MUSEU DO BRINQUEDO EM SEIA: UM ABSURDO? Maria

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MUSEU DO BRINQUEDO EM SEIA: UM ABSURDO? Maria
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MUSEU DO BRINQUEDO EM SEIA: UM ABSURDO?
Maria Madalena Cunhal Vaz Saraiva
Museu do Brinquedo de Seia
RESUMO
A concepção, estruturação e funcionamento de um Museu, nos termos preconizados pela perspectiva
da Nova Museologia, vêm ampliar as funções tradicionalmente cometidas a esta instituição,
considerando, entre elas, preocupações de ordem pedagógica, cultural e social. Dada a sua
especificidade – por estar relacionado com a cultura lúdica do ser humano, especialmente com os
objectos de jogos e brincadeiras -, um Museu do Brinquedo deve ser um projecto dinâmico e criativo,
que apele à fantasia das crianças e favoreça, nos mais idosos, o “regresso” aos tempos felizes da
infância. É nossa convicção, daquilo que atrás ficou exposto, que se justifica, pois, o surgimento, em
Seia, de um Museu do Brinquedo, único no distrito da Guarda e na Região Centro e o segundo no
panorama nacional, que funciona há relativamente pouco tempo e que tem tido um elevado número de
visitantes de todas as faixas etárias. Esta instituição museológica foi concebida e estruturada, não em
torno de uma visão estática e ultrapassada de um espaço apenas destinado à conservação, depósito e
exposição de objectos culturais, mas antes segundo as perspectivas mais amplas da Nova Museologia.
Efectivamente, tal como esta preconiza, pretendemos que o Museu do Brinquedo de Seia constituísse
um espaço interactivo, destinado a todas as faixas etárias, que apelasse à curiosidade, imaginação e
reflexão do público. Além disso, acreditámos, desde a primeira hora, que o Museu poderia constituir
um pólo de desenvolvimento local e regional, onde o diálogo e a resposta cabal às interrogações das
crianças e adultos não se esgotassem numa primeira visita. Era também suposto, à partida, que esta
instituição viria a tornar-se um importante factor de educação, cultura e atracção turística. Todavia,
todos sabemos que entre as boas intenções e a realidade vai, por vezes, uma distância considerável.
Assim, embora acreditemos que o Museu do Brinquedo conseguiu estabelecer um forte vínculo com a
população, desejamos conhecer, de um modo mais concreto e rigoroso, se esta nossa percepção está
consonante com a opinião do público. No presente estudo é adoptada uma metodologia nãoexperimental, essencialmente descritiva, visto que a sua principal finalidade consiste na caracterização
da situação actual do Museu do Brinquedo de Seia. Efectivamente, como vimos, o que pretendemos
com a sua realização é perceber, de um modo mais concreto e rigoroso, se o museu corresponde às
expectativas dos seus visitantes, se a sua inserção, em Seia, se justifica ou pode considerar-se um
paradoxo e, bem assim, se a sua estrutura organizativa pode melhorar, de acordo com as opiniões dos
sujeitos integrantes da amostra. Deste modo, além de descrever o presente, a nossa investigação
pretende ter um carácter projectivo, ou seja, fundamentar propostas de alteração da gestão do espaço,
funcionamento e práticas lúdicas no Museu. Para o efeito, o estudo será estruturado em torno das
opiniões de dois grupos distintos de utentes da instituição: um grupo de crianças e um grupo de
adultos, residentes em diversos pontos do país, que visitaram o Museu. Uma vez que à autora do
estudo foi cometida a responsabilidade de conceber e instalar o Museu, definir os seus objectivos e
regular o seu funcionamento, ela é, portanto, conhecedora da sua evolução, situação actual e possíveis
mudanças a introduzir no seu funcionamento. Todavia, entendeu-se como procedimento mais
adequado, recolher, para o efeito, as opiniões de alguns visitantes, principais destinatários da acção
deste projecto museológico e museográfico. Assim, é feita uma consulta directa às fontes que possuem
um conhecimento concreto do Museu, isto é, aos seus utentes. A confrontação destas opiniões com as
respeitantes às fontes bibliográficas consultadas permitir-nos-á, certamente, não apenas referir como o
Museu do Brinquedo “é”, mas sobretudo como “deveria ser”. Deste modo, depois da fase de revisão
da literatura especializada e de concepção e desenho do plano de investigação, foi elaborado um
questionário destinado aos adultos e um guião de entrevista a administrar às crianças que visitaram o
Museu. Realizadas as entrevistas às crianças e administrados os questionários aos adultos (em forma
de inquérito), ou seja, depois de recolhidos os dados, os mesmos foram objecto de tratamento
estatístico, numa perspectiva descritiva. Assim, os dados estatísticos, tendo em conta as características
das variáveis em estudo, foram ordenados em distribuições de classes e de frequências (absolutas e
relativas em percentagem). Tendo em vista a melhor percepção e análise dos dados, estes serão
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apresentados em tabelas e a estatística tabular em gráficos apropriados. Os resultados apontaram para
o reconhecimento da importância e interesse do Museu do Brinquedo bem como para a justificação da
sua inserção na cidade de Seia. Embora as crianças demonstrem ter, acerca do Museu, uma concepção
tradicional de “sítio com muitos brinquedos”, os adultos vêem-no, sobretudo, como um local com
interesse pedagógico e cultural, um espaço de comunicação e de lazer e um centro de dinamização
sociocultural e de desenvolvimento local e regional.
TRABALHO COMPLETO
INTRODUÇÃO
“A criança que fui chora na estrada.
Deixei-a ali quando vim ser quem sou;
Mas hoje, vendo que o que sou é nada,
Quero ir buscar quem fui onde ficou”1.
Nas últimas décadas começou a ser reconhecida, em Portugal, a importância dos Museus
Municipais como espaços de valorização local, na medida em que podem contribuir para uma política
cultural criativa, aberta e descentralizada. Podem ainda tornar-se factores de acesso ao conhecimento,
promotores da cultura, da coesão económica e social e factores de desenvolvimento regional e local.
Processos museológicos que serão a expressão profunda da museologia contemporânea em Portugal,
eles apresentam uma perspectiva abrangente e generalista do património cultural e natural, quer na
investigação e recolha das espécies museológicas, quer na comunicação.
Estes museus devem compreender elementos que apresentem a história do Homem da região em
que estão inseridos, bem como a evolução que essa história teve, como memória de todos aqueles que
a pretendem preservar e transmitir.
E é óbvio que cada Homem viveu um passado cheio de magia, que foi a sua infância e que, entre
as etapas que a configuram, a mais generosa e significativa é o tempo regido pelo império dos
brinquedos e brincadeiras. Os brinquedos de antigamente, tanto pela morfologia como pelos materiais,
são distintos dos actuais. As modas estéticas e culturais, o desenho e a tecnologia, a produção
industrial e os hábitos de consumo têm tido influência na evolução dos brinquedos.
Contemplar uma série de brinquedos antigos já é, por si só, olhar um fragmento da história
humana e, tanto pela sua dimensão psicológica, como lúdica, os brinquedos, merecem ser preservados
em relação à corrosão da passagem do tempo, ou seja, merecem um museu.
Madalena Braz Teixeira e Carlos Barroco consideram que um museu do brinquedo deve ser:
“um espaço que a cidade pode dar ao adulto e à criança, pólo de atracção
que tem como centro o brinquedo, ponte para a liberdade e para a fantasia. Ao
adulto dar-lhe-á a possibilidade de reencontro com as vivências infantis sobre cuja
experiência constitui a sua vida de adulto; à criança, a fantasia, o encanto e uma
ocasião para entender a realidade através do imaginário”2.
A realidade está contida no brinquedo em si mesmo, a fantasia, por seu lado, surge na relação do
objecto com a criança. Todo o encanto e magia que conservam os brinquedos existentes num museu,
deve-se justamente ao facto de terem pertencido, numa determinada data, a um menino ou menina que,
com eles (e em virtude deles) passaram horas de alegria e amor. Por isso, os brinquedos podem
considerar-se intemporais, têm sempre vida. Eles são uma verdadeira iconografia da infância. Com
efeito, cada brinquedo é uma imagem que demonstra a devoção da criança pelo jogo. Deste modo,
alguns brinquedos podem parecer antigos, mas convertem-se sempre em novos, segundo o olhar da
criança.
1
2
Fernando Pessoa, in Boletim Cultural Na Rota Das Palavras, Lisboa, 1990.
1987:47.
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Parece-nos indiscutível que a brincadeira é uma linguagem universal. Não importa em que país
do mundo, não importa se os brinquedos são improvisados a partir do quotidiano da criança ou se são
reproduções luxuosas e caras do mundo dos adultos. Em qualquer lado, em qualquer época, há
crianças que brincam.
Por isso, a origem do brinquedo perde-se nas profundezas do tempo.
Poder-se-á dizer que o primeiro brinquedo nasceu com a primeira criança, quaisquer que tenham
sido a latitude e a longitude em que essa criança nasceu.
O brinquedo é universal, distinguindo-se tão somente pelas características que o ligam às
diferentes culturas. Ele assume a imagem, o sentido que cada sociedade lhe atribui, isto é, dependendo
do lugar e da época, os brinquedos assumem significados diferentes. Por exemplo, o bumerangue, o
arco e a flecha, hoje considerados brinquedos, em certas culturas indígenas, eram utilizados como
instrumentos para caçar e pescar.
Existem numerosos vestígios arqueológicos de brinquedos milenários. Entre os mais notáveis,
destaca-se uma boneca de terracota, bem conservada, em posição vertical, com os quatro membros
articulados, trajando um vestido de saia curta. Tendo sido descoberta na Itália Meridional, situa-se a
sua origem, na época Helenística (300 a 100 anos a. c.) e encontra-se no Museu do Louvre, em Paris,
onde existem, também, as figuras de três meninas jogando às pedrinhas, feitas com o mesmo material,
oriundas da Grécia, do início do séc. V. No Museu de Arte e História, em Bruxelas, existe uma boneca
semelhante, de origem grega (Beócia), do séc. IV a. c. e no Museu Nacional de Arqueologia, em
Tarragona, uma roca em bronze, da época Romana.
Michel Manson, no seu livro História do Brinquedo e dos Jogos3, afirma que os artistas foram
os primeiros a valorizar os brinquedos e as brincadeiras das crianças, retratando-os nas suas obras,
como testemunham os célebres quadros: Jogos Infantis (1560), de Brueghel, exposto no Museu de
Viena, A Criança com Boneca, de Greuze, no Museu do Louvre, e A Criança com Polichinelo, de
Francois Hubert Drouais, no Museu Cognacq-Jay.
Este mundo maravilhoso e tudo aquilo que ele significa, permite reavivar recordações de
infância e ajuda a compreender melhor a evolução das diferentes épocas, muitas vezes reflectidas nos
brinquedos, na medida em que eles representam uma parte do nosso passado, porque todos nós
jogámos e brincámos quando crianças.
Onde quer que exista uma criança existe um brinquedo, muitas vezes, até, criado pela sua
imaginação. Brincar e jogar sempre fizeram parte da vida da criança, ajudando-a a descobrir o que a
rodeia, o mundo dos adultos, a construir a sua personalidade, a aprender a viver. Ela é um agente
transmissor de cultura, na medida em que leva os seus jogos e brinquedos para onde quer que vá.
Nas suas mãos tudo se transforma em brinquedo: um pedaço de papel, de cordel, uma flor, uma
pedra, o próprio corpo humano.
Mas, então, o que é um brinquedo?
Um brinquedo será tudo aquilo com que se pode brincar e jogar. Até mesmo os objectos de
acaso se tornam brinquedos porque conduzem ao jogo.
Marie-Madeleine Rabecq-Maillard, fundadora do Museu do Brinquedo de Poissy, diz-nos que
espera “sempre, que em qualquer canto do mundo, haja um menino capaz de fabricar um comboio
com um cordel e três rolhas, uma carroça com uma caixa de sapatos e um apito com um ramo de
sabugueiro” 4.
Os brinquedos servem para entreter, distrair, divertir, para que as crianças façam o que
quiserem, para aprender servindo-se deles. O objecto de jogo é interpretado por Piaget como um
instrumento de realismo dependente do sonho mas também da ilusão do jogo simbólico egocêntrico5.
É um mediador entre a criança e o adulto, que permite desempenhar diferentes papéis, identificar-se,
estudar e medir as suas capacidades, facilitando, desta forma, o estabelecimento de relações com o
mundo em que deverá integrar-se.
Segundo Michelet6, tanto o material como os brinquedos educativos foram idealizados para
favorecer o desenvolvimento, o uso da inteligência e da lógica, pelo uso da mão e dos sentidos. A
3
2002.
Apud Jean Vial, op. cit. 1988:140.
5
1968.
6
Michelet, “Los utiles de la infância”, Herder, Barcelona, 1979, in Juguetes y Juegos de España, 1981.
4
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manipulação permite conhecer intuitivamente as coisas muito antes de as pensar e, por esta razão, as
crianças precisam de muitos brinquedos.
Eles são importantes na medida em que estimulam e favorecem a actividade lúdica,7 convidando
naturalmente ao brincar e tornando-se muitas vezes no seu ponto de partida8. Para esta autora, “um
bom brinquedo é aquele que convida a criança a brincar.” E todos os bons brinquedos são
considerados educativos desde que cumpram a função de divertir as crianças e estimulem e
diversifiquem o jogo como actividade, enriquecendo de alguma forma a criança que brinca com eles9.
Os brinquedos entram pelos olhos, vivem nas mãos, chegam ao coração e permanecem na
memória. A infância passa, os brinquedos ficam e, mesmo quando já somos idosos, estes objectos
culturais conseguem fazer-nos “regressar” à meninice. Além disso, o desenvolvimento de cada ser
humano está, em grande parte, relacionado com os brinquedos que teve, com a estimulação, com o
prazer que lhes proporcionaram e com o apelo que fazem à capacidade de transformar o real.
Podemos, assim, considerar que cada pessoa é um “arquivo” dos brinquedos que teve.
Assim, na sequência da política cultural desenvolvida pela Câmara Municipal de Seia surgiu a
ideia de se recuperar o Solar de Santa Rita10 para a instalação do Museu do Brinquedo. Na perspectiva
do Presidente da Câmara, este seria um equipamento muito importante para a localidade e para a
região, constituindo um factor de valorização e desenvolvimento cultural e turístico. Apoiado pela
equipa que iria proceder à sua instalação, concluiu-se que, apesar de não haver tradição de indústrias
de brinquedos na região, havia tradição de brincadeiras, jogos e brinquedos e artesãos que os
continuam a manufacturar.
Não há dúvidas de que o acto de brincar é universal, diz respeito a todos os cantos e recantos do
mundo, e atravessa a infância de todas as gerações, desde sempre e até sempre. E, assim sendo, o
museu do brinquedo fazia tanto sentido em Seia, como em qualquer parte do mundo.
Demos, então, início a esta aventura, e percebendo que o museu tinha de se começar a construir
com a população e para a população fizemos um levantamento de jogos e brincadeiras a nível
concelhio e iniciámos, igualmente, uma campanha de recolha de brinquedos, junto da população.
Através destas iniciativas conseguimos reunir um número considerável de brinquedos, oferecidos por
pessoas de várias localidades e de diversas faixas etárias. Brinquedos esses, que deram origem às
“Memórias de Infância”, espaço dedicado a todos aqueles que acreditaram, de início, neste projecto, e
que quiseram partilhar as suas recordações e memórias de infância com todas as pessoas que um dia
viriam visitar o museu. Como salienta Ana Duarte “o objecto oferecido ao museu possui muito valor
para quem o oferece, porque conta uma história; as pessoas reconhecem-no, é uma presença familiar
no museu, que todos gostam de mostrar à comunidade. Juntos, todos os objectos contribuem para a
união das famílias que, com as suas ofertas, constroem o museu. Além disso, e sobretudo, valorizam a
região e são valorizados os seus habitantes perante os outros” 11.
O passo seguinte consistiu na aquisição de uma colecção particular de brinquedos tradicionais
de fabrico exclusivamente português, que retrata a evolução do brinquedo no nosso país durante várias
décadas, mostrando a diversidade de técnicas e materiais, desde pasta de papel, madeira, barro, folha
de flandres recuperada de latas de conserva, até ao aparecimento do plástico.
É, igualmente, neste espaço, que foi designado como “Portugal – décadas de brincadeiras,” que
também tomamos conhecimento com os brinquedos tradicionais populares, como o pião, os carros de
sabão, os barcos de papel, as bonecas de trapos, a fisga, a péla, o jogo da malha, a bilharda. Estes
brinquedos, muito embora conhecidos e usados em várias partes do mundo, por vezes com outros
nomes, são exemplo da nossa identidade cultural e constituem, também, um desafio à nossa
imaginação. Eles fazem parte da infância da maioria dos adultos e idosos que visitam o museu,
independentemente da localidade donde provêm. Estes visitantes, à medida que sentem que algum
objecto falta, vão enriquecendo este local, oferecendo os brinquedos com que brincaram na sua
7
Natália Pais, “Actividade Lúdica – Ludotecas – (...)”, 1989.
Nylse Cunha, op. cit., 1994.
9
Solé, 1992.
10
Localizado no centro da cidade, é um edifício barroco do séc. XVIII, que a Câmara Municipal adquiriu em
1994.
11
1998:126.
8
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infância e que durante o percurso da visita são tentados a experimentar, a recordar, como é o caso do
arco, do carro de rolamentos, dos carrinhos de madeira.
E é evidente que não podiam ficar esquecidos os objectos da escola, ligados, pois, à infância de
todos nós, com as respectivas carteiras, livros escolares, bolsas dos livros, cartilhas de várias épocas,
sólidos geométricos, tinteiros e aparos, a célebre menina de cinco olhos, mapas, carimbos, lousas, e
alguns brinquedos do recreio, fantoches feitos pelas crianças numa determinada época, berlindes,
barcos de casca de pinheiro, pedrinhas...
Estamos cientes da grande importância que tem a preservação da memória da cultura portuguesa
e da cultura regional e local, nomeadamente a respeitante ao domínio lúdico12, da sua documentação,
comunicação e divulgação junto de toda a população, da sua função social, cultural e educativa. No
entanto, pensámos que era importante, também, em termos culturais, pedagógicos e didácticos, de
investigação e documentação, que os visitantes tomassem conhecimento com a cultura mundial,
naquilo que diz respeito à infância e aos brinquedos. Para tal, estabelecemos contactos com várias
entidades a nível nacional e internacional, como câmaras municipais, regiões de turismo, artesãos,
fábricas de brinquedos, embaixadas, clubes e alguns museus do brinquedo, no sentido de lhes solicitar
um brinquedo típico do seu próprio país ou região. Esta foi uma iniciativa muito bem recebida, na
medida em que os intervenientes pensaram que, através deste intercâmbio, se possibilitou, de uma
forma ou de outra, um reforço na consolidação dos laços culturais entre Portugal e o mundo.
Todavia, para que a compreensão dos países em termos históricos, geográficos, culturais, se
tornasse, efectivamente, mais vasta e abrangente, fizemos um CD-Rom, onde cada brinquedo nos
“leva a viajar” pelo respectivo país. Assim, o público em geral poderá consultar este programa num
computador instalado nessa sala. No entanto, pensando em maiores grupos, sejam crianças de escolas,
grupos de professores, idosos, adultos, poder-se-á fazer uma apresentação no auditório, mediante a
selecção do país ou países que os visitantes queiram conhecer.
Este auditório permite, ainda, visionar filmes documentais sobre a infância, o brinquedo, as
histórias de encantar ou filmes temáticos que digam respeito a exposições temporárias, palestras,
acções de formação, concertos.
Apesar de termos consciência de que o museu é destinado a todas as faixas etárias e de termos
pensado nos adultos e idosos que, decerto, seriam as pessoas que mais se iriam reconhecer nos
brinquedos expostos, não pudemos esquecer as crianças, assim como um objecto fundamental na vida
de todos nós: o livro. Este, começa, de facto, por ser um objecto lúdico, um brinquedo, que alarga a
percepção do mundo, educa a sensibilidade, enriquece-nos e enriquece o nosso diálogo com os outros,
incentiva o jogo da imaginação, criando abertura para um mundo que se esconde por detrás da
realidade imediata, o do sonho, que para a criança é uma realidade que alimenta também a sua
vitalidade para se inserir no mundo real.
Neste contexto, e reafirmando a importância que a leitura tem, Vítor Jorge questiona de que
forma é que se poderá sensibilizar as pessoas para a “gestão do património mais imaterial, que é o
tempo (...) e como é que hoje será possível (...) preservar, defender e implementar esse património do
tempo, do lazer e da leitura, (do tempo a que a leitura convida?)” 13.
Assim, criando uma sala que pretende apelar aos sonhos e à imaginação, num ambiente de
encantamento e fantasia, pensámos que dando vida aos livros, o museu poderia contribuir para
despertar e estimular nas crianças o gosto pela leitura e fazer recordar aos adultos a sua infância, com
as cadernetas dos cromos, os livros de cow-boys, das aventuras de Os cinco, o Mosquito, o Engenho,
os livros em relevo. Deste modo, surgiu a sala Brincar é... sonhar, que nos contou, através de placards
e personagens em tamanho real, a história da Cinderela e, neste momento, a “Branca de Neve e os 7
Anões”.
E, porque sabemos que só aprendemos através da acção, como refere o escritor Paulo Coelho, no
seu livro O Alquimista,14 decidimos criar um espaço que designámos por oficina e tem por função
proporcionar, por um lado, o encontro entre crianças e idosos, com o objectivo destes lhes ensinarem a
construir brinquedos, e das próprias crianças os construírem e, por outro lado, proporcionar às crianças
momentos de brincadeira, onde elas possam brincar com diversos brinquedos e jogos, aí colocados
12
A importância do domínio lúdico da cultura foi magistralmente enaltecida por Huizinga, op. cit.
2000:42.
14
1990.
13
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para o efeito, encorajando-as a mexer, a experimentar, usar a imaginação, criatividade, porque todos
sabemos que é frustrante, para a criança, ver sem poder tocar. Aqui, ela poderá dar largas à sua
fantasia, libertar energias, divertir-se.
É, ainda, neste local, que os brinquedos oferecidos ou adquiridos são registados e,
eventualmente, restaurados.
Falta-nos referir a sala de exposições temporárias, que assume grande importância no programa
do museu, na medida em que permite abordar temas específicos, numa tentativa de transmitir
mensagens e perpetuar valores, valorizar as colecções de brinquedos ou expor trabalhos de artistas.
Para a primeira exposição, escolhemos como tema os Miúdos de Seia, em colaboração com a
Fototeca Municipal. Esta fez uma recolha de fotografias de pessoas desta cidade em situações de jogo
ou brincadeira, ou durante a sua infância, que associadas aos brinquedos retratados teve como
objectivos, por um lado, permitir algumas comparações entre o brinquedo antigo e o moderno - como
foi o caso dos triciclos, das bonecas, e dos carros de pedais, de lata e de plástico, movidos a
electricidade – e, por outro lado, criar um vínculo com a população local, numa tentativa de
demonstrar e relembrar que, efectivamente, em Seia, sempre se jogou e brincou com brinquedos ou
sem eles e, por isso, a tradição desta cultura lúdica está fortemente enraizada.
Foi uma exposição que trouxe ao museu milhares de visitantes, que se emocionavam e
sensibilizavam ao lembrarem, agora, com 50, 60, 70, 80 anos, que já foram crianças, decerto felizes, e
que também brincaram.
Faz parte ainda do programa de actuação do Museu, o recurso ao exterior, quando o tempo o
permite, numa continuidade daquilo que se faz, por um lado, no auditório, com concertos e exposições
ao ar livre e outras actividades de índole cultural e, por outro lado, aquilo que acontece na oficina, que
é fomentar o diálogo de gerações, através das aprendizagens no domínio das actividades lúdicas,
como, por exemplo, jogos tradicionais (botão, malha, macaca, bilharda, fito, cabra-cega, lencinho),
actividades de ar livre e, dependendo das exposições temporárias, actividades correspondentes ao tema
e que se adaptem ao exterior e brincadeiras espontâneas com os brinquedos que aí são colocados.
Ainda no exterior, temos um jardim com a flora característica da Serra da Estrela, da qual faz
parte uma árvore centenária em vias de extinção: o Teixo (Taxus Baccata), onde se procedeu à
classificação destas espécies,15 com o objectivo de o incluir no percurso de visita dando a conhecer aos
visitantes do museu este Património Natural da nossa região.
Assim, o percurso de visita começa pela recepção, onde o público pode visionar o museu na sua
globalidade, através de um computador táctil que, inicialmente, nos diz quais são os objectivos da
instituição, onde podemos ver a lista dos doadores, e a estrutura do edifício, através das plantas dos
dois pisos, com os respectivos espaços e o que se pode encontrar em cada um deles.
Contamos ainda neste piso e antes de entrar nas salas de exposição, com um pequeno centro de
documentação, com livros subordinados a diversos temas, como museologia, museus, infância,
educação, brinquedos, jogo, literatura infantil e juvenil. O público pode, também, aceder neste espaço
a dois computadores com acesso à internet.
O percurso desenvolve-se pelas salas de exposições, como já foi referido, começando por
Conhecer o mundo a brincar; Memórias de infância; Brincar é...sonhar; Portugal. Décadas de
brincadeiras; Exposições temporárias. Contamos com o auditório, a oficina e, por fim, com uma
pequena cafetaria, onde está colocado um posto de vendas, que possibilita a todos os artesãos
colocarem à venda brinquedos e objectos lúdicos da sua autoria.
Relativamente à organização do museu, não podemos deixar de referir os cuidados que tivemos
no que diz respeito ao mobiliário: a escolha de cores neutras, para não interferirem com o colorido dos
próprios brinquedos (com excepção da oficina, cafetaria, posto de vendas e casas de banho, onde se
tentou criar um ambiente bastante alegre), expositores agradáveis do ponto de vista estético,
adequados a todas as faixas etárias, isto é, que possibilitassem uma boa visibilidade às crianças,
adultos e visitantes portadores de deficiências16, e polivalentes, para permitirem mudanças e
15
Betula Celtibérica (Betula sp), Tília (Tilia europaea), Folhado (Viburnum tinus), Pseudotsuga ou Pinheiro do
Oregon (Pseudotsuga menziesii), Loendro ou Cevadilha (Nerium Oleander), Hera (Hedera Helix), Cipreste
Comum (Cupressus sempervirens).
16
Neste caso, embora o edifício não tenha sido construído de raiz, mas sim adaptado, como já referimos, o
arquitecto teve alguns cuidados, com a instalação de um elevador e rampas em todas as salas do museu.
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inovações. Previmos, também, a colocação de bancos pelas salas do museu e cadeiras e mesas para a
colocação de uma esplanada no Verão, bem como bancos e mesas em pedra e bebedouros espalhados
pelo jardim.
Pensamos que a próxima etapa será a recuperação da capela de Santa Rita, que se encontra na
fachada do museu e a qual deu o nome ao solar.
Assim nasceu e foi estruturado o Museu do brinquedo em Seia, instituição que se destina a todas
as faixas etárias, sem finalidades lucrativas e ao serviço da sociedade, que pretende:
• Valorizar um período da nossa vida que é fundamental para o
desenvolvimento global do ser humano: a infância;
• Valorizar a actividade lúdica e o direito de brincar;
• Preservar a memória dos jogos, brinquedos e brincadeiras;
• Promover actividades de envolvimento com a população;
• Estudar, conservar, expor e comunicar o património cultural e o património
natural;
• Tornar-se num espaço de cultura, educação e lazer.
Dado o interesse que todos os visitantes manifestam por este espaço museológico, bem evidente
através do elevado número de pessoas que o frequentam, pensamos ser chegado o momento adequado
para efectuarmos um levantamento de opiniões – tão amplo e rigoroso como preconiza a investigação
científica -, no que concerne à sua justificação, missão, concepção e organização dos espaços,
qualidade da mensagem que transmite, funcionamento, interacção com o público e susceptibilidade
para despertar a fantasia. Além disso, quisemos, através das opiniões de crianças e adultos, perceber
de um modo mais adequado de que forma o museu é encarado por aquelas e por estes, bem como se
ele cumpre os objectivos a que se propôs. Foi, também, nosso propósito - através do conhecimento das
preferências desse público-alvo -, vislumbrar de que forma é que os espaços e seu funcionamento
poderão ser modificados, reconvertidos ou reanimados, no sentido de propiciar uma melhor qualidade
de serviços.
Em suma, o nosso interesse ao realizarmos este estudo foi despertado pela possibilidade de,
através dele, encontrarmos respostas a algumas questões que se nos colocam. Deste modo, será em
torno destas interrogações que o mesmo irá ser estruturado e concretizado:
- Quais as opiniões das crianças sobre o que é um Museu e para que serve? Isto é,
entendem que é um mero espaço expositivo ou antes um local de ludicidade, de
imaginação e de prazer?
- Que opinião têm sobre os espaços, objectos e práticas proporcionados pelo
Museu do Brinquedo de Seia? Quais são os seus preferidos?
E, no que respeita aos adultos, tendo em conta as suas diferentes sensibilidades, formação
académica e história de vida, parece-nos também importante e oportuno que respondam às seguintes
questões:
- O que pensam os adultos acerca das funções que um Museu e, concretamente, o
Museu do Brinquedo de Seia, deve desempenhar? Que valor lhe reconhecem em termos
de desenvolvimento local e de pólo de atracção turística?
- Que importância reconhecem à sua localização nesta cidade?
Julgamos, ainda, de grande interesse, reunir as impressões gerais de pequenos e graúdos acerca
do Museu do Brinquedo de Seia, assim como as suas propostas, tendo em vista a melhoria do
funcionamento desta instituição. Que propostas de alteração, reconversão ou reanimação formulam?
Que alternativas apresentam?
4222
AMOSTRA
A amostra é constituída por dois grupos diferentes, crianças e adultos, como se nota na
tabela I e de várias idades, como podemos observar, respectivamente, nos gráficos 1 e 2.
Tabela I
Grupos
Crianças
Adultos
Total
N
60
%
37.5
100
160
62.5
100
Classes etárias
Caracterização do grupo de crianças por idades
[11-14]
13
[6-10]
40
« 5
7
0
10
20
30
40
50
Nº de crianças
Gráfico 1
Classes etárias dos adultos
1
6
Classes etárias
71-80
4
13
51-60
15
35
31-40
23
«20
3
Nº de inquiridos
Gráfico 2
4223
INSTRUMENTOS
Foram utilizados dois tipos de instrumentos de recolha de dados:
•Questionário, destinado ao grupo de pais /educadores;
•Entrevista estruturada, com base num formulário dirigido às crianças.
As questões foram colocadas de um modo claro e acessível, atendendo às recomendações
de Alfouilloux17. Sempre que se notaram algumas dificuldades de compreensão de uma palavra ou
frase, por parte das crianças entrevistadas, esses termos foram explicados, para se tornarem
perceptíveis.
RESULTADOS
A Sala da “Gata Borralheira”, a oficina e a biblioteca foram os espaços que despertaram mais
interesse nas crianças, o que vem justificar a ideia de que as pessoas gostam de visitar museus
modernos, que utilizam novas tecnologias, em particular na área da informática ou da comunicação
participativa. Deve relevar-se, ainda, o facto de somente uma pequeníssima percentagem das crianças
visitantes (3,4%) estar à espera de encontrar computadores e vídeos no Museu do Brinquedo de Seia.
Lembramos ainda que 53,4% das crianças entrevistadas entendia que um Museu é sobretudo uma
“casa de antiguidades”, ao passo que apenas 11,6% a via como “um local de visita e diversão” e 6,6%
como “local de exposição”. Estes dados sugerem que, à partida, as crianças esperavam sobretudo
encontrar brinquedos antigos, mas que ficaram agradavelmente surpreendidas e interessadas com os
computadores existentes, que puderam utilizar para colher informações acerca dos brinquedos de
diversos países.
A este respeito, Mário Moutinho refere que são estas instituições museológicas “onde o visitante
é solicitado por um maior número de estímulos, que se têm mais desenvolvido nos últimos anos,
atraindo multidões de turistas, de alunos, de visitantes desejosos de mergulharem no mundo das
fábulas”18. Os resultados obtidos nesta questão vêm confirmar, pois, que no Museu do Brinquedo de
Seia estão aplicadas as concepções da nova Museologia, perfilhadas por elevado número de autores19.
Ainda no que concerne às respostas do grupo amostral de crianças, verificámos, como era
esperado, que são sobretudo os adultos, pais e professores ou educadores, que tomam a iniciativa da
visita ao Museu. Tal confirmação reforça a ideia de que a promoção da instituição museológica não
deve incidir, apenas, no público infantil.
Quanto a possíveis falhas, carências ou “pontos fracos” do Museu do Brinquedo, a maioria das
crianças entrevistadas (61,7%) não as referiu, indicador positivo, que consideramos associado a um
elevado grau de satisfação. Embora não atinjam valores muito elevados, devem merecer reflexão as
sugestões para o aumento de actividades e de brinquedos.
Em termos de apreciação geral por parte das crianças que integraram a nossa amostra, os
resultados também nos parecem animadores e gratificantes, pois os respondentes que, em relação ao
Museu, usaram adjectivos que traduzem um juízo de valor positivo (“interessante”, “bonito”,
“agradável”, “muito bom”...), totalizaram 93%.
A análise dos dados provenientes dos questionários respondidos pelos adultos, complementados
pelos respeitantes aos testemunhos espontâneos dados pelos visitantes, permite verificar que aos
museus (e ao Museu do Brinquedo, em concreto) são atribuídas várias funções:
17
1980.
1989:16.
19
Esta, impulsionada por Georges Henri Rivière.
18
4224
-
uma função social;
uma função de comunicação e exposição;
uma função educativa e cultural;
uma função de atracção turística.
Uma função social, visto que qualquer museu está inserido numa sociedade mais alargada, com
a qual interage e da qual recebe estímulos. É por isso que uma iniciativa como esta não pode ser posta
em prática ao acaso. Ao invés, devem ser estudadas as condições, as implicações e a própria
necessidade (ou não) da existência do museu num determinado sítio, com características históricas,
culturais e sociais muito particulares. A partir daqui, qualquer que seja o museu, é forçoso apostar na
dinamização, no espírito de empreendimento e na atenção com que sempre deve olhar para a
sociedade que o rodeia. Neste quadro, lembramos que são bastante satisfatórias as percentagens
concordantes obtidas no que diz respeito ao item “Estabeleceu um vínculo com a população de Seia”
(56% de concordâncias). Este indicador é complementado, aliás, de um modo inequívoco, pelo facto
de, a maioria quase absoluta dos adultos inquiridos discordar que a situação do Museu do Brinquedo
na cidade de Seia seja um absurdo. Com efeito, 85% discorda dessa afirmação e 12% não respondem,
o que parece significar que, para a maioria dos adultos da amostra, se justifica plenamente a
localização do Museu nesta cidade da Beira, situada nas proximidades dos maiores cumes da Serra da
Estrela. Esta opinião é reforçada pela resposta directa à questão: “Concorda com a existência de um
Museu do Brinquedo em Seia?”. Efectivamente, 93% respondem sim, 6% não respondem e apenas 1%
responde negativamente.
Face ao exposto, há que ter em conta as opiniões dos inquiridos que concordam, na sua grande
maioria, com a ideia de que um museu é uma instituição ao serviço da comunidade, que serve para
divulgar o património local e contribui para o seu desenvolvimento.
Além disso, está cometida ao museu uma função de comunicação e exposição, na medida em
que ele estabelece uma relação muito importante entre os diferentes agentes sociais de uma
comunidade e entre diferentes comunidades. Acresce o facto de o museu ser um meio de integração
social muito forte. Efectivamente, os contactos estabelecidos ao longo do funcionamento do museu
contribuem para aproximar e para dar a conhecer realidades muito diferentes. Digamos que é uma
forma de comunicar sem palavras, ou seja, é uma comunicação não verbal, através da vertente
expositiva. A confirmação deste pressuposto está bem patente nos dados obtidos, nomeadamente nos
respeitantes às crianças, que em grande parte assumiram que um museu serve para mostrar. Mas,
mostrar, aqui, envolve um sentido mais lato do que à partida possa parecer. Mostrar com mensagens,
com ensinamentos, com entretenimento.
Uma função educativa e de aprendizagem, uma vez que, um pouco no seguimento da função a
que anteriormente aludimos, o museu expõe ensinando. E quanto a esta função, tanto os adultos como
as crianças são claros nas suas opiniões, ao afirmarem que o museu é uma fonte de aprendizagem e de
ensinamento. Um elevado número de crianças da amostra (38.4%) respondeu que o museu serve para
ensinar, enquanto que a maioria dos adultos (na ordem dos 60%) concorda absolutamente com a ideia
de que um museu serve para dar a conhecer. Dar a conhecer alguma coisa de uma maneira clara, para
que a mensagem transmitida seja útil ao próprio desenvolvimento cultural.
Além disso, contrariando a visão da museologia tradicional, 75% deste grupo reconhece a
dimensão axiológica das funções de um Museu, ao opinar que ele deve “propor valores”. Também
merece referência especial o facto de 95% dos inquiridos pensar que esta instituição deve “transmitir
mensagens” e, deste modo, desenvolver a capacidade de raciocínio, mormente nas crianças.
Outra função característica dos museus é a sua capacidade de atracção turística, não sendo o
Museu do Brinquedo de Seia uma excepção. Numa região em que o turismo representa uma das fontes
de rendimento mais segura, é natural que iniciativas como esta surjam no sentido de não prescindir
dessa “galinha dos ovos de ouro”. Um museu atrai visitantes, os visitantes aumentam o movimento e o
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dia-a-dia do concelho e a região só beneficia com este processo dinâmico. A pensar nisso, os adultos
da amostra colocam esta função em segundo lugar de importância20.
Por último, este museu municipal, como tantos outros, é um contributo fundamental para a tão
falada descentralização nacional e para valorizar zonas tão “esquecidas” como esta. Esta função foi,
aliás, bem reconhecida pelos adultos que responderam ao inquérito. Infelizmente, a centralidade
continua a ser apanágio do nosso país, e, se bem que tentativas houve para alterar a situação, o facto é
que Portugal tem que deixar de ser “Lisboa e o resto”. Saliente-se, a este respeito, que 90% dos
adultos inquiridos concorda que um Museu é um factor de desenvolvimento local. Portanto, segundo o
público, iniciativas como a do Museu do Brinquedo de Seia justificam-se, entre outros motivos,
porque permitem mostrar as potencialidades que persistem submersas no território português,
sobretudo nos locais mais afastados dos grandes centros urbanos.
CONCLUSÃO
As linhas orientadoras saídas das convenções e congressos nacionais e internacionais
respeitantes aos Museus, em geral, e aos Museus do Brinquedo, em particular, convergem na
necessidade de terminar com a concepção estática e conservadora destas instituições. A estas
orientações juntam-se as opiniões da maioria dos autores preocupados com a temática em apreço.21
Neste quadro, é hoje refutado o uso meramente expositivo e contemplativo desses espaços de
cultura e, em contrapartida, reforçado o modelo dinâmico, onde se combina a interacção social, a
aprendizagem, a comunicação, e reflexão em torno de mensagens sobre temas, preocupações e valores
da sociedade actual. Assim, estão presentes nas funções dos novos museus evidentes preocupações
socioculturais e axiológicas, no domínio emocional, ético, estético e ecológico. Ora, um espaço
organizado em torno de um tema com uma carga tão simbólica, misteriosa e mágica como a infância e
tudo o que lhe está associado – em especial as atitudes, actividades e objectos do domínio lúdico da
cultura – terá, necessariamente, que despertar sentimentos profundos e indescritíveis, em crianças,
jovens e adultos. Poderemos afirmar, como Vânia Sampaio, que “o Museu do Brinquedo representa
um sentido abraço de sonho e ternura da nossa descuidada infância. É como se fosse um mergulho no
faz-de-conta”22.
Como já referimos, a generalidade dos autores que reflectem e investigam a evolução do
processo museológico está de acordo com as novas funções que os museus devem desempenhar na
sociedade actual. E, mais concretamente em relação aos museus do brinquedo, parece registar-se um
consenso quanto às virtualidades educativas e culturais dos objectos de jogo e brincadeira que
constituem o seu acervo. Com efeito, os brinquedos transportam-nos para um mundo outro, bem
afastado da realidade rotineira e castradora de imaginação e de capacidade de transformação.
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20
A seguir à de “desenvolvimento e descentralização”.
Rivière, 1993; Varine, 1991; Moutinho, 2000; Marc Maure apud Férnandéz, 2001, entre outros.
22
2002.
21
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