A língua latina e as especificidades dos verbos

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A língua latina e as especificidades dos verbos
ESTUDOS
LINGUÍSTICOS
Revista Letrando, v. 4
jan. /jun. 2016
A LÍNGUA LATINA E AS ESPECIFICIDADES DOS VERBOS IRREGULARES
NA LÍNGUA PORTUGUESA
Edjane Bispo dos Santos1
Ivanete de Freitas Cerqueira**
Resumo: Este trabalho tem como objetivo principal evidenciar a importância do estudo do latim para
a compreensão das irregularidades que permeiam o sistema verbal português. Para tanto, são feitas
algumas reflexões a partir das teorias de autores, como Almeida (1968), Bortolanza (2011), Gonçalves
(2007), Ilari (1999) e Viaro (1999). Tal investigação é de cunho quantitativo e se valeu das seguintes
técnicas: pesquisa bibliográfica e de campo, com a aplicação de um questionário misto em um grupo
de vinte e cinco alunos do nono ano do Ensino Fundamental, na escola Genésio Chagas. A partir das
análises dos resultados, observou-se que é essencial estudar a língua mediante uma visão diacrônica, a
fim de que os problemas encontrados no presente sejam compreendidos através da busca ao passado,
isto é, trabalhar a flexão dos verbos irregulares com os alunos sob o olhar da evolução do português a
partir do latim. Com isso, pôde-se concluir também que as dificuldades apresentadas pelos discentes,
em relação ao estudo dessas irregularidades, podem ser sanadas se estas não forem estudadas
mecanicamente, mas mediante reflexões sobre a sua própria língua.
Palavras-chave: Latim; Língua Portuguesa; Verbos Irregulares.
Abstract: This work aims to highlight the importance of Latin study to understand the irregularities
that permeate the Portuguese verbal system. In relation to it, some reflections from the theories of
authors such as Almeida (1968), Bortolanza (2011), Gonçalves (2007), Ilari (1999) and Viaro (1999)
were made. This research is a quantitative nature and made use of the following techniques: literature
and field research with the application of a mixed questionnaire in a group of twenty-five students from
the ninth grade of elementary school at Genésio Chagas school. From the analysis of results, it was
found that it is essential to study the language by a diachronic vision, so that the problems encountered
in the present are understood through the search in the past, i.e., work the bending of the irregular
verbs with students, from the perspective of the evolution of Portuguese from Latin. With this, it can
also be concluded that the difficulties presented by the students, concerning the study of these
irregularities can be remedied if they are not studied mechanically, but by reflections on their own
language.
Keywords: Latin; Portuguese Language; Irregular Verbs.
1
Graduanda em Letras (Português) pela Faculdade de Ciências Humanas e Sociais (Ages).
E-mail: [email protected]
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/8023701526944683
**
Doutoranda em Língua e Cultura e Mestra em Letras e Linguística pela Universidade Federal da Bahia (UFBA),
Graduada em Letras (Português e Francês) pela Universidade Federal da Bahia (UFBA).
E-mail: [email protected]
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/0066582836297725
p. 55
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1 Introdução
O estudo do latim, língua que deu origem ao português, é essencial para a compreensão das
peculiaridades dos verbos irregulares na língua portuguesa, já que estes apresentam mudanças em seu
radical quando flexionados e, por esse motivo, precisam ser bastante discutidos em sala de aula, a fim
de que os estudantes saibam utilizá-los tanto na escrita quanto na fala e de forma correta.
Nessa perspectiva, é importante conhecer as particularidades que permeiam a antiga língua dos
romanos, pois ela ajuda a desvendar situações linguísticas inerentes ao português e que só podem ser
solucionadas se as transformações ocorridas durante o seu processo evolutivo forem evidenciadas. Além
disso, faz-se necessário considerar que o conhecimento sobre o latim, via história da língua portuguesa,
desenvolve novas habilidades nos indivíduos que mantêm contato com esse idioma, como por exemplo
o raciocínio lógico e a capacidade de pensar com mais facilidade e coerência, benefícios de extrema
importância para os sujeitos. Com isso, vê-se que o educador tem papel fundamental nesse sentido,
porque precisa compreender as especificidades relativas à língua latina, a fim de facilitar a aprendizagem
do uso dos verbos pelos educandos.
Este trabalho objetiva, por meio da análise dos verbos irregulares presentes no teste respondido
pelos alunos do nono ano da Escola Municipal Genésio Chagas, situada em Simão Dias / SE,
evidenciar a importância do estudo do latim para a compreensão das irregularidades que permeiam o
sistema verbal português. Os discentes tiveram que flexionar dez verbos irregulares nas pessoas, tempos
e modos exigidos em cada sentença/oração apresentada.
O primeiro capítulo, A importância do latim para o estudo do português, expõe os posicionamentos
de alguns autores que possuem estudos relacionados à temática, além explicitar a importância de
conhecer essa língua, para melhor compreender o português. Em seguida, há a descrição dos
instrumentos metodológicos, da população e de como foi feita esta pesquisa, em Metodologia. No
capítulo seguinte, ocorre a Análise e discussão dos dados, seguida de algumas sugestões para a melhoria do
ensino da Língua Portuguesa nas escolas.
2 A Importância do Latim para o Estudo do Português
De acordo com Ilari (1999), as línguas românicas derivam do latim vulgar, ou seja, daquele
falado pelas camadas mais populares da sociedade romana, e não do clássico, venerado pelos
aristocratas. O português, então, possui diferenças e semelhanças – mais estas que aquelas - no que diz
respeito a sua língua originária. Ao analisar o antigo idioma dos romanos, vê-se que ele pode explicar
situações linguísticas presentes na língua portuguesa. Esta precisa, pois, ser observada diacronicamente
para que seja melhor entendida pelos falantes.
Nessa perspectiva, para os que afirmam que o latim está morto, o vocabulário português mostra
justamente o contrário, pois possui inúmeros termos que ainda conservam a estrutura latina e são
bastante utilizados pelos usuários do idioma oficial do Brasil, tais como, curriculum vitae, in memoriam,
fiat, lux, lacta, in vitro, entre outros. Essas situações demonstram a necessidade de conhecê-lo, já que está
tão presente e vivo, seja modificado, seja conservando suas características inerentes.
A estrutura morfossintática da língua latina e a da língua portuguesa são muito diferentes,
apesar de a primeira ter dado origem à segunda. O modo de estabelecer as conexões entre as palavras
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em ambas é a principal característica que as difere. De acordo com Gonçalves (2007), no latim, as
funções sintáticas se dão por meio das marcas morfológicas ou desinências de caso e não pela ordem
sequencial das palavras como acontece no português. Logo, a ordem destas, na língua latina, é menos
rígida que na portuguesa, pois é o sistema de casos que gera a compreensão dos textos latinos. Além
disso, naquela não existem nem artigos nem preposições e os nomes são agrupados em diferentes
declinações, conforme o comportamento que cada grupo evidencia.
Sobre a necessidade de os usuários do português conhecerem a língua latina, Viaro (1999) diz
que ela proporciona um melhor entendimento da língua portuguesa e seus mistérios, bem como gera
uma melhor compreensão do mundo, além de ser um eficaz exercício para a memória dos indivíduos.
Almeida (1968) concorda com Viaro quando afirma que o latim aguça o raciocínio do estudante
e o obriga a pensar, a ser mais observador, concentrado, atencioso e calmo, qualidades essenciais ao ser
humano, além de ajudar a entender melhor o português.
(...) aprender ou não o latim não é a questão. Ele já convive conosco, pois é a
alma de nossa língua e bastaria reconhecê-la. Com o latim, vemos que as
irregularidades e as temíveis exceções das gramáticas não são nem irregulares,
tão pouco exceções. Tudo passa a ter uma lógica mais clara e previsível
(VIARO, 1999, p. 9).
Sob esse prisma, Bortolanza (2011) afirma que o português é ainda o latim, em tempo e espaço
diferentes, modificado e transformado em outra língua, mas permanecendo essencialmente latim. Para
ele, há mais semelhanças do que diferenças entre essas duas línguas, já que se trata de um sistema que
se manteve, ou seja, as terminologias gramaticais são quase as mesmas, apenas ganharam um caráter
mais analítico e isso acentua ainda mais a importância do estudo dele, mesmo já transformado em
outros idiomas, os neolatinos.
Para Bortolanza: “Verbo não pode ser considerado uma questão morfológica, por se configurar
de funcionamento morfossintático” (2011, p. 422). Ele faz críticas severas ao modo como o ensino dos
verbos é colocado para os usuários do português e enfatiza a urgência de incorporar o aspecto à
conjugação, já que o Perfeito e o Imperfeito na língua portuguesa só estão associados ao Pretérito e isso
pode gerar confusão no entendimento das categorias de Tempo e de Aspecto.
Sobre isso, Castilho (1968) define: “O aspecto é a visão objetiva da relação entre o processo e o
estado expressos pelo verbo e a ideia de duração ou desenvolvimento. É pois, a representação espacial
do processo” (p. 14). Para tal autor, o aspecto verbal é uma categoria léxico-sintática, já que em sua
caracterização interagem o sentido do radical verbal e elementos sintáticos como os adjuntos adverbiais,
o complemento e o tipo oracional. Vê-se que as discussões a respeito disso, nas gramáticas e no ensino
da língua portuguesa, são insuficientes para o devido entendimento dessa categoria.
Bortolanza (2011) diz que o analitismo do latim vulgar presente no sistema verbal latino frente
ao sintetismo do clássico é uma das características marcantes na evolução do primeiro. Isso explica,
então, o fato de a língua portuguesa também possuir esse analitismo em seu sistema verbal. Dessa forma,
observa-se que as variantes sincrônicas do português precisam ser compreendidas mediante a
compreensão das diacrônicas.
É importante conhecer, em suma, os mecanismos estruturais que regem a língua latina, visto
que o professor de português precisa desse conhecimento para desvendar algumas peculiaridades
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referentes ao idioma oficial do Brasil e sanar as necessidades de aprendizagem dos educandos, além de
desfrutar das habilidades que esse estudo proporciona ao sujeito.
3 Metodologia
Esta pesquisa foi realizada com vinte e cinco alunos do nono ano da Escola Municipal Genésio
Chagas, situada no Povoado Cumbe, Simão Dias / SE, por meio da aplicação de um questionário
misto, contendo perguntas elaboradas de modo a fazer com que as possíveis respostas mostrassem até
que ponto os alunos reconhecem as palavras de origem latina em seu dia a dia. Na primeira questão,
que se tratava desse reconhecimento, havia palavras bastante utilizadas no português, nas quais a forma
latina foi conservada, bem como vocábulos dessa mesma origem que se modificaram, adquirindo outra
forma ao longo do tempo. Já a segunda se referia ao emprego dos verbos irregulares na língua
portuguesa e ao modo como o radical de alguns adjetivos se modificam quando passados para o grau
aumentativo sintético ou para o diminutivo, o que pode provocar confusões quanto ao significado
deles.
A aplicação desse instrumento durou cerca de uma hora, cedida pela professora de Língua
Portuguesa e não houve nenhum tipo de consulta a materiais ou até mesmo aos colegas de classe, o que
é essencial para a lisura deste trabalho, pois cada um fez o que realmente sabia, sem pedir ajuda a
terceiros para dar suas respostas.
Nesse sentido, a pesquisa quanto aos objetivos, caracterizou-se como quantitativa e exploratória,
uma vez que possibilita uma aproximação da realidade observada e dos dados que serão discutidos na
sequência. A investigação também se valeu das seguintes técnicas: pesquisa bibliográfica sobre as
principais obras que abordam o assunto e pesquisa de campo, já que foi necessário visitar o espaço onde
a pesquisa foi feita.
Sob esse prisma, neste trabalho foi analisada somente a segunda questão do questionário, que
se refere ao emprego dos verbos irregulares, na qual foi pedido que os educandos conjugassem os verbos
medir, caber, trazer, crer, tossir, valer, pôr, perder e ler, em sua maioria, na primeira pessoa do
singular no presente do indicativo e alguns poucos na terceira pessoa do plural no presente do
indicativo e na terceira pessoa do singular no futuro do subjuntivo.
4 Análise e Discussão dos Dados
De acordo com Almeida (2003), há alternâncias nos radicais de alguns verbos irregulares que
opõem a primeira pessoa do singular do presente do indicativo, assim como as do presente do
subjuntivo à segunda e à terceira do singular e plural do indicativo. Na maior parte dos casos, se a
alternância se der em decorrência da consoante final do radical, a oposição ocorrerá, pois, entre a
primeira pessoa do singular do presente do indicativo e todo o subjuntivo ao restante da flexão.
Nesse sentido, essa consoante diferente encontrada na primeira pessoa do presente do
indicativo é consequência de uma evolução originada da existência de uma semivogal, resultante do
processo evolutivo de uma vogal seguida de outra vogal. Dessa forma, o que acontece com os verbos
Medir e Valer é o seguinte: a semivogal provocou a palatalização da consoante anterior. Essa elevação
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da língua em direção ao palato duro se perdeu no primeiro verbo e deu origem ao fonema /ts/ e depois
/s/. Esperou-se que a consoante -l-, presente no radical do segundo, tivesse sido suprimida entre as
vogais, mas ela se manteve ao longo da flexão, como ocorre no infinitivo. Tal evolução pode ser
observada logo abaixo, segundo Almeida (2003):
MEDIR: metio> me/tj/o > me/ts/o> me/s/o: meço
VALER: ualeo > va/lj/o > va/Y/o: valho
Os alunos que participaram da coleta de dados e responderam ao questionário tiveram
dificuldades ao conjugar as formas verbais supracitadas. Na letra A do item relacionado ao emprego
dos verbos, foi pedido que os discentes conjugassem o verbo MEDIR na primeira pessoa do singular
do presente do indicativo: Você mede a largura e eu MEÇO o comprimento. Somente cinco alunos
conseguiram fazer o exercício corretamente, dos vinte e cinco participantes. As outras formas foram
MIDO (5), MERÇO (3), MESO (2), MEDÓ (1), MERSSO (1), MERSOR (1), MESSO (5) e MEDIREI
(2).
Com VALER, em Essas pessoas podem não valer nada, mas eu VALHO muito, apenas dois
educandos conseguiram obter êxito. A maior parte deles utilizou a forma verbal VALO (12). Houve a
utilização de outros verbos como VALORIZO (1) e GASTO (1). O restante variou entre VALEREI (4),
VALE, VALEREM, VALEU, VALOR e VALORISO, com uma menção, respectivamente. Vê-se que
para tentar conservar o radical, os discentes recorreram ao verbo VALORIZAR e fizeram também uma
associação semântica entre VALER e GASTAR. Essas dificuldades que os alunos apresentaram ficaram
ainda mais acentuadas quando foi pedido que conjugassem Pôr e Trazer na terceira pessoa do singular
no futuro subjuntivo, como será mostrado a seguir.
A forma verbal PUSER, do verbo PÔR, em Só ponho meu almoço se você PUSER o seu, foi utilizada
por somente um educando. Os demais se limitaram a deixar o verbo no infinitivo, quinze deles, ou
colocá-lo sem o acento POR (3), ou usar o PÔ, PÔNHE, POREM, POIR, PUSER. Um aluno optou
por deixar em branco e outro por trocar a palavra pedida por um sinônimo, COLOCO (1), o que não
é errado em uma produção textual seja escrita ou falada. Contudo, esse não foi o caso, já que o objetivo
é ver como os discentes conseguem flexionar justamente os verbos que são pedidos no questionário.
Já com TRAZER, na frase Só trago meus CDs, quando Marcos TROUXER os dele, apenas dois
alunos conseguiram cumprir corretamente o que foi proposto, enquanto que seis deles utilizaram o
verbo novamente no infinitivo. O restante se dividiu entre as formas TRAGO (2), TRAZ (4), TRAZE,
TROUSSER, TROUSER, TRAS, TRASEREI, TRAZEREM, TROSSER, TROUCER, TROSCER,
TRÁS, com uma menção por um educando, respectivamente. Um aluno não conseguiu fazer a proposta
e deixou em branco o espaço destinado à resposta.
Vê-se até aqui que a maioria dos alunos não consegue responder de modo a seguir a pessoa, o
tempo e o modo pedidos nas orações. Alguns deles até conseguem, mas deslizam na ortografia, como
foi visto em TROUCER, TROUSSER e TROUSER. Nesse caso, é preciso afirmar que todos tinham o
intuito de escrever TROUXER. Os que assim o fizeram desconhecem que, nesse caso, a letra X
representa o fonema /s/.
Há verbos nos quais, segundo Almeida (2003), há a alternância de uma semivogal anti-hiática e
sua ausência no final do radical, como acontece com Crer e Ler. São formas verbais nas quais uma
consoante foi suprimida na primeira e na segunda pessoa do presente do indicativo.
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CRER: credo > creo > cre/j/o: creio
credis > crees > crês
LER: lego > leo > le/j/o: leio
legis: > lees > lês
Como as vogais da segunda pessoa eram semelhantes, ocorreu uma crase, mas isso não
aconteceu na terceira pessoa do plural, visto que as duas foram conservadas quando flexionados os
verbos com a característica acima descrita. Isso consegue explicar, portanto, o fenômeno que ocorre
com Crer e Ler, na terceira pessoa do plural do presente do indicativo, descrito na sequência.
O verbo CRER em Eu creio no que meus pais CREEM gerou várias formas verbais como respostas.
Houve apenas quatro acertos, embora a forma mais utilizada por eles tenha sido CRER (6). Alguns até
souberam flexionar tal palavra, mas não conseguiram escrevê-la corretamente: CREM (4). Outros
utilizaram o acento circunflexo que caiu com a chegada do Novo Acordo Ortográfico: CRÊEM (2). Os
demais fizeram CREREM (3) e CREIREM (1).
Algo semelhante aconteceu com Ler em Eu leio o mesmo livro que eles LEEM. Apenas quatro
alunos fizeram corretamente e os demais se limitaram a responder LEIO (1), LEM (5), LER (3), LEIM
(1), LERAM (4), LE (1), LEREM (2), LEO (1) e LÊEM (2). Um aluno não conseguiu responder ao
quesito.
De acordo com Almeida (2003), há ainda verbos que apresentam uma oscilação entre um
ditongo e uma vogal na sílaba tônica originária da atração entre a vogal tônica e uma semivogal que
existia na última sílaba. “Note-se que do português actual fazem parte verbos que numa fase antiga
apresentavam essa alternância, tendo a semivogal acabado por desaparecer” (ALMEIDA, 2003, p. 103).
É o que acontece com Caber:
CABER: capio > cab/j/o > ca/j/bo: caibo
O verbo CABER deveria ser conjugado na primeira pessoa do singular do presente do
indicativo: Se Maria cabe nesse cubículo, eu não CAIBO. Dos vinte e cinco, somente três alunos
conseguiram acertar e o restante se dividiu entre CABEREI (10), CABO (5), COUBE (2), CABE(2),
CABEREM, COBE E CABER. Isso demonstra que os discentes procuram conservar o radical ao
flexionar os verbos na primeira pessoa do singular no presente do indicativo assim como é feito com os
regulares e isso gera confusão. A forma CABO é um bom exemplo, visto que isso é observado no
processo de aquisição da linguagem pelas crianças as quais tentam conservar a raiz de verbos como
CABO/CAIBO, SABO/SEI, MIDO/MEÇO, e como será exposto na sequência, TECO/TEÇO,
TOSSO/TUSSO e PERDO/PERCO.
Com TECER houve realmente muita confusão. O enunciado Enquanto ele tece o chapéu, eu
TEÇO a esteira pede a primeira pessoa do singular no presente do indicativo, mas somente seis
educandos obtiveram êxito. O restante ficou limitado a TECO (3), TOUÇO (1), TERÇO (2),
TECEREI (4), TECIR (2), TORCIREI (1), TERCEREI (2), TROÇO (1) e TECE (1).
Situação semelhante ocorreu com TOSSIR em Engraçado! Quando você tosse, eu também TUSSO.
Pede-se a primeira pessoa do singular do presente do modo indicativo. Cinco alunos conseguiram
acertar, embora boa parte tenha respondido TOSSO (9), como descrito anteriormente. Esse verbo
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obteve a maior variação entre as respostas: TURSSO (2), TOSSI (1), TOUSSIR (1), TOSSIR (1),
TORSSEREM (1), TOSSER (1), TORÇO (1), TOSSIREI (1) e TORSSOR (1).
Segundo Almeida (2003), no sistema morfológico do português há verbos que possuem todas
as formas irregulares no subjuntivo e na primeira pessoa do presente do indicativo, no tocante à
diacronia e por influência analógica. Isso pode ser explicado ao observar a evolução de Medir e Perder
na primeira pessoa, respectivamente:
MEDIR: môtio > me/tj/o > me/ts/o > me/s/o: meço
PERDER: pĕrdeo > per/dj/o > per/ts/o > per/s/o: perço > perco
O verbo PERDER deu margem a diversas possibilidades, como PERDO (8), PERDI (4), PERSO
(2), PERDEREI (3), PESSO (2) e PERSOR (1), quando foi requisitada a primeira pessoa do singular do
presente do indicativo, PERCO, a qual foi mencionada por apenas três discentes, no enunciado Joana
perde dinheiro e eu PERCO muito mais. Um aluno optou por não responder e um outro, pelo antônimo
GANHO. Esta forma não é muito apropriada, pois inverte o significado da oração.
5 Considerações Finais
Observa-se que verbos como Medir, Valer e Caber são irregulares se forem observadas somente
as mudanças em seu radical. As irregularidades que se fazem presentes na primeira pessoa do presente
do indicativo e em todo modo subjuntivo são regulares de acordo com o ponto de vista da diacronia,
ou seja, a evolução deles aconteceu de forma natural e regular. Faz-se necessário, então, olhar a língua
por uma visão diacrônica, a fim de que os problemas encontrados no presente sejam compreendidos
através da busca ao passado.
Formas como MERÇO, MESO, MERSSO, MERSOR e MESSO podem ser vistas como
variantes ortográficas de MEÇO, bem como TROUSSER, TROUSER, TROSSER, TROUCER e
TROSCER, pois são variantes de TROUXER. O mesmo acontece com CRÊEM e CREM, de CREEM;
LEM, LEIM e LÊEM, de LEEM; TERÇO, de TEÇO; e TURSSO, de TUSSO. Essas formas
implementadas se diferem somente na ortografia, daquelas aceitas como corretas, porque a pronúncia
destas em relação às produzidas pelos alunos são muito parecidas. Os estudantes sabiam conjugar tais
verbos, mas não souberam escrevê-los de acordo com a norma padrão.
Já com VALO, produzida por vários discentes para representar a primeira pessoa do singular do
presente indicativo de VALER, ou seja, VALHO, conclui-se que tal forma segue a regularidade do
próprio verbo, pois apresenta uma alteração no radical, quando conjugado em situações que evidenciam
justamente a primeira pessoa do singular do presente indicativo, bem como no presente do subjuntivo
e imperativo afirmativo e negativo. Nesses casos, o -l- do radical passa a ser -lh-, quando seguido das
letras a e o.
É importante ressaltar que a situação acima descrita pode ser melhorada com a intensificação
das leituras, análises textuais e produções de texto, como também pelo exercício de conjugação dos
verbos irregulares, de modo a fazer com que os discentes consigam refletir sobre a língua e não somente
como exercício de memorização das desinências verbais, porque aquilo que é decorado será esquecido
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em um dado momento. Mas, quando a aprendizagem é significativa, o conhecimento adquirido tende
a ser ampliado dentro e fora da sala de aula.
De acordo com os resultados obtidos no teste, observa-se que houve falhas no processo de
ensino/aprendizagem desses educandos, pois são formas verbais utilizadas com frequência por
quaisquer falantes da língua portuguesa, e devido às irregularidades presentes nos radicais, são
implementadas com dificuldades por boa parte dos falantes do português que não conhecem as
especificidades de cada um dos verbos apresentados.
O sistema de ensino prima pela quantidade e não pela qualidade, ou seja, pela aprovação da
maioria dos educandos, mesmo que estes não tenham desenvolvido os requisitos exigidos para serem
aprovados. Isso se dá pelo fato de que as verdadeiras dificuldades dos alunos não são detectadas e
sanadas já no início da vida educacional ou até a conclusão da Educação Básica. Dá-se prioridade à
aplicação dos conteúdos, enquanto que alguns estudantes não conseguem ler, interpretar e escrever
bem os textos.
É necessário fazer com que os discentes consigam refletir sobre a sua língua, pois esta possui
singularidades que somente poderão ser entendidas após a observação de como se deu a evolução do
latim. Precisa-se trabalhar a flexão dos verbos irregulares com os alunos e sempre se voltar para a
evolução do português a partir da língua latina.
Referências
ALMEIDA, Maria Luisa A. F. de. Regularidade e irregularidade nos paradigmas flexionais. Máthesis,
Jandaia do Sul, v. 12, n. 1 e 2, p. 89-112, 2003. Disponível em: <http://www4.crb.ucp.pt/biblioteca/
Mathesis/Mat12/Mathesis12_89.pdf >. Acesso em: 10 de março de 2016.
ALMEIDA, Napoleão Mendes de. Gramática latina. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 1968.
BORTOLANZA, João. O latim e o ensino de verbos. I SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE LÍNGUA
PORTUGUESA, 1., 2011. Uberlândia. Anais eletrônicos... Uberlândia: EDUFU, 2011. p. 418-425.
Disponível em: <http://www.ileel.ufu.br/anaisdosielp/wp-content/uploads/2014/06/volume_1_
artigo_046.pdf>. Acesso em: 10 de março de 2016.
CASTILHO, Ataliba T. de. Introdução ao estudo do aspecto verbal na língua portuguesa. 1966. 133f.
Tese (Doutorado em Letras) – Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Marília, Marília, 1968.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 34. ed. São Paulo:
Paz e Terra, 1996.
GONÇALVES, Rodrigo Tadeu. Língua latina. Curitiba: IESD Brasil, 2007.
ILARI, Rodolfo. Linguística românica. 3. ed. São Paulo: Ática, 1999.
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VIARO, Mário Eduardo. A importância do latim na atualidade. Revista de ciências humanas e sociais,
São Paulo, v. 1, n. 1, p. 7-12, 1999. Disponível em: <http://www.unilago.com.br/download/arquivos/
20996/artigo_Mario_Viaro.pdf>. Acesso em: 10 de março de 2016.
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