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BENEDICTE KURZEN/VII NETWORK ESTE SUPLEMENTO FAZ PARTE INTEGRANTE DA EDIÇÃO Nº 8097 DO PÚBLICO, E NÃO PODE SER VENDIDO SEPARADAMENTE
Gerês Rio de Janeiro A Grade Maomaria Citroën DS5
Gorongosa,
a sobrevivente
José Sarmento
Marques sabe
Lisboa de cor
Nice é a
Côte d’Azur
cheia de arte
contemporânea
FUGAS | Público | Sábado 9 Junho 2012
Irene Grilo
Capa
Moçambique
Gorongosa,
lugar do
silêncio
Dias de deslumbre no Parque
Nacional da Gorongosa, que já foi
palco de um dos mais sangrentos
cenários de Moçambique.
Populações inteiras de animais
selvagens quase desapareceram.
Agora, recupera o fulgor.
Ana Cristina Pereira
O
homem magro, de testa enrugada, não largava a espingarda. Nem
quando se encostava a um canto e
apoiava a cabeça no braço direito.
Dir-se-ia que se esforçava para manter os olhos abertos, mas não deixava
de captar tudo o que se passava em
volta. Também “vê” com os ouvidos
e com o nariz. Mesmo noite cerrada,
percebe a proximidade de uma manada de búfalos silenciosos.
Não é que Njinga desvalorize os
riscos. É que conhece bem a fauna
bravia do Parque Nacional da Gorongosa. Refugiou-se aqui da guerra
civil de Moçambique. Comia raízes,
frutos silvestres, carne de ratazana,
cágado, inhala, piva, impala. “Não
comia massa. Só coisas do mato. Tinha uma roupa caducada. As pessoas
deitavam fora. A gente apanhava no
rio, levava, cosia, punha. Só à frente.
Atrás ficava sem nada.”
Há qualquer coisa de esmagador
numa extensa zona que a humanidade visita, mas não ocupa. É o
“meio do nada”. O lugar do silêncio,
de quando em quando cortado por
um vozear estranho — o rosnar de
um leão, o grasnar de uma águia, o
bramir de uma impala, o mugir de
um búfalo, o chorar de um crocodilo, o trombetear de um elefante, o
grunhido de um porco do mato ou
o guincho de um macaco.
Dispenso, de muitíssimo bom grado, o silvar de qualquer cobra e o
zunido de qualquer mosquito. Fora
isso, paz.
Saíramos cedo do acampamento sazonal montado no centro do
parque. Era uma daquelas manhãs
luminosas que abrem a estação seca.
Do jipe, seguindo a picada, víramos
cudo, pala-pala, inhala e outros antílopes que não fogem mas que se
afastam ao ouvir o ronco do motor,
como se quisessem salvaguardar as
devidas distâncias do mais perigoso bicho. De súbito, leões a acasalar.
Deixámo-nos estar, talvez uma hora,
a observá-los.
Não sei como seria a Gorongosa antes de, “menino e moço”, Njinga ter
sido levado da palhota de seus pais
e forçado a pegar numa arma. Posso
ter uma ideia, por exemplo, lendo o
que sobre ela escreveu, na sua Ronda
de África, Henrique Galvão, em 1948:
“Em todos os percursos [se podem]
admirar as multidões de antílopes
em corrida ou em alertas estatuários,
as manadas portentosas de búfalos,
as fugas destrambelhadas dos macacos, as galopadas das zebras — e,
com frequência, levantar leões das
suas camas, surpreender leopardos,
ouvir os elefantes na sua faina de lenhadores e ver os hipopótamos em
concentração que é decerto a mais
densa e numerosa do mundo.”
Naquele tempo, o extremo sul do
Grande Vale do Rift Africano não era
bem um éden de vida selvagem. A
Gorongosa começou por ser uma
reserva de caça de administradores
4 | FUGAS | Público | Sábado 9 Junho 2012
da Companhia de Moçambique. Em
1941, finda a concessão, o Governo
colonial tentou banir as caçadas e
criar uma estância turística. Só em
1960 a declarou parque nacional. No
final dos anos 1960, a equipa do ecologista sul-africano Kenneth Tinley
fez a primeira contagem aérea: 200
leões, 2200 elefantes, 14 mil búfalos,
5500 bois-cavalos, três mil zebras,
3500 pivas, duas mil impalas, 3500
hipopótamos.
À Gorongosa vinha gente de muito
lado. Não só pela quantidade de animais. Também pela beleza paisagística. José Maria d’ Eça de Queiroz, neto
do escritor maior, registou-a quando
a visitou em 1964. “A Gorongosa é
como o mar: sempre igual e sempre
diferente. Existem centenas de mares no mar; na Gorongosa a estepe
tem uma centena de estepes e a savana uma centena de savanas.”
Depois, vieram as guerras. A primeira, a da independência, poupou
a reserva; a segunda, a civil, não.
Renamo, Frelimo, paz
Quem me falara na Gorongosa fora
a minha amiga Irene Grilo: um dos
lugares da sua infância estava a recuperar de sistemáticas matanças.
Incansável defensora dos direitos
dos animais, agente de viagens especializada em safaris, queria ver
como estão as espécies a reagir, que
estruturas existem para receber visitantes e de que forma tudo isso se re-
laciona com as comunidades locais.
Volvidos alguns meses, ali estávamos
nós, num todo-o-terreno conduzido por Blessed, um guia que não
lhe caiu bem, sob o olhar de Njinga,
um guarda que lhe inspirava grande
confiança.
Njinga nasceu em Cheringoma,
distrito da província de Sofala, que
faz fronteira com a Gorongosa. Aos
14 anos foi levado pela Resistência
Nacional Moçambicana (Renamo) —
pouco depois da independência, exmilitares portugueses e dissidentes
da Frelimo tinham-se instalado na
Rodésia e lá criado aquele movimento; com a independência do rebaptizado Zimbabwe, assentaram arraiais
na África do Sul e, com o Acordo de
PAUL KERRISON
Há qualquer coisa de
esmagador na paisagem da
Gorongosa. Isto é o “meio
do nada” e o silêncio por
vezes é cortado pelo mugir
de um búfalo ou o rosnar de
um leão. Abaixo, a cascata
de Morumbodzi.
IRENE GRILO
PAULA AGUILERA
Nkomati, em 1983, ergueram o quartel-general, a Casa Banana, no sopé
da serra da Gorongosa. Era um bom
sítio para escapar à observação aérea.
A vida tornou-se infernal para os homens e para os animais selvagens que
ali viviam. O parque foi encerrado.
Na muita papelada que imprimira
para ler durante a viagem, havia um
livro do politólogo Jaime Nogueira
Pinto sobre a guerra civil. Nele aparece o líder da Renamo, Afonso Dhlakama, a descrever o modus operandi:
“Actuávamos em grupos muito pequenos, dispersos pela serra, com
grande conhecimento do terreno, e
eles pensavam que nós éramos como
que espíritos da serra da Gorongosa, que estávamos em todo o lado ao
mesmo tempo. Um só homem nosso
podia fazer muitos estragos no inimigo naquele teatro de operações!”.
Rapazes como Njinga eram treinados para improvisar. Sobreviviam
com muito pouco. Não usavam farda.
Vestiam t-shirt e calças de ganga ou
fazenda. Só alguns calçavam sapatos ou botas. Njinga lembra-se de
haver 30 quilos de farinha para 500
homens. Odiava aquilo. Fugiu com
um amigo. Ainda passou por casa.
“‘Papá, eu não vou mais à Renamo,
vou viver no mato. Eu sou pessoa.
Meus irmãos já morreram. Eu quero
ficar vivo.’”
Viveram cinco anos no mato. Fizeram uma casa numa árvore para
melhor se protegerem de leões e de
outros predadores. Dormiram lá dois
anos. As temperaturas, à noite, podem cair a pique. “Estávamos a sofrer muito com o frio. Construímos
uma cabana na floresta.” De meses
a meses, noite cerrada, Njinga ia à
palhota da irmã. Foi ela que lhes deu
a notícia: Renamo e Frelimo tinham
assinado a paz.
Os dois rapazes não eram excepção. Nos últimos anos de confrontos,
muita gente se tinha refugiado dentro do parque. Havia quem caçasse
só para comer, mas também quem
caçasse para extrair o marfim aos
elefantes e trocá-lo por armas. As
maiores matanças aconteceram entre 1992 e 1994. Houve descontrolo
total desde a assinatura do Acor-
FUGAS | Público | Sábado 9 Junho 2012 | 5
IRENE GRILO
Capa
Moçambique
do Geral de Paz às primeiras eleições
multipartidárias, que reconduziram
Joaquim Chissano. Do parque, saíam
umas 60 toneladas de carne por mês.
O Banco Africano de Desenvolvimento, com o apoio da União
Europeia e da União Internacional
para a Conservação da Natureza,
tentou resgatar a reserva. Os meios
revelaram-se escassos para uma tão
desmesurada tarefa: populações de
animais de grande porte estavam reduzidas a 10% ou menos; o acampamento de Chitengo, construído na
era colonial, estava desfeito. Homens
como Roberto Zolho e Baldeu Chande passaram anos em tendas a tentar
salvar o que restava.
O charmoso veterinário
Quando o Governo e a Carr Fundation combinaram restaurar a Gorongosa, em 2004, era preciso captar
cientistas, engenheiros, gestores, fiscais. Dezenas de ex-combatentes foram contratados. Njinga pediu para
o ser. E foi. É um fiscal do Parque
Nacional emprestado à primeira concessão privada, a Explore Gorongosa.
Gostava muito de o ter, no banco
de trás do jipe, nas incursões pelo
mato, ao princípio da manhã ou ao final da tarde (nas horas mais quentes,
os animais abrigam-se). Sentia-me
segura. E segura perdi a conta aos
animais que vi — perto das picadas
ou longe e, nesse caso, de binóculos para não os tomar por mancha
animada.
Estava maravilhada. Queria ir para
lá da mil vezes contada história do
milionário norte-americano Greg
Carr, que decidiu investir 40 milhões
de dólares na restauração da Gorongosa. No Chitengo, estava o informadíssimo Vasco Galante, português,
director de comunicação. Onde
estava o charmoso veterinário que
aparecia no documentário da National Geographic, Africa’s Lost Eden?
A Irene queria muito conhecer
Carlos Lopes Pereira. Queria darlhe um abraço, expressar gratidão
pelo trabalho feito, mas o director
dos serviços de conservação acabara de ser promovido a assessor
técnico do Governo para todas
as reservas e parques naturais de
Moçambique: não estava. Haveríamos de encontrá-lo em Maputo
e de ouvi-lo contar como desistira
de ir para o Botswana e ficara em
Moçambique por metade do salário.
“Era um grande desafio técnico.”
A equipa delineou um plano para
recuperar fauna bravia, reconstruir
infra-estruturas, fomentar o desenvolvimento económico. O número de fiscais duplicou — alcançou
os 120. Criou-se um santuário de
vida animal. Previu-se fazer reintrodução massiva, recorrendo ao
Zimbabwe. “A situação política não
dava”, recordou o homem alto, de
barba grisalha, botas de montanha,
roupas de cores neutras, adequadas ao mato. “As pessoas querem
fornecer os animais. Pagamos por
eles, mas, quando chega a hora, a
licença de exportação, por razões
que ninguém percebe, não chega.”
Não podiam ficar dependentes
da situação política no Zimbabwe.
Quem sabe quando se alterará? O
Kruger Park, no Norte da África do
Sul, estava a terminar um programa
de reprodução de búfalos livres de
tuberculose e tinha de dar destino
àqueles animais. Carlos Lopes Pereira foi lá dizer-lhes que o lugar certo
era a Gorongosa.
Em Agosto de 2006, vieram os
primeiros 54. Havia um risco: a
doença transmitida pela mosca tsétsé, coisa que os búfalos do Kruger
desconhecem há cem anos. O médico veterinário preparou-se para
intervir. Não foi necessário. Continuavam resistentes. E os búfalos
abriram caminho aos elefantes.
Os grandes machos quase tinham
desaparecido da Gorongosa. Só havia elefantes com dentes pequenos
ou sem dentes. Em 2008, vieram
dois machos mais velhos e quatro
machos mais jovens, escolhidos a
6 | FUGAS | Público | Sábado 9 Junho 2012
DR
Njinga
(em cima)
refugiou-se na
Gorongosa da
guerra civil de
Moçambique.
Ao lado, o
veterinário
Carlos Lopes
Pereira.
ROBERTO SPAAN
dedo, a pensar na regeneração do
fundo genético da população que
fora massacrada durante anos.
Se fosse hoje, não traria os mais
velhos. “O elefante não é um animal
comum — pensa, investiga, reage. Os
jovens eram meios medrosos. Andavam perto das manadas, mas não se
integravam. Depois, lá conseguiram.
Os mais velhos punham-se a andar
para a frente e para trás como qualquer macho.”
Usavam colares transmissores
de sinal via satélite. Era assim que
a equipa conseguia saber a sua posição. Carlos Lopes Pereira até coçava a cabeça ao perceber como se
afastavam da reserva. Um chegou a
estar a 279 quilómetros do parque.
“Lá descobriu a rota dos elefantes.
Foi para o rio Zambeze e voltou. E
tornou a ir. E foi o azar dele. Houve
uns indivíduos que o apanharam.”
Os caçadores furtivos tentaram
destruir o colar. Carlos Lopes Pereira
notou o movimento anómalo. Pediu
ao centro de controlo o número de
emissões do sinal. Preparou-se para
avançar de helicóptero, à procura do
animal. De repente, viu uma linha
recta em direcção à cidade da Beira.
Não podia ser o elefante. Inseriu as
referências geográficas no Google: o
colar estava dentro de uma casa.
Eram dois caçadores: um francês
ROBERTO SPAAN
“O elefante não
é um animal
comum — pensa,
investiga, reage”,
explica Carlos
Lopes Pereira
PAUL KERRISON
guerra. É ajuizado evitar picadas
muito fechadas ao anoitecer. Só nos
deparamos com eles quando já estamos muito perto e eles não gostam.
Chitas incompetentes
e um português. “Apanhámos os
indivíduos com a mão na massa.
Apanhámos os restos do nosso elefante, apanhámos uma ponta que
tinha 3,75 metros de um elefante que
tinha sido abatido na Zambézia, apanhámos troféus, armas ilegais, munições, uma coisa impressionante.”
O outro também teve um fim trágico. Afastou-se do parque por causa
dos incêndios, que na Gorongosa são
capazes de queimar macacos nas árvores. Caminhou em direcção ao sul.
“Nós tentamos trazê-lo de volta e ele
acabou morrendo numa combinação de inalação de fumo e stress de
transporte.” Agora, a ideia é trazer
uma família inteira. Os elefantes são
muito sociáveis. Vivem em famílias
que incluem uma matriarca idosa,
vários descendentes e suas crias.
Amiúde, diversas famílias partilham
um território. Quando se encontram
em poços ou no mato, cumprimentam-se com as suas trombas.
São grandes bebedores de água.
Para os ver na Gorongosa, melhor
será seguir a picada que se estende ao
longo do rio Urema. Uma pista: mato
alto pisado e ramos e troncos de acácias amarelas partidos. Mas há que
manter distância. Há quem diga — veja-se o documentário War Elephants,
protagonizado por Bob Poole e Joyce
Poole — que sofrem de traumas de
Houve outras aparatosas reintroduções de animais selvagens. Vieram
180 bois-cavalos do Limpopo. Vieram mais 132 búfalos, cinco hipopótamos, quatro chitas.
Cada animal desempenha o
seu papel na natureza. Os búfalos, por exemplo, têm uma língua
comprida que lhes permite comer
ervas grandes e espessas evitadas por outros animais de pasto.
E isso ajuda os outros animais a
aceder a ervas mais baixas e a descobrir os caminhos para a água.
Já ninguém pensa em fazer reintroduções maciças no Parque Nacional
da Gorongosa, como nos primeiros
tempos. Surpreendidos com a recuperação registada entre 2004 e
2007 em várias espécies, como piva,
chango, javali africano, os peritos redefiniram estratégias. O parque já se
gaba de ter das maiores populações
de papa-palas, gondongas e oribis.
Boa notícia para os predadores,
como as chitas.
Vimos uma chita macho a andar,
sozinha, no verde da savana. Morreram duas das quatro que para ali
vieram: uma no transporte, outra na
caça. “Meteu-se com uma imbabala”,
explicou Carlos Lopes Pereira. “As
imbabalas são animais muito sérios.
Lutam. Essa chita… não sei o que lhe
deu para ir à procura de imbabalas.
Enquanto esteve a ser alimentada,
no santuário de fauna bravia, comeu
impalas!”
Apesar de selvagens, as chitas viveram algum tempo em cativeiro.
Estavam “meio incompetentes.”
O que lhes valia era as presas também sofrerem de inaptidão. Não
havia ali predador tão veloz. Que
outro animal terrestre consegue
atingir 120 km/hora? O veterinário
encontrou-os mortos. “Estavam
um ao lado do outro e o irmão
a olhar. Nem sequer comeu. A
vida real é esta. O resto é poesia.”
Eu diria que foi poesia que tivemos.
Vimos leões dois dias seguidos. E não
haverá nada que dê tanto prazer à
minha amiga Irene como a presença
dos maiores felinos de África, que ali
têm uma juba mais curta do que o
habitual — um mistério que intriga
quem, como ela, tanto se preocupa,
uma das muitas razões para voltar a
esse lugar co-gerido pelo Governo de
Moçambique e pela Carr Fundation.
“É um dos sítios mais selvagens de
África”, assegura. “Tem um ecossistema muito variado e muito bonito.”
Uma savana de copa fechada a que
chamam “miombo,” palavra suaíli
que nomeia a árvore preponderante, cobre os dois planaltos. No vale,
capim polvilhado de acácias altas,
diversos géneros de savana, florestas secas, charcos. Na serra, florestas tropicais, capim de montanha,
floresta de galeria. “A ida à serra é
imperdível.” Até para se perceber
como tudo, no mundo, se relaciona.
A Fugas esteve na Gorongosa a convite
da Into África Viagens e Safaris Lda.
FUGAS | Público | Sábado 9 Junho 2012 | 7
Capa
Moçambique
O mundo
em volta
Guia prático
A
Comunidade do
Vinho é uma espécie de laboratório.
Nela se experimenta tudo o que se
quer fazer nas comunidades em torno da reserva. Ganhou uma escola,
um posto de saúde, uma associação
de mulheres produtoras de vegetais,
que, por ora, só têm um cliente: o
restaurante de Chitengo. Levam
tudo até ao rio Pungué: tomate, alface, repolho, feijão, abóbora, melão,
cenoura, pimento, coentros. Um
barqueiro liga as duas margens. O
responsável pelas compras aguardaas, no outro lado, num jipe.
Há uma energia nova nas comunidades que rodeiam o Parque Nacional
da Gorongosa. Domingos Muala, do
departamento de desenvolvimento
humano, nota-a. E explicou-a, uma
tarde, no Centro de Educação Comunitária. “Antes, só os fiscais e suas famílias se identificavam com o parque.
Durante o tempo colonial, as pessoas
foram forçadas a deixar o espaço para
os animais. Aquele forçar criou rancores. Além de perderem o espaço, os
lugares sagrados onde os avós foram
enterrados, não ganhavam nada. O
rancor está sendo sarado agora.”
O desenvolvimento local é um dos
pilares do Projecto de Restauração
da Gorongosa. No início, reinava a
descrença. Começaram as acções de
formação. Domingos Muala alfabetizou uns quantos, ensinou português
a muitos mais, inglês a uns poucos.
Centenas foram contratadas pelo
parque ou pelos concessionários.
“Agora, há muita gente com casas,
motorizadas, telefones celulares,
coisas que antes não tinham sonhado ter.” E o projecto tem captado
parceiros para construir escolas e
unidades de saúde.
Mesmo optimista, o professor não
tem ilusões. “Há muitas pessoas sem
poder de compra que continuam a
pensar no parque como o sítio onde
vão buscar a carne porque querem
mandar o filho à escola ou à universidade. E o que queremos é que ninguém mate os animais. Daqui a 20
e tal anos, quando já forem muitos,
então as comunidades poderão caçar, mas de forma organizada.”
IRENE GRILO
QUANDO IR
Há cerca de 100 quilómetros
de picadas a partir das quais se
pode observar a flora e a fauna
bravia na época seca (Abril a
Novembro). Durante a época das
chuvas (meados de Dezembro
a meados de Março), ficam
intransitáveis.
COMO IR
Não se pode preservar a fauna
bravia e descuidar a flora ou as nascentes, os rios, os lagos. Os métodos
de cultivo tradicionais, baseados no
corte e na queima, depressa degradam os solos. Devagar, o parque
tenta contrair tais práticas. “Ensinamos as pessoas a fazer adubo com
material local. No fim da colheita,
em vez de pôr fogo, as famílias podem cortar e deixar apodrecer. Se
este ano numa porção produziram
milho, era bom que noutro ano produzissem feijão.”
Em Vinho, o projecto de restauração financiou às mulheres da associação a compra e instalação de
8 | FUGAS | Público | Sábado 9 Junho 2012
uma bomba, de um reservatório de
água e um sistema de irrigação gotaa-gota. Domingos Muela vê ali um
exemplo de sucesso. “Para além da
machamba comum, cada senhora
criou a sua própria machamba.”
Encontrei a presidente da associação uma manhã, junto à moderna escola primária. “Não costumam
vender tudo”, traduziu o guia. “O
restaurante precisa de repolho. Elas
recolhem 10, eles pedem seis. O resto
apodrece.” E isso é um desconsolo
para elas, que ainda não aprenderam
a dividir ou a transformar as sobras.
Há qualquer coisa de perverso
nesta melhoria de vida. “As pessoas
PAUL KERRISON
que trabalham no parque têm mais
esposas do que antes”, tem observado Corina Clemente, técnica de
saúde pública que está a coordenar
um projecto de saúde e ambiente. “A
primeira coisa que faz um homem
quando tem mais rendimentos é ter
mais uma esposa, mais filhos.” E “a
sobrepopulação é uma das maiores
ameaçadas à biodiversidade”.
Há um esforço de formação de
agentes polivalentes elementares
de saúde. Brigadas móveis devem
começar a visitar comunidades a um
ritmo mensal, com um enfermeiro a
fazer planeamento familiar, consulta
pré-natal, despistagem e aconselhamento de VIH, tratamento de diarreias, malária e outras doenças.
A sobrepopulação devasta a floresta e acentua os conflitos entre
humanos e fauna bravia. De quando
em quando, um crocodilo apanha
alguém a cruzar o rio Pungué. Também há incidentes com elefantes,
sobretudo onde antes andavam. O
parque estende-se para lá do rio,
que ali tinha dois braços: um secou
e as pessoas apoderaram-se dele.
Machos que querem ganhar peso
vão lá. Se as plantas estiverem pequenas, até têm cuidado para não
as pisar. Quando estão no ponto
comem-nas. E é o desespero de
quem perdeu mangas, milho ou
bananeiras.
Há voos directos de Lisboa para
Maputo e para Joanesburgo e de
lá para a Beira. O Parque Nacional
da Gorongosa fica a cerca de 200
km da Beira. Se decidir conduzir,
tenha em conta que não se
vende combustível na reserva:
as bombas mais próximas ficam
em Inchope, Gondola, Beira,
Dondo, Nhamatanda, Chimoio,
Caia e Vila da Gorongosa.
Pode usar a Estrada Nacional
Número 1 de Maputo ou a
Estrada Nacional Número 6 da
Beira. O seu anfitrião também
poderá organizar um transfer do
aeroporto.
ONDE FICAR
Acampamento Explore
Gorongosa
O acampamento, sazonal,
luxuoso, está montado no
coração da reserva. Iniciativa
sul-africana, a primeira de
ecoturismo no Parque Nacional
da Gorongosa, proporciona uma
autêntica vivência de isolamento
no mato. Não tem electricidade,
água corrente, rede de telemóvel
ou Internet. A lotação está
limitada a sete tendas e uma
casa na árvore. Cada tenda tem
uma cama de casal king-size ou
individual extra-comprida. Ao
lado, uma casa de banho com um
chuveiro artesanal. O alojamento
abarca todas as refeições,
Veja a fotogaleria na Fugas online
fugas.publico.pt/
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Madrid
Partidas diárias de Lisboa de 1 Jun. a 30
Out. ‘12
TANZÂNIA
COMORES
MALAWI
MOÇAMBIQUE
Canal de
Moçambique
Parque
da Gorongosa
MADAGÁSCAR
Maputo
OCEANO ÍNDICO
500 km
incluindo lanche a meio da
manhã e a meio da tarde, safari,
com guia, de manhã e à tarde, de
jipe ou a pé: 582,4€ por pessoa/
noite num quarto single ou 388€/
pessoa noite em quarto duplo.
Girassol Gorongosa
Lodge & Safari
O histórico Chitengo, construído
em 1941, está a ser restaurado
e ampliado por um grupo
português. Para já, oferece
três tipos de alojamento: nove
bungalows standard (18 quartos
duplos), seis premium (12 quartos
duplos), com rede mosquiteira,
casa de banho, ar condicionado;
e seis garden rooms, que,
em vez de ar condicionado,
têm ventoinha de tecto. O
rebaptizado Girassol Gorongosa
Lodge & Safari tem um bar e
um restaurante, que tem wi-fi e
serve pequeno-almoço, almoço
e jantar (cozinha moçambicana
e cozinha internacional). E
disponibiliza programas pagos
à parte: safaris (manhã e tarde),
visitas à Comunidade do Vinho
(travessia de barco incluída), à
cascata de Morumbodzi, na serra
da Gorongosa, e a Bué Maria ao
pôr do sol.
Estadia, com pequeno-almoço:
Preços de 1 de Janeiro a 30
de Junho/ 1 de Julho a 31 de
Dezembro
Bungalow standard – 94,4 €
(individual); 118€ (duplo)/ 104€
(individual); 130€ (duplo)
Bungalow premium -104€
(individual); 128€ (duplo)/
114€(individual); 140€ (duplo)
Garden room – 70€ (individual);
94,4€ (duplo)/ 77,6 €(individual);
104€ (duplo)
Actividades:
Safari: 20,8€ adulto/10,8€ criança
Comunidade do Vinho: 9,6€
Pôr do sol em Bué Maria: 16€
Cascatas de Morumbodzi: 56€
Parque de campismo
É a mais barata opção do Girassol
Gorongosa Lodge & Safari:
parque de campismo sanitários,
balneários, tanques de lavar
roupa, churrasco, espaço coberto
para convívio, o que custa entre
40 a 61€ por dia. Pode fazer
qualquer uma das actividades
pagas à parte. Se quiser fazer
safari com o seu próprio carro,
pode aprender ali mesmo regras
de segurança. Convém é que o
seu carro tenha tracção às quatro
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Desde
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Mai. a 28 Out. ’12
Inclui: avião + 2 noites | APA +
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grupo A + taxas de aeroporto,
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299
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FUGAS | Público | Sábado 9 Junho 2012 | 9

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