Cancro - Biblioteca
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Cancro - Biblioteca
Revista bimestral de ciência e investigação em saúde Nº3 - Ano 2006 - 4€ | Janeiro/Fevereiro Cancro: Clone anormal de nós mesmos Nutrição na síndrome de hiperactividade / défice de atenção Úlceras venosas e terapia compressiva Licenciaturas em: Enfermagem Fisioterapia Terapêutica da Fala Farmácia Higiene Oral Prótese Dentária Radiologia Análises Clínicas e Saúde Pública Campus Académico do ISAVE Quinta de Matos - Geraz do Minho 4830-316 Póvoa de Lanhoso Tel. 253 639 800 Fax 253 639 801 Email: [email protected] www.isave.edu.pt Quando soube do interesse do ISAVE, Instituto Superior de Saúde do Alto Ave, para a publicação da Ser Saúde, procurei descortinar os motivos que me levaram a ficar orgulhoso de trabalhar nesta instituição. Há, em Portugal, uma ausência de paixão na publicação de conteúdos científicos. Entre o cândido autismo e a cópia de modelos internacionais, a relação entre a criatividade, os conceitos científicos e a aprendizagem anda, salvo várias excepções, inexplicavelmente afastada da nossa realidade científica e académica. Numa instituição tão nova, gostamos de sentir um dos lemas principais: é possível aprender a criar, é possível fazer coisas, basta querer! Neste sentido, apostar num projecto inovador e de qualidade é uma experiência inesperada de criatividade no panorama cinzento do empreendedorismo nacional. Esperamos todos que a Ser Saúde ganhe a regularidade que merece e seja desfrutada por uma comunidade científica e académica que se reveja neste espaço através da competência, inspiração e do meticuloso murmúrio de ritmos cardíacos que a fascinante realidade de estar na saúde transforma em rápidos momentos de aprendizagens contínuas. Mário Rui Araújo Presidente do Conselho Pedagógico do ISAVE 8 34 Walter Osswald Ética de terapêuticas e cultura da sociedade moderna contemporânea Uma figura amistosa, um profissional empenhado, um ajudante nas emergências são interpretações, frequentemente, menos encontradas. Apesar de tudo, o médico é uma figura prestigiada e no qual certos valores ideais são projectados: solidariedade, humanidade, hábeis a ouvir, disponibilizadores de tempo, são os atributos melhores classificados para definir o médico. Denise Araújo, Flora Correia Nutrição na Síndrome de hiperactividade/défice de atenção Considerada o distúrbio comportamental mais frequentemente diagnosticado a crianças, a hiperactividade/défice de atenção é marcada por um entrelaçar de sintomas variados que dão corpo a uma síndrome complexa, e representa para a criança um fardo que, se não for devidamente amparado e cuidado, deixará marcas para toda a vida. 14 44 Ilda Abreu, Helena Ribeiro, Manuela Oliveira Alergénios na atmosfera Nos últimos anos, na maioria dos países industrializados, as doenças respiratórias provocadas por partículas biológicas têm vindo a aumentar significativamente em número e severidade. A inalação de grãos de pólen e esporos fúngicos pode provocar sérios riscos para a saúde humana. A monitorização destas partículas na atmosfera pode melhorar as condições de vida das pessoas mais sensíveis às alergias. 18 Entrevista a Manuel Sobrinho Simões Um cancro é um clone anormal de nós mesmos Um cancro é um tecido novo que cresce dentro de nós, daí a palavra neoplasia, novo tecido. Esse tecido que cresce dentro de nós tem características muito próximas das nossas próprias características. É, de facto, como se fosse um clone anormal de nós mesmos. Sérgio Aires Gonçalves Proporção de utilização das diferentes classes de Anti-Hipertensores na comunidade em Vila do Conde, no ano de 2001: um estudo piloto A hipertensão arterial é um factor de risco cardiovascular prevalente e modificável. Existe um número crescente de fármacos no mercado para o tratamento da hipertensão. Entre os mais frequentemente prescritos encontram-se fármacos como os Diuréticos e Bloqueadores Beta já com várias décadas de utilização clínica e fármacos mais recentes como os Antagonistas dos Canais do Cálcio, Inibidores da Enzima de Conversão da Angiotensina e os recém-chegados Antagonistas dos Receptores da Angiotensina II. Poster Conceição Antunes, Maria do Céu Taveira Formação em educação para a saúde – estudo com profissionais de enfermagem 52 86 Conceição Antunes, Maria do Céu Taveira Formação em Educação para a Saúde: Um estudo com profissionais de enfermagem A evolução que o conceito de saúde sofreu ao longo das últimas duas décadas contribuiu para o desenvolvimento de métodos de manutenção e promoção da saúde e do bem-estar das pessoas. Estes têm sido o objecto de investigação da Educação para a Saúde, domínio em que se insere o presente estudo. 72 Humberto Figueiredo, Ilda Murta Demência frontotemporal A demência frontotemporal inclui um grupo heterogéneo de doenças esporádicas e familiares, que resultam em alterações da personalidade e do comportamento, com graus variáveis de compromisso da memória e da linguagem 80 Vítor Coutinho Álcool e alergia – Uma questão de sensibilidade e (mau) gosto Actualmente, o alcoolismo é um importante problema de saúde pública relacionado, globalmente, com cerca de 4% de doença. Portugal terá cerca de 10% da população adulta dependente do álcool, sendo que na comunidade universitária este valor é o dobro; enquanto que, em média, cada cidadão português consome 9,6 litros de bebidas alcoólicas, a média mundial é cerca de 3,9 litros. Gustavo Afonso, Lara Costa, Marta Miranda Úlceras Venosas e Terapia Compressiva A aplicação de compressão externa provoca efeitos fisiológicos e bioquímicos complexos que afectam o sistema venoso, arterial e linfático. A finalidade da terapia compressiva é a diminuição do edema e dos efeitos da hipertensão venosa. 96 Ana Magalhães, Andreia Rodrigues, Bárbara Ferreira, Carla Lopes, Filipa Queiroz, Cláudia Gomes, Glória Guimarães Ribeiro A pessoa com Insuficiência Renal Crónica: percepções do enfermeiro e da pessoa com Insuficiência Renal Crónica sobre o comportamento de adesão ao regime nutricional A Insuficiência Renal Crónica é uma doença de carácter irreversível, progressiva e de evolução inconstante que, para além de originar alteraçöes fisiológicas, comporta também alteraçöes psicológicas e emocionais que influenciam a pessoa no seu processo de saúde/doença. 114 Daniel E. Gómez Montanelli Saúde, Ciência e Espiritualidade As emoções positivas e o apoio social estão associadas a um melhor funcionamento do sistema imunológico e do sistema cardiovascular, assim como a depressão e o isolamento degradam a saúde e atrasam a recuperação das enfermidades… Existem evidências crescentes sobre a relação directa entre crenças e práticas religiosas para uma melhor saúde física e, com isso, uma diminuição da necessidade de serviços de saúde. Actualidade I Curso de Ventilação Mecânica Não Invasiva O I Curso de Ventilação Mecânica Não Invasiva (VMNI) organizado pelo curso de Cardiopneumologia da Escola Superior de Tecnologia da Saúde do Porto (ESTSP), que decorreu no Porto entre 22 de Setembro e 24 de Novembro de 2006, foi a primeira de várias iniciativas que o curso de Cardiopneumologia da ESTSP pretende concretizar em termos de formação complementar em áreas de exercício profissional adstritas ao curso de Cardiopneumologia e em áreas de exercício profissional transversais a várias formações, entre elas a Cardiopneumologia. Serviu para avaliar se existe mercado, em termos de formandos, para este tipo de realizações, e serviu para testar as potencialidades deste tipo de formação a níveis mais exigentes e mais compensadores curricularmente, nomeadamente pós-graduações ou mesmo mestrados. Foi também a primeira experiência de uma parceria entre o curso e uma empresa, que surgiu na sequência dos cortes financeiros para o ensino superior, que anularam por tempo indefinido a possibilidade de se poderem adquirir equipamentos para o laboratório do curso (impossibilitando que os alunos de Cardiopneumologia façam formação prática na escola e estejam, portanto, menos dependentes dos serviços hospitalares), e que levaram, assim, a considerar estratégias diferentes para a concretização de quaisquer eventos, nomeadamente a parceria com empresas comerciais. A responsabilidade na selecção dos conteúdos e dos formadores e a estruturação da formação foi do curso de Cardiopneumologia, num processo independente e por isso saudável relativamente ao patrocinador. A parceria com a GASIN surgiu com o objectivo de permitir ao curso arranjar fundos para comprar equipamento, facultando à GASIN a contrapartida de um excelente veículo de divulgação dos seus produtos e serviços. Ana Cristina Baeta, Cardiopneumologista, docente do curso de Cardiopneumologia da ESTSP, coordenadora do curso de Cardiopneumologia da ESTSP, responsável pela área científica da Cardiopneumologia da ESTSP Obviamente que neste tipo de situações o curso/escola têm e terão de ser exigentes e selectivos relativamente à seriedade e qualidade das empresas com quem estabelecem estas parcerias, que foi o caso, pela responsabilidade que têm em termos de qualidade da formação a prestar. Agenda V Encontro Nacional das Ciências e Tecnologias da Saúde 11 de Janeiro Local – Parque das Nações Assistência ao doente Mental em Portugal – Novos desafios 17 a 19 de Janeiro Local: Escola Superior de Enfermagem de S. João – Porto No seguimento do trabalho desenvolvido sobre a caracterização da assistência ao doente mental em Portugal urge divulgar os dados e discutir os aspectos com relevância para a prática de Enfermagem no contexto da Saúde Mental e Psiquiatria, pois estamos conscientes que existem um conjunto de saberes específicos que são fundamentais para a qualidade das mesmas. Com este evento pretendemos atingir os seguintes objectivos: - Reflectir sobre estratégias que promovam a saúde mental do doente e família; - Divulgar práticas de cuidados numa perspectiva multidisciplinar; - Proporcionar um momento de partilha sobre as novas necessidades em cuidados de Enfermagem na Saúde Mental em Portugal; - Discutir o contributo dos saberes específicos na promoção da qualidade das práticas. JANEIRO XVIII Jornadas de Cardiologia do Norte para Medicina Geral e Familiar 17 a 20 de Janeiro Local: Hotel Sheraton Porto Encontro Nacional de Enfermagem em Cardiologia 18 de Janeiro Local: Auditório Fórum da Maia Actualizações em Oncologia 2007 18 a 19 de Janeiro Local: Auditório dos Hospitais da Universidade de Coimbra Organização: Serviço de Ginecologia dos Hospitais da Universidade de Coimbra Telefone – 239.721.478 Fax – 239.721.478 E-mail – [email protected] Agenda Curso de Mestrado em Doenças Infecciosas Emergentes – 5ª edição – 2007/2009 22 a 22 de Janeiro Local: Auditório Prof. Morais David Faculdade de Medicina de Lisboa – Piso 1 Organização: Faculdade de Medicina de Lisboa VII Congresso Português de Endocrinologia 25 de Janeiro Local – Centro de Congressos do Porto Palácio Hotel, Porto Durante o Congresso deste ano realizaremos o 1º Joint Meeting com a AACE (American Association of Clinical Endocrinologists). Este evento parece-nos de grande importância para a nossa Sociedade, por trazer até nós colegas altamente diferenciados em diversos aspectos da endocrinologia, permitindo também importantes intercâmbios entre as duas sociedades. III Jornadas de Terapia Ocupacional do Hospital Nossa Senhora do Rosário EPE 25 a 27 de Janeiro Director Eugénio Pinto [email protected] [email protected] Editores Isabela Vieira Rui Castelar Local: Hospital Nossa Senhora do Rosário, EPE Organização: Sector de Terapia Ocupacional – Serviço de Medicina Física e Reabilitação Telefone – 212.147.300 (Extensão 2173) Os objectivos destas Jornadas são abordar e valorizar áreas científicas interdisciplinares, partilhar experiências, desenvolver competências, e melhorar a sensibilidade ética e humana. Com o evoluir das tecnologias na área da saúde é fundamental que o nosso desempenho, como Terapeutas Ocupacionais, seja pautado por valores e princípios tais como: alteridade, equidade, solicitude e humanização. As temáticas a abordar nestas Jornadas serão: A Reabilitação em situações Pediátricas, Cuidados Continuados, Reabilitação da Mão, Reabilitação do utente com Esquizofrenia, Relação Terapeuta/Cliente, Ética e Humanização. E-mail – [email protected] I Jornadas de Análises Clínicas e Saúde Pública de Bragança 26 de Janeiro Local – Auditório anfiteatro do Instituto Politécnico de Bragança (Escola Superior Agrária do Instituto Politécnico de Bragança) Propriedade Ensinave – Educação e Ensino Superior do Alto Ave Campus Académico do ISAVE – Instituto Superior de Saúde do Alto Ave Quinta de Matos – Geraz do Minho 4830-316 Póvoa de Lanhoso NIF – 504 983 300 Director de arte e grafismo Ângelo Mendes [email protected] Impressão Orgal, impressores Rua do Godim, 272 Fotografia 4300-236 Porto Jorge Gomes Publicidade Celmira Dias JANEIRO Tiragem 5 mil exemplares / bimestral Contactos Ser Saúde Campus Académico do ISAVE – Instituto Superior de Saúde do Alto Ave Quinta de Matos – Geraz do Minho 4830-316 Póvoa de Lanhoso Telefone – 253 639 800 Fax – 253 639 801 http://www.isave.edu.pt [email protected] [email protected] Nº de Registo na ERC 124994 ISSN 1646-5229 Depósito Legal 246971/06 Os artigos publicados nesta edição da Ser Saúde são da responsabilidade dos autores. Proibida a reprodução total ou parcial, sob qualquer forma, sem prévia autorização escrita. Agenda I Congresso Português do AVC 01 a 03 de Fevereiro Local – Porto Organização – SPAVC IV Jornadas de Medicina Interna do Hospital de Egas Moniz 01 a 02 de Fevereiro Local – Hotel Pestana Palace Organização – Serviço de Medicina II – Hospital Egas Moniz I Congresso Português de Hipertensão 08 de Fevereiro Local – Tivoli Marinotel,Vilamoura FEVEREIRO III Congresso em Saúde e Qualidade de Vida 14 de Fevereiro Local – Escola Superior de Enfermagem de S. João II Simpósio de Enfermagem de Cuidados Intensivos da Urgência do Hospital de S. João – Ser Enfermeiro em Cuidados Intensivos: Viver a Vida e a Morte 15 de Fevereiro Local: Fundação Dr. António Cupertino de Miranda Tratamentos Domiciliários Aerosolterapia * Oxigenoterapia * Ventiloterapia Screnning Domiciliário * Aspirador de Secreções Ventilação Volumétrica * Apneia de Sono Apneia do Lactente * Pulsoximetria * Coughassist Gasin – Gases Industriais S A Rua do Progresso, 53 4451-801 Leça da Palmeira Tel.: 229998300 Fax.: 229998317 EN 249-3-KM 1,8 –D S. Marcos 2735-307 Cacém Tel.: 214270000 Fax.: 214264656 Walter Osswald Professor aposentado da Faculdade de Medicina do Porto, membro do Instituto de Bioética da Universidade Católica Portuguesa Ética de terapêuticas e cultura da sociedade moderna contemporânea Principais atitudes das diferentes terapias A forte tradição da respeitável autoridade médica e a crença na melhor qualidade das suas prescrições ainda impressionam e influenciam o comportamento de uma proporção da população e predominam nos idosos; o médico sabe o melhor para os seus pacientes, estes têm de ser complacentes com a prescrição médica, para benefício dos seus próprios interesses. Os medicamentos costumam ser caros, difíceis de tomar e, normalmente, provocam reacções adversas em alguns organismos; mas isto é inevitável e não supera os benefícios esperados. Contudo, este tipo de atitude está ligado à imagem paternalista do médico e está em pronunciado declínio. As pessoas idosas, especialmente em áreas rurais, ainda se guiam pelos dogmas, mas já é evidente que a maioria dos pacientes e suas famílias abandonaram este modelo. As razões para esta mudança são: Apesar dos países europeus possuírem, certamente, futuros distintos que os auto-definem, não há a menor dúvida que, após terem mantido uma longa e satisfatória experiência conjunta (Tratado de Roma, Mercado Comum, União Europeia), podemos falar de um passado cultural comum, do qual cada um deriva e recebe inspiração de uma cidadania comum. Congressos internacionais, lições compreendidas em conferências (como as do ENNOT) e inúmeras trocas de experiência entre pessoas, demonstram-nos que não existem diferenças marcantes entre os diferentes países europeus no que respeita às principais atitudes perante medicamentos e médicos que os prescrevem. Nesta pequena contribuição vamos tentar, primeiramente, fazer uma breve lista das atitudes que prevalecem e, em segundo lugar, fazer um resumo das formas em que os problemas éticos relacionados com a farmacoterapia são vistos e sentidos pelos nossos contemporâneos. A terceira parte consiste numa síntese compreensiva e termina numa sugestão. a) Consciencialização do facto de que existem reacções adversas aos medicamentos que podem ser sérias, até fatais (um facto enfatizado pelos media comuns e pelos prospectos das embalagens dos medicamentos); b) Crescente reconhecimento dos limites do conhecimento médico, bem como das suas acções. As prescrições são percebidas como resultado de palpites educados e não como consequência de um diagnóstico ou conhecimento demonstrado sobre fármacos (uma noção defendida na literatura popular mas também pelos médicos, cada vez mais humildes e realistas que os seus antecessores); c) Desilusão com a medicina, ou sistema de saúde, que são crescentemente criticados como sendo pagos à hora, rotulada de incompetente, submergida em burocracia, centrada em si própria e não nas pessoas; médicos do Serviço Nacional de Saúde que prescrevem medicamentos para melhorar os sintomas dos seus doentes para, desta forma, se verem livres 10 deles ou para lhes agradar e não pelas razões correctas; d) Crescente sentido de autonomia e autoresponsabilização do cidadão na manutenção da sua saúde e cuidado. Estes factores convergentes marcaram alguns desvios na imagem tradicional do médico. Os nossos contemporâneos, pelo menos os mais novos e mais instruídos, vêem no seu médico um parceiro (com um conhecimento técnico e experimental) nos cuidados de saúde: um controlador, uma pessoa com capacidades especiais, possivelmente um cão de guarda sobre os perigos. Uma figura amistosa, um profissional empenhado, um ajudante nas emergências são interpretações talvez menos encontradas. Apesar de tudo, o médico é uma figura prestigiada e no qual certos valores ideais são projectados: solidariedade, humanidade, hábeis a ouvir, disponibilizadores de tempo, são os atributos melhores classificados para definir o médico. Actualmente, tendo o médico perdido a imagem de poder e autoridade, busca uma nova imagem de responsabilidade ideal, de sábio empenhado na saúde, um conselheiro e alertante, mas nunca um decisor. Um grupo pequeno e marginal olha o médico como inimigo, uma pessoa que pode usar poder para benefício próprio, um mercenário no campo da saúde, um soldado da fortuna, um perigoso membro da sociedade que, por vontade ou omissão, pode matar ou incapacitar as pessoas. Apesar dos relatos de medicina mal praticada, exploração financeira, falta de cuidado, mau uso de medicamentos, procedimentos não éticos, nunca param de surgir nas aventuras da imprensa, mas não têm grande impacto porque são vistas como falhas isoladas do indivíduo e não como pecados de uma classe de profissionais. É também claro que estes aspectos feios da profissão de médico podem ser utilizados como ataques intencionais ao profissional em si, ataques provenientes de competidores como os praticantes das chamadas medicinas alternativas ou, em alguns casos, de farmacêuticos (que gostariam de ter mais intervenção na farmacoterapia). Uma figura amistosa, um profissional empenhado, um ajudante nas emergências são interpretações, frequentemente, menos encontradas. Apesar de tudo, o médico é uma figura prestigiada e no qual certos valores ideais são projectados: solidariedade, humanidade, hábeis a ouvir, disponibilizadores de tempo, são os atributos melhores classificados para definir o médico. 11 Problemas éticos da farmacoterapia na perspectiva dos pacientes Os pacientes têm-se tornado cada vez mais conscientes dos seus direitos específicos e dos deveres dos médicos profissionais. Têm tendência a serem cada vez mais críticos para com as atitudes dos médicos; visto que o seu conhecimento acerca de medicina é, por natureza, limitado, estão aptos a concentrar a sua atenção nos aspectos comportamentais dos médicos, mais facilmente compreendidos por um leigo.A forma como são vistos e recebidos pelo médico, o tipo de boas-vindas, a atenção e tempo concedido para ouvir as suas queixas, bem como a extensão e detalhe da informação que fornecem, representam um factor mais importante para a avaliação do médico do que a actual qualidade do médico em si. Reacções adversas aos fármacos aumentaram em frequência e seriedade. Cada vez os fármacos são mais potentes e constituem factores de preocupação para o médico, a sua firma responsável, o doente e a sua família. É evidente que os pacientes estão cada vez mais conscientes que as reacções aos fármacos são inevitáveis e não se auto-medicam quando percebem que tal não é conveniente. Os médicos que informam acerca do risco potencial e dos efeitos secundários e adoptam medidas de acompanhamento das farmacoterapias são menos culpados pelos doentes do que aqueles que não o fazem. 12 Tratamentos de infertilidade, acompanhamento de gravidez e período pré-natal, bem como farmacoterapia em idosos e terminais medidas de suporte de vida e quimioterapia, são algumas das áreas onde os leigos podem entender o dilema dos médicos e ajudá-los a lidar com ele de forma a respeitar os valores de vida humana, dignidade e autonomia. Finalmente, mas não menos importante, os trilhos e caminhos clínicos que são objecto de escrutínio por parte de pessoas consciencializadas, grupos de pacientes e sujeitos às regras éticas que os governam não são sempre avaliados segundo o seu real valor. Obviamente, é precisa uma maior comunicação nesta área tão sensível para o importante progresso da terapêutica e, acima de tudo, para o bem-estar da população. E o futuro? Pode ser seguramente concluído que num tempo de mudança, a velha, e em tempos honrada, imagem do médico está a desaparecer rapidamente. Em vez da figura paternal inquestionável, as pessoas hoje em dia vêem o médico como um igual, provido de conhecimento e experiência na sua profissão, mas que se tornou mais um sócio e não como o homem que comanda. Este novo médico deve ainda, se os pacientes o desejarem, ser detentor de compaixão, gentil, amável, sincero e pronto para informar, para avisar e respeitar as vontades do paciente. Não devemos encolher os ombros perante esta imagem, classificando-a como irrealista ou inalcançável, mas sim estar preparados para aceitar o aumento do papel do paciente como parceiro, sem declinar as nossas responsabilidades como aqueles que devem tomar as decisões. Isto aplica-se, obviamente, às terapêuticas. O consentimento informado que se tornou um dogma nos ensaios clínicos tem vindo a invadir a área da terapia convencional, onde certamente pertence. Apesar de menos formal e, na maioria dos casos sem ser por escrito, o consentimento deve ser obtido em todas as situações, de modo a conquistar a aprovação, interesse e colaboração dos pacientes. Isto Pode ser seguramente concluído que num tempo de mudança, a velha, e em tempos honrada, imagem do médico está a desaparecer rapidamente. Em vez da figura paternal inquestionável, as pessoas hoje em dia vêem o médico como um igual, provido de conhecimento e experiência na sua profissão, mas que se tornou mais um associado e não como o homem que carrega o escudo. também diz respeito ao médico que prescreve fármacos, pois desde sempre as queixas de má prática médica vieram de pacientes que não foram informados dos benefícios e riscos do tratamento proposto. Nós pensamos que a relação médico/ paciente vai melhorar num futuro próximo. Os médicos estão cientes que a qualidade científica, uso de técnicas sofisticadas, diluição de responsabilidades em equipas alargadas não resultam num melhor cuidado de saúde e certamente não resultam numa melhor e maior satisfação das pessoas. Os médicos têm que ser competentes e conhecedores, possu- írem vários recursos técnicos de diagnóstico e tratamento, e serem capazes de encaminhar para especialistas. Mas é muito mais importante para eles que sejam capazes de ver no paciente uma pessoa com necessidades, que quer competência e simpatia, relações interpessoais, interesse, empenhamento e conselho. «Como reconciliar Hipócrates com a ressonância magnética e associar a quimioterapia com visitas do médico de família?». Este é o desafio que encaramos e consideramos valer a pena vencer. Nota – Comunicação apresentada numa reunião internacional; tradução do original inglês. 13 Ilda Abreu Licenciatura e doutoramento em Biologia. Professora do Departamento de Botânica da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto. Investigadora do IBMC Helena Ribeiro Licenciatura em Engenharia das Ciências Agrárias e pós-graduação em Gestão Ambiental. Estudante de doutoramento na FCT. Departamento de Botânica Manuela Oliveira Licenciatura e mestrado em Biologia. Estudante de doutoramento na FCT. Secção Autónoma de Ciências Agrárias, FC-UP 14 Alergénios na atmosfera Nos últimos anos, na maioria dos países industrializados, as doenças respiratórias provocadas por partículas biológicas têm vindo a aumentar significativamente em número e severidade. A inalação de grãos de pólen e esporos fúngicos pode provocar sérios riscos para a saúde humana. A monitorização destas partículas na atmosfera pode melhorar as condições de vida das pessoas mais sensíveis às alergias. O aerossol é constituído por um grande número de partículas de tamanho, forma e composição diferentes, existentes em suspensão na atmosfera, sendo a sua classificação feita com base na origem (biológica, orgânica e inorgânica), local (marítimo, continental, rural, industrial, urbano) e efeitos (químico, tóxico, patogénico) sobre as superfícies de deposição. A fracção atmosférica constituída pelas partículas bióticas, ou bioaerossol, é composta principalmente por grãos de pólen e esporos de fungos, sendo o ar o meio de transporte e dispersão deste bioaerossol. A sua concentração e composição são variáveis ao longo do ano, dependendo da fitodiversidade (fonte de emissão), das condições meteorológicas, da geomorfologia, das actividades humanas e dos ciclos de vida de plantas vasculares e fungos. De facto, durante o desenvolvimento vegetativo das plantas e/ou época de floração, a concentração de grãos de pólen e esporos fúngicos ultrapassa grandemente a concentração de partículas inorgânicas na atmosfera. Dependendo da sensibilidade de cada indivíduo, a inalação de grãos de pólen e esporos fúngicos pode provocar sérios riscos para a saúde humana, actuando como alergénios, uma vez que são potenciais responsáveis pelo agravamento de asma, rinite, conjuntivite e outras reacções alérgicas. Os esporos de fungos podem ainda produzir substâncias tóxicas, através da produção de micotoxinas. A alergia pode ser entendida como uma resposta exacerbada do sistema imunitário a substâncias estranhas, sendo os sintomas clínicos os espirros, o corrimento nasal, a tosse, a obstrução respiratória reversível, a urticária, o angioedema e a anafilaxia. O mecanismo envolvido nestas doenças é extremamente complexo e depende de vários factores, entre eles, a natureza dos alergénios e a duração de exposição aos mesmos. Os alergénios são proteínas, glicoproteínas, polissacarídeos ou outros hidratos de carbono capazes de estimular o sistema imunitário e ligarem-se especificamente às imunoglobulinas do tipo E (IgE) (anticorpos produzidos em indivíduos atópicos em resposta a um estímulo). Na maioria dos países industrializados, ao longo dos últimos anos, as doenças respiratórias provocadas por estas partículas biológicas têm vindo a aumentar significativamente em número e severidade. Os indivíduos que vivem em áreas urbanas e industrializadas estão mais susceptíveis aos sintomas alérgicos do que os que vivem em zonas rurais. Tal facto será devido à interacção entre espécies químicas provenientes de actividades antropogénicas, nomeadamente hidrocarbonetos, gases inorgânicos nocivos (NOx, SOx, e O3), metais pesados e partículas poluentes (PM 10 - PM 2,5), e grãos de pólen e/ou esporos fúngicos levando a um aumento da capacidade alergizante destas partículas. Em Portugal, de acordo com alguns registos clínicos, a incidência de doentes afectados com polinoses aumentou cinco vezes nos últimos trinta anos. Em Portugal, de acordo com alguns registos clínicos, a incidência de doentes afectados com polinoses aumentou cinco vezes nos últimos trinta anos. Contudo, no nosso país, apenas nos últimos anos se tem desenvolvido um estudo detalhado sobre o tipo e a concentração de grãos de pólen e esporos fungicos presentes na atmosfera das principais cidades portuguesas São vários os tipos de grãos de pólen e esporos de fúngicos alergizantes presentes 15 na atmosfera de Porto ao longo do ano. O conhecimento da dinâmica e concentrações destas partículas na atmosfera pode ser usado na elaboração de calendários esporopolínicos, permitindo prever, após alguns anos de monitorização, a data de ocorrência e a concentração atmosférica diária destas partículas biológicas. 16 O Laboratório de Palinologia da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto foi criado em 1998 e, desde 2003, têm-se dedicado à monitorização de pólen e esporos de fungos presentes na atmosfera do Porto. Esta amostragem é feita usando um captador volumétrico tipo Hirst, situado no telhado do edifício do Centro de Informática da Universidade do Porto (41º11’ N, 8º39’ W), aproximadamente 20 metros acima do nível de solo (Figura 1). O captador está equipado com uma bomba de vácuo que faz uma aspiração de um fluxo de dez litros de ar por minuto, simulando uma inalação humana. Os grãos de pólen e esporos fúngicos ficam retidos numa fita de Melinex® previamente revestida por uma fina película de silicone. Estas fitas são substituídas semanalmente, cortadas em tiras de 48 mm, representando cada secção 24 horas de exposição, coradas com fucsina básica e montadas em lâminas de microscópio. A qualificação e quantificação diária destas partículas são determinadas recorrendo a um microscópio óptico (Figuras 1 e 2). Os tipos polínicos mais abundantes na atmosfera do Porto são: Urticaceae (35%), Poaceae (12%), Pinaceae (7%), Platanus (6%), Myrtaceae (6%) e Plantago (5%). As concentrações de pólen mais elevadas no ar são observadas nos meses de Primavera (Março, Abril e Maio), perfazendo cerca de 55% do pólen amostrado ao longo do ano. Esta grande concentração polínica torna estes meses os Figura 1. Sistema de amostragem esporopolínica (A: captador; B: fita de Melinex®, após exposição; C: preparações diárias). Figura 2. Grãos de pólen (A) e esporos fúngicos (B) presentes na atmosfera do Porto (barra=20m). mais problemáticos para doentes com alergias, uma vez que a maioria das plantas concentra a sua floração nestas datas. No entanto, nos meses de Junho e Julho ocorrem também elevadas concentrações de pólen pertencente à familia das Poaceae. Dezembro é o mês com menor concentração de grãos de pólen (3% do total anual de pólen) (Figuras 3 e 4) (Abreu e Ribeiro, 2005). Outros tipos polínicos que provocam alergias como a Asteraceae, Betula, Cupressaceae, Olea, Quercus, Rumex e Salix também são encontrados na atmosfera do Porto. De entre os esporos fúngicos descritos como capazes de desencadear respostas alérgicas os mais frequentes são Cladosporium (68%), Aspergillaceae (2%) e Alternaria (1%), sendo as concentrações mais elevadas encontradas nos meses de Julho, Agosto e Outubro, constituindo cerca de 42% do total anual de esporos. Pelo contrário, Abril é o mês com concentração mais baixa de esporos (3% do total anual de esporos) (Figuras 3 e 4) (Oliveira et al., 2005). Embora com concentração inferior a 1% é possível registar a ocorrência, na atmosfera do Porto, de outros esporos fúngicos alergizantes, como Epicoccum, Pithomyces e Stemphylium, observados em Junho – Julho, ou Fusarium e Rhizopus observados em Setembro - Outubro. A informação recolhida por estes tipos de monitorização é de extrema relevância para médicos alergologistas e seus pacientes, permitindo o tratamento mais eficaz, profilaxia e planeamento das actividades ao ar livre proporcionando a melhoria das condições de vida dos cidadãos mais sensíveis a patologias do foro alergológico. 000 800 5000 600 0000 400 5000 0000 00 5000 0 J F M A M J J A S O N D (Meses) 0 J F M A M J J A S O N D (Meses) Figura 3. Distribuição mensal dos principais grãos de pólen (A) e esporos fúngicos (B) presentes na atmosfera do Porto. Figura 4. Distribuição anual dos principais grãos de pólen (A) e esporos fúngicos (B) presentes na atmosfera do Porto. Referências bibliográficas Gourgoulianis K, Katikos P, Moraitis M, Argiriou N, Molyvdas P (2000). AAEM, 7:29-31 Lugauskas A, Krikstaponis A, Sveistyte L (2004). AAEM, 11: 19–25. Oliveira M, Ribeiro H, Abreu I (2005). AAEM (in press). Pepeljank S, Segvic M (2003). Aerobiologia, 19: 11-9. Sen B, Asan A (2001). Aerobiologia, 17: 69-75. Abreu I, Ribeiro H (2004). Allergy;. 60: 1452–1457 Andersson M, Downs S, Mitakakis T, Leuppi J, Marks G (2003). Pedriatr. Allergy Immunol., 14: 100-5. Couturaud F (2004). Revue Française d’Allergologie et dÍmmunologie Clinique, 44: 83-8. D’Amato G (2002). Allergy, 57: 30–3. 17 Um cancro é um clone anormal de nós mesmos 18 Normalmente, os nossos tecidos crescem até encontrarem outros tecidos. Mas, como nem sempre este processo é linear, há células que além de crescerem demais não respeitam fronteiras, invadem os tecidos vizinhos, e formam um cancro. Razões? Fazemos neoplasias malignas isto é, cancros, à custa da interacção entre o nosso estilo de vida e a nossa susceptibilidade genética. Sendo a célula maligna quase imortal, actualmente não se consegue curar o cancro. Somente controlá-lo. «Não podemos matar o cancro. Para o matar tínhamos de nos matar a nós próprios». Contudo, podemos impedir que ele cresça. E podemos removê-lo se ele ainda estiver nas fases iniciais. Depois, o prevenir, o cuidar, o aprender a viver com a doença, melhora o estado das pessoas, «faz com que a pessoa se sinta um ser humano com vontade de viver». 19 Manuel Sobrinho Simões 20 Professor de Medicina, Patologista, director do IPATIMUP – Instituto de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto Um cancro é um clone anormal de nós mesmos Entrevista a Manuel Sobrinho Simões O que é um cancro? Um cancro é um tecido novo que cresce dentro de nós, daí a palavra neoplasia, novo tecido. Esse tecido que cresce dentro de nós tem características muito próximas das nossas próprias características. É, de facto, como se fosse um clone anormal de nós mesmos. tório, aparelho urinário), e os nossos tecidos são mantidos nestas duas fronteiras. No cancro do fígado forma-se uma espécie de fígado que, em vez de ficar no sítio certo, invade as fronteiras e espalha-se, primeiro para os órgãos vizinhos e, depois, para órgãos distantes (a este processo de disseminação chama-se metastização). Co-editou o livro Os outros em Eu, no âmbito da Porto 2001, um livro actual. O cancro é um outro em mim, somos nós que criamos o próprio cancro? Exactamente. Os tecidos do cancro são praticamente iguais aos nossos tecidos normais. Num cancro do estômago, 99,9% dos genes são exactamente os mesmos ou muito parecidos com os do estômago normal. A diferença está numa percentagem mínima, que torna aquele estômago numa espécie de estômago anormal que não se confina à sua localização. É um crescimento de novo que não respeita fronteiras. O homem, antes de mais nada, é um ser de fronteiras.Temos a fronteira com o meio externo, a pele, e a fronteira com outro tipo de meio externo (tubo digestivo, aparelho respira- Porque é que acontece? Porque há uma desregulação da homeostasia. Temos mecanismos homeoestáticos, mecanismos muito finos de regulação nos nossos tecidos normais. No cancro é tudo igual ao normal, excepto que aquilo não pára de crescer. A razão para termos a forma humana que nos caracteriza é termos uma fase em que os tecidos proliferam e crescem; depois deixam de crescer e diferenciam-se. Nas narinas, as células morrem lá dentro e forma-se uma cavidade; no caso do tubo digestivo é a mesma coisa, e nas mãos, para não ficarmos com uma mão de pato, também acontece a morte das células entre os dedos, permitindo a sua individualização. Um cancro é um tecido novo que cresce dentro de nós, daí a palavra neoplasia, novo tecido. Esse tecido que cresce dentro de nós tem características muito próximas das nossas próprias características. É, de facto, como se fosse um clone anormal de nós mesmos. E o que acontece no cancro? Se o cancro fizer, por exemplo, o tecido que constitui as mãos não terá a regulação necessária para individualizar os dedos. Como não tem essa regulação, faz uma bola, não pára, e vai invadir o osso, a pele e os outros tecidos vizinhos. O normal é os nossos tecidos crescerem até encontrar o outro tecido com o qual vão estabelecer uma fronteira estável. Somos nós que criamos o cancro? É uma geração nossa, em parte por condições genéticas especiais. Algumas pessoas, como algumas famílias, têm propensão para desenvolver certos cancros, enquanto outras têm propensão para desenvolver outros tipos de cancro. Depois, há o resultado da nossa interacção com o meio externo, com o ambiente, seja porque fumamos, seja porque comemos alimentos que nos fazem mal, seja porque levamos uma vida pouco saudável com acumulação de produtos metabolicamente prejudiciais. Os nossos cancros surgem como consequência da interacção entre o nosso estilo de vida e a nossa susceptibilidade genética. Que percentagens? A susceptibilidade genética é muito menos importante que a influência ambiental. Sabemos hoje que menos de 10% dos cancros são hereditários, o que significa que mais de 90% dos cancros se devem, sobretudo, a alterações condicionadas pelas alterações do ambiente em que vivemos. Significa que, com as agressões ao ambiente, caminhamos todos para o fim. Vamos desaparecer? Vamos. (Daqui a muitos anos mas vamos). Mas não é só pelo cancro. Há doenças mais frequentes do que o cancro e que também se devem, em grande parte, ao nosso estilo de vida. Por exemplo, a tensão arterial elevada, frequentíssima entre nós, leva a acidentes vasculares cerebrais e a enfartes. O sal, a fast-food, a obesidade, o estilo de vida, o stress, trazem como resultado a arteriosclerose e a hipertensão que levam ao acidente vascular cerebral e ao enfarte do miocárdio, que matam muito mais do que o cancro em Portugal. 21 22 E o cancro em Portugal mata mais do que a nível europeu? O número de portugueses que morre por cancro não é maior do que o dos europeus, mas morremos um bocadinho mais cedo, porque os cancros são diagnosticados mais tarde, e a nossa capacidade de controlar a doença é um pouco menor do que nos países ocidentais mais desenvolvidos. Afirmou: «O cancro seria o preço a pagar pela capacidade que o homem tem de evoluir e pela sua capacidade biológica». É verdade. Significa que ainda hoje continuamos a evoluir. Em termos genéticos nunca paramos a nossa evolução? Exactamente. Sobretudo se percebermos que para além da genética pura e dura temos a epigenética, que reflecte o efeito do ambiente sobre os genes. A nossa espécie tem evoluído no sentido da adaptação às novas agressões ambientais. Mas é uma evolução imperfeita, não é? Há possibilidades de erro. Por exemplo no que diz respeito aos efeitos do fumo. O nosso epitélio respiratório é um epitélio muito delgado, com células altas, colunares. Nas pessoas que fumam, ao fim de um certo tempo, esse epitélio é substituído por um epitélio pavimentoso, muito mais resistente. Chamamos a essa substituição, metaplasia. Neoplasia, tecido novo, metaplasia, substituição de um tecido por outro. É uma forma de conseguirmos suportar agressões. Todos nós, os que fumamos (eu não fumo, felizmente) ou vivemos em ambientes com fumo, temos metaplasia do epitélio respiratório e não morremos por isso. Ao fazer a metaplasia, que é a prova de que a nossa espécie ainda é capaz de se adaptar, substituímos um epitélio por outro. Mas, ao fazer essa substituição, em algumas pessoas, ocorrem erros, e isso é que pode causar cancro do pulmão. Muitos cancros do pulmão são o resultado de erros que aparecem quando a nossa adaptação estava a ir no bom sentido. Por isso, «o cancro é a expressão horrível da nossa capacidade de evolução». A nossa evolução é imperfeita? Como evoluímos, estamos sempre a fazer modificações adaptativas. Essas modificações implicam a divisão celular e quando as células se dividem há a possibilidade de erros na cópia do nosso material genético (o ADN). Felizmente, os erros-de-cópia (mutações) são geralmente corrigidos graças a enzimas que estão sempre atentas aos erros. Quando as mutações não são corrigidas ou dão alguma vantagem, o que é bom, mas raro, ou dão, digamos assim, demasiada vantagem às células que se tornam, por causa disso, imortais, e isso é péssimo porque daí pode resultar o desenvolvimento de um cancro. Sabe-se porque é que isso acontece? Não. Sabemos que quanto maior for a agressão do tabaco, por exemplo, maior probabilidade haverá de acontecerem erros.Também sabemos que os mecanismos de correcção dos erros não devem estar saturados. Se tivermos células que são agredidas permanentemente elas não conseguem corrigir os erros e, assim, temos a receita para a morte celular ou, às vezes, para fazer cancro. Há um excesso. Outros cancros acontecem quando nascemos com uma deficiência dos mecanismos de reparação dos tais erros. Os cancros hereditários são muitas vezes o resultado de defeitos genéticos nas enzimas que reparam esses erros. É um mal que nasce de raiz? Mesmo que não haja muitos erros, eles são em número suficiente para alguns não serem reparados. Criam-se assim condições para surgirem lesões pré-cancerosas ou cancerosas, ou outras doenças. Em termos de evolução de espécie, a ideia que aqui está presente é que os erros nos vão acompanhar sempre? Os erros,por hereditariedade ou por agressões ambientais, vão continuar. Se os erros levarem a uma nova forma que seja mais resistente, os filhos das pessoas que têm essa nova forma vão sobreviver mais do que os filhos das que não a têm. Daqui a milhares de anos o homem vai ser um bocadinho diferente do que é hoje. Há uma adaptação. Terá sido a adaptação que deu vantagem, por isso dizemos que a nossa espécie continua a evoluir. O que é um facto é que a nossa espécie hoje, com os medicamentos, com as protecções (vestuário, casa, aquecimento), tem uma selecção natural diferente. Existe uma maior capacidade de sobrevivência devido a factores externos, como os medicamentos, por exemplo, e menor influência dos factores genéticos. Há possibilidade de um cancro se transformar num processo genético normal no homem? Não sabemos se os mecanismos subjacentes à formação de cancros poderão vir a ser recuperados positivamente para a nossa espécie. 23 24 Os erros, por hereditariedade ou por agressões ambientais, vão continuar. Se os erros levarem a uma nova forma que seja mais resistente, os filhos das pessoas que têm essa nova forma vão sobreviver mais do que os filhos das que não a têm. Daqui a milhares de anos o homem vai ser um bocadinho diferente do que é hoje. Há uma adaptação. Terá sido a adaptação que deu vantagem, por isso dizemos que a nossa espécie continua a evoluir. Até que ponto podemos presumir que no futuro todos nós, ao nascermos, nasceremos com o tal epitélio pavimentoso? Nasceríamos não com cancro, mas com a tal metaplasia. Isso é possível. Se conseguirmos viver em ambientes horrorosos de poluição e fumo, é provável que venha a ser o que nos vai acontecer. Porque se não nos acontecer, morreremos de cancro e de outras doenças. O cancro nasce sempre de uma célula? Que tem muitas filhas iguais a ela. E vai crescendo, crescendo, crescendo e, às tantas, não fica confinada. Salta para fora do nicho inicial e ao saltar, se for num órgão onde haja estruturas muito delicadas, pode-nos matar logo aí. Noutras situações, como as células neoplásicas crescem bastante, se elas não tiverem uma boa nutrição, e ficarem sempre no mesmo sítio, acabam por não conseguir crescer mais, e não nos causam danos de maior. (É o que acontece nas chamadas neoplasias benignas). O que elas fazem para sobreviver? As células neoplásicas quando são malignas estimulam o crescimento de novos vasos e, mexendo-se, chegam até eles e usam-nos para ir para outros sítios, onde formam colónias. Isso é que é a metástase. A metastização reflecte a tentativa das células malignas encontrarem nichos onde se possam desenvolver. Uma célula do estômago pode ir para um gânglio linfático da zona do pescoço. Se fosse uma célula de um tecido normal ela não sobreviveria fora do seu sítio de origem. É preciso que seja um tecido canceroso, o tal que deixou de ter fronteiras, para poder sobreviver. Mas porque é que sobrevivem as células cancerosas e não morrem como as outras? Porque têm uma vantagem. Em princípio, se a célula cancerosa não tivesse uma vantagem, chegava a determinado local do corpo e morria. Mas ela chega lá, consegue criar o seu nicho e recomeçar a crescer. Qual é essa vantagem? É a maior resistência à morte, as células malignas são muito mais resistentes que as células normais. Num tecido normal, se tivermos baixos níveis de oxigénio, a célula morre. A célula maligna bloqueou a morte, ela é quase imortal. As células malignas começam por formar um nódulo pequeno. Se elas fossem normais, são tantas as células que existem nesse nódulo em relação ao sangue disponível, que morreriam todas. Mas como têm bloqueio da morte, resistem. Como resistem, vão-se acumulando enquanto as outras que estão à volta, as normais, morrem. As malignas vão ocupando esse espaço, deixam de ter a competição das normais para usar os nutrientes do sangue e passam elas a ter o sangue que era das outras. Mesmo que algumas das malignas morram, as que vão sobreviver são as mais resistentes. Das malignas são as mais malignas. É um processo que evolui de uma maneira quase perversa. Um cancro é isso. 25 Tem mais capacidade do que as outras? A célula maligna tem a capacidade de bloquear a sua própria morte.As células normais morrem quando falta o estímulo para a sobrevivência ou há um estímulo para a morte (como a falta de oxigénio). Como a célula maligna bloqueia os mecanismos de morte torna-se muito difícil matá-la, mesmo com medicamentos. 26 Por isso morremos de cancro? Por vezes morremos de cancro quando o cancro é num sítio que dá perturbações directas graves, como por exemplo, cerebrais ou cardíacas. Mas sem ser nesses casos, morremos de cancro quando o cancro se espalhou, tomou conta do nosso corpo e passou a sugar todas as energias. É um processo que vai destruindo, que vai ocupando o corpo. E a ocupação destrói. O maligno destrói o benigno. Os genes do cancro são muito diferentes dos nossos genes normais? Temos cerca de 30 mil genes e um cancro pode ter cerca de 100 genes mutados. Cem em 30 mil é muito pouco.Por vezes,há só alterações estruturais em 5, 6 ou 7 genes. E é suficiente, tem de ser. Pois se houver muitas alterações, aquele tecido potencialmente canceroso deixa de o ser não é viável e morre, isto é, não chega a crescer. Se houvesse alterações em muitos genes, tudo morreria ali? Separámo-nos do macaco há cerca de 6 milhões de anos. E fomos evoluindo. Os nossos tecidos são muito bons.Se começarmos a mexer nos genes e se mexemos muito, o que fazemos é um aborto, não fazemos um cancro.A grande maioria das alterações genéticas não leva a coisas malignas, leva a produtos inviáveis, que acontecem durante a concepção e durante a vida. Todos nós, todos os dias, temos células malignas potenciais de que nos livramos através do tubo digestivo, do aparelho respiratório, do aparelho urinário, etc. Saem naturalmente, destacam-se e morrem. Para que ocorra um cancro tem de ser um tecido muito próximo do nosso tecido normal, aí é que está a subtileza, tão próximo que não dê chatices imunológicas (isto é, que o nosso sistema imunológico não perceba que é diferente) e que tenha uma pequenina vantagem, e comece a crescer à medida que o nosso próprio organismo o aceita como sendo seu. Sabendo qual é a vantagem, pode-se melhorar os tratamentos? Já percebemos hoje, em muitos cancros, qual é essa pequena vantagem, e é por isso que há tratamentos melhores, mais inteligentes e dirigidos a processos metabólicos específicos – os chamados tratamentos biológico. Com esses tratamentos controlamos o crescimento de muitos cancros (não os curamos mas controlamo-los). Não o podemos matar? Para matar um cancro através de um medicamento sistémico (quimioterapia) arriscamo-nos a matar o próprio doente pois o cancro é muito parecido com o seu hospedeiro. Mas se soubermos qual é tal pequena diferença que dá vantagem em termos de crescimento, podemos usar drogas que bloqueiam as enzimas que estão envolvidas nesse processo de uma forma selectiva. Esta estratégia faz muito menos mal aos outros órgãos dos doentes. Não se consegue curar o cancro? Não se consegue curar o cancro, não o matamos, mas podemos impedir que ele cresça. Transforma-se o cancro numa doença crónica, parecida com outras doenças crónicas do homem, que também não se curam de forma definitiva. É também importante perceber que os tratamentos não podem ser tão agressivos que pareçam querer matar uma borboleta com um canhão. Assim, mataríamos tudo.Tem de se apostar nas tais margens que dão a vantagem às células cancerosas e usar essas margens como alvo para as terapêuticas. As novas terapêuticas moleculares ou biológicas do cancro são isso. Não é queimar o cancro com radioterapia, que é muito eficiente nalguns casos, mas tem problemas, pois sabemos que queimamos 99% das células, mas o 1% que não matamos pode levar à recidiva. Porque as células mais resistentes continuam a ser cancerosas e são as que têm mais probabilidade de sobreviver? Exactamente. Conseguimos matar as células mais benignas (ou menos malignas) com quimioterapia ou radioterapia. Há hoje uma teoria sobre o cancro que diz que o cancro se cria sempre a partir de células estaminais, as células mais semelhantes às células embrionárias. E essas células estaminais pré-cancerosas teriam uma grande capacidade de resistir, quer à quimioterapia quer à radioterapia. Podemos destruir quase totalmente um cancro, torná-lo minúsculo, mas essa coisa minúscula, infelizmente, é constituída pelas células com maior capacidade para voltar a crescer no futuro. O que fazer? Saber prevenir é um ponto muito importante. No fundo, é procurar fazer o diagnóstico muito precoce ou o diagnóstico da lesão précancerosa. E, antes disso, mais importante ainda, em relação àqueles 10% onde há uma grande susceptibilidade genética, é ser capaz de identificar quais são as pessoas em risco e colocá-las num ambiente onde não exista (ou exista pouca) agressão ambiental. É conseguir prevenir o cancro antes de aparecer. Em Portugal quais os cancros que matam mais? Em Portugal, nesta altura, por ordem decrescente de mortalidade, os cancros mais graves em ambos os sexos, são os do pulmão, cólon/recto e estômago. O cancro da mama é muito frequente na mulher e o da próstata no homem. São os cinco cancros que mais matam em Portugal. No pulmão e estômago a mortalidade aos 5 anos, é superior a 90%. Felizmente, no cólon, na mama e na próstata, a mortalidade aos 5 anos já é na ordem dos 50%, isto é, conseguimos que cerca de metade dos doentes não morram. São valores idênticos a nível europeu? A única diferença é que temos mais cancro do estômago e que temos uma discreta maior O tratamento dos cancros, ainda hoje, é, sobretudo, um problema de medicamentos. Todos os meses aparecem novos tratamentos e alguns constituem avanços significativos. Podemos resumir dizendo que, nesta altura, mais de metade das pessoas com cancro não morrem dessa doença. 27 mortalidade por termos ainda muitos cancros que são detectados tarde demais. 28 E cancros que se curam quase na totalidade? Muitas leucemias, muitos linfomas, os cancros da tiróide e os cancros do testículo, têm excelentes resultados. Estes são os que menos matam. Depois, todos os meses, ou, mesmo todas as semanas, há uma descoberta, isto é, há progressos constantes. Não melhoramos tanto no problema da hipertensão, da obesidade, da diabetes e da arteriosclerose. Essas doenças dependem sobretudo das pessoas, e do seu estilo de vida, não são um problema de medicamentos. O tratamento dos cancros, ainda hoje, é, sobretudo, um problema de medicamentos. Todos os meses aparecem novos tratamentos e alguns constituem avanços significativos. Podemos resumir dizendo que, nesta altura, mais de metade das pessoas com cancro não morrem dessa doença. Os tratamentos são globais ou específicos? Há tratamentos específicos com muito menos danos colaterais, muito menos sofrimento. Acho que é uma área onde se tem evoluído imenso. Mas é claro que continuamos a ter problemas gravíssimos nos cancros do pulmão, estômago, fígado, pâncreas e alguns outros. O que precisamos de mudar para prevenir o cancro? Precisamos de fazer aquelas coisas que às vezes achamos recomendações piedosas. Não se deve comer com muito sal, deve-se controlar as calorias, evitar as bebidas alcoólicas, não fumar, fazer exercício. São cuidados para evitar qualquer doença. Ter, também, uma alimentação equilibrada, pois há uma associação muito forte entre obesidade e cancro. Em relação aos cancros, onde é possível ter uma política de rastreio, sobretudo cólon, mama, colo do útero e próstata, fazer exames regulares. Infelizmente não há nenhuma boa forma de rastreio nem para o cancro do pulmão, nem para o cancro do estômago. Em termos futuros significa que haverá muitas possibilidades de controlar os cancros? Seguramente. E aumentar ainda mais a qualidade de vida das pessoas com neoplasias, apesar dela já ter aumentado muito. Não há razões, hoje, para estarmos negativos em relação ao tratamento do cancro. Devíamos era estar negativos em relação à incapacidade das pessoas para diminuírem, na alimentação, o sal e as calorias excessivas, isso é que é assustador.Também é uma pena que não consigamos mudar os nossos hábitos tabágicos e não consigamos prestar mais atenção aos sinais ou sintomas que podem indicar um processo neoplásico. E como conseguir convencer as células malignas a suicidarem-se, a mataremse a elas próprias, sendo quase imortais? Esse é o grande problema. Se tirar células da minha pele e as aquecer,por volta dos 38/39/40 As pessoas têm de perceber que a evolução da medicina, para além dos aspectos muito positivos, tais como o aumento da esperança de vida, tem também levado ao aumenta do número de pessoas potencialmente doentes e do número de idosos. Como é que a nossa sociedade, que é uma sociedade muito egoísta, se vai comportar? Receio que usando o salve-se quem puder, que é o que costuma acontecer em Portugal. graus, as mais frágeis começam a morrer uma a uma. Se em vez de tirar células normais, tirar células de um cancro da pele e as começar a aquecer, não há morte aos 38/39 graus mas aos 41/42 graus morrem muitas ao mesmo tempo, como se tivessem sido queimadas (morte do tipo necrose em vez do tipo apoptose). Não foi uma morte normal, ultrapassámos tanto os limites que não tiveram possibilidade de sobreviver. Mas tinham bloqueado a morte até aos 41/42 graus. As outras, pelos 38/39/40 graus morrem. No fundo, há passividade do nosso organismo? Não há passividade. O nosso organismo reage sempre com uma espécie de processo inflamatório. Quando fazemos uma ferida, os tecidos à volta organizam-se para a cicatrizar. Quando começa a crescer uma neoplasia, os tecidos em redor também se organizam. O que não existe é uma vigilância eficiente contra o cancro, porque o cancro como é feito pelas nossas próprias células, não é identificado pelo nosso organismo como estranho. Enquanto se tivermos uma infecção por uma bactéria, o nosso organismo percebe que está ali uma coisa que não é produzida pelo nosso ADN. Se tivermos um cancro, o seu ADN é demasiado parecido com o nosso próprio ADN. Os mecanismos de reparação de erros não detectam essas pequenas diferenças? Quando fazemos autópsias de pessoas de idade, elas têm, em muitos órgãos, cancros de pequenas dimensões. Todos nós, quando chegamos aos 80/90/100 anos, passamos a sofrer as consequências da acumulação das falhas dos nossos mecanismos de reparação dos erros. Encontramos na tiróide, na próstata, na mama, microcancros. A pessoa não vai sofrer com eles. Morre antes. Vivemos com microcancros durante muitos anos, sem que isso seja problema. São como os outros cancros, mas estão ali parados. E se houvesse uma continuidade eles manifestavam-se? Nestas idades é muito raro.Temos o desenvolvimento explosivo do cancro nos adolescentes. Os cancros dos adolescentes ou dos adultos jovens aparecem e, às vezes, têm um crescimento muito rápido, como se fosse induzido pelo próprio crescimento do indivíduo, pelas 29 30 suas hormonas e os seus factores de crescimento. Nas pessoas de idade, os cancros são muito frequentes e são de crescimento muito lento. Convivemos bem com eles. Há equilíbrio. Por exemplo: a diabetes; ninguém cura a diabetes, que infelizmente está a aumentar assustadoramente em todo o mundo, mas muitas pessoas com diabetes vivem dentro de determinados limites onde a doença não se manifesta. Isso é que é cronicidade.As coisas passam a ser toleradas sem dramatismos, e o cancro também passa a ser tolerado sem dramatismos na maior parte das pessoas de idade avançada. Pode-se induzir por medicamentos a capacidade nas células malignas de se matarem? Não sabemos se será possível para todas as neoplasias, mas é uma esperança e está já a ser utilizada, com sucesso, em alguns tipos de cancro. Os medicamentos que actualmente existem estão muito ligados à radioterapia e quimioterapia. As armas biológicas quando virão? No cancro da mama e do cólon/recto, por exemplo, há tratamentos biológicos especificamente destinados à alteração molecular das células malignas. Para os cancros do estômago e do pulmão já começa também a haver drogas deste tipo, embora os resultados ainda não sejam conhecidos. Enquanto a quimioterapia e a radioterapia são terapêuticas transversais, que apanham tudo, os tratamentos biológicos identificam a alteração específica daquele cancro, e se houver uma forma de induzir o bloqueamento dessa alteração específica, usa-se a droga correspondente. É também muito importante ser capaz de identificar as características do hospedeiro. Por exemplo, há pessoas que são boas a metabolizar a droga x e há outras que são boas a metabolizar a droga y. O médico irá utilizar, no futuro, drogas específicas para cada cancro e para cada doente concreto. Deixam de ser tratamentos para grandes números, e passam estar de acordo com as características do cancro e com as características metabólicas da pessoa. Sabíamos que havia indivíduos que tomavam aspirina e uns tinham dores no estômago e outros não. Há pessoas para quem a aspirina é uma droga excelente e outras a quem faz pouco efeito. Isso sabíamos, era algo empírico. Hoje sabemos quais são os polimorfismos, as variantes genéticas, que fazem com que algumas pessoas tolerem bem a aspirina e outras não. A indústria farmacêutica devia fazer essas separações? A indústria prefere obviamente drogas que sejam universais, isto é, anunciar a droga 31 x que trata as dores de cabeça e serve para toda a gente. Para a indústria é mais simples, porque o resto é caro. Não vai verificar se o doente pertence ao grupo dos que têm de tomar aspirina ou paracetamol. Isso ficaria caro e criaria alguma insegurança na relação das pessoas com a indústria farmacêutica. Assim, prefere dar a ideia de que aquela droga, na maioria dos casos, o que até é verdade, funciona. Poderá é funcionar melhor ou pior. Nalguns não funcionará mesmo.Toda a gente sabe, e não é só na medicina, que o conhecimento destas diferenças é uma das consequências mais importantes da evolução da ciência genética. Todos somos diferentes, apesar de termos os mesmos genes. E as nossas diferenças inter-individuais – os polimorfismos – são responsáveis pela maior ou menor susceptibilidade às doenças e pela maior ou menor capacidade de metabolizar os medicamentos. Enquanto a quimioterapia e a radioterapia são terapêuticas transversais, que apanham tudo, os tratamentos biológicos identificam a alteração específica daquele cancro, e se houver uma forma de induzir o bloqueamento dessa alteração específica, usa-se a droga correspondente. E em Portugal esses tratamentos biológicos estão postos em prática? Estão a aumentar. Nos cancros da mama diagnosticados em Portugal isso já acontece. Mas qual é o problema? Esta análise é cara. É uma análise genética para saber se o cancro é daqueles que pode responder à droga específica. E o tratamento é, por sua vez, caríssimo. Este é grande problema da Saúde nos nossos dias. Os tratamentos biológicos mais recentes e que foram fruto de grande desenvolvimentos tecnológicos são caríssimos porque a indústria faz repercutir no preço dos medicamentos o custo da investigação de dezenas de outras substâncias que não foram um sucesso. É um problema gravíssimo do ponto de vista social. Vamos cada vez mais introduzir diferenças entre as pessoas face à sua capacidade económica, pois estamos a falar de tratamentos caríssimos. 32 Podem existir duas saúdes, a dos pobres e a dos ricos? A cultura dominante está a oferecer uma visão optimista do progresso da medicina (e a criar expectativas muito favoráveis), mas não está a ver se as pessoas vão ter dinheiro para a pagar. Em Portugal, em termos públicos, não temos felizmente diferenciação entre pobres e ricos. Mas qual é o problema? O Hospital de São João gasta muitíssimo dinheiro com os doentes com SIDA e com doenças metabólicas, assim como com os doentes em tratamentos biológicos por cancro. Uma grande percentagem dos custos com medicamentos é para tratar um pequeno número de doentes. Se não houver dinheiro suficiente, como vai ser? Há muitos mais doentes com outras patologias que poderão beneficiar de tratamentos alternativos, mas os três grupos que referi são grupos de risco, em que os doentes morrem se não forem tratados.Vamos ter coragem para decidir, para dizer que não temos dinheiro para tudo? As pessoas têm de perceber que a evolução da medicina, para além dos aspectos muito positivos, tais como o aumento da esperança de vida, tem também levado ao aumenta do número de pessoas potencialmente doentes e do número de idosos. Como é que a nossa sociedade, que é uma sociedade muito egoísta, se vai comportar? Receio que usando o salvese quem puder, que é o que costuma acontecer em Portugal. É algo complicado resolver? É complicadíssimo. Quando se tiver que escolher… E já se coloca este problema em relação às unidades de cuidados intensivos. O equipamento não é elástico, eles têm oito camas, e para meterem mais um doente que acabou de ter um desastre, têm de desligar um dos outros. Como se escolhe quem se vai desligar? Estamos a falar de pessoas. Para mim, o aspecto mais negativo da medicina é a criação da ideia que podemos ser quase imortais, que há cura para tudo, sem que as pessoas se apercebam que isto tem custos. Portugal tem a maior taxa de consumo de medicamentos na Europa. Como diz um grande amigo meu, somos um povo de doentes. Uma atitude positiva na doença, no cancro, a mente, pode ajudar a curar? Seguramente ajuda a enquadrar a pessoa. A palavra curar é uma palavra muito perigosa, deve ser substituída, desde logo, por controlar. É indiscutível que o contrário está provado. A situação de depressão grave, em que uma pessoa está tristíssima porque lhe morreu um amigo de quem gostava muito, se tiver uma doença qualquer (cancro ou outra) vai ter tendência para uma evolução mais grave. Por isso é muito frequente haver velhinhos que morrem passados 3/4/5/6 meses depois da mulher ou do marido terem falecido. Há elementos de resposta do nossa soma, do nosso corpo, que são muito influenciados pela mente.Agora essa prova está melhor estudada no sentido negativo. Tudo leva a crer, no entanto, que o contrário também seja verdadeiro, que pessoas que encaram a doença, seja que doença for, com força interior, que lutam contra a adversidade, têm uma atitude positiva, são favorecidas do ponto de vista hormonal e metabólico e podem vir a beneficiar em termos de resposta terapêutica. Mas não é fácil quantificar esses benefícios. A atitude positiva é indispensável para que se aprenda a viver com a doença, não é só com o cancro, é com todas. Aprender a viver com a doença melhora o estado das pessoas. O que dizer aos profissionais de saúde em relação ao cancro? Em termos de saúde pública as palavraschave são prevenção e diagnóstico precoce. A outra coisa que é muito importante é perceber que há doentes com cancro que estão em fases terminais, e temos de aprender a lidar com eles. Todos nós, enfermeiros, técnicos, médicos. É preciso aprender a cuidar. O prevenir primeiro e o cuidar depois. Não há drogas milagrosas, nessas alturas, é tirar a dor, é ser amigo, é fazer com que a pessoa se sinta um ser humano ainda com vontade de viver… Denise Araújo Nutricionista, Cruz Vermelha de Viana do Castelo Flora Correia Nutricionista, Professora Auxiliar Convidada da Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto, Serviço de Endocrinologia, Hospital de S. João, Porto Nutrição na Síndrome de 34 hiperactividade/ Resumo A síndrome de hiperactividade/défice de atenção afecta actualmente milhões de crianças e adultos em todo mundo. Definida de forma controversa pelo complexo aglomerado de sintomas psico-comportamentais envolvidos, o seu diagnóstico é ainda empírico e limitado pela inexistência de exames clínicos categóricos, capazes de correlacionar de forma inequívoca os sintomas manifestos. Sendo uma síndrome multideterminada e complexa, necessita de uma abordagem terapêutica multifacetada. A resposta individual é um factor importante para se determinar a abordagem terapêutica adequada. Com a crescente evidência de que muitas crianças com problemas comportamentais são sensíveis a um ou vários componentes alimentares, que desequilibram o seu comportamento, diversos investigadores consideram que, de uma forma geral, a concretização de modificações na dieta desempenha um papel fundamental na gestão desta síndrome e defendem que estas deverão ser integradas no protocolo terapêutico. défice de atenção Introdução Considerada o distúrbio comportamental mais frequentemente diagnosticado a crianças, a hiperactividade/défice de atenção (AD/ HD) é marcada por um entrelaçar de sintomas variados que dão corpo a uma síndrome complexa, e representa para a criança um fardo que, se não for devidamente amparado e cuidado, deixará marcas para toda a vida. 1,2 São vários os factores apontados como possíveis responsáveis pelo despontar da AD/ HD, embora pouco se saiba sobre o contributo efectivo que cada um tem na sintomatologia da síndrome. Embora os indivíduos diagnosticados com AD/HD partilhem um leque idêntico de manifestações comportamentais, as causas subjacentes são muito provavelmente heterogéneas. Tal heterogeneidade poderá resultar de disfunções a nível biológico, psicológico e/ou comportamental, podendo ainda variar amplamente dentro de cada nível organizacional, para cada indivíduo. 3 A AD/HD é habitualmente diagnosticada a crianças em idade escolar e estima-se que atinja em média, 3 a 6% da população infantil. Não se conhece com precisão o número de indivíduos afectados, muito provavelmente fruto de diferentes critérios de diagnóstico empregues em diferentes países do mundo. 4 Sabe-se, no entanto, que atinge de forma distinta rapazes e raparigas, sendo predominante nos rapazes, num ratio de 3:1. 5 É cada vez mais aceite a teoria de que a AD/ HD é uma doença heterogénea, associada ao desenvolvimento da criança e interrelacionada com diversas co-morbilidades. Destacam-se três subtipos distintos: 1) AD/HD do Tipo Combinado (diagnosticado quando, quer os sintomas de falta de atenção, quer os de hiperactividade e impulsividade estão presentes); 2) AD/HD do Tipo Predominantemente Desatento (apenas são satisfeitos os critérios de falta de atenção); 3) AD/HD do Tipo Predominantemente Hiperactivo-Impulsivo (apenas são satisfeitos os critérios de hiperactividade e impulsividade). 35 O diagnóstico da AD/HD está longe de ser directo e objectivo. É deduzido a partir de uma longa e pormenorizada história clínica que depende de relatos de pais e professores e, ainda, de um psicodiagnóstico do próprio paciente, onde são empregues escalas padronizadas que permitem correlacionar a idade e o sexo com a gravidade sintomatológica. 6,7 Numa criança com AD/HD, os sintomas ocorrem de forma constante, prejudicando gravemente o seu desenvolvimento socioemocional.22,23 É essencial que o diagnóstico tenha em conta a gravidade dos sintomas e o grau relativo de disfunção comportamental.7 36 Abordagem terapêutica da AD/HD Convencionou-se uma abordagem multidimensional para o tratamento da AD/HD, que integre a terapia comportamental, a terapia nutricional e a terapia farmacológica, visando sempre a interacção entre pais, professores e o doente. No entanto, a prática médica corrente volta-se essencialmente para a terapia farmacológica, dando pouca atenção às demais vertentes terapêuticas, e recorrendo primeiramente a fármacos psico-estimulantes.8 Estes estimulantes centrais são alvo de grande controvérsia no que se refere à sua aplicabilidade no tratamento eficaz desta síndrome. 8,9 Se, por um lado, revelam alguma eficácia no controlo dos sintomas da AD/HD, por outro, são incapazes de melhorar a performance académica da criança, deixando-a com uma carga preocupante de efeitos secundários, tais como anorexia, náusea, perdas ponderais, insónia, cefaleias, dores gastro-abdominais, delírio, alucinações (quer visuais quer auditivas), exacerbação da esquizofrenia e do autismo, mudez, inibição extrema, nervosismo, agitação, terror, agressividade, euforia, ansiedade, pânico, depressão e dependência psíquica 9. Da necessidade de se entender a complexidade desta síndrome e de se contornar o uso de fármacos psicoestimulantes como tratamento de eleição, nasceram diversos trabalhos, particularmente na área da nutrição. Boris et al. demonstraram que uma abordagem terapêutica que integre alterações dietéticas específicas contribui, significativamente, para a redução de alguns sintomas numa larga fatia dos casos de AD/HD e, por conseguinte, para a diminuição da dose de medicação utilizada, destacando-se como a solução mais prudente e inócua no tratamento desta síndroma.10 Precisamente por cada caso revelar particularidades distintas, com diferentes sensibilidades a variados alimentos, componentes alimentares, ou a outras substâncias capazes de gerar reacções adversas, é que a terapêutica farmacológica, usada de forma isolada, poderá estar longe de resolver na íntegra a sintomatologia complexa desta síndroma. 8 De igual forma, a dieta, por si só, não é capaz de curar uma doença multideterminada como é a AD/HD. No entanto, em muitos casos, é determinante para o alívio de sintomas, criando-se deste modo um tratamento completo e abrangente, capaz de melhorar significativamente a qualidade de vida de muitas crianças com AD/HD e a de todos aqueles que com elas partilham o dia a dia. A síndrome de hiperactividade/défice de atenção afecta actualmente milhões de crianças e adultos em todo mundo. Definida de forma controversa pelo complexo aglomerado de sintomas psico-comportamentais envolvidos, o seu diagnóstico é ainda empírico e limitado pela inexistência de exames clínicos categóricos, capazes de correlacionar de forma inequívoca os sintomas manifestos. 37 Modificações dietéticas – uma peça chave no tratamento Encarar a AD/HD como uma síndrome complexa que necessita de uma abordagem cuidada e individualizada é, sem dúvida, essencial para o sucesso da terapêutica a instituir.5,20,22 A primeira intervenção em doentes com AD/HD deve ser dietética.11 A criação de um plano alimentar específico para cada doente, em que se procede à eliminação da alimentação de aditivos alimentares, de alimentos para os quais há manifestas reacções de sensibilidade e da sacarose, origina invariavelmente algumas melhorias. 10,11 É necessário explicar aos pais que, para a criança, a adesão a uma dieta com variadas restrições que impedem quase sempre o consumo de muitos alimentos favoritos, é difícil e necessita de muito apoio e vigilância quer em casa quer na escola, onde ela fica inevitavelmente mais exposta a tudo aquilo que sabe que não pode comer mas que vê as demais crianças incluírem nas suas merendas escolares.11 Pesquisar a existência de eventuais alergias, quer de natureza alimentar, quer de outro tipo, é um contributo valioso para o tratamento eficaz desta síndrome. A generalidade das crianças com AD/HD beneficia consideravelmente com a eliminação dos agentes alergizantes e dos alimentos aos quais são intolerantes, alguns com uma contribuição mais activa do que os outros na sintomatologia da hiperactividade, impulsividade e diminuída capacidade de atenção, mas todos, de uma forma geral com um forte contributo para o mal-estar da criança.12,13 Paralelamente à instituição de mudanças na alimentação e à pesquisa e controlo das alergias e intolerâncias alimentares, é fundamental proceder-se à avaliação e correcção de eventuais carências nutricionais. São fundamentalmente os minerais, os ácidos gordos essenciais e as vitaminas do grupo B os principais alvos a considerar.11 Vitaminas A carência em algumas vitaminas, essencialmente as do grupo B, tem sido registada em crianças com AD/HD e apontada como uma possível causa para o agravamento de determinados sintomas. 14 Alguns estudos comprovam uma melhoria do desempenho cognitivo de crianças submetidas a suplementação vitamínica. Por exemplo, a suplementação em piridoxina, um cofactor essencial para a maioria das vias metabólicas dos aminoácidos, incluindo as vias de descarboxilação da dopamina, adrenalina e serotonina, poderá desempenhar um importante papel no alívio de alguns sintomas da AD/HD.5,14 Minerais Os principais minerais e oligoelementos candidatos à suplementação, pelo facto de se revelarem deficientes em crianças com AD/ HD, são o ferro, o zinco e o magnésio. A carência em ferro está associada a uma diminuição considerável da capacidade de concentração, pelo que foi alvo de investigação em crianças com AD/HD. Constatou-se uma melhoria dos sintomas de hiperactividade, acompanhada de um aumento da capacidade de aprendizagem verbal e de memória, em crianças suplementadas com ferritina “gastroprotegida”. 15 Estudos realizados em diferentes países revelam que as crianças com AD/HD possuem valores de zinco sérico manifestamente inferiores ao normal, embora não sejam ainda conhecias as razões para este achado nestas crianças. Num trabalho recente, constatou-se um decréscimo significativo dos sintomas de hiperactividade e impulsividade em crianças diagnosticadas com AD/HD, que apresentavam níveis séricos reduzidos de zinco e ácidos gordos, submetidas a suplementação com zinco durante um período de doze semanas. 38 16,17 A Ingestão inadequada de magnésio B Susceptibilidade genética para apresentar níveis diminuídos de magnésio nos eritrócitos C Efeito de depleção provocado pelas catecolaminas e hormonas do stresse Tabela I - Possíveis causas para a carência de magnésio Um trabalho com 116 crianças com AD/ HD, mostrou que 95% da população estudada apresentava níveis diminuídos de magnésio e que a suplementação dietética com este mineral diminui, de forma significativa, os níveis de hiperactividade, em comparação com o grupo controlo. 18,19 Três razões principais têm sido apontadas para explicar a carência em magnésio, constatada em crianças com AD/HD (Tabela I). 19 Considerada o distúrbio comportamental mais frequentemente diagnosticado a crianças, a hiperactividade/défice de atenção é marcada por um entrelaçar de sintomas variados que dão corpo a uma síndrome complexa, e representa para a criança um fardo que, se não for devidamente amparado e cuidado, deixará marcas para toda a vida. 39 Ácidos gordos essenciais Vários estudos revelam que quer os ácidos gordos essenciais da série n-3, e da série n-6, se encontram significativamente reduzidos em crianças com AD/HD.20-21 A causa inerente a estas carências é ainda desconhecida, embora se afirme que pelo menos algumas características da AD/HD poderão resultar de uma anomalia subjacente do metabolismo dos ácidos gordos ou de uma conversão ineficiente dos ácidos gordos essenciais em ácidos gordos polinsaturados de cadeia longa (LCPUFA).20 A avaliação de crianças com AD/HD revelou concentrações de LCPUFA inferiores às dos grupos controlo que, por sua vez, poderão ser a explicação para os teores reduzidos de ácido araquidónico (AA), ácido docosahexaenoico (DHA) e do percursor do AA, o ácido dihomo-g-linoleico (DGLA), igualmente constatados.A polidipsia dissociada de poliúria, o cabelo seco e a pele escamosa estão associados a carências nestes ácidos gordos vitais e são frequentes em muitas crianças com AD/HD. As crianças com concentrações totais mais baixas de ácidos gordos n-3, apresentavam maiores problemas comportamentais, maiores dificuldades na aprendizagem e um número superior de sintomas de hiperactividade. 20 Os resultados conseguidos nos estudos que avaliam o efeito da suplementação em ácidos gordos polinsaturados revelam uma clara melhoria comparativamente com os grupos controlo, com uma diminuição considerável dos problemas comportamentais e cognitivos. 20,21 Os fosfolípidos, particularmente a fosfatidilcolina e a fosfatidilserina, têm sido usados com algum sucesso no tratamento da sintomatologia desta síndrome e de outras patologias comportamentais. Quando ingerido como suplemento dietético, a fosfatidilserina facilita a ocorrência de sinapses e impulsiona as funções neurotransmissoras da dopamina, i.e., a sua produção, libertação e acções nos receptores pós-sinapticos. Em crianças com AD/HD, a suplementação com fosfatidilserina é benéfica em mais de 90% dos casos. Com ingestões da ordem dos 200 a 300 mg por dia de fosfatidilserina, durante um período de cerca de 4 meses, a capacidade de concentração e aprendizagem melhora consideravelmente.21 40 Outros nutrimentos A sacarose é frequentemente apontada como um nutrimento promotor da hiperactividade. Trabalhos efectuados com crianças diagnosticadas com AD/HD demonstram que algumas possuem uma tolerância anormal à glicose em resposta a uma refeição rica em sacarose. 5,11,22 Suspeita-se que algumas crianças com AD/ HD apresentem alterações no metabolismo dos açúcares que se reflectem em desequilíbrios na regulação da glicose sanguínea. Com consequências a nível do sistema nervoso central, o teor de açúcares da dieta poderá gerar muitos dos sintomas conotados com a hiperactividade e impulsividade.5 A verdade, contudo, é que nem todas as crianças com AD/HD manifestam esta intolerância aos açúcares, da mesma forma que nem todas são afectadas pelas alterações metabólicas de qualquer um dos nutrimentos até agora referidos. Cada caso apresenta as suas particularidades específicas e daí a dificuldade em uniformizar a terapêutica adequada a cada criança.11 A correcção das deficiências em macro e micronutrimentos deve ser gradativa, abordando um nutrimento de cada vez, para que se possa identificar com acrescida precisão aqueles que exercem, em cada caso particular, Paralelamente à instituição de mudanças na alimentação e à pesquisa e controlo das alergias e intolerâncias alimentares, é fundamental proceder-se à avaliação e correcção de eventuais carências nutricionais. São fundamentalmente os minerais, os ácidos gordos essenciais e as vitaminas do grupo B os principais alvos a considerar. um efeito mais exacerbado na sintomatologia do AD/HD. A integridade da microflora intestinal é um factor de grande importância, particularmente se considerarmos os desequilíbrios provocados pelo crescimento exagerado de organismos indesejados, nomeadamente de leveduras, que geram reacções adversas pela carga de metabolitos secundários libertados para a corrente sanguínea.22 Nesta fase do tratamento, uma vasta maioria das crianças com AD/HD apresentam uma evolução notória, consequente da intervenção multifacetada, em que a terapia cognitivocomportamental e a psicoterapia, envolvendo pais, a criança e os professores, têm um papel decisivo no desenvolvimento e evolução do plano terapêutico. A avaliação contínua e objectiva dos doentes é fundamental, sendo importante o uso de escalas, para comparar os progressos alcançados quer no meio escolar, quer em casa.11 41 Conclusão A AD/HD tem, sem dúvida alguma, reflexos marcados no desenvolvimento social, intelectual e psicológico da criança, arrastando para o seio familiar complicações avassaladoras do bem-estar de todos os seus elementos. O seu impacto sobre indivíduos, famílias, escolas e sociedade é profundo, sendo grande a necessidade de se informar sobre a sua complexidade, para que deixe de ser encarada da forma tão superficial. Muito embora os progressos alcançados em relação à avaliação da síndrome, ao seu diagnóstico e tratamento, sejam consideráveis e promissores, permanece a controvérsia em torno do seu tratamento. Contudo, cada vez mais, o papel da Nutrição no tratamento desta síndrome se destaca como fundamental para uma abordagem completa e eficaz. Quer a correcção das carências nutricionais constatadas quer a eliminação da dieta de alimentos ou constituintes alimentares que provocam reacções adversas, têm-se revelado fundamentais no controlo e eliminação de sintomas para a grande maioria das crianças. A resposta individual é um factor importante para se determinar a abordagem terapêutica adequada. Compreender os múltiplos factores associados à AD/HD é um passo essencial no seu tratamento, pelo que cada criança deverá ser sempre cuidadosamente estudada e acompanhada. Numa equipa de trabalho multidisciplinar, o Nutricionista poderá contribuir significativamente para o sucesso da terapêutica, devendo ser este o percurso terapêutico privilegiado. Bibliografia 42 1) Taylor EA. Childhood hyperactivity. Br J Psychiatry 1986; 149:562-573. 2) Adler LA. Clinical presentations of adult patients with ADHD. J Clin Psychiatry 2004; 65(Suppl 3):8-11. 3) Tannock R. 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Existe um número crescente de fármacos no mercado para o tratamento da hipertensão. Entre os mais frequentemente prescritos encontram-se fármacos como os Diuréticos e Bloqueadores Beta já com várias décadas de utilização clínica e fármacos mais recentes como os Antagonistas dos Canais do Cálcio, Inibidores da Enzima de Conversão da Angiotensina e os recém-chegados Antagonistas dos Receptores da Angiotensina II. 46 Introdução A hipertensão arterial é um factor de risco cardiovascular prevalente e modificável. Existe um número crescente de fármacos no mercado para o tratamento da hipertensão. Entre os mais frequentemente prescritos encontram-se fármacos como os Diuréticos (Diur.) e Bloqueadores Beta (B. β) já com várias décadas de utilização clínica e fármacos mais recentes como os Antagonistas dos Canais do Cálcio (ACC), Inibidores da Enzima de Conversão da Angiotensina (IECA) e os recém-chegados Antagonistas dos Receptores da Angiotensina II (Agt II). Os diferentes grupos de anti-hipertensores apresentam um perfil farmacodinâmico e metabólico diferente sendo por isso importante a consideração de factores como o sexo, a idade, a raça e a presença de comorbilidades como a diabetes, a dislipidemia,insuficiência cardíaca,asma,angor, antecedentes de enfarte agudo do miocárdio, doença arterial periférica, entre outros, na escolha do fármaco adequado a cada doente. No estudo de Framingham a prevalência de hipertensos encontrada foi de 20%2. Num estudo epidemiológico realizado no Sudeste da França em 19964 os anti-hipertensores mais utilizados nos homens eram os IECA e os antagonistas do Cálcio; por sua vez, nas mulheres os bloqueadores beta e os diuréticos eram os mais prescritos4. Num trabalho de meta-análise comparando a proporção de utilização das diferentes classes de anti-hipertensores verificou-se um aumento estatisticamente significativo (p<0.05) da proporção de doentes medicados com Antagonistas dos Canais de Cálcio e de IECA4. O conhecimento da proporção da utilização de cada classe de anti-hipertensor e das características sócio-demográficas e de comorbilidade dos hipertensos medicados poderá ajudar a definir estratégias de vigilância e servir como instrumento de avaliação e aperfeiçoamento da prática clínica. Destas considerações surge a importância da determinação da proporção de hipertensos tratados com as diferentes classes de antihipertensores Material e métodos Este trabalho teve como objectivo estabelecer qual a proporção dos hipertensos tratados com cada classe de medicação anti-hipertensora. Este constitui um estudo transversal e descritivo baseado no preenchimento de um questionário não identificado com base em anotações referentes a utentes de três médicos de família do Centro de Saúde de Vila do Conde. Decorreu entre Abril e Dezembro de 2001 tendo a informação sido recolhida em Agosto do mesmo ano. Foram estudados hipertensos do Centro de Saúde de Vila do Conde (sede). Os IECA e os diuréticos correspondiam aos fármacos mais utilizados em associação o que poderá ser justificado por serem individualmente os mais utilizados e pela sua compatibilidade e potenciação de efeito terapêutico quando co-administrados. 47 A amostragem foi do tipo aleatório, sistemática de 10 em 10 obtendo-se 416 utentes da lista de 3 médicos de família onde se seleccionou a amostra (n=68), o que corresponde a uma proporção de 16,3% de hipertensos. Foram estudadas a partir de anotações dos clínicos, as seguintes variáveis: sexo; idade; tratamento com diurético; tratamento com IECA; tratamento com bloqueador Beta; tratamento com antagonista dos canais de cálcio; tratamento com antagonista dos receptores da angiotensina II; tratamento com outros antihipertensores ou tratamento com associação de diferentes anti-hipertensores; diabetes; dislipidemia; insuficiência cardíaca; asma; outras comorbilidades (vasculares arteriais, arritmias); angina de peito e enfarte do miocárdio. Definiu-se Hipertenso como o utente que apresentasse dois ou mais registos de pressão arterial sistólica igual ou superior a 140 mmHg ou pressão arterial diastólica igual ou superior 90 mm Hg. Os critérios de definição de diabetes e dislipidemia e restantes comorbilidades foram efectuados de acordo com as anotações e valorização clínica dos mesmos efectuada pelos respectivos Médicos de Família. Foram utilizados métodos de estatística descritiva na caracterização dos dados recolhidos. Tabela 1. Amostra Sexo n(%) Idade (anos): 46(67,6) Média+DP 62,2±19,8 22(32,4) Mediana 63 Tabela 3. Anti-Hipertensores Tabela 2. Comorbilidades n(%) 21(30,9) 9(13,2) 7(10,3) 12(17,7) 27(39,7) Dislipide Diabetes Asma Outras Ausente IECA Diurético ACC Agt II B. β Isolado Total n(%) 18(26,5) 8(11,7) 7(10,3) 5(7,4) 3(4,4) n(%) 28(41,2) 20(29,4) 11(16,2) 9(13,2) 4(5,9) Associado 15(22,1) Nenhum 13(19,1) Legenda – DP, Desvio Padrão 48 Resultados O número de hipertensos conhecidos (amostra) foi de 68 (16,3%) Destes, 46 (67,6%) eram do sexo feminino (Tabela 1). A idade variou dos 33 aos 90 anos; média de idade de 62,2 anos (s = 19,80) e mediana de 62,5 anos. A comorbilidade mais prevalente foi a dislipidemia em 21 (30,9%) dos hipertensos, seguida da diabetes em 9 (13,2%) e da asma em 7 (10,3%). Outras comorbilidades afectaram 12 (17,65%) dos hipertensos; 27 (39,7%) não apresentaram comorbilidade conhecida (Tabela 2). Os IECA foram os anti-hipertensores mais utilizados (Tabela 3), sendo que, 28 (41,2%) dos hipertensos estavam medicados com este tipo de fármaco; 19 (27,9%) estavam medicados com diuréticos; 11 (16,2%) estavam medicados com antagonistas do cálcio; 9 (13,2%) estavam medicados com antagonistas angiotensina II; 4 (5,9%) estavam medicados com bloqueadores–β. Cerca de um quinto, 15 (22,1%) estavam medicados com associações de fármacos, e 13 (19,1%) não foram medicados. A associação de IECA com diurético foi prescrita a 7 (10,3%) dos hipertensos estudados (Tabela 3 e Figura 1). Figura 1. – Proporção de utilização das classes de anti-hipertensores e respectivas associações B.-β 3(4,4%) Agt II 5(7,4%) Diur. 7(10,3%) ACC 7(10,3%) 4(5,8%) 0 1(1,5%) IECA 18(26,5%) 0 7(10,3%) 2(2,9%) 1(1,0%) Clas. 0 Agt II Diur. ACC Bβ/ACC B.β Legenda: Clas. – Classe de anti-hipertensores Discussão A proporção de hipertensos foi inferior à verificada num estudo epidemiológico realizado no Sudoeste da França em 1996 por Pedro Marques-Vidal e colaboradores. As diferenças metodológicas e a dimensão das amostras podem justificar esta diferença. A média de idade também difere embora exista sobreposição da distribuição desta variável. 1996 no Sul da França verificando-se uma prevalência mais elevada de prescrição de IECA contudo, nesse mesmo estudo, verifica-se um aumento significativo (p<0,05) no consumo deste fármaco face a 1986. Os antagonistas dos canais de cálcio são prescritos a 19,2% dos hipertensos da amostra enquanto que 25% da população do estudo em França tomam este fármaco. A dislipidemia afecta 30,9 % da amostra, uma proporção semelhante à deste estudo (29%). Os antagonistas da angiotensina II eram prescritos a 13,2 % dos doentes em 2001. A prevalência de diabéticos 13,2 % é cinco vezes superior à encontrada no mesmo estudo o que traduz diferenças metodológicas entre o inquérito de base populacional realizado numa população do Sul da França e a amostra de utentes do Centro de Saúde de Vila do Conde. A pequena dimensão da amostra em estudo e diferenças genéticas e de estilo de vida também poderão contribuir para estes resultados. Os IECA foram os anti-hipertensores mais utilizados seguidos pelos diuréticos. Os resultados obtidos contrastam com os obtidos em 60 40 0 0 3 4 5 Os bloqueadores-β eram utilizados numa menor proporção que no estudo do Sul de França (5,9% versus 30%). 80,9% dos hipertensos conhecidos estavam medicados. Esta proporção foi aproximada à verificada no estudo supracitado (77%). Os IECA e os diuréticos correspondiam aos fármacos mais utilizados em associação o que poderá ser justificado por serem individualmente os mais utilizados e pela sua compatibilidade e potenciação de efeito terapêutico quando co-administrados. 49 Conclusão A proporção de hipertensos na amostra foi de 16 %.A média da idade foi de 62,2 +19,80. A dislipidemia, a diabetes e a asma foram as comorbilidades mais prevalentes. Dos hipertensos conhecidos 19,1% não estavam medicados. Os IECA e os diuréticos constituíam os anti-hipertensores mais utilizados tanto isoladamente como em associação. A utilização de bloqueadores-β foi inferior à esperada. A segunda associação de anti-hipertensores mais utilizada foi a dos antagonistas da angiotensina II com diurético. Este estudo com todas as suas limitações logísticas e de tamanho amostral pode ser encarado como um trabalho com alguma valia na avaliação da dimensão de um factor de risco como a hipertensão, porém, dadas as limitações com que foi desenvolvido poderá servir apenas para estimar a dimensão deste problema. Uma avaliação com maior validade só será possível em estudos de maior dimensão. 50 Bibliografia 1 - Messerli FH, Grossman E, Goldbourt U; “Are betablockers efficacious as first-line therapy for hypertension in the elderly? A systematic review”; Department of Internal Medicine, Oshsner Clinic and Alton Ochner Medical Foundation, New Orleans, LA 70121, USA; Jama 1998 Jun 17; 279 (23): 1903-7; 2 -Dannenberg AL et al: “Incidence of hypertension in the Framingham study”; Am J Publ Health 1998; 78:676; 3 - Pahor M, Psaty BM, Alderman MH, Applegate WB, Williamson JD, Cavazzini C, Furberg CD; “Health outcomes associated with calcium antagonists compared with other first-line antihypertensive therapies: a meta-analysis of randomised controlled trials” Stich Center on Aging, Department of Internal Medicine, Wake Forest University, Winston Salem, NC 27157, USA; Lancet 2000 Dec 9; 356 (9246): 1949-54; 4 - Marques-Vidal P, Ruidavets JB, Cambou JP, Ferrieres J; “Trends in hypertension prevalence and management in Southwestern France, 1985-1996”; INSERM U518, Faculte de Medicine Purpan, 37, Alles Jules Guesde, 31073, Toulouse Cedex, France; J Clin Epidemiol 2000 Dec; 53 (12): 1230-5; 5 - Neal B, MacMahon S, Chapman N; “Effects of ACE inhibitors, calcium antagonists, and other blood-pressure-lowering drugs: results of prospectively designed overviews of randomised trials. Blood Pressure Lowering Treatment Trialists’ Collaboration”; Stich Center on Aging, Department of Internal Medicine, Wake Forest University, Winston Salem, NC 27157, USA; Lancet 2000 Dec 9; 356 (9246): 1955-64; 6 - Staessen JA, Gasowski J,Wang JG,Thijs L, Den Hond E, Boissel JP, Coop J, Ekbom T, Gueyffier F, Liu L, Kerlikowske K, Pocock S, Fagard RH; “Risks of untreated and treated isolated systolic hypertension in the elderly: meta-analysis of outcome trials”Department of Molecular and Cardiovascular Research, University of Leuven, Belgium; Lancet 2000 Mar 11; 355 (9207): 865-72; 7 - Collins R, Peto R, MacMahon S, Hebert P, Fiebach NH, Eberlein KA, Godwin J, Qizilbash N,Taylor JO, Hennekens CH; “Epidemiology”, “Blood pressure, stroke, and coronary heart disease”, Part 2, short-term reductions in blood pressure: overview of randomised drug trials in their epidemiological context; Stich Center on Aging, Department of Internal Medicine, Wake Forest University, Winston Salem, NC 27157, USA; Lancet 1990 Apr 7; 335: 827-38. Prémio Ser Saúde/ISAVE Será anunciado o prémio Ser Saúde/ISAVE de ciência e investigação em saúde na próxima edição. Contactos: ISAVE | Campus de Geraz - Quinta de Matos | Geraz do Minho 4830-316 Póvoa de Lanhoso Telefone – 253.639.800 | Fax – 253.639.801 Email - [email protected] | [email protected] 52 Conceição Antunes Mestre em Educação, área de especialização em educação para a saúde, docente do ISAVE, Instituto Superior de Saúde do Alto Ave Maria do Céu Taveira Doutorada em Psicologia da Saúde, docente da Universidade do Minho, Instituto de Educação e Psicologia Formação em educação para a saúde: A evolução que o conceito de saúde sofreu ao longo das últimas duas décadas contribuiu para o desenvolvimento de métodos de manutenção e promoção da saúde e do bem-estar das pessoas. Estes têm sido o objecto de investigação da educação para a saúde, domínio em que se insere o presente estudo. Neste âmbito, um factor importante da qualidade das práticas educativas, é a existência de profissionais de saúde com conhecimentos e qualidades pessoais e profissionais adequadas ao exercício de mestria naquele âmbito. Considerando este princípio, pretende-se, com o presente estudo exploratório, avaliar dimensões da personalidade e do contexto profissional dos enfermeiros para melhor compreender as condições e os modos mais adequados de organização da sua formação em educação para a saúde. Um estudo com profissionais de enfermagem 53 54 A definição de saúde proposta pela Organização Mundial de Saúde (OMS, 1948) encara-a como um «bem-estar». Apesar disso, nas organizações e ao nível das práticas profissionais, a saúde tem sido entendida sobretudo como a «não doença». Com a sua definição, a OMS parece ter proposto uma imagem sedutora da saúde, permitindo o desaparecimento do mal e do sofrimento. Contudo, a ciência tem-se apresentado quase sempre como uma arma de luta contra o mal e a doença, permitindo a biomedicalização do mundo. Para autores como Honoré (2002), a felicidade humana prometida pela OMS através da sua definição de saúde tem tardado em chegar, permitindo que o mal se continue a disseminar rapidamente. Com efeito, a adopção das modernas formas de viver, tem contribuído para a sobreposição dos valores humanos, dos valores técnicos e económicos, contribuindo para um crescente afastamento do homem, do homem relativamente à natureza e do homem relativamente a si próprio. As promessas científicas e técnicas parecem, desta forma, acabar num pesadelo, já que as sociedades se têm tornado mais patogénicas. Com a evolução das formas de vida temse conseguido resultados quer positivos quer negativos. O fenómeno da globalização impôs uma constância na mudança social e económica levando a alterações nos índices de morbilidade, de mortalidade e de produtividade. Pretende-se, no âmbito da saúde, e face a este contexto, que as gerações presentes e futuras se tornem mais saudáveis de forma a poderem responder às mudanças permanentes com que se deparam ao longo da vida. Assim, a nível mundial, e também em Portugal, as questões da saúde deixaram de se focalizar na doença e o foco de intervenção passou a ser a prevenção da doença e a promoção da saúde. Neste contexto, a necessidade de intervir no âmbito da saúde é pertinente, sempre no sentido de minimizar ou mesmo de eliminar os riscos de saúde, através de um conjunto de intervenções dirigidas às alterações dos hábitos de vida e comportamentos menos saudáveis. A nível mundial, e também em Portugal, as questões da saúde deixaram de se focalizar na doença e o foco de intervenção passou a ser a prevenção da doença e a promoção da saúde. Neste contexto, a necessidade de intervir no âmbito da saúde é pertinente, sempre no sentido de minimizar ou mesmo de eliminar os riscos de saúde, através de um conjunto de intervenções dirigidas às alterações dos hábitos de vida e comportamentos menos saudáveis. 55 A deslocação de uma visão negativa da saúde para uma visão mais positiva, parece também ser o resultado de uma evolução na perspectiva da saúde, num sentido global, emergindo conceitos, hoje tidos como importantes. De entre outros, salientam-se os conceitos de bem-estar e de promoção de saúde. Este último conceito tem sido entendido como uma dimensão que visa a melhoria do nível de saúde dos cidadãos. Bennett e Simon (1999) consideram que o desenvolvimento histórico da promoção da saúde supõe a inclusão de medidas económicas, sociais, ambientais, políticas, institucionais e profissionais. Com efeito, o conceito base da saúde, neste contexto, é percebido como um recurso de vida quotidiana e não como uma finalidade de vida. Trata-se de um conceito positivo que valoriza, entre outros, os recursos sociais e individuais. Desta concepção da saúde como recurso, decorre que a educação para a saúde tem por objectivo favorecer a expressão de problemas de saúde pelas pessoas e grupos. O seu papel é o de criar condições de acesso a «Escolas de Saúde» para que as pessoas e comunidades sejam capazes de aceder a um nível mais alto de saúde e bem-estar (Honoré, 2002). E numa área tão importante e complexa como a da saúde, é cada vez mais importante a colaboração de sectores institucionais e profissionais, em que o objectivo fundamental é o de produzir um trabalho pedagógico e educativo que se aproxime das necessidades e problemas das pessoas e das comunidades, relacionados com a sua saúde. Face ao actual padrão de saúde/doença, caracterizado por patologias de evolução prolongada e de etiologia predominantemente comportamental, os serviços de saúde e os seus profissionais detêm um papel importante neste domínio. Neste contexto, o grupo profissional de enfermagem destaca-se, no entender de Gil (1994), com um duplo papel: como modelo de comportamentos e como grupo de educadores. Com efeito, os enfermeiros, pelas características da sua profissão, dadas as múltiplas oportunidades de contacto directo que possuem com as pessoas e com a comunidade, e pela sua capacidade de adaptação às carências e às novas necessidades que vão surgindo na sociedade (Skeet, 1991), têm vindo a adquirir uma importância profissional com significado na sociedade. Pela sua crescente autonomia, 56 capacidade e conhecimentos especializados, os enfermeiros parecem constituir um vector de interferência e desejabilidade nas equipas multidisciplinares que se pretendem, na área de educação para a saúde. Peter Hjört, cit. por Pardal (1990, p.12), considera que a educação para a saúde se identifica a: «Uma escada que é preciso subir e cada degrau representa uma fase desse processo. O início dá-se com a comunicação, segue-se a compreensão dos factos, acredita-se que é preciso mudar algo, actua-se em conformidade porque se interiorizou um conjunto de atitudes, crenças e habilidades que nos levam à adopção de comportamentos mais adequados». Neste sentido, toda a acção dos profissionais de enfermagem deve configurar-se num processo de comunicação interpessoal, dirigido de forma que as pessoas sejam capazes de um exame crítico dos seus problemas e comportamentos de saúde e, por conseguinte, que sejam responsabilizados, tornando-se mais aptos a elegerem comportamentos saudáveis. Desta ideia resulta o facto de os profissionais que desenvolvem actividades de educação para a saúde, terem que ser formados num quadro teórico que os consciencialize para o dever de entender a saúde como um recurso de vida que é necessário aprofundar, manter e promover. Devem esses profissionais estar conscientes de que os comportamentos de cada ser humano não se influenciam somente pelos conhecimentos, cultura, crenças, contextos de vida, papéis sociais e valores. No plano das decisões individuais, jogamse igualmente outros aspectos, tais como a relação, a comunicação e a motivação. Neste contexto, para Honoré (2002), a formação dos profissionais de saúde é uma solução, e a saúde é uma condição necessária para partir à descoberta das possibilidades dos outros, e aceder ao mundo comum, nas suas diferentes formas de existência humana.Tendo em conta a importância que a educação para a saúde tem vindo a adquirir nos últimos anos, para aquele autor, entre outros, (Andrade, 1995; Castell, 1993; Grácio, 1996; Larrea e Plana, 1993; Skeet, 1991) os enfermeiros devem desenvolver os seus conhecimentos em áreas tão diversas como a Psicologia, a Pedagogia, a Antropologia e as Ciências da Comunicação. Com base nestas áreas do saber, os profissionais de enfermagem serão capazes de perceber o desenvolvimento do comportamento humano, os modos de vida das pessoas, a variedade de reacções ao stress e aos acontecimentos inesperados da vida, a importância do apoio e da valorização das famílias e dos grupos, no âmbito da saúde. Como ciência, Sousa (1994) considera que a enfermagem se tem vindo a desenvolver, embora lentamente, com base num amplo quadro teórico de conceitos pragmáticos, próprios da profissão. Todo o desenvolvimento teórico e conceptual tem tido como centro a pessoa humana numa interacção com os profissionais, para quem o objectivo fundamental enquanto enfermeiros é o de procurarem compreender a pessoa humana na sua globalidade, inserida num contexto, num ambiente, de forma a promover e a favorecer a vida e a saúde. Se tivermos como referência as concepções teóricas de enfermagem enunciadas nas seis escolas, verificamos que todas as concepções se fundamentam teoricamente nas Ciências Sociais e Humanas. Existe uma perspectiva geral e uniforme das práticas de enfermagem, fundamentadas numa visão holística da pessoa humana como centro activo no seu processo saúde/doença, numa orientação humanista e dinâmica, já que se apela constantemente à criação de uma relação produtiva e terapêutica entre quem pratica e quem recebe o exercício da profissão. (Adams, 1994; Colliére, 1989; Mendes, 1997; Pearson e Vaughan, 1992; Ribeiro, 1995). São ainda evidenciados, nestas perspectivas teóricas, aspectos como o significado da vida humana, a liberdade de escolha atribuída aos utentes, ou o poder de decisão sobre o seu processo de saúde/doença, se estes se encontrarem numa situação de domínio da sua capacidade de decisão. Tratam-se de orientações teóricas que reflectem e fomentam uma preocupação com o bem-estar dos indivíduos, e que valorizam a relação inter-pessoal entre os profissionais de enfermagem e o utente. Apelam ao respeito pelos valores, à cultura e ao meio onde se procura promover o máximo potencial de saúde quer individual, quer colectivo. Neste sentido, estas perspectivas teóricas parecem apresentar um forte contributo para a formação de profissionais de enfermagem em educação para a saúde. Contudo, no campo da prática, deparamonos ocasionalmente com um hiato entre a teoria e a actividade profissional, isto é, entre o saber e o agir. Os profissionais de enfermagem parecem limitar-se com frequência a praticar actos técnicos, mecanizados, onde a comunicação é esquecida e o respeito pelos valores fundamentais da pessoa humana é praticamente inexistente, ou seja, os gestos humanizantes são reduzidos ao mínimo, por vezes até eliminados das práticas profissionais (Ribeiro, 1995). Para aquela autora, se por um lado se vão observando metodologias científicas para a resolução de situações clínicas e educativas, por outro lado, num considerável número de ocorrências, os profissionais de enfermagem apresentam dificuldades de transposição para a prática de conceitos teóricos básicos. Este aspecto poderá significar que as orientações teóricas não foram compreendidas ou assimiladas aquando da formação recebida e muito menos integradas nas situações reais de trabalho. Algumas explicações têm sido dadas para o hiato teórico-prático na actividade dos profissionais de enfermagem. Salienta-se a explicação apontada por Taveira (2001) e outros, a propósito da intervenção de outros profissionais de ajuda como os psicólogos, 57 58 que é o facto da formação dos profissionais pressupor, por diversas vezes, um modo linear de transmissão de conhecimento dos teóricos para os práticos, ignorando-se normalmente a construção pessoal do conhecimento que ocorre na aprendizagem realizada pelos práticos. A este propósito Correia (1996) e Ribeiro (1995) referem que a evolução tecnológica tem vindo a apelar à valorização das práticas tecnicistas, traduzindo-se na área da saúde por uma crescente exigência das unidades de cuidados intensivos. Estas unidades com recurso a tecnologias sofisticadas, parecem ter vindo a atrair, nos últimos anos, muitos profissionais de enfermagem, principalmente os mais jovens. Como consequência, tem-se assistido, também, a uma desvalorização dos sentimentos do utente relativamente à sua experiência de doença, desvalorização da comunicação, da relação humana e dos valores, do saber ser e do saber estar. De acordo com aquelas autoras, tem-se evidenciado ainda nos contextos de trabalho dos enfermeiros a necessidade de práticas orientadas para a dimensão afectiva. Para Correia (1996) e Ribeiro (1995), a aquisição de competências naquele domínio deverá ser mais valorizado no período de formação inicial e continua dos profissionais de enfermagem. Ribeiro (1995) considera que a ajuda na manutenção da qualidade de vida e a promoção da dignidade humana parecem constituir uma resposta adequada aos efeitos da especialização e da tecnicidade que se tem verificado nos últimos anos nos cuidados de saúde. Nas últimas duas décadas, a formação contínua foi-se impondo como uma necessidade, caracterizando-se também como uma estratégia de resolução dos diversos problemas relacionados com os contextos de trabalho e do quotidiano em geral. Os seus objectivos têm sido entendidos como uma forma de maximização dos resultados, das actividades desenvolvidas de uma forma essencialmente qualitativa. Tendo em conta a importância da Formação e da Educação evidenciadas pela UNESCO (1997) e as recomendações que transpareceram das Reuniões de Alma-Ata e de Ottawa, a importância da formação e das práticas dos profissionais de enfermagem no âmbito dos Cuidados de Saúde Primários, da promoção da saúde e da educação para a saúde, foram também enfatizadas considerando-se, contudo, que associado a esta formação é fundamental o desenvolvimento de um novo perfil profissional dos Enfermeiros. Numa análise aos modelos e práticas de formação em enfermagem, conclui-se que a preparação daqueles profissionais, no âmbito da educação para a saúde, evoluiu associada à história das práticas de enfermagem descritas por Kérouac e colaboradores (1996), em quatro fases distintas: práticas centradas no ambiente, práticas centradas na doença, práticas centradas na pessoa e práticas centradas na abertura sobre o mundo. Nesta última fase referenciada, emerge a educação para a saúde como um poder fundamental na construção de uma sociedade saudável e com estilos de vida apropriados à manutenção da saúde. Neste contexto, evidenciam-se também, práti- Neste sentido, toda a acção dos profissionais de enfermagem deve configurar-se num processo de comunicação interpessoal, dirigido de forma que as pessoas sejam capazes de um exame crítico dos seus problemas e comportamentos de saúde e, por conseguinte, que sejam responsabilizados, tornando-se mais aptos a elegerem comportamentos saudáveis. Desta ideia resulta o facto de os profissionais que desenvolvem actividades de educação para a saúde, terem que ser formados num quadro teórico que os consciencialize para o dever de entender a saúde como um recurso de vida que é necessário aprofundar, manter e promover. cas de enfermagem que contemplam, entre outros aspectos, as práticas no âmbito das visitas domiciliárias, o uso de técnicas terapêuticas menos invasivas e agressivas, e a necessidade de desenvolver, nos contextos da formação profissional, capacidades e competências no âmbito das relações interpessoais e da comunicação. Relativamente à formação de enfermeiros, pretende-se que a mesma não continue a evidenciar uma formação exclusiva ou predominante em competências desenvolvidas em meio hospitalar (Navarro, 1995). A formação de enfermeiros terá que acompanhar as transformações que se têm verificado no campo social, particularmente, no sentido social da saúde. E se a profissão tende a ser cada vez mais influenciada quer pela dimensão social quer económica, os enfermeiros terão, na perspectiva daquela autora, de desenvolver práticas que interfiram nos fenómenos de dependência das pessoas, relativamente aos serviços de saúde, alterando-os. Evidenciam-se nestas ideias o dever que os profissionais de enfermagem têm no sentido de estimular a iniciativa dos utentes/família/comunidade, ajudando-os a reencontrar as suas capacidades a fim de preservar e promover a saúde (Santos, 1993). Pretende-se que se formem enfermeiros com competências que lhes inspirem uma acção centrada na pessoa e na sua saúde, que sejam capazes de ajudar e de motivar as pessoas, no sentido de estabelecer metas individuais ou colectivas, para uma aproximação crescente ao pólo positivo do Contínuo da Saúde,no sentido da construção de uma sociedade mais saudável. As mais recentes perspectivas de formação e 59 de desenvolvimento profissional, no âmbito da enfermagem, parecem valorizar não só a actualização e o aprofundamento de conhecimentos, mas também a mudança de atitudes e a aprendizagem de comportamentos, face às novas realidades (Basto, 1998; Bento, 1998). Na actualidade,os profissionais defrontam-se no seu quotidiano com situações que saem dos contextos tradicionais das suas práticas. E para que possam responder a essas solicitações de uma forma eficaz, os enfermeiros necessitam de formação adequada e de convicção pessoal (Lash, 1990), mas, também, de um sentido de vocação (Castell, 1993; Skeet, 1991). 60 O desenvolvimento vocacional tem sido considerado, também, como um processo contínuo e evolutivo que ocorre ao longo do ciclo vital dos indivíduos (cf. Taveira, Coelho, Oliveira e Leonardo, 2004). Neste contexto, as perspectivas mais recentes de orientação vocacional enfatizam objectivos relacionados com o desenvolvimento de competências para a tomada de decisão, de destrezas sociais e de capacidades de comunicação interpessoal e grupal. Esta perspectiva pode ser apreendida do modelo de avaliação de personalidade vocacional de Holland (1990), um quadro de referência útil para a caracterização e descrição de valores e capacidades percebidos pelas pessoas fade ao mundo escolar e profissional. Através da utilização do modelo deste autor é possível relacionar de forma empírica características pessoais com características dos ambientes profissionais. O referido autor proporciona um esquema conceptual através do qual o conhecimento da pessoa pode ser relacionado com o conhecimento sobre diferentes profissões ou papéis que desempenha. Na educação para a saúde, por exemplo, a utilização do modelo de Holland pode ser útil, no sentido de avaliar características da personalidade e características profissionais de âmbito vocacional, que se julgam importantes para o desempenho de papéis relacionados com os processos educativos. Em seguida descrevem-se, sumariamente, as características dos seis tipos de personalidade e as características ambientais correspondentes, definidos por Holland (1990): os tipos RIASEC. Para cada um deles, é possível caracterizar pessoas e ambientes relacionados: TIPO: Realista,TIPO: Investigador,TIPO: Artístico,TIPO: Social, TIPO: Empreendedor e,TIPO: Convencional. De acordo com o modelo vocacional de Holland, os enfermeiros são caracterizados no código RIASEC em diferentes sub-escalas, em quatro perfis vocacionais diferentes, a saber: a) O tipo SIA – Características da Personalidade: Sociais, Investigadoras, Artísticas; b) O tipo SAI – Características da Personalidade: Sociais, Artísticas, Investigadoras; c) O tipo SIR – Características da Personalidade: Sociais, Investigadoras, Realistas; d) O tipo ISA – Características da Personalidade: Investigadoras, Sociais, Artísticas. 61 Estudo exploratório O estudo realizou-se em seis instituições escolhidas aleatoriamente de entre as instituições de saúde de referência da cidade de Braga, área de forte influência da Universidade do Minho: os Centros de Saúde de Braga I, II e III, o Hospital de São Marcos, a Clínica Médico-Cirúrgica de Santa Tecla e a Escola de Enfermagem Calouste Gulbenkian de Braga. Participaram no estudo 83 do total de 200 enfermeiros (70-84,3 % mulheres;MIdade = 33,0 anos; DPidade = 9,1; MTempo Serviço = 8,1 anos; cerca de 33-39,8% dos participantes possuem formação académica de licenciatura ou equivalência) a trabalhar naquelas instituições e 5 responsáveis pela formação em enfermagem na região em causa. Foram administrados dois questionários aos enfermeiros – questionário A, Os Profissionais de enfermagem e a educação para a saúde, com 45 itens de resposta de escolha múltipla, dicotómica e de resposta aberta, para avaliação de dados sócio-demográficos, e de história de carreira, motivações profissionais e características e condições da formação académico profissional e das práticas em educação para a saúde; e o questionário B, O Self-Directed Search; SDS-Forma CP; Holland, (1990); com 216 itens de resposta dicotómica, para avaliação da personalidade profissional, e uma entrevista semiestruturada aos responsáveis pela formação, para avaliação das opiniões, e da sensibilidade dos referidos responsáveis no âmbito da formação em educação para a saúde, e ainda para avaliar alguns interesses institucionais naquele domínio educativo. Para análise dos dados procedeu-se a uma análise quantitativa do Questionário A e do SDS que se baseou-se no estudo da distribuição da amostragem, da distribuição de frequência das respostas e na análise descritiva, e a uma análise qualitativa que foi efectuada com base na análise de conteúdos da questão aberta do Questionário A, procedendo-se à classificação e categorização a partir da análise de conteúdo de cada uma das respostas. Análise dos resultados No que se refere à formação em educação para a saúde (EPS) cerca de 68 (81,9%) dos participantes referem ter obtido formação neste âmbito educativo, 14 (16,9%) dos participantes referem nunca ter obtido formação em EPS, mas que gostariam de efectuar este tipo de formação se lhes fosse dada essa oportunidade (cf. Gráfico nº1) Dos 83 participantes no estudo, 70 (84,3%) dos profissionais inquiridos, referem ainda realizar diariamente nos seus contextos de trabalho práticas de EPS, ou seja, alguns dos profissionais desenvolvem este tipo de práticas sem formação nesta área. 62 Contudo, no campo da prática, deparamo-nos ocasionalmente o saber e o agir. Os profissionais de enfermagem parecem onde a comunicação é esquecida e o respeito pelos valores seja, os gestos humanizantes são reduzidos ao mínimo, por 1 Formação em educação para a Saúde 40 2 50 38 45 Motivos para Formação em educação para a Saúde 47 45 35 40 30 35 35 30 5 5 0 20 0 14 5 14 0 18 5 0 5 5 0 0 Obtiveram Não obtiveram Gostavam de obter 3 Livros e revistas Congressos Formação Inicial Formação Formação Curso Permanente Permanente Pós-Graduação em Contexto de em Contexto trabalho Escolar Motivos A análise dos dados recolhidos, permite verificar a existência de três grupos de interesses relacionados com a motivação para a formação em EPS: - Um grupo cujas motivações se relacionam bastante com preocupações de carreira e de desenvolvimento profissional; - Um grupo que apresenta interesses no trabalho relacionados com a EPS; - Um grupo cujas motivações têm a ver sobretudo com a progressão rápida na carreira profissional (cf. Gráfico nº 2) Os contextos de formação em EPS para a maioria dos participantes no estudo foram sobretudo a leitura de livros e de revistas da especialidade e a participação em congressos. Este facto pode revelar o interesse e a necessidade que os profissionais sentem em obter formação nesta área educativa.Também cerca de 35 (42,2%) dos participantes referem ter obtido formação em EPS durante a sua Formação Inicial (cf. Gráfico nº 3) O Gráfico nº 4 pretende apresentar as actividades/funções inventariadas do domínio da EPS. È possível verificar um elevado índice de realização para cerca de sete actividades, um médio índice de realização para 11 das actividades inventariadas e um baixo índice de realização para três das actividades em EPS. 63 com um hiato entre a teoria e a actividade profissional, isto é, entre limitar-se com frequência a praticar actos técnicos, mecanizados, fundamentais da pessoa humana é praticamente inexistente, ou vezes até eliminados das práticas profissionais. 3 Contextos da Formação em educação para a Saúde 60 60 60 4 Índice de Realização das Actividades de Educação 80 70 50 76 73 69 71 69 64 60 38 40 37 34 30 Aumentar o prestígio no local de trabalho Acompanhar a competição profissinal Evoluir na Carreira Formar-se para desenvolver Acções Educativas Saber mais Aprefeiçoar capacidade de participar em trabalho comunitário Desenvolver novas competências 34 43 35 32 18 0 5 Mais eficiência enquanto profissional 31 35 23 14 0 Contextos 42 30 3 0 Cumprir uma prática institucional 18 48 40 40 0 0 51 50 0 11 A A3 A5 A6 A7 12 A9 A A A3 A4 A5 A6 A7 A8 A9 A0 A A A3 A4 64 INVENTÁRIO DAS ACTIVIDADES/FUNÇÕES QUE PODEM SER DESENVOLVIDAS NO ÂMBITO DA ENFERMAGEM E NO ÂMBITO DA EDUCAÇÃO PARA A SAÚDE A2 - Implica o utente/família/comunidade no seu processo de saúde responsabilizando-o, consciencializando-o e integrando-o num processo educativo, que promova o auto cuidado e a autonomia; A12 - Favorece boas relações interpessoais na equipe multidisciplinar; A3 - Define e utiliza indicadores que lhe permitem avaliar de uma forma sistemática, as mudanças que ocorrem na situação de saúde dos utentes; A14 - Faz visita domiciliária de carácter educativo; A5 - Orienta o utente/família para organismos de apoio adequados; A6 - Explica ao utente os objectivos das intervenções e a forma como este pode colaborar; A7 - Proporciona ao utente/família, bibliografia e leituras adequadas, tendo em conta as suas necessidades/problemas; A9 - Responsabiliza-se por cuidados de enfermagem à família, no âmbito dos Cuidados de Saúde Primários; A11 - Realiza e/ou colabora em trabalhos de investigação; A13 - Tem em conta nas práticas, costumes e crenças dos utentes; A15 - Identifica necessidades/problemas aos utentes, às famílias ou grupos; A16 - Participa em acções de educação para a saúde a grupos na comunidade e/ou na instituição de saúde; A17 - Possibilita o acesso do utente/família/comunidade aos serviços básicos de saúde; A18 - Promove a intervenção de acções educativas, entre a unidade de saúde e a população; A19 - Dá informações sobre os recursos disponíveis; A20 - Procura ter informações e conhecimentos das condições e pr5oblemas da comunidade; 65 A21 - Detecta situações de risco (grupos de rico), e promove o encaminhamento dos mesmos no sentido de proteger as pessoas no que respeita à sua saúde; A22 - Fornece espaço para que a comunidade participe, se organize, analise, critique e reflicta sobre as situações de saúde, organize e desenvolva acções promotoras de saúde; A23 - Fornece literatura apropriada e alternativas estratégicas importantes para as mudanças de comportamentos (leituras, actividades, visitas, contactos, apoios); A24 - Adopta práticas actuais e dinâmicas e uma pedagogia adequada às situações, tendo em conta conhecimentos dos problemas e objectivos das pessoas; A25 - Utiliza a pedagogia de grupo nas suas práticas educativas; A26 - Tem um papel activo no desenvolvimento, difusão, implementação e avaliação das politicas que influenciam a saúde; A27 - Capacita, motiva pessoas interessadas da comunidade para actuarem como agentes de saúde; A28 - Organiza e assegura actividades no âmbito da protecção, prevenção e promoção da saúde da comunidade a grupos de risco; A31 - Avalia os resultados das práticas de educação para a saúde no que respeita às alterações comportamentais do utente/família/comunidade; A32 - Proporciona ao utente/família/ comunidade informação sobre comportamentos e actividades alternativas que visam a promoção de saúde; A33 - Informa o utente/família/comunidade dos comportamentos e actividades que podem comprometer a saúde ou a podem promover; A34 - Participa em acções locais/regionais/institucionais no âmbito da promoção de saúde; A35 - Dinamiza atitudes e comportamentos saudáveis. Para perceber as circunstâncias, a qualidade e o tipo de actividades de EPS desenvolvidas pelos profissionais, apresenta-se no quadro que se segue uma síntese dos discursos dos participantes: Nota: Do total de actividades/funções inventariadas, apresentam-se aquelas que se podem integrar no domínio da educação para a saúde. Quadro 1. Âmbito da integração das práticas de educação para a saúde em enfermagem. CATEGORIAS 66 Práticas de educação para a saúde: A – Desenvolvimento das actividades educativas SUB-CATEGORIAS CSP Cuidados de Saúde Primários Suj – 3, 8, 9, 12, 13, 21, 22, 23, 26, 31, 32, 33, 38, 40, 44, 45, 48, 51, 53, 54, 61, 62,63, 64, 69, CSD Cuidados de Saúde Diferenciados Suj – 1, 2, 6, 7, 10, 11,16, 17, 18, 19, 20, 25, 27, 28, 29, 30, 39, 41, 42, 46, 55, 58, 59, 60, 65, 66, 67,68, 70, 71,81, Área-Ensino Nas actividades diárias dos Enfermeiros Nº de casos Suj –, 73, 74, 75, 76, 77, 78, 79, 80, 82 Promover atitudes saudáveis Prevenir a doença B – Objectivos das práticas de educação para a saúde (EPS) Mudar comportamentos Tratar a doença (ensinar de acordo com as patologias) Suj – 7, 8, 16, 18, 28, 39, 42, 46, 61, 79, 82 Integrar o utente na família/ comunidade Nas estratégias de planeamento A – Planeamento com base nas decisões profissionais Informal Suj – 2, 9, 12, 25, 30, 37, 38, 77 B – Planeamento com base nas directrizes e programas da DGS e MS Formal Suj – 23, 32 Consulta de Enfermagem Sala de aula A – Momentos de realização das actividades educativas Cuidados de higiene Preparação para a alta Suj – 1, 30, 33, 34, 48, 51, 63, 78 “Aproveita todos os momentos para fazer ensino” Visitas Domiciliárias de Enfermagem Nas estratégias de execução 67 Prática transmissiva, normativa e restrita Prática desorganizada B – Modos de execução das práticas educativas Prática não programada Prática não sistematizada Suj – 40, 65 Práticas despersonalizadas Práticas passivas Práticas programadas Nas estratégias de avaliação Realização da avaliação das práticas educativas A – Práticas educativas centradas nos profissionais No centro do processo educativo B – Práticas educativas centradas no utente Não se faz Desenvolve-se actividade de EPS quando se julga oportuno Atende-se às situações do momento Atende-se às necessidades dos utentes Tem-se em conta a pessoa e os seus contextos socio-económicos Da análise dos conteúdos depreende-se que a avaliação das actividades educativas não se realiza, já que não existem referências quanto a esta temática nos discursos dos participantes Suj – 1, 30, 34, 38, 39, 46 Suj – 13, 22, 35, 36,45, 67, Nota: A análise dos dados apresentados no quadro parece evidenciar uma percentagem de educação para a saúde bastante redutora. Da análise dos resultados do estudo, no que se refere às características da personalidade que se pretendem para a profissão de enfermagem e para a realização das actividades de EPS, apenas 28 (33,8%) dos participantes apresentam perfis teoricamente mais característicos da personalidade que se adequa aos profissionais de enfermagem, ou com características que se pretendem para a profissão (cf. Gráfico nº 5) 68 Os participantes que apresentam perfis de SIR,são considerados por Holland como perfis congruentes com a profissão de enfermagem, mas com aptidões mais técnicas relacionadas com o trabalho desenvolvido pelos profissionais de enfermagem no âmbito dos Cuidados Intensivos e Blocos Operatórios. Uma grande maioria dos participantes neste estudo, cerca de 51 (61,5%), apresentam perfis vocacionais que não se adequam às características da personalidade que se pretende para a profissão de enfermagem e para a EPS, apresentam contudo características de âmbito Social. Destes participantes que apresentam perfis vocacionais que não se adequam à profissão de enfermagem, é de salientar ainda que um grande número apresenta características muito relacionadas com o empreendedorismo e ligadas ás actividades de gestão. Segundo o Modelo de Holland (1990), os perfis SIA, SAI e ISA, são os perfis da personalidade mais congruentes com a profissão de enfermagem e com a Educação, já que são descritos próximo do mundo das ideias, artístico e da criatividade, das actividades relacionadas com o ensino e com a investigação, com a ajuda terapêutica ou prestação de informação aos outros. 5 Perfis Vocacionais Teoricamente mais Típicos da Profissão de enfermagem e da Educação para a Saúde 60 51 50 40 30 0 4 0 5 5 4 SAI SIR ISA 0 S.IA OUTROS 6 Distribuição dos Participantes em Função do Perfil Vocacional, da Idade e Médias das Frequencias (Fr) das Actividades de Educação (AE) 50 46.0 45 40 34.6 35 34.3 33.3 30. 30 5 4.3 0 5 4.0 0 5 3.5 3.3 5.0 3. 5.0 4.3 4.0 3. 0 SIA SAI SIR Média das Fr das AE ISA Perfis vocacionais Outros Códigos Média de idades Relativamente à ideia de que os profissionais com maior experiência profissional seriam os que desenvolveriam as actividades educativas com frequência mais elevada, não se verifica neste estudo, apenas se verifica para os participantes que apresentam perfis vocacionais de ISA, ou seja, também com interesses ligados à investigação (cf. Gráfico nº6) Na linha de pensamento de Castell (1993), Deans (2000) e Navarro (1995), a função educativa dos enfermeiros deverá adequarse aqueles profissionais possuidores de uma formação específica profissional e académica, e de práticas de nível avançado. Contudo, e de acordo com a leitura do Gráfico nº7, verifica-se que são os profissionais com bacharelato aqueles que apresentam as médias de realização das actividades educativas mais elevadas. Esta constatação só é ultrapassada por dois participantes que possuem formação académica de Mestrado. Neste estudo verifica-se ainda que os contextos de trabalho com maior abertura e mais favoráveis ao desenvolvimento de actividades educativas são as Unidades de Cuidados de Saúde Primários (cf. Gráfico nº 8). Esta constatação vai de encontro às recomendações dadas pela OMS nas suas reuniões de Alma-Ata (1978), de Otawa (1986), Munique (2000), na 2ª Conferência Ministerial sobre enfermagem e do Relatório do Comité Consultivo para a Formação da União Europeia em 1996. 69 O desenvolvimento vocacional tem sido considerado, também, como um processo contínuo e evolutivo que ocorre ao longo do ciclo vital dos indivíduos. Neste contexto, as perspectivas mais recentes de orientação vocacional enfatizam objectivos relacionados com o desenvolvimento de competências para a tomada de decisão, de destrezas sociais e de capacidades de comunicação interpessoal e grupal. 7 Distribuição dos Participantes com Perfis Congruentes em Função do Percurso Académico e Média das Frequencias (Fr) das Actividades de Educação (AE) 4 13.0 8 Distribuição dos Participantes em Função do Contexto de Trabalho e Média de Fr das Actividades de Educação 35 33.0 30 0 8.0 8 0 6 4 8.0 5 5.0 3.7 5 4.5 3.5 2.7 0 5 0 CBE 9.0 2.0 CLE CLE+Esp. CLE+Mest. Média de Fr das AE Percurso Académico 3.7 3.3 3. 0 CSP CSD Área Ensino Média de Fr das AE Contextos de Trabalho Bibliografia 70 adam, E. (1994). Ser Enfermeira – Um Modelo Conceptual. São Paulo : Artes Médicas. andrade, M. I. (1995). Educação para a Saúde: Guia para Professores e Educadores. (1ª ed). (pp. 5-25). Lisboa: Texto Editora. basto, M. L. (1998). Da Intenção de Mudar à Mudança. 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Resultados finais do estudo Os resultados evidenciam: (i) – Uma desvalorização da educação para saúde na Formação dos profissionais de enfermagem e nos seus ambientes de trabalho, visível nos discursos dos responsáveis pela formação de enfermeiros nessas instituições. Nalgumas instituições de saúde parece existir alguma dificuldade por parte dos profissionais em aceder à formação em EPS. (ii) – Que os modelos de Formação adoptados na enfermagem não têm favorecido a aprendizagem de práticas de educação para a saúde. Alguns autores consideram que a formação tem sido fortemente escolarizada e tem-se processado de uma forma muito compartimentada, onde as experiências teóricas e práticas se produzem em tempos e espaços diferentes e tem encarado a prática com um carácter de previsibilidade. (iii) – Um elevado numero de profissionais apresentam percursos académicos formativos e perfis de personalidade pouco congruentes com as exigências da carreira e dos empregos de enfermagem na actualidade, em especial em educação para a saúde. Apesar dos resultados que emergem destes dados, há que salientar que as tipologias (tipos de personalidade definidas), são apenas enquadramentos teóricos que nem sempre descrevem bem todas as pessoas já que se destinam a oferecer um esquema classificatório das atitudes e dos comportamentos. Daí que será também importante ter em conta as teorias mais desenvolvimentistas e sócio-construtivistas da personalidade para discutir os resultados deste estudo. (iv) – Os profissionais com aptidões para a investigação apresentam as médias mais elevadas de realização das actividades tipo Educativo. (v) – Uma motivação dos participantes enfermeiros para frequentar formação em educação para a saúde, relacionada sobretudo com objectivos de desenvolvimento profissional e com preocupações com a carreira. (vi) – Um conhecimento restrito dos enfermeiros sobre o conceito e os objectivos da educação para a saúde, com uma sobreposição conceptual entre educação para a saúde e a informação, resultando numa visão redutora da intervenção naquele âmbito educativo. (vii) – Uma adequação das Unidades de Cuidados de Saúde Primários para implementar e desenvolver práticas de educação para a saúde em enfermagem. 71 personalidade linguagem compromisso da memória A Demência frontotemporal compromisso da memória resultam em alterações e familiares heterogéneo de doenças resultam em alterações (DFT) esporádicas resultam em alterações compromisso da memória inclui um grupolinguagem graus variáveis compromisso da memória comportamen A demência frontotemporal personalidade e familiares linguagem heterogéneo de doenças personalidade l inclui um grupo personalidade (DFT) graus variáveis esporádicas esporádicas linguagem linguagem comportamento personalidade heterogéneo de doenças A demência frontotemporal linguage esporádicas A demência frontotemporal linguagem A demência frontotemporal compromisso da memória linguagem esporádicas (DFT) resultam em alterações personalidade ) nto linguagem em Introdução A demência frontotemporal (DFT) inclui um grupo heterogéneo de doenças esporádicas e familiares, que resultam em alterações da personalidade e do comportamento, com graus variáveis de compromisso da memória e da linguagem. Historicamente sempre foi difícil distinguir a DFT de alguns distúrbios psiquiátricos primários, pois as primeiras e mais marcantes manifestações da DFT são comportamentais e o seu início é mais precoce que o esperado para as outras demências. Assim, a apatia e o retraimento social podem ser confundidos com um quadro depressivo. Pelo contrário, a desinibição ou o comportamento inapropriado, bizarro, agressivo podem ser confundidos com episódios maníacos, psicóticos ou até de intoxicação por substâncias. A DFT é um termo recente que engloba várias variantes patológicas, como a Doença de Pick (DP), a Afasia Progressiva Primária (APP), a Demência Semântica (DS) e a Degenerescência Corticobasal (DCB). O termo de DFT substitui a clássica Doença de Pick, pela observação de que as alterações da personalidade e do comportamento associadas com a atrofia frontotemporal ocorriam muitas vezes em doentes sem corpos de Pick. O termo Doença de Pick ficou restrito à variante com corpos de Pick. 73 Humberto Figueiredo Interno Complementar de Psiquiatria do Hospital Sobral Cid Ilda Murta Assistente Hospitalar Graduada do Hospital Sobral Cid Epidemiologia(2) A DFT corresponde de 5 a 20% dos casos de demências degenerativas. 74 No total das demências, a sua prevalência é maior em idades inferiores a 65 anos. Nos mais velhos as demências de Alzheimer (DA) e vascular representam a grande maioria. O início pode ocorrer entre os 35 e os 70 anos, geralmente entre os 50 e 60, mais precocemente do que na DA. Homens e mulheres são afectados de forma idêntica. História familiar de DFT ocorre em 40% dos casos. A demência frontotemporal assume essencialmente dois padrões clínicos. A variante frontal, responsável por 90% dos casos, com alterações da personalidade e comportamento e a variante temporal, com disfunção progressiva da linguagem, correspondendo a 10% dos casos. Clínica Trata-se de um conjunto de entidades clínicas geralmente lentamente progressivas (5), cujos critérios clínicos de diagnóstico, como definido peloWork Group on Frontotemporal Dementia and Pick’s Disease são: (1) 1) Desenvolvimento de défices cognitivos ou comportamentais manifestados por: a. Alterações precoces e progressivas da personalidade, com dificuldades na modulação de comportamentos, resultando em comportamentos inapropriados ou b. Alterações precoces e progressivas da linguagem com problemas severos na expressão, nomeação e significado das palavras. 2) Causam disfunção significativa e representam declínio significativo do nível prévio. 3) Início gradual e declínio contínuo no funcionamento. 4) Não são devidos a outras patologias (ex. hipotiroidismo, AVC) ou substâncias. 5) Não ocorrem exclusivamente durante um delirium. 6) Não são melhor definidas por uma condição psiquiátrica primária. Variantes da DFT A DFT assume essencialmente dois padrões clínicos.A variante frontal,responsável por 90% dos casos, com alterações da personalidade e comportamento e a variante temporal, com disfunção progressiva da linguagem, correspondendo a 10% dos casos. A variante frontal caracteriza-se por uma mudança precoce na conduta e dificuldades em modular o comportamento às demandas sociais. As alterações da personalidade e do comportamento são uma combinação de desinibição e impulsividade ou apatia e abulia com diminuição do insight. Estes doentes podem ser irritáveis, inapropriados, impulsivos e agressivos. Podem exibir comportamentos repetitivos, estereotipados, compulsivos (ingestão de alimentos tipo bulímico, hiperoralidade com inserção permanente de objectos na boca, comportamento de utilização com manipulação dos objectos acessíveis), perseveração de palavras e acções, rigidez mental e inflexibilidade. À medida que a doença progride pode conduzir a comportamentos criminais como roubar, compras impulsivas, gastos excessivos, comportamentos sexuais desajustados, sempre por desinibição, falta de crítica e impulsividade. A impulsividade pode mesmo ser autodestrutiva, levando por exemplo, o doente a tenta sair de um carro em andamento quando contrariado. Um tipo especial de desinibição é denominado de Síndroma de Klüver-Bucy, com hipersexualidade, hiperoralidade, necessidade de tocar e examinar objectos ao alcance (comportamentos de utilização). (2) A outra apresentação, variante temporal, menos comum, é caracterizada por alterações graduais e progressivas da linguagem com preservação de outras áreas da cognição, como a memória. Dependendo da natureza, localização e fase da doença usam-se os termos afasia primária progressiva e demência semântica. Na afasia primária progressiva, a maioria dos casos temporais (“variante temporal esquerda”), há um défice isolado da linguagem (expressão, encontrar a palavra correcta, nomeação de objectos). O discurso é pobre, agramatical e pouco espontâneo. Podem desenvolver dificuldades na leitura e escrita. Com a progressão podem deixar de escrever, usam cada vez menos palavras, desenvolvem aprosodia, surgem problemas com o significado das palavras, hipofonia, o discurso pode tornar-se perserverativo e ecolálico, evoluindo quase sempre para mutismo. Numa minoria a atrofia é mais restrita ao temporal anterior bilateralmente, denominando-se demência semântica. Neste subtipo, o discurso é fluente, compulsivo e parafrásico (características de afasia transcortical sensitiva), com agnosia associativa, alteração grave na compreensão, motivando respostas do género “não me apetece comer nada, quando a questão era qual a sua profissão?” 75 As lesões temporais direitas estão mais associadas com hipomania, aprosodia e prosapognosia (dificuldade em reconhecer faces, defeito visuoperceptual). Quase todos acabam por apresentar parkinsonismo ou outros EPS, a hemiparésia é frequente nos casos assimétricos e uma pequena percentagem desenvolve uma variante da DFT com DNM. (3) 76 Avaliação Neuropsicológica Na DFT há alterações precoces da personalidade, comportamento e linguagem, com relativa preservação, de outras áreas da cognição, principalmente nas fases iniciais da doença (memória, capacidades visuoespaciais e orientação no espaço). (4) Nas fases mais ligeiras o MMSE é normal, tal como pode ser a imagiologia, mas o estudo neuropsicológico revela disfunção regional frontal ou temporal. Caracteristicamente, os doentes com DFT são orientados no espaço, não se perdem, pelo que desenvolvem muitas vezes compulsão para andar. O defeito frontal evidencia-se nas provas executivas de funções de tipo abstracto (como o raciocínio abstracto - pragmatismo, interpretação de provérbios, planeamento e resolução de problemas), na tomada de decisões, julgamento crítico e nas provas de plasticidade mental (alteração da iniciativa, perda de alternância, obsessividade). A obsessividade manifesta-se por exemplo com dimensões do desenho, pondo 4 pontos para fazer um círculo correcto, medindo os quadrados para os copiar, fazem desenhos, desenham bem, “às vezes melhor que o avaliador” pois há preservação parietal, nomeadamente capacidade construtiva e de desenho) mas depois tem perseveração (em vez de uma flor desenham 3, não param quando o desenho termina, passam várias vezes sobre mesmo local, etc.) revelando assim dificuldades no arranjo e cópia de figuras geométricas. Apesar disso são melhores na construção, cópia e função de cálculo que os doentes com DA. (4) A preservação parietal permite que alguns doentes desenvolvam a capacidade de desenho e casos de “criatividade na demência”, para pintura e música, isto quando a perda é mais à esquerda. As provas temporais com avaliação da linguagem oral e escrita permitem objectivar afasia progressiva de baixo débito, defeito semântico, alterações na compreensão ou expressão da linguagem. (3) Imagiologia Nas fases iniciais, TAC e RMN podem ser normais mas permite, desde logo, excluir patologia tumoral frontal (meningioma parassagital) ou demência vascular subcortical, com clínica semelhante. Posteriormente mostram atrofia frontal e ou temporal conforme a variante patológica (1, 3, 5) (figura) A PET e SPECT são mais sensíveis em fases precoces. Mostram hipometabolismo ou hipoperfusão. A atrofia ou diminuição da perfusão mais alargada, envolvendo lobos parietais, é mais compatível com DA. (3) EEG O EEG é geralmente normal. Útil no diagnóstico diferencial com DA (lentificação do ritmo de fundo). (3) Electromiograma Em casos especiais, com associação de doença do neurónio motor. (3) Doseamento da Proteína tau ou suas isoformas no LCR Não acrescenta sensibilidade ou especificidade ao diagnóstico clínico (3). heterogéneo de doe resultam em alterações compromisso incluida um e familia (DFT) heterogéneo deperso doe lin resultam em alterações personalidade A demência frontotemporal linguagem esporádicas eA hetero linguagem esp linguage esp graus variávei linguagem A demência frontotemporal personalidade linguagem Figura 1 Na RMN-CE diferentes tipos de DFT correspondem a diferentes áreas afectadas. DFT – Lobo frontal bilateralmente: Responsável por crítica, personalidade, planeamento e organização. Afasia progressiva não fluente – Córtex perisilviano esquerdo e broca: Linguagem falada. Demência semântica – Lobos temporais anteriores bilateralmente: Armazenamento de informação geral sobre o mundo (conceitos). Muito importante para reconhecimento de linguagem e faces. compromisso da compromisso da mem heterogéneo compromisso da memó A demência frontotemporal heterogéneo de linguagem heterogéneo de d A demência frontotemporal compromisso d personalidad Etiologia e Genética A DFT assume essencialmente dois padrões clínicos.A variante frontal, responsável por 90% dos casos, com alterações da personalidade e comportamento e a variante temporal, com disfunção progressiva da linguagem, correspondendo a 10% dos casos. (3) A maioria dos casos com envolvimento genético tem hereditariedade do tipo autossómica dominante, pelo que 50% dos descendentes de uma pessoa afectada estão em risco de desenvolver DFT. Cerca de 18% de todas as DFT e 43% das formas familiares são portadoras de mutações no gene da proteína tau, no cromossoma 17. Recentemente o cromossoma 9 e o 3 foram também implicados. (3, 4) Na DA as formas genéticas são 1% e geralmente sem mutação identificada pelo que é mais rentável o estudo genético nas DFT. Outros factores de risco, ainda controversos, são depressão, doença bipolar, personalidade prévia obsessiva, com tendência para o coleccionismo e o genótipo APOE 4. (3) personalid graus variáveis compromisso da memória (DFT)co A demência frontotempo resultam em alteraçõ compromiss resultam em e familiar resultam esporádicas heterogéneo de doe resultam em alterações compromisso incluida um e familia (DFT) heterogéneo deperso doe lin resultam em alterações personalidade A demência frontotemporal linguagem esporádicas eA hetero linguagem Patologia e Histologia A DFT é caracterizada pela atrofia das regiões frontais e, ou, temporais, embora também possa atingir os gânglios da base. (5) e astrócitos. Corpos de inclusão ubiquitina-positivos foram descritos na DFT com DNM (doença do neurónio motor) ligada ao cromossoma 9. Não se conhecem os mecanismos primários da degenerescência. Diagnóstico diferencial Como as primeiras manifestações da DFT são comportamentais, é facilmente confundida com patologias psiquiátricas primárias. Assim, a apatia e o retraimento social podem ser tomados por depressão. Pelo contrário, a desinibição ou o comportamento inapropriado, bizarro, agressivo podem ser confundidos com episódios maníacos (bipolar), psicóticos (esquizofrenia) ou até de intoxicação por substâncias. Uma vertente sintomática importante para o diagnóstico é o distúrbio da linguagem, muitas vezes o elemento indicador de patologia demencial, em detrimento de uma situação primariamente psiquiátrica. As mutações do gene da proteína tau condicionam formação de filamentos intracelulares de proteína anómala, condicionando o transporte e metabolismo, levando à degenerescência neuronal e glial (3). Pertence por isso ao grupo das taupatias em que se incluem DCB, PSP (paralisia supranuclear progressiva), DA e DFT. 78 A CID-10 refere que o quadro neuropatológico é de atrofia frontal e temporal, mas sem ocorrência de placas e tranças neurofibrilhares (NTFs) em maior quantidade que o observado no envelhecimento normal (5), o que nem sempre se verifica, pois que, agregações de proteína tau são encontradas nos neurónios do córtex, estriado e substância negra, lembrando muitas vezes a PSP e DA, condição conhecida como DFT com parkinsonismo, ligada ao cromossoma 17 (DFTP-17). De facto, alguns cérebros com corpos de Pick também podem apresentar quantidades variáveis de placas amilóides e NTFs, dificultando a distinção com a DA.(4) As alterações histológicas nas áreas atróficas são de dois tipos. No tipo 1, para lá da perda neuronal e gliose cortico-subcortical há, posteriormente, espongiose dos córtexes afectados principalmente nas lâminas corticais mais superficiais. No tipo 2 observam-se neurónios balonizados e corpos de Pick (inclusões neuronais citoplasmáticas, que coram de rosa na hematoxilina-eosina, compostos de fibrilhas que partilham determinados antigenes com as NTFs da DA) específicos da doença de Pick. Na DFT pode haver corpos de inclusão τ-positivos nas células oligodendrogliais A exclusão de causas médicas e cirúrgicas tratáveis é primordial. Deve fazer-se diagnóstico diferencial com outras demências. Comparação da DFT com a Doença de Alzheimer (DA) Ao contrário da DA, que aumenta muito com a idade, o início da DFT após os 75 anos é muito raro. O surgimento precoce das alterações comportamentais na DA é raro. Tendem a ser inicialmente socialmente apropriados. À medida que a DA progride podem agir inapropriadamente em situações sociais e financeiras que requeiram julgamento, mas primariamente devido aos seus défices cognitivos e não por impulsividade. Ao contrário da DFT na DA tem dificuldade precoce e marcada na aprendizagem, retenção de nova informação e na orientação. Na DFT podem ter performances variáveis nos testes de memória mas mais devido à falta de preocupação ou esforço. Uma vertente sintomática importante para o diagnóstico é o distúrbio da linguagem, muitas vezes o elemento indicador de patologia demencial, em detrimento de uma situação primariamente psiquiátrica. Na DFT a disfunção na linguagem pode ser o único défice cognitivo, com ou sem alterações do comportamento. Na DA as disfunções da linguagem estão quase sempre associadas a anomalias da memória. De notar que as alterações da linguagem, por si só, não permitem a distinção entre DFT e DA, pois a DA pode cursar com afasia, padrões repetitivos, que às vezes progridem para ecolália, empobrecimento da linguagem e mutismo, de modo que por vezes se requer confirmação do diagnóstico em necrópsia. Em estádios avançados são muito similares. O que as distingue é o curso retrospectivo. Tratamento (2, 3, 4) A DFT é tratada sintomaticamente. A principal alteração da neurotransmissão é o défice pré-sináptico de serotonina (5-HT), que se relaciona com a gravidade dos sintomas, associado a diminuição dos receptores 5HT1A, 1B, NMDA e AMPA do glutamato nas regiões frontotemporais. Assim, fármacos pró-serotoninérgicos são úteis no controlo dos sintomas psiquiátricos, sendo ISRS e trazodone usados para depressão, craving de alimentos, actividade compulsiva, impulsividade, irritabilidade e apatia. O sistema colinérgico está globalmente preservado, pelo que os inibidores das colinesterases não apresentam uma relação custo-benefício favorável. O trazodone, antipsicóticos e anticonvulsivantes podem ser úteis na agitação e agressividade. Os antipsicóticos podem também ser utilizados perante casos de pensamento muito desorganizado, com alucinações, delírios e agressividade. Deve-se privilegiar os novos antipsicóticos uma vez que os convencionais agravam mais significativamente o parkinsonismo de alguns casos de DFT. Bibliografia (1) McKhannGM e tal. Clinical and pathological diagnosis of frontotemporal dementia. Work Group on frontotemporal Dementia and Pick’s Disease. Arch Neurol. 2001; 58: 1803-1809 (2) Sadock B, Sadock V: Kaplan & Sadock’s Comprehensive textbook of psychiatry; Eight edition.Vol I: 1086-1087 (3) Santana I, Cunha L. Demência, Manual para Médicos. 2005 (4) Principles of Internal Medicine. Harrison’s 15TH Edition, McGraw-Hill, 2001. (5) Classificação dos Transtornos Mentais e do Comportamento da CID-10: Descrições clínicas e Directrizes Diagnósticas. Organização Mundial de Saúde. Porto Alegre. Artes Médicas, 1993. 79 Vítor Coutinho Médico, docente do ISAVE, Instituto Superior de Sáude do Alto Ave, doutorando de Medicina na Universidade de Santiago de Compostela, Espanha -OH 80 Actualmente, o alcoolismo é um importante problema de saúde pública relacionado, globalmente, com cerca de 4% de doença. Portugal terá cerca de 10% da população adulta dependente do álcool, sendo que na comunidade universitária este valor é o dobro; enquanto que, em média, cada cidadão português consome 9,6 litros de bebidas alcoólicas, a média mundial é cerca de 3,9 litros. Nas sociedades ocidentais, as doenças alérgicas assumem um papel primordial, com aumentos significativos da sua incidência associada a uma elevada prevalência (aumentos de 5% de doentes alérgicos ao ano). A maioria destas alergias tem origem no ambiente indoor, onde se passa cerca de 80% da nossa vivência. O objectivo deste estudo de revisão é avaliar a possível relação sensível entre consumo de bebidas alcoólicas e o desenvolvimento de doenças alérgicas através da revisão da literatura científica existente. O consumo de álcool está relacionado com uma variedade de reacções de hipersensibilidade e diversos estudos confirmam que o consumo de álcool aumenta o nível sérico de IgE total e que este diminui após um curto período de abstinência alcoólica; bem como a ingestão de bebidas alcoólicas pode induzir sensibilização alérgica. Apesar de variações genéticas e de factores ambientais afectarem a produção de IgE, o mecanismo ainda não é completamente conhecido; pelo que a sua compreensão poderia fornecer conhecimentos científicos sobre a regulação do sistema imunitário. No entanto, é essencial uma forte mobilização na prevenção primária do fenómeno social, através de programas de promoção da saúde e evicção da doença, na abordagem precoce dos consumidores excessivos de álcool, na detecção precoce de doenças alérgicas e, fundamentalmente, na divulgação da sua possível interacção, com evidentes implicações na saúde das populações. Uma questão de sensibilidade e (mau) gosto Introdução O consumo de álcool sempre foi usado nas sociedades humanas desde tempos primordiais.As bebidas fermentadas foram preparadas e consumidas, na maioria do mundo, variando a sua utilização consoante a cultura específica da população. Progressivamente, novas formas de bebidas alcoólicas foram introduzidas e diferentes produtos utilizados pelo Homem, sendo hoje um processo de socialização e de globalização. Paralelamente, a esta ubiquidade alcoólica na história humana, regista-se o aparecimento de problemas sociais e de saúde causados pelo consumo de bebidas alcoólicas. Existem relatos desta situação em textos ancestrais, sendo nas sociedades actuais o alcoolismo um importante problema de saúde pública. Existem evidências científicas que o consumo de álcool é responsável pelo desenvolvimento de algumas doenças e morte, bem como de incapacidades, absentismo, etc. Em geral, julga-se que o álcool seja responsável, globalmente, por cerca de 4% das doenças, causando tanta morte e incapacidade como o tabaco e a hipertensão. Julga-se que Portugal terá 10% da população adulta dependente do álcool, sendo que na comunidade universitária este valor sobe para o dobro, talvez devido às modificações nos hábitos de consumo (ex. binge drinking isto é, consumo frenético). Em todo o país existem cerca de 773.550 doentes alcoólicos, 1.027.850 bebedores excessivos e, na região do Minho, cerca de 88.400 doentes alcoólicos e 118.410 casos de bebedores excessivos. Em média, cada cidadão português consome 9,6 litros de bebidas alcoólicas quando a média mundial é cerca de 3,9 litros. O consumo de álcool está relacionado com mais de 60 doenças,desde neoplasias (ex.fígado, mama, esófago, cavidade oral), doenças cardio- 81 82 vasculares (ex. enfarte agudo do miocárdio, acidente vascular cerebral – AVC – também em adolescentes e jovens adultos), doenças gastrointestinais (ex cirrose hepática), doenças neuro-psiquiátricas (ex. depressão, epilepsia, dependência e abstinência alcoólica), lesões involuntárias (acidentes de viação com índices alarmantes, duas mortes por dia no nosso país, quedas, envenenamentos) a lesões intencionais (ex. suicídio, homicídio). O padrão de consumo tem reflexo na severidade da doença, pelo que, na maioria das doenças, existe uma relação entre o volume de álcool consumido e uma dose-resposta, com risco de doença no aumento do consumo. Nesta perspectiva, o alcoolismo é hoje um problema principal para os profissionais de saúde e outros, sendo um desafio para a ciência, na descoberta das suas bases fisiopatológicas como chave para a prevenção e o tratamento. As doenças alérgicas são definidas como uma prioridade para a Organização Mundial de Saúde (OMS), considerando-a como a epidemia do século XXI, particularmente nos países economicamente mais desenvolvidos. Nos últimos anos, surgem com uma elevada prevalência e um aumento da sua incidência, em geral, de 5% de doentes alérgicos ao ano. Nos países ocidentais, uma em cada 3/4 pessoas sofre de uma forma de alergia, estimando-se que as doenças atópicas possam afectar mais de 40% da população ao longo da sua vida. Entre as várias doenças alérgicas surgem a rinite alérgica, asma alérgica, eczema alérgico, alergias alimentares, medicamentosas, etc. A maioria destas alergias tem origem no ambiente indoor, onde se passa cerca de 80% da nossa vivência, sobretudo em edifícios. Na verdade, a comunidade em geral tem revelado um interesse renovado na sua detecção precoce, como por exemplo a criação do PAI – Projecto de Alergia Individualizada, que consiste na elaboração de um boletim histórico individualizado das alergias nas crianças, bem como a ciência na pesquisa da etiopatogenia destas patologias. O aumento da incidência de doenças alérgicas julga-se estar relacionado com uma menor exposição do organismo a doenças infecciosas, pelo que o sistema imunitário é mais estimulado por outros agentes que se encontram no meio ambiente, tornando-se mais sensível a estes. Outros factores são apontados como: alterações no estilo de vida, como hábitos modificados no domicílio, alimentação artificial, ausência de exercício físico, exposição a agentes poluidores e ao tabaco, etc. A IgE desempenha um papel essencial na doença alérgica. Esta imunoglobulina foi identificada por S.G. O. Johansson, em 1960, e caracterizada por Ishizaka e colegas, em 1967; a IgE sérica tem uma semi-vida curta (2 a 7 dias) e está presente nestas reacções de hipersensibilidade imunologicamente mediadas. O consumo de álcool está relacionado com uma variedade de reacções de hipersensibilidade, tais como: exacerbação de asma, alergia alimentar, anafilaxia induzida pelo exercício em indivíduos susceptíveis. Julga-se que o álcool desempenha o papel de promotor no desenvolvimento de sensibilização alérgica (mediada pela IgE) para outros antigénios. Uma atenção especial tem sido dada à síntese de IgE e ao mecanismo de sensibilização alérgica, estando esta síntese de IgE e a atopia sob controlo genético. A IgE é sintetizada pelos linfócitos B, e ambos necessitam do contacto com o seu específico alergeno e estimulação pelo específico tipo de linfócitos T Auxiliares ou Helper (células TH2), via moléculas de adesão e citoquinas para a síntese de IgE.As citoquinas tipo TH2 – especificamente a Interleucina (IL) – 4 e a Il 13 – são particularmente importantes para os Linfócitos B serem estimulados para a síntese de IgE. A maioria das variações genéticas descritas, predispondo para a atopia e subsequente doença alérgica, envolve genes destas citoquinas ou os seus receptores; enquanto que doenças e factores ambientais estão associados com altos níveis de IgE através da produção de citoquinas TH2 ou diminuição da produção, por contra-balanço, das citocinas TH1. A distribuição do nível sérico de IgE Total na população não é normal (curva gaussiana) mas ocorre em valores baixos, tendo a maioria dos sujeitos [IgE total sérica] abaixo de 100 IU/ml, considerado o valor normal; enquanto que valores elevados a este nível sugerem estado de atopia, apesar das limitações deste valor-diagnóstico. Na verdade, as doenças atópicas demostram uma base familiar, podendo estar relacionadas com ligações genéticas; enquanto que as doenças que rapidamente aumentam de incidência são aparentemente influenciadas por factores ambientais, sendo o consumo crónico de álcool, segundo estudos recentes, um desses factores. A possível interacção entre duas situações comuns como o consumo de álcool e doença alérgica pode ser relevante, sobretudo porque o consumo de álcool, mais acentuadamente nos países ocidentais, é regular e está a aumentar. O presente trabalho de revisão pretende conhecer o estado da arte na relação sensível entre consumo de bebidas alcoólicas e o desenvolvimento de doença alérgica, através da discussão do mecanismo subjacente ao aumento da concentração sérica de IgE. 83 Actualmente, o alcoolismo é um importante problema de saúde pública relacionado, globalmente, com cerca de 4% de doença. Portugal terá cerca de 10% da população adulta dependente do álcool, sendo que na comunidade universitária este valor é o dobro; enquanto que, em média, cada cidadão português consome 9,6 litros de bebidas alcoólicas, a média mundial é cerca de 3,9 litros. Material e métodos Foi efectuada pesquisa através de artigos científicos publicados em textos de livros, revistas, base de dados, estudos de metanálise, Internet, tais como Medline / Pubmed, Cochrane, desde Janeiro de 2001 a Agosto de 2006, usando as palavras-chave: Álcool; IgE; Doença Alérgica e Revisão. 84 Resultados Em diversos estudos científicos, sobretudo observacionais em humanos, realizados em vários países (ex. Espanha, Dinamarca, E.U.A) ficou demonstrado que o consumo de álcool está associado ao aumento da concentração sérica total de IgE, tendo as evidências científicas por base: 1- a [IgE total sérica] está aumentada em alcoólicos; 2- a [IgE total sérica] diminui após abstinência de álcool, em alcoólicos; 3- a [IgE total sérica] está aumentada em consumidores moderados de álcool (mais de 70-140g de álcool por semana, equivalente a 1-2 unidades de bebida standard por dia); 4- a [IgE total sérica] do cordão umbilical está aumentada em recém-nascidos das mães que consumiram álcool durante a gravidez; 5- em animais de laboratórios (ratos), a administração experimental de álcool é seguida do aumento da [IgE total sérica]. O consumo de álcool poder induzir sensibilização alérgica tem por base a evidência científica, em estudos observacionais humanos, que o consumo de álcool está associado à sensibilização alérgica mediada pela IgE;a prevalência da sensibilização alérgica é diferente em consumidores regulares de álcool do que em abstinentes; entre indivíduos alérgicos, o nível sérico de IgE-específica (ex. ácaros, pólen) para alguns alergenos é mais elevado em consumidores de álcool regulares do que em abstinentes e a incidência da sensibilização alérgica tende a ser mais elevada em consumidores regulares de álcool do que em abstinentes. Aliás, a associação positiva entre consumo de álcool e sensibilização alérgica aumenta paralelamente com a dose diária de álcool consumido. Bibliografia consumption with total Serum immunoglobulin E levels and allergic sensitization in an adult population-based survey. Clin Exp Allergy 2003; 33:199-206 Gonzalez-Quintela A, Vidal C, Gude F, et al. Increased Serum IgE in alcohol abusers. Clin Exp Allergy 1995; 25:756-64 Gonzalez-Quintela A,Vidal C, Lojo S, et al. Serum cytokines and increased total serum IgE in alcoholics. Ann Allergy Asthma Immunol 1999; 83:617 Gonzalez-Quintela A, Vidal C, Gude F. Alcohol –induced alterations in serum immunoglobulin E (IgE) levels in human subjects. Front Biosc 2002; 7:e234-44 Gonzalez-Quintela A, Dominguez-Santalla MJ, Perez LF, Lojo S,Vidal C. Serum levels of soluble CD30 and total IgE in alcoholics. Allergol Intern 2002; 51:33-7 Gonzalez-Quintela A, Vidal C, Gude F. Alcohol, IgE and Allergy. Addiction Biol.2004;9 (3-4):195-204 Johansson SGO, Hourihane JOB, Bousquet J, et al. A revised nomenclature for allergy. An EAACI position statement from the EAACI nomenclature task force.Allergy 2001; 56:813-24 Linneberg A, Nielsen NH, Madsen F, Frolund L, Dirksen A, Jorgensen T. 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Apesar da importância de factores genéticos e ambientais, o consumo de álcool aumenta o nível sérico de IgE Total e pode possivelmente modificar o risco de sensibilização alérgica mediada pela IgE. A importância deste fenómeno é desconhecida: patofisiologicamente, mais conhecimentos científicos neste campo podem melhorar a nossa compreensão do complexo e multifactorial mecanismo das doenças alérgicas; clinicamente, o consumo de álcool provavelmente explica uma pequena parte do risco de sensibilização alérgica. Contudo, face ao aumento acentuado, na actualidade, desta hipótese, seria aconselhável o desenvolvimento de estudos observacionais em larga escala e, eventualmente, com as naturais implicações éticas, de estudos experimentais. No entanto, é essencial uma forte mobilização na prevenção primária do fenómeno social, através de programas de promoção da saúde e evicção da saúde; desempenhando, segundo recomendação (tipo B) da Task Force Americana para a Medicina Preventiva em 2005, os médicos de Medicina Geral e Familiar (MGF), a nível dos cuidados de Saúde Primários, um papel essencial no rastreio do consumo de álcool; no aconselhamento para a sua redução em adultos e mulheres grávidas; na abordagem precoce dos consumidores excessivos de álcool; na detecção precoce de doenças alérgicas e fundamentalmente na divulgação da possível interacção entre álcool e alergias - uma questão de sensibilidade e (mau) gosto, com evidentes efeitos nefastos na saúde das populações. globulin E sensitization: the Copenhagen Allergy Study. Clin Exp Allergy 2003; 33:192-8 Matricardi PM, Rosmini F, Riondino s, et al. Exposure to foodborne and orofecal microbes versus airborne viruses in relation to atopy and allergic asthma; epidemiological study. BMJ 2000:320:412-17 Matricardi PM. Prevalence of atopy and asthma in eastern versus Western Europe: why the difference? Ann Allergy Asthma Immunol 2001; 87 (Suppl.): 24-7 Maziak W, Behrens T, Brasky T, Duhme H, Rzehak P,Weiland S et al. Are asthma and allergies in children and adolescents increasing? Results from ISAAC phase I and phase II surveys in Muster Germany. Allergy 2003; 58:572-79 Miller PM, Thomas SE, Mallin R. Patient Attitudes Towards Self-Report and Biomarker Alcohol Screening by Primary Care Physicians. Alcohol & Alcoholism 2006; 41(3): 306-10 Ownby DR. Clinical significance of immunoglobulin E. In Adkinson NF, Yunginger JW, Busse WW, Bochner BS, Holgate ST, Simmons FER, editors. Middleton`s allergy principles and practice. Philadelphia: Mosby; 2003, pp.1087-103 Room R, Babor T, Rehm J. Alcohol and public health- Review. 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Centro de Saúde de Braga – Unidade de Saúde do Carandá Marta Miranda Enfermeira. Pós-Graduação em Enfermagem de Emergência. Centro de Saúde de Braga – Unidade de Saúde do Carandá Úlc era sV en osa se 86 Gustavo Afonso Introdução Uma úlcera de perna pode ser definida como uma «ulceração abaixo do joelho em qualquer parte da perna, incluindo o pé, e que demora mais de seis semanas a cicatrizar» ou, ainda, uma «solução de continuidade na perna que ocorre em pele previamente lesada e que deixa cicatriz»4. Estudos europeus revelam uma prevalência de úlceras de perna em 1 a 2% da população adulta. Em Portugal, os dados de prevalência existentes referem-se a um estudo efectuado em 5 centros de saúde de Lisboa sendo esta de 1,41/1000 habitantes7. Estudos europeus revelam uma prevalência de úlceras de perna em 1 a 2% da população adulta. Em Portugal, os dados de prevalência existentes referem-se a um estudo efectuado em 5 centros de saúde de Lisboa sendo esta de 1,41/1000 habitantes. As úlceras de perna podem ser classificadas em diferentes tipos segundo a sua etiologia. As mais frequentes (60 a 80%) são úlceras venosas, 10 a 25% são de origem arterial e 25% de origem mista5. Esta classificação baseia-se nos fenómenos fisiopatológicos que dão origem a cada tipo de úlcera e em critérios clínicos. Na diferença da etiologia das úlceras de perna reside a importância do diagnóstico diferencial. Um diagnóstico exacto permite um tratamento adequado, pois intervenções terapêuticas indicadas para um caso são contraindicadas absolutamente noutro (exemplo, terapia compressiva). Neste artigo apenas vamos abordar a temática das úlceras venosas (UV). 87 Anatomo-Fisiologia O sistema venoso é responsável pelo transporte do sangue venoso das extremidades ou periferia para o coração. Nos membros inferiores (MI) existem dois sistemas de drenagem venosa. O sistema venoso profundo, que recolhe 90% da drenagem venosa do sangue mais profundamente, dos tecidos sub-aponevróticos, e o sistema venoso superficial, responsável pela drenagem dos restantes 10% do sangue proveniente da pele e tecidos subcutâneos. Estes dois sistemas comunicam entre si através das veias perfurantes. 88 A drenagem venosa unidireccional é facilitada pela existência de válvulas e pela acção da bomba muscular gemelar5,6. Foto 1: veias varicosas. Foto 2: edema. Fisiopatologia Quando este sistema se torna incompetente, por falência valvular, ocorre refluxo venoso e consequente aumento da pressão venosa. Desta hipertensão venosa resulta o aparecimento de veias varicosas (Foto 1) e um aumento da permeabilidade das veias e capilares dando origem ao extravasamento de fluidos para o espaço intersticial e daí ao aparecimento de edema (Foto 2). A hipertensão venosa provoca alterações tróficas na pele que surgem clinicamente como: hiperpigmentação (Foto 3), resultante da destruição dos eritrócitos no espaço extra-vascular; lipodermatosclerose, resultante da substituição de tecido subcutâneo por tecido fibroso e eczema ou dermatite de estase (Foto 4), associada a intenso prurido7. Foto 3: hiperpigmentação. Foto 4: eczema varicoso. O mecanismo exacto através do qual da hipertensão venosa resulta uma úlcera não é completamente compreendido e/ou consensual. Sabe-se que dos fenómenos fisiopatológicos resulta uma maior fragilidade cutânea e menor resistência a pequenos traumatismos e que a úlcera é uma complicação tardia da insuficiência venosa crónica4,5,7. Sinais e sintomas As úlceras venosas são mais frequentes nas mulheres e a sua localização mais comum é a região supra-maleolar interna do MI (Foto 5), podendo surgir em qualquer região do terço inferior da perna1,3. O seu tamanho é variável podendo atingir, em casos mais graves, uma forma circular em torno do MI (Foto 6). Geralmente são úlceras de bordos irregulares, superficiais e com predominância de tecido de granulação. A pele peri-lesional pode apresentar sinais característicos como o edema, hiperpigmentação, varicosidades e eczema, os pulsos distais estão presentes e a dor é mínima surgindo quase sempre associada a infecção6,9. Sintomas como a sensação de peso associada ao edema vão-se acentuando ao longo do dia e aliviam com a elevação dos MI. Foto 5: UV na região supra-maleolar interna. Foto 6: UV circular. A aplicação de compressão externa provoca efeitos fisiológicos e bioquímicos complexos que afectam o sistema venoso, arterial e linfático. A finalidade da terapia compressiva é a diminuição do edema e dos efeitos da hipertensão venosa. 89 90 Tratamento Para o tratamento das UV é importante o controlo de factores de risco associados à insuficiência venosa crónica, o que pode ser conseguido através da adopção de medidas higiénico – posturais como: • Cuidados de higiene adequados; • Evitar fontes de calor extremo; • Hidratação da pele e massagem dos MI em sentido ascendente; • Evitar o uso de vestuário apertado; • Dieta hipossalina; • Elevação dos MI (nomeadamente durante o sono); • Prática de exercício moderado; • Exercitar os MI em situações que exigem a permanência em longos períodos na posição de pé ou sentado6. O tratamento local das UV deve ser efectuado segundo princípios de tratamento de feridas em meio húmido, temática abordada no número 1 desta publicação – “Abordagem da Ferida Crónica – Tratamento Local” (páginas 112 a 119). Deve-se, portanto, efectuar limpeza com soro fisiológico ou água potável, não utilizar antisépticos ou antibióticos locais e utilizar apósitos que favoreçam a cicatrização em meio húmido. A chave do tratamento das UV é a terapia compressiva2. A aplicação de compressão externa provoca efeitos fisiológicos e bioquímicos complexos que afectam o sistema venoso, arterial e linfático. A finalidade da terapia compressiva é a diminuição do edema e dos efeitos da hipertensão venosa. Os efeitos terapêuticos são: • Aumentar o retorno venoso; • Diminuir o edema; • Melhorar o efeito da bomba muscular gemelar; • Facilitar o funcionamento das válvulas venosas; • Diminuir sintomas de insuficiência venosa crónica como a sensação de peso e dor6. A terapia compressiva pode ser efectuada através de: • Ligaduras; • Meias elásticas, • Compressão pneumática intermitente (IPC). A doença venosa é uma patologia que além de afectar as veias, afecta os territórios peri-venosos, provocando alterações clínicas e hemodinâmicas desencadeadas pelo refluxo venoso. Surge, assim, a insuficiência venosa que pode ter várias consequências desde as puramente estéticas (que se referem ao aparecimento de telangiectasias e veias reticulares), à doença varicosa e ao aparecimento de UV, como à doença póstrombótica grave e incapacitante. Ligaduras Qualquer tipo de ligadura é influenciado pela sua estrutura e propriedades elásticas, pela dimensão do MI, pela competência técnica do profissional que a aplica e pelo tipo de qualquer actividade física realizada pela pessoa. são sub-ligadura aumente com a mobilidade, por exemplo quando se caminha (potencia a acção da bomba muscular gemelar). A pressão exercida em repouso é praticamente nula, pelo que não tem indicação em pessoas sem actividade física. Antes da aplicação da ligadura deve excluirse a existência de patologia arterial.A palpação dos pulsos distais deve ser sempre efectuada, no entanto o ideal é a avaliação do IPTB (Índice de Pressão Tornozelo/ Braço). A determinação deste índice faz-se com Doppler portátil e constitui-se uma técnica de fácil execução e útil para diagnóstico diferencial de úlceras de perna. Quando o IPTB> 0,8 pode ser realizada terapia compressiva2,5,6. As ligaduras de longa tracção são ligaduras elásticas que produzem uma pressão constante tanto numa situação dinâmica ou estática. Os sistemas multicamadas combinam as propriedades de ligaduras elásticas e inelásticas da qual resulta uma acumulação de pressões4. Toda a ligadura deve ser efectuada com os MI elevados e desde a raiz dos dedos até à cavidade poplítea. As ligaduras podem ser feitas em circulares ou em espiga, sendo que em circulares o controlo da pressão é maior. O intervalo de pressão óptima oscila entre 35 e 40 mmHg. As ligaduras compressivas podem ser de curta tracção, de longa tracção ou multicamadas. As ligaduras de curta tracção (Foto 7) não são elásticas pelo que não distendem com a contracção muscular fazendo com que a pres- Foto 7: ligadura de curta tracção. 91 92 Meias elásticas As meias elásticas (Foto 8) devem ter as medidas adequadas às dimensões do MI. Devem ser colocadas de manhã após repouso com os MI elevados. De um modo geral, se usadas quotidianamente, têm uma duração de seis meses. Efectuam vários níveis de compressão existindo meias que, pela pressão que exercem, Foto 8: meias elásticas. podem ser usadas em úlceras em estado activo (nestes casos, a úlcera deve ser de dimensões reduzidas e ser pouco exsudativa). São de extrema importância em todos os casos de insuficiência venosa crónica, na prevenção de UV e após a sua cicatrização no sentido de prevenir recidivas5. Compressão Pneumática Intermitente (IPC) A IPC (Foto 9) foi inicialmente desenvolvida para a prevenção de trombose venosa profunda. Há estudos que concluem ter efeitos benéficos como adjuvante no tratamento de UV. É uma técnica ainda pouco utilizada2,6. Foto 9: compressão pneumática intermitente. Conclusão A doença venosa é uma patologia que além de afectar as veias, afecta os territórios peri-venosos, provocando alterações clínicas e hemodinâmicas desencadeadas pelo refluxo venoso. Surge, assim, a insuficiência venosa que pode ter várias consequências desde as puramente estéticas (que se referem ao aparecimento de telangiectasias e veias reticulares), à doença varicosa e ao aparecimento de UV, como à doença pós-trombótica grave e incapacitante. A prevalência da doença venosa é cada vez maior, surgindo associada ao sedentarismo, a trabalhos realizados de pé ou na posição sentada, a sobrecarga ponderal, uso de estrogenoprogestativos e também hereditariedade. Ao valor da prevalência correspondem custos sócio-económicos elevados, calculados com base nos custos do tratamento da doença varicosa e da UV propriamente dita: consultas, terapêutica médica e/ou cirúrgica, absentismo, exames auxiliares de diagnóstico, tratamento local, terapia compressiva, cuidados domiciliários, etc. Desta problemática conclui-se que se deve apostar em medidas preventivas de complicações tardias da insuficiência venosa crónica e que, quando instaladas (exemplo das UV) o tratamento deve ser o mais eficiente e eficaz baseado num correcto diagnóstico diferencial. Casos clínicos Caso 1 • Idade: 78 anos. • Sexo: Feminino. • Patologias e factores de risco associados: HTA; anti-inflamatórios. • Localização: Terço inferior interno do M.I.D. • IPTB = 1. • Tempo de evolução: 5 meses. • Tratamento anterior: colagenase; peróxido de hidrogénio a 1%. • Duração deste tratamento: 14 semanas. Tratamento: De 26/11/2003 a 25/02/2004: aplicação de matriz moduladora da protease + hidropolímero e ligadura compressiva 3x/semana (total de 40 tratamentos). 93 Caso 2 • Idade: 81 anos. • Sexo: Feminino. • Patologias e factores de risco associados: HTA. Caso 3 • Idade: 75 anos. • Sexo: Feminino. • Patologias e factores de risco associados: HTA; antecedentes de AVC. • Localização: Terço inferior interno do M.I.E. com área de 9,7 cm². • Localização: Terço inferior externo do M.I.E. • IPTB = 1,2. • IPTB = 1. • Tempo de evolução: 1 ano. • Tempo de evolução: 3 meses. • Tratamento anterior: colagenase. • Duração deste tratamento: 6 semanas. 94 • Observações: Ferida infectada. Tratamento: De 11/08/04 a 27/09/04: aplicação de carvão activado com prata e ligadura compressiva 3x/semana (total de 21 tratamentos). Bibliografia 1. BARROS, Jr N. (2003). “Insuficiencia venosa crónica” in Pitta GBB, Castro AA, Burilan E, editores. Angiologia e Cirurgia vascula: guia ilustrado. Maceió, Brasil. 2. European Wound Management Association (EWMA). Documento de Posicionamento: Comprendiendo la terapia compresiva. London: MEP Ltd, 2003. 3. FIGUEIREDO, M. (2003). “Úlceras varicosas” in Pitta GBB, Castro AA, Burilan E, editores. Angiologia e Cirurgia vascula: guia ilustrado. Maceió, Brasil. 4. FURTADO, Kátia,“Úlceras de perna – tratamento baseado na evidência” in Nursing nº 176, Abril 2003, pág.35 - 42. 5. Grupo de Trabajo sobre Úlceras vasculares de la A. E. E.V. VALENZUELA, A. R. (coord). (2004). Consenso sobre úlceras • Tratamento anterior: Hidrogel e hidrocolóide. • Duração deste tratamento: 8 semanas. • Observações: Ferida infectada. Tratamento: De 06/04/06 a 01/06/06: aplicação de espuma com alginato de prata e ligadura compressiva 2x/semana (total de 16 tratamentos). vasculares y pie diabético de la Asociación Española de Enfermería Vascular(A.E.E.V.). Espanha. 6. Grupo Nacional Para El Estudio Y Asesoramiento En Úlceras Por Presión Y Heridas Crónicas.TORRA I BOU e SOLDEVILLA (coord). (2004). Atención integral de las heridas crónicas. Madrid, Espanha. ISBN 84 – 95552-18-3. 7. MIGUÉNS, Cristina, “Diagnóstico diferencial da úlcera de perna” in Nursing nº 213, Setembro 2006, pág.26 - 30. 8. SOLDEVILLA, J, Javier. (1998). Guia práctica en la atención de las úlceras de piel. 4.ª edição, Madrid, Espanha, ISBN: 84 – 7391 – 212 – 8. 9. Sub-Grupo Hospitalar dos Capuchos/Desterro – Grupo de Trabalho de Feridas Crónicas nos Membros Inferiores, Recomendações para o Tratamento Ambulatório de Úlceras de perna venosas e mistas, 1ª edição, Lisboa, Portugal, 2000. sersaúde Revista bimestral de ciência e investigação em saúde Para submeter os trabalhos/artigos para publicação, envie-os para: Ser Saúde Quinta de Matos – Geraz do Minho 4830-316 Póvoa de Lanhoso [email protected] [email protected] Glória Guimarães Ribeiro1 1Enfermeira do Serviço de Cardiologia do Hospital de Santa Cruz – Carnaxide (2001/2005) 2Trabalho de Investigação realizado por Ana Magalhães, Andreia Rodrigues, Bárbara Ferreira, Carla Lopes, Filipa Queiroz, Cláudia Gomes, Glória Ribeiro, alunas do 4º ano do 3º Curso de Licenciatura em Enfermagem da Escola Superior de Enfermagem Calouste Gulbenkian da Universidade do Minho 96 A pessoa com Insuficiência Renal Crónica: percepções do enfermeiro e da pessoa com Insuficiência Renal Crónica sobre o comportamento de adesão ao regime nutricional.2 O presente trabalho procura estudar a percepção dos enfermeiros e das pessoas com Insuficiência Renal Crónica (IRC) no que respeita ao comportamento de adesão face à restrição nutricional imposta pela doença.A sua pertinência prende-se com o facto de a adesão ao regime nutricional específico da IRC constituir um aspecto de enorme importância para a qualidade de vida, a reabilitação e a morbimortalidade destas pessoas. Tendo por base os pressupostos qualitativos, trata-se de um estudo de natureza exploratório/descritivo para o qual foi seleccionada uma amostra de seis pessoas com IRC e três enfermeiros. O estudo decorreu numa clínica de hemodiálise da zona Norte do país. Como instrumento de colheita de dados foi utilizada a entrevista semi-estruturada para as pessoas com IRC e a entrevista não estruturada para os enfermeiros, e os dados colhidos foram tratados recorrendo à técnica de análise de conteúdo. 97 Os dados revelaram que as pessoas com IRC não aderem à dieta de forma rigorosa, embora tenham conhecimento da mesma e dos riscos que correm quando há transgressões. Para além disso revelaram que o comportamento de adesão das pessoas é motivado, sobretudo, pelas características individuais, pelo tipo de experiência e pelas crenças. Quanto aos enfermeiros, para além do que referiram as pessoas com IRC, acrescentam que o comportamento decorre por fases, sujeitas a limitações e constrangimen- tos da própria doença, mas que, posteriormente, as pessoas acabam por se adaptar e aderir, na grande maioria dos casos. Finalmente destaca-se mais uma vez o papel importante da família no contexto da doença crónica e nos comportamentos de adesão, não sendo tão clarividente o papel do enfermeiro. 98 Introdução A IRC é uma doença de carácter irreversível, progressiva e de evolução inconstante que, para além de originar alterações fisiológicas, comporta também alteraçöes psicológicas e emocionais que influenciam a pessoa no seu processo de saúde/doença. ção dos enfermeiros e das pessoas com IRC sobre comportamentos de adesão das pessoas com IRC face à restrição nutricional, descrever esses comportamentos de adesão e o contributo do enfermeiro nesse contexto e, finalmente, identificar qual o papel da família nesse processo. De entre as várias prescriçöes terapêuticas (hemodiálise, terapêutica, etc.) a adesão ao regime nutricional constitui um aspecto de grande importância dado que determina a qualidade de vida, a reabilitação e morbimortalidade das pessoas com IRC. Contudo, tem-se verificado que a transgressão ao regime nutricional continua a ser uma das situaçöes mais frequentes nestes doentes, implicando mesmo em algumas situaçöes cuidados de saúde urgentes. Os resultados obtidos revestem-se de grande importância para a enfermagem uma vez que são as respostas humanas às situaçöes de saúde/ doença reais ou potencias que constituem o foco da prática da Enfermagem. Deste modo A Pessoa com IRC: percepções do Enfermeiro e da Pessoa com IRC sobre o comportamento de adesão ao regime nutricional constitui o tema do presente trabalho. Com este estudo pretende-se identificar a percep- A Insuficiência Renal Crónica é uma doença de carácter irreversível, progressiva e de evolução inconstante que, para além de originar alteraçöes fisiológicas, comporta também alteraçöes psicológicas e emocionais que influenciam a pessoa no seu processo de saúde/doença. Da fundamentação à problemática O aumento da esperança de vida não corresponde a um aumento da qualidade de vida, pois cada vez mais as doenças crónicas levam à incapacidade ou à morte. Por isso, a pessoa na vivência desta situação de doença crónica passa por um processo de adaptação. Taylor (1997) considera que as pessoas com doença crónica podem adaptar-se à sua doença de diversos modos destacando-se as estratégias de «normalisation» que consiste em agir de um modo natural e minimizar ao máximo os efeitos das intervençöes técnicas relacionadas com a doença; e “denial ” que consiste no acto de negar a existência da doença e suas consequências.Ainda segundo Taylor, o modo como cada pessoa vivencia e responde à sua doença, neste caso as pessoas com IRC, será influenciado por um conjunto de factores: «severity of the condition»; «onset of condition»; «stability of the condition» e «visibility of the condition». A tudo isto acrescenta-se a necessidade da pessoa reorganizar a sua vida quotidiana, de aprender a lidar com os sinais e sintomas da doença, com os processos de tratamento (medicação, dieta e tecnologia avançada), desenvolver relações adequadas com os profissionais de saúde e preparar-se para um futuro incerto. A IRC,tal como tinhamos referido anteriormente, é uma doença irreversível, progressiva e de rápida evolução que originando alteraçöes fisiológicas, psicológicas e emocionais influencia directamente a pessoa no seu processo de doença. Se por um lado o aparecimento da hemodiálise (1960) veio evitar uma morte rápida e dolorosa, por outro lado as pessoas com IRC poderão questionar-se sobre até quando continuarei vivo? Será que vale a pena viver agarrado à máquina? Para além de todas as repercussões sociais implícitas nesta doença, muitos destes doentes vêem-se dependentes da família para realizarem as suas actividades. 99 100 Todas estas incertezas constituem uma fonte de stress para a pessoa com IRC que poderá levar ao aparecimento de perturbações emocionais. A hostilidade, a frustração, o sentimento de impotência e a falta de controlo também podem conduzir à não adesão ao regime nutricional, pois a pessoa sente que a doença é um inimigo e que não tem poder para lidar com ela. O facto da pessoa com IRC ignorar as restrições nutricionais, apesar das consequências pessoais, pode ser uma tentativa de readquirir o controlo, numa situação de dependência (Garcia, 2003). A dieta destas pessoas é muito restrita, pois a maioria dos alimentos próprios da dieta de uma pessoa saudável, são para as pessoas com IRC alimentos perigosos. Perante o aparecimento desta doença crónica é necessário um reajuste no estilo de vida, mediante uma mudança de atitude da pessoa, devendo contar para isso com o apoio incondicional da família bem como dos profissionais de saúde, nomeadamente o enfermeiro. O enfermeiro como parte fundamental de uma equipa multidisciplinar, pelo número de horas que passa junto da pessoa com IRC, tem um papel fundamental na relação terapêutica. Deve intervir, informando Perante o aparecimento desta doença sobre as restrições nutricionais e indicações alimentares de um crónica é necessário um reajuste no modo gradual, bem como das estilo de vida, mediante uma mudança complicações que os erros podem acarretar. Deve ainda, code atitude da pessoa, devendo contar responsabilizar o doente pelo seu estar atento e evitar para isso com o apoio incondicional da tratamento, censurar, emitir juízos de valor família bem como dos profissionais de ou falta de compreensão pelo não cumprimento do regime nutricional, mas sim estabelecer saúde, nomeadamente o enfermeiro. uma relação terapêutica onde a O facto da IRC se manifestar, na maioria autenticidade, congruência, atenção positiva incondidos casos, numa fase adulta constitui um dos cional e empatia devem ser qualidades sempre factores que dificulta a adesão ao regime presentes (Rogers, 1985). nutricional uma vez que a pessoa está fortemente influenciada pelo meio envolvente, A relação que se estabelece entre o enferprincipalmente no que se refere aos hábitos meiro e a pessoa com IRC sofre mudanças alimentares. durante o processo terapêutico. A pessoa com IRC passa, muitas vezes, por uma dualidade de conflitos. Por um lado a dependência da máquina e dos profissionais de saúde, por outro o desejo de querer controlar a sua vida. O percurso de vida das pessoas com IRC, que por vezes está condicionado pelas problemáticas sócio familiares «tem interferência na postura do Insuficiente Renal Crónico perante o tratamento, condicionando até a sua adesão ao mesmo, às situações com ele directamente ligados nomeadamente a medicação, a dieta, etc.». (APIR, 2000, p. 10). Por isso a relação que se estabelece entre o enfermeiro e o doente assume uma fulcral importância para a adesão ao tratamento. Não obstante, não se pode descurar a importância que a família tem na adesão das pessoas com IRC ao tratamento, pois representa um aliado da equipa de saúde.As alterações provocadas pela IRC são tão profundas que a vida familiar dificilmente poderá deixar de ser atingida. Para além da adaptação à hemodiálise, a família tem um contributo muito importante na adaptação da pessoa com IRC à restrição alimentar imposta pela doença. O facto de um dos membros da família ter um regime alimentar diferente poderá provocar algum constrangimento. Para além disso, o contributo familiar passa também pela confecção dos alimentos. Este simples aspecto da vida quotidiana demonstra o quão complexa é esta situação e a necessidade que a família tem de apoio e ensino. Deste modo, a escolha do tema A Pessoa com IRC: Percepções do Enfermeiro e da Pessoa com IRC sobre o Comportamento de Adesão ao Regime Nutricional prende-se com um conjunto de factores. Constatou-se mediante visitas feitas a uma clínica de hemodiálise, de contactos anteriores com pessoas com IRC em contexto hospitalar, de conversas exploratórias com profissionais de saúde que trabalham nesta área, que o regime nutricional é um dos factores determinantes do sucesso terapêutico na pessoa com IRC. Mais, o regime nutricional assume uma importância tal que a sua maior ou menor adesão irá determinar a qualidade de vida, a reabilitação e até mesmo a fronteira entre a vida e a morte destas pessoas. Dos estudos empreendidos nesta temática verificou-se que havia uma elevada prevalência de desnutrição na população estudada (Patrício et al, 1990), havendo autores que afirmaram que «a má nutrição calórico-proteica tem elevada prevalência e é apontada como uma das causas de excesso de morbilidade e mortalidade nos doentes com IRC» (Canepari cit. por Patrício et al., 1990, p.146). Por muita importância que o regime nutricional assume no processo terapêutico destes doentes, a verdade é que ainda se continuam a verificar situaçöes de transgressão à dieta (Abram et al. em 1971 cit. por Garcia, 2003, p.41; De-Nour e Czaczes cit. por Garcia, 2003, p.41). Um outro estudo revelou ainda que os doentes têm um nível de conhecimento razoável a respeito do regime nutricional e que os casos 101 102 de tratamento urgente resultavam de descuido, negligência ou renitência ao cumprimento da dieta (Sousa e Alves, 2000). De facto, estes parecem ser os motivos que frequentemente estão subjacentes a um não cumprimento do regime nutricional, para além de outros factores psicológicos (aceitação da doença crónica, família, compreensão do tratamento, etc.) de factores sócio-económicos, alterações endócrinas, intercorrências patológicas e factores iatrogénicos (ensinos, dietas inadequadas, medicação, terapêutica dialítica). Embora actualmente se verifique um aumento dos recursos tecnológicos no tratamento da IRC que, apesar de serem cada vez mais invasivos, dão anos à vida e, possivelmente, poderão aumentar a sua qualidade e diminuir as consequências negativas dos episódios agudos da doença, é importante salientar que a máquina, só por si, não é suficiente.Também é necessário que a pessoa se torne um elemento activo e responsável na gestão da sua saúde, nomeadamente no que se refere ao comportamento de adesão ao regime nutricional que constitui uma resposta humana da pessoa com IRC e torna um foco de atenção do enfermeiro no processo de cuidar. O próprio PNS 2004-2010 encara este grupo de pessoas como uma prioridade ao nível da intervenção dos cuidados de saúde dada a relevância e impacto que assume a nível nacional. De facto o número de pessoas com IRC cresceu nos dois últimos anos à ordem de 2000 por ano, embora as taxas de mortalidade mostrem uma tendência decrescente. Embora a tecnologia tenha aumentado no tratamento da IRC, o papel do enfermeiro é fundamental para ajudá-lo a procurar estratégias para lidar com o problema e adquirir novos comportamentos e novas maneiras de pensar, nomeadamente no que se refere ao regime nutricional. Ou seja, os enfermeiros têm um papel activo no processo de educação e de promoção de saúde. A situação desejável seria que a pessoa, voluntária e conscientemente, alcançasse um estado óptimo de saúde, pois, como está descrito na Conferência de Alma-Ata (1978), «a população tem o direito e o dever de participar no processo de conservar e melhorar a sua saúde». Neste contexto, nada melhor do que reflectir sobre o Modelo da Promoção de Saúde de Nola Pender, que realça a importância do «... papel activo do doente na gestão dos comportamentos de saúde...» (Sakraida, 2004, p.700) Nesta ordem de ideias, se os enfermeiros estão envolvidos no processo de educação à pessoa sobre o regime nutricional, e se a pessoa está informada a respeito desse mesmo regime, surgem as seguintes inquietações: O que motiva de facto os doentes a aderirem, ou não, ao regime nutricional? Será mesmo descuido, negligência ou renitência? Se não aderirem ao regime quais serão as consequências? E se aderirem quais serão as recompensas e os benefícios? O que é que falta? Qual o papel do enfermeiro na prestação de cuidados? Constatou-se mediante visitas feitas a uma clínica de hemodiálise, de contactos anteriores com pessoas com Insuficiência Renal Crónica em contexto hospitalar, de conversas exploratórias com profissionais de saúde que trabalham nesta área, que o regime nutricional é um dos factores determinantes do sucesso terapêutico na pessoa com Insuficiência Renal Crónica. Mais, o regime nutricional assume uma importância tal que a sua maior ou menor adesão irá determinar a qualidade de vida, a reabilitação e até mesmo a fronteira entre a vida e a morte destas pessoas. Considerações metodológicas e procedimentos Dado que o presente trabalho pretende investigar as percepções dos enfermeiros e das pessoas com IRC, só um estudo de índole qualitativo faria sentido. Tendo em conta o tipo de estudo e os seus objectivos considerou-se que uma clínica de hemodiálise seria o contexto ideal para realizar este estudo. Neste sentido, o presente estudo decorreu numa clínica de hemodiálise do Norte do país. A clínica de hemodiálise seleccionada funciona de Segunda a Sábado atendendo cento e vinte e oito utentes. Estes têm idades compreendidas entre os vinte e os oitenta anos, predominando utentes de idade mais avançada, e são maioritariamente do sexo masculino. Para além da IRC, muitos dos utentes têm associadas outras patologias como a Diabetes Mellitus, Hipertensão Arterial, Lúpus Eritematoso Sistémico ou Vasculites. O atendimento aos utentes é prestado por uma equipa multidisciplinar da qual fazem parte, entre outros elementos, nefrologistas, enfermeiros, uma nutricionista e uma assistente social. Em geral, cada utente do centro de hemodiálise realiza tratamento três vezes por semana, durante uma sessão que dura cerca de três a quatro horas. Em cada turno de hemodiálise um enfermeiro é responsável por prestar cuidados de enfermagem a quatro ou cinco utentes. 103 Os enfermeiros são responsáveis, entre outras coisas, pela avaliação do utente ao longo da sessão de hemodiálise, e pela implementação do tratamento de acordo com a estratégia prescrita. A informação e ensino relativo às particularidades da hemodiálise, cuidados a ter com a alimentação e com a restrição hídrica, sinais de risco ou outras temáticas de acordo com as necessidades dos utentes também constituem acções da enfermagem. 104 Para a selecção da amostra procedeu-se a uma amostragem intencional, onde os elementos da amostra foram intencionalmente escolhidos, tendo em consideração determinados critérios de inclusão. Os critérios de inclusão para a selecção das pessoas com IRC foram: as pessoas com IRC; as que quiseram participar no estudo com capacidade de comunicação; e situações atípicas (neste caso, uma pessoa que evitou a hemodiálise recorrendo à dieta e medicação como medidas terapêuticas). Para a selecção dos enfermeiros os critérios foram: enfermeiros com experiência na prestação de cuidados a pessoas com IRC e que quiseram participar no estudo. Das seis pessoas com IRC que fazem parte da amostra, três são do sexo masculino e as outras três do sexo feminino, com cinquenta e três anos de média de idades, maioritariamente frequentaram a escola até ao 4º ano do Ensino Básico e actualmente estão aposentadas. No que se refere ao tempo de evolução da doença esta varia entre os quatro e os dezasseis anos. Dos três enfermeiros, dois são do sexo masculino, com idades compreendidas entre os trinta e cinco e os cinquenta anos, quanto às qualificações profissionais um é enfermeiro de cuidados gerais enquanto que os outros são enfermeiros especialistas, a experiência profissional na clínica varia entre os nove e vinte e três anos. Seleccionou-se a entrevista como método de colheita de dados. Esta, para além de facilmente explorar uma determinada temática, permite recolher informação sobre acontecimentos e aspectos subjectivos das pessoas: atitudes, opiniões, valores ou conhecimento, que de outra maneira não estariam ao alcance do investigador. As entrevistas foram dadas após o consentimento livre e informado dos participantes e todos os dados obtidos foram sujeitos ao princípio do anonimato e confidencialidade. Às pessoas com IRC foi aplicada a entrevista semi-estruturada. Previamente preparada e encaminhada de uma forma não rígida para os temas que se pretendiam explorar, tendo sido possível obter uma colheita de dados mais rica e personalizada. Aos enfermeiros foi aplicada a entrevista não estruturada. Este tipo de entrevista deu ao enfermeiro a oportunidade de responder livremente e assim exprimir, pelas suas próprias palavras, a sua experiência profissional. Embora houvesse um guião com as questões a fazer aos entrevistados, a verdade é que em determinadas situações foi necessário fazer questões de explicitação para, desse modo, conseguir explorar os temas que se pretendiam. As entrevistas foram gravadas, procedendo-se posteriormente à transcrição integral do seu conteúdo e à sua codificação. Cada entrevista terminou quando o entrevistado acreditava que havia esgotado a sua descrição, tendo tido a duração média de trinta minutos. Todas as entrevistas foram sujeitas a uma validação por parte dos entrevistados. Uma vez que os objectivos do nosso estudo compreendem a exploração e a descrição da percepção dos enfermeiros e das pessoas com IRC sobre os comportamentos de adesão face à restrição nutricional imposta pela doença, considerou-se que a técnica de análise mais adequada para este tipo de estudo, seria a técnica de Análise de Conteúdo. Bardin realça a Análise de Conteúdo como técnica de análise de dados primordial nos estudos de natureza qualitativa. Apresentação e análise de dados Face ao percurso investigativo assente nos objectivos formulados, em articulação com as questões que orientaram este estudo e a perspectiva teórica, produziram-se um conjunto de dados. Estes são apresentados sob a forma de quadros, nos quais constam as categorias e as respectivas unidades de registo. Para tal foram elaboradas duas matrizes de redução de dados, uma para as entrevistas das pessoas com IRC e a outra para as entrevistas dos enfermeiros. As categorias surgiram à posteriori após sucessivas leituras do corpus documental e tendo em atenção os objectivos da investigação. Matriz de redução de dados das entrevistas às pessoas com IRC Categorias Unidades de Registo Características e Experiências Individuais Pessoais Sociais Dificuldades Auto-Eficácia Percebida Adaptação Crença Parceria de cuidados Família Equipa intradisciplinar Características e experiências individuais: têm um papel determinante na forma como a pessoa reage à doença e adopta comportamentos de adesão em relação ao regime nutricional. capacidades que possui, no sentido de organizar e executar um comportamento promotor da saúde. Estes julgamentos são influenciados pelas crenças, pelas dificuldades que sente e pela adaptação ao regime nutricional. A pessoa em toda a sua complexidade bio-psico-social, cultural e espiritual está em interacção constante com o ambiente. Esse ambiente engloba a dimensão pessoal e social. Parceria de cuidados: é na prática de uma parceria de cuidados que as diferentes profissões e pessoas de competências funcionais diferentes se aproximam no sentido de resolverem problemas que diferentes parceiros não conseguiriam resolver isoladamente. Neste contexto surge a parceria com a família e a equipa multidisciplinar. Auto-eficácia percebida: a auto-eficácia, baseada no conceito de Pender, diz respeito ao julgamento que a pessoa pode fazer, com as 105 Matriz de redução de dados das entrevistas aos enfermeiros Categorias Resultado comportamental 106 Unidades de Registo Fases da doença Constrangimentos e limitações Comportamento anterior relacionado Características e Experiências individuais Factores pessoais Influências interpessoais Influências situacionais Ajuda Competências Educação e Orientação Juízo diagnóstico Família Parceria de cuidados Equipa intradisciplinar Equipa interdisciplinar Resultado comportamental: A IRC, sendo uma doença crónica, acompanha todo o percurso de vida do indivíduo a partir do momento que surge, tratando-se de um processo caracterizado por diferentes fases e que está sujeito a determinados constragimentos e limitações. Características e experiências individuais: as características e experiências individuais da pessoa com IRC são determinantes na forma como esta vivencia a sua doença, assim como as restriçöes que lhe estão inerentes. O comportamento anterior relacionado diz respeito à história da doença e à informaçao que a pessoa já possui e respeito do seu estado clínico. Os factores pessoais englobam os aspectos biológico, psicológico e sócio-cultural. Todos são predictores de um comportamento, mas simultâneamente são moldados pela natureza do comportamento alvo. As influências interpessoais referem-se aos conhecimentos que a pessoa tem sobre comportamentos, crenças ou atitudes de outros e que de certa forma vão influenciar o comportamento. As influências situacionais dizem respeito às percepçöes e conhecimentos pessoais de uma situação ou contexto que pode facilitar ou dificultar o comportamento. Competências: segundo Benner (2001) o enfermeiro deve possuir determinadas competências. As competências de ajuda vão de encontro ao conceito de holismo.A educação e orientação surge quando o enfermeiro não se deve limitar ao debitar da informação, mas também deve avaliar até que ponto a pessoa está receptiva à mesma. Finalmente o juízo diagnóstico implica a análise da situação particular do doente recorrendo a análise reflexiva e ao pensamento crítico. Parceria de cuidados: o enfermeiro não actua isoladamente. O seu exercício insere-se num contexto de actuação multiprofissional e de parceria. Neste contexto surgem as unidades de registo equipa interdisciplinar e intradisciplinar, também já definidas pela Ordem dos Enfermeiros (2003). A família (Benner, 2001) tem o papel de interlocutor sendo este papel determinante, quer para a cura, quer para o tratamento. Discussão dos resultados Os resultados tendem a mostrar que as pessoas com IRC não aderem rigorosamente à dieta prescrita, o que vai de encontro ao descrito por De-Nour e Czaczes em 1976 (cit. por Garcia, 2003, p.41). Várias vezes as pessoas com IRC referiram que transgrediam alguns princípios da dieta em benefício de alimentos que lhes davam prazer, e como até então nunca tinham tido consequências em relação a isso, mantinham esses comportamentos «(…) inicialmente procurei seguir muito à risca as recomendações, depois comecei a fazer … digamos … lentamente algumas experiências e a não cumprir à risca(…) hoje tenho poucas restrições (…)» (P1). Para além disso, as pessoas com IRC têm conhecimentos sobre o regime nutricional no que concerne aos alimentos que podem ou não comer, as quantidades e as consequências a que estão sujeitos se não cumprirem esses mesmos princípios. «Fazia isso ao princípio … eu confesso (…) mesmo rigorosamente (…) Agora deito um bocadinho de sal. (…) Para aí meio sal. (…) Eu geralmente infrinjo muito (…) Ainda hoje comi uma banana, uma pêra e uma maçã. (...)» (P3). Sousa e Alves (2001) no seu estudo chegaram às mesmas conclusões, realçando também que o comportamento de adesão é motivado pelas características individuais da pessoa, pelas suas experiências positivas ou negativas e por aquilo que acreditam que é prejudicial, ou não, à sua saúde. Neste contexto da análise das entrevistas às pessoas com IRC e aos enfermeiros também foi possível chegar às mesmas conclusões. «As pessoas mais bem preparadas ou de nível social média-alta aderem muito mais, 107 108 compreendem muito mais e aceitam mais todas as restrições (…) isso do estrato social é importante…» (E1); «…a idade é um factor importante» (E2); «...penso que agora podemos comer mais qualquer coisinha, não é? Toda a gente diz. Eu pergunto aos doentes e eles dizem-me...Também não me tenho sentido mal!» (P6); «A maior parte deles começam a acreditar nestas restrições nutricionais quando surgem as complicações, quando se sentem mal» (E3). As pessoas com IRC, de uma forma geral, referiram adaptar-se sem grandes dificuldades ao regime nutricional, porque efectivamente não aderem de forma rigorosa à dieta prescrita, por renitência e, em alguns casos, por descuido «Não tive influências.Adaptei-me bem (…) Não caio em tentação». (…) (P1); «Há certa fruta que não posso comer em casa e eu trago para aqui. Como aqui». (P2); «Quando saio daqui (da hemodiálise) eu como muito. Como um bolo e um croissant. (...) para me adaptar? A mim acho que não mudou nada (…) se eu comesse dieta a esta hora já não estava aqui» (P4). Também a vida social, segundo elas e os enfermeiros, sofreu alterações, nomeadamente no que diz respeito às refeições fora de casa, onde o prazer de comer associado ao convívio, é substituído por um sentimento de que as refeições estão associadas a restrições. «… A partir daí tive que parar com o ténis (…) Eu chegava a casa completamente arrasado, então eu desisti dos exercícios (ginástica aquática), que eu sentia que me faziam bem mas que não tinha forças para continuar». (P1); «Há dois anos que não vou sair com os meus amigos (…) É um bocado triste ser... ser a minha refeição ao lado». (P3). As percepções dos enfermeiros coincidem, em certa medida, com as percepções das pessoas com IRC, pois consideram que o comportamento anterior relacionado, os factores pessoais, as influências interpessoais e situacionais influenciam o comportamento de adesão. Porém, acrescentam que este comportamento decorre por fases que variam entre a negação e a aceitação, sujeitas a limitações e constrangimentos, mas que posteriormente as pessoas acabam por se adaptar. «...no início não aderem, é uma fase de negativismo. (…) E eles depois entram numa fase de negação. (…) Mas à medida que o tempo passa, vão melhorando (…) eles depois entram numa vida perfeitamente normal (…) Outros claro que nunca mais vão aderir». (E1). O que foi anteriormente referido vai de encontro ao exposto por Taylor ao estudar o comportamento de adaptação das pessoas à doença crónica (1997), assim como às variáveis definidas por Nola Pender no Modelo de Promoção de Saúde que influenciam a tomada de decisão da pessoa, em matéria de saúde. Outro aspecto importante foi a informação dada, aquando de entrevistas informais, por enfermeiros e nutricionistas que trabalham nesta área e que vai de encontro ao supra citado, nomeadamente no que se refere à influência do factor sociocultural. De facto, na nossa sociedade sempre se considerou que água em abundância e a ingestão de alimentos cozidos em abundância são benéficos para a saúde. Claro está que isto, no contexto da «A minha mulher bem me esconde a garrafinha, mas…eu bebo só um bocadito. Ela assistiu também a um diálogo com a nutricionista (...) a minha refeição é sempre à parte (…) E a minha família ajuda» (…) (P3), destacando também o papel da nutricionista e o papel do médico. «A nutricionista do P. fez-me um relatório sobre… todas as recomendações que eu devia ter em relação à alimentação» (P1); “ (...) no HSJ é que disseram que eu... que eu não podia comer isto, comer aquilo… Ela (a médica) levou-me a ver como era a hemodiálise, para me Insuficiência Renal convencer» (P6). doença renal, contraria os princípios terapêuticos relacionados com o regime nutricional. Para além disso, é muito difícil para estes doentes assumirem que têm uma doença crónica e que têm que praticar uma determinada dieta até ao fim das suas vidas. Afirmam ainda que embora as pessoas digam que não cumprem a dieta, a verdade é que pelos valores analíticos é possível verificar que estes se mantêm dentro dos parâmetros aceitáveis. Para além disso, num universo de cento e vinte e oito pessoas, Várias vezes as pessoas com Crónica referiram que transgrediam alguns princípios da dieta em benefício de alimentos que lhes davam prazer, e como até então nunca tinham tido consequências em relação a isso, mantinham esses comportamentos. são registados cerca de doze casos de situações de transgressões graves à dieta, por ano. A parceria de cuidados foi outro aspecto muito valorizado, parceria essa que engloba a pessoa, responsável máximo pela sua saúde, a família e os profissionais de saúde. Neste contexto, quer as pessoas com IRC quer os enfermeiros consideram a família como um elemento importante na vivência da doença e consequentemente no comportamento de adesão ao regime nutricional. As pessoas com IRC consideram a família o elemento mais significativo nesta parceria de cuidados. Os enfermeiros, para além da parceria com a pessoa/família, «os próprios familiares telefonam para cá a pedir ajuda (…) nós também temos contacto com a família, principalmente na fase inicial, que a família acompanha mais os doentes» (E2), consideram que esta parceria se estabelece a mais níveis, destacando o seu papel na equipa intradisciplinar. «À partida nós aqui dentro da clínica, como enfermeiros, damos umas indicações sobre o que devem ou não comer, sobre restrição hídrica, restrições calóricas, restrições proteicas…» (E1); e na equipa interdisciplinar «(…) encaminhamos logo para uma nutricionista que nós aqui temos. (…) depois especificamente encaminhamos para o médico que define a estratégia de tratamento, e depois para a nutricionista.(…) Se necessário orientamos para a assistente social» (E1). Este aspecto insere-se no contexto do Paradigma 109 da Transformação, que entende a pessoa como parceira do cuidado e responsável máximo pela sua saúde. 110 No que respeita à descrição do contributo do enfermeiro verificou-se uma disparidade entre os dados da análise das entrevistas das pessoas com IRC e os dados da análise das entrevistas dos enfermeiros. Deste modo, constatou-se que as pessoas com IRC valorizam as experiências e vivências pessoais, o papel do médico e da nutricionista. Apesar de terem sido feitas questões de explicitação ao longo das entrevistas, relativamente ao papel dos enfermeiros neste comportamento de adesão, as pessoas não se referiram a estes profissionais, mesmo passando tanto tempo junto destes. Por outro lado, os enfermeiros consideram que têm um papel fundamental e activo junto destas pessoas, dado que, a sua actividade não se limita à componente técnica, destacando o aspecto relacional: «(…) nós temos quase um contacto quase diário (…) Não é só puncionar o doente e deixá-lo ligado à máquina. (…) Nós todos os dias vamos sabendo um pouco da vida quotidiana do doente, desde o dormir, como dorme, como não dorme… (E1)»; e educacional junto destas pessoas: «Nós damos essas indicações todas, mesmo em relação às restrições hídricas.(…) mesmo nós vamos adequando a dieta que têm que fazer aos hábitos de vida deles e aos tratamentos (…) Da parte da enfermagem há sempre esse esforço de informação» (E2). Também Nola Pender (cit. por Sakraida, 2004, p.706) refere que os enfermeiros são «importantes fontes de influência interpessoal que podem aumentar ou diminuir o compromisso e a adopção de comportamentos de promoção de saúde». Este facto merece alguma reflexão, uma vez que a percepção das pessoas com IRC contradiz a teoria e a percepção dos enfermeiros. No decorrer deste estudo foi assim possível constatar que a percepção das pessoas com IRC e a percepção dos enfermeiros, acerca do comportamento de adesão ao regime nutricional, apresenta muitas similitudes, nomeadamente nos factores que influenciam esse comportamento. Contudo, as pessoas com IRC realçam mais as suas experiências e vivências e aquilo em que acreditam, e não tanto o papel dos profissionais de saúde, designadamente dos enfermeiros. Para além disto, os enfermeiros consideram que o seu papel, enquadrado na equipa multidisciplinar de saúde, assume uma importância relevante na educação para a saúde e na relação terapêutica. Conclusão Deste estudo concluiu-se que os principais factores que influenciam a adesão das pessoas com IRC ao regime nutricional são as características individuais, as suas experiências e crenças. Dado que estes aspectos têm grande influência no comportamento das pessoas, acabam por se sobrepor à informação que possuem acerca da dieta e os riscos inerentes ao seu não cumprimento. Os enfermeiros, por seu lado, também consideram que estes factores são determinantes no comportamento de adesão ao regime nutricional, acrescentando a componente cultural. Contudo, a importância do papel do enfermeiro neste processo foi um aspecto sobre o qual se verificaram divergências. Por um lado, os enfermeiros consideram que têm uma acção fundamental na promoção dos comportamentos de adesão. Por outro lado, as pessoas com IRC não mencionam o papel do enfermeiro nesse mesmo comportamento. Com a realização deste estudo foi possível conhecer mais um pouco a dinâmica subjacente à adesão da pessoa ao regime nutricional. Todavia, suscitou também outras hipóteses pertinentes para estudos posteriores. Assim, uma das hipóteses está relacionada com as horas de diálise que estas pessoas fazem por sessão. Será que o cumprimento rigoroso da dieta, que se reflecte a nível analítico, levaria a uma diminuição das horas de diálise, ou mesmo do número de sessões, constituindo um reforço positivo para a adesão ao regime nutricional? Outras questões pertinentes que surgiram após a realização deste estudo relacionam-se com a omissão do papel do enfermeiro, por parte das pessoas com IRC, no comportamento de adesão ao regime nutricional. Porque é que os enfermeiros não são valorizados pelas pessoas com IRC, no comportamento de adesão ao regime nutricional, já que estes referem ter um papel preponderante na equipa interdiscipli- nar de saúde, no que se refere a esta temática? Qual o valor atribuído pela pessoa com IRC ao papel dos enfermeiros na adesão ao regime nutricional? Quais os cuidados de enfermagem mais valorizados pela pessoa com IRC? Os resultados obtidos a partir deste estudo revestem-se de enorme importância para a enfermagem, uma vez que revelam aspectos essenciais do comportamento da pessoa face a uma situação de doença, o que vai de encontro ao foco da prática de enfermagem, que consiste nas respostas humanas às situações de saúde/doença reais ou potenciais. Deste modo, ao contribuir para a compreensão global da experiência vivida pela pessoa com IRC, permite uma melhoria na qualidade dos cuidados prestados, um enriquecimento de saberes, o que se traduz na valorização e desenvolvimento da autonomia da profissão. Contudo, qualquer que seja o estudo investigação, este envolve um conjunto processos caracterizados por um maior menor número de limitações que devem tidos em consideração. de de ou ser Sendo um estudo de índole qualitativo, dever-se-ia ter optado por uma amostragem teórica, o que não foi possível visto tratar-se de um trabalho académico, que acabou por ser limitante a nível de tempo para a realização do mesmo. Por isso, foi necessário restringir a amostra e consequentemente o número das entrevistas. Outra limitação prendeu-se com a utilização da entrevista enquanto método de colheita de dados. De facto os dados provenientes da sua aplicação são mais difíceis de codificar e analisar, exigindo consequentemente mais tempo, energia e experiência. A mesma dificuldade esteve presente posteriormente com a aplicação da técnica da análise de conteúdo aquando do estabelecimento das categorias. 111 Bibliografia 112 APIRASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE INSUFICIENTES RENAIS-“A Enfermagem Nefrológica e o IRC”, 1995; BARDIN, Laurence – “Análise de Conteúdo”. Lisboa: Edições Setenta. 1995; BARROS, Elvino et al – “Nefrologia – Rotinas, Diagnóstico e Tratamento”. 2ª edição, Artmed, Porto Alegre, 1999; BENNER, Patrícia – “De Iniciado a Perito”. Coimbra: Quarteto, 2001; BENNET, Paul – “Introdução à Psicologia da Saúde” . Lisboa: Climepsi Editores, 2000; COLLIÈRE, Marie- Françoise – “Promover a Vida – da Prática das Mulheres de Virtude aos Cuidados de Enfermagem”. 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Pós-graduação em Medicina Psicossomática (Universidade de Buenos Aires); Psico-socio-oncologia e Cuidados Paliativos (Universidade Nacional de La Plata) e em Bioética (Faculdade latino-americana de Ciências Sociais). Docente nos cursos de Extensão Universitária na Faculdade de Psicologia (UBA) 114 Saúde, Ciência e Em numerosos estudos realizados, há evidências crescentes que a espiritualidade contribui, decisivamente, para uma saúde integral. Caminhos de uma abordagem global da dimensão humana em Saúde. A página web do Instituto Nacional de Cancro dos Estados Unidos, num dossier sobre espiritualidade em doentes oncológicos dirigido aos profissionais na área da saúde, descreve: Muitos doentes com cancro apoiam-se na espiritualidade ou na religião como forma de fazer frente à doença (www.nihr.org). A interligação, cooperação, espiritual/religiosa é o uso que os pacientes fazem das suas crenças e práticas espirituais com o fim de reduzir o stress causado pelas perdas, pelas mudanças e pelas circunstâncias que estão fora do seu controlo (Koenig, H.; 2005). Por detrás dos momentos difíceis, intuímos que se esconde algo valioso e esse valor, que está relacionado com o sentido da vida, remete-nos a algo transcendente. Dizia Nietzsche: Quem tem para 115 Espiritualidade que viver é capaz de suportar quase qualquer coisa. E, efectivamente, quando os pacientes encontram um sentido e uma finalidade para o seu sofrimento, a doença torna-se mais tolerável (Lang, E. V.; Benotsch, E. G.; Fick, L. J. et al. 2000; Post, S. G.; Puchalski, C. M.; Larson, D. B.; 2000). Num estudo, para ilustrar o que dizemos, realizado com 101 doentes psiquiátricos e cirúrgicos de um Hospital de Chicago, 88% dos pacientes psiquiátricos e 76% dos pacientes cirúrgicos manifestaram ter três ou mais necessidades de carácter espiritual durante o período de internamento (Fitchett, G.; Burton, L. A.; Sivan, A. B., 1997). Outra investigação realizada a 380 pacientes ambulatórios do Texas e da Carolina do Norte, revelou que 73% desejava compartilhar a suas crenças reli- giosas com os médicos (Oyama, O.; Koenig, H. G.,;1998). E uma investigação realizada com 177 doentes ambulatórios com problemas pneumológicos no hospital da Universidade da Pensilvânia, revelou que 66% pensavam que se os médicos lhes perguntassem sobre as suas crenças religiosas, o facto aumentaria a confiança do paciente no médico. Desses, 45% afirmaram que as suas crenças influiriam nas suas decisões médicas. E no caso de estarem gravemente doentes, 94% concordaram que os médicos deviam perguntar aos pacientes sobre as suas crenças religiosas. Não obstante, somente 15% se recordavam que médico lhes tivesse feito essa pergunta (Ehman, J.; Ott, B.; Short, T.; Ciampa, R..; Hansen-Flaschen, J.; 1999) (Koenig, H. G.; 2005). As emoções positivas e o apoio social estão associadas a um melhor funcionamento do sistema imunológico e do sistema cardiovascular, assim como a depressão e o isolamento degradam a saúde e atrasam a recuperação das enfermidades. 116 Espiritualidade e religião Historicamente, religião e espiritualidade foram duas formas de expressar uma mesma realidade, mas o tempo estabeleceu uma distinção entre ambas. Religião pode-se definir com um conjunto específico de crenças e práticas geralmente relacionadas com um grupo social organizado; espiritualidade está na relação com o intangível da vida, incluindo a relação consigo mesmo, com os outros e com algo maior de que nós mesmos, que nos integra, nos transcende e dá um sentido à nossa existência. A espiritualidade pode ser expressa por meio de uma religião organizada, mas também através de uma filosofia e de uma ética de vida, de uma crença, de uma vocação artística, de uma vocação de serviço na relação com os outros, ou de qualquer outra forma. Uma pessoa pode-se considerar como espiritual sem ter de se identificar com uma confissão religiosa. (1) (1) Neste trabalho os termos religião e espiritualidade serão utilizados indistintamente. Medicina, saúde e espiritualidade A medicina e a espiritualidade têm estado estritamente relacionadas ao longo da história. O primeiro hospital, tal como os conhecemos actualmente, foi fundado no ano 370 da nossa era pelos cristãos ortodoxos, na Turquia, na cidade de Cesarea. Desde aí, e por um período de 1200 anos, a igreja cristã construiu todos os hospitais da Europa, controlou o ensino da Medicina nas principais universidades e foi encarregada de habilitar profissionalmente os médicos. A partir do século XVI, o poder da Igreja sobre as universidades começou a decair, facto que se foi aprofundando durante os séculos XVII e XVIII com o aparecimento do Iluminismo e da Revolução Francesa. Apesar de tudo, continuam a existir no Ocidente muitos hospitais relacionados com instituições religiosas. A presença de capelões e de outros ministros religiosos nos hospitais, cuidando das necessidades espirituais dos pacientes, é uma herança desta tradição. A partir do século XIX, assistimos a uma 117 separação entre espiritualidade e ciência levando os médicos a delegar nos representantes religiosos as inquietudes espirituais dos seus pacientes, havendo com isto uma maior desumanização na Medicina (Handzo, G.;1992; Fitchett, G.; Meyer, P. M.; Burton, L. A.; 2000; Puchalski, C.; Romer; A. L.; 2000). Temos de destacar que muitas instituições sanitárias e profissionais relacionadas com a saúde tiveram a sua origem na dimensão espiritual do homem, como é o caso das enfermarias e dos cuidados paliativos que, tanto no Oriente como no Ocidente, estiveram durante séculos a cargo de ordens religiosas. A enfermaria nasceu com as Irmãs da Caridade de São Vicente de Paulo e, a partir de 1830, surge a sua equivalente dentro da Igreja Protestante, na Alemanha. Em 1837, Florence Nightingale, depois de receber um chamamento de Deus, começou a ocupar-se da formação das irmãs da caridade e das diáconas protestantes aplicando os princípios que aprendeu, com o objectivo de estabelecer práticas modernas no campo da Enfermagem (Koenig, H. G., 2005). A parir do século XIX assistimos a uma separação entre espiritualidade e ciência. A Medicina actual focalizada somente no estudo do corpo físico – que se origina no momento da concepção e se acaba na morte –, tornou-se uma visão materialista, mecanicista, e em consequência, parcial e redutora da vida humana. Entendemos que a Medicina precisou de fazer este caminho, que está feito, trouxe muitos benefícios, mas cremos que, como cultura, chegamos a um momento de inflexão, de retorno a uma visão holística que dê conta que a espiritualidade Humana, enriquecida com os desenvolvimentos do conhecimento científico e tecnológico do nosso tempo, faz parte de um todo. Larry Dossey fala de três etapas na História da Medicina (Dossey, L.; 1994). A primeira etapa corresponde à Medicina de carácter mecanicista. Começa por volta de 1860 e estende-se até ao presente. A segunda etapa, centrada na interacção corpo/mente, começa na década de 50, com Herbert Benson, A. Maslow, Lawrence LeShan e continua com O. Carl Simonton, Stephanie Matthews, Jeane 118 Achcterberg , F. Lawlis, B. Siegel. A terceira etapa, que surge a partir de 1990, centra ciência e Medicina na natureza extra-física da mente, com L. Dossey; S. Krippner, E. K. Ross, R. Friedman, W. Miller e H. Koenig, entre outros. As investigações de H. Benson, a partir de 1970, marcaram um novo impulso no aprofundamento deste reencontro entre saúde e espiritualidade, que se encontra dentro de um contexto mais amplo que integra a espiritualidade e a ciência. Desde 1995, o National Institute of Health, entre outras instituições E.E.U.U., têm investido muito dinheiro na investigação sobre a religião como factor determinante da saúde física e mental (Rummans, T. A.; Bostwick, J. M.; Clark, M. M.; 2000). O número de faculdades de Medicina que ofereciam cursos sobre religião ou temas espirituais passou de 3, em 1994, para mais de 80, num total actual de 126, incluindo universidades de primeira linha como Harvard, Stanford, John Hopkins e Duke. Desde 2000 até hoje, publicaram-se aproximadamente 2500 trabalhos de investigação nas principais revistas biomédicas como o Journal of the American Medical Association, o American Journal of Psychiatry, The Lancet, The New England Journal of Medicine, o Journal of Nervous and Mental Disease, os Mayo Clinic Proceedings.A partir do ano 2002, a OMS incluiu o conceito de espiritualidade dentro da sua definição da medicina paliativa: El Cuidado Paliativo es un abordaje que mejora la calidad de vida de los pacientes y sus familiares, frente a los problemas asociados a enfermedades que amenazan la vida, a través de la prevención y alivio del sufrimiento, mediante la temprana identificación y evaluación precisa del dolor y otros problemas físicos, psicosociales y espirituales (OMS, 2002). As investigações indicam que as pessoas religiosas passam menos tempo nos hospitais. 119 Benefícios da relação Saúde/ Espiritualidade Os benefícios da relação saúde/espiritualidade observaram-se em doentes com problemas coronários (Saudia, T. L.; Kinney, M. R.; Brown, K. C.; Young – Ward, L.;1991), artrites (Cronan, T. A.; Kaplan, R. M.; Posner, L.; Lumberg, E.; Kozin, F.; 1989), doenças renais (Tix., A. P.; Frazier, P. A.; 1997), fibromas quísticos (Stern, R. C.; Canda, E. R.; Doershuk, C. F.; 1992), diabetes (Zaldivar, A; Smolowitz, J.; 1994), SIDA (Jenkins, R. A.;1995), dores crónicas (Abraido-Lanza, A. F.; Guier, C.; Revenson, T. A.; 1996), doenças terminais (Silber, T. J.; Reilly, M.;1985), em doentes que recebiam cuidados domiciliários (Koenig, H. G.; Welner, D. K.; Peterson, B. L.; Meador, K. G.; Keefe, F. J.; 1998), em pessoas que cuidam doentes com demência (Wright, S. D.; Pratt, C. C.; Schmall,V. L.; 1985), e mais recentemente em pacientes com doenças na célula falsiforme, esclerosis lateral hemiotrófica e adolescentes com doenças graves (Koenig, 2005). Dezanove de vinte estudos realizados demonstram que a pessoa religiosa tem uma maior rede de apoio e que a qualidade dessa rede é maior e mais duradoura que as redes de apoio não religiosas quando se instala uma doença crónica (Ellison, C. G.; George, L. K.; 1994; Koenig , H. G.; McCullough, M. E., Larson, D. B.; 2001; Koenig, H. G.; 2005). Por outro lado, a prática religiosa ou vida espiritual leva a que existam hábitos de vida saudáveis como uma dieta uniforme e equilibrada, uma vida ordenada, tentando-se fazer uma prevenção das doenças (Rummans,T. A.; Bostwick, J. M.; Clark, M. M.; 2000). Pensa-se que as práticas como a oração, a meditação e a oração geram emoções e atitudes positivas como a esperança, o amor, a serenidade e o perdão, limitando ao mesmo tempo os sentimentos de hostilidade (Mueller, P. S.; Plevak, D. J.; Rummans,T. A.; 2001). Comprovou-se que a dúvida/conflito espiritual pode 120 Depressão Os doentes hospitalizados que professam uma religião melhoram mais rapidamente do que aqueles que não (Koenig, 2005). Os pacientes que confiam na religião são menos propensos a desenvolver quadros de doença (Koenig, H.G.; Cohen, H. J.; Blazer, D. G.; Pieper, C.; Meador, K. G.; Sep, F.; Goli, V.; Dipasquale, R.; 1992) e, inclusivamente, se se deprimem, recuperam mais facilmente que os doentes menos religiosos (Koenig, H. G.; George, L.K.; Peterson, B. L.; 1998). Em 65 % dos estudos realizados durante o século XX em distintas culturas encontraram-se baixos índices de transtornos depressivos ou menos sintomas de depressão nos pacientes mais religiosos. Por outro lado, 68% demonstram que a maior religiosidade corresponde a um depressão menor. E cinco de oito provas clínicas revelaram que os doentes que receberam algum tipo de intervenção religiosa, recuperaram mais rapidamente do que os outros (Koenig, H. G.; McCullough, M. E.; Larson, D. B.; 2001). (Koenig, H. G.; 2005). Suicídio e abuso de substâncias Em 68 estudos sobre suicídios, 84% revelaram baixos índices de suicídio ou atitudes negativas em relação ao suicídio entre os mais religiosos. E de quase 140 estudos que investigaram a relação entre religiosidade e abuso de substâncias como álcool ou drogas, 90% apresentaram uma correlação inversa entre esses dois factores (Koenig H. G.; McCullough, M. E.; Larson, D. B.; 2001). Convém referir que estes estudos foram feitos com populações de países distintos e por diferentes equipas de investigação (Koenig, H. G.; 2005). contribuir para resultados de saúde mais deficientes. Psico-neuro imuno-endocrinología (PNIE) As emoções positivas e o apoio social estão associadas a um melhor funcionamento do sistema imunológico e do sistema cardiovascular, assim como a depressão e o isolamento degradam a saúde e atrasam a recuperação das enfermidades (McEwen, B. S.; 1998). Apesar das investigações sobre PNIE estarem ainda nos começos, muitos estudos sugerem que há uma correlação entre estes dois factores. Bem-estar psicológico Durante o século passado, em cem estudos que relacionaram bem-estar psicológico com religião, 79 mostraram que as pessoas religiosas têm maior nível de bem-estar psicológico, satisfação ou felicidade em relação com a vida do que aqueles menos religiosos. De 16 estudos que se debruçaram sobre a relação entre religião e sentido da vida, 15 concluíram que as pessoas religiosas encontram um sentido mais satisfatório e equilibrado para a vida e para a doença (Koenig, H. G.; 2005). Num estudo com mais de 1700 adultos, altos níveis de citosina interleuquina 6 (IL-6) foram significativamente mais frequentes naqueles que participavam nos serviços religiosos que nos que não participavam (Koenig, H. G.; Cohen, H. J.; George, L. K.; Hays, J. C.; Larson, D. B.; Blazer, D. G.; 1997). Num estudo realizado com 106 homossexuais, HIV positivo, os que tinham maior participação religiosa, tiveram melhores contagens totais e percentagens de CD4+, do que os menos religiosos (Woods, T. E.; Antoni, M. H.; Ironson, G. H.; Kling, D. W.; 1999). Num outro estudo realizado com 112 doentes com metástases de cancro na mama, as que davam mais importância à expressão religiosa, tiveram um número elevado de células natural killers (células t) e linfócitos totais (Schaal, M. D.; Sephton, S. E.; Thoreson, C.; Koopman, C.; Spiegel, D.; 1998; Koenig, H. G.; 2005). 121 122 Pressão arterial Catorze de 16 estudos sobre religiosidade e pressão sanguínea mostraram que a pressão arterial é mais baixa entre os religiosos, especialmente com a pressão diastólica (Koenig, H. G.; McCullough, M. E.; Larson, D. B.; 2001), e pode explicar baixas taxas de acidentes cérebro vasculares (Colantonio, A.; Kasl, S.V.; Ostfeld, A. M.; 1992) e de mortalidade por doenças arteriais (Goldbourt, U.;Yaari, S.; Medalie, H. J.; 1993) entre os mais religiosos (Koenig, H. G.; 2005). Mortalidade Há uma relação importante entre a religiosidade/espiritualidade e a baixa taxa de mortalidade. Em 52 estudos examinados, 75% (39) mostraram que as pessoas activamente religiosas vivem mais tempo que as menos religiosas; 19% (10) não encontraram nenhuma diferença; 4% (2) encontraram resultados mistos (maior ou menor, dependendo do tipo de actividade religiosa); e 2% (1) encontraram menor índice de sobrevivência entre os mais religiosos (Koenig, H. G.; McCullough, M. E.; Larson, D. B.; 2001). Doze de 13 estudos recentes, usando as actuais metodologias de investigação, encontraram maior índice de sobrevivência entre os mais religiosos. Este resultado é particularmente positivo quando a religiosidade é medida em termos de participação do doente na sua comunidade religiosa. A diferença de longevidade naqueles que participam em serviços religiosos, pelo menos uma vez por semana, é de aproximadamente de 7 anos em relação aos que não participam (Hummer, R.; Rogers, R.; Nam, C.; Ellison, C. G.; 1999). A participação religiosa pode também retardar o declínio físico esperado com o avanço da idade (Odler; E. L.; Kasl; S.V.; 1997). (Koenig, H. G.; 2005). Necessidade dos serviços de saúde As investigações indicam que as pessoas religiosas passam menos tempo nos hospitais. Um estudo com 542 doentes (de 60 anos ou mais) admitidos no Centro Médico da Universidade de Duke, revelou que os que participavam em celebrações religiosas uma vez por semana ou mais, haviam sido hospitalizados 56% menos durante o ano anterior (Koenig, G. H.; Larson, D. B.; 1998). Os doentes que participavam activamente nas celebrações religiosas estiveram hospitalizados uma média de 6 dias, embora os valores médios dos restantes fosse de 12. Neste estudo observa-se que os doentes não religiosos estiveram hospitalizados, em média, 25 dias. Os que seguiam alguma tradição religiosa estiveram hospitalizados, em média, 11 dias (Koenig, H. G.; 2005). 123 Conflito espiritual Como anteriormente falamos dos benefícios, comprovou-se que a dúvida/conflito espiritual pode contribuir para resultados de saúde mais deficientes (Pargament, K. I.; Koenig, H. G.;Tarakeshwar, N.; et al.; 2001). O conflito espiritual consiste numa luta entre o doente e a sua religiosidade, a sua forma de estar espiritual e existencial, havendo pormenores a resolver. Sabemos que os doentes podem ver a doença como um desafio, mas também podem entrar em conflito com o seu sistema de crenças. Podem experimentar e sentir uma perda de fé, perguntarem-se pelo sentido da doença, da vida, da dor. Podem ter conflitos entre as suas crenças e as recomendações terapêuticas (Holland et al.;1999). Os profissionais de saúde podem animar os pacientes a que procurem o conselho de ministros espirituais ou religiosos apropriados para que lhes prestem ajuda com o desejo de resolverem os seus próprios conflitos, pois seria uma possível forma de melhorar a saúde e a sua capacidade de enfrentar a doença. 124 Avaliação das necessidades espirituais Segundo o Instituto Nacional de Cancro dos Estados Unidos, dada a importância que a religião e a espiritualidade tem para os pacientes, é vital integrar a avaliação destas necessidades dentro da atenção médica, incluindo a atenção no ambulatório. Melhores ferramentas para a avaliação tornam mais fácil discernir os aspectos da adaptação religiosa e espiritual que podem ser relevantes para o equilíbrio específico de um doente e da sua doença. Igualmente importante é considerar a maneira e o momento em que se aborda a religião e a espiritualidade com os pacientes e como fazê-lo de forma óptima em diferentes abordagens médicas (Zabora, J.; Blanchard, C. G.; Smith, E. D.; et al ; 1997; Handzo, G.; 1992). Se o tratamento das inquietações espirituais se podem considerar como uma questão da etapa terminal dessas inquietações, surgem em qualquer momento depois do diagnóstico. O reconhecimento da importância destas inquietações e seu tratamento durante o diagnóstico pode facilitar uma melhor adaptação durante o curso do tratamento e proporcionar um contexto para o diálogo posterior, mais enriquecido durante a doença. A exploração destas inquietações pode-se realizar de diferentes modos (Puchalski C.; Romer, A. L.; 2000; Kristeller, J. L.; Zumbrun, C. S.; Schilling, R. F.; 1999). O uso de diversos instrumentos, como fazendo parte da história clínica do paciente, não só permitiria explorar as crenças e práticas espirituais, o uso dessas crenças como fonte de fortaleza, as implicações que as crenças podem ter sobre as decisões terapêuticas, posto que há determinados doentes que pelas suas crenças religiosas não seguem determinados tipos de tratamento, mesmo em situações limite, e abriria o diálogo ao tema na relação médico/ doente. Dada a importância que a religião e a espiritualidade tem para os pacientes, é vital integrar a avaliação destas necessidades dentro da atenção médica. Doentes não crentes Se o paciente não tem interesses de carácter religioso/espiritual, poder-se-ia focalizar a atenção na relação do doente com a sua enfermidade, no que dá significado e sentido à vida, nas ideias que tem e que podem influenciar o tratamento, e se conta ou não com pessoas que o podem cuidar (Koenig, H. G.; 2005). Outra alternativa seria a participação em grupos de apoio que falem sobre o significado da doença sem enquadrarem necessariamente estes temas dentro de questões espirituais e religiosas. Vários estudos aleatórios com pacientes com cancro demonstraram que a psicoterapia de grupo pode influenciar favoravelmente a sua sobrevivência. E se nalgum momento surgirem temas relacionados com a espiritualidade, estes grupos não aprofundam esse ponto. (Spiegel, D.; Bloom, J. R.; Kraemer H.; Gottheil, E.; 1989; Fawzy, Fl.; Fawzy, N.W.; Hyun, C. S.; et al.; 1993). Alguns sítios sobre saúde e espiritualidade que se podem consultar na Internet Duke University´s Center for the Study of Religion / Spirituality and Health www.geri.duke.edu International Center for the Integration of Health and Spirituality www.nihr.org George Washington Institute for Spirituality and Health www.gwish.org / index.htm John Templeton Foundation www.templeton.org 125 126 Existem evidências crescentes sobre a relação directa entre crenças e práticas religiosas para uma melhor saúde física e, com isso, uma diminuição da necessidade de serviços de saúde. Bibliografia Abraido-Lanza, A. F.; Guier, C.; Revenson, T. A. (1996) Coping and social support resources among Latinas with arthritis. Arthritis Care and Research, 9 (6), 501-508 Colantonio,A.; Kasl, S.V.; Ostfeld,A. M. (1992) Depressive symptoms and other factors as predictors of stroke in elderly. American Journal of Epidemiology, 136, 884-894 Cronan,T.A.; Kaplan, R. M.; Posner, L.; Lumberg, E.; Kozin, F. 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New York: Oxford University Press Considerações finais Existem evidências crescentes sobre a relação directa entre crenças e práticas religiosas para uma melhor saúde física e, com isso, uma diminuição da necessidade de serviços de saúde. Estas investigações também ajudam a pôr de lado o mito existente entre os profissionais da área da saúde que pensam que a espiritualidade não tem nenhuma relação com a saúde. Muitos doentes desejam que os seus médicos não só falem das suas crenças religiosas e espirituais, mas também que abordem estas questões como parte do tratamento clínico do doente, em especial entre as pessoas de idade mais avançada, em pacientes com doenças graves e nas pessoas que se consideram a si mesmas como muito religiosas. Convém recordar que há também alguns pacientes que não desejam que os seus médicos lhes perguntem sobre este assunto, especialmente nas visitas de rotina ao consultório, o que recorda a necessidade de tocar no tema com muito cuidado e muita sensibilidade (Wright, S. D.; Pratt, C. C.; Schmall,V. L.; 1985). Não obstante, há uma coisa certa: existe uma considerável disparidade entre o número de pacientes que expressam o desejo de falar com seus médicos sobre este tema e os que alguma vez puderam dialogar a este respeito, já que raramente os médicos entram nestes assuntos. Por esta razão, pensamos que nos nossos países ibero-americanos, onde a população é maioritariamente religiosa, a inclusão da espiritualidade contribuirá decididamente a favor de uma saúde integral. Koenig, H. G.; Welner, D. K.; Peterson, B. L.; Meador, K. G.; Keefe, F. J. (1998) Religious coping in institutionalized elderly patients. International Journal of Psychiatry in Medicine, 27, 365-376 Kristeller, J. 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Raquel Lourenço, Leonor Saúde Simétricos por fora, assimétricos por dentro De momento, uma das questões que se tenta então compreender no âmbito da biologia do desenvolvimento, é como é definida esta assimetria entre os lados esquerdo e direito, de modo a melhor compreendermos as suas implicações nos humanos. Humberto Figueiredo, Ilda Murta Síndrome de Wernicke-Korsakoff O abuso de álcool é um dos mais sérios problemas de saúde pública e a síndrome de Wernicke-Korsakoff uma das mais graves consequências do alcoolismo. Esta patologia raramente é diagnosticada nas suas apresentações menos evidentes, razão pela qual uma abordagem diagnóstica apropriada é um passo importante para o seu tratamento. Entre as novas propostas farmacológicas, está a reposição dos níveis de tiamina, embora isso seja insuficiente para prevenir o declínio físico e mental de um grande número de doentes. Helena Salazar Necessidades dos doentes em cuidados paliativos O cancro pode ser olhado como uma doença incurável e progressiva estando-lhe associados períodos de estabilidade alternados com outros de descompensação, conduzindo para uma deterioração irreversível, incapacidade funcional e dependência geralmente total, originando necessidades específicas. Licenciaturas em: Enfermagem Fisioterapia Terapêutica da Fala Farmácia Higiene Oral Prótese Dentária Radiologia Análises Clínicas e Saúde Pública Campus Académico do ISAVE Quinta de Matos - Geraz do Minho 4830-316 Póvoa de Lanhoso Tel. 253 639 800 Fax 253 639 801 Email: [email protected] www.isave.edu.pt