que ser agradável para todas as pessoas e que não devia preocupar
os seus pais. Talvez tenha até chegado a escrever num trabalho da escola que ‘os pais só gostam dos
meninos que se portam bem’.
Este Miguel cresceu. Era, agora, um de muitos pré-adolescentes que fazem do seu quarto o seu ‘castelo’.
Continuava a dizer que sim a tudo, mas poucas eram as conversas que tinha com os seus pais. O ‘sim’
saia-lhe ‘entre dentes’ e com ar desinteressado e na escola parecia ‘passar entre os pingos da chuva’.
A cada dia que passava, parecia que as ‘muralhas’ do ‘castelo’ do Miguel ficavam maiores e mais
espessas. A cada dia que passava se percebia um Miguel mais tristonho e desinteressado do mundo.
Era o Miguel que tinha aprendido a calar. Era o Miguel que não tinha aprendido a comunicar.”
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Esta é a história de um adolescente aparentemente calmo, tolerante e obediente. Mas, será que os
adolescentes têm que dizer que sim a tudo? Será que os adultos dizem que sim a tudo?
É que tal como o total desrespeito pelas regras é preocupante, também a concordância permanente o
será.
Diríamos que “é natural que as crianças não digam que sim a tudo”. É normal que façam birras e o
desafio está em ensinar-lhes que depois da zanga por não ter, vem a aceitação de que não podemos ter
tudo aquilo que desejamos.
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Birras aos 5 ou aos 25
Inês Carvalho
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E se lhe dissermos que quando suporta uma birra do seu filho aos 5 anos pode estar a evitar-lhe uma
birra aos 25?
E pode pensar: “Uma birra aos 25?!”
Sim. É mesmo isso! Uma birra aos 25, ou aos 32, ou aos 47 ou aos 76.
Porque as birras assumem várias formas. E essas formas mudam com a idade.
Esse fenómeno tantas vezes descrito como ‘irritante’, ‘desesperante’, que enche pais de vergonha e lhes
dá vontade de fugir, não é só uma catástrofe no meio do supermercado ou duas horas de choro antes de
adormecer ou uma luta interminável para comer cinco ervilhas.
Essas birras não são mais nem menos do que momentos em que, em sequência de um acontecimento
desorganizador, as emoções se misturam de tal maneira que a única forma de desatar aquele nó gigante
parece ser pedir ajuda. E pedir ajuda quando somos pequenos pode ser gritar e chorar, ou depois quando
somos mais crescidos, chamar ininterruptamente a atenção de todos os que estão à nossa volta sem que
precisemos de nos explicar.
E sabemos que esses tais momentos desorganizadores acontecem ao longo da vida inteira. Não
acontecem só quando somos pequenos. Podem acontecer ao longo do percurso académico, na altura da
entrada para o mercado de trabalho, numa fase mais atribulada de uma relação amorosa, ou até com a
chegada do primeiro ou do segundo filho.
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Então, quanto mais cedo pudermos aprender a desatar o tal nó de sentimentos estranhos, mais e mais
fácil se tornará a gestão de momentos difíceis ao longo da vida.
Afinal as birras têm a sua função?
Parece que sim. Parece que fazem parte do desenvolvimento, parece que são excelentes oportunidades
(quando bem aproveitadas) para crescer.
Um texto sobre pais e birras e crianças onde se fala tão pouco de crianças?
Talvez. Porque às vezes é preciso mudar a perspectiva.
Hora de mudar de perspectiva, então! Experimente olhar para estes momentos como oportunidades de
ajudar os mais pequenos a crescer.
Seja assertivo mas compreensivo. Mostre à criança que está presente e que é seguro o suficiente para
ajudar a desatar o tal nó.
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Educar para a partilha
Sandra Azevedo
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“É Meu!”, “Não dou!”, “Não empresto!”. Quantas vezes não ouvimos frases como estas dos mais
pequenos?
Serão eles egoístas? Invejosos? Nada disso! A verdade é que as crianças muito pequenas (2 anos de
idade) são ainda muito egocêntricas, pois na primeira infância a criança está ainda muito centrada em si,
acha que tudo é só seu e não tem ainda a capacidade de perceber as necessidades e o ponto de vista das
outras pessoas. Tudo isto faz parte do normal desenvolvimento infantil.
Contudo, estas dificuldades em partilhar são situações que geralmente deixam os pais um pouco
constrangidos sendo que, por vezes, estas se podem manter ao longo do crescimento, o que pode trazer
algumas dificuldades no futuro, nomeadamente no contexto escolar e nas relações interpessoais.
Mas então, como se pode educar para a partilha? Deixo-lhe algumas sugestões e dicas para promover a
partilha na infância:
Seja paciente! Antes de mais é importante ter uma atitude paciente, dando à criança a
oportunidade de aprender ao seu ritmo e respeitando que é natural, no caso de crianças mais
pequenas, elas ainda não compreenderem nem aceitarem que nem tudo é só delas. Nos
primeiros anos de vida, este é um egoísmo saudável, pois faz parte do desenvolvimento.
Leve o seu filho a eventos de troca de brinquedos ou de livros e, desta forma, a criança poderá
observar outras crianças a partilhar, o que a motivará a fazer o mesmo sem que haja o
sentimento de perda do objeto. Além disso, ela própria poderá envolver-se na troca e trazer
consigo novos objetos, o que vai promover o sentimento de gratificação.
Faça uma seleção com o seu filho de roupas e brinquedos que podem ser doados! Explique à
criança que as coisas que já não utiliza, tais como roupas que já não lhe servem, podem ser úteis
para crianças que passam necessidades, o que faz com que a criança aprenda a lidar com o
desapego das coisas e a estimular o seu sentido de solidariedade.
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Partilhe com o seu filho situações em que emprestou algo a alguém ou que alguém lhe tenha
emprestado algo. Procure partilhar com a criança estas situações e adoptar este tipo de
comportamentos na sua presença, de forma a que ela apreenda o comportamento e siga o
exemplo no futuro.
Valide os comportamentos de partilha do seu filho! Sempre que o seu filho tiver o gesto de dar
algo seu a algum amigo ou de emprestar alguma coisa sua procure elogiar esse comportamento,
sendo específico e demonstrando o quão se sente orgulhoso e feliz pelo gesto do seu filho.
Lembre-se sempre que aprender a partilhar é um processo gradual no desenvolvimento do seu filho.
Tudo o que é preciso é uma atitude paciente e ir promovendo com calma estas atitudes, sem pressas
nem pressões. Basta simplesmente partilhar com ele o dom de partilhar!
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O filhote faz chichi na cama?
Inês Afonso Marques
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Mesmo depois de as fraldas terem sido deixadas, podem ocorrer alguns “acidentes” durante a noite. As
crianças, nestas situações, podem sentir-se bastante tristes e envergonhadas. É importante que o papel
dos cuidadores seja apoiante, disponibilizando motivação para ajudar a criança.
Existem alguns cuidados que podem ser reforçados, no momento de ajudar a pequenada a deixar de usar
as fraldas ou nas fases em que, ocasionalmente, ainda ocorrem os tais “acidentes”.
Evite que a criança ingira líquidos nas horas que antecedem o deitar. Pode mesmo verbalizar que
isso ajudará a criança a não fazer xixi durante a noite. Desse modo está também a dar-lhe uma
maior noção de controlo.
Certifique-se que a criança faz chichi “até ao fim” antes de ir dormir.
Evite pijamas difíceis de vestir/despir.
Não critique nem castigue. Tais acções contribuem para que a criança se sinta embaraçada e
ansiosa, o que só por si, poderá contribuir para aumentar a probabilidade da criança fazer chichi
na cama, durante a noite.
É também importante evitar comentar o assunto com outras pessoas, principalmente à frente da
criança. Mais uma vez a criança sentir-se-á envergonhada (o que até podia ser o seu objectivo), o
que em nada a ajudará a controlar-se.
Demonstre a sua alegria e orgulho quando a criança se levanta durante a noite para ir à casa de
banho fazer chichi, ou simplesmente quando acorda seca. Elogie com entusiasmo genuíno todos
os sucessos.
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Mesmo depois de várias semanas onde brilharam as estrelas no céu pode surgir uma noite de chuva… A
criança pode ajudar a trocar o pijama e os lençóis. Não como castigo. Como forma de promover a sua
autonomia e sentido de responsabilidade, perante uma situação que não sendo a desejável, pode
ocorrer.
Lembre-se que o seu apoio, paciência e compreensão são fundamentais, em todas as etapas de
crescimento dos seus filhotes. Deixar de usar fralda à noite não é excepção!
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Adeus fraldas
Raquel Carvalho
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Deixar as fraldas é mais uma das etapas nas quais alguns pais sentem dificuldades e eis que surgem
dúvidas e preocupações: “Será cedo demais?”, “Como sei quando é a altura certa?”, “Já nenhum dos
coleguinhas usa fralda, será que o meu filho tem algum problema?”.
A idade recomendável para tirar a fralda durante o dia é aos dois anos e no período noturno é aos dois
anos e meio/três, uma vez que, geralmente, entre os 12 e os 24 meses ocorre a maturidade dos músculos
dos esfíncteres e a criança será capaz de controlá-los. Inicialmente, vai ganhando consciência do corpo e
reconhecendo as sensações corporais, posteriormente a criança vai conseguindo reter por mais algum
tempo, sendo que deixa de defecar de noite, depois deixa de sujar a fralda durante o dia e finalmente,
deixa de urinar durante a noite.
Porém, cada criança é única e tem tempos de aquisição diferentes, uma vez que depende fatores
fisiológicos, cognitivos e psicológicos. Deve estar atento(a) à exibição de alguns indicadores de
desenvolvimento. Demonstra alguma capacidade de autonomia e auto-controlo: consegue sentar e
levantar sem auxílio; come sozinha; sobe escadas sozinha; revela vontade de imitar os mais velhos; tem a
linguagem desenvolvida; já compreende instruções complexas, por exemplo: “Põe o brinquedo dentro da
caixa e fecha a tampa”. Consegue manter a fralda seca durante longos períodos; defeca a horas certas e
apenas durante o dia; não urina durante a sesta; demonstra quando está “aflitinha” colocando-se em
certas posições (agachando-se, por exemplo); já é capaz de se despir, baixar ou subir as cuecas e calças;
demonstra interesse pelo bacio.
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Deste modo, deve tentar perceber se o seu filho já está preparado para este grande passo e respeitar o
seu ritmo, não pressionando nem comparando com outras crianças. Caso contrário, a criança poderá
recusar-se a colaborar, ou estar sujeita a mal-estar psicológico, que resulta em problemas como enurese
noturna e retenção das fezes.
Caso, identifique os sinais que revelam maturidade necessária por parte da criança, poderá até aproveitar
o verão para largar as fraldas, uma vez que as caraterísticas desta estação são facilitadoras do processo. É
importante que os diversos contextos onde a criança está inserida (casa, creche, casa de familiares)
trabalhem em equipa e promovam o treino para deixar as fraldas.
Dicas para ajudar a criança nesta nova conquista:
- Ter paciência e mostrar disponibilidade, compreensão e incentivo. Lembre-se que a
aprendizagem ocorre através de treino, logo não terá resultados de um dia para o outro.
- Não dizer ao seu filho para fazer na fralda.
- Mostrar o bacio e explicar-lhe para que serve e como se deve usar.
- Deixar o bacio na casa de banho para a criança o ver com frequência.
- Sempre que perceber que a criança está com vontade, pergunte-lhe se quer ir à casa de banho.
Assim, está a motivá-la a avisar nas próximas vezes.
- Estabelecer uma rotina, na qual em determinados horários leva o seu filho ao bacio (por
exemplo: ao acordar, antes da sesta, ou de duas em duas horas); Inicialmente, pode fazer as suas
necessidades ao mesmo tempo, para que a criança encare o ato com naturalidade.
- Explicar-lhe que quando sente vontade de fazer chichi ou cocó, deve tentar aguentar
contraindo os músculos, avisar um adulto que precisa de ir à casa de banho, e só depois de
despida e sentada no bacio, poderá descontrair os músculos.
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- Mesmo que a criança não faça nada após alguns minutos no bacio, elogie-a de forma reforçar o
facto de ter tentado.
- É natural que quando não está com fralda ocorram acidentes. Não critique nem repreenda o
seu filho!
- Os esforços e os sucessos devem ser reforçados. Verbalmente, claro. Mas porque não com
pequenas “medalhas”, um pequeno autocolante colado no bacio, por exemplo.
- No caso de terem que sair de casa, pode usar a fralda-cueca, mas continuem a levar a criança à
casa de banho.
- Apenas quando a criança já usa o bacio com facilidade é que poderá passar à última etapa do
treino - utilizar a sanita.
Embora não haja uma data marcada para largar as fraldas e as crianças sejam todas diferentes, as linhas
orientadoras do desenvolvimento pediátrico devem ser tidas em conta e, por isso, caso o seu filho já
tenha 5 anos e manifeste dificuldades em controlar os esfíncteres, ou depois de largar as fraldas voltou a
urinar as cuecas frequentemente, deve consultar um especialista: psicólogo ou pediatra.
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Já sei que não te vais portar bem
Inês Carvalho
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Antecipar o comportamento das crianças nem sempre é bom.
Verdade que nos é muitas vezes útil e nos ajuda a evitar algumas situações geradoras de ansiedade. Mas,
e quando se torna uma rotina?
“Não podes dormir em casa do teu amigo porque já sei que te vais portar mal.”
“Esse brinquedo? Tu nunca gostaste dessas coisas!”
“Já sei que se formos ao parque não vais portar-te bem.”
“Agora estás triste porque ficaste de castigo na escola, não foi?”
“Ela não gosta disso, não vale a pena!”
“A professora disse que hoje te portaste bem. Agora vamos ver se é para continuar!”
“O quê? Vais fazer isso? Nunca tiveste jeito para isso.”
Frases de pais atentos e preocupados, percebemos!
Entretanto, surgem-nos em consulta crianças com alterações de comportamento. Aumento dos
comportamentos desafiantes, ou até manifestações de níveis de ansiedade de desempenho muito
elevados.
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É como se, progressivamente, o espaço de definição das características e dos interesses da criança fosse
ficando mais e mais pequeno. Como se a cada dia fosse ficando mais delimitado e com menos
possibilidade de se alterar.
Sabemos que ninguém conhece melhor os seus filhos que estes pais de que falamos mas, sabemos
também da complexidade inigualável de períodos como a infância e a adolescência.
É que a infância e a adolescência são os períodos de maior desenvolvimento e alteração/oscilação das
características e comportamentos.
E se, em vez de lhes anteciparmos os comportamentos e os interesses, lhes formos dando algumas
oportunidades de experimentar pequenas mudanças? E se, progressivamente, nos formos deixando
surpreender por novas características que ainda não tínhamos percebido existirem?
Pode ser uma tarefa difícil a de nos deixarmos surpreender pelo crescimento dos mais pequenos. Mas,
poderá ser igualmente gratificante ajuda-los a crescer desta forma.
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Não fui eu!... A mentira dos miúdos
Inês Afonso Marques
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Não fui eu que desarrumei o quarto. Foi o ursinho...
A imaginação das crianças parece não ter limites. Fantasia e realidade surgem muitas vezes lado a lado e
mesmo para o mais atento dos pais perceber se aquela história fantástica que acaba de ouvir é real ou
fruto da imaginação do filho pode ser um enorme desafio. Por este motivo, quando se fala em mentiras
até aos 5/6 anos, estamos muitas vezes a falar de criatividade e não tanto de uma vontade deliberada de
enganar o outro. Aliás, já reparou como crianças até estas idades mostram necessidade de se sentirem
úteis, agradar os mais velhos e corresponder às suas expectativas? Pois é, as histórias contadas, que por
não serem verdadeiras apelidamos de mentira, são a forma que a criança encontra de dizer aquilo que o
adulto quer ouvir. São maneiras de agradar ao outro.
Recorrer ao sentido de humor, para se apreciar as “histórias” que as crianças têm para contar é uma
excelente forma de lidar com os enredos criados por elas. No entanto, é muito importante que se
incentive a criança a ser honesta. É realmente importante que ela compreenda que deve dizer a verdade,
mesmo quando teme as consequências. Porque os pais continuarão a gostar de ti mesmo depois de, sem
quereres, teres partido aquela moldura que adorávamos.
Em todo o caso, é verdadeiramente importante contextualizar quando surgem as mentiras e se estas
acontecem de forma recorrente e associadas ao receio exagerado de não corresponder às expectativas
do adulto, ou ao medo intenso de possíveis castigos.
Agradeça e mostre apreço e orgulho sempre que a criança conta a verdade. Para incentivar a
honestidade, nada melhor que ser um modelo de honestidade, na relação com ela e com os outros.
Mostre à criança que confia nela e que ela poderá confiar em si.
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Crianças desafiantes ou confusas?
Inês Carvalho
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Lá em casa há um miúdo que diz sempre que não.
Não importa qual seja a tarefa, o programa ou o pedido. A resposta é um redondo não que entretanto se
faz acompanhar de uma enorme birra em que parece perder a noção de tudo.
Já tentaram evitar determinados locais e situações na esperança de que as birras desapareçam. Mas,
invariavelmente e em situações diferentes, acabam por aparecer. Especialmente em espaços com muita
gente. Muitas crianças, adultos e muito barulho ao mesmo tempo.
É como se, de repente, tudo ficasse tão confuso na cabeça da criança que fosse impossível de controlar.
São estas crianças desafiantes que provocam, na maior parte dos casos, uma sensação de irritação e
desconforto nos pais.
Desconforto por não conseguirem encontrar uma solução eficaz para aquela birra descontrolada.
Irritação por deixarem no ar a ideia de que não há explicação nem razão para aquele comportamento.
Provavelmente, temos crianças desafiantes, sim: a palavra de ordem é NÃO e o comportamento
ultrapassa todos os limites do ‘aceitável’.
Mas temos também crianças confusas: é que perante uma ordem mal compreendida ou uma situação
desconfortável a única resposta que encontram é precisamente uma ‘não-resposta’ na medida em que
nos chega sempre muito descontrolada.
E, sabendo isto, que tal experimentar as nossas sugestões?
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Um discurso claro e objectivo. Parece existir, nestas crianças, uma dificuldade de apreensão da
mensagem que lhes está a ser transmitida. O foco da atenção acaba por ficar restringido a
pequenas partes do discurso que lhes provoquem maior impacto emocional. Não faça dois
pedidos em simultâneo.
Uma coisa de cada vez. Um número elevado de interações em simultâneo pode aumentar a
ocorrência de episódios agressivos. Esta dificuldade em regular o que sentem será tão mais difícil
de gerir, quanto maior for o número de solicitações do contexto.
Regras e limites. É importante que os limites e regras seja consistentes e constantes para que a
criança consiga organizar-se internamente. O estabelecimento de regras claras, permitirá que a
criança possa organizar-se internamente e diminuirá a intensidade dos momentos de
desorganização.
Tranquilizar estas crianças. Nos momentos de maior descontrolo, a criança precisa de ajuda para
se acalmar. Não esqueçamos que, por entre uma escalada de episódios agressivos, há uma
criança profundamente assustada e que se sente em perigo. O abraço, o toque e um tom de voz
calmo poderão ser os seus fortes aliados.
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Crianças mais resilientes
Inês Custódio
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Todos nós, grandes adultos, sabemos que viver não é fácil!
Com a idade vêm responsabilidades, dificuldades, dissabores… e um sem número de coisas que todos os
dias nos desafiam e exigem todo o nosso esforço para lidar com elas e avançar em frente. A verdade é
que o fazemos da forma que nos ensinaram ou que a própria vida nos foi ensinando.
Por sabermos que muitas vezes ser adulto é exigente, temos a intenção de proteger em demasia as
nossas crianças, evitando que sofram como nós ou que debatam com dificuldades demasiado cedo. Mas,
se por um lado o nosso papel deve ser de cuidadores e protetores destes pequenos seres, a verdade é
que muitas vezes, com as melhores intenções, não as preparamos para os desafios do futuro, criando
crianças com medo, com pouca confiança nas suas capacidades e menos preparadas para lidar com a
vida. Estamos assim a diminuir as suas capacidades de resiliência, no fundo a capacidade de olharem e
lidarem com as adversidades, procurando soluções e ganhando uma autonomia mais segura para
resolverem os problemas e crescerem com eles.
Explicamos-lhe como pode ajudar o seu filho a tornar-se mais resiliente:
Cuidado vs Liberdade
Comecemos pelo básico, cuidar! A parte fundamental para desenvolver a auto-confiança de qualquer
criança é esta saber que tem sempre por pertos adultos, que a ajudarão quando precisar. Sem esta base
segura, cujo principal ingrediente é o amor incondicional, haverá medo e pouca abertura da criança para
explorar “novos mundos”.
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Assim os pais, cuidadores e familiares devem funcionar como facilitadores, simplesmente estando
presentes e disponíveis, mas dando espaço para o bebé explorar o mundo à sua volta, a criança se
envolver com outras pessoas foram do ciclo familiar e o adolescente desenvolver mais tarde a sua
autonomia.
Problemas vs soluções
A par do desenvolvimento é importante que a criança se depare com problemas, tirar-lhos ou resolve-los
por ela é o mesmo que lhe tirar importantes oportunidades para experimentar e crescer, ficando apenas
a sensação de incapacidade para lidar com a situação, mesmo sem a ter experimentado. Por outro lado,
cada problema exige que o nosso cérebro procure causas, soluções, estratégias e testar soluções, assim,
quando o desafio é adaptado à idade da criança, estamos deixar uma semente para o crescimento da sua
auto-confiança e auto-determinação.
Valorização vs correção
Tudo isto só fará sentido se houver alguém, mais sábio, como um adulto, que valorize o esforço da
criança mas que também ajude quando esta sentir dificuldades. É importante elogiar a criança quando é
bem sucedida, aumentando a sua sensação de auto-eficácia, mas também de corrigir, sem critica,
aumentando a sensação de que errar não é assim tão perigoso e que neste período de experiências,
alguém lhe mostrará os limites e outras soluções.
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Validação das emoções
Chegamos ao ponto fundamental, com que a maior parte dos adultos se debate … as emoções negativas
que surgem perante os grandes desafios. Não podemos pedir à criança para não ficar triste, porque nós
também não o sabemos fazer, não podemos pedir que esqueça, porque também não é possível… Então
podemos validar, dizer que é normal, confortar e mostrar que até nós adultos passamos por momentos e
emoções menos boas, que tal como ondas vão e vêm. Estamos assim a aumentar a sua capacidade de
regulação emocional e de vivência destas emoções não como algo perigoso, mas como parte da vida.
Agora que tem a teoria, deixamos algumas dicas práticas para estimular a capacidade de resiliência na
criança.
Deixe a criança experimentar novas brincadeiras, novos materiais, novas tarefas.
Atribua responsabilidades consistentes com a idade da criança, algumas tarefas são
fundamentais para ganhar autonomia.
Faça das regras e castigos um processo colaborativo, deixe a criança envolver-se e seja sempre
muito claro sobre o porquê das consequências
Deixe a criança lidar com os problemas que tem com os amiguinhos, fazem parte do
desenvolvimento. Isto não quer dizer que deixe de estar atento na retaguarda.
Não interfira demasiado no processo ou regras escolares, são importantes para qualquer criança.
Permita que o seu filho experiencie frustração por não poder ter ou fazer algo, acontece-nos a
todos!
Ouça verdadeiramente a criança e quando ela lhe fala dos seus problemas. Se ela não o faz,
pergunte sem ser evasivo.
Quando esta fala dos problemas, desça ao seu nível, não vá vestido de adulto sabe tudo. Valide e
tente encontrar soluções em conjunto com ela.
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Seja modelo, alguns dos nossos pequenos problemas podem ser explicados à criança e mostrar
como os resolvemos. A criança aprende mais a ver como o adulto faz, do que a ouvir como fazer.
Lembre-se que cada pedacinho que a criança cresce hoje, fará dela um adulto enorme amanhã!
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Medos na infância
Inês Afonso Marques
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O medo faz parte do processo de desenvolvimento – os medos são esperados e têm um efeito normativo
e estruturante. É por isso importante que durante os primeiros anos de vida do filho, os pais
compreendam que a existência de receios é previsível. Assim, os pais devem evitar envolver-se nos
receios típicos de certas idades, como forma de evitar o seu agravamento. Naturalmente, o adequado
não é fazer com que a criança se sinta ridicularizada! Contudo, não podendo eliminar os medos, os pais
podem ajudar as crianças a relativizá-los, a melhor contactar com eles e, de algum modo, a aprender com
os medos.
No primeiro ano de vida é comum o bebé sentir medo de ruídos muito fortes e de alturas. Também nesta
fase pode começar a ocorrer o receio de separação das figuras de vinculação – cuidadores de referência
para a criança com que foi estabelecido um forte laço afectivo. Posteriormente, podem surgir medos de
tempestades naturais e de pequenos animais. Na idade pré-escolar é comum encontrar crianças com
medo do escuro, de seres imaginários (monstros, bruxas ou fantasmas) e de ficarem sós (medo da morte
dos pais). À medida que a criança cresce e se aproxima da adolescência surgem receios mais abstractos e
associados a situações sociais – avaliações, relacionamentos, guerras.
Ajudar a criança a lidar com o medo implica...
Ouvir, empatizar e respeitar o que quer que seja que a criança diga acerca dos seus receios.
Apoiar a criança nos seus esforços para descobrir maneiras de vencer os medos.
Ajudar a criança a compreender os motivos que estão por detrás do seu medo.
Tranquilizar a criança dando-lhe a conhecer o facto de que todas as crianças da sua idade têm
medos. E porque não falar dos seus próprios medos enquanto criança e de como os conseguiu
ultrapassar?
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Embora os medos façam parte do crescimento de um ser humano, importa estar alerta para o caso
destes começarem a interferir no estilo de vida da criança/família, como por exemplo na manifestação de
incapacidade para fazer amigos, ou se os mesmos persistirem por longos periodos de tempo. Neste tipo
de situações poderá ser conveniente procurar o apoio de um especialista, por exemplo um pediatra ou
psicólogo.
Pense sempre que a criança confia em si, pelo que a sua atitude nestas situações poderá ser a chave para
a criança sentir força e segurança para viver e ultrapassar os medos típicos do seu crescimento.
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Tecnologia e as emoções das crianças
Raquel Carvalho
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Os dispositivos móveis, tais como smartphones e tablets, estão em toda parte e as crianças estão usá-los
com mais frequência e em idades mais precoces. No nosso dia-a-dia, em qualquer contexto que
estejamos, observamos o uso fácil destes dipositivos portáteis e instantaneamente acessíveis como
solução imediata para algumas dores de cabeça dos pais.
No que diz respeito ao impacto a longo prazo que o uso da tecnologia mais recente está a ter no
desenvolvimento, comportamento das crianças e dinâmicas familiares ainda não é totalmente conhecido
e tem gerado opiniões controversas. Segundo Jenny Radesky, investigador e professor de Pediatria na
Faculdade de Medicina da Universidade de Boston, "está bem estudado que o aumento do tempo de
televisão diminui o desenvolvimento da linguagem e habilidades sociais de uma criança. Os meios
tecnológicos móveis diferem da televisão nas suas múltiplas modalidades (por exemplo, vídeos, jogos,
aplicações educativas), recursos interativos, e têm quase omnipresença na vida das crianças. O uso dos
dispositivos tecnológicos substitui a quantidade de tempo gasto em interação direta humano-humano".
A investigação sobre dispositivos interativos em crianças mais novas é ainda escassa e os potenciais
benefícios educacionais para crianças com menos de dois anos é questionado, pois sabe-se que os bebés
aprendem melhor através de experiências e estimulação psico-motora e face-a-face.
Há benefícios indiscutíveis da utilização da tecnologia, porém muitas questões se levantam também
quanto à sua utilização como ferramenta educacional nas crianças mais velhas bem como acerca do seu
potencial papel prejudicial no desenvolvimento de estratégias de auto-regulação. Os investigadores
questionam: "Se estes dispositivos se tornam o método predominante para acalmar e distrair as crianças
pequenas, irão elas ser capazes de desenvolver os seus próprios mecanismos internos de autoregulação?"
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Adicionalmente, questiona-se se o uso excessivo de brinquedos tecnológicos durante a infância pode
interferir com o desenvolvimento de empatia, habilidades sociais e resolução de problemas, que são
normalmente alcançados explorando, brincando e interagindo com os pares.
Enquanto estão focados nos gadgets como poderão estar atentos e gerir as suas próprias emoções?
Como poderão ser capazes de empatizar com alguém ao seu lado, se não estão verdadeiramente atentos
ao que se passa à sua volta? Como irão reagir quando por algum motivo não puderem ter estes
dispositivos à disposição? Saberão controlar a ansiedade e a frustração?
A Academia Americana de Pediatria e a Sociedade Canadense de Pediatria atestam que bebés com idade
entre 0 a 2 anos não devem ter qualquer exposição à tecnologia, crianças de 3-5 anos devem ter acesso
restrito a uma hora por dia e crianças de 6-18 anos devem ter acesso limitado a 2 horas por dia. Contudo,
atualmente as crianças e jovens usam a tecnologia 4 a 5 vezes mais do que a recomendada.
Os efeitos da exposição prolongada aos aparelhos tecnológicos são potencialmente mais nocivos no
grupo etário mais novo, pelo que seguir as recomendações para o uso por bebés, crianças de idade préescolar e mais velhas é crucial.
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Se os dispositivos tecnológicos têm presença assídua em sua casa, o bom senso é essencial para
equilibrar a sua utilização pelos mais novos e para que possam tirar partido de mais efeitos positivos que
negativos. Seguem-se algumas dicas que o poderão auxiliar:
Antes de deixar seu filho brincar com um jogo, programa ou aplicação, certifique-se de é realmente
apropriado para a faixa etária dele;
Escolha aplicações não só pela sua popularidade, mas pelo seu conteúdo, preferindo as mais lúdicodidáticas, pois a diversão é muito mais enriquecedora quando se aprende algo ao mesmo tempo;
Escolha jogos que permitam que mais de uma pessoa jogue ao mesmo tempo e que estimulem a
interação entre os participantes;
Limite previamente o tempo de utilização, incentivando a realização de outro tipo de atividades de
lazer (convívio familiar, leitura, música, desporto, etc..). A Academia America de Psiquiatria sugere
não mais do que duas horas de ecrã (televisão, DVD, computador e tablet, entre outros) por dia, com
programação selecionada e conteúdos adequados à idade;
Combine os horários e não permita utilização de tecnologia perto da hora de dormir.
Lembre-se que as regras e limites consistentes de uso de tecnologia que colocar agora ao seu filho
poderão evitar problemas no futuro e serão boas referências para os seus hábitos e estilo de vida.
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Problemas psicológicos do excesso de
peso nas crianças
Raquel Carvalho
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Para além do desconforto, das complicações físicas/orgânicas e sociais da obesidade infantil, o excesso
de peso poderá acarretar também consequências psicológicas nos mais novos.
Importa antes de mais notar que não se pode afirmar que as crianças com excesso de peso são
psicologicamente menos ajustadas que as restantes e que os possíveis problemas psicológicos do obeso
não podem ser generalizados, pois a estrutura mental de cada um é idiossincrática e única. Porém,
segundo alguns autores, as crianças obesas poderão estar mais propensas a alguns problemas
psicológicos.
Defendem que os obesos, principalmente crianças, têm mais dificuldades em identificar e refletir sobre
as suas próprias emoções, utilizando a comida como estratégia para ultrapassar e os momentos mais
difíceis. Uma explicação hipotética é de que recorrerão à comida como mecanismo de defesa face ao
stress, à ansiedade e outros fatores psicológicos, em particular o défice de afeto, comunicação, dedicação
e estruturação familiar. Recorrem à comida como forma de sentirem algum reconforto e muitas têm
tendência a comer para responder a emoções negativas, como estar aborrecido, sentir-se ansioso ou
estar zangado.
Há também autores que referem que as crianças obesas podem apresentar dificuldade em lidar com as
experiências de forma simbólica, no relacionamento social, além de manifestarem uma auto-estima
diminuída e dependência materna.
Os sentimentos negativos sobre o seu corpo parecem ser mais comuns em pessoas com o início da
obesidade na infância cujos pais e amigos depreciaram o seu corpo. A este propósito vários autores
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referem que a discriminação poderá levar à falta de auto-confiança e de auto-estima, o que poderá
explicar uma maior tristeza, ansiedade e isolamento social.
Num estudo com 134 crianças obesas, os investigadores constataram que 76.8% apresentavam uma forte
componente emocional associada ao desenvolvimento da obesidade. É de salientar que tanto o excesso
de peso em alguns obesos poderá resultar em complicações psicológicas, como os seus problemas
psicológicos poderão contribuir para a perpetuação de sua obesidade. Por exemplo, de acordo com a
meta-análise de estudos longitudinais, a obesidade parece estar associada com um risco acrescido de
depressão, que por sua vez está associada a um risco acrescido de desenvolvimento de obesidade. Nos
pacientes com excesso de peso ou obesos, o humor deve estar sob particular atenção e o peso dos
pacientes depressivos deve ser monitorizado, pois o ganho de peso parece ser uma consequência tardia
da depressão.
De facto, o excesso de peso e obesidade é uma patologia complexa e de difícil entendimento, pelo que é
necessário uma abordagem multidisciplinar, sendo fulcral uma avaliação psicológica da criança, por
forma a se explorarem fatores psicológicos que possam estar a contribuir para maior ingestão alimentar e
desadequada relação com a comida, bem como para se intervir nas consequências emocionais do
excesso de peso.
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Aprendizagem de comportamentos na
criança – como, quando e com quem?
Raquel Carvalho
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Um ser humano é fruto da conjugação de diversos fatores: genéticos, biológicos, ambientais,
psicológicos/pessoais. Cada um deles pode funcionar como um fator de proteção ou de risco para cada
indivíduo ao longo do desenvolvimento.
Para além disso, o desenvolvimento de uma pessoa decorre nos mais variados contextos, que também
mudam com o tempo. Por isso, “aquilo que somos” depende deste processo dinâmico e
multidimensional de aprendizagens, e portanto, é determinado por fatores internos (personalidade,
cognição, motivação) e externos (experiências de vida) que interagem ao longo da vida.
Desde que nasce, a criança vai-se desenvolvendo através das experiências que tem com o meio
envolvente, observando e imitando comportamentos. A família, a escola, a comunidade são grupos
sociais que vão contribuindo para o desenvolvimento da aprendizagem a todos os níveis e que vão
servindo de modelos. A criança vai processando cognitivamente as experiências relacionais e vai formar
determinadas crenças, que vão moldar e a forma como a criança se vê a si e aos outros.
É no ambiente familiar que começam a aprender os processos de socialização e reproduzem-nos nas
interações sociais no seu dia-a-dia. Os comportamentos podem expandir-se para contextos mais
alargados, casa – escola e vice-versa. Ou seja, a criança também aprende padrões de comportamentos no
grupo de pares e tenta reproduzi-los em casa. Cabe à família a promoção da educação de valores morais
e normas sociais, que orientem a conduta da criança.
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Adicionalmente, a reação dos adultos (pais, educadores, professores) às imitações ou comportamentos
da criança é também muito importante. Geralmente, há um foco de atenção na criança quando esta
pratica comportamentos desadequados, sendo ignorada quando está a fazer atividades de forma correta.
Assim, há um reforço positivo para o comportamento inadequado, uma vez que é este que é alvo de
atenção.
Desta forma, é fulcral que desde tenra idade, os contextos onde a criança pertence dêem exemplos
adequados, pois o que a criança vê, imita; foquem a atenção nas atitudes positivas da criança, elogiandoas; estabeleçam regras e limites claros, firmes e consistentes. Desta forma, a criança crescerá
compreendendo o que se espera dela e tendo consciência das consequências de cada ato.
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Viajar sem sair do lugar
Inês Afonso Marques
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Era uma vez um bebé aconchegado no útero da sua mãe.
A ideia de contar uma história a um bebé ainda no conforto da barriga da sua mãe parece-lhe estranha?
Nunca é cedo demais para se iniciar a aventura da leitura! Ainda na barriga o bebé adorará ouvir a voz da
sua mãe e, dessa forma, o vínculo emocional começa a fortalecer-se.
Era uma vez um bebé, deitado no berço.
Dia após dia, os bebés esforçam-se por assimilar e processar a informação linguística que recebem. Vozes
graves, vozes agudas. Vozes que falam rápido ou muito devagar. Vozes que sussurram ou que parecem
gritar. Uma história contada ou lida por uma voz familiar tem um impacto extraordinário no crescimento
cognitivo, social e emocional de um ser humano. Nos primeiros meses de vida, o mais importante não é
que a história faça sentido. O que o bebé/criança anseia é ouvir o som da voz dos adultos que conhece.
Conversem sobre a ida à vacina, ao supermercado ou ao jardim. Crie as suas histórias enquanto viajam
juntos. Cruch, cruch, cruch… Saltava o João em cima das folhas amarelas e secas caídas no chão junto aos
pinheiros. Ping, ping, ping… Começara a chover e o João corria. O cruch cruch dera lugar ao splash, splash,
das suas galochas sobre as poças de água que entretanto se haviam formado.
Era uma vez uma criança… Com curiosidade, observava as paredes forradas de livros da biblioteca da
casa dos avós. Com entusiasmo, espreitava por cima dos ombros da mãe que lia atenta um romance.
Com interesse, olhava o seu pai sentado no sofá cujos olhos absorviam as letras do jornal. Corria para o
seu quarto. Observando a lombada dos vários livros da sua pequena estante, escolhia um livro e sentavase no grande tapete cor-de-rosa do seu quarto. Fechava os olhos e sorria. Recordava quando ao colo do
pai acompanhava as suas palavras enquanto ouvia as suas histórias preferidas. As imagens dos livros
rumavam à imaginação e acrescentava-lhe pormenores. Inventava novas personagens, novas paisagens e
criava novos finais. Hoje escolhe e lê os seus livros. E viaja sem sair do lugar.
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O acto de ler e ouvir histórias permite explorar vários caminhos: o da curiosidade, o da vontade de
aprender, o da criatividade. Ler ajuda a saber. Ler ajuda a escrever. Ler ajuda a conhecer. Quanto mais
cedo este hábito for estimulado, maior a probabilidade de se tornar numa rotina geradora de grande
prazer. Sem dúvida, crescer num ambiente onde existem livros e pessoas que lêem, tem um efeito de
modelagem, potenciando a vontade de mergulhar no mundo da leitura.
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Viajar com crianças: drama ou prazer?
Inês Afonso Marques
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Viajar com crianças, por diferentes países, ou dentro do país, mas para longe de casa, pode ser uma
experiência enriquecedora em que pais e filhos podem trazer, na viagem de regresso, uma bagagem
repleta de memórias únicas e especiais, preenchida com novas aprendizagens.
As crianças gostam de assumir um papel activo na descoberta e aprendizagem – experimentando,
tocando, assistindo... O contacto direto com outros sotaques e idiomas, outros sabores, outras formas de
vestir, outros cheiros, outros climas, outras rotinas, outros movimentos desperta a curiosidade e a
vontade de questionar e de mais saber. Por outro lado, as crianças acabam por desenvolver estratégias
de adaptação a novas realidades, assumindo novas rotinas de forma relativamente tranquila. A
diversidade que encontrarão nas viagens, também, permite à criança desenvolver o respeito pela
diferença, percepcionando de forma integradora a existência de realidades diferentes da sua.
Para que tudo corra de forma tranquila e prazerosa, independentemente da idade da criança, tudo
depende essencialmente das expectativas dos adultos, assim como da capacidade de planear a viagem
antecipadamente. Serão as situações imprevistas aquilo que poderá gerar maior stress, às crianças e aos
mais crescidos, quando estão longe das suas casas. Assim, a organização prévia pode ser um dos pilares
do “sucesso” da viagem, independentemente da idade criança. E aqui a organização incorpora temas
como preparar um kit de primeiros socorros, saber a localização do hospital mais próximo do local onde
ficarão alojados, fazer reservas antecipadas de alojamentos, evitando stress de última hora. Mas, planear
não significa ter uma agenda fechada, com horários rígidos e definidos para cada momento do dia. Pelo
contrário! As crianças adoram explorar e não se sentem prisioneiras dos horários. Por esse motivo,
qualquer viagem deve incluir tempo “adicional” para passeios sem rumo, para paragens simplesmente
para observar os movimentos das ruas, para as idas à casa de banho...
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Naturalmente, crianças mais pequenas são mais dependentes e por isso exigem maior disponibilidade do
adulto para dar resposta às suas necessidades. Por esse motivo, é importante que os pais deixem de lado
inflexibilidades e que levem na mala uma dose extra de paciência e descomplicação. São também mais
vulneráveis a mudanças bruscas de horários ou mesmo certas doenças e, por esse motivo, no momento
da decisão do destino, a idade da criança deve ser tida em conta.
Se a viagem até ao destino for longa, independentemente do meio de transporte eleito, pode ser útil
levar uma mochila cheia de brinquedos e actividades diversas – livros para colorir ou autocolantes, livros
com imagens (e roteiros) do destino, plasticinas, pequenos puzzles, ajudam a criança a distrair-se e a
evitar sentir-se aborrecida.
Será uma ideia interessante e bastante enriquecedora para a criança, incentivá-la a manter um diário das
suas viagens – um caderno para encher de desenhos das paisagens, dos monumentos das paisagens ou
dos estados de espírito; um caderno para preencher com palavras e frases que retratem os locais
visitados e as vivências nesses locais. A criança poderá sentir-se particularmente entusiasmada, se para
além de um diário da viagem, tiver oportunidade de ter uma máquina fotográfica só para si, em que
possa escolher os melhores ângulos dos locais que visita, em que observará o que a rodeia e selecionará
aquilo que mais capta o seu interesse. Deixe-se surpreender pela capacidade das crianças nos
surpreenderem...
Durante as viagens façam uso, em plenitude, dos cinco sentidos. Posso subir? A que sabe? O que sinto,
quando lhe toco? Que som é este? Estimule a curiosidade e a descoberta através da audição, do tacto, do
olfacto, do gosto e da visão.
Que músicas vão descobrir? Que novos sabores vão experimentar? Que novas paisagens vão absorver?
Votos de muitas e divertidas aventuras!
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Diga adeus às viagens familiares
aborrecidas ou stressantes
Raquel Carvalho
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Nas férias, as viagens são mais frequentes e independentemente do meio de transporte utilizado, longas
viagens com crianças são desafiantes, mas desengane-se quem acha que são momentos aborrecidos em
que não há nada para fazer. Existem diversas maneiras de aproveitar essas horas de forma divertida.
Uma vez que as viagens longas podem ser cansativas, principalmente para as crianças, quanto maior foi o
entretenimento, menor será o aborrecimento e menos vezes se ouvirá “Ainda falta muito para chegar?”.
Tenha em conta a duração e tipo de viagem para o planeamento de atividades e material para as
crianças.
É fácil ligar o telemóvel ou tablet e deixar a criança a ver filmes, videoclips, ou a jogar horas a fio.
Contudo, dê primazia ao convívio familiar através da partilha de histórias familiares, contar anedotas ou
adivinhas, fazer oralmente o jogo do stop ou abecedário, ouvir música e cantar.
Incentive as crianças a apreciar a vista da janela, explorando em conjunto o que observa, perceber as
diferenças de fauna e flora ou arquitetura que vão encontrando ao longo do percurso.
Dê ao seu filho um mapa em papel, para que vá acompanhando o itinerário da viagem, assim, para além
de aprender geografia, vai associando as paisagens aos locais de passagem e tem maior noção do tempo
e espaço percorrido.
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Experimente adaptar atividades aos gostos e capacidades da criança para fazer durante a viagem: livros
de atividades variadas (diferenças, labirintos, sopa de letras), livros para colorir, plasticinas, desenhar,
leitura de livros (se não enjoarem). Se viajar com mais de uma criança no banco de trás podem fazer
jogos em conjunto: 4 em linha, bingo, fantoches de dedo, jogos de cartas, jogos de tabuleiro (de
preferência com quadro magnético para as peças não se perderem). Almofadas ou assentos/bases de
computador portátil podem ser úteis para facilitar estas atividades.
Se viajar de carro, faça várias pausas na viagem para as crianças comerem, irem à casa de banho (mesmo
que digam que não têm vontade), correr um pouco, brincar nos parques infantis das estações de serviço.
Estas paragens são essenciais principalmente nas viagens longas e quando as crianças começam a ficar
demasiado impacientes.
Quando chegarem ao destino, seja flexível. Fazer planos é bom, controlar tudo nem por isso. Deixe
margem de tempo para imprevistos e reduza as expectativas se tem planos de visitar muitas coisas em
pouco tempo. Mais ainda numa viagem com crianças, que não sentem responsabilidade de cumprir
horários, tendo um ritmo mais lento. Quando o stress começar a dar sinal, lembre-se: está de férias,
aproveite o momento!
Neste sentido, não se aborreça por causa da alteração de rotinas: é natural que queira manter os
horários de alimentação, sono e higiene, mas não se preocupe que os seus filhos não ficam mal
habituados, desde que voltem às rotinas quando regressarem a casa.
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Para que as férias sejam ainda mais memoráveis, faça em conjunto com os seus filhos um diário da
viagem, com fotografias (também tiradas pelas crianças), relatos de experiências divertidas, desenhos,
curiosidades, listas de coisas novas que viram ou alimentos que provaram, por exemplo. Colecionem
cartões postais de lugares visitados, escrevendo uma mensagem. Quando as crianças forem crescidas
terão uma biblioteca de recordações.
Como vemos, independente do destino das viagens, estas são oportunidades preciosas para reforçar os
laços entre todos.
Boas férias!
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Furacão na praia? Não, é só a birra do
meu filho…
Inês Custódio
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As birras dos mais novos são um tormento em qualquer altura, mas quando se lembram de começar a
gritar e a espernear em plena praia, repleta de gente que tenta descontrair e relaxar, é motivo para
deixar qualquer pai sem ação.
Ainda há poucos dias presenciei um destes momentos, com direito a alguns berros e areia por todo o
lado. Um pequeno rapazinho esperneava para não ter de colocar protetor. Na cabeça dele a água estava
mais apetitosa que o resto das preocupações dos pais… começou perto do mar e terminou a rebolar na
areia. Mas se a sua ansiedade foi aumentando a cada momento, a dos pais não ficou atrás, acabando por
decidir deixar a questão por ali.
Não sei o que é mais desconfortável nesta situação, a criança que infelizmente ainda não consegue lidar
com a frustração que lhe causa ter de fazer algo que não lhe apetece ou os pais que se sentem
esmagados pela pressão social causada pelos olhares dos mais próximos. E efetivamente todos nós
conseguimos ter uma série de soluções para aquela situação que desvaloriza por completo estes pais e
até o que a criança sente “se fosse comigo levava umas palmadas”, “comigo obedecia logo”, “a educação
começa em casa”…
Este artigo não pretende apontar erros ou falhas que os pais possam ter, nem apresentar mais uma
teoria de “sabe tudo”. Em vez disso, o desafio é refletirmos, observando a situação de uma outra
perspetiva.
Será que por estarmos na praia as regras têm de ficar na gaveta? Muitas vezes há coisas importantes que
os nossos filhos devem ou não fazer, mas que pela sua inexperiência na vida, não sabem reconhecer. É
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dever de um pai alertar para estas situações e educar a criança no sentido de ganhar alguma
responsabilidade.
Quando nos tiram algo que queremos muito ficamos frustrados e por vezes irritados. Também os mais
novos passam por estas emoções, simplesmente ainda não elaboraram formas “adultas” de lidar com a
questão. Por isso pode ser importante reconhecermos não só o que a situação provoca em nós, mas
também o que sente o mais pequeno. Muitas vezes os sentimentos são os mesmos para pais e filho
(irritação, vergonha, tristeza).
Vamos simplificar, é só emoção. Somos todos humanos, as emoções são básicas e vosso filho está
simplesmente a expressá-la (de forma desadequada, mas tudo a seu tempo). Isto não faz de ninguém
melhor ou pior pai, mas simplesmente que tem um filho humano, por isso se fingir que está em sua casa
tudo vai correr melhor.
E se em vez de uma batalha, este puder ser um momento para ajudar o seu filho? Sim eu disse ajudar e
não controlar, porque este é um momento de aprendizagem para ambos e para ele também.
Podemos experimentar explicar. Quando o mandam fazer algo, gosta de saber porquê, certo? Então
provavelmente os mais novos também gostam de saber porquê. Tudo tem um motivo e ninguém é tirano
com os filhos por prazer (apesar de por vezes ele acharem que os pais só os querem chatear).
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Podemos falar das emoções sem vergonha. Experimente refletir com o seu filho sobre o que ele está a
sentir, que é normal e que por vezes também lhe acontece. Algo como “eu sei que isto te aborrece, mas
eu não te pediria isto se não fosse importante!”.
Toda a regra tem uma consequência associada. Não tem de ser uma ameaça, mas uma relação normal de
causa-efeito. Explique que custo pode ter não cumprir o que foi pedido.
E nada resulta?! Mantenha a calma e vamos refletir um pouco… quantas vezes estaciona sem pagar
parquímetro num local onde já foi multado? Poucas, nenhuma? Então a consistência num castigo pode
ser importante para mudar o nosso comportamento. Exatamente o mesmo com as crianças, conhecer e
contar com um castigo apropriado sempre que não cumpre as regras será importante na alteração de
padrões de comportamentos desajustados.
Firmeza e consistência podem ser a chave para que o seu filho aprenda a regular as emoções. Muitas
vezes a criança continua a provocar durante o tempo de castigo. É normal, aumentou um pouco o nível
de frustração dela e continua a utilizar a única forma que sabe para exteriorizar o que sente e para tentar
reverter a situação. Quanto mais der atenção a este comportamento, mais ele vai aumentar, quanto mais
se mostrar incomodado e envergonhado perante as outras pessoas, mais a criança perceberá que a sua
estratégia está a ter efeito (o efeito oposto que queríamos). Por isso, só tem uma solução, ser firme,
consistente e ignorar o que ele faz de desadequado.
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Será que o que acontece na praia fica na praia? A maior parte das vezes a criança também sente a
vergonha que os pais sentem, por ter sido castigada ou repreendida em frente a tanta gente, por isso,
valerá a pena reforçar isto? Podemos tentar não ficar ressentidos, também nós temos de aprender a
regular e a gerir as nossas emoções. O seu filho cumpriu o que era suposto, elogie o seu bom
comportamento e encerre o tema. Não cumpriu de boa vontade mas o castigo já terminou, também
pode encerrar o tema.
E o dia na praia pode continuar semelhante ao que pais e filhos idealizavam.
É chato e aborrecido, mas uma birra pode ensinar-nos tanto 
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A comida e as recompensas
Raquel Carvalho
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Não são raras as vezes em que os pais oferecem alimentos, maioritariamente, doces e fast-food, como
recompensa por algo que o filho fez. Se se porta bem, pode comer sobremesa, se tira boa nota pode ir
comer um hamburger… Que efeitos têm estas atitudes a médio e longo prazo na vida da criança?
A alimentação tem um papel central na vida emocional das pessoas em termos de como gerem as
emoções e como a comida é moderada pelo seu estado emocional. Os alimentos são codificados com
significados (ex.: prazer, culpa, satisfação, aborrecimento etc.), que são aprendidos desde a infância
através de processos de recompensas e associações e fornecem-nos um rico conjunto de crenças sobre a
comida. Da mesma forma, tentando controlar a ingestão da nossa própria comida ou a de terceiros,
estamos a atribuir significados a alguns alimentos.
Assim se compreende a importância das atitudes parentais em relação à alimentação dos filhos. Para
além de determinarem a forma como se relacionam com a comida, também são importantes para o
processo de aprendizagem social e emocional da criança.
Algumas investigações têm estudado o efeito das recompensas no comportamento alimentar, como por
exemplo: “Se comeres os vegetais eu vou ficar satisfeito contigo”, chegando à conclusão que
recompensar o comportamento alimentar parece melhorar preferências alimentares das crianças.
Por outo lado, outra investigação explorou o impacto de usar a comida como recompensa, em que o
acesso ao alimento é contingente a outro comportamento, por exemplo: “Se te portares bem, podes
comer um chocolate.”. Os resultados sugeriram que usar a comida como recompensa aumenta a
preferência por esse alimento, podendo ter um efeito negativo nos hábitos alimentares da criança. Deste
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modo, as associações recompensatórias ou punitivas que envolvam comida podem fazer com que a
criança estabeleça uma relação disfuncional com os alimentos. Por exemplo, poderão, sem se
aperceberem, usar a comida como meio de regular as suas emoções e, muitas vezes poderão comer
porque interpretam os sinais internos de necessidades emocionais como fome. Quando o seu filho está
triste, aborrecido ou ansioso costuma querer comer alimentos calóricos? Fique atento e se a resposta for
afirmativa, procure ajuda profissional.
Então o que fazer se o seu filho já estiver habituado ao uso dos alimentos como recompensa?
1 - Pense nos motivos pelos quais o faz. Não haverá outras formas de mostrar apreço pelo
comportamento positivo do seu filho?
2 - Crie formas de substituir a comida por outros reforços. Dar atenção especial à criança, encorajamento
e elogios são as recompensas mais gratificantes a curto e a longo prazo, estreitam as relações familiares e
não custam dinheiro! Pode dar um elogio verbal, dar beijos e abraços, dar-lhe uns minutinhos extra de
brincadeira, fazer um jogo juntos, deixá-lo ir para a cama 15 minutos mais tarde, levá-lo a um sítio que
ele goste, deixá-lo ir brincar a casa de um amigo, etc..
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Soninho descansado
Inês Afonso Marques
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Algumas horas após ter deitado o meu filhote, oiço um grito aflitivo e um choro assustado vindo do seu
quarto. Corro ao seu encontro. Chora aflito sentado na cama. Parece estar a dormir e nada do que diga
ou faça parece acalmá-lo. De repente, ao fim de breves instantes, volta a pegar no seu ursinho, aninha-se
nos lençóis e dorme tranquilamente, como se nada se tivesse passado. Na manhã seguinte, não se
recorda de nada.
Esta é uma situação que parece descrever um terror nocturno. Estes são diferentes dos pesadelos, que
são “sonhos maus”, fazendo despertar a criança que, por vezes, corre para a cama dos pais, contando em
pormenor o que estava a sonhar. Um terror nocturno é algo que pode ser perturbador para quem está a
assistir, no entanto, não constitui uma situação perigosa, parecendo ocorrer com maior frequência entre
os 18 meses e os 6 anos de idade.
O sono é uma necessidade vital do ser humano, desempenhando um papel crucial no desenvolvimento e
crescimento harmonioso das crianças. O sono é um importante pilar para o bom funcionamento cerebral,
boa saúde física e psicológica e capacidade de aprendizagem. Nos primeiros anos de vida, a quantidade e
qualidade de sono é ainda mais importante porque as crianças passam por etapas de desenvolvimento
cerebral fulcrais que requerem boas condições internas e o estado reparador que o sono proporciona.
Por esse motivo, cuidar do sono das crianças, logo desde o seu nascimento é uma tarefa
verdadeiramente importante a levar a cabo pelos cuidadores.
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Deixamos algumas dicas orientadoras, para ajudar a promover um soninho descansado dos pequenotes.
Valorize a higiene do sono – salvaguardando rotinas, horários e ambientes promotores do
descanso.
Tome atenção a experiências de elevado stress, ou dias de maior cansaço e desgaste, uma vez
que estes podem estar associados a sonos mais agitados;
Garanta que a criança dorme as horas de sono adequadas à sua idade;
Evite bebidas estimulantes ao final do dia;
Evite actividades muito agitadas antes de dormir, bem como actividades que impliquem o
recurso a televisão, computador ou telemóvel;
Introduza uma actividade de relaxamento antes de ir dormir;
Evite assuntos que podem despertar emoções difícies de gerir, perto da hora de deitar;
No decorrer de um episódio de “despertar” nocturno, mais ou menos agitado, não tentar
acordar a criança, nem demonstrar apreensão ou desorientação. É importante falar com calma,
reconduzi-la para o quarto, caso tenha saído do mesmo, esperando que volte a acalmar-se e a
“adormecer”.
Bom soninho e bons sonhos!
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Crianças e animais de estimação: sim
ou não?
Sandra Azevedo
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“Mãe/Pai: quero um cãozinho!” Este pedido soa-lhe familiar? Existem animais aí por casa? Que impacto é
que a presença de animais de estimação pode ter nas crianças?
Os animais de estimação deliciam miúdos e graúdos e apesar de muitas pessoas gostarem da presença
deles nas suas vidas, a verdade é que muitas vezes nos escapam todos os benefícios psicológicos que eles
podem representar, particularmente na infância. Conheça os principais:
- Promove a responsabilidade: ter um animal implica cuidados, o que ajuda a criança a
desenvolver o papel de cuidadora e uma postura de responsabilidade face ao animal (por
exemplo em relação à alimentação, higiene, levá-lo a passear quando aplicável, etc). Este papel
de ser promotor do bem-estar de um ser vivo é de extrema importância para que a criança se
sinta útil e capaz.
- Diminui os níveis de stress: existem vários estudos que comprovam que interagir e acariciar um
animal de estimação ajuda a reduzir os níveis de stress e ansiedade, provocando uma sensação
de relaxamento
- Promove os vínculos afectivos e a expressão emocional: ter um animal de estimação estreita
laços afetivos e estimula a comunicação não verbal, uma vez que a criança desenvolve a
expressão de sentimentos através de gestos (beijinhos, abraços, carícias)
- Estimula competências de relação e comunicação: ao contrário dos objectos inanimados (como
os brinquedos por exemplo), os animais reagem, interagem. Esta reciprocidade faz com que a
criança não tenha total controlo das situações, como acontece quando brinca com os seus
brinquedos. Esta interação estimula a capacidade de comunicação verbal e não-verbal da
criança, bem como ajuda a criança a lidar com diferentes emoções como a frustração por
exemplo.
- Contribui para o bem-estar: a presença de animais de estimação é geralmente sinónimo de um
autêntico álbum de bons momentos passados com eles, repletos de muita diversão, gargalhadas
e sobretudo muito afecto.
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Para terminar e respondendo à pergunta inicial “Crianças e Animais de Estimação: Sim ou Não?”, depois
de todas estas vantagens e existindo as condições necessárias para tal, a questão passa a ser: E porque
não?
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Como sobreviver à pré-adolescência?
Susana Matos Duarte
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O seu filho pré-adolescente está a tornar-se difícil de aguentar? Tanto está bem-disposto e alegre como
está respondão e insuportável? Está farto de que ele mantenha uma atitude permanente de desafio para
consigo? Sente-se à beira de um ataque de nervos?
Relaxe... É “normal”. O seu filho está a crescer e a entrar na adolescência! Se a adolescência é
considerada um período difícil pelos potenciais perigos que acarreta, a puberdade é talvez a altura em
que o seu filho vive uma autêntica “montanha-russa” de emoções. É um período extremamente sensível,
pois as alterações físicas, psicológicas e sócio-emocionais são muito intensas e rápidas, afectando a sua
imagem corporal, bem como a noção de si próprio, dos outros e do mundo. Claro que estas mudanças
muito repentinas chegam sem aviso prévio e os filhos não vêm com manual de instruções, por isso, é
normal que estranhe estes novos comportamentos e que se sinta perdido por não saber como agir. Em
primeiro lugar, vamos analisar um pouco o que acontece, em geral, nesta etapa do desenvolvimento.
Como já reparou, o corpo do seu filho está a mudar, sendo que este facto se deve às grandes alterações
hormonais desta fase que têm um reflexo no seu humor. Assim, de manhã podem acordar com um mauhumor terrível, à hora de almoço estão alegres e eufóricos, à tarde estão numa tristeza profunda... Enfim,
as hormonas estão a fazer o seu papel e as alterações de humor são normais e esperadas.
Por outro lado, as alterações psicológicas desta etapa implicam que a sua atitude perante os pais se
transforme: tornam-se mais críticos, começam a ter uma certa dose de rebeldia e estão constantemente
a pô-los em causa. Ficam muito frustrados quando são contrariados ou quando as coisas não correm
como desejam, sentindo-se muito incompreendidos pelos pais.
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A nível social, o grupo de amigos ganha uma nova dimensão e importância. É por isso que deixam de
contar tudo aos pais, especialmente em relação aos namoros (“eles nunca irão compreender...”),
preferindo desabafar com os amigos. Têm também uma preocupação excessiva em relação ao que os
outros pensam de si, especialmente os amigos e colegas. Isto deve-se ao facto de começarem a perceber
que o corpo e a imagem são uma espécie de “instrumento” de referência, ou seja, que facilitam a
aceitação e o controlo social. É por isso que desenvolvem uma grande preocupação com o corpo e com o
vestuário. Neste sentido, é importante respeitarem o seu estilo de roupa preferencial e evitarem os
comentários depreciativos, pois esta fase é particularmente sensível. Como sentem muita vergonha em
relação ao corpo e ainda estão a integrar a sua auto-imagem, os comentários como “Estás gordinha”
podem ter repercussões negativas na sua auto-estima que se prolongam pela vida fora.
É também normal que o seu filho sinta uma maior necessidade de estar sozinho, especialmente no seu
quarto (a observar-se ao espelho, a ouvir música, a escrever num diário, etc.). É neste ambiente íntimo e
privado que começa a descobrir o seu próprio corpo e o prazer, através da masturbação, o que é natural
e saudável.
Sim, na teoria poderá parecer tudo muito fácil, mas... Como lidar com o seu filho nesta fase tão delicada?
Eis algumas dicas para poder sobreviver à pré-adolescência e sair a ganhar:
Lembre-se como foi para si: se se identificar com o seu filho durante esta fase, será mais fácil
para todos!
Passou de “anjinho” a “diabinho”?: quando existirem acessos de “fúria”, mais vale deixar passar
e esperar que se acalme. Converse depois sobre o seu comportamento e relembre que está lá
sempre que precisar.
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Dê-lhe espaço: nos dias “maus”, mais vale dar-lhe espaço, evitando deste modo brigas
desnecessárias. Mesmo que queira falar com ele para que se sinta melhor, ele acha que você
“não o compreende...”. Não se preocupe, ele irá procurá-lo sempre que precisar.
Respeite a sua privacidade: o seu quarto é o seu “porto seguro”, ele precisa de se isolar e de
estar consigo mesmo. Não entre sem pedir licença, não “vasculhe” as suas coisas e respeite o seu
espaço.
Deixe que aprenda com os seus erros: evite dizer-lhe o que fazer de forma “mandona”. Pode dar
conselhos, mas dê-lhe espaço para tomar as suas próprias decisões e aprender com os seus
erros.
Diminua o autoritarismo e aumente a negociação: não o julgue, respeite a sua vez de falar,
pergunte-lhe frequentemente a sua opinião e tente negociar com ele.
Coloque regras e limites simples e claros: as regras e limites continuam a ser muito importantes e
ele irá testá-lo ao máximo. Não brigue (respire fundo e tente não se descontrolar) mas mantenha
a firmeza. Se necessário, aplique um castigo (ex: ficar o resto do dia sem computador ou
televisão).
Dê-lhe atenção: no fundo, o seu filho está a passar uma fase muito carente, em que precisa de
muita paciência e atenção: elogie, valorize, escute, aconselhe. Os elogios fazem “milagres”!
Seja paciente: lembre-se que isto é só uma fase que não durará para sempre. Não se esqueça
que também passou pelo mesmo!
Apesar de esta etapa ser uma fase difícil para toda a família, não se esqueça: este é o primeiro
movimento do seu filho para se tornar numa pessoa independente e responsável!
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Altos e baixos da adolescência
Inês Afonso Marques
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O Desenvolvimento Social na Adolescência é, na maior parte dos casos, aquele que, per si, gera maiores
conflitos no seio familiar e no núcleo dos pares.
No relacionamento com outros jovens da mesma faixa etária, o adolescente enfrenta como principais
desafios o contacto e a aprendizagem de padrões comportamentais e de atitudes, segundo as regras dos
vários grupos sociais em que se insere. Ele terá de saber ouvir, expressar ideias e opiniões. A
compreensão da expressão emocional é vivida, com frequência, com grande dificuldade, advindo daí os
“altos e baixos” emocionais da Adolescência. O jovem depara-se muitas vezes com a necessidade de
resolver conflitos, de forma autónoma, bem como de negociar compromissos. O passo desejado para a
autonomia e para a independência, acompanhado da necessidade de compreensão dos mesmos, num
momento de estruturação do auto-conceito e da auto-estima constituem áreas em que, com facilidade, o
jovem se sente “embrulhado” num novelo emaranhado.
No relacionamento familiar essa falta de clareza parece ganhar proporções ainda mais significativas.
Enquanto continua a desempenhar o papel de filho, o jovem procura conquistar a sua autonomia e
independência responsável. Aqui surge o questionamento de regras e valores impostos unilateralmente,
surgindo o desejo marcado de participação nas decisões familiares. Daqui se conclui a extrema relevância
de, desde cedo, a criança participar, na medida do razoável, nas decisões familiares – sejam elas no que
concerne ao jantar, ao local visitado no fim-de-semana ou à escolha da roupa que veste. Este caminhar
no sentido da autonomia e da auto-responsabilização é facilitado se iniciado “precocemente”.
É no núcleo familiar que os jovens relatam as suas maiores dificuldades. Se por um lado há o desejo de
um afastamento para exploração de novas relações e comportamentos, por outro lado existe a
necessidade de saber que o “porto seguro” existe e é desejado pelo jovem, pelos laços de suporte e
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afecto que representam. Contudo, as possíveis dificuldades em experienciar autonomia e independência,
aliadas a estilos parentais excessivamente permissivos ou autoritários (poderá consultar o texto “Que
sementes semear”, sobre estilos parentais) podem conduzir a conflitos familiares geradores de angústia,
quer para o jovem, quer para os pais.
Poções mágicas para ultrapassar os naturais “soluços” da Adolescência não existem. Mas,
garantidamente, a compreensão daquilo que é fruto de um desenvolvimento gradual e expectável,
ajudam no encontro de um equilíbrio, dentro de um “desequilíbrio” natural e desejável!
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Quando o corpo é uma preocupação
para as adolescentes
Raquel Carvalho
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Enquanto a maioria das pessoas esperou entusiasmadamente pelo verão durante meses, algumas
sentem-se ansiosas e angustiadas só de pensarem nos corpos mais expostos, idas à praia, gelados e
petiscos típicos desta altura do ano.
Com a puberdade, muitos jovens sentem-se confusos com as suas alterações corporais. No caso das
raparigas, há uma tendência natural para aumento de peso, acompanhada por perda de auto-confiança.
Não apenas a opinião sobre o seu corpo piora, como a auto-estima, no seu todo, diminui.
Quando o clima se torna mais quente e os corpos vestem roupas mais reveladoras, aumenta a pressão
que muitas já sentem para alcançar a imagem corporal “ideal”.
É normal repararem mais nas suas formas, fazerem comparações com as amigas e fazerem comentários
(nem sempre muito simpáticos). Mas se o foco das suas preocupações do dia a dia estiver em demasia
em aspetos corporais, pode levar a ansiedade excessiva e a tentativas desajustadas para mudarem o seu
aspeto.
Existem indicadores que poderão ajudar a perceber se a preocupação é normal ou prejudicial:
- não gostar de se olhar ao espelho;
- sentir-se inadequada ou crítica em relação ao seu corpo (“as minhas coxas são demasiado
gordas”);
- comparar constantemente o seu corpo com o dos outros;
- não querer sair de casa ou evitar fazer determinadas atividades devido ao seu aspeto ou ao que
sente pelo seu corpo (“Não vou à praia, o meu corpo é horrível”);
- estar obcecada em perder peso ou em alguma parte do corpo em específico;
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- associar a comida a sentimentos de culpa ou vergonha;
- associar o seu valor enquanto pessoa a uma imagem corporal negativa.
Se identifica estes sinais de alerta em alguém próximo de si, tente conversar com a jovem sobre as suas
preocupações. Não as desvalorize nem critique!
Auxilie-a a ter uma visão mais realista sobre o seu corpo e a aceitar as alterações da puberdade.
Partilhe experiências e o que sentia quando tinha a mesma idade.
Ajude-a a não sobrevalorizar os aspetos que a incomodam e a identificar a sua beleza, física e
mental.
Alerte para o perigo de comparações do seu corpo com o das celebridades.
Incentive o envolvimento em atividades que não tenham a ver com o tamanho do corpo ou
aparência.
Fomente o desenvolvimento de amizades com pessoas que a valorizam a sua personalidade.
Ensine a preparar e comer refeições equilibradas e praticar atividade física.
Incentive a procurar informação fidedigna e profissionais que a possam auxiliar a ter um estilo de
vida mais saudável com o estabelecimento de metas realistas.
Dê o exemplo, evitando comentários negativos sobre si própria e tendo comportamentos
promotores de aceitação e de uma auto-imagem positiva.
Uma baixa ato-estima e pobre imagem corporal são fatores de risco para o desenvolvimento de
tentativas arriscadas de perda de peso e problemas psicológicos. Inclusivamente, as adolescentes e
jovens até aos 20 anos são especialmente vulneráveis a desenvolver distúrbios alimentares. Tendo em
conta que o verão poderá despoletar algumas emoções negativas e comportamentos desajustados em
relação ao corpo e à alimentação, a atenção para esta problemática deverá ser redobrada nesta estação
do ano.
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Sexualidade na adolescência
Cecília Santos
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Quando se é adolescente, é habitual ser-se invadido por uma vontade enorme de querer viver tudo ao
mesmo tempo, é como se apenas existisse um comboio no mundo, e temos que entrar nesse comboio
para não perdermos a viagem da juventude. Na adolescência, tal como em qualquer outra fase do
desenvolvimento, os pais devem procurar ser os grandes pilares dos filhos para que eles possam sentir-se
confortáveis e aceites para partilhar as suas vontades, as suas preocupações, os seus desejos e as suas
expectativas. No entanto, e imaginado agora que vida do adolescente é um comboio, uma das carruagens
diz respeito à sexualidade, e este assunto constitui muitas vezes um desafio quer para os adolescentes,
quer para os pais.
Por um lado, os adolescentes querem viver a sua sexualidade, uns julgando que “eu sei tudo, não preciso
partilhar com ninguém”. Outros conscientes das suas dúvidas, não recorrem aos pais quando se trata
deste assunto por considerarem que “nunca iriam compreender” ou “iriam julgar e não iriam aceitar”,
recorrendo habitualmente aos amigos para falar acerca da sexualidade, acabando por não ver esclarecido
aquilo que é por vezes verdadeiramente importante, pois regra geral, os amigos apresentam as mesmas
dúvidas. Por outro lado, os pais que se sentem pouco à vontade neste tema, não o encarando muitas das
vezes como sendo uma etapa integrante do desenvolvimento do adolescente: uns pais porque têm
simplesmente vergonha e “não é um assunto de família”, outros porque tem receio que ao falar-se de
sexualidade isso possa despertar ainda mais curiosidade nos filhos, ou ainda porque consideram que
podem não ser capazes de esclarecer abertamente as dúvidas dos filhos.
No entanto, esta ausência de comunicação não permite que pais e filhos conversem acerca das suas
preocupações e expectativas, que são regra geral bem diferentes, e esta sensação de falta de apoio ou
incompreensão por parte do adolescente origina muitas vezes um afastamento no núcleo familiar,
refugiando-se no seu grupo de pares onde se sente que pode existir mais espaço para a comunicação.
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É curioso que a investigação tem demonstrado que a educação e o aconselhamento sexual conduzem a
um início mais tardio da vida sexual, a um menor número de parceiros e a um maior uso de
contraceptivos, que são geralmente as grandes preocupações dos pais.
Sabemos então que falar sobre a sexualidade com os mais jovens é uma maneira de prevenir e
proporcionar uma sexualidade mais saudável e consciente, até porque se os pais não souberem
esclarecer algumas informações ou não se sentirem suficientemente à vontade para abordarem algumas
questões, poderão recorrer a profissionais de saúde que poderão facilitar este processo, mas para que tal
aconteça, é necessário primeiramente os pais estarem conscientes das necessidades dos seus filhos
adolescentes.
Com diálogo, abertura e disponibilidade, os pais mais facilmente conseguirão mostrar aos seus filhos
adolescentes que existe espaço e tempo para se descobrir e viver a sexualidade de forma consciente e
equilibrada. Para além da sexualidade, há muitas outras carruagens a explorar. Mais facilmente poderão
mostrar-lhes que na vida não existe só um comboio à nossa espera, mas sim muitos comboios, muitas
viagens e muitos caminhos que poderemos percorrer, e que é possível viver momento a momento,
usufruindo de uma cada experiência de forma única e especial.
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Como ter vida própria apesar dos filhos
Gustavo Pedrosa
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Como alimentar a relação do casal após o nascimento de um filho? Comecemos um pouco antes do
nascimento.
Não, não é mais um texto com as dicas infalíveis para os casais não terem problemas após o nascimento
do filho... Todos os casais sofrem uma reorganização brutal e cada casal, cada família, é um caso, um
sistema único. Assim, cada casal terá os seus pontos fortes e as suas fraquezas. O importante é aproveitar
os primeiros, para que os segundos percam a importância nesta nova fase cheia de problemas e novos
desafios.
Assim, tudo começa na gravidez, na criação de expectativas de uma família como o resultado da
consolidação do casal, um “estado de graça” que nem sempre é visto dessa maneira. O mal-estar, o
desconforto, as alterações, as incertezas, as exigências começam a surgir e o casal começa a ser posto à
prova. A pressão social para a maternidade feliz e sem dificuldades esbate com os medos, a incerteza e a
estranheza porque não estamos a sorrir todo o dia.
O tempo individual começa a diminuir e as rotinas começam a alterar-se. O emprego pode ter que ser
posto de lado e os “sustos” normais da gravidez criam ansiedade e receios. Passamos a ser “mãe” e “pai”
e vamos perdendo a atenção do cônjuge, de amigos e familiares, entretanto dirigida para a criança.
Cria-se um novo paradigma no casal, com uma dinâmica completamente diferente, sem que muitas vezes
os pais e as mães estejam conscientes dessas mesmas mudanças. Estas mudanças podem durar muitos
meses, até que a criança (e os pais) criem a necessária autonomia e rotinas.
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É importante dividir os cuidados a prestar à criança, definir claramente as tarefas de cada um, para que o
casal se possa organizar e saber exatamente qual o seu papel nesta nova família.
Há que promover a readaptação do casal. Não é pior, nem melhor; é diferente!
Após o nascimento da criança, o “tempo de casal” (por exemplo jantares a dois, saídas à noite, idas ao
cinema) e “tempo individual” (cuidados com a sua imagem, idas ao ginásio, saídas com amigas ou
simplesmente almoçar fora) estão altamente comprometidos pelas rotinas e necessidades do bebé. Há
que os adaptar aos novos horários e necessidades.
O “tempo de criança” assume a primazia e o casal pode ir perdendo o contacto com as referências
positivas e desenvolver uma comunicação mais fria e pragmática. O cansaço pode fazer com que a
comunicação se torne mesmo agressiva e ríspida, sobressaindo tudo o que há de negativo na relação. A
privação do sono e o cansaço tornam tudo isso normal. No entanto, há que reaprender a comunicar e a
consolidar o casal. O casal deve desenvolver a empatia (capacidade de nos colocarmos no lugar do outro)
e a capacidade de escutar, partilhar as dificuldades e “truques”, tomar atenção à comunicação não verbal
e lembrar-se que um sorriso, um beijo, um carinho deverão ter, no mínimo, tanta importância e espaço,
quanto a acusação.
Já com a criança mais comunicativa e autónoma, o casal deve definir (ou procurar ajuda) qual a melhor
forma de se relacionar perante os novos desafios da criança e quais os limites da educação.
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Há que aproveitar todos os recursos das suas redes (por exemplo familiares, amigos, padrinhos,
infantários) para que o casal possa retomar, aos poucos, algum dos seu “tempo de casal” e voltar a ter
alguns dos seus momentos de interesse, intimidade e paixão. Esse tempo e/ou atividades em casal
devem ser planeados e definidos para que possam ser aproveitados e não sejam sentidos como “tempo
desperdiçado”.
Todo o processo de “parentalização” é uma evolução em constante movimento, tanto individualmente
como, especialmente, para o casal.
Por fim, o casal não se deve comparar a outros casais, com outros problemas, outros paradigmas, outro
apoio e, acima de tudo, outra criança.
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As crianças, o trabalho e um casal à
beira de um ataque de nervos
Inês Carvalho
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Sempre foram um casal feliz. Ainda hoje o são, se pensarem em pequenos momentos.
Mas, nos últimos tempos, por entre as exigências do trabalho, com os miúdos a crescer, e por meio das
preocupações que vão surgindo..., é difícil perceber isso.
Quando param e reparam nisso, notam que estão mais distantes. Mais focados em cumprir agendas e
completar tarefas. E as agendas cada vez mais cheias e as tarefas que não param de se atropelar umas às
outras.
E os miúdos, que a cada dia exigem cuidado e preocupação. Atenção e esforço.
Crescer num ambiente saudável e tranquilo é um pilar importantíssimo no desenvolvimento infantil.
Um ambiente familiar seguro e estimulante contribui em larga escala para que possam sentir-se
disponíveis para aprender coisas novas e descobrir o mundo.
E os pais? Quando decidiram formar uma família, talvez tenham sonhado que fosse perfeita. Talvez
perfeita nunca o seja, mas pode ser ‘a vossa família perfeita’ que se vai ajustando dia a dia.
E é neste ponto que a felicidade dos pais é essencial. Enquanto seres individuais e enquanto casal.
Porque os pais também precisam de se sentir seguros e confiantes junto da sua família para poderem
viver e superar todos os desafios que encontram pelo caminho (incluindo os que os miúdos apresentam).
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Então, e para fomentar uma relação saudável, deixamos algumas sugestões:
- Comprometam-se. É fundamental que estejam os dois comprometidos em ser mais felizes
enquanto casal. Nem sempre será fácil e é preciso que saibam compreender-se.
- Um espaço a dois. Criem pequenos rituais onde possam sentir-se mais próximos. Jantar fora,
fazer um programa a dois ou sair para tomar um simples café numa tarde de domingo em que os
miúdos foram para casa dos amigos podem ser boas opções. Recorram à rede de contactos e
percebam quem poderá ajudar com os miúdos; eles próprios ficaram felizes por interagir com
outros familiares/amigos.
- Mudem o foco. Reparem com mais atenção e percebam as qualidades de cada um. Enquanto
pais, enquanto casal e enquanto pessoas. É preciso ‘abrir uma janela’ para poder reparar,
também, no que há de positivo.
- Sejam um suporte. Oiçam-se e percebam as necessidades de cada um. É importante saber
quando ceder e saber, também, quando e como falar dessas cedências.
- Tempo em família. Fomentar a relação enquanto casal também pode passar por fomentar a
relação enquanto família. Programas onde possam disfrutar da companhia uns dos outros e
perceber como são uma família especial são bem-vindos.
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Como pode um casal manter a sua
intimidade quando há filhos?
Marta Cuntim
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Com a chegada dos filhos, o tempo livre diminui radicalmente, ao mesmo tempo que as
responsabilidades aumentam sensivelmente. Após um dia de trabalho somado às exigências dos filhos, é
comum que tanto a mulher quanto o homem cheguem ao final do dia, quando estarão finamente juntos,
exaustos. Assim, fica difícil exigir de um ou do outro uma grande vontade e entusiasmo para as relações
sexuais.
Contudo, com um pouco de organização e boa vontade para manter a relação saudável e sexualmente
ativa, dá para contornar os problemas. Para isso, deixo algumas dicas simples, mas que poderão fazer
toda a diferença.
1. Aproveitem todos os momentos possíveis e sejam criativos
Numa vida atribulada de casamento, filhos, responsabilidades e tantos problemas, usufruir dos
momentos possíveis para o sexo é fundamental. Não dá para esperar sempre a hora perfeita, com tempo
e tranquilidade, porque essa oportunidade pode demorar dias a chegar. Assim, aproveitem os momentos
em que estão juntos, no banho ou ao acordar. Procurem desfrutar bem dessas oportunidades para
manter o interesse sexual entre vocês sempre ativo.
2. Nada de desleixo
A intimidade traz consigo um relaxamento quanto à aparência física, o que é habitual. Também não é
possível exigir que estejam sempre bonitos e perfumados, mas essa negligência pode influenciar
negativamente na atração do casal, que se ama e quer viver junto, mas que não perdeu o sentido
estético. Tentem evitar que este descuido seja permanente e que ultrapasse certos níveis fundamentais.
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3. Ir para a cama juntos
Às vezes o dia é tão cheio que o único momento em que o casal pode ficar a sós é na hora de dormir.
Uma iniciativa que pode ter um resultado duradouro e eficaz é incluir na rotina que vocês se deitem
sempre juntos. Assim demonstram um para o outro como valorizam esses momentos, reforçam os laços
amorosos e podem aproveitar para finalmente trocarem carinhos. Não se deitem em horários diferentes,
isso pode virar um costume e causar um afastamento cada vez maior.
4. Conversem sobre sexo
Em qualquer tipo de relacionamento amoroso, falar sobre sexo é essencial e no casamento com filhos
não deve ser diferente. Deixar as questões às claras, as expectativas, os desejos e as dúvidas. A falta de
comunicação entre ambos dá origem a especulações, decepções, ciúmes e conclusões precipitadas. Se há
alguma coisa que incomoda relativamente ao sexo, respirem fundo e conversem sobre ela. Assim, a
resolução de um problema será muito mais fácil, e essa atitude simples poderá encerrar um problema
que talvez nem era tão grave quando parecia.
5. Bilhetinhos apaixonados
Uma solução simples, e que pode até parecer lamechas, mas que funciona e muito bem: coloquem
recados apaixonados pela casa, dentro do carro ou no espelho da casa de banho. É uma surpresa
agradável e que faz com que a pessoa se sinta lembrada. Para ser ainda mais excitante, escrevam bilhetes
sensuais e escondam no bolso das calças ou na carteira.
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6. Saiam juntos
Não é porque agora são uma família que precisam deixar de fazer o que sempre gostaram. Se antes dos
filhos tinham o hábito de saírem juntos para jantar, dançar ou passear, mesmo que as hipóteses sejam
raras, não deixem de aproveitar. Assim vão-se lembrar do quão o outro é divertido e atraente. Nada de
confinar a vida social à casa. Vale a pena pedirem ajuda a um parente ou amigo para ficar com as
crianças, para que vocês possam aproveitar para passear a dois ou irem passar um fim-de-semana fora.
Importa salientar que todos os casais passam por mudanças na vida com a chegada dos filhos. Todavia, a
qualidade da sua vida sexual não precisa mudar. Estas são apenas seis dicas sobre como poderão manter
a vossa vida sexual ativa, mesmo com filhos. Há muitas maneiras mais para manter a chama do desejo,
intimidade e paixão, dentro e fora do quarto, assim como para que terem uma vida sexual mais agitada.
Dêem asas à imaginação e lembre-se: os casais que não têm uma boa vida sexual raramente têm um bom
casamento.
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Como anda o sono aí em casa?
Cecília Santos
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Há quem diga que depois de se ser pai, o sono não volta a ser o mesmo... Será? Sem dúvida, há períodos,
mais ou menos transitórios, em que tanto a quantidade como a qualidade do sono parecem ser
afectadas- seja porque a criança precisa de comer ainda durante a noite, seja porque acorda com
pesadelos, seja porque acorda muito cedo... Acrescentando a estas especificidades que as crianças nos
trazem, o ritmo acelerado com que se vive actualmente e a necessidade de se cumprir as exigências e
desafios do dia-a-dia, o “dormir” acaba na maioria das vezes por passar para segundo plano, refletindo-se
este “corre corre” na qualidade do sono, tanto ao nível do número de horas que se dorme (quantidade),
como no sono propriamente dito (qualidade), que é muitas vezes intermitente. Como sabemos, o sono
tem uma função biológica muito importante uma vez que é responsável pela recuperação das funções
mentais e orgânicas das pessoas, e quando a sua qualidade e quantidade ficam seriamente
comprometidas, surgem inúmeras consequências, que na prática, num primeiro momento, poucas
pessoas associam à privação de sono, recorrendo a várias especialidades médicas na busca da
compreensão de alguns sintomas.
O nosso organismo tem necessidade de “parar e de se readaptar”, e é precisamente durante o sono, que
o nosso cérebro analisa todas as suas funções e estruturas anatómicas, por forma a reparar aquilo que é
necessário para um bom funcionamento físico e psicológico.
É comum, não só em contexto clínico, como até num contexto mais social, entre amigos, ouvir-se frases
como “tenho dificuldade em me concentrar nas tarefas”, “parece que me passou um camião em cima” ou
até “ultimamente parece que tudo me irrita”.
O sono influencia as condições físicas, psicológicas que se repercutem ao nível das relações interpessoais,
nomeadamente em contexto familiar, social e laboral.
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As consequências associadas à privação de sono, vão desde queixas físicas como as típicas dores de
cabeça e dores musculares, a queixas do foro psicológico que comprometem o processamento cognitivo,
nomeadamente ao nível da concentração e memorização, raciocínio e perceção visual que ficam cada vez
mais reduzidos, e também sintomas ao nível do humor, verificando-se a presença de maior irritabilidade
e (ou) sintomas de ansiedade.
Para além destes sintomas mais comuns, sabe-se atualmente que a privação crónica de sono também
pode originar outro tipo de consequências a longo prazo, nomeadamente ao nível do sistema
imunológico que tende a ficar mais enfraquecido; risco aumentado de diabetes do tipo2 – estudos
recentes têm demonstrado que adultos que dormem menos de 5 horas têm maior risco de desenvolver
diabetes; ao nível da hipertensão, parece existir uma relação entre o sono e a pressão arterial; doença
coronária – estudos têm revelado que reduzidas horas de sono podem relacionar-se com um risco
aumentado de vir a desenvolver-se doenças coronárias; também ao nível da obesidade se tem verificado
uma relação entre as horas de sono e a obesidade, sendo que pessoas que dormem pouco (menos de
cinco a seis horas) ou pelo contrário durmam em demasia (9 horas ou mais) consecutivamente,
favorecendo assim o aumento do peso.
Importa referir que o estudo das perturbações de sono em contexto clínico, não é de todo um processo
fácil de se avaliar por ser extremamente complexa a sua relação com as outras condições médicas, isto é,
sabe-se que existem condições médicas que podem comprometer seriamente o nosso sono, mas
também se sabe atualmente que a má higiene do sono pode provocar estados físicos e psicológicos que
também comprometem o nosso funcionamento e a nossa capacidade para assegurar as tarefas diárias, e
que estes estados não são melhores explicados por outras doenças médicas (como por exemplo doenças
reumatológicas, doenças oncológicas entre outras).
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É necessário educar-se a sociedade para a importância de uma boa higiene do sono, para a importância
(de quando necessário) fazer-se um bom diagnóstico das perturbações de sono, para que se consiga
atempadamente accionar os meios necessários para uma intervenção eficaz, e claro, para que no futuro
se consiga melhorar o padrão de sono das pessoas, procurando-se assim reduzir as consequências
decorrentes a curto e longo prazo da privação de sono.
Por forma a melhorar a qualidade do seu sono e de modo vivenciar um dia a dia mais pleno e saudável
sugerimos algumas práticas:
Por mais difícil que lhe possa parecer, procure manter um horário de sono o mais regular
possível – por vezes, habituamo-nos a uma determinada rotina, que sem nos apercebermos
prejudica seriamente a qualidade do nosso sono e nem nos damos conta que podemos fazer de
outra maneira, basta por vezes reorganizar
Procure não levar “o trabalho” ou outros assuntos que o preocupem para a cama – é comum
levar-se rascunhos e material do trabalho para perto da almofada, pois bem, almofada e trabalho
devem manter-se afastados;
Evite dormitar no sofá antes de ir para a cama – é preferível ir directamente para a cama quando
sentir que está a ficar demasiado sonolento enquanto vê televisão;
Se habitualmente sente dificuldade em adormecer, evite estimulantes como a cafeína, nicotina e
álcool horas antes de dormir – procure não fumar e deitar-se de imediato e procure não
consumir álcool até 2 horas antes de ir dormir;
Faça refeições mais leves nas refeições nocturnas como o jantar ou a ceia – procure não comer
alimentos que possam ser indigestos (temperos demasiado fortes, alimentos mais ricos em
gordura, chocolates entre outros);
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Procure evitar estímulos como a televisão ou rádio no quarto no momento em que decide querer
dormir;
Procure ao longo do dia praticar algum exercício físico – poderá ser uma caminhada depois da
sua hora de almoço, ou uma corrida/caminhada no final do dia;
Estabeleça um ritual que possa ser relaxante para si antes de ir dormir por forma a educar o seu
corpo que é necessário desacelerar – poderá ser um banho antes de deitar-se uma vez que
relaxa toda a zona muscular, poderá ser brincar com o seu filho e observar a sua gargalhada, ou a
prática de uma breve meditação;
Procure estar sem ruídos e com o quarto escuro, para que consiga “desligar” e afastar-se de
estímulos distratores para o nosso cérebro.
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Quando a adopção vai ao consultório
Rita Fonseca de Castro
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Em termos teóricos as famílias adotivas constituem uma das tipologias familiares diversa da família
nuclear tradicional. Mas será que o que move estas famílias a procurar a ajuda de um terapeuta familiar é
assim tão distinto do que leva qualquer outra família a fazê-lo? Serão os problemas e queixas das famílias
adotivas tão diferentes dos das famílias com filhos biológicos?
Ciente de que está perante uma família adotiva, o terapeuta deverá procurar perceber que peso tem a
adoção no pedido. Deve, desde logo, ouvir atentamente os progenitores. Será que a ausência de laços
biológicos entre pai/s e filho/s não é apenas mais uma das idiossincrasias da família em consulta? A
adoção não constitui uma patologia em si mesma, não é um sintoma, não é uma síndrome, não existe
qualquer motivo para a patologizar. Não obstante, o terapeuta não deverá esquecer que crianças e
jovens adotados podem desenvolver sintomatologia em consequência de situações de privação,
abandono ou outras de natureza traumática. Por outro lado, também muitas vezes os pais tiverem que
passar por um processo de luto decorrente, por exemplo, de uma situação de infertilidade e consequente
abandono do desejo de constituir uma família biológica. Assim, o terapeuta deve estar especialmente
atento a estas vulnerabilidades, até porque as questões emocionalmente mais sensíveis dos filhos podem
exacerbar as dos pais e vice-versa.
Embora não seja uma prática comum no nosso país, porque é que os casais não hão-de procurar um
terapeuta antes da adoção e conversar sobre todos os seus medos e inseguranças, sentindo que estes
são legítimos, comuns, partilhados por famílias na mesma situação e, sobretudo, ultrapassáveis. Neste
caso, a terapia pode ser um recurso preventivo de eventuais ruturas futuras na adoção. Seguem-se
alguns exemplos de medos habituais dos pais em fase de pré-adoção:
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117
Receio de não serem aceites nem conseguirem estabelecer uma relação afetiva com o “novo
filho”;
Medo de que a criança manifeste comportamentos (eg., perturbações de sono, choro) que
possam ser indício de uma rejeição ou dificuldade de adaptação ao novo espaço familiar ou, mais
ainda, como uma ameaça às competências parentais, ou uma consequência direta da herança
genética que a criança transporta consigo;
Dificuldade em estabelecer uma autoridade e disciplina claras por medo de minar o afeto que a
criança vai sentir ou de lhe causar ainda mais prejuízo do que o que já viveu no passado;
Receio de ver defraudadas as expectativas em relação às aprendizagens e desempenho escolar –
aqui assume especial importância o conhecimento de fatores de risco na família de origem,
como consumos, adições ou outros comportamentos de risco;
Quando são adotados adolescentes os receios tendem a aumentar, pela complexidade desta
fase.
Não tendo sido feito previamente este trabalho, poderá ser o terapeuta familiar, devidamente
capacitado para tal, a cumprir também a função de psicoeducar, introduzindo informação de diversa
natureza com toda a família presente em consulta, gerando um clima de partilha construtiva.
Independentemente do pedido e do paciente identificado, nas famílias adotivas, porventura mais do que
noutras famílias, o terapeuta deve trabalhar com toda o sistema significativo, o que não invalida que
possa também fazer sessões só com alguns dos elementos da família ou sessões individuais. Como é que
um terapeuta pode ajudar uma família a trabalhar as suas relações se não se permite observa-las
diretamente e se não despende tempo a ouvir atentamente as diferentes perspetivas sobre uma mesma
temática?
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Algumas investigações conduzidas nesta área demonstram que, de um ponto de vista clínico, a maior
parte das famílias adotivas não apresenta qualquer problema. Por outro lado, existem estudos que
evidenciam que pessoas adotadas, sobretudo na idade escolar e na adolescência, tendem a apresentar
mais problemas ou dificuldades e recorrem mais a especialistas de saúde mental. Contudo, esta perceção
de que as crianças ou adolescentes que foram adotados apresentam mais problemas de saúde mental do
que os que não o foram, pode decorrer precisamente de uma hipervalorização da adoção, i.e., existe o
estabelecimento de uma relação causa-efeito entre adoção e queixa – o Manuel tem conflitos com os
colegas de turma porque foi adotado ou a Joana tem comportamentos delinquentes porque foi adotada.
Mas não conhecemos todos crianças e jovens com dificuldades semelhantes que nasceram, cresceram e
viveram sempre com a sua família de origem? Provavelmente, os pais adotivos estão mais vigilantes e
interpretam problemas de comportamento relativamente corriqueiros como sendo patológicos.
A maior parte das famílias que procuram acompanhamento profissional fazem-no de facto por problemas
apresentados pelos filhos adotados e não há dúvida de que alguns destes comportamentos disruptivos
podem ter a sua génese nas vivências prévias à adoção. Contudo, e adotando uma leitura sistémica, estes
“sintomas” também podem emergir no subsistema filial com a função de alertar para problemas que
abrangem toda a família adotiva ou que se situam apenas no casal, por exemplo.
As queixas mais frequentes remetem para dificuldades de relação entre a criança e os progenitores ou
um destes (que não diferem em muito das de qualquer outra família – os pais queixam-se de
comportamentos dos filhos e os filhos de comportamentos dos pais); problemas de comportamento
(alguns, como problemas de atenção ou défices a nível do auto-controlo. parecem ser, de facto,
estatisticamente mais comuns em crianças adotadas); dificuldades na vinculação afetiva; problemas
emocionais de diversa ordem; dificuldades relacionadas com perdas e com a comunicação sobre as
origens; dificuldades relacionadas com a construção da identidade e de um sentimento de pertença à
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nova família. Com a chegada da adolescência muitos problemas de relação e conflitos podem exacerbarse.
Não consigo evitar recordar-me do caso específico de uma família que recebi em consulta de terapia
familiar. Pai, mãe e duas filhas adotivas - irmãs - com seis e quatro anos. Um historial de negligência,
maus tratos e subsequente institucionalização. O processo terapêutico teve apenas duas sessões. No
decurso das sessões as crianças brincavam e comunicavam despreocupadamente com os pais. No
discurso destes abundavam medos e inseguranças em relação ao futuro, muitos deles alicerçados em
mitos e ideias pré-concebidas. Foram escutados ativamente, ouviram-se um ao outro. O processo de
adoção corria bem. Ambas as crianças estavam satisfeitas com a nova casa e os quartos novos,
preparados pelos pais – mas completados ao gosto das filhas e em conjunto –, tinham-se relacionado
bem com a família alargada, estavam felizes com a existência de primos das mesmas idades... No final da
segunda sessão a porta foi deixada aberta para que regressassem a qualquer momento. Na sessão de
follow-up, passados seis meses, tudo corria bem. Passaram seis anos, não voltaram.
A adoção pode ter em si o efeito terapêutico reparador que tem qualquer relação humana profunda e
estável, permitindo que as crianças estabeleçam novos vínculos, agora com padrões de vinculação
saudáveis. A criança que é adotada carrega consigo um saco de perguntas – umas sobre o passado,
outras sobre o presente, e muitas interrogações sobe o futuro. O novo contexto relacional deverá ter
uma função contentora e de resposta, para que não tenha que enfrentar sozinha todos estes pontos de
interrogação. O contexto terapêutico pode ser, sem dúvida, uma ajuda importante.
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Quando nasce o filho, nascem novas
formas de relação
Rita Fonseca de Castro
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Para que o ajustamento e a adaptação à chegada de um novo elemento à família sejam vividos da forma
mais positiva possível, deixamos algumas sugestões:
Faça uma lista das coisas de que o seu filho precisa e tenha-as sempre em casa em número
suficiente. De entre todas as necessidades de um recém-nascido que não consegue controlar,
esta está sob o seu controlo.
Tente descansar o máximo possível. Dormir oito horas sem interrupções será impossível nos
primeiros meses de vida do bebé, mas tente dormir quando conseguir. Aproveite as sestas do
seu filho para fazer também uma sesta. Se está a amamentar, considere retirar leite para poder
passar uma noite inteira a dormir e delegar a tarefa no pai.
Procure descodificar os diferentes choros do seu bebé para responder mais eficazmente quando
ele chora. Ao responder de forma mais rápida e certeira às necessidades dele, ambos sentir-seão muito mais felizes. Pode criar um registo dos momentos em que o bebé chora e por que
motivo chorou (fome, sono, fralda suja…) para encontrar um padrão de choro.
Partilhe o máximo possível de tarefas. Tal como todos os outros temas, também este deve ser
conversado e alvo de negociação o mais cedo possível antes da chegada do bebé. A partilha de
tarefas favorece a satisfação com o companheiro e com a própria relação de casal.
Fomente o suporte extra família nuclear (família alargada e amigos). De entre as pessoas
próximas e em quem confia, encontre quem possa desempenhar a função de babysitter. Muitos
casais experimentam sentimentos de culpa quando saem pelas primeiras vezes e deixam o bebé
em casa, como se o tivessem abandonado. Se o filho ficar aos cuidados de alguém próximo estes
sentimentos podem ser atenuados.
Crie ou mantenha hobbies e encontre o seu tempo. Sem prejuízo da importância da vivência em
casal e a três, o tempo individual, para o “agora pai” e a “agora mãe” se dedicarem a si e a
actividades prazerosas, são imprescindíveis. Com uma ressalva, mesmo que seja para ler ou ouvir
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música, faça por passar este tempo fora de casa. Se ficar, será capaz de não ir ter com o seu filho
se o ouvir chorar ou chamar por si?
Em simultâneo, não deixe de alimentar o "nós". Com os novos papéis e as novas prioridades que
surgem, a atenção de cada elemento do casal passa a centrar-se mais no bebé e, muitas vezes,
deixa de haver um momento “só” para olhar para o outro. Mantenha tempo a dois! Seja um
passeio de vinte minutos, uma saída para jantar, ir ao cinema ou, mesmo, um fim-de-semana
romântico a dois. Não deixe de namorar e de alimentar o espaço do casal, preservando a
intimidade e aquilo que é só vosso.
Distribua a atenção. Não a foque de forma excessiva e exclusiva no bebé, sob pena de o seu
marido/mulher se poder sentir posto de parte. Não se concentre apenas em ser bom pai ou boa
mãe, mas também em ser competente no papel de marido e mulher. Acredite que é possível
sentir-se igualmente competente no desempenho dos dois papéis.
Favoreça a comunicação, compreensão, demonstração de amor, sentido de compromisso e
mostre preocupação com o seu parceiro. Todas estas dimensões contribuem positivamente para
a intimidade do casal e, por inerência, para a satisfação com a vida sexual. Não se esqueça da
importância desta última.
Reinvente permanentemente a relação de casal, apelando à sua criatividade.
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Pedir ajuda também é ser bom pai/mãe
Inês Carvalho
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Começam a perceber que algo estranho anda a acontecer lá em casa.
Um dos miúdos está “diferente”, tem tido comportamentos que não conseguem reconhecer (nem
conceber!). Está mais distante, mais isolado, mais irritado...
Algo se passa mas não sabem o quê.
Depois de os miúdos se deitarem, quando a casa fica mais silenciosa, já têm conversado sobre isso. Têm
feito várias tentativas de encontrar uma explicação para estas mudanças, mas cada vez parecem
perceber menos.
Começam as pesquisas na internet e aparecem algumas ideias. Por um lado ficam mais aliviados, já têm
uma ideia do que possa ser. Mas entretanto é preciso arranjar uma solução, que o problema não se
resolve só por termos uma ideia de qual seja. As pesquisas na internet e as conversas com amigos mais
próximos parecem indicar que pode ser bom consultar um psicólogo.
Em mais uma noite, depois de os miúdos estarem a dormir, falam sobre isso.
“E se procurarmos ajuda de um psicólogo/a?”
Pensam... E ficam de pensar.
“Mas, e se procurarmos ajuda de um psicólogo/a? Somos maus pais?”
Tentamos ajudar.
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Quando percebem que algo se alterou, é natural que fiquem preocupados e sem saber o que fazer. E não
é normal ter dúvidas?
Ter dúvidas faz parte do processo de tomada de decisão. E tomamos tantas decisões ao longo da vida.
E, no acompanhamento de crianças e adolescentes o papel do psicólogo/a pode ser exactamente esse. O
de ajudar a dissipar dúvidas, encontrar motivos e soluções.
Não estamos aí em casa, não conhecemos os vossos filhos da mesma forma que os conhecem vocês. Mas
temos outra perspectiva, mais retirada e mais observadora do que vai e foi acontecendo.
É no momento em que vos mostramos essa perspectiva que, muitas vezes, se altera a vossa e podemos
construir um caminho diferente. Limar algumas arestas, tranquilizar, explorar problemas e soluções.
E não. Pedir ajuda não significa que o vosso papel de pais esteja em causa. Pode, antes, significar que são
preocupados, atentos e corajosos.
Corajosos, sim. Porque sabemos que pedir ajuda pode não ser uma tarefa fácil!
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Regresso dos filhos adultos à casa dos
pais
Ana Oliveira
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O mais comum era os filhos adultos, em determinada altura das suas vidas ajudarem os pais idosos.
Agora os filhos adultos podem ver-se forçados a regressar a casa dos pais por não conseguirem suportar
os compromissos económicos com que se vincularam (empréstimos habitação, automóvel, eletricidade,
etc). Já não é só em caso de separação/divórcio em que esse regresso acontece e nos casos que referi
anteriormente os filhos adultos vêm acompanhados do seu agregado familiar completo.
Este efeito de boomerang, de retorno às origens, exige uma reorganização da estrutura e das dinâmicas
familiares.
Os pais que até já estavam reestabelecidos da saída dos filhos de casa aquando de casamento e tiveram
de lidar com o «síndrome do ninho vazio», voltaram-se mais para si e para os cônjuges em termos de
satisfação das suas próprias necessidades e interesses, vêem-se agora a braços com o ter de voltar a ter
os filhos a cargo.
Este fenómeno de recoabitação implica alteração em todos os elementos, ao nível individual, relacional e
conjugal.
Sendo uma família constituída por um conjunto de elementos interdependentes, um sistema, a mudança
num ou mais elementos implica a alteração de todo o sistema. Quando os filhos são adultos e saem de
casa dos pais, a relação de dependência passa a ser uma relação de interdependência, o que implica
ajustes na dinâmica do sistema familiar. No caso do retorno dos filhos adultos a casa dos pais, muitas
vezes acompanhados pelos seus próprios núcleos familiares, acresce ainda de maior ajuste dada a
frustração, o desânimo e o fracasso inerente a esta transição.
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Para que se preserve uma harmonia, sem abdicar do direito de autonomia, pais e filhos precisam
estabelecer regras de vida em comum, tanto no que se refere ao uso do espaço físico da casa, em função
da presença e da ausência dos membros da família nos diferentes horários do dia, às contribuições
financeiras passíveis neste momento, organização de tarefas domésticas, tudo isto através de
negociações claras e consistentes.
Assim, talvez possamos concertar algumas dicas que facilitem esta reorganização familiar:
É preciso olhar para esta situação da forma mais transitória possível. Está de passagem pela casa dos pais
(seja la o que isto queira dizer em termos de duração). Não vale a pena implicar com os hábitos dos pais e
tentar criar novas regras. Cada um tem direito de viver a vida como entender.
É importante definir a priori pontos de divergência e stress para que se antecipem conflitos e definam
estratégias para a sua resolução.
É altura, mais do que nunca de ter motivação e acreditar que a crise é um ponto de viragem e lute para
transformar a situação em oportunidade. Saia da sensação de que a qualquer momento vai acordar deste
pesadelo e mobilize-se para a ação (idas ao Centro de Emprego, contatos pessoais, novas formações
profissionais, etc).
De acordo com o que for possível, definam contribuições para a economia comum do novo agregado
familiar.
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Nesta questão da recoabitação é importante uma boa gestão do espaço físico e das tarefas domésticas. É
casa dos seus pais, onde também, cresceu, mas a organização é fundamental para que o respeito e a boa
convivência imperem. O adulto ao sair de casa dos pais criou novos hábitos e os próprios pais
(re)encontraram novas dinâmicas. As tarefas domésticas devem ser mantidas por cada um dos núcleos
de adultos. O facto de os filhos voltarem a casa dos pais não significa que devam voltar a ser tratados
como adolescentes e a sentir que «podem meter na vida deles», nem os próprios filhos devem colocar-se
nesta posição.
Ambos os núcleos de adultos pais e filhos devem manter uma comunicação assertiva e eficaz,
assegurando que nesta fase devem ser comunicados os horários de vida e isto não deve ser visto como
um retrocesso à idade da dependência dos pais, mas antes por respeito e para evitar/perpetuar conflitos.
Em suma, é importante que os limites entre cada uma das partes esteja bem definido e que permita
preservar a integridade de cada um.
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