The New Face of Water Conflict

Transcrição

The New Face of Water Conflict
ABril 2008
No. 3
A NOVA FACE DO CONFLITO DA ÁGUA
Por Ken Conca
A Iniciativa Navigating Peace
(Navegar a Paz) do Environmental
Change and Security Program
(Programa de Mudança e Segurança
Ambiental) apoiado pela Carnegie
Corporation de Nova Iorque e
liderada pelo Director da ECSP,
o Sr. Geoffrey Dabelko, procura
desenvolver um pensamento
moderno acerca dos problemas de
água do mundo em três áreas:
• Expandir as oportunidades para
projectos de água e saneamento
de pequena escala;
• Analisar o potencial da água
para apoiar tanto o conflito
como a cooperação; e
• Estabelecer diálogo e a
cooperação entre os Estados
Unidos e a China usando
lições obtidas da resolução de
conflitos de água.
Entre todas as conversas de “guerras de água” iminentes, uma ligação menos dramática—mas
mais imediata—entre a água e a violência é frequentemente ignorada: a violência desencadeada
pela fraca governança dos recursos hídricos. As políticas para expandir os abastecimentos de
água, desenvolver energia hidroeléctrica, alterar os ecossistemas de água doce ou mudar os termos de acesso à água podem ter impactos devastadores nas vidas, culturas e direitos humanos
das comunidades locais. À medida que estas comunidades aprendem a exprimir as suas queixas,
construir redes através de fronteiras e ligarem-se com activistas dos direitos humanos e ambientais, os conflitos em tempos locais tornam-se em disputas internacionais. Por causa disto, os
responsáveis pelas políticas a todos os níveis estão a ser forçados a repensar o papel da água no
desenvolvimento. Para assegurar a segurança da água no século 21, os conflitos sociais por causa
da água devem ser geridos de maneiras que acomodem todas as pessoas afectadas pelos projectos
de desenvolvimento hídrico.
Conflitos sociais por causa da água
Os conflitos sociais por causa da água são, até certa extensão, inevitáveis, tendo em conta as
múltiplas funções da água: é uma necessidade humana básica, a base das vidas, parte vital de
ecossistemas essenciais, um símbolo cultural e uma mercadoria comerciável.A gestão do conflito
social é central para uma boa gestão hídrica. No entanto, à medida que o desenvolvimento dos
recursos hídricos e a transformação dos ecossistemas de água doce se intensificaram, o mesmo
aconteceu com os conflitos.
Os conflitos sociais em torno da água não só estão a aumentar, como estão também a ser
transformados por duas revoluções globais simultâneas. A revolução das comunicações originou
uma explosão nas redes globais, acesso a informação e mobilidade pessoal, tornando mais fácil
a comunidades afectadas e grupos defensores apoiantes a estabelecerem parcerias com os de
outros países. A revolução democrática aumentou a capacidade das pessoas em sociedades previamente fechadas de se organizar e constestar, facilitando (embora nem sempre seja fácil)
às comunidades oporem-se a projectos ou políticas que prejudiquem os seus interesses,
vidas e culturas. Por causa destas duas revoluções, os conflitos que em tempos eram
principalmente assuntos locais foram arrastados para arenas internacionais.
Projectos de infra-estruturas hídricas com capital intensivo—tais
como barragens de grande dimensão, esquemas de irrigação e canais de
transporte—constituem o enfoque de alguns destes conflitos. As
comunidades afectadas são normalmente rurais e pobres, e
frequentemente o lar de minorias culturais ou grupos
sem poderes de outra maneira. A World Commission on
Dams (Comissão Mundial de Barragens) calculou no
seu relatório do ano 2000 que tais projectos obrigaram
cerca de 40-80 milhões de pessoas a mudar-se—muitos
sem compensação adequada e a maioria com pouca ou
Devemos considerar os
protestos sistemáticos e
repetidos como prova de que
as política falharam—um alerta
que não deve ser ignorado…
nenhuma intervenção no processo. Os locais dos projectos têm sido o palco de muitas confrontações violentas
entre as comunidades e os governos; para além disso, os
apoiantes dos projectos levaram a cabo acções de violência sobre os activistas locais.
As mudanças no acesso comunitário aos abastecimentos de água podem também gerar conflitos
sociais. A crescente dificuldade em financiar infra-estruturas de abastecimento de água, bem como a pressão de
instituições financeiras internacionais, levou alguns governos a estabelecerem contractos para os serviços hídricos no sector privado. Muitos mais estão a “marketizar”
a água aumentando os preços, cortando os serviços por
não pagamento ou limitando de outras maneiras o acesso
à água. Em Cochabamba, na Bolívia, em 2000, protestos de grande dimensão contra os aumentos dos preços
e as concessões fornecidas a um consórcio multinacional privado levaram o governo a declarar um estado de
emergência e destacar o exército; pelo menos uma pessoa morreu e mais de 100 foram feridas em confrontos
com as forças de segurança. Protestos semelhantes (numa
escala menor) ocorreram em muitos outros países, provocando mortes na China, Índia, Paquistão, Colômbia,
Quénia e Somália.
Finalmente, os impactos nos sistemas socioecológicos vitais que fornecem serviços ambientais
e sustêm vidas locais podem desencadear conflitos. A
aquacultura, por exemplo, é uma fonte cada vez mais
importante de alimento em todo o mundo, bem como
uma estratégia de desenvolvimento popular em muitas regiões costeiras tropicais. No entanto. o cultivo de
peixe à escala industrial, especialmente de camarão, tem
frequentemente um grave impacto nas comunidades
locais: pode originar a poluição da água, despejo de
águas residuais, eutrofização, intrusão de água do mar,
desflorestação dos mangais e a privatização de recursos
que tradicionalmente eram propriedade da comunidade. Estes problemas levaram as comunidades afectadas a protestar, pedir boicotes e tomar outras acções
directas, às quais alguns governos responderam usando
força coerciva e atacando os activistas locais.
Temos de abordar estes conflitos sociais por causa
da água porque os direitos humanos e a justiça humana
são intrinsecamente importantes, especialmente para
pessoas que sejam marginalizadas pelas actuais estruturas económicas e iniciativas de desenvolvimento. Para
além disso, a ampla legitimidade necessária para instituir
uma reforma não será obtida sem melhores maneiras
de resolver conflitos, aumentar a participação por membros de comunidades afectadas e encorajar o diálogo dos
participantes—especialmente importante agora, quando
muitos países estão a redesenhar as leis, políticas e práticas
hídricas para salientar a conservação, protecção ambiental, uso eficiente dos recursos e gestão integrada dos
recursos hídricos. Acima de tudo, devemos considerar
os protestos sistemáticos e repetidos como prova de que
as políticas falharam—um alerta que não deve ser ignorado na pressa de implementar noções particulares de
desenvolvimento.
Recomendações de políticas
• F
ortalecer o direito humano à água. O Comité
da ONU sobre Direitos Económicos, Sociais e Culturais reconheceu o direito humano à água, incluindo a obrigação dos estados de respeitar, proteger
e cumprir os direitos à água. O direito humano à
água está também implícito nos direitos à comida,
sobrevivência e um padrão de vida adequado e no
direitos das pessoas de gerirem os seus próprios recur-
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sos. O desafio está em atribuir a estes direitos um
significado concreto—e não teórico. Para alcançar
este objectivo, devemos reconhecer o direito à água
em leis de moldura nacional e práticas de assistência
de desenvolvimento internacionais; criar melhores
mecanismos para assegurar que agentes estatais e não
estatais sejam responsabilizados pela implementação e
cumprimento das leis e políticas existentes; e assegurar a implementação das reformas económicas dentro
de uma moldura dos direitos humanos.
• T
ratar os projectos hídricos como um meio
e não como um fim. Com demasiada frequência,
as agências de desenvolvimento tratam os projectos como um fim e não como um meio, e assim
falham em avaliar a gama completa de alternativas.
Este problema é agravado pela competição entre as
agências doadoras, a corrupção e a prática de subsidiar projectos duvidosos através de agências de
crédito de exportação. As agências doadoras bem
como os governos anfitriões devem melhorar a sua
capacidade de analisar todas as opções e escolher
as com menos impactos negativos. Para além disso,
devem ter em mente que os seus objectivos finais
são a redução da pobreza, cumprir necessidades básicas e aumento da segurança humana e não apenas
a reprodução de projectos familiares e continuar a
fazer negócios como sempre.
• C
riar melhores maneiras para resolver disputas
ambientais. A falta de mecanismos eficazes para solucionar disputas ambientais é talvez o elo mais fraco na
cadeia da governança ambiental global. Embora úteis,
os actuais mecanismos—tais como o Tribunal Permanente de Arbitragem, o painel de inspecção do Banco
Mundial ou os procedimentos de resolução de disputas da Organização Mundial do Comércio—não
conseguem fornecer resultados efectivos, inclusivos e
transformadores de disputas de maneira consistente.
O Painel de Alto Nível da ONU sobre a Coerência
em Todo o Sistema nas Áreas do Desenvolvimento,
Auxílio Humanitário e Ambiente está actualmente
a considerar uma ampla gama de reformas. As suas
recomendações devem incluir o estabelecimento de
um mecanismo para arbítrio, resolução e transformação de disputas que envolva não só governos, mas
também organizações inter-governamentais, empresas transnacionais, ONGs e comunidades locais.
• A
prender lições de iniciativas de diálogo com
participantes transnacionais. À medida que as
instituições interestatais provaram ser incapazes de
gerir conflitos transfronteiriços por causa da água
e outros recursos de maneira eficaz, começaram a
emergir “diálogos com participantes” mais amplos e
mais inclusivos, tal como a World Commission on
Dams (Comissão Mundial de Barragens). Mas estas
iniciativas não são uma panaceia. Para além disso, não
existe nenhuma maneira fácil de identificar todos os
participantes numa determinada disputa. No entanto,
estes esforços melhoraram a situação ao dar uma
voz às pessoas afectadas. Para além disso, oferecem
importantes lições sobre como construir um consenso global: reconhecer e trabalhar para resolver
desacordos difíceis em vez de procurar declarações de
princípios gerais com base no “mínimo denominador
comum”; construir em cooperação o conhecimento
através de processos abertos e participativos; e apoiar
tais diálogos “globais” com fóruns robustos de participantes nacionais.
• A
largar a participação em acordos hídricos
internacionais. As bacias hidrográficas partilhadas internacionalmente são muitas vezes o assunto
da diplomacia internacional. Mas, com demasiada
frequência, esta diplomacia está limitada à divisão
dos abastecimentos hídricos de maneira equitativa
entre as nações e reduzir o potencial para conflitos
internacionais. Embora estes objectivos sejam importantes, eles pouco fazem para abordar a segurança
humana das pessoas que vivem nestas bacias. Poucos
acordos internacionais acerca de bacias hidrográficas
ou as instituições que eles criam incluem mecanismos robustos para incorporação da sociedade civil.
Sem uma ampla participação e um enfoque na segurança humana, a pressa em promover a cooperação
internacional—frequentemente impulsionada por
projectos propostos de infra-estruturas hídricas de
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larga escala—pode apenas acelerar a exploração dos
recursos hídricos.
• R
econhecer as exigências globais que impulsionam as pressões sobre os recursos locais.
Os conflitos sociais por causa de água surgem muitas vezes em nível local, na escala de uma cidade ou
bacia hidrográfica. Mas podem ser impulsionados por
poderosas forces externas. O crescimento do cultivo
industrial de peixe é alimentado pelas mudanças dos
gostos dos consumidores nos países ricos. Projectos
hidroeléctricos de grande dimensão em localizações
remotas alimentam frequentemente instalações de
processamento industrial que se ligam à economia
global, ao mesmo tempo que contornam as economias locais e impõem um pesado encargo sobre as
comunidades locais. As iniciativas locais para melhorar a governança da água devem ser apoiadas por
mecanismos que ligam os pontos entre os impulsionares globais e os impactos locais, tais como a certi-
ficação dos produtos, campanhas de informação do
consumidor e responsabilidade “desde o início até ao
fim”.
• N
ão sacrificar os direitos à água para cumprir objectivos de mudança global. À medida
que a pressão aumenta para responder à ameaça de
uma alteração climatérica global, projectos hidroeléctricos mal concebidos podem ser autorizados como
sendo projectos de desenvolvimento “limpos”. A
hidroelectricidade tem o seu lugar no campo do
abastecimento de electricidade mundial. Mas as alterações climatéricas irão também afectar o fluxo dos
rios e os ciclos de água locais—problemas que pode
ser drasticamente agravados por alguns projectos de
infra-estruturas hídricas. A corrida para substituir os
“grandes fósseis” pelo “grande hidro” pode constituir
um risco de aumentar os encargos hídricos substanciais com que as comunidades locais se deparam num
mundo em estufa.
Biografia
Ken Conca é um professor associado de Governo e Política na University of Maryland e director
da iniciativa Harrison Program on the Future Global Agenda, um programa de pesquisa e ensino
acerca de questões globais. Concentra a sua atenção sobre questões da política de água, políticas
ambientais globais, economia política, questões Norte-Sul e estudos de paz e conflitos. O seu mais
recente livro é Governing Water: Contentious Transnational Politics and Global Institution Building
(MIT Press, 2006).
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Environmental Change & Security Program
O Environmental Change & Security Program (ECSP) promove o diálogo sobre as ligações entre as dinâmicas do ambiente,
da saúde e da população e as suas ligações a conflitos, insegurança humana e política estrangeira. O ECSP concentra-se
sobre quatro tópicos principais:
• População, saúde e ambiente;
• Ambiente e segurança;
• Água; e
• Desafios ambientais e energéticos na China.
Para se inscrever na mailing list do ECSP, contacte-nos através de [email protected]
Editor: Meaghan Parker
Produção e Design: Jeremy Swanston
Tradutor: Sofia Pinto
Fotografia : © CORBIS/David Mercado/REUTERS. Demonstrators in Cochabamba wave the Bolivian flag as they participate in
a strike against water utility rate increases in April 2000.
Inicialmente imprimido em ingles em Novembro 2006.
Environmental Change and Security Program
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Rice, Secretary, U.S. Department of State; Lawrence M. Small, Secretary, Smithsonian Institution; Margaret Spellings, Secretary, U.S.
Department of Education. Designated Appointee of the President from Within the Federal Government: Tamala L. Longaberger. Private
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