Thesis Reference - Archive ouverte UNIGE

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Thesis
Éducation et développement: le cas des écoles rurales de la région
du Cacao-Bahia-Brésil
SOUZA DOS SANTOS, André
Abstract
Cette recherche prend comme point de départ les réflexions sur la capacité de
développement communautaire/durable à partir de l’éducation proposée par trois écoles
d’éducation de base, au travers de méthodologies différentes, dans la région du Cacao de
l’État de Bahia. Son objectif est de comprendre de quelle façon une éducation adaptée au
milieu rural peut jouer un rôle décisif dans le processus de développement socio-économique
et culturel, au sein de communautés rurales isolées. Les trois écoles choisies possèdent des
modèles pédagogiques diversifiés : le concept de la "Pédagogie en tant que pratique de
liberté" de Paulo Freire sert de base pour l’école "A", le concept de protagonisme juvénile,
(youth empowerment) est utilisé dans "l’école B" et "l’école C" est une école publique
traditionnelle en milieu rural avec les même défis que la majorité des écoles publiques
d’éducation de base au Brésil. Ces trois modèles mettent en œuvre des savoir-faire
pédagogiques différents qui entraînent des conséquences pratiques différentes dans le
développement [...]
Reference
SOUZA DOS SANTOS, André. Éducation et développement: le cas des écoles rurales
de la région du Cacao-Bahia-Brésil. Thèse de doctorat : Univ. Genève, 2013, no. FPSE 535
URN : urn:nbn:ch:unige-289942
Available at:
http://archive-ouverte.unige.ch/unige:28994
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UNIVERSITE DE GENEVE
FACULTE DE PSYCHOLOGIE ET
Section des sciences de l’éducation
DES SCIENCES DE L’EDUCATION
Sous la direction de Abdeljalil Akkari
_______________________________________________
Educação e Desenvolvimento: o caso das escolas rurais
da Região do Cacau – Bahia – Brasil
THÈSE
Présentée à la
Faculté de psychologie et des sciences de l’éducation
de l’Université de Genève
pour obtenir le grade de Docteur en sciences de l’éducation
par André Souza dos Santos
Thèse n°535
Genève, Mars 2013
Educação e Desenvolvimento: o caso das escolas rurais da
Região do Cacau – Bahia – Brasil
André Souza dos Santos – FAPSE-UNIGE
Membres du jury:
Abeljalil Akkari (Directeur de Thèse)
Christiane Perregaux (Unige-Fapse)
Charles Magnin (Unige-Fapse)
Celi Taffarel (Ufba-Faced)
Peri Mesquida (PUC-Curitiba)
Agradecimentos
Gostaria de agradecer a todos que participaram de alguma maneira de forma
direta e indireta no caminho deste trabalho.
Particularmente a Alda Pêpe pelas discussões iniciais sobre o tema e as
orientações que se seguiram; A Christiane Perregaux por ter me acompanhado e aberto
os caminhos que desembocaram no final deste trabalho; A Jalil Akkari, meu grande
orientador, conselheiro hoje muito mais um amigo...A todos os outros membros do Juri,
Charles Magnin pelas critica pontuais e necessárias; Celi Taffarel pelas orientações e
incentivo; Ao Prof. Peri Mosqueda pela sua participação.
Gostaria de agradecer aos meus amigos Marcos Pinto pela sua presença capital
na minha vida; Luiz Augusto e Telesson, sem amigos em momentos difíceis a vida fica
quase impossível; agradecer igualmente aos meu colegas do DCHL-UESB que em
determinados momentos souberam compreender os meus desafios.
Gostaria de agradecer a Luiza Prado e Marta Serafim pelas revisões por vezes
enfadonhas; A Axel Dieudonner pelas traduções; A fundação Schmidheiny por uma
bolsa pontual e necessária que me ajudou em muito nos meus estudos.
Gostaria de agradecer a toda a família Estier-Roussebert pelo acolhimento e
colaboração na chegada a Suiça em 2005.
Finalmente a toda minha familia: irmãos, primos, sobrinhos e minha mãe por ser
a melhor que eu conheço da vida; às minhas filhas Aline e Elodie e peço desculpas pela
minha ausência por vezes necessária; à Virginie minha companheira de 20 anos que
suportou as minhas inquietações.
A todo o pessoal das Escolas Famílias Agrícolas e da escola pública pesquisada,
diretores, monitores, professores, alunos e pais de alunos. Gostaria de dizer que a nossa
intenção era de que criar uma referência científica para uma educação adequada para o
campo e por isso é que por inúmeras vezes fiz essas idas e voltas e porque tantas
perguntas por vezes pareciam chatas.
Ao meu fiel colaborador Altamiro Colatino, a nossa história é eterna.
A todos, o meu muito obrigado.
André Souza dos Santos
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 14
MOTIVOS PARA FAZER A TESE ........................................................................... 17
ESTRUTURA GERAL DA TESE: ............................................................................. 20
CAPÍTULO I ................................................................................................................ 22
1. – BREVE HISTÓRICO SOBRE A CONCENTRAÇÃO DE TERRA NO
BRASIL ......................................................................................................................... 23
1.1- Da colonização a ocupação das terras do Brasil ........................................23
1.2- A fase inicial da colonização .....................................................................25
1.3- O início da ocupação portuguesa, as capitanias hereditárias .....................27
1.4- A concentração de terras pelo sistema jurídico das sesmarias ...................30
1.5- O escravismo indígena ...............................................................................33
1.5.1- A escravidão do Negro Africano .................................................. 36
1.6- A concentração de terras na fase inicial da República ...............................37
1.7- O golpe militar e a manutenção do modelo de concentração fundiária .....39
1.8- A exclusão e a concentração fundiária na região do cacau ........................43
1.9 - Os debates agraristas e o nacional desenvolvimentismo ..........................47
CAPÍTULO II ............................................................................................................... 50
2. – O DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO RURAL NO BRASIL, SUA
HISTÓRIA E SUAS POSSIBILIDADES ................................................................... 51
2.1 – Da colonização ao Brasil atual: as lacunas dos processos educacionais
criando excluídos no campo ............................................................................. 52
2.2 – Do Ruralismo Pedagógico às campanhas de educação rural: surgem as
primeiras iniciativas de educação para o meio rural ........................................ 55
2.3 – O movimento dos “pioneiros”: entre as primeiras iniciativas de educação
para o campo .....................................................................................................58
2.4 – O tecnicismo e a sua influência na educação para o meio rural no
Brasil.................................................................................................................59
2.5 – A região do cacau e a tecniczação da educação rural ..............................63
2.6 – A educação rural a partir dos anos 80 e o EDURURAL/NE ...................65
2.7 – A LDB/96 e o recorte da DOBEC/02: abrindo novas possibilidades ......68
2.8 – Os Movimentos Sociais construindo novas práticas de educação para o
campo ............................................................................................................... 70
CAPÍTULO III ............................................................................................................. 76
3. – OS CONCEITOS PERTINENTES DA TESE (PRIMEIRA PARTE) ............ 77
3.1 – Por uma compreensão de desenvolvimento para o campo .......................77
3.1.1 – O mito da urbanização e os desafios da ruralidade contínua no
mundo contemporâneo ....................................................................... 78
3.1.2 – A educação no caso do desenvolvimento agrícola ..................... 80
3.1.3 – Desenvolvimento, educação e sustentabilidade para o campo ... 84
3.1.4 – Agroecologia: um conceito complexo e necessário à educação do
campo ................................................................................................. 89
3.1.5 – O conceito de complexidade e problematicidade base para
estrutura reflexiva da “educação para o campo” ................................ 95
3.1.6 – O conceito emergente de “campo” para o desenvolvimento da
educação no meio rural no Brasil ....................................................... 97
3.1.7 – Escolas rurais e educação no campo: por um modelo de educação
diferenciada ...................................................................................... 100
3.1.8 – A construção do conceito de educação para o campo ............... 103
3.1.9 – O conceito da pedagogia histórico-crítica dos conteúdos enquanto
perspectiva para a educação do campo ............................................ 108
3.1.10 – A pedagogia do oprimido: elemento teórico chave para
(re)educação dos povos do campo ................................................... 110
3.1.11 – “Os temas geradores” e a sua importância na educação para o
meio rural ......................................................................................... 117
3.1.12 – O conceito de pedagogia da alternância e o seu papel na
“educação do campo” ....................................................................... 119
3.1.13 – A pedagogia da alternância como “divisor de águas”: a educação
formal e informal nos CEFFAs ........................................................ 121
3.2 – DUAS VISÕES PARA A EDUCAÇÃO RURAL: A PEDAGOGIA
LIBERTÁRIA E O PROTAGONISMO JUVENIL (SEGUNDA PARTE) ......... 128
3.2.1 – O pensamento de Freire guia filosófica da escola “A” ............. 129
3.2.2 – O protagonismo juvenil guia filosófico da escola “B” ............. 130
3.2.3 – Compreensões sobre o binômio educação/desenvolvimento rural
.......................................................................................................... 131
3.2.4 – As inovações, a modernização, a técnica e a ciência na educação
dos CEFFAs ..................................................................................... 134
CAPÍTULO IV............................................................................................................ 141
4. – ESCOLAS FAMÍLIAS AGRÍCOLAS (CEFFAS): O INÍCIO DE UMA
EDUCAÇÃO ALTERNATIVA PARA O CAMPO ................................................ 142
4.1 – As CEFFAs chegam ao Brasil ................................................................144
4.2 – Como se articulam os CEFFAs no Brasil? .............................................146
4.3 – O funcionamento e experiência na organização dos CEFFAs no Brasil 148
4.4 – As dificuldades enfrentadas no funcionamento dos CEFFAs no Brasil 151
4.5 – A Região do Cacau e a pesquisa ............................................................153
4.5.1 – A situação socioeducativa dos três municípios na Região do
Cacau ................................................................................................ 155
4.5.2 – A problemática ambiental no Sul da Bahia............................... 155
4.6 – O Município de Ilhéus ............................................................................157
4.6.1 – A economia e o cacau em Ilhéus.............................................. 158
4.7 – O nascimento da EFA em Ilhéus: “a Escola “A”. ..................................161
4.7.1 – Fundos e formas de financiamento da escola “A” em alternância
.......................................................................................................... 161
4.7.2 – Formas de organização da escola “A” em estudo: .................... 162
4.8 – O Município de Tancredo Neves ...........................................................164
4.8.1 – O nascimento da escola “B” ..................................................... 165
4.8.2 – Seleção de alunos ...................................................................... 166
4.8.3 – A Fundação Odebrecht e o nascimento da Escola “B” ............. 167
4.8.4 – A formação de “jovens empresários rurais” na Escola “B”: o
conceito de “protagonismo juvenil” ................................................. 168
4.8.5 – Formas de financiamento da escola “B” ................................... 169
4.8.6 – Organização e Funcionamento da Escola “B” .......................... 170
4.9 – O nascimento da Escola “C” .................................................................170
4.9.1 – Vista parcial da cidade de Valença-Ba ..................................... 171
4.9.2 – Os Professores da escola “C” em formação .............................. 171
4.9.3 – Organograma (3): Organização da escola (C) .......................... 173
4.10 – O início dos programas governamentais para a formação de professores
para atuarem nas escolas do campo.................................................................173
4.11 – Esquema metodológico da pesquisa:....................................................176
CAPÍTULO V ............................................................................................................. 178
5. – PROBLEMÁTICA E QUESTÕES DE PESQUISA: DA EDUCAÇÃO RURAL
NO BRASIL ................................................................................................................ 179
I – Da agricultura familiar e a educação do campo .........................................184
II – Do modelo agroexportador e suas implicações no mundo da agricultura
familiar ........................................................................................................... 190
III – As questões de pesquisa que movem este estudo ....................................193
CAPÍTULO VI............................................................................................................ 195
6. – METODOLOGIA: A PESQUISA QUALITATIVA/INTERPRETATIVA, O
ESTUDO DE CASO ................................................................................................... 196
6.1 – Diferenças explicativas das categorias analíticas em relação aos atores da
pesquisa: ..........................................................................................................199
6.2 – Base de triangulação comparativa entre atores e categoria analítica: ....203
6.3 – Composição dos atores e a coleta de dados: ..........................................203
6.4 – Composição dos atores e das categorias analíticas da tese: o que saber de
quem? ..............................................................................................................204
6.5 – Tabela recapitulativa dos atores da pesquisa: ........................................205
CAPÍTULO VII .......................................................................................................... 208
7. – ANÁLISE GLOBAL DE DADOS ...................................................................... 209
7.1 – Alunos avaliam o desenvolvimento e a sustentabilidade comunitária ...210
7.2 - Como os alunos das escolas “A e B” avaliam a alternância: ..................213
7.3– A identidade com o campo para alunos das escolas “A, B e C”: ............217
7.4 – Monitores/Professores das escolas “A e B” avaliam a sustentabilidade
local e a alternância ........................................................................................ 220
7.5 – A alternância por monitores das escolas “A e B”: .................................224
7.6 – A emergência da questão de “gênero” enquanto diferença fundamental a
ser considerada: O caso da escola “A” ............................................................227
7.7 – Análises das entrevistas com os professores da escola “C”: ..................229
7.8– A escola pública rural: o caso da escola “C” ..........................................230
7.9 – Os professores avaliam o material didático, a metodologia, o currículo233
CAPITULO VIII ........................................................................................................ 236
8 – DIRETORES DAS ESCOLAS “A, B E C” AVALIAM O
DESENVOLVIMENTO E A SUSTENTABILIDADE, ALTERNÂNCIA, E OS
DESAFIOS DA EDUCAÇÃO PARA O CAMPO ................................................... 237
8.2 – Alternância: ............................................................................................240
8.3 – O financiamento e autonomia das CEFFAs: ..........................................245
8.4– Formação de professores para as escolas do campo: ..............................250
8.5– O acesso a terra: ......................................................................................252
8.6 – Análises das entrevistas com a Diretora da escola “C”: ........................256
8.7– A escola urbana e a escola rural de educação de base: ...........................256
CAPÍTULO IX............................................................................................................ 259
9 – EX-ALUNOS E PAIS DE ALUNOS AVALIAM O DESENVOLVIMENTO A
SUSTENTABILIDADE E A ALTERNÂNCIA ....................................................... 260
9.1– A sustentabilidade comunitária: ..............................................................261
9.2– Alternância nas escolas A e B: ................................................................264
9.3– A vivência dos jovens que estudaram em regime de alternância (escola “A
e B” ex-alunos): ...............................................................................................267
9.4– A questão de “gênero” reaparece entre os ex-alunos da escola “A”: ......271
9.5– Os pais avaliam o período que os seus filhos estudaram na escola “A e
B”:......... ......................................................................................................... 272
9.6– Os pais de alunos avaliam a melhora na sustentabilidade comunitária de
sua propriedades (escola A e B): .....................................................................273
9.7– Os pais avaliam o “estudar em alternância”: ...........................................278
CAPÍTULO X ............................................................................................................. 282
10 – COMPARAÇÃO CRÍTICO-DESCRITIVA ACERCA DOS PROCESSOS
EDUCATIVOS NO QUOTIDIANO DAS TRÊS ESCOLAS EM ESTUDO ........ 283
10.1 – Desenvolvimento e sustentabilidade agrícola em comparação na escola
“A” e “B” (alternância): ..................................................................................283
10.2– Sobre o processo de educação e sustentabilidade: entre a agricultura
orgânica e a inorgânica no mundo do cacau: ................................................. 286
10.3– Distinções entre o cultural e o econômico nas escolas em alternância e o
desafio da sustentabilidade e da cidadania (o caso da escola “B”): ................290
10.4 – Compreensões sobre a alternância entre os alunos da escola “A e B”: 291
10.5– Compreensão e comparação-crítica acerca do problema da reafirmação
identitária:........................................................................................................292
10.6– Relevância dos aspectos curriculares (históricos, de cultura e identidade)
das comunidades locais na relação com o currículo das escolas: ...................294
10.7 – O currículo e a escolha do material didático no caso da escola pública
rural (a escola “C”):.........................................................................................297
10.8– As tensões entre alunos, pais de alunos/alunos e lideranças de
assentamentos. O caso da escola “A” ............................................................. 300
10.9– As implicações da sustentabilidade e o desafio da aquisição da terra:
proposições divergentes entre as escolas “A e B” .......................................... 304
10.10– A relação dos professores/monitores das escolas “A, B e C” com o
trabalho de educar no campo: o caso das três escolas em pesquisa ............... 308
10.11– Diferenças fundamentais na continuidade entre os ex-alunos da escola
“A”, “B” e “C”: ...............................................................................................311
10.12– Sobre a continuidade dos ex-alunos da escola “A, B e C”:.................314
10.13– Do conhecimento das novas leis e da disponibilidade dos recursos para
a gestão das escolas do campo ........................................................................316
10.14– Sobre a possibilidade das escolas do campo produzir o seu próprio
material didático-pedagógico: ........................................................................ 318
10.15– A certificação das CEFFAs enquanto perspectiva para a educação do
campo brasileiro ............................................................................................. 319
10.16– Reconhecimento e recrutamento das escolas em alternância (A e B) em
pesquisa ...........................................................................................................320
CAPÍTULO XI............................................................................................................ 325
11.
CONCLUSÃO
DA
TESE
SOBRE
A
EDUCAÇÃO
E
O
DESENVOLVIMENTO NO MEIO RURAL BRASILEIRO. ............................... 326
11.1– Conclusões sobre os sujeitos da pesquisa e as categorias da pesquisa ..326
I – Conclusões sobre as similaridades e diferenças das escolas em
alternância em estudo (escola “A” e a escola “B”). ......................... 328
1.1 – Relação com a identidade e cultura local ................................ 329
1.2– O engajamento na problematização história-crítica e social .... 329
1.3 – A relação com o “ser do campo”............................................. 329
1.4 – A relação com a alternância .................................................... 330
1.5 – Formação de professores/monitores ........................................ 330
1.6 – A questão do “acesso à terra”. ................................................ 330
II - Categorias determinantes da comparação entre as duas escolas em
alternância ........................................................................................ 331
III – Conclusões sobre a escola pública rural (escola “C”) .................. 331
3.1 – Primeiro, a educação pública oferecida pela escola “C” ......... 333
IV – Proposição da Tese por uma educação do campo de qualidade no
meio rural da Bahia e do Brasil ........................................................ 334
4.1 - Os projetos políticos pedagógicos e a grade curricular ........... 334
4.2 - Um aprendizado complexo: ..................................................... 334
4.3 - A instrumentalização, e a inovação técnica ............................. 335
4.4 - Tornar a educação pela pesquisa ............................................. 335
4.5 - Disciplinas acerca dos fenômenos ditos de globalização no
contexto local: .................................................................................. 336
4.6 - Amarrar o regime de alternância ou sazonalidade ................... 336
4.7 - A questão da formação de professores/monitores ................... 336
4.8 - O Estado enquanto provedor e financiador da educação para o
campo ............................................................................................... 337
4.9 – O papel das municipalidades na educação do campo ............. 338
V – Conclusão sobre a pedagogia do oprimido de Freire e o novo
conceito da pedagogia do protagonismo juvenil .............................. 339
VI - Enfim a defesa da tese: para que a educação do campo tenha sucesso
.......................................................................................................... 340
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................... 341
INDICE DE FIGURAS E GRÁFICOS
Figura 1: Estrutura geral da tese ..................................................................................... 20
Figura 2: A região cacaueira e a localização dos três municípios da pesquisa ............ 154
Figura 3: Organização da Escola «A» .......................................................................... 162
Figura 4: Vista parcial do espaço escolar da escola “A” .............................................. 163
Figura 5: Alunos em sala de aula.................................................................................. 163
Figura 6: Diagrama da organização da escola “B” ....................................................... 170
Figura 7: Vista parcial da cidade de Valença-Ba ......................................................... 171
Figura 8: Vista exterior da escola “C” .......................................................................... 172
Figura 9: Organograma: Organização da escola (C) .................................................... 173
Figura 10: Produção Baiana de Cacau 1972-2005 ....................................................... 160
Figura 11: Mapa da situação de desmatamento na Bahia ............................................. 157
Figura 12: Esquema metodológico da pesquisa ........................................................... 176
Figura 13: Instrumentos ligados às oficinas musicais na escola “A” ........................... 295
Figura 14: Organograma do funcionamento de uma escola pública formal................. 317
INDICE DE TABELAS
TABELA 1: ESTRUTURA FUNDIÁRIA BRASIL EM MARÇO DE 2009 .......ERRO!
INDICADOR NÃO DEFINIDO.
TABELA 2: O CONTROLE DAS ÁREAS AGRÍCOLAS NO BRASIL. ............ERRO!
INDICADOR NÃO DEFINIDO.
TABELA 3: REGIÃO CACAUEIRA: ESTRUTURA FUNDIÁRIA ATUAL (2013)
....................................................................... ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO.
TABELA 4: EVOLUÇÃO DA POPULAÇÃO DA REGIÃO CACAUEIRA ............ 153
TABELA 5: SITUAÇÃO SOCIOEDUCATIVA DOS TRÊS MUNICÍPIOS
IMPLICADOS NA NOSSA PESQUISA:.................................................................... 155
TABELA 6: OS FUNDOS E FORMAS DE FINANCIAMENTO DA ESCOLA “A”.
...................................................................................................................................... 162
TABELA 7: O FUNCIONAMENTO DA ESCOLA “A” ............................................ 164
TABELA 8: COMPOSIÇÃO DOS ATORES DA PESQUISA................................... 203
TABELA 9:TRIANGULAÇÃO COMPARATIVA .................................................... 203
TABELA 10: ATORES E CATEGORIAS ANALITICAS ......................................... 204
TABELA 11: TABELA RECAPITULATIVA DOS ATORES DA PESQUISA. ....... 205
TABELA 12: O CULTIVO DA MANDIOCA ............................................................ 285
TABELA 13: GRADE CURRICULAR 7ª. SÉRIE...................................................... 299
TABELA 14: GRADE CURRICULAR 8ª. SÉRIE...................................................... 300
TABELA 15: O QUE FAZEM OS EX-ALUNOS DAS ESCOLAS A, B E C ........... 313
LISTA DE ABREVIAÇÕES
AEC – Associação dos Educadores Católicos;
AECOFABA - Associação das Escolas das Comunidades e Famílias Agrícolas da
Bahia;
AEFACOT – Associação das Escolas Familias Agricolas do Centro Oeste de
Tocantins);
AEFARO – Escolas Familias Agricolas – Rondonia;
AEFAPI – Associação das Escolas Familias Agricolas – Piaui;
AMEFA – Associação Mineira de Escolas Familias Agricolas;
APEFA – Associação Potiguar de Escolas Famílias Agrícolas;
ARCAFAR/NORTE – Associação Regional das Casas Famílias Rurais – Norte e
Nordeste do Brasil;
AS-PTA – Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa;
CEFFAs – Casa Escola Família Agrícolas;
CENAC – Centro Nacional de Aprendizagem do Comércio;
CENAI – Centro Nacional de Aprendizagem Industrial;
CEPLAC – Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira;
CFR – Casa Família Rural;
CIMI – Conselho Indígena Missionário
CNBB – Comissão Nacional dos Bispos do Brasil;
CONTAG – Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura;
CPT – Comissão Pastoral da Terra;
DIREC – Diretoria Regional de Educação e Cultura;
DIEESE – Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômico
DOBEC – Diretrizes Operacionais de Base para as Escolas do Campo;
EFA – Escola Família Agrícola;
EMARC – Escola Média Agropecuária Regional da CEPLAC;
EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária;
FAO – Food and Agricultural Organization (Organização das Nações Unidas para a
Agricultura e Alimentação);
FAPSE – Faculte de Pscicologie e Sciences de l’Education;
FASE – Federação dos Órgãos de Assistência Social – Sul da Bahia;
FUNDEB – Fundo Nacional de Educação Básica;
IBAMA – Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis;
IBELGA/ACEFFARJ – Instituto Belga de Nova Friburgo/Associações dos Centros
Familiares de Formação por Alternancia do Rio de Janeiro;
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística;
ICB – Instituto de Cacau da Bahia;
IDAC – Instituto da Ação Cultural;
IDES – Instituto de Desenvolvimento do Baixo Sul da Bahia;
IESB – Instituto de Estudos Socioambientais do Sul da Bahia;
LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional;
MDA – Ministério do Desenvolvimento Agrário;
MEB – Movimento de Educação de Base;
MEC – Ministério da Educação e Cultura;
MFR – Maison Famille Agricole;
MLT – Movimento de Luta pela Terra;
MOBRAL – Movimento Brasileiro pela Alfabetização:
MOC – Movimento de Organização Comunitária
MST – Movimento dos Sem Terra;
OM – Objetivo do Milênio;
PPP – Projeto Político Pedagógico;
PRONAF – Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar;
RACEFFAES – Rede
das Associações de Centros Familiares de Formação por
Alternancia – Espirito Santo;
RAEFAP – Rede de Escolas Famílias Agricolas do Amapá;
REDA - Regime de Direito Administrativo;
REFAISA – Rede de Escolas Famílias Agrícolas Integradas ao Semiárido;
RESAB – Rede de Escolas do semiárido Brasileiro;
SASOP – Serviço de Assessoria às Organizações Populares Rurais;
SCIR – Secretariado Cultural de Iniciativas Rurais (França);
SEC – Secretaria de Educação e Cultura;
TAC/CGIAR – Comitê de Aconselhamento Técnico do Grupo Consultivo de Pesquisa
Agrícola – AS-PTA;
TEO – Termo de Orientação da Odebrecht;
UNEFAB – União Nacional das Escolas Famílias Agrícolas;
UNEFAB – União das Escolas Famílias Agrícolas do Brasil;
UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura;
UNICEF – Fundo das Nações Unidas para Infância.
UEFAMA – União das Escolas Familias Agricolas do Maranhão;
INTRODUÇÃO
Uma educação e um currículo distanciado dos contextos e das realidades das
pessoas que vivem no campo, distanciadas da sua cultura, da sua identidade e de seus
valores, distanciada dos processos de produção e de desenvolvimento a longo prazo,
essa tem sido a lógica da escola de educação básica para o meio rural na maior parte do
Brasil até os nossos dias.
Esta pesquisa tem como ponto de partida as reflexões sobre a capacidade de
desenvolvimento comunitário/sustentável a partir da educação oferecida por três escolas
de educação básica, com diferentes metodologias, na região do Cacau na Bahia. Tratase de um mergulho na complexidade do funcionamento de duas escolas em alternância e
de uma escola pública rural: sua funcionalidade, suas dificuldades, seus desafios. Os
desafios para os que delas participam: suas singularidades, suas satisfações e seus
projetos. Assim o nosso objetivo esta em compreender de que forma a educação pode
desempenhar um papel decisivo no processo de desenvolvimento socioeconômico e
cultural, em comunidades rurais isoladas no campo brasileiro, numa perspectiva de
reverter os baixos índices educacionais e os níveis de pobreza recorrentes entre estes.
Na base estrutural do nosso objeto de estudo estão às escolas tradicionais do
campo – escolas públicas rurais – e, por outro lado, na contramão, estão as nascentes
alternativas pedagógicas para o campo, tanto em termos conceituais, teóricos – conceito
de campo e educação para o campo – quanto prático nas intervenções dos alunos –
multiplicadores das experiências agrícolas veiculadas por cada instituição com seu
modelo pedagógico em particular. Estas alternativas pedagógicas podem se tornar a
base para fixar as famílias de pequenos agricultores familiares em suas propriedades,
dando-lhes condições educativas de se desenvolverem e desenvolverem suas
comunidades de maneira equilibrada e sustentável. Assim, aparecem os CEFAs/EFAs e
a pedagogia da alternância, a partir de um foco centrado no aprendizado dos saberes
locais em confronto com os saberes mais sistematizados que essas escolas podem
oferecer.
Trata-se de um estudo de caso envolvendo escolas com epistemologias
pedagógicas diferenciadas, mas com alunos da mesma faixa etária. Compõem a
pesquisa: uma EFA (escola família agrícola – Município de Ilhéus), uma CFR (casa
família rural em alternância – Município de Tancredo Neves) e uma escola pública rural
(escola formal pública – Povoado do Bonfim – zona rural do Município de Valença). O
modelo educacional em curso em cada uma dessas escolas, seus desdobramentos no que
concerne o desenvolvimento e a sustentabilidade comunitária é a base para
compreensão desta tese. As análises dos dados ocorrem de maneira qualitativa. Nela
estão presentes, inicialmente as entrevistas com os atores que cercam a escola: alunos,
monitores, professores, diretores, ex-alunos e pais de alunos. Em seguida as análises
ocorrem a partir das notas de campo: o que foi observado, o que foi visto e o seu
complemento nesse estudo. Por fim, os currículos, os projetos políticos pedagógicos são
avaliados na sua dimensão de contexto, de localidade, perguntando sempre para o que
serve? Qual a razão da sua existência no contexto local?
Todas as categorias estão implicadas, de alguma forma, na educação e no
desenvolvimento local, e a complexidade a se analisar é que elas estão implicadas a
partir das epistemologias educacionais diferenciadas de cada escola (conceito de
pedagogia do oprimido X conceito de protagonismo juvenil X pedagogia formal publica
para o meio rural). São essas pedagogias, em sua inserção na vida socioeconômica e
cultural das comunidades, que acreditamos, “têm” e “trazem” as reflexões e as respostas
que importam para a tese, no que concerne ao desenvolvimento e a educação que
deveria ser, pelo menos em tese, oferecida de maneira adequada para os povos não
urbanos.
Os alunos da escola “A” e da escola “B”, principal categoria implicada na tese,
porque são os multiplicadores, os inovadores diretos na comunidade, têm
aproximadamente o mesmo perfil socioeconômico. O diferencial entre uma e outra
escola em alternância reside no fato de que os alunos da escola “A” são originários de
assentamentos ligados ao MST e de outros movimentos de luta pela terra; já os alunos
da escola “B” são em geral filhos de pequenos proprietários rurais (minifúndio); os
alunos da escola “C” são em sua maioria filhos de pequenos agricultores (minifúndio)
ou de trabalhadores rurais. Deste modo é possível afirmar que eles compõem a mesma
faixa socioeconômica.
Ainda no que concerne à situação socioeconômica das famílias dos alunos, é
possível afirmar também que tem o mesmo perfil: na maioria dos casos, a renda familiar
15
não ultrapassa mais que dois salários mínimos1 e a parcela de terra possuída é inferior a
25 hectares2, ou seja, trata-se de comunidades de agricultores familiares que vivem de
uma maneira geral em minifúndios3.
Compreender o que esse conjunto de atores pensa e diz desses três modos de
funcionamento educacional foi a nossa proposta inicial de estudo: saber como agem
essas instituições no desenvolvimento educacional local no meio rural, que teorias e
conceitos estruturam o campo epistemológico e quais os resultados de tudo isso no
desenvolvimento sustentável e nas praticas comunitárias das localidades envolvidas.
Partimos em busca do que normalmente chamamos de pedagogias em contexto,
pedagogias enraizadas localmente (pedagogias do campo), de pedagogias ditas
“indígenas.” Esse foco estrutura a base conceitual da tese.
Nesta pesquisa, “o campo” é entendido de forma complexa e totalizante em suas
multidimensionalidades e seus desdobramentos e complexidades: onde existem
populações buscando soluções para superar as suas dificuldades mais extremas, como a
fome, a falta de água, a assepsia, a miséria, enfim.
Então, a intenção era ver de perto o funcionamento desses modelos pedagógicos
na prática, porque a só a crença não bastava. Era preciso ir ao “campo”. e avaliar de
perto cada movimento, cada ação no desenvolvimento de uma educação que se propõe
nova. Aqui as ciências da educação estão aplicadas ao desenvolvimento de maneira
praxeológica, a partir de uma relação estreitamente implicada de teoria e de prática,
como também requer a alternância, para avaliarmos qual o resultado disso no
desenvolvimento de um meio rural estigmatizado.
A partir de autores como Freire (1974), Sen (2000), Arroyo, (2004), Morin
(1994), Gimonet, (2007) e Saviani, (2011) – o desenvolvimento, o campo, a alternância
e a pedagogia do oprimido e a pedagogia crítica social dos conteúdos – são tomados, na
intenção de formar um todo complexo, ou seja: trata-se, ao mesmo tempo, de pensar o
melhoramento das técnicas e inovações no campo da agricultura e da ecologia, o
fortalecimento da cultura e identidade local, assim como da construção da autonomia,
do espírito de iniciativa e da cidadania, emancipação e transformação da vida dos que
vivem no entorno das escolas em pesquisadas.
1
Atualmente o salário mínimo é de R$ 678,00.
O INCRA, 2012 estabelece 25 hectares para 1 modulo rural na região do cacau.
3
Menor ou igual a um modulo rural. INCRA, 2012.
2
16
São convidados igualmente a contribuir com a reflexão deste estudo teóricos
importantes do mundo da educação: Morin (1984) e o conceito de pensamento
complexo; Akkari (2004) e as pedagogias do Sul, a Teoria Crítica e a crítica da Razão
Instrumental em Habermas (2004), entre outros conceitos persistentes que contribuem
com o desenvolvimento de uma educação de qualidade para o campo, ou seja aprender a
ler, escrever, contar, se virar na vida e desenvolver o seu próprio contexto, esse da
comunidade onde ele esteja inserido.
A pesquisa de campo teve duração de aproximadamente seis meses. As
entrevistas foram organizadas a partir de um roteiro com questões semi-estruturadas,
essencial à coleta de dados. Partimos de um entendimento que se propunha dinâmico e
perspectivo, para o caso do “desenvolvimento e da educação do campo”, esse
entendimento a nosso ver seria fundamental para a compreensão da evolução de
modelos pedagógicos em contexto e, no entanto, dinâmico para a análise geral das
questões de pesquisa que nos propusemos investigar.
Enfim nossa pesquisa visa contribuir enquanto baliza para reflexão científica
sobre a educação rural no Brasil e no mundo, fornecendo dados qualitativos sobre essas
experiências educativas em contexto.
Motivos para fazer a tese
Numa visita aos docentes de ensino básico da zona rural de Valença, coordenado
pelo Programa de Formação de Professores UNEB 2000, dei-me conta da problemática
em que vivem as escolas rurais desse Município. Nenhuma escola passaria desatenta aos
olhos dos pesquisadores da área das Ciências Sociais e principalmente das Ciências da
Educação sobre a real condição de funcionamento dessas instituições. Escolas
funcionando sob as mais diversas e precárias formas me fizeram refletir...
Ao ler sobre o tema, descobri, em princípio, um dado intrigante: somente 2% das
pesquisas no Brasil dizem respeito às questões do campo, não chegando a 1% as que
tratam especificamente da educação escolar no meio rural4. Outro elemento passível de
generalização seria o de que a maioria das escolas rurais de educação básica da zona
rural de todo o país vive em condições semelhantes, sem o apoio necessário para o seu
4
O questionamento é feito no livro Por uma Educação do Campo (org.) Arroyo, Miguel
Gonzales; Caldart, Roseli Saleti e Molina, Mônica Castagna. Vozes, 2004.
17
funcionamento, sem um quadro docente devidamente formado para o contexto e ainda
sem metodologias e currículos adaptados às condições locais.
O silenciamento, como comenta Arroyo (2004), o esquecimento e até o
desinteresse sobre o rural e a educação rural nas pesquisas sociais é fato. Então, por que
a educação da população do campo foi negligenciada? Assim, surgiram algumas
perguntas de pesquisa, a saber: “é possível uma escola e uma educação verdadeiramente
adequadas a certas realidades e contextos diferenciados das que encontramos na zona
urbana? E se é possível então, que escola é esta? Como ela deve funcionar? Que
metodologias e currículos devem fazer parte dos seus programas? Qual o compromisso
que ‘ela,` a ‘escola,` deve ter com a comunidade que faz parte do seu entorno? Como a
escola deve se comportar em relação ao desenvolvimento comunitário local? Ela pode
e/ou deve agir como inovadora de técnicas e ciências, de teoria e de prática no interior
das comunidades? Enfim, qual o papel de uma escola que se localiza na zona rural no
Brasil?
Esta tese tem por objetivo primordial contribuir com essa área carente de
pesquisas, a partir de um diálogo construtivo, tomando como base experiências e
vivências de educadores, alunos, pais e diretores sobre o funcionamento de algumas
dessas instituições que participam, a partir de seu modelo próprio da educação dos
povos não urbanos.
O Professor Paulo Freire diz que a escola não transforma a sociedade, mas pode
ajudar a formar sujeitos capazes de fazerem a transformação da sociedade, do mundo e
até de si mesmos. Sob essa ótica, optamos pelo estudo de caso múltiplos de três escolas
rurais a partir de uma análise qualitativa/interpretativa dos dados, entendendo que a
ideia é mesmo esta: ler nas entrelinhas destes modelos em curso compreensões que
deem pistas para melhorar, se não adequar de maneira eficiente, métodos de ensinoaprendizagem para o contexto em que estão inseridos.
A escolha então recaiu sobre os CEFFAs, pois, em princípio, eles têm como
desafio formar sujeitos e fazer deles agentes de transformação da sua realidade e da
realidade das comunidades em que vivem. Pensando que a partir de uma educação que
ressignifica valores de sua própria cultura e identidade, que seja possível construir
novos mundos e novos horizontes para uma massa camponesa carente de
desenvolvimento e educação.
18
A educação é uma variável importante na construção e consolidação
socioeconômica e cultural da nação. Por isso, este estudo considera o paradigma
educacional do campo como um terreno profundo que merece uma atenção maior de
pesquisadores da educação do Brasil, haja vista, como dissemos as poucas pesquisas
produzidas nas academias brasileiras com essa especificidade.
19
Estrutura geral da tese:
I Capítulo – Aborda a
questão agrária e agrícola desde
a colonização do Brasil até os dias
atuais e seu impacto na
concentração de terras, na exclusão
dos agricultores familiares e no
êxodo rural.
II Capítulo – Analisa o
desenvolvimento e a educação
rural sua história e suas
possibilidades; seu impacto na
exclusão
dos
agricultores
familiares do processo educacional
e de desenvolvimento no Brasil e
na região do cacau.
III Capítulo – Os
conceitos pertinentes da tese
(primeira
parte):
busca
compreender os conceitos de
desenvolvimento em com Sen
(2004); o conceito de campo com
Arroyo, Mansano & Caldart
(2004); o conceito de pedagogia do
oprimido em Freire (1974); e o
conceito de alternância Gimonêt
(2003), além de analisar conceitos
auxiliares a estas compreensões
teóricas. E nas segunda parte
discute as diferenças filosóficas
entre as duas escolas em
alternância em pesquisa: o
conceito
de
pedagogia
do
oprimido x o conceito de
protagonismo juvenil: como esse
par de conceitos encaminha os
procedimentos
metodológicos
internos para permitir nas análises
de dados a interpretação dos seus
desdobramentos na educação e no
desenvolvimento
do
mundo
agrícola
das
comunidades
envolvidas.
IV Capítulo – Discute o
surgimento das Escolas Famílias
Agrícolas os CEFFAs: das
primeiras iniciativas na França até
a sua chegada no Brasil e na Bahia.
V – Capítulo –
Problemática e questões de
pesquisa.
A problemática
divide-se em 3 partes: I – da
educação rural no Brasil; II –
da agricultura familiar; III – do
modelo de desenvolvimento
agrário e agrícola brasileiro;
por fim, a questão de pesquisa
da tese:
De que forma essas
três
experiências
educacionais no meio rural
da regão do cacau na BahiaBrasil trazem a capacidade
de transformar e melhorar o
contexto
onde
estão
inseridas numa perspectiva
de
inclusão
e
de
desenvolvimento
comunitário sustentável para
o campo brasileiro e para a
zona rural periférica de
regiões
em
vias
de
desenvolvimento?
VI – Capítulo: são
os aspectos metodológicos o
estudo de caso múltiplo e a
análise interpretativa dos
dados : apresenta o tipo de
pesquisa,
as
categorias
analíticas, a população da
pesquisa, bem como os
métodos utilizados para a
coleta dos dados.
VII; VIII e IX São os resultados
da pesquisa e análise geral dos dados que
ocorre de maneira qualitativa e a triangulação
é feita a partir das entrevistas junto aos atores
da
pesquisa,
alunos,
pais,
professores/monitores e diretores das três
escolas em pesquisa; da observação direta no
campo; dos projetos políticos pedagógicos e
do material didático das escolas em pesquisa.
X Capítulo são as conclusões e
sugestões da tese para a educação e
desenvolvimento de uma pedagogia adequada
para as escolas do campo brasileiro.
20
Figura 1: Estrutura geral da tese
21
CAPÍTULO I
22
1. – Breve histórico sobre a concentração de terra no Brasil
O papel deste capítulo é apresentar uma análise da forma como se deu a
expropriação de terras no Brasil que se realizou desde a chegada do colonizador até os
nossos dias. Avaliar como este fenômeno influenciou via de regra, no êxodo rural
brasileiro; no inchaço das cidades nas últimas décadas; na fome no campo
(principalmente na década de 1980); no desabastecimento de produtos alimentícios de
base nas cidades e no subdesenvolvimento presente na agricultura familiar do país como
um todo e a sua consequente e contínua concentração nas mãos de poucos “a oligarquia
agrária brasileira” impedindo a realização da reforma agrária e a divisão de terras para
agricultores familiares e sem terras.
1.1-
Da colonização a ocupação das terras do Brasil
O processo de colonização no Brasil, como já sabemos, seria o responsável
direto pela expropriação das terras e genocídio dos povos indígenas, pela escravidão de
milhões de africanos e posteriormente pela concentração de terras.
Consta-se nos registros que os habitantes que viviam no Brasil na época do seu
“descobrimento” ou ocupação oficial, desfrutavam de “paz e sossego”. Levavam uma
vida tranquila e eram de índole pacífica...
Não existe uma estatística precisa quanto ao número de habitantes que por aí
viviam, alguns historiadores e antropólogos se debruçam sobre as estimavam de qual
era afinal a população indígena a época do descobrimento? Nos estudos de Darcy
Ribeiro, (1995) estima-se que na costa brasileira vivam uma população bastante
significativa, aos quais seus descobridores chamaram de “Índios” – estavam
organizados em comunidades autônomas, cuja identidade se definia por falar uma
mesma língua e compartilhar os mesmos costumes.
Os grupos indígenas encontrados no litoral pelo
português eram principalmente tribos de tronco tupi que,
havendo se instalado uns séculos antes, ainda estavam
desalojando antigos ocupantes oriundos de outras matrizes
culturais antes, ainda estavam desalojando antigos ocupantes
oriundos de outras matrizes culturais. Somavam, talvez, 1
milhão de índios, divididos em dezenas de grupos tribais, cada
um deles compreendendo um conglomerado de várias aldeias de
trezentos a 2 mil habitantes (Fernandes 1949). Não era pouca
23
gente, porque Portugal aquela época teria a mesma população ou
pouco mais. (Ribeiro, 1995; p.31)
Viviam como consta nos registros basicamente da caça e da pesca e da coleta
dos frutos. Nos períodos que eram sedentários praticavam uma agricultura rudimentar.
Conheciam a cerâmica e teciam suas vestimentas.
Além da mandioca e do milho cultivavam a batata‐doce,
o cará, o feijão, o amendoim, cabaças, as pimentas, o abacaxi, o
mamão, a erva‐mate, o guaraná, entre muitas outras plantas.
Inclusive dezenas de árvores frutíferas, como o caju, o pequi etc.
Faziam, para isso, grandes roçados na mata, derrubando as
árvores com seus machados de pedra e limpando o terreno com
queimadas. A agricultura lhes assegurava fartura alimentar
durante todo o ano e uma grande variedade de matérias-primas,
condimentos, venenos e estimulantes. Desse modo, superavam a
situação de carência alimentar a que estão sujeitos os povos
pre‐agrícolas, dependentes da generosidade da natureza tropical,
que provê, com fartura, frutos, cocos e tubérculos durante uma
parte do ano e, na outra, condena a população à penúria.
Permaneciam, porém, dependentes do acaso para obter outros
alimentos através da caça e da pesca, também sujeitos a uma
estacionalidade marcada por meses de enorme abundância.
(Ribeiro, 1995; p.32)
As terras não tinham donos, era um bem comunitário que pertencia a todos,
tampouco tinha bens próprios, mas todas as coisas eram comuns, como ainda se verifica
em algumas tribos brasileiras nos dias atuais. (Vespúcio, 1984, p 94).
Jean de Léry em seu livro Viagem à terra do Brasil, de 1553 assinalava que:
Consistem os imóveis deste povo em choças e terras
excelentes muito mais amplas do que a necessidade à sua
subsistência. (...) No que diz respeito à propriedade das terras e
campos, cada chefe de família escolhe em verdade algumas
jeiras onde lhe apraz, a fim de fazer suas roças e plantar a
mandioca e outras raízes (De Lery, p. 207 – 208).
Em sentido próprio dos elementos que cercam o processo de colonização e
apropriação das terras abundantes da recém colônia de “Vera Cruz”, ora passada a
possessão histórica do Rei de Portugal pelos idos dos anos de 1500 é que cabe a
pergunta: o que aconteceu que passados cinco séculos as terras abundantes que existiam
no Brasil hoje estão aprisionadas em mãos de poucos e em uma situação de extermínio
24
quase completo dos povos indígenas? A afirmação de Guimarães (1981) é fundamental
para a compreensão do que acontece em relação a questão agrária hoje, para ele “o
sistema latifundiário brasileiro foi implantado sobre alicerces excepcionalmente sólidos
para poder dispor, como sua longevidade o comprova, duma capacidade de resistência
quase inesgotável”. (p.157)
1.2- A fase inicial da colonização
Algumas hipóteses são levantadas para a chegada dos portugueses ao Brasil,
uma primeira fala de as naus portuguesas haviam se perdido no caminho para as índias,
outra de que os ventos fortes mudaram o rumo das embarcações, mas o certo é que no
ano de 1496, ou seja, bem antes do descobrimento, Portugal e Espanha se reuniram para
firmar o “Tratado de Tordesilhas” no qual dividiam entre si as terras conquistadas
através do novo mundo. (Guiomar 2004) Creio que o tratado firmado antes de 1500
responde a questão de que o descobrimento ou ocupação histórica do Brasil não
acontecera por acaso, mas que fora fruto de um conhecimento anterior sobre essas novas
e abundantes terras do “além-mar”.
O certo é que em 1500 o navegante português Pedro Alvarez Cabral chegou à
costa brasileira fincou o sinal da coroa e mandou celebrar a primeira missa,
configurando-se com este gesto a posse das novas terras.
Mesmo depois do descobrimento, o interesse de Portugal na época não estava
voltado para a ocupação das terras do Brasil, mas para a descoberta de um caminho que
os levasse ao Oriente, principalmente a Índia de onde se originavam as especiarias que
tanto interessavam aos europeus, sem a necessidade da intermediação dos Italianos e
dos Turcos que dominavam o comércio na época.
O processo de colonização do Brasil foi consequência do
já desenvolvido processo de expansão marítima, mas as rotas
comerciais para o oriente era tido então como prioritário, o que
justifica que nos primeiros 30 anos de colonização, as unicas
atividades se limitavam a extração de pau-brasil nas regiões
litorãneas do pais. (Faoro, 2001)
O inicio da ocupação das terras que viriam a se chamar inicialmente de Vera
Cruz e posteriormente de Brasil, se dá pouco tempo depois, a partir de necessidades
impostas por circunstancias novas e imprevistas, principalmente ligadas à crise
25
econômica e social que assolava a Europa durante os séculos XV e XVI obrigando os
diversos reinos da época a encontrar soluções fora do Continente.
No artigo sobre “Condições históricas e sociais que regulam o acesso a terra no
espaço agrário brasileiro”, a Professora Guiomar Germani (2004), coloca alguns
elementos importantes sobre essa questão: a) a experiência portuguesa da colonização
de territórios na África e na Índia concretizada por feitorias comerciais – forma de
organização militar e comercial com o número reduzido de pessoal responsável pelos
negócios, da sua administração e defesa armada – não se repetiria com o mesmo êxito
no território brasileiro já que eram territórios primitivos e habitados por uma população
rarefeita; b) com o espírito de feitorias comercias se iniciam as primeiras atividades
puramente extrativistas concentradas nas madeiras principalmente o pau Brasil,
utilizado na elaboração de corantes que contavam com o auxilio dos índios e adotavam
a prática do “escambo” – o trabalho em troca de objetos de pouco valor comercial. Na
extração da madeira utilizaram-se de técnicas rudimentares que não deixaram vestígios,
a não ser a destruição implacável e em grande escala das matas nativas do litoral onde
se extraia a madeira.
“Os nossos tupinambás muito se admiram dos franceses e outros
estrangeiros se darem ao trabalho de ir buscar os seus arabutam. Uma vez um
velho perguntou-me: Por que vindes vós outros maíris e perôs (franceses e
portugueses) buscar lenha de tão longe para vous aquecer? Não tendes
madeira em vossa terra? Respondi que tínhamos muita, mas não daquela
qualidade, e que não a queimávamos, com ele o supunha. Mas dela
extraíamos tinta para tingir, tal qual o faziam com os seus cordões de algodão
e suas plumas.
Retrucou o velho imediatamente: e porventura precisais de muito? –
Sim, respondi-lhe, pois no nosso país existem negociantes que possuem mais
panos, facas, tesouras, espelhos e outras mercadorias do que podes imaginar e
um só deles compra todo o pau-brasil com que muitos navios voltam
carregados. – Ah! Retrucou o selvagem, tu me contas maravilhas,
acrescentando depois de bem compreender o que eu lhe dissera: Mas esse
homem tão rico de que me falas não morre? – Sim, disse eu, morre como os
outros.
Mas os selvagens são grandes discursadores e costumam ir em
qualquer assunto até o fim, por isso perguntou-me de novo: e quando morrem
para quem fica o que deixam? – Para seus filhos se os têm, respondi; na falta
destes para os irmãos ou parentes próximos. – Na verdade, continuou o
velho, que como vereis, não era nenhum tolo, agora vejo que vós outros
maíris sois grandes loucos, pois atravessais o mar e sofreis grandes
incômodos, como dizeis quando aqui chegais, e trabalhais tanto para
amontoar riquezas para vossos filhos ou para aqueles que vous sobrevivem!
Não será a terra que vos nutriu suficente para alimentá-los também? Temos
pais, mães e filhos a quem amamos; mas estamos certos de que depois da
nossa morte a terra que nos nutriu também os nutrirá, por isso descansamos
sem maiores cuidados (Léry, 1960:151-61 apud, Ribeiro, 1995).”
26
Posteriormente às primeiras incursões e a fase inicial do “escambo” a madeira se
esgotou e Portugal devia tomar providencias para garantir a possessão das terras já que
o território com uma imensa costa já conhecida dos franceses e holandeses era
vulnerável a qualquer ataque, ficando a soberania da metrópole sobre as novas terras
brasileiras ameaçada. Assim a coroa portuguesa optou por uma nova forma de
colonização e povoamento do território brasileiro que consolidasse a sua presença de
forma mais segura.
Como não havia atrativos mais concretos como o ouro e pedras preciosas
inicialmente como nas recentes colônias espanholas, o processo de colonização das
terras brasileiras encontrava sérios obstáculos: ninguém se interessava por vir ao Brasil.
“Além de ser uma aventura perigosa, não havia atrativos que apontassem para o êxito
econômico deste projeto. Mas prontamente apresentou-se uma nova perspectiva: a
qualidade de grande parte do solo litorâneo e o clima que se apresentavam como
promissores para o plantio de um produto milagroso, a cana de açúcar”, (Germani,
2004), produzida desde os meados do século XV na Sicília, nas Ilhas da Madeira e Cabo
Verde e que tinha até este momento, alto valor comercial na Europa.
1.3- O início da ocupação portuguesa, as capitanias hereditárias
Quando se criou o sistema de capitanias hereditárias e se doaram enormes
parcelas de terra a um só donatário, dotado de enormes poderes iniciava-se um processo
histórico de concentração de terras (latifúndio), de especialização em um só produto
(monocultura), de mandonismo do proprietário (um Estado independente). No decorrer
dos séculos posteriores acentuaram-se essas características, culminando, para muitos
historiadores, com o coronelismo, (Leal, 1975; Faoro, 2001 & Guimarães, 1977)
dominante no período da Republica Velha (1889 – 1930), com o aprofundamento dessas
características durante a Ditadura Militar (1964 – 1985) e pela manutenção deste
modelo até os dias atuais.
27
Apesar do esforço da coroa em contatar interessados que se dispusessem a
colonizar e ocupar o Brasil poucas pessoas se interessaram: “apesar da concessão de
terras e poderes quase que reais apenas 12 pessoas se apresentaram”. (Germani, 2004).
O sistema adotado pela coroa portuguesa foi o de capitanias hereditárias, sistema
este que já era utilizado nas Ilhas de Madeira e Cabo Verde. O território brasileiro foi
dividido então em 12 grandes setores lineares (Ilhéus entre elas) que variavam entre 30
e 100 léguas5 com o limite de extensão na linha imaginária do Tratado de Tordesilhas.
Algumas delas alcançaram êxito, como as de
Pernambuco e de São Vicente. Outras fracassaram
desastrosamente, por vezes da forma mais trágica, como a de
Pereira Coutinho, em Ilhéus, que acabou devorado pelos índios.
Lopes de Souza desinteressou‐se totalmente e nem tomou posse
da concessão que recebeu. Quase todas deixaram novos
povoadores europeus, organizados em bases completamente
novas, nas quais o índio já não era um parente, mas mão‐de‐obra
recrutável como escrava. O sistema de donatarias foi implantado
mais vigorosamente por Martim Afonso, trazendo as primeiras
cabeças de gado e as primeiras mudas de cana. Não há registro
5
Uma légua de terra corresponde a 5.572 Mts. lineares.
28
de que tenha trazido negros africanos e os deixado aqui. Mas,
como os portugueses viviam cercados de escravos já em Lisboa,
é até improvável que ele e seus capitães não tenham vindo
acompanhados dos seus serviçais. Pero Lopes registra nestas
palavras a obra de Martim Afonso: "A todos nós pareceu tam
bem esta terra, que o capitam Martim Afonso determinou de a
povoar, e deu a todolos homês terras para fazerem fazendas: e
fez hua villa na ilha de Sam Vicente e outra 9 leguas dentro pelo
sartam, á borda d'hum rio que se chama Piratininga: e repartiu a
gente nestas 2 villas e fez nellas offciaes: e poz tudo em boa
obra de justiça, de que a gente toda tomou muita consolaçam,
com verem povoar villas e ter leis e sacreficios e celebrar
matrimonios e viverem em comunicaçam das artes; e ser cada
um senhor do seu: e vestir as enjurias particulares; e ter todos os
outros bens da vida sigura e conversavel (apud Marchant
1943:68)." O donatário era um grao‐senhor investido de poderes
feudais pelo rei para governar sua gleba de trinta léguas de cara.
Com o poder político de fundar vilas, conceder sesmarias,
licenciar artesãos e comerciantes, e o poder econômico de
explorar diretamente ou através de intermediários suas terras e
até com o direito de impor a pena capital. (Ribeiro, 1995; p.87)
Os donatários tinham o papel de implantar moendas e engenhos e a eles foram
dados poderes soberanos, sendo possível afirmar que o sistema como um todo fracassou
e pelo que se conhece apenas as capitanias de São Vicente e Pernambuco prosperam.
Entre os motivos é possível sublinhar a hostilidade dos indígenas; a distância
com a metrópole; o desinteresse dos donatários; a falta de recursos; a grande extensão
dos lotes e uma estrutura que coordenasse o gerenciamento da empresa.
As donatárias, distribuídas a grandes senhores, agregados
ao trono e com fortunas próprias para coloniza‐las, constituíram
verdadeiras províncias. Eram imensos quinhões com dezenas de
léguas encrestadas sobre o mar e penetrando terra adentro até
onde topassem com a linha das Tordesilhas. (Ribeiro,1995;
p.87)
Como se vê, nem a coroa portuguesa nem os donatários possuíam recursos para
um investimento tão arriscado. Então, a solução estaria em recorrer ao capital
internacional. Disto resultou que durante muitos anos os donos do dinheiro – os
holandeses (Companhia das Índias) e ingleses - que sequencialmente passaram a
controlar a distribuição e a circulação dos produtos e os portugueses que se fixaram
basicamente na produção. Começava-se aí, a decisão do capital mercantil de financiar a
produção colonial e, mais tarde, de realizá-la no mercado mundial. Para Ohlwiler (1996,
p. 17-18), trata-se de um advento novo para o processo expansionista comercial
29
europeu, que cumpre a partir deste momento um papel de primeira magnitude como
instrumento de acumulação primitiva do capital que antecedeu ao advento do
capitalismo industrial.
1.4- A concentração de terras pelo sistema jurídico das sesmarias
As sesmarias foram o sistema jurídico adotado pela coroa portuguesa no sentido
de distribuir terras e aumentar a produtividade na colônia. Este sistema já era adotado
no recém-formado Estado Português durante o século XIV, a chamada “Lei da sesmas”,
no sentido de organizar a produção de alimentos e combater a crise agrícola e
econômica que assolava o país e a Europa durante este período.
Quando a conquista do território brasileiro se efetivou a partir de 1530, Portugal
decidiu implantar a mesma forma de organização e distribuição de terras. Inicialmente
com a chegada dos capitães donatários que tinham ordens da coroa para repartir a terra
“com qualquer pessoa de qualidade que fossem cristãos.” As ordens determinavam que
fosse feito livremente, sem foro nem direito salvo o dízimo de Deus pago a Ordem de
Cristo. Furtado (1989), explica que “o sistema de sesmarias na colônia concorrera para
que a propriedade da terra, antes monopólio real, passasse às mãos de um número
limitado de indivíduos que tinham acesso aos favores reais.” Já Faoro (2001) explica
que:
A sociedade no período do açúcar era marcada pela grande
diferenciação social. No topo da sociedade, com poderes
políticos e econômicos, estavam os senhores de engenho.
Abaixo, aparecia uma camada média formada por trabalhadores
livres e funcionários públicos. E na base da sociedade estavam
os escravos de origem africana. Era uma sociedade patriarcal,
pois o senhor de engenho exercia um grande poder social. As
mulheres tinham poucos poderes e nenhuma participação
política, deviam apenas cuidar do lar e dos filhos. A casa-grande
era a residência da família do senhor de engenho. Nela
moravam, além da família, alguns agregados. O conforto da
casa-grande contrastava com a miséria e péssimas condições de
higiene das senzalas (habitações dos escravos) (p. 134).
As primeiras concessões de terra se concretizaram, em 1531, com Martin Afonso
de Souza, primeiro Governador Geral e Capitão Mor das terras do Brasil. Foi ele
30
também que estabeleceu o primeiro engenho de cana de açúcar, na vila de São Vicente.
Daí por diante estavam traçadas as bases de uma nova política econômica que se
apoiava em duas instituições – a sesmaria e o engenho – que com o regime de
escravatura se constituíram nos pilares da antiga sociedade colonial. (Germani, 2004;
p.122)
Martin Afonso, quando das primeiras doações, o fez em
caráter perpetuo contrariando o texto régio que dizia ser a
doação apenas vitalícia. O sesmeiro podia dispor da terra
livremente, em contrapartida se empunhava o prazo de cinco
anos para tirar proveito da terra, sob o risco de multa e confisco.
(Prado Junior, 1978).
As sesmarias que se transformaram em engenhos foram algo mais que uma
simples implantação industrial, eram unidades produtoras e forte e tinham por sua vez o
apoio da Coroa, ao contrário das que não tinham produtividade. Neste espaço havia uma
constelação de atividades e pessoas comprometidas com o mesmo objetivo a produção
de açúcar e seu derivado, o aguardente. Havia também a casa grande – onde viviam o
proprietário e a família – as senzalas – onde viviam os negros escravizados – e espaços
destinados a outras atividades complementares.
Caracterizadas, inicialmente, pela imensidão das glebas e imprecisão dos seus
limites, as sesmarias no Brasil tinham em geral grandes extensões, tanto pela
abundância das terras, quanto pela necessidade de cultivo da cana de açúcar. Apesar da
desigualdade na distribuição, as menores eram de dimensões imensas, que estavam
longe da possibilidade de aproveitamento baseada na capacidade de utilização de cada
colonizador e sua família, como estava previsto nas leis. Iam além do que homem de
força pudesse cultivar. (Guimarães, 1977). Desta forma se introduz no País a grande
propriedade territorial.
O sistema de capitanias, instalados em 1534 sofreu
grandes alterações, em 1548, com a criação do Governo Geral.
Em 1548, diante do fracasso da maioria da maior parte dos
donatários, se criou o governo geral que, ainda que respeitasse
os direitos dos donatários das capitanias exerceu sobre eles uma
supervisão. Com o passar do tempo os poderes e jurisdição dos
donatários foram cada vez mais restringidos e absorvidos pelos
governadores gerais até desaparecerem completamente, tendo a
Coroa resgatado, por compra, os direitos hereditários que
gozavam (Germani, 2004; p.122).
31
Ainda a respeito da dimensão da propriedade tinha-se a recomendação: “não se
dar a cada pessoa mais terra que aquela que boamente, segundo suas possibilidades, vos
pareça que poderá aproveitá-las”. (Carta Régia, 16 apud,Germani, 2004). Mais tarde
sobre essa recomendação agregaram-se outras com o propósito de estabelecer uma
menor dimensão das sesmarias.
O trabalho de Germani, (1977) sobre a concentração de terras no Brasil relata a
Carta Régia de 27 de dezembro de 1695, que determinava que “não concedesse a cada
morador da sesmaria mais que quatro léguas de extensão e uma de largura”. Em 1698,
outra Carta Régia fixava o limite máximo em duas léguas. A provisão de 1753
determinou, finalmente, que não fossem concedidas sesmarias a quem anteriormente já
tivesse recebido terras. O que se observa é que se promulgou uma variedade conflitiva
de legislação subsidiária sobre concessões de terras, cartas régias, alvarás, avisos,
disposições, ordens, provisões, cuja intenção era corrigir erros e situações criadas pelo
descumprimento de atos anteriores.
No tocante ao tipo de proprietários das sesmarias, a intenção da Coroa não era
que a terra fosse distribuída a qualquer um, mas a qualquer um que fosse da nobreza,
“os homens de bem”, ou por possuir dinheiro “os homens de posse”. Avaliando o
caráter classista que presidia os donatários, Felisberto Freire (apud Germani, 2004)
observa que para a Bahia e Pernambuco iam os proprietários que viviam na capital, no
gozo da Corte, deixando que os agregados e escravos trabalhassem na terra enquanto
eles se beneficiavam da renda agrária. No Rio de Janeiro, São Paulo e Espírito Santo,
principalmente no século XVI, era o próprio dono da sesmaria quem, ao lado do
escravo, realizava o trabalho agrícola.
Ainda segundo Felisberto Freire apud Germani, (2004) existe uma outra
diferença importante quanto ao tamanho da propriedade: as do Sul não excediam mais
que três léguas enquanto as concessões do Norte tinham uma maior extensão territorial.
No Norte havia concessões de 20, 50 ou mais léguas. Cita como exemplo as concessões
de Garcia D´Ávila e seus parentes que se estendiam da Bahia até o Piauí em uma
extensão de 200 léguas. Neste sentido Faoro (2001), comenta que
A aliança do poder aristocrático da Coroa com as elites
agrárias locais permitiu construir um modelo de Estado que
defenderia sempre, mesmo depois da independência, os intentos
de segmentos sociais donos da propriedade e dos meios de
produção. São dessas constatações que se pode auferir a
32
confluência paradoxal; de um lado, da herança colonial
burocrática e patrimonialista; de outro, de uma estrutura
socioeconômica que serviu e sempre foi utilizada não em função
de toda a sociedade ou da maioria de sua população, mas no
interesse exclusivo dos donos do poder (p. 205).
As doações de terras para o estabelecimento de engenhos só diminuíram no
século XVIII quando a produção de açúcar entrou em crise e começou a corrida ao ouro.
Faoro (2001, faz uma análise quanto aos aspectos da colônia e metrópole evidenciando
o sistema de apropriação de terras. Para ele, na segunda metade do século XVIII o país
assiste à passagem de um sistema econômico colonial de produção do açúcar, no
Nordeste, para um sistema de mineração do ouro e do diamante no Centro, e para um
crescente enrijecimento do controle da administração colonial sobre a pujante, mas
efêmera economia de mineração. (p. 259)
Faoro (2001), explica que :
O sistema das sesmarias deixou, depois de extinto, a
herança: o proprietário com sobras de terras, que nem as cultiva,
nem permite que outro as explore. Os lavradores, meeiros e
moradores de favor são duas sobras que a grande propriedade
projeta, vinculados à agricultura de subsistência, arredados da
lavoura que exporta e que lucra (p. 140).
Ainda segundo Germani (2004), a mineração então absorveu a maior parte da
mão de obra escrava, provocando o abandono dos engenhos
1.5- O escravismo indígena
O escravismo que estava quase extinto na Europa desde o declínio do Império
Romano ganha uma nova amplitude na colonização do Brasil a partir dos séculos XV e
XVI com a chegada dos povos “civilizados”. Entrava agora, não da forma clássica vista
na Grécia Antiga e em Roma, mas de forma adaptada ao novo modo de produção
capitalista.
Não dispondo de mão de obra suficiente para o cultivo da cana de açúcar, a
ocupação e produção nas terras brasileiras, já que nem os colonos europeus nem os
portugueses imigravam para trabalhar nos trópicos, recorreram então os portugueses a
mão de obra escrava de índios e negros africanos.
33
Os indígenas, que serviram como colaboradores nos primeiros momentos, já não
aceitavam insignificantes objetos em troca do seu trabalho, nem se adaptavam às novas
condições impostas pelo engenho. De primitivo ocupante passou a ter sua liberdade e
suas terras usurpadas, como perspectiva de vida tinha o cativeiro ou a fuga em direção
ao interior.
Prado Junior (1978) afirma que a escravidão indígena generalizou-se e se
instituiu em todos os lugares antes mesmo de completar 30 anos da ocupação efetiva e
do estabelecimento da agricultura. Em 1570 foi regulamentado pela Carta Régia que
estabelecia o direito da escravidão dos Índios.
A escravidão indígena predominou ao longo de todo o
primeiro século. Só no século xvii a escravidão negra viria a
sobrepuja‐la, conforme assinala Brandão. "[.] em algumas
capitanias há mais deles que dos naturais da terra, e todos os
homens que nela vivem tem metida quase toda sua fazenda em
semelhante mercadoria (Brandão 1968:115 apud, Ribeiro; p.
98).
Ainda assim, subsistiu-se nas áreas pioneiras como
estoque de escravos baratos utilizáveis para funções auxiliares.
Nenhum colono pôs jamais em dúvida a utilidade da
mao‐de‐obra indígena, embora preferisse a escravatura negra
para a produção mercantil de exportação. O índio era tido ao
contrario, como um trabalhador ideal para transportar cargas ou
pessoas por terras e por águas, para o cultivo de gêneros e o
preparo de alimento, para a caça e a pesca. Seu papel foi
também preponderante nas guerras aos outros índios e aos
negros quilombolas (Ribeiro, 1995; p.99).
Guimarães (1981) salienta que, se de um lado, o indígena era caçado para servir
como escravo, por outro lado, a implantação das sesmarias e dos engenhos necessitava
de suas terras. Assim o latifúndio no Brasil nasceu e se desenvolveu “sob o signo da
violência contra populações nativas, cujo direito congênito à propriedade da terra nunca
foi respeitado e muito menos exercido”. (p.116)
A partir da carta régia de 1570, em que D. Sebatião
autorizava o apresamento de índios em guerras justas, a uma lei
de alforria se seguia outra, autorizando o cativeiro através de
procedimentos paralegais como os leilões oficiais para venda de
índios, as taxas cobradas por índio vendido como escravo, as
ordens reais para preia e venda de lotes de índios para custear
obras públicas e até para construir igrejas, como ocorreu com a
catedral de São Luís do Maranhão. A rigor, apesar da
34
copiosíssima legislação garantidora da liberdade dos índios, se
pode afirmar que o único requisito indispensável para que o
índio fosse escravizado era ser, ainda, um índio livre. Mesmo os
já incorporados à vida colonial ‐ como ocorreu com os
recolhidos às missões ‐ inúmeras vezes foram assaltados e
acossados. Isso foi o que sucedeu, por exemplo, quando Mem de
Sá autorizou uma guerra de vingança para escravizar os índios
Caeté por haverem comido o bispo Fernandes Sardinha (Ribeiro,
1995; p.99).
Outras várias regulamentações, leis e alvarás sucederam-se e pela primeira vez,
reconhecia-se aos indígenas o direito à propriedade das terras como “primeiros e
naturais senhores delas”. Por certo, as mudanças de leis e alvarás não significaram
modificações concretas relacionadas a esta questão. A escravidão do índio só foi abolida
na segunda metade do século XIII, durante o governo do Marquês de Pombal. Convém
ressaltar que no melhor dos casos, foi abolida legalmente, porque na prática continuou
ocorrendo, principalmente nas regiões mais pobres, onde o colonizador não podia pagar
os preços elevados dos escravos africanos. Assim desde o primeiro momento passou a
ser um bom negócio incentivar as guerras entre as tribos para fazer prisioneiros e
negociá-los com os colonizadores, depois da violenta e tenaz caça aos índios, realizada
através das entradas6 e expedições organizadas para perseguir e aprisionar os indígenas.
Um problema que se estende até os dias de hoje com os problemas de
demarcação de suas terras ainda por resolver dois casos são importantes destacar: a
construção da barragem de Belo Monte na Bacia do Rio Xingu no Estado do Pará que
deve expulsar populações inteiras de índios como os Kararaô, Kaiapós, Krenaks,
Terenas entre outros e mais as populações ribeirinhas de suas terras.
Outro caso intrigante é dos Guaranís-Kaiowa no Mato Grosso do Sul: por conta
do processo de colonização agrária, o Estado deu títulos de propriedades a fazendeiros
em terras tradicionalmente ocupadas por índios. O resultado foi uma sequência de
suicídio entre os Guaranís-Kaiowa que vem se repetindo há décadas, por conta da
tensão elevada entre Índios e fazendeiros e da demora na demarcação e reconhecimento
de suas terras.
6
Entradas e expedições: formas como as quais os colonizadores organizados em grupos
fortemente armados partiam em direção a floresta para capturar e aprisionar os índios e em seguida
transforma-los em escravos.
35
1.5.1- A escravidão do Negro Africano
O processo de escravidão africana durante o período colonial é consequência da
necessidade de força de trabalho para servir em todo o sistema implantado na colônia:
primeiro nos engenhos, depois nas minas de ouro e mais tarde nas fazendas de algodão
e café, portanto tudo que se produziu neste período teve a marca do suor e do sangue do
povo negro. (Gorender,1978; & Germani, 2004).
Uma advertência necessária é a de que a escravidão não começa oficialmente
com a chegada dos primeiros escravos no Brasil, mas que os portugueses já tinham
experiências com o tráfico desde o século XV, através da compra, troca ou captura, na
costa atlântica da África e os levavam ao reino europeu ou as suas colônias nas Ilhas de
Madeira e Cabo Verde. Mesmo assim, para Gorender (1978):
O modo de produção resultante da conquista – o
escravismo colonial – não pode ser considerado uma síntese dos
modos de produção preexistentes em Portugal e no Brasil. Ao
tempo em que se iniciou a colonização do Brasil, empregavamse escravos na economia portuguesa, mas este emprego tinha
caráter subsidiário, complementar. Refiro-me aqui, está claro, ao
Portugal continental e não às Ilhas atlânticas, uma vez que estas,
à semelhança do Brasil, entram no conceito de conquista e
colonização. No Portugal continental, o emprego de escravos
teve, sem dúvida, a significação de um sintoma relevante da
conjuntura por que transitava o país, sem que indicasse a
tendência fundamental de desenvolvimento da formação social
portuguesa. Apesar do retardamento multissecular que lhe
imporiam as relações e produção feudais, enrijecidas pela
própria expansão ultramarina, essa tendência era a da
transformação capitalista. Quanto aos indígenas brasileiros,
nenhuma evidência ocorre que se encontrassem sequer em
evolução no sentido do escravismo (p.40)
Outra importante advertência é essa de que a escravidão africana não começa
com a chegada dos europeus, (principalmente ingleses, franceses, holandeses, espanhóis
e portugueses) mas que esses só fizeram aumentar um sistema pré-existente. Os reinos
africanos que já lucravam com a venda de seus cidadãos ou inimigos vizinhos como
escravo para os árabes, só fizeram aumentar os seus lucros com a demanda de mão de
obra escrava para os europeus (Ribeiro, p.161 168a).
36
Apresado aos quinze anos em sua terra, como se fosse
uma caça apanhada numa armadilha, ele era arrastado pelo
pombeiro ‐ mercador africano de escravos ‐ para a praia, onde
seria resgatado em troca de tabaco, aguardente e bugigangas.
Dali partiam em comboios, pescoço atado a pescoço com outros
negros, numa corda puxada até o porto e o tumbeiro. Metido no
navio, era deitado no meio de cem outros para ocupar, por meios
e meio, o exíguo espaço do seu tamanho, mal comendo, mal
cagando ali mesmo, no meio da fedentina mais hedionda.
Escapando vivo à travessia, caía no outro mercado, no lado de
cá, onde era examinado como um cavalo magro. Avaliado pelos
dentes, pela grossura dos tornozelos e dos punhos, era
arrematado. Outro comboio, agora de correntes, o levava à terra
adentro, ao senhor das minas ou dos açúcares, para viver o
destino que lhe havia prescrito a civilização: trabalhar dezoito
horas por dia, todos os dias do ano. No domingo, podia cultivar
uma rocinha, devorar faminto a parca e porca ração de bicho
com que restaurava sua capacidade de trabalho no dia seguinte
até a exaustão (Ribeiro, 1995; p.119).
Os africanos monopolizavam praticamente todo o sistema escravista dentro da
África. A tarefa de capturar escravos e levá-los ao litoral era feita pelos próprios
africanos a mando da nobreza africana que enriquecia seus reinos com esse comércio
macabro. O rei africano Osei Kuame do império Ashanti, era conhecido por viver em
palácios luxuosos construídos graças aos lucros que obtinha com a venda de escravos.
(Germani, 2004).
1.6- A concentração de terras na fase inicial da República
O sistema político, econômico e social brasileiro nascente se desenvolveria
numa perspectiva nostálgica do colonialismo editando sequencialmente leis e medidas
no sentido de evitar o acesso e uso das terras disponíveis por outros (negros e pobres)
que não os membros da elite econômica e política da época.
No caso da aquisição de terras, segundo Oliveira (2002), essas só poderiam ser
feitas mediante compra ao Estado e por conta dessas medidas, continuaram sem terra os
ex-escravos e pobres, mesmo com as grandes quantidades de terras disponíveis entre o
final do século XIX e início do século XX, ainda que essas terras não fossem das
melhores:
Com a independência e com o fim da escravidão trataram
os governantes do país de abrir a possibilidade de, através da
37
“posse”, legalizar grandes extensões de terras. Com a Lei de
Terras de 1850, entretanto, o acesso à terra só passou a ser
possível através da compra/venda com pagamento em dinheiro,
o que limitava, ou mesmo praticamente impedia, o acesso à terra
dos escravos que foram sendo libertos (Oliveira, 2002, p.5).
A abundância de terras entre o final do século XIX e início do século XX não se
constituía necessariamente numa política de reforma agrária e de distribuição de terras
por parte do governo. A Lei de Terras passa a dispor sobre as terras devolutas no
Império do Brasil, e sobre os bens possuídos por títulos de sesmarias sem cumprir
condições legais. Para Germani, (2004) essa lei veio para mudar, significativamente o
sistema de propriedade de terras, quando no seu artigo 1º. declara que “ficam proibidas
as aquisições de terras devolutas por outro título que não sejam o da compra”. (p.134) Já
para Graziano (2004), a chamada Lei de Terras “tem importância crucial na história
brasileira na medida em que, através dela, se institui, juridicamente, uma nova forma de
propriedade da terra que é medida pelo mercado, o que impede, ou pelo menos dificulta
por uma via mais democrática o acesso a terra de vastos setores da população”. Ainda
segundo Germaini, se para o trabalhador livre, para o mestiço, esta lei significou o
“cativeiro” da terra, para o capital significou sua liberdade. A terra já não estava livre
para ser ocupada como no regime anterior, ou em processos de possessões comuns entre
pobres que se verificou de maneira mais recorrente no Sul e no Centro Sul, mas livre
para ser transformada em mercadoria e ser adquirida pelos que tivessem condições para
isso.
Furtado (1989, p. 120) explica que “embora a terra fosse o fator mais abundante,
sua propriedade estava altamente concentrada” já naquela época. Esse autor afirma
ainda que, no caso específico do Nordeste, “as terras de utilização agrícolas mais fáceis
já estavam todas ocupadas praticamente em sua totalidade, à época da abolição”.
No final do século XIX acontece no Brasil o golpe contra a monarquia em 1889
que deu início a chamada “primeira república”, ou “republica velha” que se estendeu até
as primeiras décadas do século XX. Para Germani, (2004, 138), esse golpe não foi
somente um golpe contra a monarquia, mas também e principalmente contra a nova
facção próspera da classe dos fazendeiros de café, que desde os últimos anos do império
vinham assumindo cada vez mais importância no governo.
No novo regime é aprovada a primeira constituição do Brasil em 1892, mas a
propriedade da terra continua sem mantida em sua plenitude. A partir desta data os
38
Estados foram adaptando em sua legislação os princípios da Lei de Terras e do seu
regulamento. Assim cada Estado desenvolveu sua política de concessões de terras,
legislando segundo sua conveniência no que se refere à destinação de terras devolutas,
revalidação das sesmarias e legitimação das ocupações. (Germani, 2004). Assim foram
feitas transferências a grandes fazendeiros e empresas colonizadoras interessadas por
sua vez na especulação imobiliária. Mais tarde acontece a aprovação do código civil, em
1916, que estabelece a via judicial para a discriminação das terras, não permitindo a
revalidação das sesmarias nem a revalidação das posses.
No código civil de 1916 a legalização das terras que não tivessem sido
regularizadas pela Lei de Terras somente poderia fazer por usucapião, ou seja, pela
posse efetiva por 10 anos ou mais de forma contínua e pacífica, em uma área de 10
hectares. Já na constituição de 1946, o prazo segue de 10 anos, mas o limite da área
passa a ser de 25 hectares, mais tarde em 1981 o prazo é diminuído para 5 anos.
1.7- O golpe militar e a manutenção do modelo de concentração
fundiária
O golpe militar de 1964 foi, sem dúvida, mais uma das investidas da classe
dirigente conservadora e serviu, entre outras coisas, para preservar os processos de
concentração da terra, mantendo o modelo agrário-exportador e firmando a rejeição a
qualquer possibilidade de reforma agrária em todo o território brasileiro. Durante o
período que se seguiu à ditadura militar, as bases capitalistas implantadas na última
metade do século XX e ainda seguindo o modelo de “latifúndio concentrador” no
campo, foram mantidas e as reivindicações por reforma agrária e outras liberdades
individuais sufocadas. (Ribeiro, 2003). A tentativa realizada em 1964, pelo então
presidente João Goulart de retirar da legislação a necessidade de pagamento prévio e em
dinheiro advindas da Lei de Terras, é considerada como uma das causas da sua
destituição do poder. (Germani, 2004).
O golpe militar de 1964 abafa de uma vez as possibilidades de democratização
da terra advindas da era Juscelino-Goulart e, consequentemente, todas as possibilidades
de reforma agrária para o campo.
Com relação aos discursos golpistas de acabar com a corrupção, com a inflação
e com a subversão, o que se vê é a manutenção do modelo encontrado numa fase
39
embrionária do século XX, principalmente de 1955 a 1964. “As bases do regime seriam
então, ao contrário do que eles diziam, completamente antidemocrática, antirreformista
e pró-americana. As prisões começam no dia seguinte ao golpe e ao final do ano de
1964 havia cerca de 50.000 presos políticos em todo o país” (Ribeiro, 2003, p.23).
Se a agricultura brasileira, desde a época colonial, não cumpria o papel de
alimentar a população, após 1964 piorou ainda mais. Sheenberger (2003) afirma que a
agricultura brasileira simplesmente não produzia calorias e proteínas suficientes para
garantir uma vida saudável, mesmo se a produção agrícola fosse distribuída
igualitariamente entre a população.
Para Sheenberger (ibid) além do papel agroexportador, os governos militares
atribuíram uma tarefa suplementar a agricultura brasileira que foi a de produzir – álcool
– para a indústria automobilística (PROALCOOL) e mais a industrialização acelerada
passou a exigir matéria-prima em níveis superiores às épocas anteriores como o algodão
e a soja.
Assim o desestímulo a produção de alimentos, ao longo do regime militar (1964
– 1985) e as pressões dos interesses externos sobre a agricultura brasileira se
materializaram de maneira dramática na subnutrição da população tanto urbana quanto a
rural. Ainda para esse autor “desde o período colonial, alimentar a população brasileira
jamais foi tarefa prioritária da agricultura brasileira, como podemos observar nas
características intrínsecas de cada ciclo. Sendo mais importantes as divisas que cada
ciclo desses gerou para atender a coroa portuguesa”. Neste contexto, sucederam-se
desde a fase inicial da colônia até os nossos dias, os conhecidos ciclos econômicos
como o do pau-brasil e o da cana-de-açúcar, mineração, o do gado e do couro, da
borracha, algodão, do café e no Sul da Bahia o cacau este último principalmente do final
da década de 1970 até o final da década de 1980.
No intuito de acalmar os movimentos campesinos que se multiplicavam no
Governo João Goulart na época, foi aprovado o “Estatuto da Terra”, em novembro
1964, que teoricamente foi considerado um avanço (mesmo para os movimentos sociais
da época), pois considerava que a terra tinha função social; e a classificava em quatro
categorias: (latifúndios por extensão, por exploração, minifúndio e empresa rural);
criava o ITR (Imposto Territorial Rural); criava um órgão para cuidar da reforma
agrária, o INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), que ainda
40
existe, e autorizava a desapropriação das terras improdutivas em conflito (terras não
cultivadas), o que ainda hoje é uma questão polêmica.
Na constituição de 1988, depois de 20 anos de ditadura militar, produziu-se para
alguns autores um retrocesso em relação ao Estatuto da Terra, impedindo que se
produzisse uma reforma agrária por via pacífica a falta de “vontade política” expressada
nas leis e nas atitudes, só serviu para aumentar e aprofundar a tensão no campo
brasileiro. (Silva, apud Germani; 2004, p.141) Ainda para esse autor, nem nos últimos
governos “democráticos”, nem o governo de Luiz Inácio Lula da Silva se conseguiu
estabelecer a reforma agrária como prioridade do governo.
Tabela 1: Estrutura Fundiária Brasil em março de 2009
Grupo de área total (há)
N°. de Estabelecimentos
%
Área (há)
Em %
Área média
(em ha)
Até 10
1.744.540
33,7
8.215.337
1,4
4,7
De 10 a 25
1.316.237
25,4
21.345.232
3,7
16,2
De 25 a 50
814.138
15,7
28.563,707
5,0
35,1
De 50 a 100
578.783
11,2
40.096.597
7,0
69,3
De 100 a 500
563.346
10,09
116.156.530
20,3
206,2
De 500 a 1000
85.305
1,6
59.299.370
10,4
695,1
De 1000 a 2000
40.046
0,8
55.269.002
9,7
1380,1
Mais de 2000
39.250
0,8
242.795.145
42,5
6.185,9
100,0
571.740.919
100,0
110,3
Total
5,181.645
Fonte: Incra Sistema Nacional de Cadastro Rural
É possível observar na tabela acima a continuidade do processo de concentração
de terra no Brasil e mais abaixo quem controla o que em matéria de concentração de
terras e números de trabalhadores.
Tabela 2: O controle das áreas agrícolas no Brasil.
Categorias
Agricultura familiar
Agricultura
familiar
não
No.Estabeleciment
os agropecuário
%
Área
(há)
%
Mão
de
(milhões
pessoas)
obra
de
%
4.367,902
84,0
80,3
24,0
12,3
74,0
807.587
16,0
249,7
76,0
4,2
26,0
Fonte: Censo Agropecuário 2006; Elaboração DIEESE.
Mesmo que a agricultura familiar seja a que possui maior número de
estabelecimentos e maior número de pessoas exercendo algum tipo de atividade nas
41
propriedades rurais, elas são de longe as que detêm a menor quantidade de hectares,
80,0 contra 249,7 das terras agricultáveis do Brasil, ou seja os estabelecimentos
considerados com o perfil de agricultura familiar somam 4.367,902 e detêm apenas
24,0% do território ocupado no campo brasileiro. Os outros 16,0% dos estabelecimentos
considerados de agricultura não “familiar”, ou seja, o agronegócio, ficam com 76,0%
das áreas ocupadas.
Outro dado importante destacado neste censo é a geração de emprego no campo.
A agricultura familiar mantém 12,3 milhões de pessoas ocupadas no campo, o que
corresponde a 74,4% de todos os empregos gerados na área rural. Já o agronegócio
emprega bem menos, 4,2 milhões de pessoas ocupadas, ou seja, apenas 25,3% dos
empregos no campo. O que significa dizer que 7 em cada 10 empregos são gerados pela
agricultura familiar.
Mais ainda nas observações feitas pelo censo agropecuário de 2006 consta que a
média dos estabelecimentos familiares era de 18,37 hectares enquanto que o
estabelecimentos considerados não familiares possuem em média 309,18 hectares, ou
seja, 17 vezes maior. (Censo Agropecuário 2006).
Assim e como se vê ao longo desta discussão, mesmo se o Brasil sempre houve
a capacidade exportadora em abundância de produtos agrícolas estratégicos como o
café, a cana-de-açúcar, a borracha e agora mais especificamente a soja entre outros
produtos agrícolas. A continuidade dessas escolhas políticas fez com que ao longo da
história colonial e republicana, populações inteiras de agricultores familiares,
ribeirinhos, quilombolas, sertanejos, indígenas entre outros ficassem à margem do
desenvolvimento da nação, tanto no que concerne às políticas agrícolas no que diz
respeito ao crédito e a estruturação técnicas dessas propriedades, quanto das políticas
agrárias no que diz respeito a quantidade e disponibilidade de terras para essas
populações, como também das políticas educacionais para o campo brasileiro fazendo
com que esses povos ficassem esquecidos e vulneráveis do ponto de vista agrícola,
agrário e educacional no mundo rural.
42
1.8- A exclusão e a concentração fundiária na região do cacau
De forma mais particularizada, a produção do cacau no sul da Bahia segue os
mesmos princípios norteadores dos outros ciclos econômicos brasileiros, a concentração
de terras e a base para exportação.
A concentração de terras advém já dos sistemas de capitanias hereditárias, sendo
Ilhéus um dos 12 lotes que foram distribuídos no período da colonização, tendo sido a
Capitania de São Jorge dos Ilhéus doada por carta régia, a Jorge Figueiredo Correia por
D. João III em 25 de abril de 1554. Durante o período colonial atividade econômica
mais importante era a produção de cana-de-açúcar.
O cacau seria implantado, pelo que se conhece, entre os períodos de 1818 a 1824
por 28 famílias imigrantes alemãs que formaram uma colônia as margens do rio Almada
e iniciaram o cultivo do produto como alternativa a crise da lavoura açucareira.
A partir de 1824 o cacau ganha importância no processo de exportação e começa
por consequência o aprofundamento perpetrado da concentração de terras pele elite
agrária que ora se formara ou “os coronéis do cacau”, atirados pela cobiça gerada pelo
alto preço no mercado internacional e pela qualidade das terras ideais para a sua
plantação.
O aprofundamento da concentração das terras na região do cacau se dá de forma
violenta e cruel como aconteceu também em todo o território brasileiro.
Esses processos de concentração das terras se mantêm e ganham força desde a
implantação dessa cultura na região, no final do século XIX e no decorrer de
praticamente todo o século XX. Com isso, a perpetuação das péssimas condições de
vida do homem e da mulher o trabalhadora rural na região do cacau, beira ao regime de
escravidão, situação que se manteve até os dias atuais.
Sobre os sistemas agrários da lavoura cacaueira, Couto (2000) afirma que,
Os sistemas agrários centrados na lavoura cacaueira, seja
ela monocultura ou atividade integrante de sistemas produtivos
mais complexos, formaram-se voltados para o mercado mundial.
Remanescentes do exclusivismo mercantilista, esses sistemas
agroexportadores
já
nasceram
no
contexto
de
internacionalização de capitais primitivos.
43
Quando tocamos nos processos de exclusão dos pequenos agricultores do cacau,
é fundamental apresentar dois elementos: o primeiro seria a relação de assalariamento e
o segundo a expulsão dos pequenos agricultores de suas terras. A relação de
assalariamento não difere muito das relações encontradas nas fazendas de café no Sul
(Oeste de São Paulo, como Limeira, Rio Claro...), e nas fazendas de cana-de-açúcar em
todo o Nordeste. Os assalariados do Nordeste também possuíam pequenas posses de
terra para a cultura de subsistência, geralmente dentro da própria fazenda onde
trabalhavam e recebiam uma remuneração que lhes permitia cobrir gastos monetários
mínimos.
Dentro da economia de subsistência, cada indivíduo ou
unidade familiar deve encarregar-se de produzir alimentos para
o seu próprio consumo. A “roça” é a base da economia de
subsistência. Entretanto o homem e a família da economia de
subsistência não se limitam a viver da sua “roça”, pois estão
sempre ligados a um grupo econômico maior, quase sempre
proprietário de terras (Furtado, 1989; p.120).
Uma das questões a se notar é que o cacau, enquanto cultura agroexportadora
seguiu a mesma ideologia do nacional desenvolvimentismo do início até a metade do
século XX em seus desdobramentos na região, ou seja, a modernização industrial, que
ocorria no centro sul e a exportação a de matéria prima que segundo o pensamento
dirigente da época, seriam as únicas vias capazes de alavancar a nação, no sentido de
acompanhar os Estados Unidos e as recentes potências industriais que se formavam na
Europa.
O alto preço do cacau no mercado internacional, principalmente na última
metade dos anos 1980, e às condições climáticas e ambientais da região para a sua
produção se constituíram em um prato perfeito para atiçar a cobiça dos latifundiários e
aumentar a pressão sobre as pequenas propriedades rurais. A “grilagem 7”, termo
utilizado pelos sindicalistas, que significa a tomada e expulsão de terras dos pequenos
agricultores de forma violenta, se tornaria corriqueira, principalmente com a ajuda das
autoridades locais se constituindo numa forma de poder paralelo.
Nas fazendas de cacau, a relação entre os grandes fazendeiros rurais “os coronéis
do cacau”, e os que possuíam pouca terra ou eram empregados das fazendas se
7
Sujeito contratada por grandes empresas ou por fazendeiros para invadir terras devolutas ou
ocupadas por posseiros.
44
mantinha por meio de diversas formas de alienação e pressão, que iam desde a
agregação do “pião”, por meio de batismos e procedimentos religiosos e culturais, às
parcerias – os meeiros – e até à coação propriamente dita do pequeno agricultor.
Leal (1975) explica que:
O coronelismo é sobretudo um compromisso, uma troca
de proveitos entre o poder público, progressivamente
fortalecido, e a decadente influência social dos chefes locais,
notadamente dos senhores de terras. Não é possível
compreender o fenômeno sem referência à nossa estrutura
agrária, que fornece a base de sustentação das manifestações de
poder privado ainda tão visíveis no interior do Brasil (1995,
p.20).
Ainda no processo de assalariamento é preciso notar os inúmeros episódios
onde, no momento do “acerto das contas” entre empregados e patrões, os empregados
eram levados a lugares longínquos das mesmas fazendas e lá assassinados por
“capatazes” a serviço do fazendeiro.
Neste processo, a economia rural mais tradicional e decadente, com sua
combinação perversa de minifúndio-latifúndio, vai-se esvaziando aos poucos, sendo
substituída pelas grandes lavouras mecanizadas de exportação, pelas grandes extensões
de criação de gado, pela expansão de uma agricultura e pecuária de alta tecnologia e
voltadas ao mercado interno, e assim por diante. Os antigos meeiros e posseiros vão
perdendo suas raízes, imigrando ou transformando-se em bóias-frias ou assalariados das
grandes plantações de cana-de-açúcar e outras agroindústrias (Faoro,200; p283).
Segundo Faoro (2001):
É um processo intenso e violento, acompanhado do
deslocamento forçado da população e por conflitos pela posse da
terra. O que se pode concluir que os problemas brasileiros
dependem hoje muito menos do que ocorre no campo do que o
que ocorre nos centros urbanos. O esvaziamento do campo
permite sua modernização cada vez mais acelerada, a extensão
do sistema previdenciário e da sindicalização do setor rural, e
outras transformações, fazem com que as diferenças entre
campo e cidade no Brasil tendam a se reduzir (p. 284).
A expulsão das terras – comumente conhecida pelo termo “grilagem” – era feita
com base na capacidade de coação dos grandes fazendeiros, (coronéis) seja pela compra
com preço muito abaixo do praticado no mercado, seja por dispor do aparelho estatal
(polícia, juízes, políticos), ou então, numa outra linha de ação, por dispor de força
45
coercitiva própria – os chamados “pistoleiros8”, que se encarregavam, por vezes, do
assassinato de famílias inteiras de pequenos produtores rurais, com o objetivo de se
apossar de suas terras. Essa situação é recorrente em toda a história da ocupação e
concentração de terra na região cacaueira e certamente não difere muito de outros
processos similares existentes no Brasil.
Os “alugados”, os bons de foice e enxada e os bons de
pontaria. Pagos numa tabela alta, os jagunços de tiro certeiro
tinha regalias. As cruzes demarcavam os caminhos do alardeado
progresso da região, os cadáveres estrumavam os cacauais
(Amado, o menino grapiúna, 2010).
De acordo com Brito (2000, p. 40), o Sul da Bahia chegou a ser responsável por
40% da arrecadação do estado. O lucro gerado nesta lavoura foi inegável: refletiu-se em
todo o interior e capital. O desenvolvimento regional, principalmente a partir do final da
década do século XIX, vai criar estímulos e condições de integração da região à
economia. A partir daí o cacau assume a posição de produto gerador de rendas e tornase cultura dominante. O que consequentemente mantém o processo de concentração de
terras advindas das capitanias hereditárias e das sesmarias.
Tabela 3: Região cacaueira: Estrutura Fundiária atual (2013)
Grupo de área total (há)
N de Estabelecimentos
%
Área (há)
%
Mais de 0 a menos de 20 há
2.572
57,32
84.284
7,46
De 20 a menos de 200 ha
7.981
36,38
466.492
41,3
De 200 a menos de 500 há
877
3,99
257.587
22,81
De 500 a menos de 1000 há
201
0,92
131.512
11,64
De 1000 a menos de 2500 há
78
0,36
90.158
7,98
De 2500 há e mais
11
0,05
99.418
8,8
Produtor sem área
212
0,97
0
0
21.932
100
1.129.415
100
Total
Fonte: Censo Agropecuário 2006
Considerando que a agricultura familiar de uma maneira geral na região, as áreas
que tem menos de 20 hectares, a partir dos dados do censo agropecuário, são 2.572
estabelecimentos, correspondentes a 57,32% do total, controlando uma área de
84,264,00 hectares, ou seja, 7,46%. No entanto, as áreas consideradas de agriculturas
não familiares, essas em que estão acima de 200 hectares, somam em seu conjunto
8
Pistoleiros, jagunços e capatazes: homens geralmente armados com espingardas e revolveres,
cujo papel era o de coagir e assassinar qualquer um que desafiasse as ordens dos coronéis do cacau.
46
1.167,00 propriedades controlando uma área total de 578.675,00 hectares, ou seja 51,23
% da área total da região cacaueira.
Pelos dados da para se ver que a diferença é brutal na relação com o controle da
terra na lavoura cacaueira.
Neste sentido e pelo que é possível perceber neste capítulo: é que não é sem
nenhuma lógica que quando os Movimentos Sociais de hoje reivindicam a “reforma
agrária” e a distribuição de terras no Brasil o fazem baseados em dados históricos que
comprovam a expropriação e a continuidade da concentração das terras pela elite agrária
brasileira, e que este fenômeno desempenha um papel decisivo no aumento do êxodo
rural para as média e grandes cidades brasileiras.
Na Bahia e mais particularmente na região do cacau, como é possível perceber
temos os mesmos fatores que se observa no restante do Brasil. Diríamos que na região
do cacau, esse processo – de sistema plantation agroexportador – começa bastante cedo
por volta de 1824 com a chegada dos imigrantes alemães e suíços, em seguida a
importância do cacau na pauta de exportação que força a grilagem e a expropriação de
terras principalmente entre as décadas de 1970 e 1980 e finalmente como é possível se
perceber na tabela 3 acima, que o processo de concentração de terra só tem feito
aumentar durante as últimas décadas, o que contribui para o subdesenvolvimento das
populações rurais locais, principalmente na agricultura familiar como se observa na
maioria dos casos na região.
1.9 - Os debates agraristas e o nacional desenvolvimentismo
Uma compreensão interessante no contexto da visão nacional desenvolvimentista
advinda do final do século XIX e início do século XX, é que neste momento, mesmo os
movimentos considerados de esquerda na época, vão interpretar os problemas agrários
brasileiros como “restos feudais” que deveriam ser superados para que o Brasil entrasse
finalmente no modo de produção capitalista. (Coronel, 1982) Assim se expressavam o
PCB e Alberto Passos Guimarães, mas para Prado Jr. (1969), no entanto “a
concentração fundiária, a exploração dos trabalhadores rurais, o desamparo legal e os
ínfimos níveis de renda eram fenômenos próprios do capitalismo...” Sodré, (1979)
também rechaça esse pensamento para ele:
47
O fato, contudo, é que o Brasil não apresenta nada que
legitimamente se possa conceituar como “restos feudais”. Não
fosse por outro motivo, pelo menos porque para haver “restos”,
haveria por força de preexistir a eles um sistema “feudal” de que
esses restos seriam as sobras remanescentes.
Do ponto de vista dos elementos referentes às reivindicações e lutas pela posse
da terra e pela reforma agrária, e de como ela passa a ser colocada na ordem do dia no
interior das políticas de desenvolvimento no Brasil, uma das contribuições valiosas
sobre o assunto vem de Santos (1998), em seus trabalhos sobre a questão agrária no
Brasil. Sobre suas interpretações dos debates agraristas no Brasil e as querelas, com diz
ele, que envolveram também Francisco Julião e as Ligas Camponesas, 9 esses
Professores avaliam que existem três momentos históricos particulares de luta pela terra
nos chamando debates agraristas no Brasil:
 Um primeiro debate agrarista aconteceu em torno de 1940 e 1950 com
rescaldo ainda na década de 1960 e envolveria o movimento das Ligas
Camponesas e Francisco Julião. As Ligas Camponesas nasceram em
1955, no Estado de Pernambuco (Nordeste) onde as condições de vida
da população camponesa eram de extrema pobreza e o avanço do cultivo
da cana-de-açúcar provocava a expulsão do homem do campo. Esse
movimento encontra na figura do advogado Francisco Julião o apoio na
luta pelos direitos trabalhistas e pela reforma agrária em seguida e como
resultado deste primeiro momento esse movimento que ficou conhecido
como Ligas Camponesas que se espalha por boa parte do território
nacional, visto que a população rural brasileira vivia nas mesmas
condições destas vividas pelos trabalhadores rurais e pequenos
camponeses de Pernambuco.
 O segundo debate agrarista estaria por volta dos anos 70 com o
surgimento da CPT (Comissão Pastoral da Terra) e a atuação mais
positiva da Igreja Católica em relação aos conflitos agrários,
principalmente a partir do advento da Teologia da Libertação, onde a
9
PESSOA, Jandir de Morais. O B-A, BÁ do Brasil: Caminhos e descaminhos da educação no
meio rural, ver referência 2004. Termo utilizado pelo autor, numa alusão aos debates sobre a questão
agrária e a luta pela posse e utilização da terra.
48
Igreja Católica brasileira e sequencialmente a latino americana assumem
a opção em defesa dos “despossuídos”. Neste caso em particular, a
ênfase era posta no apoio aos sindicatos rurais e nos movimentos de luta
pela terra, e daí mesmo no interior do regime militar reacendem-se as
primeiras disputas pela posse de terra no Brasil.
 O chamado terceiro debate agrarista aconteceria no início dos anos 80
com a instalação propriamente dita do modelo agro-exportador. Assim,
esse autor define “como uma passagem das experiências acumuladas em
décadas anteriores para as ocupações de fazendas e a constituição de
assentamentos rurais.” (Santos, 1989) Em meio a esse processo emergiu
o MST e com ele surge uma nova página da história do campesinato
brasileiro. Deste modo, “a partir da década de 80 é possível falar, entre
rupturas e continuidades, de um novo camponês na história do Brasil.”
(Santos, 1998; p. 41)
Assim e como se vê ao longo desta discussão, mesmo se o Brasil sempre teve a
capacidade exportadora em abundância de produtos agrícolas estratégicos como o café,
a cana-de-açúcar, a borracha e agora mais especificamente a soja entre outros. A
continuidade dessas escolhas políticas fez com que ao longo da história colonial e
republicano, populações inteiras de agricultores familiares, ribeirinhos, quilombolas,
sertanejos, indígenas entre outros ficassem à margem do desenvolvimento da nação,
tanto no que concerne às políticas agrícolas no que diz respeito ao crédito e a
estruturação técnicas dessas propriedades, quanto das políticas agrárias no que diz
respeito a quantidade e disponibilidade de terras para essas populações, como também
das políticas educacionais para o campo brasileiro fazendo com que esses povos
ficassem esquecidos e vulneráveis do ponto de vista agrícola, agrário e educacional no
mundo rural.
49
CAPÍTULO II
50
2. – O desenvolvimento da educação rural no Brasil, sua história e
suas possibilidades
Un peuple ne peut connaître que le destin que lui a
forgé son système éducatif (Sikounmo, 1992).
Quando se trata de educação rural, é fundamental compreender inicialmente a
importância das questões agrícolas e agrárias no ordenamento da vida das pessoas que
vivem no campo brasileiro, os seus desdobramentos no esquecimento, no
distanciamento e no retardamento de processos concretos para alavancar o igual direito
à educação dos povos que lá vivem. O papel deste capítulo é de contribuir com uma
análise histórica sobre os acontecimentos que levaram a educação para o meio rural em
grande parte do Brasil ao estado de abandono e descaso em que se encontra nos dias
atuais.
Para iniciarmos a nossa discussão, tomamos a afirmação de Mansano (2004).
Para esse autor, é fundamental que “a educação do campo” não esteja desassociada das
questões agrárias e agrícolas que permearam e permeiam a história contemporânea do
Brasil. Para ele, “vincular a educação a uma questão social, relevante como é a questão
agrária, é comprometê-la, na teoria e na prática, com a construção de alternativas para a
melhoria da qualidade de vida do povo” (p.3). O que significa dizer que, não há como
falar do desenvolvimento da educação rural no Brasil sem invocar, de início, os
processos históricos de tensividade políticas, econômicas e sociais que marcam a
disputa pela terra: da violência no campo, das secas, da fome e da miséria vividos por
essas populações. Esses processos históricos corroboram para o resultado da educação
rural que temos hoje, tanto do ponto de vista do seu desenvolvimento, quanto do ponto
de vista dos desdobramentos que cercam a educação para o meio rural em grande parte
do Brasil.
A partir desse entendimento, não há como falar em educação rural ou educação
para os povos do campo sem levar em consideração essa dinamicidade e conflitividade
constante que atravessa a questão agrária e agrícola no Brasil desde o início da
colonização até o nosso tempo.
A questão agrária e agrícola não é nem nunca foi um dado estático, imóvel, que
precisa apenas da vontade de governantes “bons” para que tudo acontecesse de forma
positiva para essas populações. Assim, a “educação rural ou educação do campo” é
também o resultado desse conjunto de embates envolvendo homens, mulheres e
51
crianças, excluídas e esquecidas ao longo do tempo no país. Analisá-la é essencial na
compreensão entre os resultados que se tem hoje e os complexos processos políticos,
econômicos e sociais que lhes cercaram ao longo da história contemporânea brasileira.
Este capítulo busca também destacar a importância história da luta dos povos
rurais pela terra, entranhados nos processos de desenvolvimento da educação do campo,
processos esses indispensáveis para compreender o mundo de continuidades e
descontinuidades que cercam a educação rural no Brasil de hoje.
Assim, a educação para o “campo” não pode nem deve ser uma estrutura isolada
dessa tensividade (Caldart & Arroyo, 2004) e das dificuldades pautadas entre os que
vivem no meio rural: das lutas daqueles que disputam no seu dia a dia um pedaço de
terra para nele plantar e sobreviver; das dificuldades daqueles que mesmo tendo o seu
pedaço de terra, ainda assim se sentem fragilizados pela falta de conhecimento técnico e
pelo domínio do mercado que impõe preços sem a garantia da possibilidade equilibrada
de compra e venda aos seus produtos, perpetuando assim o ciclo de miséria no campo.
Neste contexto, o lugar da educação do campo se torna necessariamente o lugar
da problematicidade dessas tensões e lutas históricas, Freire (1974), percebe também
desta maneira, afirmando que o movimento e as lutas dos camponeses são também
processos educativos, no movimento e nas vivências de tensões e lutas também se educa
homens mulheres e crianças...
2.1 – Da colonização ao Brasil atual: as lacunas dos processos
educacionais criando excluídos no campo
Mesmo que o Brasil tenha sido até estas últimas décadas um país essencialmente
agrário, a história da educação rural sempre esteve alheia às prioridades
governamentais. Somente nas primeiras décadas do século XX é que a educação rural
passou a entrar no ordenamento jurídico brasileiro. No entanto, até esse momento, esses
primeiros lampejos de educação ainda não representam um verdadeiro engajamento ou
redimensionamento na busca de soluções para melhorar as condições econômicas e
sociais da população rural excluída.
Analisando os processos históricos que atravessam a educação nacional, em
particular a educação rural, o que se pode concluir é que: desde a colônia até o nosso
tempo, a educação como um todo não estava direcionada a contemplar o conjunto da
52
população, principalmente aqueles cidadãos cuja origem não correspondia ao
estereótipo vislumbrado pelas classes dirigentes nos diversos tempos entre a colônia e a
república, Ribeiro (2003) afirma que:
A educação nascente da colônia se direcionava apenas
aos filhos da nobreza e seus descendentes. A elite era preparada
para o trabalho intelectual segundo um modelo religioso
(católico); neste momento a Companhia de Jesus se tornou a
ordem dominante no campo educacional, sendo que mesmo com
o perfil religioso era a única via de preparo intelectual (p.24).
No contexto do Brasil-colônia, mesmo os que não quisessem continuar na vida
religiosa só tinham como opção o ensinamento jesuíta. Apenas a partir da reforma
pombalina e da expulsão dos jesuítas, em 1759, passou-se a ter outra alternativa que
seria de:
(...) Transformar o Brasil, enquanto colônia, na nova
ordem pretendida por Portugal, que era de se tornar numa
metrópole capitalista a exemplo do que já vinha acontecendo
com a Inglaterra. Assim o sistema educacional brasileiro deveria
por sua vez, sofrer modificações, que implicaria na formação de
uma elite colonizada (masculina e branca) para se tornar mais
eficiente na defesa dos interesses da ordem dominante
pretendida em Portugal (Ribeiro, 2003, p. 34).
Ainda sobre essa questão, mas focando especificamente na educação rural, Leite
(2002) esclarece que:
Já no final do império, um número significativo de
ordens religiosas instalou escolas nas principais províncias,
permitindo a escolarização das classes médias e inferiores do
meio urbano. No que se refere ao meio rural, o processo escolar
continuou descontínuo e desordenado, como sempre fora.
Naquela época, como se sabe, toda economia agrícola estava apoiada no trabalho
escravo e nos grandes latifúndios. Essa situação educacional persiste e “não é de se
estranhar que a organização escolar brasileira apresente ainda na primeira metade do
século XX graves problemas de ordem quantitativa e qualitativa.” (Ribeiro, 2003).
Do ponto de vista das leis e constituições brasileiras, no tocante à educação no
meio rural, observa-se o seguinte: a educação rural não foi sequer mencionada nos
textos constitucionais de 1824 e 1891. Na constituição de 1824 falava-se de instrução
primária gratuita para os cidadãos e escravos libertos e em 15 de outubro de 1827
teríamos a primeira lei da Educação: lei Januário Brabosa definindo a construção de
53
escolas publicas nas vilas e povoados. Em 1879 temos a criação das salas para adultos
analfabetos do sexo masculino. (Silva, 2013)
Na constituição de 1891, foram colocados dois dispositivos: os incisos XXXII e
XXXIII do art. 179, que tratava apenas da educação escolar sem nenhuma referência
maior às questões específicas inerentes à educação rural10. Somente a partir da
constituição de 1934 e sob a influência de vários setores de produção agrícola do país é
que se expressam os primeiros ventos da “educação rural”, cuja colocação se faz da
forma seguinte:
Art. 156. parágrafo único: Para a realização do ensino
nas zonas rurais, a União reservará, no mínimo, (20%) vinte por
cento das cotas destinadas à educação no respectivo orçamento
anual.
Sem embargo, este artigo é um dos muitos exemplos de decretos e leis editados
ao longo da história da educação no Brasil que não levaria a nenhuma modificação do
statu-quo no que diz respeito a mudanças qualitativas e quantitativas do processo
educacional dos povos do campo (DOBEC, 2001, p.3).
Para Maia (1982), o que definia realmente o movimento
ruralista era o seu perfil político ideológico, muito mais que uma
tomada de consciência dos problemas da educação rural.
Partidários da manutenção do status-quo, ele contribuía para
uma percepção falsa da contradição cidade-campo, como
qualquer coisa de natural, o que contribuiu, consequentemente,
para a sua perpetuação (p.6).
Ainda nesta época é importante destacar dois eventos, que ocorreram durante o
Estado Novo (1935 – 1945): do ponto de vista econômico, o programa denominado
Marcha para o Oeste; e, no campo educacional, a realização do VIII Congresso
Brasileiro de Educação (1942), realizado na cidade de Goiânia:
No caso da Marcha para o Oeste o desafio das ações governamentais
seria de constituir um movimento migratório, inverso a esse que começa
acontecer do campo para as cidades, e povoar as imensas extensões de
terras disponíveis, situadas principalmente nas regiões Norte e CentroOeste;
10
Op.cit. Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo, DF: 2001.
54
No caso do Oitavo Congresso de Educação o argumento principal era de
se constituir uma proposta pedagógica adaptada ao meio rural, mesmo
que neste contexto tenha sido definido como foco a escola primária e não
a escolarização do indivíduo como um todo. (Souza & Neto, 2004,
p.181).
É dentro desse processo de descontinuidades da educação nacional que na
década de 1950, metade da população brasileira, 50,5%, era analfabeta; na década
seguinte, o Brasil contava ainda com 39,4% de analfabetos em sua população 11 (INE,
1963). E assim, na ausência de uma consciência coletiva sobre a importância de uma
educação lastreada de cultura e identidade brasileiras, que vão se acumulando os
problemas e criando lacunas na formação e na construção do desenvolvimento
educacional do país como um todo. E é na história dessa falta de consciência coletiva
que se constroem os principais implicadores da estrutura de sociedade excludente que
ainda se observa, tanto com relação às populações marginalizadas nas cidades, quanto
essas do meio rural. Mas ainda assim, é possível dizer que é o ideário do VIII
Congresso de Educação de Goiânia em 1942, que consegue influenciar um conjunto de
iniciativas para a educação brasileira a partir de então.
2.2 – Do Ruralismo Pedagógico às campanhas de educação rural:
surgem as primeiras iniciativas de educação para o meio rural
Alguns autores consideram que o “Ruralismo Pedagógico” surgiu como uma
ideia antiga sobre educação rural, datada da segunda década do século XX, exatamente
com o início do período migratório do campo para as cidades. “O objetivo maior era
promover a fixação do homem do campo ao campo, a partir de um modelo de escola
integrada às condições locais regionalistas” (Maia apud Leite; 2002), mas essa ideia não
se esgota no decorrer da história da educação rural brasileira, sendo possível dizer que
se mantém até os nossos dias.
Consideramos o “Ruralismo Pedagógico” como a expressão mais adequada do
pensamento das classes dirigentes sobre a forma como a educação deveria intervir no
meio rural, no sentido de encontrar soluções para garantir o desenvolvimento e o
11
Instituto Nacional de Estatística, Anuário Estatístico do Brasil, ano XXIV, 1963, p.27 e 28; in:
Ribeiro (2003). Casemiro dos Reis Filhos, A revolução brasileira e o ensino, 1974a.
55
progresso do campo. Alguns elementos fizeram parte dessa visão, entre os quais a
fixação do homem rural ao seu meio como tentativa de estancar o êxodo rural crescente
para as grandes cidades, principalmente para São Paulo. Vargas (1996) afirma que:
O desejo era fazer da fixação do homem ao campo uma
das prioridades deste movimento que se devia ao aumento
significativo do êxodo rural e à chegada de um número
considerável de pessoas sem ocupação nas cidades o que, para a
classe dirigente da época esse fato passou a ser percebido como
um fator de desestabilização social, favorecendo a desordem
urbana tradicional.
O segundo elemento se pautava na ideia de que era preciso formar mão de obra
especializada para a modernização e produção dos latifúndios com vistas ao aumento de
produção para exportação.
Por fim, a ideia salvacionista do homem rural a partir do transplante da escola
urbana para o mundo rural. Para Azevedo & Vargas (1996), isso se caracterizava pela
ideia de retorno ao campo, a partir de uma visão nostálgica do colonialismo, neste caso
– “ao defender as virtudes da vida campesina” – imaginário esse, que era difundido
pelas altas camadas do poder político e de setores educativos.
Para Leite, (2002) esse aspecto mascarava uma preocupação maior:
O esvaziamento populacional das zonas rurais,
enfraquecimento social e político do patriarcalismo e forte
oposição ao movimento progressista urbano, isso principalmente
por parte dos setores agroexportadores. Mas o ruralismo
pedagógico contou também com o apoio de alguns segmentos
das elites urbanas, que viam na fixação do homem no campo
uma maneira de evitar a explosão de problemas sociais nos
centros citadinos.” (p. 29).
Assim, esse movimento não se tornou capaz de criar um modelo de reflexão
sobre o problema da educação para o campo e, finalmente, não conseguiu evitar o êxodo
rural nem criar um modelo de escola adequada à realidade rural brasileira. Também as
iniciativas de ensino Técnico, Agrícola e Industrial, cujo desejo era de formar mão de
obra técnica, ficaram em nível de ensaios, sem que nenhuma dessas iniciativas
prosperasse. (Ribeiro, 2003).
No contexto geral, a visão do ruralismo pedagógico, que era em princípio
“urbano centrada” não se fazia não apresentar enquanto influência negativa, ao
contrário, dentro dessa lógica, a pretensão seria de ajudar a “civilizar o campo”, como
56
se os cidadãos do campo precisassem se tornar sujeitos “civilizados”. Em função disso,
a escola rural deveria ministrar os mesmos conteúdos da zona urbana, o que se verifica
até hoje. Neste caso, “a verdadeira finalidade dessas escolas seria de transformar o
homem do campo num homem de ação, ou seja, dar-lhe os predicados de quem mora na
cidade” (Campos, 2003, p.7). Agindo desta maneira a visão do ruralismo pedagógico
contraria uma outra visão que se estabelece nos dias atuais, essa de que o homem e a
mulher do campo são seres humanos normais e dotados dos mesmos direitos e das
mesmas faculdades das pessoas que moram na cidade, o que se exige é neste caso que
uma educação de qualidade possa lhes garantir meios técnicos próprios e apropriados
para a superação da pobreza endêmica em algumas região e a construção de uma efetiva
cidadania entre todos que la habitam.
Dentro da perspectiva do ruralismo pedagógico, partia-se do princípio de que o
homem “caipira” não estava integrado num sistema produtivo moderno: “a tarefa da
escola seria suprir essa falta de cultura, para que pudesse integrá-los no processo de
modernização produtiva para o campo” (Campos, 2003, p.5). Neste contexto, para o
Ruralismo Pedagógico, tudo seria “feito enquanto pressuposto de um aluno universal do
qual decorreria uma mera transposição para a zona rural da escola pensada na cidade.”
(Azevedo & Gomes, 1991, p. 35). Portanto, não é a escola do campo pensada enquanto
tal, a partir do seu contexto e das suas necessidades e do seu modo de vida, mas uma
escola baseda nos valores da cidade pensada para os povos do campo.
Ainda nesse período temos a elaboração e a promulgação da Lei 4.024 (LDB, 48
a 61), na qual:
Se refletia de modo nítido as contradições existentes na
educação brasileira, no sentido de que a promulgação dessa lei
foi condicionada às bases capitalistas, e assim se constituindo na
negação da escolarização nacional, da cultura, do habitat, do
trabalho e dos valores desta sociedade.
Ainda segundo o autor, a lei “omitia-se claramente quanto à escola do campo”. Leite
(2002).
57
2.3 – O movimento dos “pioneiros”: entre as primeiras iniciativas de
educação para o campo
O Movimento dos Pioneiros da educação faz parte dos primeiros surtos de
educação que surgiram por volta dos anos 20, inseridos no espectro daquilo que alguns
autores chamam de fase do “entusiasmo pela educação”, quando se misturaram as
campanhas de educação rural, sob a luz de ideias humanistas engajadas, com os projetos
de modernização conservadora do campo vislumbrados pelas elites dirigentes da época.
As primeiras iniciativas de um plano que tratava a educação rural como um
problema nacional apareceram em 1932, num documento assinado por 25 educadores,
que ficou conhecido como Manifesto dos Pioneiros da Educação. Tal documento
“propunha a reconstrução da educação do País e pedia o estabelecimento de um plano
com sentido unitário e de bases científicas.” (Valente, 2001, p.47). Mas ao anunciar o
plano por uma educação nova, “os pioneiros da educação” tratavam de coisas
impossíveis de se realizar na época.
Ainda assim, a importância do movimento foi de levantar o gosto pelas questões
pedagógicas. Esse aspecto tomou uma direção mais objetiva trazendo uma base mais
real nas proposições posteriores (Moreira, 1962; p.43-32), o que só se tornou possível
em 1962, com a criação do Ministério da Educação e Cultura aprovado pelo Conselho
Federal de Educação.
Numa outra ponta de iniciativas governamentais, temos entre 1952 e 1963, a
CNCR (Campanha Nacional de Educação Rural), que reforçou o “entusiasmo” geral em
favor do ensino rural, já iniciado nos anos de 1920. (Leite, 2004). Esse momento atraiu
também o interesse de instituições não estatais, como setores da Igreja Católica, que se
integraram diretamente nas missões rurais.
Ainda no que concerne às campanhas nacionais de educação rural da metade do
século XX, no caso da CNCR propriamente dita e do SSR (Serviço Social Rural),
ambos desenvolveram projetos para a preparação de técnicos destinados à educação de
base rural e à melhoria de vida dos rurícolas, nas áreas de saúde, trabalho associativo,
economia doméstica, artesanato etc.
Dos projetos do CNCR surgiram a Campanha de Educação de Adultos e as
Missões Rurais pela Educação de Adultos. Nesse caso, vale ressaltar que apesar de todo
58
o esforço empregado pelo CNCR para a fixação do homem do campo, o êxodo rural no
Brasil iniciou-se na década de 1950, simultaneamente ao pleno funcionamento das
missões, das Campanhas Rurais e dos Programas de Extensão Rural. De qualquer modo,
o desenvolvimento desses programas não impediu o grande êxodo na década de 1960.
(Leite, 1996 p. 37). Entre outros atores desses processos, temos os CPC (Centros
Populares de Cultura) e mais tarde o MEB (Movimento de Educação de Base) que
existe até hoje, mas que teve sustentação ideológica no trabalho desenvolvido pelas
ligas camponesas.
A partir dos anos 50, surge no Brasil uma espécie de "nova escola católica". Em
1955, 1956, e nos anos seguintes, aparece igualmente a AEC (Associação dos
Educadores Católicos). Deve-se considerar que é principalmente a partir do Concílio do
Vaticano II, que a Igreja Católica (sobretudo através dos movimentos da Ação
Católica), vai se engajar concretamente na defesa dos interesses das classes populares.
Assim, setores da Ação Católica começam a desenvolver uma participação política
crescente e a hierarquia eclesiástica organiza o MEB, mas destinado a alfabetização das
classes trabalhadoras e de setores pobres da população rural.
2.4 – O tecnicismo e a sua influência na educação para o meio rural no
Brasil
A pedagogia tecnicista/modernista chega ao Brasil também no início do século
XX, com a compreensão positivista de Augusto Comte. O recorte da pedagogia
tecnicista vai influenciar as visões dos dirigentes políticos e de grande parte dos
intelectuais brasileiros, convencidos de que o país se desenvolveria mais rápido se a
educação se apropriasse de maneira mais efetiva à técnica.
A visão das elites dominantes da época era que o Estado brasileiro deveria se
desenvolver sem, no entanto, perder o controle político e social. É nesse momento que
se constitui a ideia do progresso baseado na coesão social inspirada no desenvolvimento
industrial e tecnológico da nação para Ricci, (1999, p.2):
A educação pública brasileira começa a tomar contornos
efetivamente nacionais nos anos 30, com a criação do Ministério
da Educação. Neste período, adotou-se o progressivismo
(inspirado em Dewey, Kilpatrick, Decroly e Montessori) e uma
linha tecnicista que buscava, antes de qualquer coisa, a coesão
social.
59
Diz ainda o autor que o contorno dado à educação nacional como um todo
“busca a formação do homem urbano, ajustando o comportamento individual ao
ambiente social, afinando com as demandas do processo de industrialização em curso”
(ibid).
Já Saviani (1983) afirma que, seria a partir dos anos vinte, e particularmente a
partir de 1930, que o entusiasmo pela educação cederia lugar ao otimismo pedagógico,
no que “vai deslocar as preocupações educativas do mundo político para o mundo
técnico-pedagógico”. (p. 35).
A concepção tecnicista assume então a partir daí, uma dimensão tão ampla que
vai se difundir mesmo nas primeiras concepções efetivas de educação rural. Nesse caso
específico, estava em jogo à formação de técnicos e pesquisadores para garantir o
desenvolvimento e a modernização da agricultura, particularmente da agricultura de
grande porte, dentro do mesmo projeto de “modernização conservadora” para o campo.
Assim, entraria a mesma escola dirigida para a formação urbana, ajustada ao
homem em um ambiente social e industrializado, que se interporá na escolarização do
homem rural.
Se de um lado, o jovem rural, até os anos 40, tinha pouco
acesso ao ensino formal, restando-lhe assumir a condição de
aprendiz de agricultor na divisão do trabalho familiar, a partir
desta data, por outro lado, passou a frequentar um ambiente que
lhe apresentava um mundo completamente distinto do seu.
(Ricci, 1999; p. 4).
É a partir dessa visão que surgem as primeiras propostas de formar mão de obra
técnica rural especializada para esse fim. A outra ponta desse discurso estaria em “fazer
da fixação do homem do campo à terra a grande meta da escola, cujo encargo viria da
transformação da mentalidade do homem da “roça.”12
Todos
esses
elementos
advêm
da
chamada
“Concepção
Nacional
Desenvolvimentista”, a partir do modelo agroexportador, cujo pensamento não mudaria
as bases da continuidade da concentração de terra. Para Porto, (2003) o que “havia era a
consideração de que o homem do campo estruturava a sua sustentabilidade a partir de
12
Home da “roça” - Manssano, B. (2002). In, Educação do Campo: Identidade e
Políticas públicas. Brasília: Articulação Nacional Por uma Educação do Campo.
60
técnicas rudimentares, acreditando eles que os moradores da zona rural seriam
incapazes de superar o seu atraso sem a ajuda dos especialistas urbanos.”
Dando continuidade a essa tendência, a política oficial para a educação rural ia
sendo orientada para “estimular a aquisição de conhecimentos que instrumentalizassem
a melhora da produção e a adaptação do campo às estruturas de natureza econômica,
sem se preocupar com a formação do aluno para o exercício da cidadania” (Calazans,
2003, p. 8; Campos, 1993, p.4). É dessa forma que se mantêm as políticas oficiais para
educação rural, sem nenhuma contextualização ou referência com as diferenciações que
lhes são próprias.
Já em 1968 o tecnicismo assume o predomínio na educação nacional. Campos,
(2003) coloca “que o tecnicismo como tendência educacional dominante do ensino no
país se estabelece com o regime militar a partir da lei n°. 5.692 de 11 de agosto de 1971,
quando o governo começa a assinar convênios de cooperação técnica na área
pedagógica com entidades estrangeiras”, principalmente com os EUA: acordos MECUSAID e Banco Mundial.
As iniciativas governamentais dos anos 70 no mundo da educação rural são
todas participantes dessa visão “ruralista”. Podemos citar como exemplo o CPDA
(Centro de Pesquisa e Desenvolvimento) da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Esse centro tinha o mesmo perfil de outros que estavam marcados pelo “projeto de
modernização conservadora” sustentada pelo regime militar. O objetivo era a formação
de técnicos e pesquisadores para contribuir com o desenvolvimento ou o progresso da
monocultura nos grandes latifúndios. Nenhum dos centros, pelo que se pode avaliar,
trazia uma visão voltada para o desenvolvimento da pequena agricultura ou para o
respeito à cultura do homem camponês.
A partir da visão extensionista, baseada por si no tecnicismo, “o rurícola
brasileiro era tido como um indivíduo extremamente carente, que deveria ser assistido e
protegido.” Essa visão ainda hoje permeia boa parte do pensamento da classe média e
de dirigentes brasileiros e mesmo de militantes dos movimentos sociais. Esta se
constitui num dos graves problemas que a educação do campo deverá enfrentar nas
próximas décadas para desenvolver-se a partir de uma perspectiva curricular e
metodológica que compreenda o homem a partir de uma perspectiva emancipatória em
sua cultura, identidade, autonomia e espírito de iniciativa e cidadania.
61
Para Sérgio Leite (1996; p.36), o trabalho extensionista, já devidamente
programado e preparado, “jogou contra a parede a dinâmica pedagógica dos professores
rurais como algo ultrapassado e sem objetivo imediato, não considerando o que a
educação formal realizara até então”. Nesse entendimento, mesmo sem os elementos
constitutivos de uma prática pedagógica consistente para o meio rural, a experiência
desses professores, em sua maioria leigos, poderia levar a estudos e pesquisas nas
ciências da educação que compreendessem e construíssem propostas pedagógicas
adequadas para o desenvolvimento de uma educação para o meio rural brasileiro desde
então e a longo prazo.
A falta de projetos claros que considerassem as vocações brasileiras,
principalmente em relação ao campo e a agricultura familiar, não vinha apenas das
classes dirigentes e da burguesia da época. Do ponto de vista político, tanto a direita
quanto à esquerda cometiam o mesmo tipo de equívoco:
 Um ao importar os modelos europeus e em seguida o americano de
desenvolvimento (a direita);
 Outro por apontar a agricultura familiar como “restos feudais” (a
esquerda) sem lhe conferir a devida importância.
No final dos anos de 1970 (ainda no regime militar) e início dos anos de 1980,
período que corresponde à redemocratização progressiva da sociedade brasileira, com o
aumento das pressões por democracia inclusive para a resolução dos conflitos agrários,
novos perfis de pesquisa e novos modelos de educação para o meio rural começam a ser
vislumbrados. Visões mais críticas começam a surgir, questionando o papel da
formação e da pesquisa dirigidas para o mundo rural.
A partir desse momento, a educação rural se torna objeto de novas
interpretações. Outros conceitos e outras visões de campo e educação para o campo
começam a ganhar espaço.
Como vimos o desenvolvimento nacional compreendido de maneira vertical,
dentro do modelo tecnicista, ganhou força nos anos 60 e se consolidou efetivamente a
partir do início dos anos 70, dentro do regime militar. O problema da política oficial,
neste período, foi adotar uma visão puramente técnica, esquecendo-se da amplitude que
se requer na educação para a formação da cidadania.
62
Também aqui não se trata de negar a importância da técnica enquanto processo
fundamental do desenvolvimento humano:
A técnica, enquanto ligada ao fazer, está ligada ao ser
humano e à sociedade; e enquanto se mantiver intacta essa
ligação, tecné é tão nobre quanto o logos, inclusive porque os
dois processos são mutuamente conversíveis. O que importa é a
tecné não devorar o logos (e vice-versa), nem erigir-se em sua
sucessora. (Mendes, 1983, p.114).
Finalmente, tomando como base as constituições militares, no que diz respeito às
leis, mesmo na Constituição de 1967, identifica-se a obrigatoriedade das empresas
agrícolas e industriais oferecerem o ensino primário gratuito aos filhos de empregados
das grandes empresas agrícolas. Não era, portanto, um ensino voltado para a educação
das comunidades rurais e da agricultura familiar como um todo. Na Emenda
Constitucional de 1969, constariam basicamente as mesmas normas.
Assim, considerando todos os artigos, parágrafos e reformas advindas das
constantes constituições promulgadas até 1988 podemos afirmar que, praticamente
todas as iniciativas de leis para educação nacional foram influenciadas pelos projetos de
base nacional desenvolvimentista, pelo projeto de modernização conservadora para o
campo e, finalmente, pelo “ruralismo pedagógico”. Neste contexto é possível perceber
que as alternativas para uma educação adequada para o campo ligando principalmente a
agricultura familiar a educação não possuía nenhum sentido, permanecendo esses,
esquecidos e sem nenhum projeto ou iniciativa tanto de intelectuais, quanto de governo
para uma educação emancipatória no mundo rural brasileiro.
2.5 – A região do cacau e a tecniczação da educação rural
O desenvolvimento estruturado na agricultura no Brasil desde do início da
república e com grande avanço nas últimas décadas do século XX, desaguou no que
vivenciamos hoje: um modelo excludente e desigual para o campo, no qual a
concentração de terra mantém o seu prosseguimento. As consequências dessas escolhas
estão sem dúvida no êxodo rural e na contínua favelização das cidades da região.
No que concerne o “extensionismo e a tecniczação” da educação rural, na Zona
do Cacau no Sul da Bahia, inicialmente foi fundada a CEPLAC (Comissão Executiva de
Plano da Lavora Cacaueira) também na época do “regime militar”, em 1974. O objetivo
63
principal da CEPLAC era contribuir com apoio técnico e de pesquisa, com foco
exclusivo na instrumentalização técnica da lavoura cacaueira.
Esse foco para a educação técnico rural fazia parte também da continuidade das
políticas de instrumentalização do ensino técnico e do extensionismo rural, começada
no regime militar no sentido de favorecer os principais produtos agrícolas brasileiros de
exportação, como o cacau, sem relação com o melhoramento da educação e da
formação técnica para a agricultura familiar e sem relação com a segurança alimentar do
País.
Depois de implantada, a CEPLAC funda as EMARCs (Escolas Médias
Agricultura do Cacau), uma em Valença e outra em Ilhéus. O objetivo principal dessas
escolas era formar e fornecer mãodeobra técnica para atender as grandes fazendas da
região (principalmente da lavoura cacaueira). Tudo isso, dentro da mesma perspectiva
do ruralismo pedagógico e do extensionismo rural. Os estudantes eram normalmente os
filhos dos fazendeiros e parte vinha das classes médias urbanas interessadas em estudo
técnico para o meio rural, mas sem vinculação com a agricultura de pequeno porte.
Esse tipo de política educacional para o extensionismo rural vai corroborar de
maneira decisiva com o desprezo por uma educação contextualizada para o campo
também na região vinculada com a agricultura familiar, levando a subnutrição de uma
enorme massa camponesa, constatada na região cacaueira principalmente nas décadas
de 1980 e 1990 e tocando sobrmaneira os trabalhadores rurais e pequenos produtores
que vivem imersos nas lavouras de cacau.
Neste contexto, a CEPLAC acompanhava o mesmo perfil do nacional
desenvolvimentismo e do projeto modernização conservadora para a agricultura,
preocupada com a exportação do cacau e sem nenhuma vinculação com a melhoria das
condições sociais e econômicas das famílias de pequenos agricultores e trabalhadores
rurais da região. O resultado de tudo isso, seria uma imigração constante de uma enorme
massa de camponeses se dirigindo para viver nas cidades próximas com predominância
para Ilhéus e Itabuna e uma outra parte para o centro sul principalmente São Paulo.
64
2.6 – A educação rural a partir dos anos 80 e o EDURURAL/NE
As lutas pela reforma agrária e pela educação de base, além de desencadear as
campanhas já observadas acima, vão também levar o governo brasileiro a estruturar
uma contraposição a esses movimentos.
Levando-se em consideração o ritmo insatisfatório de desenvolvimento
educacional na América Latina, principalmente nas ultimas décadas do século XX,
surge no Brasil um conjunto de programas assistenciais/educacionais com o objetivo de
inverter os baixos índices educacionais no campo. Vamos destacar aqui o projeto que
traz uma estrutura maior do ponto de vista financeiro e de intervenção na educação
nacional: o EDURURAL/NE.
O EDURURAL foi a maior iniciativa das elites políticas da época no sentido de
reverter “o cada vez” mais intenso movimento migratório do campo e a cidade. Era no
campo brasileiro como um todo e mais especificamente no campo nordestino que se
encontrava e ainda se encontra nos dias atuais os piores índices sociais econômicos do
País e por isso, se tornou o foco dessa iniciativa. Para Queiroz (2004, p.144),
Este programa não apresentava o mesmo entusiasmo
pedagógico vivido durante as campanhas de formação de
adultos e consistia em promover assistência aos municípios na
organização dos sistemas de ensino rural, capacitando
professores, melhorando a rede física e o provimento do
material didático.
O programa foi concebido entre o governo brasileiro e o Banco Mundial e foi o
que mais demandou tempo de negociação entre o Governo e o BM (Banco Mundial). Os
primeiros registros datam de 1974, desde quando foram enviadas ao Brasil mais de 15
missões com o objetivo de realizar várias atividades, entre elas as de “preparação,
reconhecimento, levantamento, discussões, análise do setor, acompanhamento”
(Queiroz, 2004). Mas somente em 1980 o programa estava pronto para começar.
De maneira geral e já citada por alguns autores, a relação entre o BM e o
Governo brasileiro não vai permitir mudanças estruturais na ação do programa nem
intervenções outras que não as já estabelecidas nos acordos firmados entre as partes, o
que incomodará sobremaneira a ação dos dirigentes da educação, tanto nos estados
quanto nos municípios onde o programa funcionava.
65
Como já colocado, o interesse das elites dirigentes da época estava em conter os
processos migratórios. Assim, mesmo valorizando a educação informal ou permanente,
o programa centrava-se na educação formal de primeiro grau; sua finalidade primordial
era dar apoio administrativo aos municípios na gerência da educação básica rural.
Entretanto os registros de vários autores nas análises sobre esse programa de
educação e as formas do financiamento para a EDURURAL/NE dão conta de um
montante de empréstimos na ordem de 32 milhões de dólares, que correspondia a 35%
do valor financiado; a contrapartida do Brasil nesse empréstimo seria de 59,4 milhões,
que representava 65% do custo restante. Para Queiroz (2004, p.151), isso reforçava o
questionamento dos técnicos brasileiros de que a União tinha elevados encargos
financeiros e de que o governo poderia promover estratégias envolvendo menor custo,
mas que respondessem pelas demandas do ensino rural. Todavia, os empréstimos
implicam na imposição de condicionalidades. O que se vê, no entanto, é a entrada do
BM na agenda educacional do país, por conta da submissão do governo às condições
impostas pelo Banco. Fonseca (1998) coloca que a ênfase no aspecto financeiro
submete as reformas na área educacional aos critérios gerenciais e de eficiência, os
quais tocam mais a periferia do que o centro dos problemas, isto é, incidem muito mais
sobre a quantificação dos insumos escolares do que sobre os fatores humanos que
garantam a qualidade da educação.
O que se tem é um ganho enorme para o Banco Mundial, tanto nas imposições
de políticas educacionais ao país, quanto no retorno do capital, como estipulado nas
seções do empréstimo a seguir:
Seção 2.05 – A mutuária pagará ao Banco uma taxa de
compromisso à razão de ¾ de 1% (três quartos de um por cento)
por ano sobre a quantia principal do empréstimo não sacada de
tempos em tempos.
Seção 2.06 – A mutuária pagará juros à taxa de 8,25%
(oito e um quarto por cento) por ano sobre a quantia principal do
empréstimo sacada, pendente de tempos em tempos.
Seção 2.07 – Os juros e outros encargos serão pagáveis
semestralmente em 1 (hum) de maio de 1 (hum) de novembro de
cada ano (Queiroz, 2004).
Não há, dessa forma, uma contribuição efetiva, tanto do ponto de vista
financeiro quanto do ponto de vista da sua compreensão sobre o que fazer na educação
66
rural. O que se vê é a anulação da sociedade local e a desconsideração da educação
nacional, na medida em que se reduz a autonomia dos Estados e Municípios em
executar eficientemente as ações predeterminadas por um centro externo de poder.
Naquilo que nos interessa do ponto de vista da evolução da educação rural no
Brasil, é possível afirmar que não é a partir desse programa que a educação rural
brasileira ganhará forma, força, conteúdo e competência para mudar a sua estrutura em
termos pedagógicos em relação aos povos do campo. Tratava-se, na verdade, de uma
iniciativa que não levava em consideração as reais necessidades dos povos da zona rural
em seu cotidiano.
Queiroz (2004) & Fonseca (1998) afirmam, dentro da mesma compreensão, que
em lugar de gerar mudanças estruturais na educação, o desenvolvimento de alguns
fatores convencionais se constituiu em mais um reforço ao funcionamento rotineiro do
processo escolar do que propriamente numa mudança educacional.
Nesse caso, é preciso salientar que não havia a participação da sociedade e dos
principais interessados na construção e organização deste programa. A sua
implementação vai gerar inúmeras controvérsias entre os seus executores e as
autoridades locais. Mas nem tudo pode ser considerado de forma negativa: a imposição
na aplicação do programa conforme os interesses do Banco, levando em consideração
“a racionalidade voltada para o desenvolvimento institucional (modelos de gestão e
organização)” (Queiroz, 2004; p.156), baseada nos critérios gerenciais e de eficiência,
sem a flexibilização na utilização dos recursos, vai de encontro às práticas rotineiras dos
dirigentes políticos nos estados e municípios participantes do programa.13 Os líderes
locais, acostumados ao sistema de barganha e apadrinhamento, não ficam nada
satisfeitos, pois era comum entre os dirigentes da educação interferirem e mesmo
transferirem os recursos de uma determinada meta para outra (ibid).
13
Inicialmente são 284, escolhidos mediante processo de seleção. O percentual dos beneficiados
correspondia a 16% do total da população e 21% da população rural do nordeste na época. Segundo
Queiroz (2004, p. 161), de fato, o programa se concentrou em 400 municípios dos estados da Bahia,
Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará e Piauí (MEC-Brasil, 1989).
67
2.7 – A LDB/96 e o recorte da DOBEC/02 14: abrindo novas
possibilidades
Com o fim da “ditadura militar” e início do processo de redemocratização da
sociedade brasileira, surge a necessidade de uma nova constituição, com a função de
superar as contradições anteriores e apontar os rumos para uma nação que se pretendia,
a partir de então, democrática e participativa. Essa constituição é promulgada em 1988.
Seria então, a partir das reflexões ocorridas sobre a educação brasileira na
efetivação da Constituição de 1988 (fim da era militar) que mais tarde aconteceria a
aprovação da Lei 9.394, de 20 em dezembro de 1996, que ficou conhecida como LDB
(Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional). Para Leite (2002), será na LDB/96
que as grandes metas da educação nacional se estabelecerão e abrirão novos
procedimentos, no intuito de adequar o projeto institucional às escolas do campo.
A promulgação da LDB/96 promove a desvinculação da educação rural das
formas de compreender e planejar a educação urbana. Porém é preciso observar que não
necessariamente na promulgação dessa lei é que se encontrarão os princípios e bases de
uma política nacional de educação campesina. Alguns pontos-chave da LDB são
tomados aqui para exemplificar as novas possibilidades.
O art. 1 § 2° coloca que a “educação deverá vincular-se ao mundo do trabalho e
à prática social” a partir da necessidade de formação tecnológica e profissional (caso
das escolas em alternância). O art. 28 § 2° diz:
O ensino fundamental será de responsabilidade dos
municípios, em princípio [...], podendo, neste caso, contar com
um calendário próprio, adequando-se às peculiaridades locais,
inclusive climáticas e econômicas, a critério do respectivo
sistema de ensino, sem com isso reduzir o número de horas
letivas previsto nesta lei (LDB, 1996).
Essa nova lei passa reconhecer a necessidade de construir práticas educativas
alternativas que deem conta do modo de vida, das especificidades das regiões e da
diversidade cultural dos povos; permite ainda levar em consideração os contextos
14LDB
– Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira Lei 9.349/96; DOBEC – Diretrizes e
Bases para as Escolas do Campo 2002.
68
econômicos do ponto de vista agrícola (caso das colheitas cíclicas) e climáticos (caso de
regiões com imensa quantidade de chuvas, alagamento etc.). Isso, de certo modo, abre
espaços para os procedimentos metodológicos das escolas em regime de alternância.
Ainda no artigo 28, encontramos os elementos que tratam das adaptações
necessárias à estrutura curricular e às exigências das unidades escolares instaladas na
zona rural. É a efetivação da educação nacional enquanto “direito de todos”, definindo
novas bases para esses novos modelos educativos, levando em consideração as
diversidades e os modos de vida variados que existem no Brasil rural contemporâneo.
Sem dúvida, é a partir do advento da LDB/96 que encontraremos o conjunto de
dispositivos que vão enunciar uma nova possibilidade de fazer educação brasileira como
um todo, principalmente naquilo que concerne ao direito à “educação para todos”. No
tocante às populações marginalizadas, essas passam, a partir desse momento, a ver seus
direitos anunciados.
Porém, levando-se em conta toda a história de esquecimento e distanciamento
vividos pela escola e pela educação rural, todas as mudanças importantes
implementadas a partir da Lei de Diretrizes e Bases/96 não garantiria, da “noite para o
dia”, as mudanças ensejadas. Dessa maneira, mesmo se as leis em curso, aprovadas
principalmente na última década, apontam para um novo futuro em relação à educação
do campo, os problemas ainda continuam os mesmos.
Ainda que a LDB/1996 por si só abrisse espaço para refletir e agir dentro de uma
nova perspectiva para educação não urbanocêntrica, seria necessário construir
proposições mais específicas que aprofundassem do ponto de vista metodológico e
curricular, as formas de se construir uma nova ação educativa para povos não citadinos
da nação como um todo. Dessa ideia nasceu a DOBEC/02 (Diretrizes Operacionais para
Educação Básica para as Escolas do Campo). Ela começa por reconhecer “a ausência de
uma consciência a respeito do valor da educação no processo de constituição da
cidadania” nacional para, em seguida, reafirmar que “ao lado das técnicas arcaicas do
cultivo que não exigiam dos trabalhadores rurais nenhuma preparação, nem mesmo a
alfabetização, isso vai contribuir para a ausência de uma proposta de educação voltada
aos interesses dos camponeses” (DOBEC, 2002).
Do ponto de vista histórico, a DOBEC/02 entende que a educação e,
consequentemente, a “demanda escolar que se vai constituindo, é predominantemente
69
oriunda das chamadas classes médias emergentes (no Brasil) que identificam, na
educação escolar, um fator de ascensão social e de ingresso nas ocupações do
embrionário processo de industrialização”. Essa demanda aconteceu nos núcleos
urbanos, principalmente nas últimas décadas do último milênio, sem levar em
consideração a importância da educação para a construção da cidadania de todos. Em
outras palavras, ocorreu na sociedade brasileira também nas últimas décadas do século
XX, um fenômeno ligando a importância geral da educação com a melhoria da condição
social e econômica, mas ainda assim, não havia uma consciência coletiva de que essa
educação deveria agregar o conjunto da sociedade, inclusive o mundo rural.
Outra observação feita pela DOBEC/2002 é de que a introdução do tema
educação rural no ordenamento jurídico remete às primeiras décadas do século XX,
incorporando, no período, o intenso debate que se processava no seio da sociedade a
respeito da importância da educação para conter o movimento migratório e elevar a
produtividade no campo. Porém, as formas utilizadas pelo governo brasileiro para
diminuir o movimento migratório, principalmente no campo da educação, não deram
resultados satisfatórios, já que a grande maioria das propostas nada trouxe de concreto
nas redefinições de políticas públicas alicerçadas com as demandas concretas dessa
população.
Um dos elementos positivos de destaque na ODBEC/02 está no fato de ela ter
sido concebida a partir do debate natural envolvendo o conjunto da sociedade,
principalmente os setores interessados em ver uma proposta pedagógica coerente com
as demandas dos camponeses no Brasil. Ela em si representa esse conjunto de
percepções e experiências.
2.8 – Os Movimentos Sociais construindo novas práticas de educação
para o campo
A partir da forte penúria e da carência de escolas na zona rural é que nascem as
primeiras iniciativas ligadas às necessidades de se ter uma educação adequada para o
campo. Os primeiros movimentos são, sem dúvidas, os ligados à Igreja Católica, como a
“Pastoral da Terra”, que percebe a enorme carência de escolas no campo brasileiro.
70
Os movimentos de luta pela terra inicialmente não se dão conta de que a pauta
da reforma agrária não deveria incluir exclusivamente a posse da terra, mas que outros
elementos estariam estritamente ligados à vida no campo, como o direito de se
desenvolver (com tecnologias e implementos agrícolas) e o direito de ter educação
adequada aos seus modos de vida. Nesse sentido, os movimentos de luta pela reforma
agrária, após anos (principalmente o MST e as ONGs que prestavam assessoria a esses
movimentos), compreenderam e alargaram também as suas reivindicações na direção
das atividades educativas.
Ainda que tais objetivos não tenham se concretizado totalmente, é possível
observar uma quantidade considerável de iniciativas na área de educação para o campo,
que vem paulatinamente se firmando, além, é claro, das aprovações das leis e resoluções
(LDB/DOBEC etc.) que abrem caminhos nessa direção.
Um primeiro momento que revela a importância da problemática educacional
para o campo seria o Encontro Nacional dos Educadores/as da Reforma Agrária (I
ENERAs – 1988). Esse encontro foi articulado pelos movimentos sociais e sindicais do
campo – entre eles o MST, CONTAG e a CPT15, com apoio da UNICEF e da UnB Universidade de Brasília – Em verdade, se tornou o primeiro fórum de debates sobre
educação do campo, mais precisamente em áreas de reforma agrária.
Esse primeiro encontro e a sua continuidade ainda nos dias atuais foram
apoiados por diversas ONGs, por organismos ligados à Igreja Católica (CNBB-CPT),
por protestantes históricos (a exemplo dos Luteranos) e mesmo organismos
internacionais ligados à ONU, como é o caso da FAO, UNESCO e UNICEF.
Muitas experiências alternativas foram sendo descobertas e trazidas a público a
partir desses espaços de debates: as experiências do MAB (Movimento dos Atingidos
pelas Barragens); as experiências do próprio MST, com as escolas de assentamentos e
as escolas itinerantes que se fazem presentes nos acampamentos; a experiência do
MOC-RESAB (Movimento de Organização Comunitária), mais engajado na solução
das populações rurais do semiárido e sertão, principalmente nas regiões do entorno do
Município de Feira de Santana, na Bahia; as experiências do MEB (Movimento de
Educação de Base), ligado também à CNBB, muito importante na década de 1960 e
15
MST: Movimento dos Sem Terra; CPT: Comissão Pastoral da Terra ; CONTAG:
Confederação Nacional da Agricultura.
71
1970, influenciado pelo “Método Paulo Freire” e que, ainda hoje, continua
desenvolvendo atividades junto aos povos da floresta, com a proposta de alfabetização
de adultos, tanto no Norte quanto no Nordeste brasileiro.
Como se vê, os próprios movimentos sociais e sindicais do campo que lutam
pela posse da terra e trabalham processos permanentes de educação popular não formal,
por meio de encontros, conferências, debates, fóruns, marchas, romarias e cursos de
capacitação para os camponeses/as, apresentaram propostas de educação que têm
funcionado em algumas localidades, mas sem uma efetivação mais geral tanto do ponto
de vista pedagógico/metodológico quanto do seu alcance para uma educação de
qualidade no Brasil como um todo.
Com esses encontros surgiu a ideia de formar uma equipe de articulação
nacional que viesse a envolver as várias entidades ligadas à luta pela Reforma Agrária
que, também, pensassem uma conferência onde as discussões girariam em torno da
educação do campo (Nascimento, 2002). Surge assim a “Articulação Nacional por uma
Educação Básica do Campo,” tendo como entidades promotoras a CNBB, o MST, a
UNICEF, a UNESCO e a UnB através do Grupo de Trabalho e Apoio à Reforma
Agrária (GTRA). Realizou-se, em 1998, a I Conferência Nacional por uma Educação
Básica do Campo, na cidade de Luziânia – Estado de Goiás.
Ao longo desses últimos anos o movimento foi se alargando e muitas
conferências já foram realizadas, além de encontros setoriais com vistas à continuidade
dos trabalhos no sentido de reverter a realidade em que se encontra a educação básica
para o campo hoje. Esses encontros e conferências têm sido espaços para se pensar e
refletir sobre as práticas, as conquistas, os limites e os avanços no entorno desse tema.
A partir dessa nova compreensão é que chega o PRONERA (Programa Nacional
de Educação em Áreas de Assentamento), estruturado enquanto programa para o caso
particular da educação no campo ou no meio rural, proposto a partir de 1998 pelo MDA
(Ministério do Desenvolvimento Agrário). Esse programa já é o resultado do acúmulo
desses processos de reivindicações, de lutas e pressões dos diversos movimentos sociais
do campo em relação à educação destinada ao meio rural, principalmente para o caso
dos assentamentos.
Em princípio teve-se a ideia da Formação Básica para o povo do campo. Porém,
em mais uma reflexão dos movimentos sociais do campo (MST, principalmente),
72
percebeu-se que a Educação Básica e a alfabetização, como estavam constituídas nas
primeiras reivindicações, não seriam suficientes, pois cairiam na mesma ingenuidade do
preconceito de que para o homem do campo bastariam “poucas letras 16”. Então seria
preciso ir mais longe e garantir a todos o igual direito de ter educação plena, para que,
assim, se conseguisse avançar na liberação e emancipação desses sujeitos.
Abaixo destacamos os principais recortes institucionais que organizam e
estruturam essas novas perspectivas vislumbradas pelos movimentos sociais do campo,
partindo das aberturas colocadas na LDB/96:
Diretrizes Operacionais para Educação Básica nas Escolas do Campo
(Resolução CNE/CEB nº 1 de 03 de abril de 2002);
Parecer CNE/CEB Nº 1/2006 sobre a Pedagogia da Alternância;
Diretrizes complementares, normas e princípios para o desenvolvimento
de políticas públicas de atendimento da Educação Básica do Campo
(Resolução CNE/CEB nº 2 de 28 de abril de 2008).
No caso específico da Bahia, considero que uma das primeiras iniciativas que
merece destaque, nesse contexto, foi tomada pela UNEB (Universidade do Estado da
Bahia). Foi essa instituição que há muito tempo compreendeu a importância da
pedagogia da alternância e como se estrutura o próprio conceito de “educação para o
campo”, organizando vários encontros e seminários para discutir o tema. Assim a
UNEB abraçou, de forma bastante plausível, os processos de construção e reflexão
sobre essa modalidade de educação para o meio rural.
Um primeiro momento se deu com o programa “UNEB 2002”, cujo foco estaria
em conseguir a formação de docentes de acordo com a LDB/96, DOBEC e com os
Movimentos Sociais engajados. Para N. Neide (2002), “a solução deste problema seria
uma questão de honra urgente, diante da crescente demanda cada vez maior de escolas e
a necessidade de atualização dos currículos escolares”. Nesse caso é preciso advertir
que há uma enorme quantidade de docentes que atuam na educação básica sem
qualificação necessária e adequada, exigida hoje por lei, que precisa atualizar os seus
métodos pedagógicos.
16
Frase bastante conhecida do povo brasileiro, que significa que as pessoas que vivem no meio
rural, não precisam estudar muito, já que, segundo esse imaginário, não precisarão de grandes
conhecimentos para sobreviver na terra.
73
Em seguida e partindo da experiência acumulada pelos setores interessados da
UNEB, essa Universidade aceitou a parceria com a AECOFABA (Associação das
Escolas e das Comunidades das Escolas Famílias Agrícolas da Bahia) e a REFAISA
(Rede de Escolas Famílias Agrícolas Integradas do Semiárido). Foi assim que se tornou
possível a realização dos cursos de licenciatura em Letras, Matemática, História,
Geografia e Biologia para qualificar professores que atuam nas trinata e três Escolas
Famílias Agrícolas da Bahia, no sentido de capacitá-los a desempenhar, com qualidade,
sua função educativa profissional.
Mais tarde, seria elaborado o projeto de Curso de Graduação Plena para
Professores em Exercício. Hoje não apenas a UNEB, mas a UFBA e praticamente todas
as universidades públicas da Bahia têm demonstrado interesse em trabalhar com os
movimentos sociais, no sentido de buscar soluções para a educação do campo.
Como podemos notar, as iniciativas de construção de uma educação de
qualidade para o campo brasileiro não tinham um fundamento apropriado, não havia
clareza quanto as questões fundamentais para a mudança de vida e construção da
cidadania da mulher e do homem do campo brasileiro. Assim, é possível perceber que
somente com a chega e tomada de consciência dos movimentos sociais é que novos
caminhos começam a se delinear, desembocando na atual LDB e construindo mais
especificamente a as DOBECs. A partir daí sim, passa a ser possível pensar numa
educação verdadeiramente adequada para o homem e a mulher do campo brasileiro.
74
75
CAPÍTULO III
76
3. – Os conceitos pertinentes da tese (primeira parte)
O objetivo deste capítulo é compreender as teorias e conceitos que cercam até
nossos dias a educação rural ou do “campo” no sentido de satisfazer dois elementos:
primeiro, fornecer pistas necessárias para a construção de categorias e questões de
pesquisa específicas sobre a educação para o campo no Brasil e na Região do Cacau na
Bahia; segundo, inscrever tais teorias e conceitos enquanto elementos significativos
para a educação e o desenvolvimento do campo, no sentido de contribuir para a reflexão
e evolução científica do tema.
3.1 – Por uma compreensão de desenvolvimento para o campo
Nas reflexões de Sen (1999: p.7), o desenvolvimento é compreendido de tal
maneira, que exigiria a supressão dos principais fatores que se opõem às liberdades
humanas. Esses fatores estão de uma maneira geral presentes nas comunidades rurais da
região do cacau na Bahia. Assim, tanto a pobreza, como a ausência de oportunidade
econômica; as condições precárias e mesmo a inexistência de serviços públicos são
barreiras que impedem a elevação do nível socioeconômico reverberando na qualidade
de vida das pessoas de uma comunidade ou um território. Esse aspecto é comum em boa
parte das comunidades rurais brasileira, principalmente onde a população local compõese de grupos “marginalizados” como esses da agricultura familiar.
A perspectiva de desenvolvimento que nos parece a mais apropriada para essas
populações é aquela que procura reconhecer a importância da qualidade de vida dessas
famílias e dos indivíduos como estrutura de base para se ter uma vida sã e equilibrada
no seu ambiente.
A partir daí a nossa primeira compreensão no que concerne o tema
“desenvolvimento” é a de que ele não pode ser pensado apenas como uma simples
medida quantitativa dada por indicadores socioficiais. As medidas sócio-quantitativas
de indicadores oficiais podem quando muito, contribuir para compreender a
problemática que cerca ou impede, por exemplo, o não desenvolvimento.
O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) ataca
problema do não desenvolvimento desde os anos de 1990, período no qual, com o
trabalho sobre desenvolvimento humano, um consenso foi progressivamente se
77
estabelecendo: o desenvolvimento não poderia ser medido unicamente em termos de
crescimento econômico. Neste sentido seria necessário considerar o desenvolvimento
como um processo complexo e multidimensional resultante da combinação de suas
variáveis intrínsecas: (1) desenvolvimento sustentável; (2) modificação das estruturas
sociais e econômicas; (3) progresso tecnológico; (4) modernização social, política e
institucional; (5) melhoramento global do nível de vida da população. (Aldelman,
2000).
No caso dos Objetivos do Milênio (2000), percebe-se que o desenvolvimento
deve antes, ser compreendido enquanto superação de todas as formas de não liberdades,
que restringem a escolha das pessoas, reduzindo a suas possibilidades de agir. Assim,
aparece a insuficiência de rendas, a onipresença da fome, as desigualdades entre homens
e mulheres, e a degradação ambiental enquanto problemática do não desenvolvimento
geral de pessoas e comunidades, que precisam se superadas para garantir a elevação do
nível de vida de todos.
Para o caso desta tese em princípio, o desenvolvimento deve ser concebido de
maneira complexa: precisando de um nível de auto-organização que equilibraria os
processos intrínsecos (endógenos e exógenos), garantindo mecanismos para superar as
dificuldades que se apresentam cotidianamente nas comunidades tocadas pelo não
desenvolvimento. Levando-se em conta esse tipo de atitude, a educação pode ser
considerada como parceira fundamental, no sentido de que é ela que tem a capacidade
de veicular e garantir a partir de ensinamentos e metodologias adequadas ao contexto,
os conhecimentos necessários capazes de articular o desenvolvimento (técnico,
científico, cidadão) das pessoas e das comunidades envolvidas. Neste caso, a escola e a
comunidade, o conhecimento escolar e o conhecimento comunitário, construiriam de
maneira conjunta as saídas para a superação dos fatores que se opõem ao seu
desenvolvimento.
3.1.1 – O mito da urbanização e os desafios da ruralidade contínua no
mundo contemporâneo
Segundo a FAO (2002), aquilo que podemos considerar como zona rural deve
responder a dois critérios: um está ligado ao modelo de residência e o modelo de
estabelecimento; o outro, com o tipo de trabalho do qual participam as residências.
78
Primeiramente, a zona rural é composta geralmente por espaços de zonas abertas com
baixas densidades estabelecidas, uma proporção importante de espaços não colonizados
e/ou onde os espaços utilizados são diretamente a produção primária (minas,
agricultura, criação, florestas, pesca). Segundo, as residências da zona rural são
majoritariamente dependentes – direta ou indiretamente – de suas atividades de
produção primária, que se constituem em seu principal meio de subsistência, se não o
único (FAO, apud Atchoarena & Sedel, 2005, p. 41). Trevisan (2003), numa reflexão
sobre o rural, afirma:
As transformações sociais, especialmente na área
tecnológica, e a expansão dos serviços, especialmente de energia
elétrica, comunicação e transportes que vêm se produzindo no
setor produtivo e na oferta de serviços em áreas rurais, podem
chegar a tal ponto que colocaria em xeque onde efetivamente
começa o rural e onde termina o urbano e quais as reais
diferenças entre eles (p.02).
Mas Atchoarena & Sedel (2005) acreditam que:
Persistir em ignorar o desenvolvimento rural pode
igualmente conduzir a toda uma série de outros problemas que
riscam de comprometer a realização de objetivos para o
desenvolvimento nacional. Tais problemas incluiriam o
analfabetismo, a expansão do HIV/SIDA e de outras doenças
endêmicas, como também o crescimento da migração “laisséspour-compte” nas direções das zonas urbanas. Isso pode, por sua
vez, conduzir a um desenvolvimento torpe e agravar o
subemprego informal, o distanciamento da família, a alienação
social, a criminalidade (compreendido também, estas ligadas as
drogas), as disparidades salariais, a alienação política e a
violência anti-estado organizada, como é o caso no Brasil
criando uma necessidade de proteção policial reforçada e
provocando um aumento de custos do controle de poluição, de
higiene, de saúde, etc. (p. 51).
No que concerne ao conceito de ruralidade ou campo, as DOBECs (2000)
apresentam a questão da seguinte forma:
O rural tem uma significação que incorpora os aspectos
da floresta, da criação, da agricultura, mas que engloba também
a piscicultura. O rural « campo », neste contexto, mais que um
perímetro não urbano, é um campo de possibilidades que
dinamiza a ligação entre os seres humanos, a produção de
condições de existência social e as realizações da sociedade
humana.
79
É a partir do momento da chegada das DOBECs, que a compreensão do rural
deixa de se identificar com o tom nostálgico de um passado rural do “Jeca Tatu”, como
foi largamente expresso em parte da literatura brasileira. Todavia sobre a ideia de
ignorar o campo e a ruralidade contemporânea, Mansano (2004), no artigo “Educação
no meio rural por uma escola do campo”, adverte:
Para o século XXI, no princípio da terceira década, as
estimativas indicam que mais de 60% da população mundial irá
concentrar-se nas cidades. Todavia, ainda viverão no campo
pelo menos 3,2 bilhões de pessoas, das quais 3 bilhões serão das
regiões mais pobres do planeta. A América Latina terá uma
população rural estimada em 108 milhões de habitantes. O
Brasil contará aproximadamente com 27 milhões de pessoas
vivendo no campo, ou seja, aproximadamente a mesma
população de um século atrás. Isso é, tomando como referência
a perspectiva linear. Todavia, é preciso considerar os fatos
recentes, como por exemplo, a intensa diminuição da migração
campo – cidade; a contagem populacional de 1995 registrou que
o crescimento populacional das metrópoles já é
predominantemente vegetativo; o desemprego estrutural na
cidade e no campo; a geração de condições de vida e trabalho
com a reforma agrária vem crescendo progressivamente etc.
Neste sentido, a previsão histórica de que o processo de
industrialização eliminaria o campesinato é cada vez mais
questionável e perigosa frente à realidade que se forma (p.01).
Outro dado que nos impressiona sobre a importância da agricultura familiar no
Brasil é discutido por Veiga (2002). Segundo esse autor, a população brasileira soma
mais de 35% de pessoas ligadas ao campo. O PIB brasileiro tem uma fatia de 32% de
produtos agrícolas, e 39% das exportações vêm de produtos do agronegócio. Todavia,
83% dos pequenos agricultores não têm nenhuma educação formal. Aqui se percebe o
paradoxo entre a importância da produção da agricultura familiar no Brasil e a forma
como ela é tratada principalmente, no campo da educação.
3.1.2 – A educação no caso do desenvolvimento agrícola
O estudo de Lockheed, Jamison & Lau (apud Malasis, 1980), sempre citados,
examina o resultado de 37 questionários consagrados às relações entre educação e a
produtividade agrícola em 13 países em desenvolvimento, dos quais 10 são asiáticos.
Todos os questionários mostraram que a instrução de proprietários agrícolas tem um
impacto positivo sobre a produtividade. Segundo esses resultados, a produtividade
80
agrícola é, em média, 7,4% mais elevada para um proprietário agrícola que seguiu
quatro anos de estudos elementares. Esse efeito é mais marcante em ambientes em vias
de modernização que num ambiente tradicional.
Na relação entre desenvolvimento e educação é preciso observar que nas zonas
rurais de países com fraco poder de compra, o problema do acesso à educação, e a
educação de qualidade é agudo (caso da zona rural cacaueira). Essa situação revela o
enorme desafio que implica na adoção de uma visão mais global de um projeto de
educação, que garanta o desenvolvimento de todos. Atchoarena & Gasperini (2005, p.
33) dizem que não existe atualmente solução única para a atenuação da pobreza no meio
rural, mas que para alavancar o desenvolvimento é possível considerar que a educação e
a formação nas zonas rurais se constituem em elementos cruciais.
Uma atenção particular também deve ser dada ao crescimento de empregos não
agrícolas nas zonas rurais e à necessidade de alargar o campo das políticas gerais do
ensino e da formação não agrícola da formação técnica e profissional para o
desenvolvimento rural. Portanto a escola e a educação dos povos que vivem no meio
rural não precisariam segundo essa lógica, de uma âncora fixada apenas no
desenvolvimento de habilidades agrícolas, elas podem e devem ter uma visão muito
mais contextualizada e globalizante, sem a necessidade de imposição dos jovens do
meio rural na sua fixação a ele. Fica aqueles que se identificam e querem ficar.
Para Atchoarena & Gasperini, (2005 p. 35-37) “o desenvolvimento rural engloba
a agricultura, a segurança alimentar, a educação, as infraestruturas, a saúde, o
desenvolvimento das capacidades para os empregos não agrícolas, as instituições rurais
e as necessidades dos grupos vulneráveis”. Assim para eles, o crescimento deve ser
obtido na equidade e os povos rurais têm necessidade de se capacitarem para
participarem do mercado de trabalho e da sociedade (Atchoarena & Gasperini, 2005, p.
33). A análise do sistema de educação rural só pode ser significativa se focalizada em
relação ao processo de desenvolvimento e ao sistema global de educação (o que sustenta
o nosso projeto).
Já em 1979, Malassis colocava a educação enquanto categoria histórica e ligada
a um contexto global. Para ele, a revisão dos programas das escolas rurais ou a
localização das escolas de agricultura no campo não têm o dom de resolver o problema
81
do êxodo rural. O desenvolvimento da educação rural deve se dar paralelamente à
transformação estrutural da agricultura.
No que concerne à relação entre o “desenvolvimento e a educação”
propriamente dita, é preciso destacar as novas teorias de educação emancipatória, com o
mesmo sentido de liberação humana proposto por Freire, em que a pessoa age como
sujeito que colabora com a sua própria educação (Anbrosio, 2002). Assim, é possível
falar em desenvolvimento e educação de maneira equilibrada, pois a construção dos
saberes se torna necessariamente a construção de conhecimentos próprios e apropriados
aos modos de vida e de cultura dos sujeitos presentes num dado contexto, numa aliança
dialógica entre o conhecimento teórico e o prático, entre a ciência e o sendo comum,
entre o particular e o universal.
Nesse caso, procurando compreender o desenvolvimento e a educação de
maneira complexa, a partir de experiências de projetos de educação e desenvolvimento
que florescem pelo meio rural no Brasil, como esses dos CEFFAs, dentro de uma
perspectiva de emancipação dos sujeitos/indivíduos e de suas comunidades, na busca do
empoderamento de todos refutando preconceitos e a baixa autoestima muito presentes
entre homens e mulheres do meio rural brasileiro.
Em princípio que o desenvolvimento rural não é autônomo, mas sim fortemente
determinado pelo processo global de desenvolvimento, principalmente quando da
necessidade de alicerçar-se à ciência e à tecnologia. Na nossa tese esses elementos só
podem ser concebidos, veiculados e multiplicados via o processo educacional, os alunos
são atores e ao mesmo tempo são multiplicadores. Freire (1974), por exemplo, quando
trata da questão do subdesenvolvimento, fala da “situação limite” que, segundo seu
ponto de vista, está ligada ao problema da dependência. Essa situação de dependência é,
para ele, a característica principal do “terceiro mundo”, uma situação que precisa ser
imperativamente ultrapassada.
No tocante às compreensões de Sen (1999) e ao desejo do PNUD, se insere aqui,
o desenvolvimento enquanto categoria a partir de uma relação intrínseca com educação,
numa perspectiva stricto-senso do desenvolvimento e da educação compreendida como
tal, enquanto liberação humana em sua plenitude. Nesse caso, reconhecem-se os
benefícios fundamentais da ciência e da tecnologia enquanto categorias estruturantes do
desenvolvimento econômico a priori. Essas categorias não podem e não devem ser
82
negligenciadas, já que do ponto de vista dos fins dos processos educativos elas são
fundamentais para a liberação humana, principalmente em zonas rurais periféricas onde
sua ausência causa sérios problemas ao desenvolvimento local.
O outro aspecto estaria em retornar, a relação propriamente dita, entre a
educação e as noções de valores: aí entraria a eticidade do desenvolvimento, neste caso,
enquanto norteadora das formas de pensar e interagir do homem com a natureza. Esses
fundamentos entram como componente essencial no processo de formação e educação,
ou seja, alicerça-se por um lado, a importância da ciência e da tecnologia e por outro a
importância da formação humana para o desenvolvimento.
Existe, a nosso ver, uma armadilha ao pensar o desenvolvimento apenas como
estrutura técnica ligada à economia, ou pensá-lo apenas enquanto superação da
miserabilidade existente em comunidades diversas. Freire (1987) comenta que:
O tema do desenvolvimento, por exemplo, ainda que
situado no domínio da economia, não lhe é exclusivo.
Receberia, assim, o enfoque da sociologia, da antropologia,
como da psicologia social, interessadas na questão do câmbio
cultural, na mudança de atitudes, nos valores que interessam,
igualmente, a uma filosofia do desenvolvimento (p.135).
Desta maneira, o desenvolvimento tem um sentido mais alargado e reduzi-lo ao
avanço de técnicas agrícolas ou a estatísticas básicas que se fazem para o campo seria
um erro inaceitável. Desenvolver não deve significar apenas uma medida numérica, pois
essa visão limita o papel das escolas do campo em seu processo de formação. O
desenvolvimento deve ser entendido como um processo que envolve todas as
capacidades humanas dentro de uma visão complexa e totalizante do conceito de
educar. As escolas são os vetores desses processos de mudanças de atitudes para o
desenvolvimento local, mas abarcadas na plenitude do ato educativo e não em sua
redução conceitual. Para o PNUD (2001), “a escola do campo deve ser necessariamente
o elemento principal que guia os indivíduos para a resolução dos problemas teóricos e
práticos do seu dia-a-dia, principalmente os ligados a falta de condição de vida
adequada”. Mas é preciso observar, ao mesmo tempo, que uma escola para o campo não
pode tomar os seus alunos (multiplicadores) enquanto instrumentos da técnica, mas
enquanto sujeitos construtores de conhecimentos que liga a liberdade e o
desenvolvimento pleno dos sujeitos e das comunidades.
83
3.1.3 – Desenvolvimento, educação e sustentabilidade para o campo
Uma parte importante dos atores que se preocupam com a educação no meio
rural consideram que um dos papéis da educação do campo, seria de construir o
desenvolvimento a partir de uma perspectiva complexa que envolva a sustentabilidade
de comunidades a longo prazo.
Uma primeira compreensão nos fala de sustentabilidade como “a manutenção de
um esforço contínuo, a partir da capacidade de durar, a fim de impedir a entropia”
(Stepacher, 2006). O que isso significa para a agricultura e a educação rural? Significa
que os conhecimentos produzidos pela escola rural deveriam possuir a capacidade de
garantir a permanência da produtividade e manter, ao mesmo tempo, os recursos
naturais, o meio ambiente em equilíbrio num sentido de continuidade para as gerações
vindouras. Reijntjes (1994), do Comitê do Conselho Técnico de Pesquisa
(TAC/CGIAR), afirma, por exemplo, que “a agricultura sustentável e a gestão adequada
dos recursos pela agricultura deveriam ser feitas de modo a satisfazer as necessidades
humanas transformando, mantendo e melhorando, ao mesmo tempo, a qualidade do
meio ambiente e conservando os recursos naturais.”17
Muitas famílias de agricultores tradicionais tentaram desenvolver sistemas que
garantissem suas necessidades de uma maneira equilibrada. Em revanche, existem
numerosos exemplos na agricultura mundial onde sociedades agrícolas não tiveram a
capacidade de se adaptar ao meio ambiente onde viviam e os levaram à degradação e
mesmo à desertificação, causando o êxodo e a emigração forçada.
Em numerosos países com baixo poder de compra, a capacidade de produção
alimentar se degrada por conta da erosão e do solo, da penúria de água e da demografia.
Essa situação conduz a uma questão chave: teremos comida para a população de mais
de 8 bilhões de pessoas esperada na Terra em 2030? Com base nesta hipótese provável,
segundo a qual as superfícies cultiváveis não aumentaram, parece evidente que, para
alimentar todas essas bocas, a produtividade agrícola deveria aumentar em várias vezes.
(Maragnani, 2000 apud Atchoarena & Sedel, 2005 p. 51).
17
Agricultura para o Futuro (Comitê de Aconselhamento Técnico do Grupo Consultivo de
Pesquisa Agrícola Internacional Technical Advisory Commite e of the Consultive Groupon Iternacional
Agriculture Reseach – TAC/CGIAR), 1984.
84
Na Região do Cacau, são abundantes os exemplos de degradação do solo. A
derrubada de matas ciliares e a retirada de madeira, as culturas de subsistência, a
monocultura e a criação de gado feita de maneira inadequada são bons exemplos.
Normalmente, nessa região, é possível observar grandes espaços degradados em razão
de uma má gestão dos recursos naturais, o que ocorre tanto na agricultura familiar
quanto na agricultura de grande porte.
A criação de espaço agrícola a partir de solos superficiais inadequados, como na
maioria dos casos da região cacaueira, requer a aplicação de técnicas complexas. Se
forem simples os meios técnicos do grupo que a empreende, a criação desse espaço
representa, sobretudo, uma considerável soma de trabalho no momento da
transformação para o estado produtivo e um acréscimo de trabalho ao simples processo
de produção para a manutenção da conquista realizada (George, 1984, p.22). Neste
caso, não são poucos os espaços agrícolas abandonados pela má gestão dos recursos.
Também é importante reconhecer com George (1984) que, em termos técnicos e
econômicos, o “tempo operacional” é imposto pelas condições naturais: “a organização
do trabalho (na agricultura tropical, principalmente) pouco pode fazer para variá-lo se
tornando este um trabalho descontínuo e que o sucesso dos empreendimentos agrícolas
depende frequentemente da plena utilização do tempo delimitado por esses ciclos
climáticos” (p.7). A incompetência em perceber os ciclos climáticos pode levar os solos
a sua esterilização total, como no exemplo da citação abaixo:
O centro da civilização Maya, na Guatemala, entrou em
colapso, depois de um século de expansão, a causa foi o
aumento da população que levaram ao desgaste do solo através
da erosão. As dunas móveis da Líbia e da Argélia também são
testemunhas do fracasso dos agricultores romanos no que
concerne ao cultivo nesta região, que foi o celeiro que supria de
comida uma boa parte do império romano (Douglas, 1994).
Assim, acreditamos que a apropriação de um conceito de “desenvolvimento”
aliado com a perspectiva de “sustentabilidade” na educação empreendida pelas escolas
rurais para alunos oriundos de grupos que participam da agricultura familiar é
fundamental e necessário, pois, a partir daí, torna-se possível pensar em
autosustentabilidade a longo prazo, sem esgotar os recursos naturais disponíveis e
garantindo a melhoria da qualidade de vida nas comunidades envolvidas por este
processo educacional. O papel da escola, nesse aspecto, seria de conduzir os alunos a
uma compreensão sobre “desenvolvimento e sustentabilidade” que respondesse às
85
necessidades presentes sem comprometer a capacidade das gerações futuras
a
satisfazerem suas próprias necessidades.
Outra reflexão interessante sobre desenvolvimento sustentável é feita por
Reijntjes (1994) no livro “Agricultura para o Futuro”. Ele indica quatro modos de
pensar a agricultura que são, sob nosso ponto de vista, perfeitamente aplicáveis no caso
das metodologias das escolas em estudo e também para o desenvolvimento dos
currículos de educação ou de pedagogias para o campo como um todo, que incidem
sobre uma agricultura: ecologicamente correta; economicamente viável; socialmente
justa e humana e ainda culturalmente adaptável18:
 Ecologicamente Correta: compreender a viabilidade dos agroecosistemas
inteiros – quer dizer, os homens, os animais e mesmo os microorganismos do solo devem ser tomados como uma totalidade na direção
de uma compreensão holística; assim, os recursos locais são utilizados de
maneira a evitar a perda de nutrientes, biomassa e energia19. Uma
educação que se engaja pelo desenvolvimento sustentável deve ter a
capacidade de ensinar aos alunos e às suas comunidades a preservarem a
qualidade dos recursos naturais ali existentes;
 Economicamente Viável: mostrar que o empobrecimento da população
local está ligado essencialmente ao empobrecimento da sustentabilidade
dos seus sistemas de produção20;
 Socialmente Justa e Humana: os recursos devem ser capazes de assegurar
as necessidades de base, de maneira que os atores recebam um salário
correto, tendo acesso ao capital e à utilização da terra, dispondo de
assistência técnica e tendo um preço equilibrado para a sua produção;
Todas as pessoas devem ter a oportunidade de participar dos processos
de decisão, seja no que concerne à atividade rural, seja no que diz
respeito à vida em comunidade. Os valores humanos de base são: a
18
Coen, Reijntjes. Agricultura para o Futuro: uma introdução à agricultura sustentável de
baixo uso de insumos externos/CoenReijntjes, BertusHaverkort, Ann Waters-Bayer. Trad.: John Cunha
Comerford. – Rio de Janeiro: AS-PTA, 1994.
19 Ibid.
20 Ibid.
86
confiança, o respeito, a honestidade, a cooperação e também a
integridade cultural e espiritual da sociedade;
 Culturalmente adaptável: uma educação para o desenvolvimento
sustentável deve ser capaz de compreender que as comunidades rurais
têm necessidade de se adaptar a uma agricultura em constante
transformação: “o crescimento demográfico, as mudanças de políticas
governamentais, as demandas do mercado”.
Uma outra contribuição vem de Esambert, (1996, p.134) numa reflexão sobre o
desenvolvimento sustentável a longo prazo, quando esse autor fala da dimensão ética do
desenvolvimento para ele:
A dimensão ética do desenvolvimento sustentável
resultaria da solidariedade de inter-gerações. Responsáveis da
condição das gerações futuras naquilo que se devem modificar
as convicções, a percepção que nós temos de nossos
semelhantes, de outras formas de vida e do planeta ele mesmo.
Esta dimensão ética nos impõe um dever de respeito na direção
de todas as comunidades humanas e nos engaja a se dar conta de
nossos modos de desenvolvimento, das necessidades e das
outras sociedades e das gerações futuras.
Essa perspectiva informa para a nossa pesquisa que as escolas e as metodologias
de ensino, desempenham um papel fundamental no processo de reeducação das
gerações presentes, porque essa reeducação escolar traz em si também parte da
responsabilidade em relação ao futuro dos ecossistemas de suas comunidades e das
sociedades diversas. Nesse caso, as escolas do campo podem e devem tomar como base
essa compreensão em sua totalidade e complexidade para a educação dos jovens rurais:
desenvolvimento e sustentabilidade, autonomia, capacidade de adaptação, iniciativa,
compreensão econômica e compreensão ambiental são elementos essenciais na
formação dos jovens do meio rural.
É assim que novas formas de pensar a educação devem ser capazes de incorporar
saberes e necessidades locais, sem se descuidar da sua sustentabilidade a longo prazo.
Neste caso, seria também papel da escola desenvolver e aprimorar esses conceitos, bem
como produzir conhecimentos na direção de uma agricultura mais saudável e de um
modelo econômico sustentável para as famílias rurais.
87
Pensando a esse respeito, Ensambert (1996) é bastante elucidativo no contexto
educacional, quando afirma que “os jovens são os mais entusiasmados partidários e
encontram aí um ideal; a força das aspirações sociais suficientes para orientar o uso das
tecnologias num senso favorável ao desenvolvimento sustentável” (p. 135). Esse autor
ainda indica que:
A ação em favor do meio ambiente desenvolve um
sentimento de solidariedade que constitui um fator de coesão
[...] a força da formação educacional no meio rural tem que
trazer esta capacidade de orientar os jovens alunos, a fim de
garantir uma formação vis-à-vis das necessidades das
comunidades numa perspectiva sustentável (p. 135).
Assim, é possível afirmar que não é o trabalho no campo, a colheita, a plantação
que torna difícil a educação das crianças, jovens e adultos na zona rural, mas a escola
que não se concebe enquanto escola para os povos do campo e que, ao mesmo tempo,
não propõe uma aprendizagem significativa e contextualizada para as pessoas que aí
vivem. Isso significa dizer que o problema não se situa apenas na diferenciação do
calendário e dos horários escolares como ingenuamente costumamos pensar, mas
naquilo que deveria ser estabelecido em comum acordo com as comunidades rurais.
Para a Professora Francisca Batista (2003):
O importante é discutir a concepção de educação e sua
inserção ou não a serviço de um modelo sustentável e justo de
desenvolvimento. E que tal concepção se reflita no planejamento
pedagógico dos sistemas de ensino e das escolas rurais de todo o
país. Não se discute o papel que a educação vem exercendo no
meio rural. Não se discute qual a cultura e o modelo de
desenvolvimento que criaram essa educação e esta escola, e que
são alimentadas por elas. Não se discute sobre os fins, os
porquês, os qualitativos. Apenas sobre os meios, o como, o
onde, os quantitativos (p.19).
Esse problema está ligado à reprodução dos saberes nas escolas que, na sua
grande maioria, estão distanciados da problemática da vida e do cotidiano dos que
vivem no meio rural.
88
3.1.4 – Agroecologia: um conceito complexo e necessário à educação do
campo
A agroecologia é mais que um discurso modal, é uma atitude ética, na relação do
homem junto à natureza em seus princípios de conservação e respeito, quanto na relação
com a sustentabilidade e o meio ambiente.
O avanço do enfoque agroecológico em meio às comunidades rurais muitas
vezes tem contado com o papel decisivo das iniciativas de jovens inovadores das
práticas de manejo dos agroecosistemas locais, do convívio social e da expressão
política no sentido de inverter a lógica de mercado na direção de um desenvolvimento a
longo prazo.
Portanto, se aqui se trata de uma pesquisa onde os principais atores são jovens de
escolas rurais, (alunos) que se tornam multiplicadores principalmente de experiências
agrícolas que são difundidas no interior da escola (salas de aulas e aulas de campo), a
veiculação e reflexão sobre a agroecologia, em escolas rurais numa região tropical
(região do cacau), pode se tornar uma orientação necessária e um fundamento
importante dos currículos e das propostas pedagógicas para essas escolas.
Reijntes; Haverkort & Waters-Bayer, (1994) da revista Agricultura para o
21
futuro ressalta que na contracorrente, no que concerne o agronegócio apoiado em alto
nível de consumo e de insumos externos, culturas rurais vêm sendo revalorizadas por
um número crescente de movimentos sociais e por experiências práticas no campo do
ensino e do desenvolvimento rural, a partir de uma visão que redimensiona a natureza e
a necessidade da utilização de insumos em agricultura tropical.
Muitos desses movimentos e experiências encontram, nas dinâmicas de
inovação agroecológica, estímulos para o exercício de práticas e vivências que buscam
incorporar as tradições culturais e atribuir um sentido inovador à noção de modernidade.
Com isso, novas perspectivas econômicas e socioculturais para a inserção no mundo
rural vão sendo descortinadas pelas novas gerações de agricultores, que se associam
localmente em torno de projetos e de promoção de uma agricultura ecológica.
21
Agricultura para o Futuro: uma introdução à agricultura sustentável e de baixo uso de insumos
externos. AS-PTA: assessoria de projetos em agricultura alternativa, 2005. Ver referencia.
89
A tese sobre “educação e desenvolvimento” em escolas rurais compreende a
agroecologia como uma estrutura conceitual que não pode está ausente do ensino para
as populações do meio rural em regiões tropicais. Principalmente, considerando a
diversidade e complexidade da agricultura tropical, o conceito de agroecologia orienta
as práticas agrícolas numa perspectiva de sustentabilidade e ecologia. Trata-se de um
conceito reflexivo que permite as adaptações para cada tipo de terreno e cultura
agrícola.
A reflexão ou introdução da concepção agroecológica no ensino para o meio
rural em regiões tropicais, teria um papel decisivo na intervenção do modo de produção
agrícola, levando os jovens estudantes a uma atitude que pode ser determinante no
manejo das suas propriedades familiares no caso da sustentabilidade e da preservação
do ecossistema a longo prazo.
A agroecologia entra como parceira das comunidades, sendo capaz de inovar e
inverter manejos mal desenvolvidos que levam a fragilização, a esterilização e ao
esgotamento do solo, pondo em risco a sustentabilidade como um todo. Neste caso a
agroecologia visa responder a essa complexidade de demandas agrícolas e ambientais
que se situam no campo da agricultura tropical, principalmente o pequeno porte.
Duas variáveis estão destacadas na produção agrícola atual: primeiro, a
“agricultura intensiva em insumos externos”; e, segundo, a “agricultura de baixo uso de
insumos externos”.
Essas variáveis são importantíssimas no caso da agricultura familiar, pois a
partir de sua escolha avalia-se o impacto na renda familiar dos agricultores: seja para
um gasto menor, quando da reutilização e reciclagem do material já existente na
propriedade; quanto para um gasto maior, no que diz respeito à dependência dos
insumos externos e, por conseguinte na relação com o desenvolvimento dos
agroecosistemas locais.
Assim, o aprimoramento que os agricultores e os agentes de desenvolvimento –
neste caso, escolas rurais com seus monitores, professores, diretores, têm dos princípios
ecológicos subjacentes à atividade agrícola e o aumento do seu conhecimento a respeito
das opções técnicas disponíveis são passos importantes no sentido de reforçar a
capacidade dos agricultores de desenvolver e manejar tecnologias para uma agricultura
90
sustentável de baixo nível de insumos externos e consequentemente de diminuir os
gastos com esses insumos.
Não se trata de diabolizar ou rejeitar de maneira categórica o uso de insumos
externos – fertilizantes, principalmente mas entender que uma “educação para o
desenvolvimento” em zonas rurais tropicas, deve ser uma educação que leva em
consideração a opção pela sustentabilidade agrícola local, focada principalmente na
resolução de problemas ambientais e se for o caso, no aumento de produção da
agricultura local.
Neste sentido, a busca pela sustentabilidade e produção agrícola dessas
populações, tanto pode vir por meio do baixo uso de insumos externos quanto da
utilização de fertilizantes artificiais. Neste sentido o que se propõe aqui, trata-se do “uso
criterioso” na utilização de insumos externos, no caso em que esses estiverem
disponíveis e puderem complementar aqueles produzidos nos próprios estabelecimentos
agrícolas.
Para Sachs (1987), duas grandes avaliações equivocadas foram feitas antes da
introdução da “revolução verde”:
 Não foram previstos os preços dos fertilizantes químicos e do combustível, nem
a redução dos preços internacionais de grãos resultantes da superprodução;
 A sempre crescente dependência de pesticidas e fertilizantes também não foi
prevista;
Em mais um erro da “revolução verde”, não se avaliou os riscos da
contaminação dos rios e dos lençóis freáticos nem da contaminação do próprio homem,
tanto no manuseio, quanto na alimentação cotidiana como um todo.
Por outro lado e a curto prazo, “o uso de insumos externos pode permitir um
grande crescimento da intensidade de uso da terra. Até meados dos anos 80, isso
contribuiu substancialmente para o aumento global da produção de alimentos.” (Sachs,
1987) Para a FAO, nos países em desenvolvimento, o fator que isoladamente mais
contribuiu para o aumento de produtividade é o enorme crescimento do uso de
fertilizantes que são usados em combinação com numerosos outros insumos
externos.[...] No entanto, a recente estagnação da taxa de crescimento da produção
91
levantou fortes duvidas quanto a segurança a longo prazo desses tipos sistemas. (ibid
p.12).
O processo de plantação e tratos com a terra requer mais que uma dada
dimensão técnica justaposta; requer seguramente uma análise contida de reflexões sobre
os tratos implicantes no desenvolvimento das plantas, animais e ecologia. Por essa
razão, a relação com o meio ambiente: a produção bem como seu contexto ambiental,
ecológico e espiritual devem ser considerados para a efetivação do manejo
agroecológico correto.
A partir do paradigma de sustentabilidade, “não se separa a terra dos seres
humanos, a terra da floresta, a floresta dos animais. Todos fazem parte de um mesmo
ambiente, todos fazem parte das suas comunidades e todos formam o todo”. (Boff,
1999, p.25) Agroecologia seria, para esta tese, o conjunto de atividades concernentes
aos afazeres do campo. Mas não apenas prático, essa compreensão nos remete a uma
outra complexidade multidimensional, que está imbricada dos dois elementos: da teoria
e da prática, da reflexão e do fazer...
Portanto, há uma totalidade e uma complexidade na dimensão camponesa... A
educação do campo tem que levar em consideração essa totalidade e essa complexidade,
pois “as comunidades agrícolas acreditam frequentemente que a natureza é dada por um
poder superior e que nós devemos sempre cuidá-la.” (Boff, 1999, p.25). Os agricultores
se veem como parte desse todo – como parte da natureza e não apenas como
proprietários dela; por isso, muitos rituais acompanham a atividade agrícola; a
manutenção da qualidade dos recursos naturais, por exemplo, é considerada como algo
vital: “eles não separam a criação do cultivo das plantas, a curto ou a longo prazo, a
economia da ecologia, etc. A agricultura não é mais do que simplesmente a produção,
ela é um modo de vida22” (Reijntjes, 1994, p.23).
Leonardo Boff (1999) percebe isso quando fala de uma pedagogia que brotaria
da mistura do ser humano com a terra, a vida da Terra (Gaia):
Ela é mãe e, se somos filhos e filhas da terra, nós
também somos terra. Por isso precisamos aprender a sabedoria
de trabalhar a terra, cuidar da vida: nossa grande mãe, a nossa
vida. A terra é ao mesmo tempo o lugar de morar, de trabalhar,
de produzir, de viver, de morrer e cultuar os mortos... (p.23).
22
Agricultura para o futuro. 1988, p. 61. ver ref.
92
Assim, na reflexão “complexa do manejo agroecológico”, a propriedade, a
planta e o homem fazem parte de um mesmo contexto em seu desenvolvimento, e a
relação técnica dos tratos e manejos levariam também em consideração essa dimensão
eco-espiritualizada do ambiente em que o aluno/produtor rural/jovem se encontra
inserido.
Reijntjes, (1994), afirma que:
A melhor forma das famílias adquirirem esses
conhecimentos seria por meio da escola rural, de preferência
num modelo pedagógico libertador, com conteúdos e métodos
adequados à realidade rural, calibrando apropriadamente o “que
e como” as famílias necessitam aprender. O objetivo da escola
seria neste caso, (grifo nosso) de gerar cidadãos dotados de mais
autoconfiança e autossuficiência técnica, bem como de
“ferramentas do saber” que permitam eliminar as suas
deficiências. (p.37)
Algumas preocupações são elencadas em “Agriculturas para o futuro”,
colocando que hoje no cenário mundial existe um conjunto de situações que desafiam a
agricultura de pequeno porte (agricultura tradicional; agricultura familiar). Neste
momento, os agricultores estão tendo que lidar com mudanças, aceleradas a partir do
período colonial, tais como:
 A introdução de educação e tecnologias estrangeiras na área da
agricultura;
 A crescente pressão populacional;
 As mudanças sociais e políticas;
 E, a incorporação da agricultura a um sistema internacional de mercados
controlados externamente. (LEIA, 2005)
Esses elementos que surgiram no mundo contemporâneo levam os sistemas
tradicionais de subsistência a tornarem-se cada vez mais voltados para o mercado, o que
passa a requerer da pequena agricultura e do agricultor tradicional um comportamento
cada vez mais direcionado a responder essas demandas.
Introduzimos esse conceito (agroecologia), pois ele pode se tornar o responsável
direto pela otimização dos recursos disponíveis nas comunidades dos agricultores
tradicionais que devem, por sua vez, serem utilizados de maneira consequente e
93
sustentável e de modo apropriado em cada propriedade familiar. A forma como cada
recurso deve ser utilizado e para que fim, ou seja, todo objetivo deve ser pensado de
modo a sempre contribuir para a diminuição das perdas de recursos e o aumento do
ganho maximizado em cada propriedade no seu limite econômico e ecológico.
Por outro lado, entendemos que o desenvolvimento de tecnologias é um
processo complicado, que envolve atividades voltadas deliberadamente para a geração,
para a transformação, para a combinação, para o teste e o ajuste. (ibidem). Por isso,
também, o papel da educação para o campo. O desenvolvimento de tecnologias para o
campo envolve a colaboração entre agricultores e agentes (neste caso, escolas rurais) de
desenvolvimento na análise dos sistemas agroecológico local, na definição dos
problemas e das prioridades locais, na experimentação de várias soluções potenciais, na
avaliação dos resultados desses experimentos e na difusão dos resultados para os outros
agricultores. Neste caso fica perceptível o papel e a importância da escola do campo, ela
é quem tem a capacidade de envolver atores e comunidades para a produção do seu
próprio desenvolvimento no campo.
Situando o próprio universo da construção de sujeitos (educandos) para o campo
numa perspectiva de contribuição para a liberação da sociedade como um todo, Sen
(1999) e Freire (1974) seguem a mesma direção ao colocarem que “na perspectiva
orientada na direção da liberdade, a atitude deve ser de permitir a todos intervir nas
decisões”. Sen (1999) considera que “quando um conflito se manifesta e se trata de uma
questão aberta, é a sociedade toda inteira que deve se colocar e se investir nos processos
de decisão” (p.24). Essa perspectiva lembra o mundo da pedagogia do campo e das
escolas em alternância, principalmente aquelas com focos centrados na agroecologia,
nas quais as decisões devem ser partilhadas pelos seus membros e pela comunidade
participante, sempre considerando a perspectiva de sustentabilidade a longo prazo.
Assim o outro, o que vive junto, o que vive na comunidade passa a ser visto
como parceiro, como igual na tomada de decisão que concerne a todos. Nesse caso, o
respeito se torna a base da convivência. As decisões são tomadas nas associações de
pais, jovens e todos que participam de uma maneira direta dessas iniciativas como, por
exemplo, a escola. As decisões não são tomadas de maneira unilateral, mas todos se dão
conta dos problemas e todos investem para buscar o equilíbrio das decisões e encontrar
soluções.
94
Nesse sentido, o conceito de agroecologia orienta mais que as práticas agrícolas,
mas também, a relação de convivência e respeito com a comunidade, suas crianças e
suas mulheres e seu meio ambiente.
A relação estabelecida com o conceito de agroecologia correto consiste no
elemento-chave para efetivação de uma ação pedagógica preocupada em solucionar
problemas tanto da agricultura quanto do homem e da mulher camponesa.
Neste trabalho, procuramos ampliar esse conceito não apenas enquanto estrutura
prática: passamos a concebê-lo a partir de uma dimensão complexa, que envolve além
dos processos técnicos de cultivo e de administração, a relação com o meio ambiente, a
ecologia e o conjunto de reflexões que deve o agricultor/aluno/produtor fazer durante os
tratos das culturas em contexto. Isso quer dizer que o conjunto de relações e
complexidades das decisões e dos encaminhamentos que devem ser feitos nas
propriedades envolve entendimentos técnicos, mas também os elementos da intuição
próprios de cada sujeito e de cada realidade.
A compreensão da agroecologia enquanto conceito norteador de prática agrícola
em culturas tropicais traz em si, essa relação complexa ao olhar das pessoas que
convivem no mundo do campo, o que por vezes, não é possível ser compreendido no
mundo urbanocentrado. Mas a escola rural sim, ela pode ser o veículo mais importante
de uma educação com base na agroecologia em países tropicais.
3.1.5 – O conceito de complexidade e problematicidade base para
estrutura reflexiva da “educação para o campo”
O pensamento complexo é regido por um princípio de distinção, mas não de
separação entre sujeito e objeto. Segundo Morin (1996), “o pensamento complexo é
regido por um princípio de causalidade complexa, comportando causalidade mútua
inter-relacionada,
inter-relações,
atrasos,
interferências,
sinergias,
desvios,
reorientações” (p.9). Pensando a educação e os subsistemas agrícolas de cultivo sob esse
enfoque, percebe-se que eles precisam/impõem esse comportamento, pois, ainda de
acordo com Morin (1996), esse pensamento [...] reconhece os limites da demonstração
lógica nos sistemas formais complexos comportando a associação de noções
complementares, concorrentes e antagônicas. Há que pensar de maneira dialógica por
macroconceitos, o que neste caso entra todas as variáveis que compõem esse desafio
95
educacional, formar para a cidadania e emancipação, para inovações necessárias ao
contexto e ao mesmo tempo, religar todos os macroconceitos de formação-educação a
uma postura mais universal essa, da compatibilidade com o meio ambiente e ecologia.
Morin (1984) chama de complexidade “o conjunto de princípios de
inteligibilidade que, ligados uns aos outros, poderiam determinar as condições de uma
visão complexa do universo físico, biológico e antropossocial” (p.336). O conceito de
complexidade enquanto base para entender a multidimensionalidade implicante na
“educação no campo” segue essa linha de raciocínio. Os currículos e a educação “para,
“campo” e do “campo” não podem nem devem constituir uma estrutura isolada das
dimensões sociais dos que lá vivem. Por isso, a necessidade de um conceito
problemático e complexo que amplie essa compreensão e dê conta dessa nova
perspectiva do educar.
A complexidade se revela tanto na dimensão teórica quanto na prática. A teoria
aliada à reflexão constrói o pensar humano e decide sobre a ação. Quando se trata do
campo, podemos dizer que a decisão e a ação tomadas de forma correta e em benefício
do humano devem ser construídas a partir de uma proposta pedagógica engajada numa
multidimensionalidade de situações próprias à vida dos que lá vivem. Tais situações vão
desde a importância do equilíbrio ambiental e ecológico aos modos de sobrevivência e à
economia das famílias e das comunidades. A economia que se adquire com o plantar
fitoterápico ou com a madeira na construção dos móveis de casa, a partir dos materiais
disponíveis no meio rural; a escola que reflete sobre as formas de vida do povo do lugar
e que alinha a tudo isso às compreensões técnicas e experimentais. Tudo isso faz evoluir
o trabalho e a economia sustentável das famílias sempre numa perspectiva ética
ambiental.
Portanto, na vida do homem do campo, nenhum aspecto cotidiano pode ser
negligenciado; tudo deve ser trabalhado de forma disciplinada, sendo capaz de garantir
uma intervenção adequada na vida e na natureza. Nesse contexto, é preciso redescobrir
o paradigma da complexidade enquanto fundamento inerente à educação para os povos
do campo, dada a multidimensionalidade de situações que se apresentam no seu dia a
dia e no entorno da sua comunidade.
96
3.1.6 – O conceito emergente de “campo” para o desenvolvimento da
educação no meio rural no Brasil
Um conceito de “campo” há muito se transformou num objetivo a ser perseguido
pelos movimentos sociais engajados na transformação do mundo rural como um todo.
Trata-se de um conceito surgido no meio dos movimentos sociais brasileiros ligados às
questões agrárias e educacionais para o campo. A tese retoma e reafirma essa
necessidade conceitual, por entendê-la como a mais viável para abarcar a diversidade da
problemática “campo” e da problemática “educação para o campo”.
Há tempos, para as entidades engajadas no campo, o termo rural causa
inquietação e desconforto, visto que, durante todo o desenrolar da história
contemporânea do Brasil enquanto nação, o rural foi tomado de forma estereotipada,
dando margem a todo tipo de interpretação.
Um conceito base de “campo e educação para o campo” se coloca, como
pensamento diferenciado sobre o campo para os povos não urbanos, e sinaliza na
direção de outra postura, diante da complexidade e dos desafios que cercam a realidade
dessas populações tanto do ponto de vista agrário e agrícola, quanto de questões ligadas
ao seu desenvolvimento e da relação propriamente dita com a educação.
O nascimento de uma educação para povos urbanizados seria neste caso,
resultado do conjunto de movimentos, organizações e acúmulos de experiências no seio
dessas populações, diríamos “marginalizadas”, no sentido de garantir a transformação
do modo de pensar tradicional sobre o “rural” e a busca de uma educação nova
conforme os seus desejos e aspirações.
Com a aprovação da DOBEC/02 (Diretrizes Operacionais de Base para as
Escolas do Campo) pela Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de
Educação, a zona rural adquire outro significado conceitual e se integra ao debate
público sobre o que é o campo ou sobre o que é o rural?
É a partir dessa compreensão que o rural deixa de se identificar com o tom
nostálgico de um passado, visto apenas enquanto espaço de abundância e de felicidade,
no que foi expresso em parte da literatura brasileira, principalmente nos livros de
Monteiro Lobato. Essa visão assim idealizada reforçava uma posição que subestimava
os conflitos que mobilizavam e mobilizam até hoje as forças econômicas, sociais e
97
políticas em torno da possessão e concentração de terras no Brasil, visão essa, que
subestimava também as formas de vida e de cultura dos homens e mulheres do campo.
A partir de então, “a zona rural ou campo” ganha um significado que incorpora
os aspectos da floresta, da criação, da agricultura; engloba também a piscicultura
enquanto estrutura física da vida nesse contexto e enquanto compreensão sociocultural.
O rural ou o campo, mais que um perímetro não urbano, é um campo de possibilidades
que dinamiza a ligação entre os seres humanos, a produção de condições de existência
social e as realizações da sociedade humana.
A “educação do campo” enquanto conceito: inclui todos os povos não urbanos –
os povos indígenas; os quilombolas; os povos da floresta; os meeiros; os povos
nômades; os povos das águas e dos rios entre outros com identidades próprias existentes
no Brasil – daí, não pode e não deve ser concebida a partir do mesmo paradigma do
educar que se instaurou nas escolas formais dos centros urbanos como se dá em sua
maioria atualmente.
Partido desta análise, se faz necessário a articulação de um modo de pensar que
problematize essa compreensão, levando-se em consideração os conflitos, as demandas,
os saberes e que dê conta de novas perspectivas educacionais, que tome seu lugar e
avance na busca de soluções alternativas capazes de garantir de maneira adequada o
igual direito à educação para essas populações, como reza a Constituição Nacional e os
planos e leis sobre educação no Brasil.
Seguindo os princípios epistemológicos de Bachelard (1996), propomos uma
“reflexão sobre a colocação da ação pedagógica numa nova perspectiva, esta que
acentua a reconstrução da ciência na escola, contrariamente à simples transmissão de
verdades cristalizadas”. A reconstrução educacional, acreditamos, se dá num processo
de reflexão teórica e prática, onde o contexto local se oferece para a reflexão e a
formulação de hipóteses buscando saídas para as situações e problemas.
Esta pesquisa é pensada a partir do igual direito à educação e ao
desenvolvimento para todos, se colocando numa perspectiva que busca inverter a lógica
da exclusão educacional e do não desenvolvimento para povos e pessoas que não se
enquadram em modelos uniformes do educar tradicional. Aqui o ideal é poder
responder de maneira científica a uma educação para o campo que reafirme e congregue
98
valores e identidade; tecnologia e inovações; cidadania; desenvolvimento sustentável e
ambiental em contextos diferenciados.
A partir desses caminhos, outro modelo de educação para o campo se torna
necessário, enquanto terreno profundo de reflexões para alternativas curriculares que
mereçam uma atenção maior de pesquisadores da educação no Brasil e no mundo. Silva,
(2000) fala de um currículo que surge como uma prática de significação que contribui
para a produção de identidades; o currículo surge como uma construção social que
resulta da necessidade de responder a aprendizagens que se consideram socialmente
necessárias para um determinado grupo, numa época determinada. Para Roldão, (2000)
o currículo é tudo o que é aprendido dentro e fora da escola, (como na perspectiva em
alternância), que o que é assumido (currículo explicito), quer o que não é assumido,
apesar de ser intencional (currículo oculto), como consequência direta ou indireta da
própria escola.
A Professora Roseli Caldart (2004), em suas reflexões sobre a pedagogia do
MST e a sua práxis educacional, mostra o “campo e a escola do campo” a partir de uma
relação tensiva. Para ela:
É preciso garantir que a experiência da luta dos
educandos e de suas famílias (lutas pela posse da terra, luta pela
sobrevivência, luta pelo reforço a cultura local) seja incluída
como conteúdo de estudo; é preciso desafiar a pensar em
práticas que ajudem a educar ou fortalecer as crianças,
adolescentes e jovens, a postura humana e os valores aprendidos
na luta: o inconformismo, a sensibilidade, a indignação diante
das injustiças, a contestação social, a criatividade diante das
situações difíceis, a esperança...(p.11).
A educação do campo é um paradigma em sua diferença, uma perspectiva que
não se enquadra no mundo da educação formal, tradicional e urbana na maioria dos seus
processos de ensino/aprendizagem. Por isso, cabe repensar e construir projetos
pedagógicos que confiram importância às formas de vida em contextos com cultura,
valores e aspirações diferenciadas daqueles que são vividos normalmente no cotidiano
dos educandos dos centros urbanos e, neste caso, compreender que a educação do
campo deve ter como base a diferença que lhe é naturalmente implícita para em seguida
empreender progresso tecnológico e desenvolvimento para os que lá vivem.
99
3.1.7 – Escolas rurais e educação no campo: por um modelo de educação
diferenciada
A educação, como pensada tradicionalmente, e o desenvolvimento das suas
práticas nas escolas brasileiras não englobam nem o conjunto da diversidade, (no que
inclui valores, identidades e formas de produzir) nem o conjunto em si da população do
país (trabalhadores rurais, ribeirinhos, assentados índios e negros etc.).
Na Conferência sobre Educação Rural de Addis-Abeba, em 1961, compreendeuse que não se deveriam negligenciar as características e os desafios do ambiente rural.
Reconheceu-se, na ocasião, a necessidade de “reformar os conteúdos” do ensino, a fim
de adaptá-los aos programas e às condições da vida rural, estabelecendo uma ligação
entre escola e comunidade local e procurando responder aos interesses dessa população
(Atchoarena e Sedel, 2005, p. 66).
Num artigo sobre educação básica no meio rural intitulado “Os agricultores
necessitam de um sistema educacional que os ajude a solucionar problemas”, Lacki
(2002, p.2) também reforça a necessidade de se ter uma escola comprometida com o
desenvolvimento do meio onde está inserida. Diz o autor que as escolas do meio rural
dispõem de enorme potencial, que ainda não foi adequadamente aproveitado, para
formar agricultores que queiram, saibam e possam atuar como eficientes solucionadores
de problemas existentes no meio rural. Nessa mesma linha de raciocínio, Batista (2003)
afirma:
É óbvio que os problemas da escola rural não são apenas
aqueles de móveis, carteiras, ou de instalações [...]. É evidente
que todas essas coisas são importantes e que delas não podemos
prescindir. Trata-se, no entanto, de conferir a esses problemas
uma importância secundária, visto que é mais que necessário um
debate profundo em relação ao papel da escola, na construção de
um modelo diferente de desenvolvimento, sustentável e
includente (p.19).
Para Mansano (2004), o campo e a escola do campo têm saberes mais
importantes a serem aprendidos pelos jovens que lá vivem. De volta a Lacki (2002),
quando ele afirma que,
Por não possuírem saberes e conhecimentos seguramente
alicerçados às necessidades quotidianas, muitas famílias rurais
simplesmente não podem desenvolver-se, entre outros motivos,
porque não conseguem corrigir as suas próprias ineficiências,
100
melhorar o seu desempenho no trabalho e incrementar a sua
produtividade.
Para esse autor, a realidade atual “exige que as famílias rurais se tornem mais
autônomas, a partir do desafio de tomar parte do seu mundo como agentes de
transformação da sua realidade e da realidade das comunidades em que estão inseridas”.
Trata-se, portanto, de um processo de emancipação das comunidades e da sociedade
como um todo. A escola do meio rural, como alerta R. Caldart (2004) não é, enfim, um
tipo diferente de escola:
Mas uma escola que se reconhece e ajuda os povos rurais
enquanto sujeitos sociais em que eles também têm a capacidade
de ajudar nos processos de humanização, na construção da
sociedade, com suas lutas, sua história, seu trabalho, seus
saberes, sua cultura, seu jeito de fazer. Então é uma escola que
deve incorporar as diversas formas de ser e de fazer do homem
rural para assim construir a sua autonomia (p.15).
A educação, como tradicionalmente estava pensada no Brasil em sua estrutura,
até pouco tempo não englobava outras populações que não fossem as urbanizadas e, em
particular, as próprias elites. Infelizmente isso se verifica não apenas no Brasil, mas
também em outros países com característica similares. O nascimento de uma educação
para outros povos que não os filhos das elites e de populações urbanizadas é também o
resultado do conjunto de movimentações, organizações e acúmulos de experiências no
seio dessas populações, ditas “marginalizadas”, no sentido de garantir uma educação de
qualidade e conforme os seus desejos e aspirações dos envolvidos. Portanto, como já
dissemos anteriormente, não parte da boa vontade apenas dos diversos governos em
desejarem outra forma de educação para essas populações, mas da organização e da
capacidade de pressão que entidades e intelectuais engajados na defesa de uma
educação de qualidade para esses outros povos possam fazer.
A “educação para o meio rural ou educação para o campo” é produto também de
experiências acumuladas ao longo de décadas de tensão, reivindicações e lutas para
garantir mudanças fundamentais naquilo que a classe dirigente compreendia
tradicionalmente como educação no Brasil. Nesses processos de organizações e lutas, é
possível sublinhar diversos momentos, que vão desde o movimento dos pioneiros do
campo, no início do século passado, passando pelo MEB (Movimento de Educação de
Base) ligado a Freire no ano de 1950; o início e implantação das primeiras EFAs, no
Espirito Santos (na década de 1980), com um aprofundamento particular no Nordeste
101
brasileiro, até a chegada da DOBEC/2002 (Diretrizes Operacionais para as Escolas do
Campo).
A Professora Roseli Caldart (2004), em suas reflexões sobre a pedagogia do
MST e a sua práxis educacional, mostra o “campo e a escola do campo” a partir de uma
relação tensiva. Para ela:
É preciso garantir que a experiência da luta dos
educandos e de suas famílias (lutas pela posse da terra, luta pela
sobrevivência, luta pelo reforço a cultura local) seja incluída
como conteúdo de estudo; é preciso desafiar a pensar em
práticas que ajudem a educar ou fortalecer as crianças,
adolescentes e jovens, a postura humana e os valores aprendidos
na luta: o inconformismo, a sensibilidade, a indignação diante
das injustiças, a contestação social, a criatividade diante das
situações difíceis, a esperança...(p.11).
Daí nasce o interesse da tese pelas escolas do campo, um interesse de construir e
compreender um projeto científico de educação que contribua para emancipação da
realidade perversa que cerca a agricultura familiar em sua maioria no Brasil. Trata-se da
tentativa de (re)construir uma educação “do campo e para o campo” (Arroyo; Molina &
Mansano, 2004) de maneira que desenvolva no sujeito camponês suas capacidades
intelectuais e morais, assim como sua capacidade de garantir a transformação de sua
realidade, impulsionando as diversas famílias que lá vivem para uma perspectiva
produtiva de uma agricultura familiar sustentável.
Este estudo procura compreender os esforços que estão sendo feitos pelos
CEFFAs no intuito de desenvolver conceitos, currículos e metodologias como forma de
enfrentamento das diversas dificuldades que se apresentam às famílias do campo,
principalmente às famílias de baixo poder aquisitivo. Os CEFFAs apresentam esse
perfil particular, no sentido de que busca de um diferencial metodológico para as
escolas do campo, porém há uma questão fundamental a saber: são estas escolas capazes
de constituir verdadeiras possibilidades de formação de sujeitos oriundos do meio rural
e, com isso, minorar os problemas de liberdade socioeconômica e cultural?
No mesmo sentido, para a pedagogia da diferença enquanto paradigma de
educação para o meio rural, o acento deve ser colocado na compreensão da pedagogia
do campo enquanto meio de sair do modelo tradicional não adaptado. É por isso que o
ensino e a aprendizagem nas comunidades rurais, e em particular as conduzidas pelos
CEFFAs entre outros, entram de maneira efetiva neste estudo, enquanto modelos de
102
experiências pedagógicas, nos conduzindo para aprofundar saídas de desenvolvimento
social e econômico (sustentáveis) para comunidades rurais diversas.
Neste caso, percebe-se a necessidade de fazer esse recorte teórico-metodológico
sobre a educação do campo, para assim, empreendermos modelos de educação
teórico/práticos cientificamente adequados ao meio rural brasileiro.
3.1.8 – A construção do conceito de educação para o campo
A necessidade de encontrar saídas pedagógicas consequentes para educar e
formar sujeitos não enquadrados numa pedagogia tradicional é crucial no Brasil. O
conceito de educação para o campo vem brotando, ao longo de décadas de tensão, para
garantir mudanças fundamentais na forma de ver e compreender as formas de vida fora
das cidades. Assim, é possível dizer que as pedagogias desenvolvidas para outras
populações que não as citadinas ou os diferentes modelos em curso no campo, não
avançaram de maneira profunda e apropriada enquanto pedagogias que percebem as
necessidades prementes e os desafios presentes nessa outra variável educacional.
Partido deste contexto, é que as entidades e organizações ligadas às famílias do
campo afirmam de uma maneira consensual, que nunca houve na história republicana
brasileira uma política efetiva no desenvolvimento de outros processos educativos para
o contingente não urbano que se pretendesse como possibilidade inclusiva, construída a
partir da diversidade dos povos que vivem no local onde ela se estabelece, e que
reconhecesse as especificidades dos seus modos de vida, cultura e organização social.
(Cuchê, 2004).
Tape (1994) e Akkari (2004) reforçam a ideia de se favorecer uma pedagogia
alternativa e criticam o fato de a escola obrigar os alunos a trabalharem conteúdos
distantes da vida cotidiana. Esses autores focam, na sua pesquisa, as pedagogias ditas
“indígenas”, as quais estariam no coração do debate de alternativas pedagógicas à crise
da educação mundial e, em particular, à educação das populações não urbanas, tais
como: comunidades quilombolas, bóias-frias, assalariados rurais, posseiros, meeiros,
arrendatários, acampados, assentados, reassentados atingidos por barragens, agricultores
familiares, vilarejos rurais, povos das florestas, indígenas, pescadores, ribeirinhos,
povos das águas, populações nômades, entre outros.
103
Este estudo procura reverter à compreensão do rural habitualmente veiculado no
imaginário brasileiro enquanto espaço amarrado e sem movimento, atrasado, sem
cultura, analfabeto, pobre e marginal. Nesta contraposição afirmamos que não há mais
espaço para marginalizações premeditadas pelas elites de outrora e que o caminho agora
é outro, esse de encontrar soluções coerentes para fazer avançar melhorias em termos de
qualidade de vida e educação para essas populações.
As políticas de esvaziamento do campo nos anos de 1940 e 1950, a concentração
de terras e as histórias estereotipadas sobre os povos do campo fazem parte do conjunto
de práticas exercidas pela elite para mascarar e desvalorizar o universo da agricultura
familiar brasileira. Essa situação é seguramente a responsável pelo esquecimento e o
enfraquecimento do sistema educacional rural da nação. Por isso, torna-se premente o
desenvolvimento de uma educação que ressignifique valores e que, a partir da cultura
dos sujeitos envolvidos, seja capaz de construir novos mundos e delinear novas
vivências em contexto para seus educandos; falamos de uma educação capaz de
sustentar a importante construção da autonomia dos sujeitos, a liberação das
comunidades, enfim, a construção da independência daqueles que nelas vivem e
trabalham.
O escritor Monteiro Lobato é bastante peculiar nesse contexto: suas obras são a
base para entender porque o mundo rural é tratado de maneira idílica no imaginário
brasileiro. Esse autor, cuja maior parte dos escritos está relacionada ao mundo rural,
estrutura uma construção do real rural em forma de histórias hilárias e personagens
estereotipados: o homem e a mulher rural sempre dependente; analfabetos por natureza
e completamente incapazes. Os seus livros, colocados nas escolas enquanto literatura e
livros didáticos, que atravessaram gerações de estudantes das escolas básicas do Brasil,
ganhando interpretações diversas no mundo da televisão aberta durante as últimas
décadas, generalizando estereótipos extremamente depreciativos sobre os povos do
meio rural. Monteiro Lobato coloca o homem e a mulher rural como cidadãos de
segunda classe em enredos cuja função era tão somente fazer o público rir das suas
histórias. Entre os principais personagens das suas obras temos as “Histórias do Jeca
Tatu”, personagem que, entre outros, retrata o homem rural como imbecil e
incompetente para atividades minimamente complexas.
O personagem era dono de um sítio no interior. Possuía
os recursos para uma vida com fartura, mas não os aproveitava.
104
Tirava apenas para seu sustento, a sua produção era bem aquém
de seu potencial. Contrastando, seu vizinho, um italiano,
produzia em abundância e melhorava seu padrão de vida a cada
ano que passava (Santana, 2011 p. 1).
O campo é e sempre foi dinâmico e tensivo: pelos conflitos, pelas políticas
agrárias e agrícolas, pela carência de investimentos, enfim... A educação para o campo
tem a obrigação de abarcar essa dinâmica e essa tensividade e, por conseguinte,
problematizá-la de maneira profunda. Caldart (2004), afirma que a educação do campo
deve trabalhar “os interesses dessas populações, a política, assim como a cultura e a
economia dos diversos grupos não citadinos, nas suas diversas formas de trabalho e de
organização, na sua dimensão de permanente processo, produzindo valores,
conhecimentos e tecnologias na perspectiva do desenvolvimento social e econômico
equitativo.” (p.20).
Para tanto, a reinvenção de uma educação para o campo seria, trazendo esses
princípios acima, a condição sine qua non para reversão desta lógica de preconceito e de
denegação dos homens e mulheres do campo.
Assim, a reinvenção do “conceito de campo” ou propriamente dito do “conceito
de educação para o campo” é também produto da necessidade de reverter ideologias
como essas acima, que não correspondem à verdadeira identidade, dignidade e aos
desafios enfrentados por povos não urbanos e que, de uma maneira geral, só atrapalham
a emancipação e o desenvolvimento de políticas adequadas para os que lá vivem.
O trabalho de Michel de Certeau (2002) parece trazer contribuições
fundamentais para o tema. Preocupado com a questão dos deslocamentos e das
ressignificações dadas pelas “pessoas simples” aos produtos culturais que lhes são
impostos, nesse caso cidade/campo, Certeau (2002), alerta que “não se deve tomar os
outros por idiotas”. Ele demonstra como os “de baixo” não são meros depositários,
meros receptores de fragmentos de uma pretensa “alta cultura” imposta; assim, procura
mostrar às “táticas” e “estratégias” encetadas por essas “pessoas simples” para fugirem
e ressignificarem as “dominações” a que são subjugadas, procurando entender os usos e
os sentidos dados aos produtos culturais recebidos (p. 43).
Assim como Certeau, Porto (1994, p.120), percebe que “[...] os indivíduos não
recebem passivamente a dominação”; eles tentam ajustar-se, reinterpretando os modelos
existentes, ressignificando-os, dando um sentido próprio às formas culturais impostas.
105
A articulação desse pensamento encontra ressonância no que reivindicam vários
autores: Kolling, Ceriole (2002) e Caldart, Arroyo & Molina (2004). Junto com os
movimentos sociais brasileiros, que compreendem o “campo e ao mesmo tempo a
escola do campo” a partir de sua relação de tensividade inerente, esses autores avaliam
que a formação também deve ser dada, incluindo as experiências das lutas e dos
desafios dos educandos e de suas famílias (lutas pela posse da terra, luta pela
sobrevivência, luta pelo reforço da identidade e da cultura local). Assim, valem as suas
afirmações e dos movimentos sociais engajados no meio rural a partir do conceito de
educação para o campo:
 Que deve elevar a escolaridade e proporcionar a qualificação profissional
inicial de agricultores (as) e seus familiares;
 Que o povo do campo tem direito a uma escola do campo, política e
pedagogicamente vinculada à história, à cultura, às causas sociais e
humanas dos sujeitos do campo;
 Que deve estimular o desenvolvimento sustentável e solidário como
possibilidade de vida e constituição de sujeitos cidadãos;
 Que deve fortalecer o desenvolvimento de propostas pedagógicas e de
metodologias adequadas à educação de jovens e adultos que vivem no
campo.
Inseridos nas compreensões curriculares e metodológicas dessas escolas,
entendemos como legítimas as reflexões tanto dos autores acima citados e dos
movimentos sociais quanto dos atores presentes no mundo rural. Já não se aceita mais a
ideia de uma “educação rural” sem movimento e sem preocupações maiores com o
contexto; não existe mais espaço para a educação tradicional, pois esta não integra nem
assegura corretamente a dimensão existencial dos jovens, homens e mulheres que vivem
no/do campo.
A estruturação de um conceito de educação para o campo também deve ser vista
como um elemento base para a quebra dos modelos dominantes, que não atendem
efetivamente às necessidades atuais. A quebra desses modelos e a substituição por um
outro deve recolocar na ordem do dia as reais necessidades do homem do campo. Para
Khum (1998), um paradigma nasce quando outro já não mais se sustenta, quando o
velho paradigma já chegou ao seu limite. Esse é o caso da educação para o meio rural,
106
pois o novo paradigma deve dar conta adequadamente das demandas rurais, além de ser
capaz de operar mudanças importantes na educação, na economia, na sociedade e na
cultura campesina.
Autores, como Lacki (2002) e Chequeto (2002) concordam que a melhor forma
de a juventude e as famílias de povos não urbanizados23 adquirirem conhecimentos
necessários à melhoria das condições de vida é pelo viés da escola rural.
Preferencialmente, essas escolas devem adotar um modelo pedagógico libertador, com
conteúdos e métodos adequados à realidade rural, calibrando apropriadamente o “que e
como” as famílias necessitam aprender, com vistas a gerar cidadãos dotados de mais
autoconfiança e autossuficiência técnica, bem como de “ferramentas do saber” que
permitam eliminar as suas deficiências.
Os CEFFAs (Casas Famílias Agrícolas e Escolas Famílias Agrícolas) têm sido,
ao longo de sua caminhada no meio rural, exemplos concretos de luta pela mudança
desse paradigma educacional, ainda que muito se precise avançar. Mas nessas
experiências, encontramos o debate sobre o futuro das comunidades rurais; sobre o
futuro do meio ambiente; sobre o futuro da terra; sobre o futuro da agricultura familiar e
da educação no campo. Nele, o tipo de educação que deve ser oferecido ao meio rural
não pode nem deve ser concebido a partir do paradigma instaurado nas escolas públicas
tradicionais do campo, esse de um modelo urbano transplantado para a zona rural que
não reconhece nem reafirma as formas de vida e de cultura dos que lá vivem.
O ideal é que se articulem conceitos que ampliem e problematizem essa
compreensão no sentido de garantir um outro paradigma do educar para o campo, que
avance na pesquisa de soluções para os problemas vividos por essas populações, mesmo
que “aprender possa significar apropriar-se pessoalmente de um saber já conhecido pela
sociedade, (o saber tradicional da comunidades rurais) enriquecer um conceito para lhe
dar novas possibilidades (o conceito de educação para o campo), o que, neste sentido,
também elabora um saber original” (Giordan, 1998, p.5).
Chequeto, (2002) afirma que o processo de aprendizagem no campo, deve partir
de situações vividas, encontradas e observadas no meio, longe da simples aplicação,
como acontece nas escolas tradicionais. Neste sentido é preciso entender que os alunos
são mais do que simples alunos... Eles devem se construir como atores
23
Povos da floresta, indígenas, ribeirinhos, nômades...
107
socioprofissionais em permanente formação, que adquirem, ao longo de sua experiência
de vida pessoal (familiar, social e cultural), saberes e conhecimentos necessários ao seu
dia a dia. Ao serem escolarizados, fazem da escola um lugar de aprendizagem e de
ensino mútuo; nesse caso, a educação deve ser centrada nos valores e na vivência dos
sujeitos em seu contexto.
Sikounmo (1992) coloca que “o dever é muito mais árduo quando preferimos
nos libertar, evoluir numa direção de mais e mais autonomia para ser primeiro a si a fim
de poder dialogar, cooperar utilmente com o outro” (p.03). O trabalho de construir
cientificamente uma alternativa pedagógica para o campo, evidentemente, deve
envolver a todos: escola, comunidade, educador e organizações do povo rural, de
maneira engajada, na direção da liberação de todos, para que, assim, se rompa com a
denegação e alienação escola no meio rural e se construa uma sociedade mais justa e
democrática.
3.1.9 – O conceito da pedagogia histórico-crítica dos conteúdos
enquanto perspectiva para a educação do campo
Uma outra perspectiva auxiliar ao conceito de alternância e por sua vez auxiliar
ao conceito de educação para o campo e para as escolas do meio rural, poderia vir pela
via da compreensão da pedagogia histórico-crítica social dos conteúdos, (Saviani, 2011)
por conta de que essa pedagogia acredita que uma determinada metodologia empregada
contribui sobremaneira para o sucesso ou fracasso do processo de ensino-aprendizagem.
Ao focar na competência técnica do professor o que por si só é um dos desafios
da escola do meio rural, esta deve reconhecer a interação entre o conteúdo e a realidade
concreta do aluno, para que se entenda a escola como espaço social responsável pela
construção do saber universal sem, no entanto, cair no tecnicismo ou no reprodutivismo,
ao mesmo tempo em que reforça o diálogo entre o professor ou monitor e o aluno. Além
de perceber o que é importante na construção do saber escolar, desmerecendo conteúdos
e currículos sem significância concreta para aprendizagem dos que dela participam.
Para Mello (2008) “Uma analise realista da condição de muitos desses
professores-monitores eliminaria qualquer suspeita de que a importância da
competência técnica seria apenas tecnicismo”. Neste caso sem cair no tecnicismo, mas
reconhecendo a importância técnica da produção do conhecimento. E continua... “há
108
alguns que dominam mal os próprios conteúdos que deveriam transmitir que
desconhecem princípios elementares do manejo de classes... e que muitas vezes, sequer
possuem domínio satisfatório da própria língua materna”. (idem)
Numa outra ponta dessa pedagogia se estrutura o saber instrumental (os
conteúdos) onde os docentes apresentam aos alunos de maneira adequada os
conhecimentos científicos e técnicos devidamente escolhidos e necessários aos
processos de formação desses. Em seguida, se estrutura uma ação problematizadora
sobre os conteúdos e a importância desses na vida do aluno e na sua importância
comunitária com vistas à emancipação e à transformação social.
Para Gasparin & Petenucci (2004) trata-se de uma pedagogia viável e aplicável,
devendo ser utilizada na prática recorrente de educadores comprometidos com a
qualidade de ensino para todos. Neste sentido, ela nos parece viável também na medida
em que o saber dos contextos em que estão inseridas as escolas do meio rural se tornam
fundamentos para a construção dos saberes necessários, tanto para a escola quanto para
as comunidades que dela participam.
Já Saviane & Guimomar (2008), coloca a importância “em primeiro lugar, do
domínio adequado do saber escolar a ser transmitido, juntamente com a habilidade de
organizar e transmitir esse saber de modo a garantir que ele seja efetivamente
apropriado pelo aluno”. (p. 27) e por extensão, no nosso caso, o que deve se apropriado
também pela comunidade em seus processos entrópicos de desenvolvimento.
Entendendo que a comunidade não é passiva, ela é em si o instrumento por excelência
de difusão, sendo que o conhecimento neste caso, não procura a busca do saber
individualizado como nas escolas tradicionais, mas como esse saber transmitido ao
indivíduo (aluno) se multiplica ou deve se multiplicar no seio comunitário e familiar,
tratando-se portanto de um saber transmitido de maneira individualizada, mas com a
perspectiva da socialização imediata.
Em segundo lugar, tratar-se-ia de uma visão relativamente integrada e articulada
dos aspectos relevantes mais imediatos de sua própria prática... (Saviane & Guimomar,
2008). Neste caso, esse elemento responde pela necessidade da pesquisa e da partilha
nas comunidades de origem dos alunos, o que é necessário aprender primeiro no sentido
de garantir o desenvolvimento comunitário dos alunos e de suas famílias? Sendo esse,
um entendimento das múltiplas relações entre os vários aspectos da escola, desde a
109
organização dos períodos de aula...(idem). Assim este aspecto, pode e deve passar pela
relação seja via a alternância, seja de respeito a sazonalidade dos períodos agrícolas
intrínsecos às comunidades envolvidas no processo escolar; passando por critérios de
matrícula (quem são esses alunos?); até o currículo e o método de ensino. (idem,
ibidem)
Em terceiro lugar, a organização da escola e os resultados da ação. (idem,
ibidem) Está avançando? Está desenvolvendo? Qual o diagnóstico? O que pode ou deve
ser feito para aperfeiçoar tal ou tal aspecto do problema?
Em quarto lugar, uma compreensão mais ampla das relações entre a escola e a
sociedade, que passaria necessariamente pela questão de suas condições de trabalho e
remuneração. Neste quesito, seria preciso reverter a visão de que na escola do campo
somente profissionais mal preparados e mal pagos trabalham.
Ela é histórica porque, segundo os seus autores, a educação também interfere
sobre a sociedade, podendo contribuir para a sua transformação e crítica por ter
consciência da determinação exercida da sociedade sobre a educação.
3.1.10 – A pedagogia do oprimido: elemento teórico chave para
(re)educação dos povos do campo
A compreensão da tese a partir da pedagogia do oprimido se justifica por duas
razões: de um lado, porque esta concepção é uma referência para os movimentos
sociais, principalmente os ativos no mundo do campo; e, de outra parte, por conta da
sua origem pedagógica. Freire (1974) vem de um contexto rural do Estado de
Pernambuco no Nordeste, ou seja, de uma região com características similares à da
nossa pesquisa. Para ele, “a escola não transforma a sociedade, mas pode ajudar a
formar sujeitos capazes de fazerem a transformação da sociedade, do mundo e até de si
mesmos” (p.7).
As ideias que são hoje atribuídas a Freire chegaram ao Brasil antes das correntes
marxistas/ cristãs. Sua pedagogia se opõe ao modelo positivista, que ele qualifica como
“modelo mecanicista”. A ótica do ensino/aprendizagem em Freire é, por natureza,
110
interativa, e a ação interativa (dialógica) depende da percepção de cada um enquanto
“sujeito do conhecimento”, atitude que ele chama de “conscientização”24.
A educação que ele defende deve sustentar a importância da construção da
autonomia nos sujeitos envolvidos numa praxis. Deve ser, assim, uma educação que
repensa valores, a partir da matriz cultural local e que seja, por sua vez, capaz de
construir novos mundos e delinear outras vivências em decorrência da necessidade do
contexto.
Freire começou a trabalhar o seu método de alfabetização dito de
“conscientização” a partir de 1947, para chegar a uma primeira mise en forme em 1961.
O método começa a ser experimentado e aplicado a partir de 1962, na região mais pobre
do Brasil, o Nordeste, que contava na época com 15 milhões de analfabetos em 25
milhões de habitantes. Em 1967, Freire publica “A educação: prática da liberdade”.
Quanto ao conceito apresentado aqui, o da pedagogia do oprimido, escrito em 1969, ele
está ligado principalmente à experiência com os camponeses chilenos.
Na região onde se desenvolveu o nosso estudo, as ocupações de terra e o
processo de reforma agrária permitiram o aparecimento de diferentes atores sociais,
como o Movimento dos Sem Terra (MST) e o Movimento de Luta pela Terra (MLT).
Boa parte dos sujeitos desta pesquisa vem dos assentamentos e convivem com
situações de tensividade no seu dia a dia. Essa tensividade seria também pedagógica
para Freire. Na relação de embates vividos por cada movimento (MST, MLT,
Sindicatos etc.) e em cada momento específico, surge uma vasta gama de aprendizados
históricos que permitem a ação educativa. Aqui entra o papel do que Freire (1984)
chama de temas geradores e situações limites:
Os temas, em verdade, existem nos homens, em suas
relações com o mundo, referidos a fatos concretos. Um mesmo
fato objetivo pode provocar, numa sub-unidade epocal, um
conjunto de “temas geradores”, e, noutra, não os mesmos,
necessariamente. Há, pois, uma relação entre o fato objetivo, a
percepção que dele tenham os homens e os “temas geradores”
(p.116).
No raciocínio freiriano, a educação instrumentaliza o “povo emergente mais
desorganizado, ingênuo e despreparado”, marcado por um índice alarmante de
24 In prefácio, Alfabetização: leitura do mundo leitura da palavra, Paz e Terra 1990.
111
analfabetismo, para a construção de uma outra perspectiva: moderna, justa, democrática
e liberal. Há uma crença explícita no papel das “instâncias superestruturais” como as
responsáveis por organizar essas conquistas “para todos”:
Na proporção em que discutem o mundo da cultura, vão
explicando seu nível de consciência da realidade, no qual estão
implicitados vários temas. Vão referindo-se a outros aspectos da
realidade, que começa a ser descoberta em uma visão
crescentemente crítica. Aspectos que envolvem também outros
tantos temas (Freire, 1987, p.140).
Como diz Weffort (1984) no prefácio do livro “Educação como prática de
liberdade”: “foi-nos possível esboçar, através de Freire, as bases de uma verdadeira
pedagogia democrática, o início da educação popular, uma prática educativa voltada de
modo autêntico para a libertação das classes populares” (p. 15-25).
Muito
mais
a
mobilização,
a
organização,
a
difícil
batalha
pela
representatividade e pela cidadania das camadas populares do que a manipulação típica
do populismo: era isso que estava claro na positividade de uma ação pedagógica
politicamente solidária aos interesses populares, tidos como desestabilizadores da
“ordem” e do “progresso” (da minoria).
É na pedagogia do oprimido que P. Freire “começa a ver” a politicidade do ato
educativo com maior nitidez, embora a educação ainda não seja explicitada em sua
inteireza política, mas apenas em seus “aspectos” políticos. Coloque-se ainda que as
correntes existencialistas e personalistas definidoras do seu “humanismo idealista”
inicial continuam presentes, agora misturadas com as incorporações do pensamento
marxista. Mas esse novo momento não impede Freire (1974) de se autocriticar: “Em
meus primeiros trabalhos não fiz quase nenhuma referência ao caráter político da
educação. Mais ainda, não me referi tampouco ao problema das classes sociais, nem à
luta de classes [...].” Esta dívida refere-se ao fato de não tê-las dito e o leva a reconhecer
também, que só “não o fez porque estava ideologizado, era ingênuo como um pequenoburguês intelectual (p. 43)”.
Com Freire (1984), descobrimos que, do ponto de vista crítico, é tão impossível
negar a natureza política do processo educativo quanto negar o caráter educativo do ato
político. Quanto mais ganhamos esta clareza através da prática, mais percebemos a
impossibilidade de separar a educação da política e do poder. “Assim, a pedagogia que
parte dos interesses egoístas dos opressores, egoísmo fantasiado de falsa generosidade, e
112
que faz dos oprimidos o objeto de seu humanitarismo, mantém e encarna a opressão
propriamente dita. É um instrumento de desumanização” (Freire 2004, p.32).
A pedagogia passa por uma praxis educativa pautada na liberdade humana.
Freire (1974) explica que “como existe a necessidade de ultrapassar a situação de
opressão que se impõe, esta implica numa compreensão crítica da realidade, a fim de
que, por uma ação transformadora exercida sobre ela, possa se instaurar uma nova
realidade” (p.90). Do ponto de vista dialético, ação e mundo estão intimamente ligados,
por isso Freire (2006) afirma:
Mas a ação não é humana enquanto – mais que um
saber/fazer – ela é um dever, quer dizer quando ela não se separa
da reflexão. Esta reflexão, necessária à ação, é implícita quando
Lukacs declara que tem que explicar aos alunos suas próprias
ações; ela é igualmente implícita na finalidade que ela garante a
esta reflexão: acelerar o desenvolvimento ulterior dessas
experiências (p.31).
Com efeito, a luta dos oprimidos e sua liberação estão diretamente conectadas à
percepção dessa situação opressora/alienante e à criação de alternativas. Insistir na
opção dialógica da relação liderança-oprimido e enfatizar a pedagogicidade da conduta
de quem lidera/educa (ou deseduca), sem intransigir, exige a educação política do
próprio líder/educador (Freire, 1884). Trata-se da tese da imperiosa necessidade do
educador (re)educar-se no conflito social ao lado dos oprimidos – atento para não perder
de
vista
a
imprescindibilidade
da
sua
formação/atuação
técnica
profissional/conteudística – que corporifica-se ao longo de todo o seu discurso.
A pedagogia do oprimido, como pedagogia humanista e
libertadora, terá dois momentos distintos: o primeiro, em que os
oprimidos vão desvelando o mundo da opressão e vão
comprometendo-se na práxis, com a transformação; o segundo,
em que transformada a realidade opressora, esta pedagogia deixa
de ser do oprimido e passa a ser a pedagogia dos homens em
processo permanente de libertação. A pedagogia, a educação
humana é antes de mais nada, um espaço de construção da
liberdade, principalmente da liberdade deste que é oprimido. Ela
é engajada a educar a partir da leitura da realidade vivida, das
suas lutas e das suas dificuldades, como é o caso da maioria da
população dessa pesquisa (Freire, 1984, p.44).
Ainda de acordo com o mesmo autor, “não fui às classes oprimidas por causa de
Marx. Fui a Marx por causa delas. O meu encontro com elas é que me fez encontrar
Marx e não o contrário”. Nesse sentido, Freire (1979) afirma que a relação entre a
113
educação enquanto subsistema e o sistema maior é dinâmica e contraditória. “As
contradições que caracterizam a sociedade como está sendo, penetram a intimidade das
instituições pedagógicas em que a educação sistemática se está dando e alterando o seu
papel ou o seu esforço reprodutor da ideologia dominante.” (p.74-75).
O que temos de fazer, então, enquanto educadoras ou educadores, é assumir a
nossa opção, que é política, e sermos coerentes com ela na prática:
A questão da coerência entre a opção proclamada e a
prática é uma das exigências que educadores críticos se fazem a
si mesmos. É que sabem muito bem que não é o discurso o que
ajuíza a prática, mas a prática que ajuíza o discurso. Quem
apenas fala e jamais ouve; quem “imobiliza” o conhecimento e o
transfere a estudantes, quem ouve o eco, apenas de suas próprias
palavras, quem considera petulância a classe trabalhadora
reivindicar seus direitos, não tem realmente nada que ver com a
libertação nem com a democracia. Pelo contrário, quem assim
atua e assim pensa consciente ou inconsciente, ajuda a
preservação das estruturas autoritárias. Só educadoras e
educadores autoritários negam a solidariedade entre o ato de
educar e o ato de ser educado pelos educandos (Freire, 1987,
p.81).
Dentro de uma visão humanista, Freire (1987) compreende que a educação é, na
intimidade das consciências, movida pela bondade dos corações e é por ela que o
mundo se refaz. Ora, já que a educação modela as almas e recria corações, ela é a
alavanca das mudanças sociais; portanto, a partir desse princípio, não pode haver
educação para mudanças de atitudes sem que haja engajamento por parte dos
educadores-líderes.
Nesse sentido, ele reafirma que:
Se antes a transformação social era entendida de forma
simplista, fazendo-se com a mudança, primeiro das
consciências, como se fosse à consciência de fato, a
transformadora do real, agora a transformação social é percebida
como um processo histórico demorado e paciente (Freire, 1987,
p.91)
Para esse autor, se antes a educação-alfabetização de adultos era tratada e
realizada de forma autoritária, como nos exemplos do MOBRAL (Movimento
Brasileiro pela Alfabetização), durante o regime militar, década de 1970, escondendo a
realidade, agora, pelo contrário, a alfabetização como ato de conhecimento, como um
114
ato criador e como ato político é um esforço de leitura do mundo e da palavra. Agora já
não é possível texto sem contexto.
A alfabetização de adultos e a pós-alfabetização, quanto à educação dos povos
dos campos e de populações marginalizadas, deve gerar esforços para que se chegue a
uma correta compreensão do que deveria ser a palavra escrita, a linguagem, a relação
com o contexto de quem fala, de quem lê e escreve, portanto da relação dialogal entre
“leitura do mundo e leitura da palavra”. Daí a necessidade que se tem do adentramento
crítico no texto, de procurar apreender a sua significação mais profunda, propondo aos
leitores uma experiência estética, de que a linguagem popular é inteiramente rica. Essa
afirmação é fundamental no sentido de que ela se contrapõe aos preconceitos e
denegações perpetrados contra as populações rurais no Brasil, sendo aqui possível
perceber a inversão da lógica de exclusão e a reafirmação da linguagem daqueles que
não estão fazendo parte de uma linguagem ingenuamente afirmada pelos ditos
“letrados”.
É através da cultura popular que o que se quer é a afetiva
participação do povo enquanto sujeito na construção do país,
pois quanto mais consciente o povo faça sua história, tanto mais
o povo perceberá com lucidez as dificuldades que tem a
enfrentar, no domínio econômico, social e cultural, no processo
permanente de sua libertação (Freire, 1987, p.89).
Essas compreensões de Freire estão diretamente ligadas ao mundo do campo, às
escolas do campo e suas dificuldades: dificuldades de contar com educadores
qualificados e engajados no respeito àqueles que fazem parte da cultura popular, que
falam como o povo fala, povo que em nenhum momento pode nem deve ter a sua
inteligência subestimada.
Essa tensividade vivida pelos assentados se enquadra perfeitamente na
perspectiva da pedagogia do oprimido:
Seria a partir dessa tensividade crítica que chegaríamos
com uma educação dialogal e ativa, voltada para a
responsabilidade social e política, caracterizando-se pela
profundidade na interpretação dos problemas. Pela substituição
de explicações mágicas por princípios causais. Por despir-se ao
máximo de preconceitos na análise dos problemas e, na sua
apreensão, esforçar-se por evitar deformações. Por negar a
transferência de responsabilidades. Pela recusa a posições
quietistas. Por segurança na argumentação. Pela prática do
diálogo e não da polêmica. Pela receptividade ao novo, não
115
apenas porque novo e pela não-recusa ao velho (Freire, 2000,
p.69).
A constituição do pensamento político-pedagógico de Paulo Freire tem como
locus principal o Brasil e a América Latina da década de 60; a partir de 70, chega à
África, influenciando inclusive países da Europa e América do Norte. Essa
disseminação teve como ponto de partida o livro Pedagogia do Oprimido. Mas,
levando-se em conta três dos seus mais representativos escritos – Educação e atualidade
Brasileira (1959), Educação como Prática da Liberdade (1984ª) e Conscientização
(1980ª) – todos eles permeiam o conceito que envolve o binômio educação-política.
As décadas de 1950 e 1960 são momentos de trânsito para a modernização das
forças agro-comerciais. É nesse período que Freire salienta a necessidade de uma
ideologia de “consciência nacional” com o chavão de ideologia do desenvolvimento
(1959, p. 28). Ter consciência crítica era contribuir para um projeto de reformas de base
(agrária, educacional, de saúde, de industrialização auto-sustentada). A conscientização,
como intermediação político-pedagógica, poderia atingir todas as classes e o diálogo
deveria conduzir o “entendimento geral para o desenvolvimento de todos”.
É exatamente este aspecto importante para o nosso estudo. Toda a relação
dinâmica entre a leitura da palavra e a leitura da realidade, a palavra do trabalhador rural
nordestino e a leitura da realidade camponesa da qual ele faz parte. Para Freire (1987) a
linguagem dos textos é desafiadora e não sloganizada. Por isso mesmo, os cadernos não
são nem poderiam ser livros sem contexto, como é o caso da maior parte dos livros
encontrados nas escolas rurais do Brasil. O texto e o contexto não são próximos, não
dialogam, não recriam nem reinventam realidades. Não refletem sobre essa realidade e
não buscam saídas para os problemas concretos vividos no cotidiano das comunidades
rurais.
É na participação crítica e democrática dos educandos no ato de conhecimento
que se formam também os sujeitos. É a participação do povo, no processo de reinvenção
de sua sociedade, que constrói os modelos necessários a sua superação.
É preciso, na verdade, que a educação do campo esteja a serviço da reconstrução
comunitária e contribua para que os educandos, tomando mais e mais a sua história nas
mãos, que se refaçam na leitura da história e na leitura do mundo, estando presentes
nela e não simplesmente nela estando representados. No fundo, o ato de estudar,
116
enquanto ato curioso do sujeito diante do mundo é expressão da forma de estar sendo
dos seres humanos, como seres sociais, históricos, ser fazedor, transformador, que não
apenas sabem, mas sabem que sabem. Os educandos têm de conhecer melhor o que já
conhecem em razão da sua prática, têm também que conhecer o que ainda não
conhecem em razão da sua necessidade e importância. (Freire, 1987).
Nesse processo, não se trata propriamente de entregar ou
de transferir a explicação mais rigorosa dos fatos como algo
acabado, paralisado, pronto, mas de contar com a capacidade de
fazer, de pensar, de saber e de criar das massas populares e
camponesas, estimulando-as, desafiando-as (Freire, 1987).
Nesse processo educacional, não interessa transferir aos “jovens” frases e textos
para ler sem entender. A reconstrução da identidade exige de todos uma participação
consciente em qualquer nível, exige ação e pensamento, exige prática e teoria, exige,
enfim, procurar, descobrir e entender o que se acha mais escondido nas coisas e nos
fatos que nós observamos e analisamos.
Na sequência, Freire (1987) destaca mais uma vez, as preocupações em torno
dos objetivos principais da transformação do nosso ensino, que é de fazer a ligação da
escola à vida – “ligá-la à comunidade onde se encontra, ao bairro. Ligar a escola ao
trabalho produtivo, no caso especifico ao trabalho agrícola; aproximá-la das
organizações de massa” (p.50). Aproxima-se o trabalho produtivo da educação até o
momento em que “já não se estuda para trabalhar, nem se trabalha para estudar, estudase ao trabalhar”, conclui Freire. (1984, p.9). Unifica-se o contexto “teórico” (educativo)
e o contexto “concreto” (a atividade produtiva). Nesse sentido, o homem novo e a
mulher nova que a sociedade aspira não podem ser criados a não ser através do trabalho
produtivo para o bem humano. Esse homem e mulher nova são a matriz do
conhecimento.
3.1.11 – “Os temas geradores” e a sua importância na educação para o
meio rural
Para Freire (1987, p. 110), os temas geradores se encontram, de um lado,
envolvidos, e, de outro, envolvendo as “situações limites”, enquanto as tarefas em que
eles implicam. Assim, a introdução desses temas, de necessidade comprovada no meio
rural, corresponde à dialogicidade da educação de que tanto se fala. Se a programação
117
educativa é dialógica, isso significa o direito que também têm os educadores-educandos
de participar dela, incluindo temas não sugeridos (Freire, 1984, p. 136). Por isso, Freire
afirma que “esta é a razão pela qual não são as “situações limites” em si mesmas
geradoras de um clima de desesperanças, mas a percepção que os homens têm delas
num dado momento histórico, como um freio a eles, como algo que eles não podem
ultrapassar.” (p.106).
Essa “situação limite” a que Freire se refere está muito presente no seio das
comunidades rurais e dos assentamentos, uma vez que as dificuldades e desesperanças
estão presentes no cotidiano de cada um dos indivíduos. Falta preparo técnico para o
cultivo, bem como falta crédito, falta preço aos seus produtos, há dificuldades de
deslocamento, faltam serviços de saúde, lazer etc.
No mesmo sentido, Freire ressalta mais uma vez que o “tema gerador” não se
encontra nos homens isolados da realidade, nem tampouco na realidade separada dos
homens. Ele só pode ser compreendido na relação homem-mundo. Investigar um “tema
gerador” é investigar, repetimos Freire, o pensar dos homens inseridos na realidade, é
investigar seu atuar sobre a realidade, que é sua práxis educativa. (p.115) Nesse caso, o
educador-educando dialoga, problematiza: o conteúdo programático da educação não é
uma doação ou uma imposição – um conjunto de informes a serem depositados nos
educandos, mas a devolução organizada, sistematizada e acrescentada ao povo, daqueles
elementos que este lhe entregou de forma desestruturada.
Talvez se pense que ao fazermos defesa deste encontro
de homens no mundo para transformá-lo, que é o diálogo,
estejamos caindo numa ingênua atitude, num idealismo
subjetivista. Não há nada, contudo de mais concreto e real do
que homens no mundo com o mundo. Os homens com os
homens, como também alguns homens contra os homens,
enquanto classes que oprimem e classes oprimidas (Freire, 1984,
p.151).
Portanto, percebe-se a relação da escola do campo e o mundo do campo com o
propósito da pedagogia do oprimido. A origem de P. Freire garante uma precisão muito
acertada nas interpretações da vida do campo e da vida das escolas do campo.
Consequentemente a sua origem e reflexão pedagógica se insere na vida e no cotidiano
dos atores que participam deste estudo (assentados, meeiros, pequenos produtores
familiares etc.).
118
3.1.12 – O conceito de pedagogia da alternância e o seu papel na
“educação do campo”
Estabelecer a relação entre os saberes locais existentes, quer dizer, o saberes
tradicionais, o saberes empíricos do homem do campo na relação dialógica com o saber
escolar/científico é o que propõe em princípio a pedagogia da alternância. Nem um nem
outro podem ser negligenciados; os dois saberes são postos como faces de uma mesma
moeda, pois um completa o outro. O aluno busca, na relação com a escola, a explicação
científica, e no cotidiano da sua comunidade as formas práticas que complementam esse
saber:
Do ponto de vista dialético, ação e mundo são
intimamente solidários. Mas a ação não é humana enquanto o
saber-fazer não é mais que um dever, quer dizer, enquanto ela
não se separa da reflexão. Essa reflexão, necessária à ação, é
implícita quando Lukacs declara que «deve-se explicar aos
alunos suas próprias ações; ela é igualmente implícita na
finalidade desta reflexão: acelerar o desenvolvimento ulterior
destas ações (Lukacs, apud Freire; 1974, p.7).
E neste sentido, uma vez que são dois momentos de uma mesma unidade
dialética, teoria e prática, não podem tornar-se independentes e, (idem) por isso mesmo,
a ciência da educação neste caso direcionada às escolas em alternância, antes de
qualquer dicotomia com a teoria e a prática, deverá ser guiada pelo “interesse
emancipatório.” (Harbemas, 2006; p. 364). Esse em que a teoria guia a prática para a
liberação de todos.
Segundo Perrenoud (2001, p. 10), a alternância pode ser a síntese ideal entre o
saber das comunidades e o conhecimento científico das escolas, neste vai-e-vem entre
terreno e escola, entre o trabalho no campo e a teoria. Assim, no melhor dos casos, a
prática deriva da experiência e das convicções dos formadores (professores-monitores);
por seu turno, a teoria, fundada na pesquisa, poderia se casar e, se completar com a
prática.
A prática é forjada por práticas de práticos experimentados, que se tornam
formadores, e transmitem a mensagem seguinte: “faça como nós!”, ou “faça como nós
fazemos!”, ou “faça como as pessoas que sabem, as pessoas do métier que são reputadas
em conhecer as dificuldades do trabalho!” (ibid). É assim que se estabelece a relação
entre os saberes locais instalados, o saber tradicional, o saber empírico do homem do
119
campo e a relação dialógica com o saber escolar/científico. Nem um nem outro podem
ser negligenciados. Os dois saberes são postos como faces de uma mesma moeda, onde
um completa o outro. O aluno busca na escola a explicação científica e no cotidiano da
sua comunidade as formas práticas que complementam esse saber. Como se vê, “a
alternância não é formadora enquanto tal, ela não é mais que a condição necessária de
uma articulação entre teoria e prática” (Perrenoud, 2000, p.3).
A pedagogia da alternância se coloca enquanto perspectiva desse novo saberfazer educação para populações que não podem e não devem ser enquadradas no modo
de construir da escola tradicional. As compreensões de Freire na Pedagogia dos
oprimidos também reforça o conceito de alternância; ele comenta que a superação não
existe fora da relação homem-mundo e que ela somente pode verificar-se através da
ação dos homens sobre a realidade concreta em que se dão as “situações limites”
(Freire, 1985, p.106-107).
As dimensões significativas que, por sua vez, estão
constituídas de partes em interação, ao serem analisadas, devem
ser percebidas pelos indivíduos como dimensões da totalidade.
Deste modo, a análise crítica de uma dimensão significativoexistencial possibilita aos indivíduos uma postura, também
crítica em face das “situações limites (Freire, 1987, p.113).
Explica ainda o autor que “a propósito de cada uma destas visitas de observação
compreensiva devem os investigadores redigir um pequeno relatório, cujo conteúdo é
discutido pela equipe, em seminário (Freire, 1987, p.124), ou na “partilha” 25, na qual
vão se avaliando os achados, quer dos investigadores profissionais (professoresmonitores e técnicos de diversas instituições agrícolas que geralmente passam pelas
CEFFAs, etc.), quer pelos auxiliares da investigação (o próprio povo do lugar). Daí
resultam os seminários de avaliação e confrontação dos dados observados, dos quais
todos participam. Para Zamberlan (1996):
A prioridade na pedagogia da alternância é a dignidade
da pessoa, como sujeito individual e coletivo, trata-se de jovens
e suas famílias (pequenas ou grandes) e em torno desta
comunidade. Leva-se em conta a totalidade da pessoa como
indivíduo e o que ela representa na história e no seu meio. Por
esse motivo a EFA ajuda e é parte deste fator de
25
Momento específico de debater, junto com os monitores os temas pesquisados nas propriedades
dos educandos.
120
desenvolvimento humano social-do-meio onde está inserida
(p.13).
Nos caso específico dos momentos de partilha, observação e pesquisa, nas
comunidades dos educandos, Freire observa que à “discussão de cada projeto
específico, se vão anotando as sugestões dos vários especialistas (monitores e técnicos
das organizações parceiras). Estas, ora se incorporam à “redução” em elaboração, dos
temas discutidos na propriedade ora constarão dos pequenos ensaios a serem escritos
sobre pelos alternantes “reduzindo” ora uma coisa e outra” (Freire, 1987, p.136).
Gimonet (2007) também contribui com a discussão afirmando que:
Uma teorização não é para si mesma, mas como processo
de compreensão, ao mesmo tempo de nutrir a experiência, a
ação do terreno, dar-lhes sentido. Deste jeito, para situar-se no
horizonte educativo, não estar isolado, mas em relação com os
outros e, às vezes, para municiar-se de argumentos a fim de
defender-se dos donos do tradicionalismo ou dos poderes
administrativos (p.23).
O tradicionalismo no interior das comunidades, levando-se em consideração as
formas de plantar e nas próprias instituições de educação é bem perceptivo quando se
trata de inovações que os jovens alternantes pensam e buscam inserir nas suas
propriedades onde vivem, o que acaba por gerar os conflitos tanto entre gerações quanto
entre saberes.
3.1.13 – A pedagogia da alternância como “divisor de águas”: a
educação formal e informal nos CEFFAs
Começamos este item com uma primeira e grave constatação: a escola formal,
mesmo a instalada na zona rural e da forma como está organizada, não consegue formar
sujeitos capazes de inverter a lógica da pobreza e da falta de oportunidades no campo. A
pedagogia da alternância nasce efetivamente como alternativa para a construção de
uma educação para as populações que não podem e que não devem ser enquadradas no
modo educativo das escolas urbanas tradicionais. Ela parte do princípio de que se deve
romper com o ensino baseado na transmissão vertical dos conhecimentos, que compõem
um tipo de “educação bancária”.
Para a pedagogia da alternância, o conhecimento deve ser construído na
interação das pessoas entre si e das pessoas com o meio onde estão inseridas. “O
121
objetivo do projeto então seria a valorização das potencialidades da pessoa humana
através de atividades e ferramentas postas em ação, e de um conjunto de atores
parceiros mobilizados e articulados que interagem na formação dos jovens” (Moura,
2002).26
Com Bachelard (1996), compreendemos que “a escola necessita instituir o
“primado da reflexão”, no qual os conceitos relacionados ao senso comum são
confrontados com o conhecimento científico”. Esse seria, a justo título, o objetivo
principal da pedagogia da alternância.
A pedagogia da alternância tem a possibilidade de inverter essa lógica da escola
do campo sem o primado da reflexão. A ideia principal não é afastar as crianças, jovens
e adolescentes do meio onde eles vivem (a zona rural, o campo, a floresta), mas
estabelecer a relação entre a ciência e os saberes locais enquanto eixo organizacional:
“A alternância seria neste caso o encontro da experiência com a ciência, dentro de um
processo inovador; também como ação – pesquisa – formação permanente” (Gimont,
2007, p. 27). É um processo que se constitui em “uma caminhada de tentativas e de
ensaios, de empirismos e de reflexões, de desordem e de ordem, de informações e de
formação, de estruturações e de organizações para existir, afirmar-se, chegar, gerir suas
dependências, ganhar em autonomia, ser si mesmo e ser solidário” (p. 27).
Neste sentido tanto os elementos formais da sala de aula quanto os elementos
informais encontrados no campo de uma maneira geral se constituem em elementos
formadores que junto completam a formação.
Naquilo que se trata das escolas em estudo uma EFA, uma CFR e uma Escola
pública formal de educação de base, (esta ultima por si só retirada do quadro desta
análise por está vinculada diretamente as Secretaria de Educação do Município e fazer
parte do reconhecimento e da burocracia estatal), no caso das outras duas escolas em
alternância o que se observa é um alto nível burocrático de funcionamento, com
programas e currículos bem definidos em relação ao seu fazer pedagógico. Greenfield &
Lave (1979), observa que as estruturas estanques entre o formal e informal revelam uma
dicotomia que pode ser em certos casos extremamente exageradas, muito generalistas e
prejudiciais em seu funcionamento, para eles:
26
Entrevista concedida a ASBRAER. Jornalista Helena Pawlow, 2004: David Rodrigues de
Moura é secretário executivo da instituição.
122
Existem mais de dois níveis de formalidade nos modos
como as instituições educativas são organizadas, e que é muito
mais frutuoso de pensar em função de um continuum do que de
uma oposição. Parece claro que todas as sociedades do mundo
guardam vários tipos de educação diferentes, e que estes tipos
diferem para os seus graus de formalidade. (apud, Vargas, 1995;
p.53)
Várias categorias entre o formal e o informal estão colocadas no trabalho de
Vargas (1995) e que coincidem constantemente no caso da educação para o campo em
CFRs e EFAs, numa primeira - o aluno é o responsável de suas aquisições (teoria e
prática) e o professor/monitor é responsável da transmissão e das aquisições (teóricas e
práticas) relação essencial para realizar alternância; Segundo, – a aprendizagem é
personalizada: as pessoas de seu entorno são os mestres: (pais e famílias, comunidade)
no caso da educação formal a aprendizagem é impessoal: os mestres não são
normalmente da família, professores/monitores das EFAS e CFRs também não são da
família;
terceiro,
-
aprendizagem
pela
observação
e
imitação
sem
questionamentos/aprendizagem se faz por trocas verbais e por questionamentos o que
quer dizer aulas práticas no campo.
Nestes casos, o fenômeno de oposição (formal e informal) só pode ser explicado
caso determinados autores estejam mais interessados em compartimentalizar o ensino e
a aprendizagem a partir de um conceito tradicional de educação (educação bancária ou a
escola formal da cidade); ou então, no caso em que determinadas esferas administrativas
da educação precisariam compartimentalizar as EFAs e CFRs, pela não vontade de
financiar os seus projetos, negligenciando-os e não reconhecendo a importância e a
diferença destes princípios como fundamentais para uma educação de qualidade no
campo.
O não formal intervém, em sua origem, nas comunidades e mais precisamente a
partir das famílias dos alunos: o manejo, a lida, o dia a dia e as relações de interação no
interior de cada comunidade ou propriedade são elementos que incidem na tomada de
decisões, intervindo de uma maneira direta nas práticas agrícolas e sociais das
comunidades envolvidas. Essas práticas existem e desdobram-se ou devem desdobrar-se
também em conhecimentos que a escola produz, numa necessidade intrínseca de vai-evem, o que para Freire seria um espaço dialógico e de trocas entre escola e comunidade.
As práticas informais formam um conjunto de ordenamento que também é cultural e
identitário desdobrando-se diretamente no saber-fazer e a escola percebe e refina esses
123
elementos corroborando com a construção de práticas embasadas agora de teorias que
nasceram novas.
A pedagogia da educação em alternância oferece essa vantagem ao permitir a
relação com a comunidade, a relação com a propriedade, a relação com o manejo; além
disso, envolve elementos do cotidiano local com força determinante para as
confrontações que ocorrem, por exemplo, entre pais e filhos nos processos de manejo
em suas propriedades.
Nesse sentido, a educação em alternância é entendida como uma educação não
formal, mas ao mesmo tempo possível para a transformação da realidade das
comunidades locais. Ela obedece às formalidades vividas na educação convencional,
pois ao entrar nos muros das escolas em alternância, o aluno está sujeito às mesmas
metodologias e didáticas de formação que um aluno de uma classe regular qualquer.
Mas a sua origem impõe outra atitude diante do espaço de onde ele vem.
No caso dos modos informais de fazer e de saber, ele intervém porque é capaz
de promover uma aprendizagem no terreno da família. Mas onde a realidade teórica não
se separa da realidade vivida por cada sujeito no seu dia a dia, na sua lida27. A reflexão
(teoria) sobre as vivências (empiria) são balizadores das intervenções feitas pelos
alunos dentro das experiências de produção familiares. Isso vale em todo o ponto de
vista prático, na relação com a plantação e com as técnicas de manejo tradicionais e que
deve ao mesmo tempo garantir a continuidade do desenvolvimento de maneira
sustentável às famílias envolvidas.
Como se vê, o saber tradicional, das pessoas do lugar, assim como o saber da
escola, trabalha em permanente troca, fazendo com as pessoas que conhecem, pois elas
sabem também (e anterior à escola) das dificuldades impostas por cada uma das
atividades.
Um dos princípios utilizados nessa metodologia deve ser o de que a vida ensina
tanto quanto a escola. Por isso, no centro do processo ensino-aprendizagem está o aluno
e a sua realidade. A teoria está sempre em função de melhorar as práticas já existentes
entre um determinado grupo de agricultores e não sobreposta, assim como o processo de
ensino-aprendizagem que acontece em espaços e territórios diferenciados e alternados.
27
Lida, trabalho.
124
Um primeiro é o espaço familiar e a comunidade de origem; Um segundo acontece
junto com a “partilha” (na escola): saberes esses, construídos em alternância nas
comunidades e propriedades dos alunos. Reflete-se sobre eles e, por fim, retornam à
família e à comunidade, a fim de aplicar de maneira mais sistemática esses
conhecimentos agora refletidos de modo organizado na escola.
Ambos os saberes (o formal e o informal) intervêm ao mesmo tempo,
redimensionando e refazendo atividades concretas no cotidiano das comunidades. Não é
impondo conhecimentos que se cria sustentabilidade e desenvolvimento, mas
dialogando conhecimentos, como queria Paulo Freire, pois os que são oprimidos a
priori também são possuidores de conhecimento. Nesse caso, o fundamental é a
elevação deste conhecimento à categoria de conhecimento participativo, conhecimento
dialógico e dialético. O papel dos primeiros, que são em sua maioria os jovens das
comunidades, os monitores e os técnicos engajados das escolas, é de estabelecer essa
relação dialogal entre o aprendizado intra-muro (formal) escolar e o conhecimento
concreto das pessoas do lugar (informal, tradicional, empírico). Assim a capacidade de
escuta (de monitores e técnicos) se transforma num fundamento, numa essência a ser
desenvolvida pelos jovens monitores e que reverbera no processo de formação dos
estudantes dessas escolas. Sem qualidades como essa, o risco é de imposição do saber
formal (da teoria), sobre o saber comunitário, tradicional adquirido nas diversas
gerações que lhes antecederam.
Do ponto de vista cultural, a mesma relação se estabelece com o informal,
sobretudo no que diz respeito às formas de vida, aos mitos e às crendices que perpassam
as comunidades. Nesse ponto, mais do que em qualquer outro, o respeito pelas formas
de vida das pessoas do lugar é componente essencial, pois a imposição de modelos
externos pode levar ao desaparecimento de práticas culturais importantes na formação
da identidade dos que ali vivem.
A escola, principalmente essas do meio rural, deve estar implicada diretamente
na guarda dos conhecimentos tradicionais ou informais das comunidades em que
participam. É da escola a responsabilidade de manter as tradições ao mesmo tempo, em
que produz novos conhecimentos, percebendo-os, refletindo-os e analisando-os numa
perspectiva sustentabilidade a longo prazo. Sem o estabelecimento dessas condições,
não será possível, para as escolas do meio rural, cumprir o papel fundamental de escola
125
engajadas a partir de recortes pedagógicos para o campo com vistas à emancipação dos
que ali vivem.
Partindo dessa compreensão, é possível afirmar que não é a colheita nem a
plantação que dificultam a educação de crianças, jovens e adultos, mas a escola que não
se compreende como do e para o campo, havendo assim distanciamentos e
dificuldades no processo de ensino-aprendizagem para as pessoas que nele vivem. Esses
distanciamentos e dificuldades da escola do campo levam ao esvaziamento das escolas
rurais tradicionais, como se vê no seu dia a dia. As afirmações da Professora Francisca
Batista (2003) são bastante elucidativas nessa esfera:
O importante é discutir a concepção de educação e sua
inserção ou não a serviço de um modelo sustentável e justo de
desenvolvimento e que tal concepção se reflita no planejamento
pedagógico dos sistemas de ensino e das escolas rurais de todo o
país; quando se trata apenas das carências, acaba-se camuflando,
se escondendo as questões mais profundas (p.18).
Enfim, diz a professora: não se discute o papel que a educação vem exercendo
no meio rural. Não se discute a cultura e o modelo de desenvolvimento que criaram essa
educação e essa escola, e que são alimentados por elas. Não se questiona sobre os fins,
os porquês, os qualitativos; apenas sobre os meios, o como, o onde, os quantitativos.
Para Caldart (2004):
Não há escola do campo num campo sem perspectiva,
com o povo sem horizontes e buscando sair dele. Por outro lado,
também não há como implementar um projeto popular de
desenvolvimento do campo sem um projeto de educação e sem
expandir radicalmente a escolarização para todos os povos do
campo. E a escola pode ser um agente muito importante de
formação da consciência das pessoas para a própria necessidade
de uma mobilização e organização para lutar por projetos deste
tipo. (p.62)
É preciso ressaltar também que, de acordo ao que tem sido verificado na escola
rural, a reprodução de saberes, em sua maioria, está completamente distanciada da vida
e do cotidiano das pessoas do lugar. A mesma preocupação é tida por Caldart e Arroyo
(2004), ao colocarem que “os currículos das escolas do campo não podem reproduzir o
conjunto de saberes inúteis que estamos agora retirando da própria escola da cidade”.
Para esses autores “o homem e a mulher do campo e da cidade têm saberes mais sérios a
126
aprender e a dominar”. Eles também colocam que a escola deveria “romper com esse
círculo vicioso: sair do campo para continuar na escola e ter escola para poder sair do
campo”.
Segundo uma pesquisa-ação realizada entre a França e o Brasil (2002-2004), em
ligação com a construção do Mestrado em Formação e Desenvolvimento Sustentável da
Universidade de Tour na France, a alternância educativa se estruturava em quatro
pilares, sendo uma base social e associativa, cooperativa e parental:
 Uma organização participativa, incumbindo principalmente as famílias,
mas também as comunidades, as instituições locais;
 Uma metodologia educativa própria baseada na distribuição de períodos
de formação entre a escola e meio familiar;
 Uma formação integral de alunos nos âmbitos profissional, intelectual,
humano, social, moral, espiritual que permite desenhar seu próprio
projeto de vida. Com acento sobre o projeto profissional pessoal e o
desenvolvimento local, os jovens e os adultos são convidados a se
tornarem verdadeiros atores do progresso de seu meio.
Os temas de pesquisa propostos aos mestrandos colocam o acento sobre um dos
quatro pilares, sem perder de vista a apreensão global da formação em ligação com cada
contexto específico, que são:
 A associação local de base, onde há uma responsabilidade direta dos
envolvidos na gestão dos projetos, dos profissionais, dos promotores e das
pessoas associadas;
 A alternância integrativa (socioprofissional), a saber: a propriedade
familiar ou uma outra propriedade. A interação educativa entre escola e o
meio seria um continuum desse sistema;
 Enquanto pessoa, se possível, a partir do seio do meio familiar de onde
ele veio, através da educação (Puig, 2003, p. 57).
Esses elementos são, também no nosso entendimento, basilares para a
construção dos modelos em alternância. A compreensão e a maneira como devem ser
trabalhados indicam os caminhos necessários a serem seguidos para que se tenha uma
escola em alternância adequada tanto com a formação socioprofissional dos jovens
quanto com uma formação cidadã.
127
3.2 – Duas visões para a educação rural: a pedagogia libertária e o
protagonismo juvenil (segunda parte)
Há
uma
diferença
de
procedimento
em
relação
às
concepções
teórico/metodológicas de cada escola em alternância que fazem parte deste estudo. Aqui
reside o caminhar próprio de cada uma, as suas direções, os seus projetos, as suas
utopias... E, esses elementos são possíveis de serem observados e compreendidos a
partir dos procedimentos dos diferentes atores locais (diretores, professores, alunos, pais
e ex-alunos) em relação às teorias apresentadas por cada escola e seus consequentes
desdobramentos nas práticas educacionais e de campo, como por exemplo, nestas duas
escolas em pesquisa.
Gimonet (2007) coloca que, em “princípio, sobre um sistema quase homogêneo
no que diz respeito à origem e à cultura predominante dos atores – a cultura camponesa
– os CEFFAs têm de enfrentar, hoje, uma grande heterogeneidade. Disto resulta, aí e
acolá, uma complicação que torna difícil a gestão de cada uma em conjunto”. A tese se
interessa por essa heterogeneidade que foi surgindo ao longo da história e da
consolidação dessas instituições; portanto aqui, em duas dessas escolas, dois conceitos
aparecem distintamente: a « Pedagogia Libertária» de Paulo Freire, que está na base
pedagógica da escola “A” e representa uma certa tendência na articulação conceitual
com a rede de CEFFAs no Brasil; o conceito de « protagonismo juvenil », que está na
base da pedagogia praticada pela escola “B”, a qual se considera uma CFR (Casa
Família Rural), ligada à ARCAFAR/Norte.
Harbemas (2006) afirma que, na medida em que a técnica e a ciência prevadem,
as esferas institucionais da sociedade se transformam. As antigas concepções, que estão
na origem das instituições, dão lugar a novas atualizações, sugerem novos conceitos
que, por sua vez, estruturam novas formas metodológicas na diversidade dessas
instituições. Assim, as próprias instituições desmoronam as antigas legitimações. Esse é
o caso das EFAs/CEFAs, ao longo de quase meio século de fundação, vistas a partir de
suas heterogeneidades, o que nos interessa neste estudo.
Para Harbemas (2006), a secularização e o desencantamento das cosmovisões
orientadoras da ação, da tradição cultural no seu conjunto é o reverso de uma
racionalidade crescente da ação social. Rompem-se, assim, os limites nostálgicos e
128
constituem os novos procedimentos em contexto, como vemos na vida quotidiana das
diferentes práticas das escolas em alternância em estudo.
As críticas e a vontade de retorno à origem tradicional das escolas não condiz
com a sequência lógica que essas instituições devem seguir por si. Mesmo que as duas
sejam consideradas como partidárias da pedagogia da alternância, suas bases teóricofilosóficas impõem necessariamente diferenças importantes, o que certamente deve lhes
conduzir a diferentes práxis educacionais... Pensada dessa maneira, a alternância não
seria a formadora enquanto tal, pois ela não é mais que a condição necessária de uma
articulação entre teoria e prática, (Perrenoud, 2001). Todo o restante vem do ponto de
vista pedagógico, filosófico e também político (já admitido por Harbemas e Marcuse)
de cada instituição em alternância em particular, articulando seus conceitos
particularizados na formação dos jovens do campo.
3.2.1 – O pensamento de Freire guia filosófica da escola “A”
Em sua origem, para a escola “A”, não seria o conhecimento puramente técnico
a priori que levaria os sujeitos à plenitude, mas o conhecimento do mundo, assim como
coloca Freire (1996) em relação à perspectiva educativa. Nesse caso, a pedagogia, a
educação humana seria antes de mais nada, um espaço de construção da liberdade,
principalmente da liberdade daquele que é oprimido. A educação deveria se dar, então, a
partir da leitura das realidades vividas, de suas lutas e de suas dificuldades. Essas
dificuldades estão presentes no dia a dia da agricultura familiar. A pedagogia, nesse
caso, passa por uma praxis educativa, que fala da liberdade humana, construída no
espaço cotidiano onde se empreendem as lutas.
Ainda para Freire, “a educação como uma prática de liberdade é um ato de
conhecimento, uma aproximação crítica da realidade. O papel do educador não é tão
somente de ensinar qualquer coisa ao seu interlocutor, mas de pesquisar junto com ele
os meios de transformar o mundo no qual eles vivem” (Freire, 1974). Assim como
existe a necessidade de ultrapassar a situação de opressão que se impõe, é necessário
que esta implique uma compreensão crítica da realidade, para que uma ação
transformadora possa se exercer sobre ela, e assim se torne possível instaurar uma nova
realidade. Nesse caso, a pedagogia que parte dos interesses egoístas dos opressores,
egoísmo fantasiado de falsa generosidade e que faz dos oprimidos o objeto de seu
129
humanitarismo, mantém e encarna a opressão propriamente dita. “É um instrumento de
desumanização”. (ibid, 33).
3.2.2 – O protagonismo juvenil guia filosófico da escola “B”
No que diz respeito à escola “B”, uma CFR em estudo, seu engajamento se deu a
partir do conceito de «protagonismo juvenil». O seu ponto de partida é formar jovens
empresários rurais, o que é bastante diferente da perspectiva pedagógica freiriana. O
jovem, a partir do que deseja o conceito de protagonismo juvenil, seria catapultado para
o mundo do trabalho. Gimonet (2007), em reflexão ao pensamento althusseriano,
adverte sobre o lugar e o peso do presente em relação ao passado e o futuro nessas
instituições; para ele, “se as contingências do presente (as regulamentações, as
necessidades imediatas, os modos, as tarefas, a economia...) invadem o espaço, as
práticas, os espíritos, corre-se o risco da normalização, da uniformização, da perda de
originalidade, de identidade e de criatividade” (p.14).
Charlot (2005), em seu livro “Os Jovens e o Saber”, comenta que, por um lado, é
preciso preparar trabalhadores “empregáveis”, “flexíveis” e “competitivos” e que o
trabalho é uma característica fundamental do homem e das sociedades humanas; por
isso deve ser levado em conta na educação. Por outro lado, o trabalho e a formação
profissional devem participar de uma educação mais ampla, a qual não deve ser
sacrificada, como hoje se vê na sociedade capitalista e na lógica neoliberal da
globalização. Mas é preciso refletir também que os riscos ligados à instrumentalização
crescente da educação em benefício do desenvolvimento privilegiam a formação de
recursos humanos empregáveis (a mais ou menos curta e média duração) segundo a
necessidade da mão de obra no mercado (Habermas, 2007).
O pedagogo Antonio da Costa, baseando-se no pensamento do psicólogo
americano Roger Hart, introduziu no Brasil um conceito de formação de adolescentes
bastante diferente da pedagogia libertária de Freire. As divergências entre esses
autores, pelo que observamos, não residem de fato no modo como ambos entendem as
origens sociais dos educandos, mas no objetivo último de suas concepções
teórico/metodológicas.
Costa (2006) explica que: “O protagonismo juvenil seria uma prática que com a
consolidação da democracia participativa e uma visão mais empresarial da vida e das
130
relações sociais, tende a se consolidar no Brasil e na América Latina”. Para ele, esse
tipo de protagonismo, apresenta uma novidade radical…
O jovem não faz uma opção por este ou aquele ideal, por esta ou aquela corrente
de pensamento político, para depois, agir sobre a realidade. Ao contrário, o jovem deve
agir sobre seus contornos escolares, comunitários e sociais, para depois, amadurecer
suas opções no processo de autonomia gradual como pessoa, cidadã e trabalhador.
(Costa, 2006)
Ainda no que concerne o protagonismo juvenil o autor coloca que « ele contribui
também com a inserção de jovens no mundo do trabalho, a desenvolver suas
capacidades de planificação, de autogestão, co-gestão e heterogestão, e ajuda ainda a
alargar suas capacidades de avaliar e de serem avaliados(Id; p.251).
A clara distinção teórica entre a pedagogia libertária de Freire, e o
protagonismo juvenil seguramente deve conduzir a diferenças fundamentais, tanto do
ponto de vista filosófico quanto do ponto de vista metodológico e curricular no que
incide nas práticas pedagógicas e certamente influencia nas relações de manejos das
propriedades das comunidades envolvidas. (para se ver durante a análise geral dos
dados da pesquisa; Capítulos VII; VIII & IX).
3.2.3 – Compreensões sobre o binômio educação/desenvolvimento
rural
Uma outra advertência viria com Bachelard (1996) ao compreender que “na
prática científica, o conhecimento é a reforma de uma intenção. Conhecemos sempre
contra o conhecimento anterior, retificando o que se julga sábio e sedimentado”.
Para este estudo seria interessante admitir a hipótese a priori: a de que existe
uma ligação de causalidade entre a educação, e a produtividade agrícola principalmente
quando ligado à técnica e a ciência. Esta hipótese é bastante contestada em parte porque
é difícil de avaliar com precisão a contribuição da educação com o crescimento
econômico e o desenvolvimento das comunidades locais.
Segundo Atchoarena & Sedel, (2005 p.40) numa reflexão a partir do nível de
produtividade, percebe-se que a produtividade agrícola é sempre medida sobre a base da
131
produção alimentar (o caso da horticultura). Uma das críticas que podemos fazer e já
observada pelos autores citados, é que este elemento não leva em consideração a
diversidade dos sistemas de produção agrícola, tomando como exemplo os sistemas de
produção da região cacaueira, que está baseado de uma maneira geral sobre a agrosilvicultura: os estudos empíricos são geralmente centrados sobre uma atividade
agrícola deixando na sombra os efeitos da educação sobre as outras produções agrícolas
e sobre as atividades não agrícolas enquanto elementos também do desenvolvimento
rural.
Em sua análise sobre a incidência da educação sobre a produção agrícola na
Costa do Marfim, Gurgand, (1993) isola o impacto da educação sobre a totalidade da
produção agrícola, em seguida sobre a eficiência técnica. Segundo seus dados, as
famílias rurais marfinianas onde o nível de instrução era mais elevado tendiam a reduzir
a parte da agricultura nas suas atividades para se colocar na direção de outras atividades
não agrícolas e conhecidas genericamente como superiores (Atchoarena & Sedel, 2005
p. 64).
Importa-nos os problemas metodológicos que interessa a essa tese em vê-los
resolvidos: primeiro pela sua tentativa em avaliar as hipóteses acima e se esses
elementos se apresentam no desenvolvimento das intervenções teórico/práticas das
escolas em estudo, o que será também possível perceber no VII; VIII & IX capítulos, na
análise geral dos dados; segundo, avaliar esta hipótese na relação com os sistemas de
agro-florestas da região do cacau; e, terceiro pela tentativa de explicar esta questão por
meio de um estudo de caso múltiplo da vivência dos vários atores (diretores, pais de
alunos, professores-monitores e alunos) em três escolas diferentes da região cacaueira.
Neste caso, a base para análise, são as observações diretas com notas de campo e o que
responde os sujeitos envolvidos (entrevistas) para daí, compreendermos o contexto
dessas escolas e das comunidades envolvidas e assim, retirarmos conclusões e
generalizações importantes desse binômio educação/desenvolvimento do campo.
O problema a estas questões não são tão simples de responder nem tão rápidos
de se resolver com pretenderia uma massa acrítica. A necessária superação da pobreza e
das condições de vida desaconselháveis ao ser humano no mundo rural, recai sobre a
imperativa necessidade de resolver problemas de modernização e multiplicação das
inovações capazes de garantir satisfação a uma determinada comunidade, ou mesmo a
humanidade por inteiro, mas ao mesmo tempo, essas modernizações e inovações
132
construídas de modo acrítco, são capazes de colocar em cheque o ecossistema e o
desenvolvimento sustentável como um todo e é dentro disso que vemos o subemprego
crônico ou o desemprego que castigam as zonas rurais, como o que é visto no dia a dia
da região do cacau:
Assim o agricultor, mesmo quando obtém recursos a
taxas razoáveis, não consegue se senão uma pequena parte dos
recursos necessários para melhorar sua propriedade ou seus
métodos de cultura ou, ainda, para comprar produtos de
consumo essenciais nos períodos difíceis. Para esse mesmo
autor a causa essencial desta fraqueza dos rendimentos e da
produtividade é a extrema pobreza de recursos técnicos. A
obsessão da fome torna estereotipados os sistemas de cultura
simples, praticados sem interrupção, cujo objetivo é fornecer
cereais e acessoriamente algum tubérculo e legumes
complementares (George, p. 150).
Os métodos primitivos de cultura caracterizam-se não apenas por uma fraca
produtividade, mas frequentemente, também, pela deterioração dos solos e dos outros
recursos naturais, caso da lixiviação freqüente e do uso indiscriminado das queimadas.
Ainda no tocante a questão de educação e desenvolvimento seria preciso
entender que a “a educação que suscita e difunde inovações não produz somente coisas;
ela produz também homens. Ela modifica as atitudes destes, suas relações, o nível de
suas aspirações, e facilita sua adesão e participação no processo de mudança, condição
fundamental do crescimento econômico”. (Malassis, 1979; p.83)
Seria necessário também recolocar aqui a noção propriamente dita de
conhecimento e interesse, ou a noção própria do desinteresse do conhecimento ‘no caso
particular das escolas em alternância em que suas práticas e suas determinações
pedagógicas dependem da visão política que cada instituição se engaja’. (...) No
pensamento habermasiano entendemos que esta unidade deveria, para o caso da
educação, estar apoiada de modo crítico, entendendo que no momento de auto-reflexão,
conhecimento e interesse são a mesma coisa, e neste sentido a dependência das
condições transcendentais das ciências da natureza, ou das técnicas para a natureza e das
do espírito, não podem significar uma heteronomia do conhecimento. (Habermas, apud,
Coutinho, 2002):
A questão que se interpõe aqui é saber qual a relação que se tem ou se deve ter
com a natureza em seus processos entrópicos e de preservação biofísicos de um lado, e
133
qual a relação que esses processos devem ter, vinculados a necessidade crucial do
amelhoramento da questão da pobreza peculiar às famílias com baixo poder de compra
da zona rural nos países de terceiro mundo?
Nos anos 1960, a “revolução verde” refletia uma visão de desenvolvimento rural
associada a “monocultura” de grande escala, caso também da região do cacau, apoiada
pelos investimentos massivos do Estado. (Atchoarena e Sedel, 2005; p. 57). Por
exemplo, Santos (2007) ressalta que a “revolução verde” ainda é recomendada, apesar
do fato, geralmente reconhecido, de que ela implicou na formação de uma burguesia
agrária e na proletarização de camponeses.
No caso da pobreza rural, um dado alarmante é que 50% das pessoas que vivem
em estado precário de subsistência estão na agricultura familiar. Ampliar a escolha de
modos de subsistência implica em colocar em evidência a interface entre produção
agrícola e outras atividades. As formas emergentes de meios de subsistência
diversificadas contribuem com a diminuição de riscos e a redução da vulnerabilidade
entre estas populações. (FAO, 2002).
Assim, mesmo reconhecendo a utilidade de outras iniciativas em favor do
desenvolvimento, alguns autores consideram que o desenvolvimento agrícola continua a
ser o mais potente dos instrumentos de redução da pobreza rural. (Irz et al., 2001. apud,
Atchoarena e Sedel, 2005; p. 51).
3.2.4 – As inovações, a modernização, a técnica e a ciência na educação
dos CEFFAs
Sob o novo projeto, ou um projeto de educação e de um currículo que estabeleça
um desenvolvimento em comunidades de agricultura familiar e estabeleça uma
diferença educacional adaptada a comunidades em seu contexto, este do meio rural.
Duas primeiras decisões viriam tanto de Freire (1974), quanto de Santos (2006)
Esses dois pensadores em sentido diverso sobre o desenvolvimento das inovações para
comunidades carentes tendem a afirmar a mesma posição: a de que a modernização e as
inovações nestas áreas aparecem como imperativas. Evidente que o debate sobre a
difusão técnica não se encerra. (Santos, 2007, p.30). Esta questão tem algum valor
prático uma vez que sua resolução é crucial para a construção de modelos
metodológicos que possam ser utilizados para diversos fins, neste caso, a difusão dos
134
conhecimentos adquiridos nas escolas em alternância pelos multiplicadores (alunos) a
partir dos modelos operacionais que difundem essas inovações (currículos e
metodologias).
A partir deste princípio, é necessário entender que “a educação que suscita e
difunde inovações não produz somente coisas; ela produz também homens”. Ela
modifica as atitudes destes, suas relações, o nível de suas aspirações, e facilita sua
adesão e participação no processo de mudança, condição fundamental para o
crescimento econômico. (Malassis, 1979, p.83). Seria necessário também recolocar aqui
a noção propriamente dita de conhecimento e interesse, ou a noção própria do
desinteresse do conhecimento ‘no caso particular dos CEFFAs (escolas em alternância)
em que suas práticas e suas determinações pedagógicas dependem da visão política que
cada instituição se engaja’. (...)
Com o pensamento habermasiano entendemos que esta unidade deveria, para o
caso da educação, estar apoiada de modo crítico, entendendo que no momento de autoreflexão, conhecimento e interesse são a mesma coisa, e, neste sentido, a dependência
das condições transcendentais das ciências da natureza, ou as técnicas para a natureza e
das do espírito, não podem significar uma heteronomia do conhecimento. (Habermas
apud Coutinho, 2002). Mas, entretanto, uma atitude dialogal entre as instituições que
ventilam o conhecimento, o conhecimento ele próprio apoiado no sobre o que ensinar?
e a sua extensão na comunidade dentro de uma perspectiva dialógica construindo
autonomia entre e para os sujeitos e comunidades ali envolvidos.
A questão que se interpõe aqui é saber qual a relação que se tem ou se deve ter,
não apenas com a veiculação das inovações e da modernização, mas com a natureza em
seus processos entrópicos e de preservação biofísicos de um lado, e qual a relação que
esses processos devem ter, vinculados à necessidade crucial da diminuição da pobreza
endêmica em regiões rurais, como no caso da região cacaueira onde a maioria das
famílias tanto rurais quanto urbanas vivem abaixo da linha da pobreza?
Estas questões, colocadas acima, não são tão simples de responder, nem tão
rápido de se verem resolvidas: A necessária superação da pobreza e de condições de
vida precárias do ser humano no meio rural recai sobre a imperativa necessidade de
resolver problemas de modernização e multiplicação de inovações capazes de garantir a
superação de formas diversas de injustiça social. Porém, essas modernizações e
135
inovações também mal adaptadas, ou mal empregadas seriam capazes de colocar em
cheque a sustentabilidade comunitária como um todo.
Nos anos de 1960, a “revolução verde” refletia uma visão de desenvolvimento
rural associada a “monocultura” de grande escala, caso também que se verificou no
progresso das plantações de cacau na região como um todo, apoiada pelos investimentos
massivos do Estado e a enorme quantidade de insumos externos. (Atchoarena & Sedel,
2005; p. 57).
Mas, Santos (2007) ressalta que a “revolução verde” ainda é
recomendada, apesar do fato, geralmente reconhecido, de que ela implicou na formação
de uma burguesia agrária, na proletarização de camponeses e na fragilização de
ecossistemas agrícolas.
No caso da pobreza rural, um dado inicial que nos chama a atenção é de que
50% das pessoas que vivem em estado precário de subsistência estão na agricultura
familiar. Ampliar a escolha de modos de subsistência implica em colocar em evidência
a interface entre produção agrícola e outras atividades. Segundo a FAO (2002), as
formas emergentes de meios de subsistência diversificadas contribuem com a
diminuição de riscos e a redução da vulnerabilidade entre estas populações. Irz (2001)
considera que, o desenvolvimento agrícola continua a ser o mais potente dos
instrumentos de redução da pobreza rural. (Irz et al., 2001. apud, Atchoarena e Sedel,
2005; p. 51). Por isso a crença da tese de que uma educação para o meio rural bem
adaptada seria o vetor, se não o mais importante vetor do desenvolvimento agrícola
local.
Em uma resposta de Weber enquanto interesse de toda a sociologia em geral que
também é partilhado por Habermas (2006) é afirmado que todas as classificações
bipolares giram em torno do mesmo problema: reconstruir conceitualmente a mudança
institucional, resultado da pressão e do alargamento dos subsistemas da ação racional
teleológica. Estatuto e contrato, comunidade e sociedade, solidariedade mecânica e
solidariedade orgânica, grupos informais e grupos formais, relações primárias e relações
secundárias, cultura e civilização, dominação tradicional e dominação burocrática,
associação sacras e associações seculares, sociedade militar e sociedade industrial,
ordem e acrescentaria mais, fertilização química e fertilização orgânica, etc. Todos esses
pares de conceitos são outras tentativas de apreender a mudança estrutural de
enquadramento institucional de uma sociedade tradicional, na transição para uma
sociedade moderna. E neste caso, Habermas (2006; p. 36) fala da dialética do trabalho
136
que estabelece sem dúvida, uma medição entre o sujeito e o objeto... No início não se
encontra a sujeição da natureza a símbolos autogeradores, mas inversamente, a sujeição
do sujeito ao poder da natureza externa.
A dialética da representação e do trabalho desdobra-se
como uma relação entre sujeito cognoscente e agente, por um
lado, e o objeto como totalidade do que não pertence ao sujeito
por outro. A medida entre os dois momentos por meio de
símbolos ou instrumentos é pensada como processo de
exteriorização (objetivação) e apropriação... Se for possível a
interação com a natureza enquanto sujeito oculto no papel do
outro, os processos de exteriorização e de apropriação
coincidem formalmente com os da alienação e reconciliação
(Ibid).
Neste caso Hegel (apud Habermas, 2006), também pensa em auto-reflexão, mas
de modo tal que, nesta auto-reflexão, se insere a dialética da relação ética: o espírito
seria aí, neste caso, eticidade absoluta. A dialética do reconhecer-se no outro religa-se
com uma relação de interação entre dois oponentes iguais em princípio. Logo, a
natureza na sua totalidade se eleva a oponente dos sujeitos unidos, desaparece, pois, a
relação paritária (Habermas, 2006; p.37). O que eu quero falar, diz ele: é que a ciência,
em virtude do seu próprio método e dos seus conceitos, projetou e fomentou um
universo no qual a dominação da natureza se vinculou com a dominação dos homens –
vínculo que tende a afetar fatalmente este universo todo. Neste sentido Habermas
(2006), também propõe uma resposta a esse problema:
Em vez de se tratar a natureza como objeto de uma
disposição possível poderia considerá-la como interlocutor de
uma possível interação. Em vez de natureza explorada
poderíamos buscar a natureza fraternal, e, que neste caso, na
esfera de uma intersubjetividade ainda incompleta podemos
presumir subjetivamente nos animais, nas plantas e até nas
pedras e comunicar com a natureza, em vez de limitarmos a
trabalhá-la com ruptura de comunicação (p.50).
A ideologia da técnica e da ciência, principalmente em seu contexto europeu traz
esses elementos de ruptura embebedada com a ideia de racionalidade e da ideologia,
produzindo níveis de alienação no sujeito e reproduzindo uma cultura e uma história de
‘mundo’ legitimada pelo poder institucional, o próprio Estado, (já que neste caso, a sua
preocupação se dá no limite técnico) essa racionalidade estende-se, além disso, apenas a
situações de emprego possível da técnica e exige, por isso, um tipo de ação que implica
a dominação quer sobre a natureza quer sobre os homens (Habermas, 2006; p.46). Mas
137
Habermas, mais uma vez adverte que a subjetividade da natureza, ainda agrilhoada, não
se poderá libertar antes de a comunicação dos homens entre si não estar livre da
dominação (Ibid).
Marcuse (1997) entende a racionalidade naquilo que Weber chamou de
“racionalização”, que para ele não se implanta a “racionalidade como tal”, mas em
nome da racionalidade, uma forma determinada de dominação política oculta.
(Harbemas, 2006; p.46). Quem domina quem? Quem domina o quê?
A partir do conceito de razão técnica em sua crítica a Max Weber, Marcuse
chega a seguinte conclusão: “O conceito de razão técnica é talvez também em si mesmo
ideologia. Não só a sua aplicação, mas já a própria técnica é dominação metódica,
científica, calculada e calculante (sobre a natureza e sobre o homem). Determinados fins
e interesses da dominação... a técnica é, em cada caso, um projeto histórico-social; nele
se projeta o que uma sociedade e os interesses nela dominantes pensam fazer com os
homens e com as coisas. Um tal fim de dominação é “material” e, neste sentido,
pertence à própria razão técnica”.
Harbemas (2006) coloca que a legitimação da dominação assumiu um novo
caráter: a saber, a referência “a crescente produtividade” e ao crescente domínio da
natureza, que por sua vez, proporcionam aos indivíduos uma vida mais confortável.
Para ele “A natureza compreendida e dominada pela ciência surge de novo no aparelho
de produção e de destruição, que mantém e melhora a vida dos indivíduos e, ao mesmo
tempo, os submete aos senhores do aparelho”. Já Marcuse (1997) liga a sua análise, a
peculiar fusão da técnica e dominação, de racionalidade e opressão, supondo que no
apriori material da ciência e da técnica, se oculta um projeto de mundo determinado por
interesse de classe e pela situação histórica (Habermas, 2006; p.50). Portanto, as
instituições (escolas do campo, por exemplo) não estariam neutras neste debate, mas
dirigidas pelo jogo também do interesse.
Aqui se encontra também centrado um outro problema, este da racionalidade
técnica e científica: A cisão de tal racionalidade não pode representar-se adequadamente
nem pela historicização de um conceito, nem por um retorno à concepção ortodoxa,
nem por meio do pecado original ou da inocência do progresso científico. (Habermas,
2006; p. 60), portanto a representação do conceito de técnica e ciência, precisaria
amparar-se nesta comunicação ética com a natureza.
138
A formulação mais adequada do estado das coisas que, sem dúvida, importa
examinar parece-me a seguinte: o a priori tecnológico é um a priori político na medida
em que a transformação da natureza tem como consequência o homem, e em que ‘as
criações derivadas do homem’ brotam de uma totalidade social e a ela retornam. Pode
insistir que a maquinaria do universo tecnológico ‘enquanto tal’ é indiferente perante os
fins políticos – pode servir de acelerador ou de freio a uma sociedade ou de um contexto
particular. (Habermas, 2006; p.54). Assim, se trataria de uma busca e de uma definição
ética do ponto de vista educativo para as escolas do campo estabelecidas no diálogo
com a própria natureza e a comunidade que lhe cerca mediatizado pelo processo
educativo.
139
140
CAPÍTULO IV
141
4. – Escolas Famílias Agrícolas (CEFFAs): o início de uma
educação alternativa para o campo
O Movimento das Casas Familiares Rurais – Maisons Familiales Rurales –
(MRFs) começa na França, em 1935, a partir da ideia de criação de uma escola que
correspondesse às necessidades reais e aos problemas vivenciados no meio rural francês
aquela época. Esse movimento começa do encontro entre um padre que se comoveu
com a falta de condições de estudos dos jovens e crianças da roça, já que o Estado não
tinha políticas públicas voltadas para esta especificidade. (Batistele, 2009) Essas escolas
sugiram no momento em que o meio rural francês estava sendo fortemente afetado pelo
processo da mecanização agrícola e enfrentava a crise de seus produtos no mercado.
O principal objetivo desse modelo de educação é o de promover uma
educação/formação com base numa profissionalização alternativa eficaz e concreta,
mais apropriada à realidade dos povos que viviam na zona rural francesa,
principalmente agricultores familiares. Visa, com isso, incentivar a permanência do
jovem na sua própria região, criando alternativas de trabalho e renda, numa perspectiva
sustentável, evitando, com isso, o êxodo rural.
Neste caso surgia uma proposta de aprendizagem a partir da realidade dos
alunos, de suas experiências familiares, sociais e profissionais, procurando integrar a
pratica e a teoria, despertando nos jovens a motivação para estudar e elevar sua auto
estima:
Na década de 1930, período entre as duas grandes
guerras mundiais, encontramos uma organização rural que se
despontava, o SCIR (Secretariado Cultural de Iniciativas RuraisFrança), mas ao mesmo tempo uma realidade desafiante que
exigia um trabalho de reconstrução social e econômica. Na
agricultura a realidade agrária, baseada na produção familiar,
apresentava uma situação educacional de abandono por parte do
Estado (Queiroz, 2006, p.16).
A pedagogia da alternância nasce, então, enquanto alternativa educativa aos
jovens rurais enquanto a crise se abatia no território francês. A ideia inicial era pensar
numa proposta educacional em oposição à educação convencional para suprir as
necessidades frente às realidades de populações não urbanas da França.
Os ideólogos foram Jean Peyrat, agricultor e presidente do sindicato rural de
Sérignac-Péboudou; padre Granereau, seguidor de Marc Sangnier (católico social); e
142
Arsène Couvreur, ex-bancário, jornalista, também seguidor de Sangnier. Inicialmente as
MFRs possuíam três pilares: a) a formação técnica (aprendizado prático e observações
no terreno, procurando fomentar a produção de agricultor); b) a formação geral
(história, matemática); c) a formação humana e cristã.
A partir de 21 de novembro de 1935, o padre Granereau começa os trabalhos
com a primeira turma, com quatro jovens com idades entre 13 e 14 anos (Bastistele,
2011). O grupo passava três semanas em suas propriedades realizando o trabalho
prático e uma semana em regime de internato nas dependências da igreja, recebendo
conteúdos teóricos. Em 10 de maio de 1936, com o encerramento do semestre com os
quatro jovens em formação os jovens realizaram o seu primeiro exame e os resultados
foram considerados excelentes. Em seguida, o padre comunica o resultado do bom
desempenho dos seus alunos ao membros do SCIR, que o publica numa edição especial
da sua revista alcançando notoriedade nacional. (Batistele, 2011 & Queiroz, 2004).
Posteriormente a notícia ganha destaque nos jornais de circulação nacional e o
crescimento do número de jovens e de famílias interessadas em participar desta
experiência confirmou o êxito do projeto. (ibid. p.17).
A década de 1940 foi um período muito difícil para a França. Devido às
consequências da Segunda Guerra Mundial, o país estava dividido pela ocupação alemã,
mas mesmo assim, começaram a sugir Maisons nas regiões ocupadas e o projeto teve
rápida expansão (Nové-Joserand, 1987 apud, Batistele ). Ainda segundo esses autores
em 1941, foi criada a UNMFRs (Union Nacionale des Maisons Familiales Rurales) em
Lauzun, sede do Cantão de Lot-et-Garone e Jean Peyrat se torna o seu primeiro
presidente. Mais tarde, em 1942, foi criada a escola de quadros cujo objetivo era de
formar monitores para dar suporte, clareza e objetividade a proposta e manter a sua
originalidade procurando evitar a vinculação político-institucional do movimento.
Batistele (2011), explica que o final da Segunda Guerra marcou uma nova etapa
para o movimento e várias mudanças foram realizadas, dentre elas a renovação do
Conselho da UNMFR, depois do pedido de demissão coletiva de seus membros. Essa
atitude visava reconhecer a nova etapa que o movimento passava a viver e a sua
necessidade de reordenação era latente.
Conforme Chartier (2003) e Batistele (2011), embora os objetivos da formação
estivessem claramente definidos, desde o início da primeira experiência, ela ainda
143
ficava muito distante de uma pedagogia do tipo integrativa, em relação às questões
pedagógicas, tema que só seria abordado mais adiante.
Durante a década de 1950, a experiência começou a chamar atenção e se
expandiu para outros países da Europa, iniciando na Itália, em 1961, e chegando à
Espanha em 1966. Ainda nesse período, as MRFs chegaram à África, por volta de 1950,
com a criação de uma casa para moças em Tebourda, na Tunísia. Nos Territórios
Franceses de Nova Caledônia e Polinésia, o programa teve início em 1977 e 1980,
respectivamente. (Queiroz, 2006).
Em maio de 1975, a partir do que já existia de experiências em alternância em
19 países da África, Europa, Ásia e América Latina, foi realizado em Dacar, no Senegal,
o primeiro Congresso Internacional das Casas Famílias. Também em 1975 foi criada a
Associação Internacional dos Movimentos Familiares de Formação por Alternância –
AIMFR.
Desde então, essas experiências se espalharam pelo mundo, reunindo, de um
lado, o apelo à solidariedade internacional e humana “por uma educação para todos” e,
de outro, fomentando experiências de desenvolvimento no campo da agricultura e das
comunidades locais. O projeto pedagógico, nesse caso, foi desenhado como o resultado
das ações dos diversos atores que deveriam atuar em parceria, entre eles: o
monitor/educador/professor, o aluno, as famílias, as comunidades e instituições locais,
tendo em vista que o ensino fora do mundo urbanizado não contemplava as
especificidades e as necessidades da população rural.
4.1 – As CEFFAs chegam ao Brasil
O movimento dos CEFFAs (Escolas/Casas Famílias Agrícolas) chegou ao
Brasil, a partir de 1968, no Estado do Espírito Santo, denominadas inicialmente de
EFAs (Escolas Famílias Agricolas). Mas as discussões para sua implantação começaram
bem antes, por volta de 1965, com a intermediação do padre Humberto Pietrogrande,
que veio da Italia e pertencia à congregação dos Jesuítas. (Batistele, 2011)
Como se vê, os pioneiros foram lideres e movimentos ligados a Igreja Católica,
principalmente durante a década de 1960, mesmo se o Brasil passava a viver sob a êgide
144
do regime militar, duas razões são perceptíveis para o engajamento da Igreja Católica: a
encíclica Pacem in Terris (Paz na Terra) do Papa João XXIII e o Concícilo Vaticano II,
que permite a inserção social da Igreja e faz uma reflexão sobre o capitalismo liberal
através da encíclica Populorum Progressio (Desenvolvimento dos Povos) do Papa
Paulo VI. (Queiroz, 2007 & Batistele, 2011) Sequencialmente esses eventos deram
grande impulso aos setores progressitas da Igreja, como as Comunidades Eclesiais de
Base (CEBs); as pastorais sociais e principalmente o surgimento da Teologia da
Libertação.
Entre outros movimentos ligados à Igreja Católica, a CPT28 se destaca, criando
os primeiros centros em alternância na tentativa de levar educação para as comunidades
rurais. Em seguida, os movimentos de luta pela terra e pela reforma agrária, mais
expressivamente o MST e as ONGs, que igualmente alargaram suas atividades no
campo educativo e também abraçaram a proposta da pedagogia em alternância.
A partir de 1973 os CEFFAs proliferaram-se pelo território nacional
ultrapassando as fronteiras do território capixaba indo se estabelecer na Bahia e,
posteriormente, em solo mineiro, para depois, numa trajetória sempre ascendente, se
expandir para quase todo o Brasil.
De maneira geral, os CEFFAs estão situados no meio rural e os sujeitos
envolvidos e comprometidos na sua gestão e administração são agricultores e
agricultoras familiares, pescadores (as), extrativistas, assentados (as) da reforma agrária,
assalariados(as), diaristas, parceiros(as) e arrendatários(as), jovens estudantes, suas
famílias, profissionais, lideranças do meio e entidades afins, preocupadas com a
educação e o desenvolvimento sustentável das comunidades atendidas.
A expansão rápida dessa modalidade de ensino pode ser explicada
principalmente em razão da realidade histórica da educação no meio rural, uma vez que
a carência de escolas, o analfabetismo, a descontextualização do ensino formavam e
ainda formam os principais fatores para o nascimento dessas iniciativas; uma situação
muito parecida com as motivações ocorridas para que elas fossem criadas na França, em
seguida espalhadas na Europa do pós guerra, avançando na África, na América Latina e
na Ásia. Martins (2005) afirma que a ausência de uma escola básica do campo já é
28
Comissão Pastoral da Terra.
145
motivo suficiente para o surgimento de uma alternativa que contemple as reais
necessidades educativas para esses povos (p.3-4).
Como se vê, os fatores que contribuíram para o surgimento das Casas Familiares
Rurais no Brasil tem relação direta com a econômia agrícola. As principais diferenças
entre os CEFFAs e as escolas convencionais estão na metodologia e na pedagogia, pois
essas escolas em alternância procuram congregar os anseios das populações com sua
realidade e o seu modo de vida.
Nesse caso, em relação à educação do campo no Brasil, entre outros motivos
importantes para a fundação das CEFFAs, estão a ausência do Estado na educação dos
povos do campo, o que resulta como se observa até hoje, no êxodo rural constante
ligado tanto à falta de terras, quanto à falta de conhecimentos técnicos científicos dos
jovens adolescentes para cuidar das suas propriedades.
4.2 – Como se articulam os CEFFAs no Brasil?
Hoje são aproximadamente 248 centros educativos em funcionamento,
distribuídos por 21 estados da Federação, atendendo a mais de 19.000 jovens a cada
ano. Com essa estrutura em funcionamento, alcançam um contingente de 5.650 jovens
formados a cada ano, somados a outros 50.000 egressos, o que representa um público
beneficiado de 352.000 pessoas. Em termos de abrangência, são 820 municípios e
70.400 famílias associadas. (UNEFAB, 2007)
Como vimos os CEFFAs atuam há mais de três décadas no Brasil, promovendo
educação do campo integrada com a profissionalização nos níveis Fundamental (2o
ciclo) e Médio.
A UNEFAB foi criada em março de 1982 com o objetivo principal de coordenar
as atividades e defender os interesses das entidades vinculadas bem como assessorar a
implantação de novas iniciativas. (Batistele, 2011). A unificação das entidades numa
rede nacional se torna fundamental à medida que os desafios da escola para o meio
rural vão se sucedendo e se faz necessária uma organização que unifique as demandas.
A UNEFAB é quem organiza as EFAs e realiza o trabalho de assessoramento junto às
EFAs e às ECORs – Escolas Comunitárias Rurais. No ideal da UNEFAB estaria a
promoção, por meio das EFAs, de um desenvolvimento sustentável e solidário para o
146
campo, através da formação dos jovens e de suas famílias, dentro dos princípios da
Pedagogia da Alternância.
A UNEFAB atualmente é composta por doze associações que articulam as EFAs
em nível estadual, são elas: a AECOFABA (Associação das Escolas Famílias Agrícolas
da Bahia); a RACEFFAES (Rede das Associações de Centros Familiares de Formação
por Alternância – Espírito Santo); a AEFACOT (Associação das Escolas Famílias
Agrícolas do Centro Oeste de Tocantins); a AEFARO (Escolas Famílias Agrícolas –
Rondônia); a AMEFA (Associação Mineira de Escolas Famílias Agrícolas); a RAEFAP
(Rede de Escolas Famílias Agrícolas do Amapá); a APEFA (Associação Potiguar de
Escolas Famílias Agrícolas); a AEFAPI (Associação das Escolas Famílias Agrícolas –
Piauí); a UEFAMA (União das Escolas Famílias Agrícolas do Maranhão); o
IBELGA/ACEFFARJ Instituto Belga de Nova Friburgo/Associações dos Centros
Familiares de Formação por Alternância do Rio de Janeiro); a ARCAFAR (Associação
das Redes das Casas Famílias Agrícolas). Por fim, a REFAISA (Rede de Escolas
Famílias Integradas do Semiárido), como o próprio nome já diz, se ocupa
principalmente das escolas na região do semiárido Brasileiro e das tentativas de
encontrar soluções essenciais para que filhos e filhas de agricultores familiares se
eduquem e apreendam a conviver e a produzir no semiárido de maneira sustentável.
A ARCAFAR (Associação de Casas Famílias Rurais) que se desdobra também
em outras várias redes, como a ARCAFAR/Pará, ARCAFAR/Maranhão e
ARCAFAR/Amazonas e ARCAFAR/Sul. Essa rede organiza as CFRs. A CFR (Casa
Família Rural – escola “B” da nossa pesquisa) é afiliada à rede ARCAFAR/NorteNordeste.
Na Bahia o grande articulador dos CEFFAs foi o padre italiano Aldo Lucchetta
que junto com lideranças locais, incentivou a implantação dessas escolas. A primeira
EFA da Bahia surgiu no Município de Brotas de Macaúbas na década de 1980; logo
depois temos o nascimento da EFA de Riacho de Santana, em 1973, e em seguida vários
outros municípios baianos se investiram na construção de escolas dessa natureza. A
proliferação das EFAs na Bahia fez, por sua vez, surgir a Associação das Escolas
Famílias Agrícolas da Bahia, a AECOFABA, que acompanha o trabalho desenvolvido
no Estado que hoje possui o maior número de EFAs do Brasil.
147
Ao redor da UNEFAB/AECOFABA estão articuladas somente na Bahia 32
escolas e mais algumas em processo de fundação: a EACMA (Escola Agrícola
Margarida Maria Alves – escola “A” da nossa pesquisa) é também uma de suas
afiliadas.( UNEFAB, 2009).
4.3 – O funcionamento e experiência na organização dos CEFFAs no
Brasil
Permeados pela pedagogia da alternância, a central, mesmo com suas
diferenças internas de posicionamento político/pedagógico procuram em sua base de
projetos fazer avançar a educação do campo e o desenvolvimento das famílias de
pequenos proprietários rurais.
No entender dos seus ideólogos, na origem, para a construção da pedagogia da
alternância nos CEFFAs a experiência vivida é mais significativa que a ensinada.
Valoriza-se, portanto, a experiência cotidiana, numa reapropriação do tempo holístico,
anterior à organização do tempo escolar de inspiração taylorista.
Na prática o projeto educativo deve ocorrer em três momentos, envolvendo a
casa do aluno, o centro educativo (a escola) e o meio socioprofissional. Se a casa é o
local da pesquisa e observação, o centro educativo é o local da socialização das
experiências, da comparação, análise, interpretação e generalização. No meio
profissional devem ser aplicados os conhecimentos e é também onde surgem novos
temas de pesquisa.
No que concerne aos sócios ativos, a perspectiva inicial é a associação de pais de
alunos, ex-alunos e outros apoiadores, como cooperativas, que possuem direito a voto e,
de uma maneira geral, priorizam a experiência socioprofissional.
Para Moura (2005)29, os CEFFAs são um modo específico de formar e educar
pessoas que vivem no meio rural. Nesse caso, são destacados dois eixos principais que
dão base para o projeto de formação proposto: a pedagogia da alternância e a
associação das famílias.
A pedagogia da alternância propriamente dita se caracteriza por alternar a
formação do aluno entre momentos no ambiente escolar e momentos no ambiente
29
A citação é parte de uma entrevista cedida pela UNEFAB.
148
familiar/comunitário. O objetivo é desenvolver um processo de ensino-aprendizagem
contínuo, em que o aluno percorre o trajeto propriedade-escola-propriedade:
 Em um primeiro momento, na propriedade, o aluno se volta para a
observação, pesquisa e descrição da realidade socioprofissional do contexto
no qual se encontra;
 Em um segundo momento, o aluno vai à escola, onde socializa, analisa,
reflete, sistematiza, conceitua e interpreta os conteúdos identificados na
etapa anterior;
 Finalmente, num terceiro momento, o aluno volta para a propriedade, dessa
vez com os conteúdos trabalhados de forma que possa aplicá-los,
experimentar e transformar a realidade socioprofissional, de modo que novos
conteúdos surgem, novas questões são colocadas, podendo ser novamente
trabalhadas no contexto escolar.
De maneira geral, a pedagogia da alternância trabalha com a experiência
concreta do aluno, com o conhecimento empírico e a troca de conhecimento com atores
do sistema formal de educação. Trabalha também com membros da família e da
comunidade na qual vivem os alunos e que ministra ensinamentos sobre a realidade em
que se encontram inseridos.
Atualmente existe uma série de instrumentos especialmente elaborados para
trabalhar em regime de alternância, como:
 Plano de estudo com “temas geradores” escolhidos a partir de um
diagnóstico da realidade local;
 O caderno de pesquisa;
 O caderno de acompanhamento, entre outros.
Segundo Moura (2005), a formação acontece com 10 módulos de estudo ao
longo de 02 anos, que culmina com a defesa de um Projeto Pessoal de Pesquisa e
Experimentação, totalizando 510 horas de formação. São no mínimo 02 encontros de
formação continuada com carga horária equivalente a 80 horas no total. Além de
algumas parcerias já consolidadas, há também os seminários, congressos e assembleias,
além de um conjunto de literaturas produzidas no próprio movimento que serve no
contexto da formação.
149
2) A associação das famílias tem como função gerir e institucionalizar suas
práticas – administrativamente, financeiramente e juridicamente. As casas familiares
Rurais são pessoas jurídicas próprias, vinculadas às associações formadas pelos atores
envolvidos no projeto pedagógico. Além disso, tem como responsabilidade participar da
formação do educando e complementá-la de modo coerente a partir do que lhe é
ensinado na escola.
A integração entre os diversos atores envolvidos se mostra como um aspecto
fundamental para o funcionamento da proposta da Pedagogia da Alternância. Dado que
a formação do aluno se dá em diversos contextos, torna-se necessário que haja certa
coerência de proposta entre eles. Além disso, segundo Passador (2000):
O envolvimento da comunidade é primordial para a
consecução dos objetivos do projeto, cuja implantação só
acontece a partir da demanda da própria comunidade. A partir
daí, começa a se desenvolver o senso de responsabilidade pelas
escolas, a busca por soluções para os problemas da região, a
valorização do agricultor como cidadão e como profissional.
Consequentemente, o projeto acaba despertando a iniciativa e a
participação comunitária, além de uma atuação conjunta por
parte dos órgãos executores e parceiros do projeto. E ainda cria
projetos de desenvolvimento regional, oriundos das aspirações
das populações locais e dos ensinamentos da casa família rural
(p. 02).
Ainda de acordo com esse autor, “as casas têm evoluído com a maturidade
política das comunidades. Nas cidades em que as lideranças constituídas e os
agricultores compreendem suas atribuições junto ao projeto, esse se torna a mola
propulsora da agricultura no município ou na região” (Passador, 2000, p.2), o que
também será possível identificar durante a análise dos dados nos capítulos VII, VIII e
IX.
O que tem sido colhido das experiências da pedagogia da alternância no campo
do Brasil? Martins (2005) considera que os CEFFAs têm apresentado resultados
excelentes de custo/benefício, sendo muito favoráveis aos interesses da administração
pública, pois garantem qualidade no ensino e com um custo menor em relação aos
obtidos com a educação nas escolas tradicionais. Outros resultados indicados pelo autor
são: formação de lideranças, diversificação da propriedade, geração de trabalho e renda
no campo, inclusão social, resgate da cidadania, qualidade de vida, vida digna e
150
felicidade, continuidade dos jovens no campo e um projeto profissional de vida. Ainda
ressaltaria outros pontos positivos tais como:
 Aumento de parceria com o poder público: as casas famílias rurais têm
dificuldades financeiras e, por outro lado, a proposta pedagógica
realizada é tida como de interesse público;
 Formações de parcerias com universidades para criação de projetos de
curso de formação específicos para os monitores/educadores engajados
na Pedagogia da Alternância.
 O desenvolvimento da Pedagogia da Alternância representa uma
tecnologia social em si, pois um projeto pedagógico é desenvolvido
adequando-se especialmente à situação em contexto, formando jovens
que conhecem sua realidade e aprendem a partir dela.
Outro elemento importante com este trabalho está no fato de que ele revela o
potencial dos jovens agricultores, os quais têm a oportunidade de se desenvolverem
como atores na produção de conhecimento. Isso acontece a partir do momento em que o
jovem questiona sua própria realidade e detém os instrumentos para encaminhar uma
investigação das questões de pesquisa de maneira mais sistemática.
4.4 – As dificuldades enfrentadas no funcionamento dos CEFFAs no
Brasil
No caso específico do funcionamento das CEFFAs, é possível enumerar um
conjunto de dificuldades, como: a falta de apoio diverso para o funcionamento do
modelo, nos níveis federal, estadual e municipal de reconhecimento e regulamentação
da pedagogia da alternância (Martins, 2005). Apesar disso, verifica-se que muitas
iniciativas têm se estabelecido com esses três níveis de dificuldade. O que se coloca é
que será necessário um engajamento maior para fazer avançar as experiências dessa
pedagogia de ensino de maneira consequente, no sentido de consolidar essas escolas de
maneira definitiva e de superar suas principais dificuldades, tais como: ausência de
formação acadêmica dos monitores/educadores, especificamente para questões da
alternância e para o campo; melhoria e construção de instalações adequadas; problemas
na produção interna de alimento; falta de área de lazer; produção agrícola interna
151
insuficiente para manter algumas experiências, além das dificuldades em conseguir
equipamentos e materiais didático-pedagógicos.
Araújo (2006) afirma que o maior desafio que se coloca hoje para os Centros
Familiares de Formação por Alternância é a sustentabilidade econômica. Esse elemento
aparecerá nas falas dos alunos, professores e diretores dentro do conjunto dos dados da
pesquisa nos capítulos VII, VIII e IX tanto na escola “A” quanto na escola “B” em
alternância.
Ainda para esse autor, essa dificuldade se impõe porque essas escolas atendem a
uma clientela que faz parte da classe trabalhadora – pequenos proprietários, posseiros,
acampados e lavradores sem-terra. Queiroz (2006) sustenta que a autonomia dos
CEFFAs é uma utopia, por isso é necessário discutir a ideia de torná-las públicas. Essa
reflexão vai ao encontro do que acreditamos e defendemos na tese, pois, ao
observarmos de perto o funcionamento das escolas em alternância, percebemos o grau
de dificuldade que circunda o seu funcionamento. Para essa autora, a questão não seria
de torná-las públicas agora, mas já é preciso discutir essa ideia, tendo em vista que se
eles vierem a ser públicos não poderiam perder a sua autonomia e os seus princípios
norteadores.
A nossa pesquisa demonstra que não é possível pensar em educação para o
campo enquanto se precisa pensar na alimentação cotidiana dos alunos. Também não se
pode pensar em educação do campo com a maioria do seu corpo docente sonhando em
ir para a cidade ou onde o aluno, em seus 15 dias de alternância na escola, negue a
importância dos conhecimentos de suas famílias. Ou, ainda, não se pode ensinar
elementos básicos de manejo dos utensílios do campo sem o mínimo de biblioteca à
disposição dos alunos para que esses possam consultar e se informar sobre formas e
alternativas de melhor desenvolverem suas comunidades.
152
4.5 – A Região do Cacau e a pesquisa
Nossa pesquisa foi realizada em três Municípios do Sul do Estado da Bahia na
região cacaueira, situada entre o litoral e o meridiano 400 e os paralelos 130 S e 160 S
(Araújo & Campos, 1998). A vegetação é caracterizada pela floresta atlântica, dentro da
qual se implantou a cultura do cacau que, durante quase um século, representou a
principal atividade agrícola da região e uma das principais atividades econômicas do
Estado da Bahia. A região compreende uma certa coerência do ponto de vista ecológico,
econômico, cultural e social.
A região do cacau é composta de 51 municípios e ocupa uma superfície total de
25.513 Km2, ou seja, em torno de 4,5 % da superfície total do Estado. entre eles
Tancredo Neves, Valença e Ilhéus.
Tabela 4: Evolução da população da Região Cacaueira
População
1980
%
1991
%
1996
%
2000
%
2010
%
Urbana
383.338
54,63
542,298
62,50
578.478
67,34
636.670
75,45
921.092
73,3
Rural
318.189
45,37
325.355
37,49
280.443
32,66
207.231
24,55
337,066
26,7
Total
701.527
100
867.653
100
858.921
100
843.901
100
1.261,158
100
Fonte: IBGE (Censo Demográfico 1980 – 2000) e,
Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2010.
Inclusive a população residente nas áreas rurais isoladas.
Como se pode notar (tabela 4) a evolução da população na região do cacau foi
quase nula entre os períodos de 1980 e 2000, período em que a região atravessa a sua
maior crise. Um outro elemento importante é a diminuição constante da população rural,
devido aos processos de migração, saindo de 45% em 1980 e chegando a 26,7% em
2010 e o consequente crescimento da população urbana que salta de 54,63% em 1980 e
chega a 73,3% em 2010.
A população total tem um crescimento considerado fraco comparado a outras
regiões do país, mas mesmo com o crescimento da população total da região, a
população rural está em franca diminuição, o que revela o papel que desempenhou a
crise da lavoura cacaueira desde anos 1980 até os dias atuais.
Outro dado importante é que a população total cai de 858.921 em 1996 para
843.901 no ano 2000, o que revela no nosso entendimento, a forte imigração para outros
centros urbanos, notadamente para São Paulo.
153
Mapa 2: A região cacaueira e a localização dos três municípios da pesquisa
Figura 2: A região cacaueira e a localização dos três municípios da pesquisa
154
4.5.1 – A situação socioeducativa dos três municípios na Região do
Cacau
Na região cacaueira e especificamente nos três Municípios em pesquisa, a taxa
de analfabetismo está entre as mais elevadas do Estado. Ela chega a 39% no município
de Tancredo Neves entre a população de 15 anos ou mais (IBGE, 2010). No caso dos
dados do desenvolvimento da educação básica, os índices observados no Município de
Valença (notas do Ideb de 2011) são de 3,6 no total das escolas públicas numa escala
que vai de 0,0 a 6,0 (6,0 que assinala uma educação de base de qualidade). Em Ilhéus,
os índices são de 3,3 e Presidente Tancredo Neves de 3,9 respectivamente.
O estado da Bahia é a região do Brasil que apresenta o maior número de
municípios (405); entre eles, 05 têm os piores indicadores de educação de base do
Brasil. Na região cacaueira, Apuarema e Nilo Peçanha e Piraí do Norte estão entre eles
e têm índices de 0,5 e 2,4, respectivamente. Nas classes primárias de Presidente
Tancredo Neves e de Valença, 70% dos alunos estão acima da idade normal de suas
classes (Ideb; Inep, 2010). A situação se agrava de maneira evidente quando se trata da
zona rural.
Tabela 5: Situação socioeducativa dos três municípios implicados na nossa pesquisa:
Município
População
Total
Populaçã
o rural
53.669
Analfabetismo
mais de 15
anos %
20.6
Distorção
idadesérie
populaçãorural %
66,7
Ilhéus
184. 231
Presidente
T. Neves
Valença
23.857
14.228
39,0
70,8
DINI
D
Conclusão do E.F*.
com distorção idade
-série
0
88,6
0,50
0
88,2
0
87,4
0,39
88.729
24.328
26,54
70,1
0,47
* E .F. Ensino fundamental – dados IBGE 2010.
4.5.2 – A problemática ambiental no Sul da Bahia
A paisagem regional está caracterizada pelo predomínio da Mata Atlântica, sob a
qual foi cultivada a lavoura cacaueira que, durante várias décadas, representou a
principal atividade agrícola regional e uma das principais fontes de renda do estado.
Quando se pensa na região cacaueira, tem-se a ideia de que se trata de uma
região agroecologicamente homogênea, mas esta é uma visão ingênua na sua
multidimensionalidade. Muitos elementos que a compõem se diferenciam: na parte
155
centro oeste interior é possível encontrar as fazendas de cacau fazendo divisa com o
sertão baiano nos municípios de Itaji e Jitaúna próximo a cidade de Jequié; No baixo sul
o cacau se mistura com as plantações tradicionais como uma imensa faixa de dendê,
côco e demais plantas litorâneas, no leste é possível encontrar grandes fazendas de
gados confrontando com as fazendas de cacau e ao sul os resíduos da floresta atlântica
confrontam-se com as fazendas de cacau. Portanto, mesmo com visão pouco rigorosa é
possível constatar essa diferença, sendo que em todos esses espaços de uma maneira ou
de outra, a cultura do cacau está presente, co-denominando a região.
Apesar da beleza e exuberância, a Floresta Atlântica que compõe a região faz
parte dos biomas extremamente frágeis. Com efeito, as variáveis meteorológicas
ocasionam a diminuição da fertilidade do terreno e, consequentemente, incidem em
situações de erosão e esterilização dos solos. A grande quantidade de chuva e a forte
quantidade de sol durante o ano levam os pequenos agricultores a um nível de acuidade
muito grande com a plantação. Se esses processos são mal geridos e as terras mal
trabalhadas, a situação se degrada rapidamente.
No caso das culturas de subsistência, mesmo entendendo que são culturas da
base alimentar dos pequenos agricultores e da população regional, elas são, por
extensão, também responsáveis por processos de degradação ambiental. Peteers (1989)
mostra o exemplo repetido de degradação ambiental que aconteceu no início da
colonização e ainda hoje se encontra na maior parte das práticas agrícolas na região do
cacau:
O avanço rápido das frentes dos pioneiros que, partindo
da Baía de Guanabara (Rio de Janeiro), penetravam rapidamente
muito longe no interior do país, deixando para traz solos
cansados e esgotados e a “capoeira30” em detrimento da
“mata”31 (Peteers, 1989).
Ainda ligado com as questões colocadas acima, a região sul e extremo sul sofre
com o desmatamento, principalmente com a chegada da vassoura-de-bruxa em 1984.
Outras estratégias de sobrevivência foram buscadas pelos agricultores familiares: como
o avanço das pastagens; a extração e venda ilegal de madeira para as serrarias; e práticas
predatórias que tornaram comuns para algumas famílias de agricultores.
30
La capoeira é um termo utilisado ’est un terme très utiliser pour tous les fermier brésilienne
elle une espèce de forêt secondaire, au des arbres de succession, qui sont ne après le déboisement de la
foret primière.
31
Mata significa floresta virgem.
156
Uma educação para os povos do campo na região não pode negligenciar este
aspecto. Muito pelo contrário, o currículo e os programas pedagógicos das escolas
rurais tem papel fundamental na veiculação desta problemática no sentido de buscar
soluções com as comunidades locais para reverter esta situação.
Essa situação mudou pouco nos últimos anos, com a aprovação de leis mais
rígidas no sentido de preservação ambiental tanto da fauna assim como da flora
brasileira.
No caso específico da região do cacau, são várias as espécies de árvores
(retiradas pelos madeireiros) e animais (principalmente pela caça) nativos da Floresta
Atlântica que estão em vias de extinção. No mapa é possível observar a situação de
desmatamento ocorrida entre o sul (região do cacau) e o extremo sul da Bahia em 1945,
1970, 1980 e o que ocorria até o ano 2000, dando uma ideia do problema:
Figura 3: Mapa da situação de desmatamento na Bahia
IBAMA (2003).
4.6 – O Município de Ilhéus
A história de Ilhéus remonta à época das capitanias hereditárias, quando D. João
III doou vasta extensão de terra ao donatário Jorge de Figueredo Correia. Instalada em
1535, na ilha de Tinharé, antigo domínio da Capitania de Ilhéus, a sede administrativa
logo se mudou para a região da foz do rio Cachoeira, a chamada Baía de Ilhéus.
A cidade de São Jorge dos Ilhéus fica situada em local privilegiado. Recortada
por muita água, sua chegada por avião é muito bonita e emocionante. O centro da
cidade fica localizado numa ilha artificial formada pelos rios Almada, Cachoeira e
157
Itacanoeira (ou Fundão) e ainda pelos canais Jacaré e Itaípe, este último construído no
final do século XIX pelo engenheiro naval François Gaston Lavigne, oficial do exército
de Napoleão. Esse canal foi construído para facilitar a passagem das canoas que traziam
cacau da região do rio Almada para o embarque no porto. Compondo a área de
preservação ambiental da bacia hidrográfica desse rio, a Lagoa Encantada possui beleza
natural ímpar, elevado nível de preservação ambiental, lindos passeios de barco, com
cachoeiras e contato com a natureza.
4.6.1 – A economia e o cacau em Ilhéus
Considerada por Tomé de Sousa como "a melhor coisa desta costa para
fazenda", a região se tornou produtora de cana-de-açúcar e ganhou muitas construções.
Mas, com a chegada dos índios Aimorés, que passaram a atacar as plantações, Ilhéus
sofreu o declínio econômico que resultou em sua decadência. No século XVIII, com a
importação de mudas de cacaueiros da Amazônia e sua notável adaptação às condições
climáticas da região, Ilhéus viu brilhar diante de si um novo eldorado. O cultivo do
cacau passou a gerar um número sem fim de histórias, recheadas de cobiça, amores e
lutas pelo poder, formando um terreno fértil para os romances de Adonias Filho e Jorge
Amado, os quais narram as paixões desenfreadas dos coronéis por dinheiro, mulheres e
terras.
O grande fluxo financeiro originado pela produção e exportação de cacau deu
origem a peculiaridades no desenvolvimento da Costa do Cacau, região geoestratégica
da Bahia. O desenvolvimento da produção e a busca por melhor qualidade nesta
importante commodity levaram as lideranças regionais e os produtores a criarem a
CEPLAC.
A partir de meados da década de 1980, a monocultura cacaueira sofreu um rude
golpe na sua característica principal, que era a de gerar muita riqueza. A seca constante
provocada pelo fenômeno El Niño, os baixos preços internacionais e, por último, a
praga denominada vassoura-de-bruxa fizeram da cacauicultura uma atividade menos
rentável. Se para uns isso representou tristeza e angústia, para a região, de um modo
geral, permitiu que se pensasse em outras atividades rentáveis, particularmente na
agricultura. Por conta da crise verificada no final do século passado e início deste, a
158
monocultura do cacau vem cedendo espaço para a diversificação, a agregação de valor
aos produtos regionais, principalmente a fruticultura.
Nos anos 90, ocorreu a queda da produção interna e a queda do preço do cacau
no mercado internacional. Junto a tudo isso, um conjunto de doenças se multiplicou na
lavoura e pôs de joelhos a produção do cacau da Bahia. A principal dessas doenças, a
vassoura de bruxa, foi sozinha a responsável pela dizimação de dezenas de milhares de
hectares de cacau produtivo. O empobrecimento ficou explícito na região.
Com a queda do preço do cacau no mercado mundial, o modelo tradicional da
monocultura na região entra em crise, somado a isso, a chegada da praga vassoura-debruxa32nos anos de 1980 que acelerou ainda mais o êxodo rural.
O cacau é um dos principais produtos agrícolas tropicais de exportação, mas
não escapou da crise. Entre 1984 e 1993, o seu preço caiu pela metade. A retomada foi
tímida e o valor real está sempre mais baixo desde o final da II Guerra. No mercado
mundial, o cacau é um produto estratégico para a maioria dos países produtores, pois,
diferentemente de outros produtos tropicais, ele é essencialmente exportado. No sul da
Bahia, era o cacau quem alimentava majoritariamente as pequenas propriedades
familiares.
Para uma análise bastante própria sobre a importância da agricultura que é
perfeitamente aplicável ao que acontece na região do cacau, Freud, Petithuguenin &
Richard (2000) colocam a relação com a produtividade agrícola e o acesso à terra, já
Achorema & Sedel, (2002) percebem o problema da pobreza na agricultura familiar nas
regiões onde se produzem cacau, ligando principalmente quatro fatores: a) o baixo nível
de produtividade agrícola; b) baixo nível de eficiência e equidade dos investimentos nos
serviços elementares de saúde, de educação, de adução de água potável e higiene; c)
pouco acesso desses camponeses pobres à terra, aos créditos, às competências e a outros
ativos econômicos; d) a pouca diversificação da produtividade principalmente nas
pequenas propriedades agrícolas, esse quadro é real na região do cacau mas se expande
por todo o país.
32
Vassoura-de-bruxa - Crinpellis pernisiosa.
159
Para Arthur Lewis (1954),
Se a agricultura estiver em período de crise, ela só
propõe um mercado estagnado que faz obstáculo ao
desenvolvimento do resto da economia. Si o desenvolvimento
agrícola for negligenciado, si tornará mais difícil de desenvolver
todo o resto: tal é o princípio fundamental do crescimento
equilibrado.
Na Região do Cacau, o desemprego aumentou consideravelmente. Logo na
sequência da crise, cerca de 200.000 pessoas ficaram desempregadas em uma população
de pouco mais de um milhão de habitantes. Assistimos à multiplicação das favelas nas
duas principais cidades da região – Ilhéus e Itabuna – e mesmo as pequenas cidades se
dividiram em receber os desempregados do cacau e acompanhar a imigração de sua
população, principalmente para São Paulo:
Produção Baiana de Cacau
450.000
394.648
400.000
397.362
356.327
347.552
321.140
350.000
281.038
Em t
300.000
273.000
250.000
187.000
200.000
150.000
321.011
336.925 327.584
283.316
321.966
299.591 314.600
249.085
225.077
193.000
278.280
253.798 254.464
238.886
185.247
152.381
173.000
160.390
134.383
100.000
96.038
144.195
129.329
121.837
104.003 101.118
50.000
19
72
/73
19
74
/75
19
76
/77
19
78
/79
19
80
/81
19
82
/83
19
84
/85
19
86
/87
19
88
/89
19
90
/91
19
92
/93
19
94
/95
19
96
/97
19
98
/99
20
00
/01
20
02
/03
20
04
/05
P
-
Safra
Produção Baiana de Cacau
F
Figura 4: Produção Baiana de Cacau 1972-2005
Fonte CEPLAC, 2007.
Athayde (1995) destaca o “argumento social” e o argumento ecológico. Segundo
esse autor, o argumento social refere-se ao cacau enquanto um elemento definidor da
“terra e da gente”, sendo alteadas as repercussões negativas da crise na economia
160
cacaueira na economia e na sociedade local através da queda do nível de renda,
desemprego e imigrações. O “argumento ecológico” fundamenta-se nos impactos
ambientais decorrentes da retirada dos remanescentes da Mata Atlântica – preservados
pela cabruca – na tentativa de diversificação da economia, a exemplo da pecuária
intensiva e da cafeicultura.
4.7 – O nascimento da EFA em Ilhéus: “a Escola “A”.
A escola foi fundada por setores da CPT-Itabuna em 1997, preocupados com a
questão da educação para o campo na região. Os alunos dessa escola são filhos de
agricultores familiares tradicionais e filhos de trabalhadores rurais; a grande maioria é
originária mais especificamente de “assentamentos rurais”33. A escola dispensa um
programa próximo ao que acontece no ensino fundamental de 5ª à 8ª série. A alternância
permite aos alunos ir às suas comunidades de quinze em quinze dias. A escolha dessa
escola para o nosso estudo se dá pela sua compreensão pedagógica ligada a pedagogia
do oprimido de Freire.
4.7.1 – Fundos e formas de financiamento da escola “A” em alternância
As escolas ainda não são sustentadas de maneira direta pelo Governo e possuem
formas e fundos de financiamento de suas atividades educativas de maneira
diferenciada: o apoio das ONGs, os subsídios estatais e municipais, poucos recursos de
empresas privadas, além do trabalho “idealista” de seus participantes (Martins, s/d).
Os fundos e formas de financiamento da escola “A” – Ilhéus provêm de diversas
instituições, cada uma das quais entra com diferentes formas de participação, ainda que
seja necessário lembrar que o conjunto das fontes disponíveis não cobre os custos
correntes dessa escola, que sobrevive com incertezas constantes na continuidade dos
seus projetos, tendo por vezes que adotar soluções radicais, como a diminuição do
33
Originários de grandes fazendas ocupadas por diferentes organizações de luta pela terra entre eles o
MST, (Movimento dos Sem Terra) e o MLT (Movimento de Luta pela Terra).
161
número de alunos. As contribuições advêm principalmente de ONGs, conforme aponta
o quadro abaixo:
Tabela 6: Os fundos e formas de financiamento da escola “A”.
Instituição
KMB (Movimentos católicos –
Austríaca)
Terre de Homes – Genebra
OEW – (Movimentos Senhoras
Católicas - Italianos)
Mov. Protest. Suíços
FASE-Itabuna
SASOP
IESB
DIREC
MST-UNEB
Prefeitura de Ilhéus
Tipo de participação
1 Voluntario
Apoio financeiro + 1 Voluntário
Apoio financeiro
Apoio financeiro
Parceria
Parceria
Parceria
Professores/REDA-PST
Formação de Professores
Professores/Apoio
financeiro
Tabela 1: Os fundos e formas de financiamento da escola “A”
O processo de formação e engajamento de professores dessa escola tem sido
uma de suas principais limitações. Trata-se de uma situação que deve ser enfrentada por
todos os atores envolvidos, inclusive o Estado, no processo de funcionamento dessas
escolas.
4.7.2 – Formas de organização da escola “A” em estudo:
Organograma (1): Organização da Escola «A»
Escola « A » – Diretora
Organizações
Comunitárias
(sindicatos e associações
de pais)
Associação de Pais
Jovens/comunidades
Professores/monitores
(conselho deliberativo e
conselho fiscal + suplentes)
UNEFAB (União Nacional
das Escolas Famílias
Agrícolas) DIREC –
(Diretoria Regional de
Educação)
Figura 5: Organização da Escola «A»
162
Vista parcial do espaço escolar da escola “A”:
Figura 6: Vista parcial do espaço escolar da escola “A”
O espaço escolar não conta com área de lazer para os seus estudantes. Esse é um
dos elementos que os alunos mais reclamam e sentem falta.
Alunos em sala de aula:
Figura 7: Alunos em sala de aula
163
Do ponto de vista do funcionamento dessa escola e da formação dos
Professores/Monitores, temos a seguinte situação:
Tabela 7: o funcionamento da escola “A”
Professores/
Monitores/
Apoio
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
Curso
Fase
Instituição
Relação com a
escola
Letras
Terminando MST-uneb Contrato
(REDA)
Geografia
Cursando
Uneb
Efetivo
Geografia
Cursando
Uneb
Contrato
Matemática
Cursando
Uesc
Contrato
Educação Física
Cursando
Uesc
Contrato
Funcionária
efetiva
Artes Plásticas
Concluído
Contrato KMB
Curso
Téc.
Contrato
Enfermagem
Apoio
TDH
Contrato (TDH)
Artes apoio
Contrato
(capoeira e dança)
Tabela 2: Funcionamento da escola e da formação dos Professores/Monitores
A dificuldade no processo de formação de professores é um dos grandes desafios
que a escola do campo deverá enfrentar, além, é claro, da necessidade de estabelecer a
condição estrutural para o funcionamento em alternância.
4.8 – O Município de Tancredo Neves
O Município de Presidente Tancredo Neves, antes conhecido como Tabuleiro de
Liberina (1940), teve início com uma barraca de palha que ficava às margens da estrada
que ligava as propriedades rurais à cidade de Valença, Nazaré e Aratuípe. Essa barraca,
primeiro ponto comercial, pertencia a uma senhora de nome Liberina, a qual vendia
alimentos e bebidas aos tropeiros que transportavam cargas em lombo de animais para
as cidades acima citadas. Nessa mesma época, iniciou-se a construção manual da BA
002, surgindo outros comerciantes e, com isso, atraindo outros moradores. Esses
comerciantes vendiam produtos alimentícios e vestuários e compravam produtos
agrícolas (farinha de mandioca e cacau). Posteriormente o senhor José Pereira,
proprietário da Fazenda Paraíso, passou a morar no povoado dando-lhe nome de
Itabaína, nome de origem indígena que, conforme antigos provém de uma mistura de
164
ramas com pedras (Ita: significa pedra e baína: rama). A história conta que, naquela
época, as ramas se estendiam sobre as pedras, característica acentuada da região.
Com o surgimento da BR 101, por volta de 1957, o povoado começou a
desenvolver-se com rapidez, em função da maior facilidade no transporte de cargas por
caminhões. Logo após, em 1968, a BR 101 foi asfaltada, dando um impulso progressivo
para a região. Itabaina localiza-se na região do distrito de Guerém, que pertencia ao
município de Valença. Essa dependência administrativa durou até o ano de 1989. No
ano de 1988, realizou-se um plebiscito, no qual os eleitores decidiram pela emancipação
do povoado.
A emancipação política tornou-se realidade em 24 de fevereiro de 1989,
aprovada pela Lei Estadual n° 4.836 e publicada no Diário Oficial no dia 25 de
fevereiro de 198934.
A economia do município de Tancredo Neves é predominantemente agrícola;
mais da metade da sua população vive na zona rural, formada, em sua grande maioria,
por pequenas e médias propriedades que cultivam produtos como: cravo, cacau,
guaraná, castanha, banana, mandioca entre outros produtos que são vendidos na sede da
cidade.
4.8.1 – O nascimento da escola “B”
A segunda escola que faz parte do nosso estudo é uma Casa Família Rural
(CFR). Foi criada pela Fundação Odebrecht, no município de Tancredo Neves, no
interior da Mata Atlântica, na região do Cacau. Ela se situa a aproximadamente 210 km
de distância da primeira, localizada em Ilhéus. São duas turmas de alunos (jovens) com
idade entre 14 e 23 anos, que se revezam em regime de alternância. Os 60 alunos, em
sua maioria, são oriundos de comunidades rurais do mesmo município e dos municípios
vizinhos de Tancredo Neves, como Venceslau Guimarães, Teolândia e Mutuípe.
A escola faz parte da rede ARCAFAR/NORTE e foi escolhida com base na
heterogeneidade que cerca o funcionamento teórico/metodológico de cada CEFAs/EFAs
34
As informações estão disponíveis no site: http://www.ferias.tur.br/informacoes/951/presidente-tancredoneves-ba.html
165
e CFRs hoje. Essa CFR escolhida propõe o conceito de protagonismo juvenil, cuja
finalidade principal seria a formação de jovens empresários rurais, a se avaliar...
Apesar de a escola estar localizada na região do cacau, ela escolheu como eixo
central de sua intervenção no caso da agricultura, o “cultivo da mandioca”, naquilo que
se define como “cadeia produtiva da mandioca”. A cultura do cacau é tomada de forma
transversal, assim como outros temas geradores ligados ao cultivo de seringueira,
maracujá, cacau, banana, pupunha e outras plantas da região e mais os temas ligados à
criação animal.
Os monitores explicam que a formação rural dispensada pela escola na direção
do cultivo da mandioca deveu-se ao fato de que, em levantamentos técnicos anteriores,
feitos para a possível implantação dessa escola, perceberam-se uma vocação
considerável na comunidade para o cultivo dessa planta. Foi nesse sentido que a escola
partiu em busca dos conhecimentos necessários para fazer evoluir o cultivo dessa
cultura no interior das comunidades envolvidas em seu processo de formação.
A cadeia produtiva da mandioca tornou possível a reestruturação de um cultivo
consolidado na região. Quem lidera o processo é a Cooperativa dos Produtores Rurais
de Presidente Tancredo Neves (Coopatan), que hoje reúne cerca de 1.800 membros,
envolvendo famílias de nove municípios no Baixo Sul. “A maioria das famílias
produzia a mandioca da maneira que havia aprendido com seus antepassados”, afirma
um monitor. Não havia seleção de “manivas”, o beneficiamento não era mecanizado e a
adubação era feita de maneira incorreta.
Pelas observações feitas, não há uma imposição por parte da escola, para o
plantio exclusivo da mandioca, mas um incentivo para a diversificação, segundo os
próprios monitores, sendo que a mandioca conta já com técnicas devidamente
experimentadas de cultivo que intervêm continuamente no interior da escola e das
comunidades envolvidas.
4.8.2 – Seleção de alunos
Em 2003, foi realizada a seleção da primeira turma, composta por 35 jovens
entre 15 e 24 anos. Desde então, a cada ano, mais jovens aprendem novas tecnologias
agropecuárias para diferentes tipos de cultivo como feijão, milho, mamão, banana,
166
acerola, maracujá, abacaxi, mandioca, cacau, cupuaçu e seringueira, além do manejo de
caprinos, bovinos, suínos e aves.
Cerca de 100 jovens já passaram pela Casa e concluíram o curso, que tem
duração de três anos. Atualmente, mais 60 estão em formação. Os números dos
beneficiados pelo projeto aumentam na medida em que o conhecimento é repassado aos
moradores vizinhos: 119 famílias estão envolvidas diretamente, totalizando 666 pessoas
em 56 comunidades de cinco municípios. Indiretamente, são atendidas 5.666 pessoas.
O Diretor executivo da escola, conta que “cada etapa vencida é a conquista de
um novo desafio.” O último deles foi à “autorização” do Conselho Estadual de
Educação (CEE), em maio de 2009, para que a CFR ministrasse o ensino médio
integrado ao técnico com habilitação em agropecuária, tornando-se a primeira
instituição de ensino em alternância com este tipo de aprovação no Norte/Nordeste: “o
reconhecimento pelo Conselho é uma vitória de todos que contribuíram para que isso se
transformasse em realidade”, declara.
4.8.3 – A Fundação Odebrecht e o nascimento da Escola “B”
Criada em 1965, a Fundação Odebrecht é uma instituição privada, sem fins
lucrativos, mantida pela Organização Odebrecht. Sendo uma das mais antigas fundações
empresariais do país, segundo seus fundadores, ela nasceu com a missão de gerar
benefícios adicionais aos que a lei previa para os funcionários da Construtora Odebrecht
e suas famílias.
No início da década de 80, em sua primeira mudança importante de foco,
(segundo os seus próprios relatos), a Fundação Odebrecht abriu-se para a comunidade,
com o propósito de ajudar o Governo a solucionar problemas sociais. Tomou a
iniciativa de reunir as principais inteligências brasileiras, realizando prêmios, debates
políticos e acadêmicos. Em 1988, viveu o seu segundo momento de revisão de papel.
Seus técnicos perceberam que, apesar das boas ideias discutidas, o Governo não se
mostrava em condições de implementá-las. Por essa razão, a fundação optou por
dedicar-se a criar metodologias e modelos de intervenção nas comunidades.
167
Sob essa orientação, a organização deu um novo salto dez anos depois. Em
1998, assumiu a tarefa de coordenar ações do Programa Aliança com o Adolescente
pelo Desenvolvimento Sustentável, desenvolvidas em regiões com baixo nível de IDH
(Índice de Desenvolvimento Humano) no Nordeste. Nesse contexto, a sua inserção
maior se deu no Baixo Sul da Bahia com vários projetos em andamento. A convivência
mais próxima com as comunidades pobres do Baixo Sul da Bahia levou a Fundação
Odebrecht a eleger esta região como prioridade de sua ação. O primeiro foco escolhido
foi a educação de adolescentes, com o intuito de “formar empresários rurais”, de onde
nasceu a Escola Família Agrícola – Presidente Tancredo Neves.
4.8.4 – A formação de “jovens empresários rurais” na Escola “B”: o
conceito de “protagonismo juvenil”
A Escola “B”, em seu procedimento pedagógico, visa fornecer educação
profissional, com o propósito de formar “jovens empresários rurais”. Nelas os jovens
passam uma semana com aulas na sala e no campo e duas semanas em suas
propriedades, aplicando os novos conhecimentos, sob o acompanhamento e a orientação
de monitores especializados. A metodologia sistematiza os conhecimentos adquiridos e
os difunde nas famílias e comunidades, introduzindo, assim, novos padrões de
qualidade e produtividade na produção local, principalmente no caso da mandioca. A
partir de parcerias estabelecidas com instituições de pesquisa, a exemplo da
EMBRAPA, (Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuária) essa escola funciona
também como centro de geração e difusão de tecnologias produtivas, ligada mais
especificamente à cadeia produtiva da mandioca.
A escola “B”, com os recursos disponíveis, articula:
 Uma estrutura técnica rigorosa para o cultivo e produção da mandioca;
 Uma estrutura cooperativa dos agricultores e filhos de agricultores da
região na direção do cultivo da mandioca;
 Uma estrutura de fabricação e agregação de valores na produção e, por
fim;
 Uma estrutura de comercialização do produto.
A escola entra também como a grande organizadora de todo esse processo.
168
4.8.5 – Formas de financiamento da escola “B”
A escola possui ao todo 120 hectares de terras. Segundo a nossa observação,
feita junto à maioria dos Monitores, a escola ainda é incapaz de gerar a sua
autossustentabilidade, sendo esse um dos objetivos a conquistar em médio prazo. O
custo geral das despesas na manutenção dos alunos ultrapassa as receitas adquiridas
com o cultivo de culturas diversas implantadas hoje no interior das terras pertencentes à
escola (dados de 2008), como a mandioca, amendoim, criação animal, banana entre
outras. Segundo seus próprios dirigentes, essa receita está longe de garantir o custo
elevado da formação dos seus alunos.
Nesse sentido é necessário precisar que, sem as intervenções de financiamento
externo, dificilmente essa escola se manteria funcionando. Diversas são as instituições
financiadoras, sendo que cada uma entra com diferentes formas de participação.
A escola funciona também como um centro de experiências de grandes
instituições de pesquisa. Essas experiências contribuem de forma decisiva para a
elevação do nível de aprendizado técnico/científico do alunado. Nesse momento a
escola conta também com o reconhecimento do Governo Estadual, através da Secretaria
de Educação do Estado e passa a funcionar como escola em alternância de nível médio.
Para garantir a sustentabilidade da iniciativa, essa escola busca também
implantar campos, fortalecer parcerias, seja em nível financeiro, político ou técnico.
Essa escola conta com o apoio de diversas instituições para dar continuidade e ampliar
suas ações, entre elas: Governo Federal; Governo Estadual da Bahia; Prefeitura
Municipal de Presidente Tancredo Neves; Conselho Municipal da Criança e do
Adolescente (CMDCA); Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar); Empresa
Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa); Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e
Pequenas Empresas (Sebrae); Instituto de Desenvolvimento Sustentável do Baixo Sul
(Ides); Instituto Direito e Cidadania (IDC); Cooperativa de Produtores Rurais de
Presidente Tancredo Neves (Coopatan); Fundação Odebrecht; Braskem; Grupo
Michelin; Microsoft; Dell e Oi.
169
4.8.6 – Organização e Funcionamento da Escola “B”
Diagrama (2) Organização da Escola “B”:
Escola “B” – Diretor
Executivo/Administração
Organizações
Comunitárias (sindicatos
associações) e parcerias (ONGs)
Lider de OD
(Organização Dinâmica)
Monitores/Pedagoga –
Coordenador de campo
Associação de Pais
(conselho deliberativo e
conselho fiscal + suplentes
Fundação
Odebrecht/ARCAFAR/Norte
(Associação da Casa Famílias
Rurais) + Secretaria Estadual
de Educação
Jovens/comunidades
8: Diagrama da organização da escola “B”
4.9 – O nascimento da Escola “C”
A terceira escola que nós pesquisamos se trata de uma Escola Pública Rural,
localizada no Povoado do Bonfim, município de Valença-Ba.
A escolha se deu porque desejávamos ter uma escola pública rural da região com
situações parecidas com tantas outras escolas rurais públicas da região e do Brasil. Do
ponto de vista ambiental, essa escola está dentro das mesmas condições das outras duas
escolas em alternância, ou seja, faz parte da região rural do cacau. O objetivo, então, é
de formar a possibilidade de contraposição entre os dois modelos anteriores para, a
partir daí, poder compreender e comparar o ensino rural de uma escola pública da região
com as duas outras escolas baseadas na pedagogia da alternância.
Um outro foco estaria em avaliar a dimensão da educação pública dispensada à
população da comunidade rural do Bonfim, em Valença-BA35.A Escola do Bonfim está
localizada na zona rural, a 30 Km da sede do município (Valença), e agrega todo um
conjunto de alunos de comunidades rurais circunvizinhas, sendo que a maior parte dos
alunos são originários da comunidade chamada Derradeira.
35
As informações foram obtidas no site: http://www.a-brasil.com/valencabahia/
170
A escola conta com o FUNDEB (Fundo Nacional de Educação Básica) para
apoio pedagógico. Tem ao todo 36 Professores e 795 alunos. A biblioteca funciona em
uma sala de aula; não há salas para informática ou Internet.
4.9.1 – Vista parcial da cidade de Valença-Ba
Figura 9: Vista parcial da cidade de Valença-Ba
4.9.2 – Os Professores da escola “C” em formação
A pesquisa feita junto à escola “C” demonstrou a seguinte situação: são
professores efetivos da municipalidade de Valença. O salário médio dos professores é
de 2,5 salários mínimos e a sua grande maioria está no exercício da profissão há mais de
10 anos; quase todos são do município de Valença e apenas um vem do município
vizinho, Tancredo Neves. Todos os professores estão em processo de formação
acadêmica e apenas uma professora possui o curso de Pedagogia completo.
São ao todo 35 professores para um total de 795 alunos. Cada Professor possui
em média 40 horas/aula nessa instituição, o que equivale a 16 horas de curso em sala de
aula. As horas restantes são divididas entre a preparação das aulas e as reuniões
administrativas da escola. As salas de aula possuem em média 35 alunos, o que equivale
dizer que cada professor se encarrega de aproximadamente 280 alunos somente nesta
escola, pois, como foi também constatado, a maioria dos professores dão aula em outras
171
instituições de ensino, como forma de complemento salarial. Segue-se, assim, o perfil
geral dos professores dessa escola:
 Todos os professores têm mais de dez anos de trabalho profissional e em
sua totalidade são egressos do antigo curso de Magistério;
 Apenas uma professora concluiu o curso de licenciatura em Pedagogia.
No entanto todos os outros continuam sua formação em universidades
diversas. A maioria está matriculada no curso de licenciatura de
formação de professores em Pedagogia da UNEB/Valença.
 Constatou-se também que a maioria dos professores mantém um ritmo
descontínuo de suas formações, matriculando-se conforme as suas
disponibilidades.
Os
principais
motivos
apontados
para
essa
descontinuidade são as obrigações familiares, o trabalho de professor em
sala de aula, além da falta de incentivo por parte do Governo. A
formação, de uma maneira geral, se arrasta por longos anos, já que as
dificuldades são muitas.
Figura 10: Vista exterior da escola “C”
Foto: Vista exterior da escola “C”
Os professores da escola “C” em sua maioria são originários da sede do
município ou de municípios vizinhos. Eles precisam se deslocar diariamente entre a
172
escola e o local onde vivem. Os veículos utilizados estão sempre lotados acima da sua
capacidade e sempre em situação mecânica ruim. Esse é um dado recorrente no mundo
da escola pública do campo e nos põe diante de problemas ligados à autoestima dos
professores: como ter prazer em ser professor diante de situações tão difíceis?
Vejamos abaixo como a escola se organiza:
4.9.3 – Organograma (3): Organização da escola (C)
•Escola « C » – MEC
•FENDEB
•Prefeitura/Secretaria
Municpal de Educação
•Diretora/Vice-Diretora
•Coordenação
Pedagogica/Conselho
Municipal de Educação
•Projeto Político Pedagógico
- Professores
•Alunos - Reunião de Pais e
Mestres
Figura 11: Organograma: Organização da escola (C)
4.10 – O início dos programas governamentais para a formação de
professores para atuarem nas escolas do campo
No caso específico das Escolas-Casas Familiares Rurais, já em 1998, elas
integram-se às ações, em nível federal, a partir do PRONAF (Programa Nacional de
Fortalecimento da Agricultura Familiar), possibilitando o crescimento de unidades
implantadas no país. Os princípios do PRONAF são convergentes com os adotados
pelas CEFFAs, facilitando o acesso à profissionalização dos jovens e de suas famílias e
contribuindo com o aumento de ocupações produtivas e da renda no meio rural.
No caso em particular da “educação do campo ou no meio rural”, temos o
PRONERA (Programa Nacional de Educação em Áreas de Assentamento) proposto a
partir de 1998 pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário. Esse projeto de formação
173
de professores é resultado do acúmulo dos processos de reivindicação e pressão dos
diversos movimentos sociais do campo em relação à educação.
A partir dessa nova compreensão, o programa chega para a formação básica do
povo do campo.
Mais uma vez os movimentos sociais repensam as suas demandas e descobrem o
erro de reivindicar apenas a educação básica e alfabetização. Era preciso ir mais longe e
garantir a todos o direito de ter educação plena para, assim, avançar na liberação e
emancipação dos povos do campo no país.
Os cursos de formação de professores na Bahia foram inicialmente organizados
pela Universidade do Estado da Bahia o UNEB (2000), mas hoje já se estendem a todas
as universidades estaduais. À universidade caberia o papel de qualificar e melhorar a
atuação dos docentes nas escolas estaduais. Sobre isso alguns estudos vêm sendo feitos
por pesquisadores de educação na Bahia, no sentido de avaliar os impactos desses
cursos na vida dos alunos e dos municípios onde eles existem. Porém, por si mesmos, os
cursos não se encarregariam de mudar a visão que os professores têm da zona rural e de
quem nela vive.
Esse programa seleciona professores já em atividades nas diversas cidades do
interior da Bahia e os formam em um período de aproximadamente dois anos. No caso
da UNEB são selecionados aproximadamente 100 professores por município de cada
vez, que devem frequentar o curso no período em que não estão ensinando, ou seja, se
ensinam à tarde estudam à noite, se ensinam à noite ou pela manhã, estudam à tarde.
É importante salientar que esses cursos não direcionam as suas disciplinas para a
educação rural e, assim, não podem contribuir de maneira significativa com o recorte da
educação para o campo. Um dado importante a se notar é que boa parte dos professores
inscritos nesses cursos trabalham na zona rural e são como já vimos antes, parte dos
professores leigos.
Nesse sentido, se faz necessário compreender que, para que a educação do
campo cumpra efetivamente o seu papel, não se pode prescindir de metodologias
adequadas a esse fim. Neste caso e mesmo se os cursos melhoram a compreensão da
maioria dos professores leigos, a direção para a educação do campo deveria ganhar
contornos mais específicos o que ainda não acontece aqui.
174
No caso da educação para o meio rural algumas metas deveriam ser colocadas
para que educadores e educadoras pudessem efetivar de maneira adequada o seu papel
nas escolas do meio rural e assim se perguntar: o que deveria estruturar a educação do
campo? Quais elementos deveriam compor essa variável educacional do ponto de vista
do respeito a identidade cultural? Do ponto de vista curricular, que material didático
pedagógico poderia compor e contextualizar essa perspectiva de ensino? Quais as metas
de formação continuada para educadores e educadoras do campo? Que relação efetiva
deve ter esses com o meio ambiente, ecologia e o desenvolvimento sustentável? O que
deve ser cobrado do Estado?
Malassis (1979) adverte que “a formação de professores rurais/monitores
condiciona inevitavelmente o sucesso da educação oferecida nos seus diferentes
aspectos, o que está condicionado inevitavelmente à qualidade e aos fins da educação
que será oferecida a estes”.
Vale salientar que, com o atual governo federal, existem parcerias através do
MDA (Ministério de Desenvolvimento Agrário) para melhoria das escolas do campo,
como por exemplo: a política nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural, que
vem apoiando a realização de visitas aos jovens estudantes, suas famílias e
comunidades.
175
4.11 – Esquema metodológico da pesquisa:
Local
Escola
“A”
Zona
rural
de
Ponto de
partida em
análise
Pedagogia do
oprimido
(Freire)
Fatores
Determinantes:
Campo de tensão em
Ilhéus
“B”
Zona
rural
de
Protagonismo
Juvenil
análise
Curriculums e
teórico/metodológico
programas
T. Neves
rural
Metodologias
“C”
Zona
de
Práxis pedagógicas
Pedagogia
tradicional
rural
Valença
contexto interno
de cada escola
Regras de organização do
trabalho prático;
inovação.
Ciclo de
transformação
Mudanças de atitudes;
percepção prática e
relações.
Resultados
esperados
Sustentabilidade
comunitária; Identidade do
campo;
competência
profissional;
espírito
de
iniciativa; autonomia.
Figura 12: Esquema metodológico da pesquisa
176
177
CAPÍTULO V
178
5. – Problemática e questões de pesquisa: da educação rural no Brasil
Mesmo com a intensa urbanização do país nas últimas décadas, os dados
populacionais revelam que 15,7% da população brasileira encontra-se na zona rural. No
caso específico do Nordeste, a proporção é ainda maior: mais de 14.710.000 mais de
quatorze milhões de pessoas, ou seja, mais de 27,2% do total da população vivem na
zona rural nordestina. (IBGE,2009)
Em 2009, 22,2% das crianças e adolescentes no Brasil com idade entre 10 e 19
anos não frequentavam a escola e portanto eram analfabetos. O resultado está na
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), divulgada pelo IBGE (Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística, 2009).
A média de anos de estudo do total da população de 10 anos ou mais (Brasil) de
idade foi de 6,7 anos – menor que a da parcela das pessoas ocupadas de 7,4 anos. Para a
população de 25 anos ou mais de idade, o número médio de anos de estudo foi de 6,6
anos, enquanto para os ocupados nesse grupo etário ficou em 7,2 anos. A região
Nordeste apresenta ainda o menor nível de instrução, com média de 5,4 anos de estudo;
a região que apresenta esse índice mais elevado é o Sudeste, com 7,4 anos36.
Ainda segundo os dados do INEP-IBGE (2009), a média de anos de estudos era
de 1,4 para a população de 15 anos ou mais vivendo na zona rural do Brasil. No que
concerne à educação de jovens rurais de todo o país, estima-se que metade deles, com
idade entre 15 e 17 anos, pararam de estudar. Além disso, observa-se que 55% dos
estudantes rurais do ensino médio estão acima da idade própria a esse período
(Mansano; Ceroli & Caldart, 2004, p. 13).
Do total de 278 mil escolas rurais brasileiras existentes no final dos anos 1980,
200 mil eram escolas municipais; 2,5 mil eram federais; 70 mil eram estaduais e 4,9 mil
eram privadas. Mais da metade dos professores brasileiros não possuíam sequer o
ensino fundamental concluído e ministravam aulas no meio rural. (IBGE, 2006)
Em
relação à Bahia, nada menos do que 4.472.000 de pessoas vivem no campo, ou seja 30%
do total.
36
Disponível em http/www.Ibahia.com; acessado em 15/09/2006.
179
No caso da educação que tem sido direcionada a essas populações, ela não tem
garantido uma formação que sustente os modos de vida que supere os desafios
cotidianos apresentados. Se considerarmos a realidade específica da população rural do
país, o índice de analfabetos pode chegar a 20,3% em algumas áreas, no Norte e
Nordeste rural essa proporção pode atingir até 30% em certos casos. Se somarmos a
essas, as pessoas que não conseguiram completar a 4ª série, chegaremos então a 48,4%
dessa população (IBGE, 2009). Pode-se somara ainda que a média de estudos é de 3,5
anos para os homens e 4,3 para as mulheres.
Há, portanto, um grave quadro de deficiência profissional e material. Quando se
trata da educação para as famílias rurais, a realidade da educação que é destinada a estes
é muito mais complicada do que normalmente se pensa: são grandes os índices de
analfabetismo (cerca de 30% na região do nosso estudo); de cada 4 pessoas vivendo na
zona rural do nordeste, um é analfabeto (IBGE, 2010); falta de valorização para um
magistério com ligação real ao meio rural e à realidade do campo; as escolas encontramse em péssimo estado de conservação.
No que concerne as aberrações salariais a partir dos dados recolhidos em
setembro de 2009, o IBGE revela que os homens recebiam em média 305,00 reais por
mês na zona rural nordestina e as mulheres ainda bem menos em torno de 205,00 o que
equivalia a menos da metade do salário mínimo praticado na zona urbana nordestina.
A falta de qualificação adequada da maioria dos professores e professoras na
zona rural de todo o país é um problema recorrente. A depender da região, a carência de
profissional qualificado no campo pode chegar a sua totalidade. Na Bahia são 32.705
professores na educação básica, desses 195 ainda não tinham completado o ensino
fundamental; 30.672 tinham apenas o ensino médio e apenas 1.037 tinham o curso
superior completo. (MEC/INEP – 2009). Ricci (1999) comenta que:
Nos anos 80, com a eleição de governos municipais
comprometidos com movimentos sociais rurais, em muitos
municípios brasileiros, tiveram início as experimentações, que
não chegaram a formular mudanças conceituais profundas ou
programa político pedagógico que alterasse a lógica da escola
para o meio rural.
Tratada como uma espécie de resíduo do sistema educacional brasileiro, a escola
no meio rural tem sérios problemas:
180
 Falta de infraestrutura necessária e de docentes qualificados;
 Falta de apoio a iniciativas de renovação pedagógica;
 Currículo e calendário escolar alheios à realidade do campo;
 Em muitos lugares, é atendida por professores/professoras com visão de
mundo urbano centrado, ou com visão de agricultura patronal. Na
maioria das vezes esses profissionais nunca tiveram uma formação
específica para trabalhar com realidade em que se encontram;
 Deslocada em sua maioria das necessidades e das questões do trabalho
no campo;
 Alheia a um projeto de desenvolvimento local;
 Alienada dos interesses dos camponeses, dos indígenas, dos assalariados
do campo, enfim, do conjunto dos trabalhadores e trabalhadoras, de seus
movimentos e organizações;
 Estimuladora do abandono do campo por apresentar o urbano como
superior, moderno, atraente;
 Em muitos casos, trabalha pela sua própria destruição, pois é articuladora
do deslocamento dos estudantes para estudarem na cidade, especialmente
por não organizarem alternativas de avanço das séries em escolas do
próprio meio rural.
Trata-se de uma realidade histórica ligada aos povos rurais que foram relegados
ao descaso e ao esquecimento durante décadas. Isso tem custado a esses todo tipo de
injustiça: a falta de educação de qualidade; a falta de estradas; falta de acesso à saúde; a
falta de moradias dignas etc.
Os prédios escolares, sempre em estado de abandono, sem carteiras adequadas,
com piso semidestruído, sem reformas constantes, enfim sem apoio financeiro por parte
dos governantes. Damasceno (2002) aponta que só para se ter uma ideia do descaso em
que se encontra a educação básica no meio rural, basta dizer que existe ainda escola de
taipa que sequer possui porta37. A maioria possui poucas carteiras, quadros negros
estragados.
37
Escola rural em assentamentos: um retrato em preto e branco. UFC: fortaleza, 2002
181
Isso significa que a professora e os alunos não possuem as condições mínimas
para realizarem atividades pedagógicas. O material didático que está restrito a lápis,
borracha e caderno, custa a chegar e, quando chega, não é suficiente para atender a
quantidade de crianças. A inexistência desse material faz a professora ter que buscar
outras alternativas, como usar pedrinhas e palitos para o ensino da matemática. A
professora vê-se obrigada a dividir uma borracha para quatro alunos, um lápis para dois,
assim como cadernos. A esse quadro acrescentam-se as condições de vida no
assentamento, marcada pela pobreza das famílias, às quais faltam, além da alimentação,
calçados e roupas para as crianças frequentarem a escola com dignidade.
Isso reflete o quadro lamentável de como a educação para o meio rural vem
sendo tratada até os dias de hoje. É nesse sentido que os fóruns de debates sobre
políticas para o campo se perguntam: afinal qual o destino social do campesinato em
nosso país? E se ainda há espaço para um modelo de produção camponesa? Com as
transformações dos processos de trabalho com as lutas sociais do campo, como
definiríamos hoje uma agricultura familiar ou camponesa e de que maneira os processos
educacionais poderiam intervir38?
No Brasil temos ainda 15,7% da população vivendo na zona rural. Como vimos,
a Bahia é o estado que tem o maior número da população rural em termos absolutos, ou
seja, 30,1% da população rural do país. Essa população é composta, em sua grande
maioria, por agricultores familiares39. Censo Demográfico (IBGE, 2010).
A partir desses dados educacionais é possível afirmar que a educação
direcionada às populações do meio rural não tem garantido uma formação adequada e
sustentável, muito pelo contrário: as escolas do campo sempre foram o local do calvário
de professores, para onde em sua maioria se negam a ir. Ensinar as populações rurais
sempre fora visto como sinônimo de castigo advindo da perseguição política.
Para o professor da zona rural, se estabelecem alguns conflitos: o primeiro é o
fato de não estar na cidade, o que lhe remete ao problema existencial, que vai da falta de
vontade e do desinteresse para trabalhar com os alunos da zona rural à crise
urbano/rural, já que ele foi formado para trabalhar com alunos da zona urbana, no
38
Por uma Educação no Campo, Vozes, 2004.
39 Donnés de l’UNICEF, 2003.
182
mínimo da periferia das cidades. Entretanto, acabou na “roça” e, assim, suas aspirações
de vida entram em choque com a realidade do campo.
Parte dos professores e professoras sabem que o seu trabalho deve levar em
conta o contexto no qual a escola, os alunos e elas próprias estão inseridos. Entretanto,
elas se sentem numa situação conflitiva, já que são remuneradas pela prefeitura,
devendo cumprir as determinações da mesma, com currículos distanciados e ligados a
secretarias de educação sem competência mínima para compreender o problema.
Assim, a ausência do nível de conscientização política e a falta de competência
não permitem que elas sejam capazes de desenvolver o seu trabalho de forma crítica e
independente. (Damasceno, 2002).
Como essas professoras não foram formadas adequadamente para o trabalho na
zona rural nem foram escolhidas pelas comunidades onde trabalham, pouco importa
para elas o resultado do que fazem. Assim, podemos concluir que às crianças da zona
rural brasileira, pelo que se observa, têm uma maior dificuldade nos diversos processos
de aprendizagem do que as crianças das zonas urbanas. Para tanto, não se deve imputar
apenas o fato da má formação do professor, mas é claro que se deve compreender todo
um conjunto de variáveis que fazem parte desse recorte educacional, como implicadores
no ensino/aprendizado dos alunos. Mas a falta de formação adequada é, sem dúvida, um
fator relevante.
Segundo a afirmação de Damasceno (2002), a maioria das aulas observadas nas
escolas dos assentamentos não levam em conta o meio social nem a riqueza das práticas
geradas nas lutas. Isso significa que não há ainda uma adequada integração entre o
trabalho da professora e a realidade cotidiana das crianças e das famílias, no sentido de
transformar a escola em elemento dinâmico de práticas novas e criativas. O desinteresse
em participar da escola é um fato concreto em boa parte das salas de aula.
Sobre essa questão, o IV Fórum Contag de Cooperação Técnica, denominado
Educação para o Desenvolvimento Sustentável, realizado em Recife (2000) coloca o
seguinte:
 A escola e a educação que são proporcionados aos alunos do meio rural
não produzem os conhecimentos necessários para que os mesmos com
suas famílias possam aumentar a produção e produtividade, agregar valor
aos seus produtos, melhorar tecnologias, aumentar sua renda;
183
 Que essas escolas não valorizam os conhecimentos que os alunos já
trazem da experiência de seus familiares, para interagir com
conhecimento mais técnico, escolar e científico, nem levam em conta a
sua realidade.
Martins, (2005) aponta também alguns problemas educacionais específicos para
o campo, que entre eles estão:
 A escola desvinculada da realidade local;
 A falta de recursos para a família trabalhar a necessidade dos alunos
ficarem na propriedade;
 A desvalorização da escola multisseriada;
 E a falta de vagas nas escolas agro-técnicas.
Diante da variedade dos problemas apresentados, a nossa pesquisa se coloca na
perspectiva de vislumbrar, num futuro muito próximo, algo capaz de delinear, no
mundo da educação do campo, uma política que reafirma e congrega valores,
tecnologia, desenvolvimento sustentável e ambiental para essas famílias.
I – Da agricultura familiar e a educação do campo
As políticas de esvaziamento do campo nos anos 1940 e 1950, o regime militar
(1964-1984) e o aumento da concentração de terras, as histórias estereotipadas sobre os
povos do campo fazem parte do conjunto de práticas exercidas pela elite brasileira para
esvaziar, mascarar e desvalorizar o universo da agricultura familiar brasileira. Por vezes
colocando em cheque a própria sustentabilidade alimentar do país. Scheeberger (2003,
p.128) afirma que sempre houve fome no Brasil, desde a Colônia.
A partir de 1964, mudanças profundas no modelo de
desenvolvimento do país iriam agravar sensivelmente essa
calamidade antiga. E, no começo dos anos de 1980, ao mesmo
tempo em que se anunciavam safras recordes (ainda é assim em
nossos dias) e o país alcançava à posição de quarto maior
exportador mundial de alimentos, o Brasil passava ao sexto
lugar no campeonato da desnutrição – atrás apenas da Índia,
Bangladesh, Paquistão, Filipinas e Indonésia.
Mesmo levando-se em consideração o descaso de como é tratada ainda hoje a
agricultura familiar – tanto do ponto de vista agrário, também das políticas sócio184
educacionais, quanto do ponto de vista das políticas oficiais de crédito agrícola, no que
tange essa inversão brasileira em relação a agricultura familiar, por exemplo, ainda hoje
o crédito agrícola para as grandes plantações corresponde a mais de 80% do total do
crédito agrícola no país, sendo que a produção de uma maneira geral desses grandes
latifúndios é dedicada à exportação – ainda assim, a agricultura familiar é
reconhecidamente a responsável por uma parte significativa da produção de alimentos
básicos no Brasil: 58% do feijão, 45% do arroz, 61% da mandioca, 50% do milho, além
de 72% da batata-inglesa, 81% do tomate, 44% do café, 69% da banana, 48% da laranja
e 48% do algodão, 86% dos suínos, 80% da uva nacional produzida40. Quase a
totalidade da carne de aves da mesa dos brasileiros é produzida pela agricultura familiar.
Assim, além da geração de ocupações produtivas no meio rural, da reserva de mão de
obra e pelo consumo de um grande volume de insumos industriais, a agricultura familiar
gera um movimento econômico expressivo.
A despeito da agricultura familiar, dados do próprio governo mostram que são
cerca de 4,5 milhões de estabelecimentos ligados a essa categoria, o que representa a
imensa maioria dos produtores rurais, dos quais 50% estão no Nordeste. O segmento
detém apenas 20% das terras destinadas à agricultura, mas responde por 30% da
produção global.
Esses dados nos mostram exatamente onde se situa grande parte da
responsabilidade da nutrição da sociedade brasileira. A agricultura de grande porte, com
80% das terras brasileiras, está concentrada, de uma maneira geral, na exportação dos
seus produtos e é, por conseguinte a responsável direta pela maioria dos problemas de
desequilíbrio ambiental e ecológico, como o desmatamento, a agricultura química em
grande escala, a monocultura e mais recentemente a implantação das polemicas culturas
transgênicas. A agricultura familiar, por sua vez, tem sido durante décadas seguidas, a
responsável pela maioria dos alimentos que consome a sociedade brasileira e em geral
são agricultores com baixo nível de escolaridade (Portugal, 2008).
Essa expressividade fez com que se iniciasse uma mobilização políticoestratégica em torno do fortalecimento dessa categoria de produtores, por meio de
movimentos sociais próprios e de programas governamentais, como o PRONAF
(Programa Nacional de Fortalecimentos da Agricultura Familiar).
40
Ibid, 2008.
185
Essa expressividade, no entanto, não reflete as condições sociais e econômicas
dos pequenos agricultores, no Nordeste, por exemplo, encontra-se 63% da pobreza rural
e 32% do total dos pobres brasileiros; além disso, quase 43% dos indigentes do país
encontram-se no setor agrícola. Segundo Graziano (2005), não é difícil associar esses
números sobre pobreza rural com a massa de pequenos agricultores que, especialmente
no Nordeste, ocupa estabelecimentos rurais de forma precária e insuficiente, mal
garantindo seu próprio sustento. Tais propriedades, para Portugal (2008), pesquisador
da Embrapa, são na verdade minifúndios inviáveis economicamente.
Portugal (2008), aponta que as experiências de sucesso têm pressupostos
comuns: organização dos produtores, qualificação de mão de obra, crédito, produtos
com valor agregado e emprego de tecnologias adequadas. Esses elementos apontados
pelo pesquisador condizem exatamente com o papel de uma educação conectada com o
mundo rural. Efetivamente a viabilidade e, mais do que isso, a sustentabilidade a longo
prazo da maioria das pequenas e médias propriedades do meio rural brasileiro, ou seja, a
maioria das propriedades ligadas à agricultura familiar, depende das condições
educativas oferecidas às famílias para que possam fazer evoluir a competitividade de
suas propriedades.
Nesse sentido, é possível afirmar que nem sempre é o tamanho da propriedade o
elemento mais importante do desenvolvimento das famílias de pequenos produtores,
mas a forma como essas propriedades são potencializadas e colocadas à disposição
deles. Ora, as condições de viabilidade econômica e de sustentabilidade só podem ser
adquiridas a partir de uma educação de qualidade, que considere os elementos
levantados acima como fundamentais no sucesso desses objetivos.
Para o consultor da FAO, Lacki (2002)41, a pobreza, a baixa rentabilidade e o
subdesenvolvimento da agricultura latino-americana podem ser explicados pelas
ineficiências tecnológicas, gerenciais e organizacionais dos agricultores, geradas em sua
maioria, pelo modelo agrícola imposto pela Revolução Verde, em especial pelo crédito
rural subsidiado. Para ele a melhor forma de essas famílias adquirirem esses
conhecimentos seria a escola rural, de preferência num modelo pedagógico libertador,
com conteúdos e métodos adequados à realidade rural, calibrando apropriadamente “o
quê e como” as famílias necessitam aprender, com vistas a gerar cidadãos dotados de
41
União Nacional das Escolas Famílias Agrícolas do Brasil – Unefab. 2002.
186
mais autoconfiança e autossuficiência técnica, bem como de “ferramentas do saber” que
permitam eliminar as suas deficiências. (p.3).
Dessa forma, uma educação comprometida com a realidade do campo tem que
ser uma educação para o desenvolvimento da agricultura familiar dentro dos aspectos
mais sensíveis que esta variável requer, ou seja, educação capaz de enfrentar de maneira
adequada os desafios quotidianos, tais como: equilíbrio ambiental e ecológico,
desenvolvimento sustentável, emprego das tecnologias disponíveis, aumento do valor
agregado na produção, recorte cultural e identitário das comunidades implicadas.
O desenvolvimento estruturado no Brasil e implantado na agricultura desde seu
nascimento enquanto república e o seu avanço nas últimas décadas do século XX
deságuam no que vivenciamos: êxodo rural, favelização, desemprego, esterilização do
solo, aumento da concentração de terras, destruição dos recursos naturais e
consequentemente esvaziamento do campo, principalmente no Nordeste.
Para Graziano (2005), a “pequena produção familiar precisa estar acompanhada
por propostas de transformação dos agricultores tradicionais em verdadeiros
agricultores, modernizados e profissionalizados. Pequenos, porém eficientes e
produtivos”. (p.7)
No Brasil, mesmo com toda a dificuldade, a agricultura familiar é
reconhecidamente importante, pois além de produzir alimentos básicos, como já
dissemos emprega um grande número de trabalhadores e consome um grande volume de
insumos industriais. (Faria, 2006, p.8). Mais de 50% da produção básica de alimentos
no Brasil deve-se à agricultura familiar; no entanto, “a opção por um modelo elitizado
de desenvolvimento exclui a agricultura familiar e continua comprometido com os
princípios da Revolução Verde que, nas últimas décadas, priorizou a introdução de
sementes, agroquímicos e máquinas agrícolas.” (Chequeto, 2002).
No Estado da Bahia, 43% da população ocupada é rural
(o maior contingente absoluto do país). Talvez em três ou quatro
regiões baianas poder-se-ia dizer que a pluriatividade e o
trabalho parcial da agricultura seria uma decorrência do
processo de modernização e industrialização [...] de um modo
geral, o agricultor parcial estaria associado à estrutura fundiária,
com o predomínio dos minifúndios, a falta de competitividade
dos estabelecimentos e a expansão da pecuária extensiva
(Trervisan, 2002, p.03).
187
A organização não governamental Terra Viva discute, nas primeiras páginas do
Objetivo do Milênio (2008), que:
As políticas desenvolvidas pelo Brasil para combater a
pobreza não são mais do que políticas compensatórias. Elas não
respondem às necessidades desejadas por milhares de pessoas
excluídas. O governo brasileiro desenvolve somente programas
pontuais e relega os deveres do Estado às municipalidades que
praticam sempre o clientelismo, de maneira que as populações e
os mais necessitados são abandonados à própria sorte (OMD,
2008).
Não seria muito sublinhar a necessidade de desenvolver a agricultura local nesse
tipo de situação, pois ela é sempre a condição sine qua non da melhora na questão da
segurança alimentar (FAO, 2001b). Na última década, a realidade agrária brasileira
modifica-se sob a égide do ideário agrário neoliberal, operando o que se pode chamar de
tardia modernização, travestida de uma agricultura e pecuária desenvolvidas em escala
empresarial, o agronegócio, voltado para o mercado externo mundial. Verifica-se a
tendência crescente de desaparecimento do campesinato, de pauperização de pequenos e
médios produtores, formadores da agricultura familiar, acentuando-se a crise, o
sofrimento e as mudanças nas relações sociais decorrentes dos conflitos agrários e da
migração. (Faria, 2006; p.8).
Na contramão dos elementos colocados acima estão a importância de uma
pedagogia para o campo enquanto base para reter as famílias de pequenos agricultores
em suas propriedades, dando-lhes condições educativas e tecnológicas de se
desenvolverem de maneira equilibrada e sustentável. Assim aparecem as escolas
famílias agrícolas e a pedagogia da alternância, com foco centrado no aprendizado dos
saberes locais em confronto com os saberes científicos.
Mesmo Bachelard (1996) explica que o papel social da escola é o de racionalizar
o conhecimento produzido nas instâncias que o elaboram, nesse caso, a escola e a
comunidade de onde os alunos se originam. A função social da escola seria, então, a de
dotar os indivíduos de conceitos e práticas que lhes permitam compreender e superar os
limites do senso comum, no sentido de produzir uma agricultura otimizada, sistemática
e sustentável.
Talvez aqui seja preciso chamar de senso comum o saber empírico dos
agricultores tradicionais das comunidades envolvidas que uma vez chegando à escola,
188
devem ser confrontados com os saberes e experimentos dos monitores e professores que
lá estão. O conhecimento comum do agricultor, nesse caso, não é a conversa do bar,
mas a conversa que pais e filhos têm durante os períodos de plantação e colheitas nas
suas propriedades. Aqui também se situa o momento de pesquisa do filho do agricultor
familiar que será confrontado nos momentos de partilha com conhecimentos mais
científicos nas escolas do meio rural.
Para Lacki (2002), na agricultura familiar, é preciso formar cidadãos dotados de
mais autoconfiança e autossuficiência técnica, bem como de “ferramentas do saber” que
permitam eliminar suas deficiências e assim melhorar a produtividade agrícola em suas
propriedades. Isso só pode ser adquirido a partir de um modelo de educação para filhos
e filhas de agricultores familiares, com conteúdos e métodos adequados às suas
realidades.
Mais de 50% da produção básica de alimentos no Brasil deve-se à agricultura
familiar; no entanto, “a opção por um modelo elitizado de desenvolvimento exclui a
agricultura familiar e continua comprometido com os princípios da Revolução Verde
que, nas últimas décadas, priorizou a introdução de sementes, agroquímicos e máquinas
agrícolas” (Chequeto, 2002).
Nesse sentido, compreendemos que são os CEFFAs que apresentam essa
capacidade de enfrentamento para desenvolver uma educação em contexto e, assim, se
constituírem em verdadeiras alternativas de formação de sujeitos oriundos do meio
rural.
Freire (1974) observa que a escola não transforma a sociedade, mas pode ajudar
a formar sujeitos capazes de fazerem a transformação da sociedade, do mundo e até de
si mesmos. O desafio é, então, de fazer com que esses sujeitos tomem parte do seu
mundo e se tornem agentes de transformação da sua realidade e da realidade das
comunidades em que estão inseridos: emancipar-se e contribuir de forma articulada com
a emancipação das suas comunidades e da sociedade como um todo. Só assim é possível
fazer uma educação do campo e para o campo de maneira adequada, que desenvolva no
sujeito camponês suas capacidades intelectuais e morais para garantir a transformação
de suas realidades e que, ao mesmo tempo, sejam capazes de impulsionar as diversas
famílias rurais para desenvolver-se de forma sustentável.
189
II – Do modelo agroexportador e suas implicações no mundo da
agricultura familiar
A perspectiva do sistema capitalista, no que diz respeito a impor um modo de
vida e de consumo para toda a sociedade, passa necessariamente por um modelo de
agricultura que serve aos seus interesses. No Brasil, ocorre uma inversão em relação ao
campo e à agricultura como um todo: o crédito agrícola para as grandes plantações
corresponde a mais de 80% do total do crédito agrícola do país, sendo que a maioria da
produção desses grandes latifúndios é dedicada à exportação, o agronegócio.
Nesse sentido, o modelo aplicado no Brasil, no que concerne aos grandes
latifúndios, tem sido aquele capaz de produzir o mais rápido e em menor tempo
(pragmatismo do agronegócio), garantindo um maior nível de lucratividade a despeito
dos danos que podem ser causados a segurança alimentar do país, ao meio ambiente, à
ecologia e a incapacidade de absorção de mão de obra, prevalecendo sempre uma visão
pragmática da agricultura em larga escala.
Contudo, sabe-se que a forma mais eficiente de criar
empregos no meio rural, reter o trabalhador no campo e diminuir
os problemas urbanos seria a formação de pequenas e médias
propriedades, na medida em que o latifúndio, quando produtivo,
é pecuarista ou se se trata de propriedade agrícola, bastante
mecanizada, não absorvendo em ambos os casos muita mão-deobra (Scheeberger, 2003; p. 153).
A seletividade do crédito agrícola rural faz da grande propriedade e da grande
empresa agrícola os principais beneficiários diretos dessa modernização. Realizada no
quadro da estrutura tradicional de alta concentração de renda e de terra.
Nas ultimas décadas, o esvaziamento populacional no
campo se acelerou consideravelmente. Expulsos pelas máquinas
e pela concentração fundiária, trabalhadores rumam para as
cidades, ampliando o processo de êxodo rural e de urbanização
descontrolada, simultaneamente (Scheeberger, 2003 p. 153).
A título de ilustração, o Banco Mundial calculou que, em 1978, somente 25%
dos produtores rurais tiveram acesso ao crédito. Os dados do recenseamento agrícola de
1975 foram estimados em mais fracos ainda, com 14,4%. Nessa concentração se
encontra no que concerne aos contratos realizados, o tipo de região e o tipo de cultura.
No total, se observa sempre uma forte seleção em favor dos produtos de exportação,
matéria-prima industrial e trigo.
190
Cinco produtos dominam os créditos: o café, o açúcar, o arroz, a soja e o trigo,
produtos foram responsáveis por mais de 75% dos créditos entre 1969 e 1975. Nesse
período, as regiões mais favorecidas foram o Sudeste (36%) e o Sul (36%); as outras
receberam montantes muito mais fracos: 1% para o Norte, 14% para o Nordeste e 14%
para o Centro-Oeste (Buffet, 2000).
São milhões de hectares de terras concentradas em todo o país destinadas a
produção para exportação (soja, criação de gado, cana-de-açúcar etc.). Enquanto isso,
num país como o Brasil, os dados do IBGE (2010) informam que ainda 34 milhões de
pessoas têm algum tipo de dificuldade para se alimentar, assim é possível concluir que a
escassez de alimentos e o desequilíbrio na “segurança alimentar” brasileira que se
verifica ao longo de décadas está ligada diretamente ao modelo de desenvolvimento
agrícola do país.
As escolas e as universidades brasileiras também participam dessa tragédia, uma
vez que direcionam seus cursos não para a formação de pessoas comprometidas com a
melhoria das condições de vida de todos, mas para a formação de técnicos e
pesquisadores à disposição do mercado e do agronegócio. Um importante indicador da
política agrícola durante o regime militar foi à prioridade estabelecida “no campo da
pesquisa” voltada para a agricultura de grande porte. Scheeberger, (2003, p. 116) expõe
o numero de publicações de pesquisa por milhão de hectare cultivado, que tivemos 98,8
trabalhos de pesquisa com oito produtos de exportação e apenas 22,6 sobre quatro
produtos de alimentos básicos.
191
Na foto 1 e 2 a estrada e o
latifúndio vazio, espreme o
pequeno lote de hortaliça
familiar: uma escolha do
agronegócio brasileiro.
192
III – As questões de pesquisa que movem este estudo
Considerando os elementos elencados na problemática e partindo do princípio de
que precisamos aprofundar cientificamente modelos alternativos para contextos
educativos diferenciados dos modelos tradicionalmente oferecidos nas zonas urbanas é
que levantamos uma primeira questão geral de pesquisa, a saber: Os modelos de
educação oferecidos pelas escolas do meio rural e de zonas periféricas de regiões em
subdesenvolvimento seriam capazes de transformar e melhorar o contexto de onde estas
populações estão inseridas numa perspectiva de inclusão e de sustentabilidade
comunitária? Para um melhor entendimento da tese, é preciso compreender que esses
modelos alternativos podem e devem trazer soluções corretas na qualidade da educação
oferecida a partir do desenvolvimento de metodologias educativas adaptadas a cada
contexto local em particular.
Para responder a esta questão mais geral, consideramos fundamental fazer o
recorte e estudar três modelos diferentes de escolas do campo. A região onde se
encontram esses três modelos de escola, a zona rural do cacau na Bahia-Brasil, tem
situações semelhantes do ponto de vista econômico e social de regiões periféricas da
zona rural de países subdesenvolvidos ditos países de “terceiro mundo”.
Considerando que a primeira questão formulada acima é de difícil avaliação
formularmos uma questão mais especifica sobre três experiências educativas em curso
no desejo de saber: De que forma essas três experiências educacionais no meio rural da
região do cacau na Bahia-Brasil trazem a capacidade de transformar e melhorar o
contexto onde estão inseridas numa perspectiva de inclusão e de desenvolvimento
comunitário sustentável para o campo brasileiro e para a zona rural periférica de regiões
em vias de desenvolvimento?
193
194
CAPÍTULO VI
195
6. – Metodologia: a pesquisa qualitativa/interpretativa, o estudo
de caso
O foco da pesquisa enquanto categoria principal está na compreensão da
educação para o desenvolvimento de comunidades periférica do meio rural brasileiro:
educação enquanto categoria basilar do desenvolvimento e o desenvolvimento enquanto
conceito complexo, (Sen, 2004; Morin, 1984; Cuchê, 2004; Malasis, 1979; Ilea, 2005
Freire, 1974), pois envolveria ao mesmo tempo o fortalecimento da cultura local, o
melhoramento das técnicas agrícolas e da ecologia, assim como da construção da
cidadania, do espírito de iniciativa, das mudanças de atitude e autonomia dos jovens
educandos. Tudo isso deve se acontecer a partir da vivência (Gimonêt, 2004) dos alunos
enquanto multiplicadores das experiências educativas em processo nas suas
comunidades. Essa vivência deve ser partilhada com a escola, que também é parte dessa
vivência, partilhada com a comunidade.
A análise dos processos educativos em estudo ocorre de maneira
qualitativa/interpretativa e a triangulação se dá a partir das observações, dos discursos,
dos documentos e das anotações de campo que são descritos, interpretados e explicados
segundo as categorias que atravessam o corpus teórico da tese e as novas categorias
emergentes. São essas categorias analíticas que organizam a demonstração dessas três
experiências educacionais.
Aqui se coloca o estudo de caso, pois é no processo de sistematização e
apresentação dos dados que emerge a possibilidade de compreender e comparar esses
três modelos educativos em curso, além de poder identificar a partir de uma comparação
sistemática as suas diferenças, distorções e possíveis contribuições da educação para o
desenvolvimento sustentável do campo brasileiro. Para Yin, (2005, p.32) “o estudo de
caso é um tipo de investigação empírica que investiga um fenômeno contemporâneo
dentro de seu contexto real, especialmente quando os limites entre o fenômeno e o
contexto não estão claramente definidos”. Uma abordagem promissora para os estudos
de caso é a ideia da “adequação padrão” descrita por Campebell (1975 apud Yin, 2005),
por meio do quais várias partes da informação do mesmo caso podem ser relacionadas à
mesma proposição teórica (Yin, 2005, p.47). Esforçamo-nos para que essa ideia esteja
contida neste estudo.
196
O estudo de caso como estratégia de pesquisa compreende um método que
abrange tudo – tratando da lógica de planejamento das técnicas de coleta de dados e das
abordagens específicas à analise das mesmas. Nesse sentido, o estudo de caso não é nem
uma tática para a coleta de dados nem meramente uma característica de planejamento
em si (Stoecker, 1991), mas uma estratégia de pesquisa abrangente. A forma como a
estratégia é definida e implementada constitui o estudo inteiro (Yin, 2005, p.33). O
fundamental neste estudo é revelar a multiplicidade de dimensões presentes numa
determinada situação ou problema, focalizando o objeto como um todo. Esse tipo de
abordagem enfatiza a complexidade natural das situações, evidenciando a inter-relação
dos componentes (Ludke e André, 1986).
No caso da comparação sistemática indaga-se, por exemplo, em que os eventos
de cada uma dessas escolas em estudo são semelhantes e em que os seus eventos são
distintos uns dos outros? Quais as distorções e em que esses eventos se aproximam?
(Gibbs, 2008, p. 73).
O desejo então seria de buscar compreender tanto modos de vida quanto
elementos teóricos do problema: as práticas agrícolas, quanto à cultura, do mesmo jeito
que temáticas tais como a construção do curriculum, a formação das disciplinas
escolares, tornam-se o centro das nossas preocupações tanto quanto a consolidação de
formas “legítimas” de conhecimento escolar (Popkewitz, 1993; Schriewer e Pedró,
1993). Neste caso, a análise proposta permitiria também ultrapassar os modelos
analíticos de “input-output”, bem como utilizar a quantificação (Novoa, 1994).
Uma outra estrutura da nossa metodologia de pesquisa vem da abordagem
interpretativa por via de uma compreensão hermenêutica: A partir desta abordagem
poderíamos dizer que o texto é a mensagem, a fala, o discurso dos sujeitos; o contexto
do texto passa a ser o contexto social, político, econômico, cultural, vital dos sujeitos
que fazem a experiência do processo educativo, como uma formação crítica ou como
alienação (Ghedin, 2012). Assim sendo, a abordagem hermenêutica interpretativa se
insere naquilo que é possível captar de maneira mais adequada dos significados que
estão postos, não por objetos, mas por sujeitos que significam e ressignificam o mundo
e sua realidade a cada instante:
O universo das significações se dá num contexto concreto,
mas como captar o discurso (enquanto modo de dizer e interpretar
o mundo) do ser-aí? De certo modo o pesquisador é o interprete da
197
realidade que se expõe diante dele. Ele está cheio de realidades,
teorias e experiências que se defrontam com outras realidades,
teorias e experiências que são constitutivas de uma determinada
visão de mundo que implica o processo de investigação. Assim, se
poderia dizer que o pesquisador possui uma pré-compreensão do
real, mas só a relação que se estabelece entre os sujeito s possibilita
uma outra compreensão. É esta pré-compreensão que nos
possibilita a racionalização de um determinado tema de pesquisa
(Ghedin, 2012; p.3).
Neste sentido, “a realidade educativa é um conjunto de relações que estão postas
entre sujeitos que vivenciam o cotidiano como esses em particular do mundo rural, das
propriedade e das comunidade que fazem parte das escolas em pesquisa:
As trocas simbólicas se constroem numa constante
intersubjetividade que está, o tempo todo, jogando e
circunscrevendo relações de poder. Neste jogo de experiências
cotidianas é que se (des)constroem as vidas dos educandos e nele
se decide o destino da sociedade futura. O poder se desmitifica pela
análise e pela crítica radical de suas raízes. O pesquisador há de
dirigir o olhar para as profundezas das relações para ler o que está
escondido por trás das aparências e não ficar apenas no reflexo da
superficialidade. Isto impõe limites que exigem, cada vez mais,
uma busca que se volte para o todo, mesmo que isto implique,
ainda, um determinado recorte. (Ghedin, 2012; p.3).
Numa outra ponta para Ghedin (2012)
Não é o recorte que reduz o real, mas o limite
metodológico que “impomos” como possibilidade de “recortar”
para conhecer. O recorte é sempre um risco assumido justamente
no seu limite. Seu risco consiste justamente na questão de
querermos tornar evidente o todo por meio da parte que o compõe.
O sentido e sua interpretação nos remetem na direção da
compreensão e da explicação. Estes não podem ser concebidos
como processos separados, mas como dois pólos que se
complementam dialeticamente. Compreender significa explicar o
sentido das significações atribuídas à realidade das coisas e do
mundo. Seja qual for o método ou a maneira utilizada, é próprio do
ser humano significar e, através da interpretação, compreender toda
a complexa realidade que nos envolve.
Assim, continua ele “para compreender o sentido de nossos atos é preciso passar
pela explicação. A compreensão é resultado, inacabado, de um processo de explicação.
A compreensão e a interpretação subjacente a todo trabalho realizado, isto é, a
realização ou resultado de um trabalho de pesquisa na área das Ciências Humanas é o
resultado de um processo de explicação, compreensão e interpretação da realidade.
198
Porém estes aspectos do trabalho não são estanques em si mesmos e nem se excluem,
mas constituem modos de olhar a realidade que são interdependentes. O real nos fala
através destes modos os quais usamos para saber o porquê das coisas, o porquê do
mundo e o porquê somos. A partir da compreensão e da interpretação é que se busca
métodos explicativos, que não são só explicativos, mas compreensivos, ao demonstrar
determinada interpretação de uma outra interpretação. (Ghedin, 2012).
Os elementos de triangulação se baseiam na observação direta e notas de
campo, na entrevista semiestruturada e nos documentos, principalmente nos grades
curriculares e nos projetos políticos pedagógicos e esses elementos são buscados tanto
em contextos formais como as salas de aulas, quanto em contextos informais como nas
visitas ao campo e acompanhamento in loco de aulas práticas dos alunos (no terreno da
escola e nas comunidades).
A observação direta e notas de campo deve nos permitir chegar o mais perto
possível da “perspectiva dos sujeitos”, pela possibilidade de acompanhar in loco as suas
experiências cotidianas, principalmente no campo. A observação direta e notas de
campo são igualmente importantes por permitir “descobrir” os novos aspectos do
problema. (Ludke et André 1986, p. 29).Na observação direta, também podemos tentar
compreender a visão de mundo, quer dizer, a significação que os sujeitos envolvidos
(alunos, monitores/professores, diretores, pais e ex-alunos) nessas experiências
educativas dão as suas realidades, ao seu ambiente e as suas ações.
6.1 – Diferenças explicativas das categorias analíticas em relação aos
atores da pesquisa:
Sobre os atores da pesquisa: a população das escolas “A e B” (escolas em
alternância) obedece ao mesmo critério explicativo de escolha: temos os dois diretores;
7 professores/monitores; 27 alunos com idades variadas entre 15 e 21 anos de uma
turma, correspondente à 8ª Série; 6 pais e 6 ex-alunos. Para a escola “C”, temos a
diretora e 7 professores, bem como 25 alunos da 8ª série do turno noturno. Na escola
“C” são: 7 professores, 25 alunos, 1 diretora.
São duas as escolas em alternância, nas quais realizamos entrevistas,
observações, analises de documentos e acompanhamento das experiências cotidianas in
loco dessa amostragem considerando o viés escola-comunidade-escola na intenção de
199
compreender e explicar de forma complexa as categorias que consideramos principais
(logo abaixo) e suas variáveis:
I.
II.
III.
Sustentabilidade comunitária: (desenvolvimento, manejo);
Alternância: (tempo escolar – tempo comunitário - aprendizado);
Identidade com o campo: (o contexto – a cultura e a autoestima no
mundo rural).
Na escola pública rural o desejo seria então de buscar a partir de entrevistas,
com professores, diretores e alunos mais as análises de documentos, para assim
compreender de que forma esta escola se insere no processo educativo para o meio rural
da zona do cacau e como ela responde aos desafios da escola pública do campo
brasileiro respondendo assim a nossa questão mais geral de pesquisa a partir das
categorias analíticas próprias a ela:
I.
A educação pública rural: (o desafio da escolar publica rural – a
formação de professores);
II.
O currículo: (o contexto – a produção didática pedagógica – o calendário
escolar);
III.
Identidade com o campo. (a autoestima do jovem da escola rural).
Para os alunos da escola A e escola B a preocupação maior está na
sustentabilidade comunitária, na alternância e na identidade com o campo para os
alunos da escola C a questão principal é a identidade dos jovens que estudam em
escolas publicas rurais “com o campo”.
Para os monitores da escola A e da escola B as questões de sustentabilidade
comunitária e a alternância nos permite traçar um perfil em comparação das
intervenções dos monitores nos processos de desenvolvimento das comunidades
envolvidas com as escolas em que trabalham, assim como perceber a maneira como as
intervenções são feitas na perspectiva do desenvolvimento local.
Para os professores da escola C o foco se situa nas categorias educação pública
rural e currículo: Essas duas categorias permite-nos desenvolver uma avaliação
consistente sobre a inserção dessa escola em estudo sobre a sua compreensão
educacional e o seu perfil educativo enquanto escola pública inserida no meio rural em
200
estudo e, assim, entender o que passa com a escola formal publica no meio rural
brasileiro.
Todos os diretores das três escolas participam da pesquisa. Para os diretores das
escolas em alternância, os eixos de categorias são a sustentabilidade comunitária, a
alternância, e o desafio da escola do campo. Já no caso do diretor da escola pública
rural, a questão se porta sobre a relação dessa escola pública tradicional rural “com” e
para o “campo”.
Para os pais dos alunos alternantes, as categorias que se mostraram pertinentes
são sustentabilidade comunitária e a alternância: os pais seguramente estão
preocupados com o desenvolvimento educacional de seus filhos alternantes e com a
sustentabilidade das suas comunidades e das suas propriedades familiares, elemento
considerado possível a partir de uma educação engajada oferecida por escolas do meio
rural.
No caso dos ex-alunos a alternância e a sustentabilidade comunitária
revelaria mo potencial dessas escolas enquanto instituições engajadas e adequadas na
educação para o desenvolvimento do meio rural.
Assim, as análises para comparar, avaliar e compreender as diferenças nos
processos de desenvolvimento educativo nas três escolas está baseado:
1 – sobre os alunos: as análises crítico-comparativas da vivência dos alunos nas
escolas em alternância (Escolas “A e B”) são demonstradas na motivação/satisfação em
relação à alternância (teoria x prática) propriamente dita; nas diferenças em relação às
formas de desenvolvimento e sustentabilidade (manejo) local, nas intervenções no
campo e, consequentemente, nas suas comunidades, demonstradas nas diferentes
práticas agrícolas, a partir do saber/fazer adquirido em cada uma dessas instituições de
ensino em relação à sustentabilidade ecológica e econômica local; a vivência dos alunos
das duas escolas em alternância e a forma como eles intervêm nas suas comunidades
demonstram a diferença com relação a vivência dos alunos da escola pública (escola
“C”).
Outros elementos igualmente importantes a serem comparados são as diferenças
de “como” as escolas “A” e “B” se colocam diante dos processos da aquisição de terras
para seus alunos, bem como, enfrentam os conflitos que aparecem entre alunos, suas
famílias e suas comunidades (nas duas escolas em alternância). Também destacamos a
201
questão de “gênero”, na qual se estabelece uma diferença fundamental no recorte
pedagógico entre as duas escolas em alternância em pesquisa.
Finalmente, na questão de identidade com o campo, são tomadas as
representações que os alunos têm do campo e do próprio meio onde vivem; daí ser
possível compreender as diferenças de representações que fazem os alunos das escolas
em alternância, “A e B”, em contraposição com os alunos da escola “C” (pública). A
reafirmação identitária em demonstração compara o papel pedagógico das escolas do
campo sobre a importância do reforço da identidade em seu contexto.
2 – sobre os professores/monitores: a análise de seus engajamentos junto a
cada escola e seus diferentes níveis de salário e de formação demonstra as suas
diferenças.
3 – Sobre os diretores: a maneira como os diretores entendem os diferentes
processos de formação de suas escolas permite compreender a sua relação e sua
diferença no olhar para o campo.
4 – sobre os ex-alunos: a análise dos percursos profissionais dos egressos
responde sobre a capacidade das escolas do campo em estudo de garantirem ou não a
continuidade do desenvolvimento profissional e emancipatório em suas vidas futuras.
Esse elemento responde a nossa segunda questão de pesquisa sobre a vivência e
perspectiva futuras dos alunos das escolas em alternância.
5 – sobre os pais: a análise de suas capacidades de falar das mudanças ocorridas
nas vidas dos seus filhos e de suas propriedades permite perceber a eficácia dos
processos educativos das escolas em alternância em estudo. As intervenções e manejos
vividos em suas propriedades revelam as diferenças em relação às formas como cada
escola se posiciona na relação com o desenvolvimento ambiental.
6 - Enfim, a análise comparativa dos seus currículo/metodologia e programas de
formação; as formas de financiamento e estrutura; atividades pedagógicas produzidas no
interior de cada escola demonstram suas diferenças curriculares e metodológicas,
culturais e identitária; os programas político-pedagógicos.
202
6.2 – Base de triangulação comparativa entre atores e categoria
analítica:
Tabela:7
Atores da pesquisa
Categoria /
Analítica
Alunos
A
B
Monitores
C
A
B
Professor
C
Diretores
A
B
Pais
C
A
Ex-Alunos
B
A
B
Sustentabilidade
Comunitária
(desenvolvimento)
Alternância (teoria
e prática)
Currículo
Identidade Rural
Educação do Campo
Calendário
Gênero
1.1.1 -1.1.2 - 1.1.3 -1.1.4 - 1.1.5 - 1.1
1.1.7 -1.1.81.1.9
- 1.1.10
1.1.11
- 1.1.12 - 1.1.131.1.14
1.1.15
1.1.16
1.1.17
- 1.1.18 - 1.1
1.1.201.1.21
- 1.1.22
- 1.1.23
- 1.1.24
- 1.1.25 - 1.1.261.1.27
1.1.28
1.1.29
1.1.30
- 1.1.31 - 1.1
Tabela 3: Triangulação comparativa entre amostragem e categoria an
6.3 – Composição dos atores e a coleta de dados:
Tabela 8:
Sujeitos em pesquisa
Alunos
Professores/monitores
Diretores
Pais de alunos
Quantidade
27 (“A”)
27 (“B”)
25 (“C”)
5 (“A”)
5 (“B”)
6 (“C”)
1 (“A”)
1 (“B”)
1 (“C”)
6 (“A”)
6 (“B”)
6 (”A”)
6 (“B”)
Instrumentos utilizados
Entrevista semi-estruturada na sala de
aula grupos focais; no campo e na
comunidade;
Tempo de presença no terreno
5 visitas: duração mínima 5 horas
cada.
Entrevistas
semi-estruturada,
observações direta; anotações no
campo.
5 visitas: duração mínima de 5
horas;
Entrevista com duração mínima
de 3 horas cada.
Entrevistas semi-estruturada.
1 visita: duração mínima 2 horas
cada
Entrevista
semi-estruturada,
individualizadas e grupos focais na
comunidade;
5 visitas: duração mínima 5 horas
cada;
Entrevista: duração mínima de 3
horas cada.
Entrevista
semi-estruturada;
observação direta, visita nos locais de
Ex-alunos
trabalho e na comunidade;
Amostragem da população da pesquisa. Pelo autor, 2009.
5 visitas: duração mínima 5 horas
cada
Tabela 4: Amostragem da população da pesquisa
203
6.4 – Composição dos atores e das categorias analíticas da tese: o que
saber de quem?
Tabela 9:
Alunos
A
B
C
A
B
Monitores/Professores
B
C
A
Diretor/Diretora
B
C
Ex-alunos
A
B
Pais de alunos
A
B
Sustentabilidade
comunitária;
Alternância;
Identidade com o campo;
Gênero (A)
Identidade com o campo.
Sustentabilidade comunitária;
Alternância;
Identidade com o campo;
Formação de professores;
Gênero, (A)
Escola, família e comunidade.
Educação publica rural; (C)
O currículo; (C)
O calendário escolar (c)
Sustentabilidade comunitária;
Alternância;
A educação do campo;
A formação de Professores Monitores
O financiamento das EFAs e CFRs
O acesso a terra;
_______________________________
Educação publica rural; (C)
O currículo (C)
O calendário escolar (C).
Sustentabilidade comunitária;
Alternância;
Identidade com o campo;
A questão de gênero (A).
Sustentabilidade comunitária;
Alternância;
Tabela 5: Educação para o Desenvolvimento
Educação para o Desenvolvimento (estudo de caso)
204
6.5 – Tabela recapitulativa dos atores da pesquisa:
Tabela 10: Tabela recapitulativa dos atores da pesquisa.
Sitio
Altern/
Pública
Dados
Fonte
23
Gênero
(F/M)
2
Xxxx
Data da
Data
da Duração transcriçã
entrevista
entrevista o.
Assunto
Desen. e
17/05/08
2:04:00
05/06/08 Sustentab.
3
3
MM
20/06/08
1:07:03
Particip
antes
Escola 1 alter. A
Alunos
Dados Tipo
Entrev.
Participante
Escola 1 alter. A
Exalunos
Entrev.
Participante
E
Escola 1 alter. A
Exalunos
2
Xxxx
20/06/08
5:07:03
E
Escola 1 alter. A
Aluno
Entrev.
Participante 2
Notas
de
campo/obser
vação
xxx
Desn.
e
16/06//08 sustenta
alternância
/percurso/f
05/07/08 uturo
X
Xxxxx
21/06/08
2:00:00
27/06/08
E
Escola 2 alter. B
Aluno
Entre
participante
27
2
Xxx
23/05/08
0:34:12
09/11/08
E
Escola 2 alter. B
Aluno
Entrevista
participante
27
2
Xxx
23/08/08
1:07:03
09/09/08
S
Escola 2 alter. B
Ex-aluno
Entrevista
1
1
M
23/05/08
1:07:03
09/08/08
Motivação
Alternânci
a/percurso
/futuro
E
Escola 2 alter. B
Exalunos
Entrevista
participante
3
24/05/08
3:26:00
13/09/08
Alternânci
a/percurso
Escola 1 alter. A
Diretora
Entrevista
1
19/06/08
53:06:00
25/06/08
20/06/08
3:33:00
18/07/08
04/07/08
1:10:31
######
2
M
1
M
Desen.agri
c.
Dese.
Sust. (8)
ilhéus
Alternan
Satisfação
com
escola
Ed.
do
campo
Satisfação/
papel da
escola
Ident. com
campo/for
mação
Ident. com
campo/for
mação des
Ident. com
campo/for
mação
Desaf. da
escola
cultura
rural/escol
a rural
Pais de Entrevista
aluno
participante
5
Diretora
Entrevista
1
5
M
1
F
E
Escola 2 alter. B
Pai
de
aluno
Entrevista
1
1
Xxxx
05/07/08
1:15:16
21/08/08
E
Escola 1 alter. A
Professor Entrevista
-monit.
participante
5
5
F
05/07/08
1:59:00
17/06/08
E
Escola 2 alter. B
Professor Entrevista
1
5
Xxxx
04/06/08
1:02:21
24/07/08
05/06/08
1:03:00
05/08/08
05/07/08
2:00:00
14/08/08
1
Xxx
17/06/08
1:17:00
22/06/08
X
Xxxx
17/06/08
3:41:00
22/06/08
X
Xxxx
06/18/08
1:31:00
26/07/08
Desn. agri.
Desnv.
Sus.
Comunit.
1
M
jul/10/08
1:12:38
07/11/08
Perc.
Artesanato
Escola 1 alter. A
E
Escola 2 alter. A
Entrevista
Escola 3 pública.C Professor participante
7
Escola 3 pública.C Diretor
1
Entrevista
E
Escola 3 pública.C Aluno
Monitore
s/estudan
Escola 1 alter. A
tes
Escola 2 alter. B
Entrevista
participante 25
Nota
de
campo/obser
vação
xxxx
Nota
de
Monit/est campo/obser
udan
vação
xxxx
Escola 1 alter. A
ex-aluno
Entrevista
1
7
F
1
F
205
Escola 2 alter. B
Escola 1 alter. A
ex- aluno Entrevista
1
Nota
de
campo/obser
Monitor vação
1
Escola 2 alter. A
Diretora
Escola 2 alter. B
Monit
Escola 2 alter. B
Escola 1 alter. A
Diretor
Diretor
Escola 1 alter. A
Escola 1 alter. A
Escola 2 alter. B
Entrevista
Entrevista
participante
1
Entrevista
Entrevista
Entrevista
Estudante participante
1
Pais de
aluno
Entrevista
Mãe de
aluno
Entrevista
5
3
5
1
1
M
1
M
1
F
1
Xxxx
1
M
1M
2
Xxxx
Alter
sust.
e
jul/23/08
0:31:49
07/11/08
17/06/08
1:06:00
12/11/08
24/07/08
0:11:44
17/11/08
Sust.
Esc.
Do
campo
julho/08
0:19:44
17/11/08
Sust.
05/08/08
09/08/08
1:12:05
0:38:23
18/11/08
19/11/08
09/08/08
0:30:22
21/11/08
Esc. fam.
Sus. Comu
Satis.
Alter
0:26:34
27/11/08
Mot. Alter
0:22:30
28/11/08
Sus.
5
Xxxxxx 09/08/08
1
F
12/08/08
Tabela 6: Tabela recapitulava da amostragem
206
207
CAPÍTULO VII
208
7. – Análise global de dados
“Quanto mais investigo o pensar do povo com ele, tanto mais
nos educamos juntos. Quanto mais nos educamos, tanto mais
continuamos investigando” (Freire, 2004, p.82).
Neste capítulo, a nossa intenção é responder a partir de uma comparação
sistemática das categorias implicadas neste estudo (Gibbs, 2008) o que é e o que dizem
os sujeitos da pesquisa sobre as duas escolas em regime de alternância (A e B) e a
escola formal pública (escola C). O desejo então é responder de maneira específica a
partir das análises que se seguem: qual o papel e o estatuto das escolas em alternância
numa educação que se pretende parceira do desenvolvimento comunitário local? Avaliar
a maneira como se dá a vivência dos alunos nas três escolas e compreender quais são as
perspectivas desses ao frequentarem essas três experiências educativas? Analisar o que
pensam os diretores e pais, sobre a educação que é oferecida por esses modelos de
escolas inseridas no meio rural. O que os documentos mais importantes projetam
enquanto perspectiva de desenvolvimento e educação para o campo? (cap VIII)
O objetivo deste capítulo então é o de apresentar e analisar o conjunto de dados
coletados a partir das entrevistas e das observações de campo, que foram realizadas
entre maio e agosto de 2008. Com a apresentação podemos identificar e demonstrar, a
partir dos discursos de cada ator envolvido – alunos, monitores/professores, ex-alunos,
diretores e pais de alunos – no entorno desses três processos educacionais, a maneira
como cada um deles se coloca sobre o significado dessas experiências.
A análise ocorre de maneira qualitativa. Os discursos são tomados e
interpretados segundo as categorias de análise que atravessam o corpus teórico da tese.
São essas categorias que organizam as demonstrações dessas três experiências
pedagógico/educacionais. Os instrumentos utilizados na coleta de dados foram
essencialmente as entrevistas, com questões semi-dirigidas e roteiro previamente
definido sobre o contexto educacional como um todo.
Acreditamos que, nesse processo de sistematização e apresentação dos dados,
emerge a possibilidade de compreender essas experiências em curso, responder as
nossas questões de pesquisa e, em seguida, de oferecer como balizador desses modelos
educativos, identificando suas específicas diferenças e contribuições para uma dinâmica
compreensão do ato de educar no mundo rural.
209
7.1 – Alunos avaliam o desenvolvimento e a sustentabilidade
comunitária
As entrevistas foram realizadas em várias etapas entre os dias 21 de junho e o
dia 8 de julho/08, geralmente em sala de aula e no entorno da escola. A turma 2 foi a
escolhida como amostra para as entrevistas, num total de 27 alunos. Aproveitamos
sempre o período da manhã para a realização das entrevistas. Os alunos responderam as
nossas questões com bastante tranquilidade. As questões formuladas giraram em torno
da motivação/satisfação, do desenvolvimento e sustentabilidade local, bem como sobre
a alternância e sobre a identidade do ser do campo.
Categoria
Escola
Alunos
# La em casa mesmo já não vejo mais a
presença de nenhum produto químico. Hoje quando meu
pai pensa alguma coisa assim, “é sempre vocês que
decidem”. Mas a partir de um resultado, pegou uma área,
Sustentabilidade
comunitária
A
não derrubou, não queimou. Então ele estava fazendo um
trabalho e quando nos viu fazendo um trabalho mais a
baixo, ele parou e continuou a fazer o trabalho junto com
a gente. Isso pra mim já foi o resultado do nosso
aprendizado na família agrícola. E relacionado à questão
de adubo mesmo... tudo. (Al-mas 1)
# Nas partes onde a gente utiliza o orgânico é
muito 2-melhor porque a gente economiza. É mais fácil
fazer o orgânico do que comprar. Na minha área não tem
muito, mas a gente faz um pouquinho. (Al.mas. 2)
________________________________________________
# Sem a escola ainda estaríamos produzindo de
forma tradicional na nossa propriedade, sem nenhum
conhecimento técnico, com uma produção muito baixa e
sem perspectiva de melhora. (Alu-mas-)
Sustentabilidade
comunitária
# Quando trazemos algum elemento novo para
B
a comunidade escutamos os pais e a comunidade e os pais
disseram,
mas eu trabalhei assim
durante anos.
Entrevistado 3
# A comunidade e meus pais tinham uma
resistência enorme e insistiam na forma tradicional de
aplicar os recursos, com a escola aprendi a fazer podas, a
aplicar melhor os recursos na área e isso mudou a forma
210
deles verem.
Sustentabilidade
comunitária
B
# Eu aprendi compostagem, hortaliça, criação
de animais: ovelhas, suínos, galinhas, até cachorros
também. A gente tinha uma parte que se preocupava com
os cuidados, com o gado também. Tinha um professor, um
técnico em agropecuária, que passava a parte de
Zootecnia. (alu-mas-ent) Entrevistado 4
# Ajudou muito a melhorar as técnicas de
cultivo do solo, manejo isso não tem como negar, como já
falei os profissionais são de alto nível.
Para os alunos das duas escolas, a relação com o a sustentabilidade local advém
da preocupação que a escola estabelece e que se revela a partir da intervenção e do
manejo agrícola nas comunidades envolvidas no processo de formação como nas frases
“La em casa/já não vejo mais a presença de nenhum produto químico/ onde a gente
utiliza o orgânico é muito melhor porque a gente economiza a partir de um resultado”.
Estes elementos estão ligados às formas de manejo propostos especificamente pela
escola “A”: a ideia neste caso com a produção de adubação orgânica deveria as famílias
dos agricultores economizar recursos durante o processo de fertilização em suas
propriedades. Dois elementos também são fundamentais para essa compreensão:
compreender a importância da reutilização dos lixos orgânicos nas propriedades (restos
de madeira, restos das limpezas das roças e mesmo os restos domésticos) e evitando o
endividamento das famílias na compra de fertilizantes químicos no mercado aberto,
normalmente com custos elevados.
Outro elemento possível de se destacar na fala, está na relação de preservação do
ecossistema local, composto de grandes árvores da mata atlântica, onde o cultivo
tradicional incide na derrubada das árvores para a posterior plantação: “pegou uma área,
não derrubou/não queimou....” Este aluno atribui este resultado aos ensinamentos da
escola: “pra mim já foi o resultado do nosso aprendizado na família agrícola", afirma.
Por outro lado, ainda no que se refere à relação dos alunos com os pais, percebese nas falas o processo de convencimento dos filhos-alunos em relação à mudança do
tipo de manejo dos pais: “meu pai/nos viu fazendo/e/continuou a fazer o trabalho junto
com a gente” – mais tarde percebe-se o grau de satisfação com as mudanças ocorridas
tanto nas formas de manejo quanto na atitude do seu pai ao abdicar da sua forma
tradicional de manejo e acompanhar as inovações trazidas pelo seu filho-aluno-
211
alternante para a propriedade da família. Aqui também é possível perceber o
reconhecimento deste em relação a EFA em que estuda.
A metodologia de manejo agrícola da escola B entra como parte decisiva no
desenvolvimento de novas técnicas de cultivo na comunidade: “Sem a escola/estaríamos
produzindo de forma tradicional/ sem nenhum conhecimento técnico/produção muito
baixa”. Percebe-se nestes recortes acima, que o conhecimento aprendido nesta escola
ganha praticidade de maneira imediata, sistematiza-se e interfere logo em seguida no
cotidiano local, o que, num primeiro momento, encontra resistência entre os país e a
comunidade: “Quando trazemos algum elemento novo/para a comunidade/a
comunidade e os pais diziam, mas eu trabalhei assim durante anos...” Porém, é esse
conhecimento o responsável por intervir nas formas tradicionais de manejo.
A relação e/ou rejeição do aluno com as formas tradicionais de manejo, no
entanto, se explica pela baixa produtividade agrícola das propriedades pesquisadas, e de
uma maneira geral pela baixa produção da agricultura familiar na região do cacau e
provavelmente na agricultura familiar de outras regiões de cultura tropical ou
subtropical. Neste caso, seria possível em parte, responsabilizar as formas tradicionais
de manejo na agricultura familiar pelo estado de pobreza encontrado na maioria das
famílias observadas. Isso não significa pelo que foi notado, necessariamente, uma
denegação ou rompimento dos conhecimentos tradicionais existentes na comunidade.
Assim, pode-se compreender qual o papel das escolas engajadas para a melhoria dos
processos de manejo em comunidades carentes.
Percebe-se, por outro lado, que o alternante-aluno, entra em jogos de
complexidades, de passagens, de rupturas e de relações, (inovações x formas
tradicionais de manejo). Em todo caso, esses elementos fazem também parte das novas
estruturas que servirão ao desenvolvimento da sustentabilidade nas suas comunidades e
reafirmarão os seus processos decisórios durante a vida. Assim, pelo que foi observado,
o processo dialógico entre o conhecimento tradicional e os novos conhecimentos
trazidos pelos alunos vão aos poucos se instalando e construindo novas praticas entre os
ensinamentos da escola e os conhecimentos tradicionais da comunidade envolvida.
Noutro momento é possível notar a importância que tem os monitores na
construção do desenvolvimento da sustentabilidade local: “aprendi compostagem,
hortaliça, criação de animais: ovelhas, suínos, galinhas, até cachorros/uma parte que se
212
preocupava com os cuidados, com o gado/ Tinha um professor, um técnico em
agropecuária”. O jovem alternante entrevistado reafirma o papel do técnico, do
professor, na intervenção entre o conhecimento do aluno/comunidade e o conhecimento
mais científico da escola, portanto essa é uma questão que não pode ser negligenciada
pelas escolas que se pretendem atuar nos contextos locais numa perspectiva de
sustentabilidade local.
Outro elemento é esse do papel da escola quando o aluno da escola “B” afirma
que a escola, “ajudou muito a melhorar as técnicas de cultivo do solo, manejo” na
propriedade da sua família. Aqui percebemos as ‘semelhanças’ que existem entre as
escolas “A e B” no seu papel de interventora e inovadora na melhoria das práticas
agrícolas e no papel de uma escola que investe na sustentabilidade das comunidades
envolvidas.
É preciso destacar também as ‘diferenças’ na condução do manejo e nos tratos
agrícolas, no que, para a escola “A” é essencialmente orgânico e para a escola “B” o
ganho de produtividade como relatam os alunos acima, estaria ligada essencialmente
aos métodos de adubação química aplicados de forma rigorosa.
7.2 - Como os alunos das escolas “A e B” avaliam a alternância:
Categoria
Escolas
Entrevistas
# Eu estudo em um local assim, que ajudou não só
a mim jovem, como a turma poder realmente querer o que
eles estão pretendendo, ou seja, que é ficar na comunidade,
que é ficar na região onde mora, pra poder tá vivenciando
com as pessoas, ajudando no desenvolvimento das famílias e
assim da comunidade. E isso seria o porquê eu estudo nela.
(ent. 1)
Alternância
A
# A gente aprendeu na escola, porque na escola
tem essa alternância escola-comunidade. Então essas
técnicas que a gente aprende muitas vezes na sala de aula,
quando a gente fazia nas aulas práticas, a gente também
tinha orientação pra fazer nas comunidades. Por exemplo: a
gente fez um trabalho na comunidade, que seria fazer
levantamento das famílias da cultura da comunidade e fazer
também com os pais da gente o que a gente aprendeu na
escola. (ent. 5)
# A alternância era bom porque a gente estava
213
sempre presente na comunidade e depois, mesmo estando
na comunidade, eu tinha cobrança mesmo da comunidade. E
eu não era visto como aquele aluno da escola tradicional...
(ent. 6)
# A gente fez um tipo de estágio. Foi estágio
participativo, onde toda a comunidade estava participando;
daí todo mundo tinha que apresentar o resultado de tudo o
Alternância
A
que a gente fez com a comunidade. Era uma coisa que não
ficava só com a gente, a gente tentava interagir com a
comunidade. Aí acaba vindo uma responsabilidade, por
exemplo, tinha pessoas que vinham me chamar, porque na
comunidade deles precisavam de alguma orientação. (ent. 2)
A gente vê pelos jovens da nossa comunidade... uns
que não moram nem na comunidade ou estão empregados
em alguma fazenda sem nenhuma perspectiva de futuro.
Então, se não fosse a escola, eu também estava na mesma
situação.
(ent.
5)
__________________________________________________
Sem a escola eu não sabia de nada. Nas escolas
formais só tem o aspecto teórico; aqui eu aprendi a colocar
em prática o que eu aprendo. Essa escola ajudou a melhorar
a renda minha e da minha família, me ajudou também a
melhorar as técnicas de manejo e me ensinou a ser o que sou
hoje, quando tenho orgulho de quem sou como negro e com
Alternância
B
meus cabelos rasta. (ent. 3)
Aqui o que a escola ensina tem a ver com a minha
comunidade; então há uma troca entre minha comunidade e
a escola. Você aprende lá e aplica na sua propriedade; se
você ficasse somente lá, aí ficava aquela coisa presa. Você faz
o prático logo. O conhecimento foi demonstrado de forma
teórica e prática. (ent. 2)
Considero importante por permitir essa relação
com a família e a comunidade. Gostei também dos 15 dias
que a pessoa fica aqui e 15 dias na comunidade. Dá um
pouco de saudade da família durante o tempo que ficamos
fora de casa. (ent. 3)
Os alunos consideram que o fato de estudar em alternância traz inúmeras
vantagens, como por exemplo: o fato de dividir com as famílias e com a comunidade o
aprendizado sistemático vivido na escola e transmitido de uma forma imediata para a
comunidade. Esse aprendizado, que envolve compreensões de técnica agrícola e de
214
valores, tornou-se essencial na participação dos processos de desenvolvimento do
comportamento dos jovens alternantes para com suas famílias e com a comunidade:
As afirmações seguem sempre na mesma direção: os alunos, tanto da escola “A”
quanto da escola “B” em suas falas, demonstram um alto índice de “satisfação” e
“motivação” com a escola. A escola tornou-se a responsável pelas mudanças ocorridas
em suas vidas. Para esses alunos, sem a escola, eles não melhorariam as suas técnicas de
manejo e não ficariam na comunidade. “Técnicas que a gente aprende muitas vezes na
sala de aula/ a gente também tinha orientação pra fazer nas comunidades”.
Ao inserirem inovações desejadas a tempo no mundo comunitário familiar, há
um processo contínuo de “empoderamento/empowerment” dos jovens como se vê nesta
fala: “Mesmo estando na comunidade, eu tinha cobrança mesmo da comunidade. E eu
não era visto como aquele aluno da escola tradicional...” A partir destes relatos é
possível compreender a importância de uma escola engajada nos contextos locais, por e
para esses contextos, reconhecendo as demandas, trabalhando junto e para as
comunidades envolvidas, respeitando-as e contribuindo para a superação de suas
dificuldades. Desta forma, os alunos passam a ser vistos por todos da comunidade de
maneira diferente, como insiste um aluno: “não somos vistos como alunos de escolas
tradicionais...” o aprendizado das novas técnicas de manejo agrícola e inovações coloca
o aluno/alternante no limiar das suas responsabilidades e no compromisso das mudanças
desejadas pelas famílias e pelas comunidades do entorno da escola eles são é possível
afirmar, os grandes responsáveis por importar novidades fundamentais para o
desenvolvimento de todos.
Assim, grande parte das demandas locais, principalmente no que concerne ao
aprendizado e à aplicação de novas práticas de manejo agrícola, consideradas
fundamentais para o “desenvolvimento da sustentabilidade das famílias, são adquiridas
tão somente com a participação desses jovens na escola: “mesmo estando na
comunidade, eu tinha cobrança mesmo da comunidade”. É nesse momento, pelo que se
pôde observar, que se realiza o objetivo fundamental da educação em alternância com o
objetivo de reverter as condições precárias de sobrevivência das famílias articulando-se
aos a comunidade com os saberes escolares. Neste caso, é possível reconhecer o papel
do conhecimento sistematizado do interior da escola (dito científico) em responder, em
grande parte, às necessidades fundamentais para o desenvolvimento da comunidade
local.
215
Percebe-se que a escola é a primeira responsável pelas mudanças ocorridas na
vida desses alunos. O empoderamento dos jovens, a autoestima, o espírito de iniciativa
e autonomia ganham força durante o processo de aprendizagem. E isso se percebe tanto
na escola A quanto na escola B em estudo. Aprender a decidir construir o seu próprio
futuro e cultivar para si, “jovens da nossa comunidade/que não moram nem na
comunidade/estão empregados em alguma fazenda sem nenhuma perspectiva de futuro.
não fosse a escola, estava na mesma situação”. Inverter a lógica do trabalhar para os
outros ou trabalhar numa atividade alheia à sua propriedade familiar. Isso é bem
perceptível: melhorar a renda familiar, desenvolver novas técnicas de manejo, ficar na
comunidade, tudo isso é apreendido na escola e revela a complexidade e o
comprometimento positivo com o que as escolas ensinam.
Outro elemento igualmente importante na fala de um dos alternantes está na
relação com o êxodo rural e à subqualificação de outros jovens da comunidade que não
tiveram acesso às escolas de um modo geral e, em particular, às escolas de formação em
regime de alternância para o campo, dentro de uma perspectiva de formação técnicoagrícola. Os jovens, neste caso, culpam os processos educativos tradicionais das escolas
formais públicas tanto no meio rural quanto no meio urbano. Para eles, o processo de
migração da maioria dos jovens do campo para as periferias das cidades está associado à
incapacidade técnica de manejo e ao comprometimento comunitário, o que não acontece
com os alunos que estudam em escolas tradicionais ou simplesmente não estudam,
como é o caso de boa parte dos jovens das comunidades observadas.
No que concerne à alternância propriamente dita, os 15 dias na escola são vistos
pela maioria dos entrevistados como um fator positivo, pois segundo eles, permite a
relação imediata entre a comunidade e o local de aprendizagem. Nesse caso, a formação
em alternância entra como fator preponderante dos estudos, apesar da “saudade de
casa”. Daí a motivação desses, ao agregarem ao mesmo tempo, vida escolar e vida
comunitária e familiar numa perspectiva de educação e sustentabilidade para o campo.
216
7.3– A identidade com o campo para alunos das escolas “A, B e C”:
Categoria
Escolas
Entrevistas
# Talvez, se eu não tivesse ido pra EFA e ido pra outra
escola ou região, eu não estaria aqui com todos esses projetos,
estaria numa periferia ou talvez na roça, repetindo. Então pra
mim a EFA tem uma participação muito grande no que hoje eu
Identidade com o
campo
A
me vejo como sujeito e com minha forma de pensar hoje.
# Na verdade, essa escola ensina a reconhecer as
nossas origens. Antes de eu vir pra aqui mesmo, eu não gostava
de ouvir dizer que eu morava na roça. Hoje não, eu mesmo falo,
eu tenho orgulho de dizer que eu moro na roça. (ent. 4)
_____________________________________________________
# Gosto daqui porque a escola tem a ver com a
realidade. Quando estudava na escola normal, perguntava por
Identidade com o
campo
B
que estudava tanto assunto de matemática se não vou aplicar
isso? Tanta coisa de história que não vou aplicar? e essa escola
ensina coisa que a gente vai aplicar e está adequada à região, ao
meio social, porque isso é justamente o que eu quero. Você
realmente consegue aprender o que você vai aplicar. (ent. 2)
# Eu acho que essa escola tem as coisas do campo e é
diferente das escolas da cidade, porque a gente vai na escola da
cidade e não aprende nada que tem a ver com o campo. (ent. 4)
# O aprendizado aqui é diferente das escolas
tradicionais e isso me ajudou muito a aprender os cuidados com
a terra, cultivar a terra... a ter orgulho do lugar onde vivo. (ent,
3)
_____________________________________________________
C
Identidade com o
campo
# Não gosto de ser da zona rural, prefiro ir para a
cidade. Ser da zona rural é sinônimo de analfabeto. Quando
você fala que mora na zona rural todo mundo começa a fazer
gozação. (ent. 2)
# Eu não gosto de ouvir dizer que eu moro na roça. Eu
mesmo falo, quando as pessoas me perguntam na cidade onde
eu moro, eu nunca digo que moro na roça. (ent. 3)
As duas escolas (A e B) têm, pelo que foi observado e pelo que se percebe nas
entrevistas, papel decisivo no enraizamento e na construção da identidade desses jovens
alternantes com o meio rural. Partindo-se das observações e dos discursos acima, é
217
possível afirmar que a denegação geralmente vista dos jovens originários do meio rural
com o mundo rural deve ser creditado essencialmente a um fator educacional: “A EFA
tem uma participação muito grande no que sou hoje e no que eu me vejo como sujeito e
com minha forma de pensar hoje”. Ao refletir a partir da importância do fortalecimento
da identidade do homem do campo, as escolas em estudo vão ao encontro de uma
reafirmação necessária à dignidade dos jovens do campo, como afirma este jovem da
escola “A”: escola ensina a reconhecer as nossas origens e como ele se sentia antes “eu
não gostava de ouvir dizer que eu morava na roça”. Assim, avança-se na superação do
preconceito e dos estigmas normalmente vistos a partir de uma pretensa superioridade
da cultura urbanocêntrica sobre a cultura dos que vivem no campo. Agindo desta
maneira, as escolas engajadas numa educação que pretenda o desenvolvimento do
campo não podem negligenciar a importância do fortalecimento da identidade do
homem e da mulher do meio rural e assim, cumprir o papel fundamental de devolver aos
que lá vivem a dignidade e cidadania até então hostilizada.
O que se deseja a partir de uma educação comprometida com o contexto é o
respeito às formas de vida e de cultura dos que lá habitam superando por exemplo as
visões idílicas presente na história da sociedade brasileira como os famosos estigmas
dos “jeca-tatus”, de M. Lobato.
Uma educação que se pretende para o campo tem o papel de fortalecer a cultura
e o modo de vida desses, invertendo os sentimentos de baixa autoestima normalmente
presentes entre os povos originários do meio rural como se vê nesta fala: “eu mesmo
falo, eu tenho orgulho de dizer que eu moro na roça”. As falas dos jovens alternantes se
colocam de maneira contundente e reafirmam a importância e o papel que a escola do
meio rural tem na reconstrução, na ressignificação cultural e no fortalecimento dos
vínculos dos sujeitos (jovens, estudantes, moradores) de uma determinada comunidade
com o seu espaço geográfico, neste caso o campo, aqui também chamado de “roça”.
Percebe-se claramente a inversão da lógica da migração e do êxodo rural a partir
da fixação dos alunos alternantes ao meio onde vivem. A partir desta inversão,
continuar no seu território torna-se praticamente um dever.
Assim, é possível afirmar que o processo de formação em alternância nas duas
escolas pesquisadas tem desempenhado um papel fundamental ao transversalizar, em
sua práxis educativa, valores essenciais como os de “identidade e de cultura do ser do
218
campo”,
inseridos
numa
aprendizagem
sistematizadora
de
saberes
técnicos
fundamentais para o “campo” e na superação das dificuldades cotidianas dos que vivem
no seu entorno produzindo um ganho fundamental na fixação desses ao seu meio.
Outro elemento dentro deste contexto é que a formação da identidade do ser do
campo deve ser vista como um dos elementos mais importantes desenvolvidos por essas
escolas em suas práxis educativas, a construção da identidade dos alunos é tomada de
maneira concreta. Assim, o aluno se vê e se identifica com o “ser rural, ou o ser do
campo” e passam esses, a ter um outro olhar e uma outra postura em relação ao “rural
ou campo” a partir do momento em que frequentam essas escolas.
Os alunos da escola C, num total de 25, foram pesquisados no mês de junho, um
pouco antes das festas juninas que são, a princípio, a grande festa do Nordeste
brasileiro. Essa festa é uma espécie de reverência à identidade do homem rural, mesmo
se encarada de forma idílica. A técnica consistiu em escutar alguns trechos das músicas
do cantor e compositor Luiz Gonzaga, nas quais ele faz uma espécie de reafirmação dos
termos linguísticos usados pelo homem rural nordestino no seu cotidiano e a partir daí
retirarmos os termos ligados ao modo de falar, tanto do homem nordestino sertanejo
quanto do homem rural, e debatermos com os alunos.
Aqui, “identidade do campo ou identidade do ser da roça” representaria o viver
na/da roça, reproduzindo a imagem que o/a aluno/a da roça encontra no espaço escolar.
Essa imagem é aquela produzida pela mentalidade “urbanocêntrica”, que subestima e
subjuga os referenciais culturais não urbanos. Tal imagem está presente nas práticas
pedagógicas e também no imaginário coletivo que circula entre a sociedade urbana,
inspirada na pretensa supremacia cultural da cidade sobre a roça e, inclusive, da fazenda
sobre a roça42. Os termos “roça” e “rural” formam, nesse contexto, a compreensão das
representações sobre o homem do campo no Brasil, o que ficou bastante conhecido nas
obras de Monteiro Lobato.
Ao final da execução das músicas de L. Gonzaga, teve início a nossa conversa,
com momentos de risos entre os alunos... A reação da maioria da turma foi imediata
como se ver nas falas a seguir: “Não gosto de ser da zona rural/prefiro ir para a cidade.
42
A incorporação dessa ideologia de negar a si para querer ser grande pode ser exemplificada
num dado apresentado por Sr. Josué Presídio, durante a pesquisa: “o povo aqui tem uma besteira de ter
duas tarefas de terra e dizer que é fazenda”. Entrevista realizada em 04/04/2003.
219
Ser da zona rural é sinônimo de analfabeto./Quando você fala que mora na zona rural
todo mundo começa a fazer gozação...”
Diferente dos alunos da escola “A” e da escola “B” que reaprenderam a
revalorizar o seu espaço de vida, o seu meio, o seu lugar onde vive, a sua cultura, enfim
a sua roça.
No caso da escola “C” a diferença no trato dessa questão é bem perceptível. A
desvalorização da identidade do ser do campo, a rejeição ao modo de falar, a denegação
dos modos de vida dos que lá vivem, foi colocada de forma patente e isso se deve
claramente à ausência de um ensino que fixe a sua matriz educacional no fortalecimento
do modo de vida e da cultura local.
Aqui (na escola “C”), o ensino é oferecido a partir de uma visão urbanocêntrica,
o que é comum nas escolas do meio rural brasileiro: distanciada e desvinculada dos
saberes locais. Não cumpre de fato o papel crítico e reflexivo ligando os alunos aos
valores fundamentais da sua própria cultura, cuja abordagem implicaria, certamente,
num ganho de reafirmação identitária e da própria relação com a diminuição,
fatalmente, do êxodo rural.
7.4 – Monitores/Professores das escolas “A e B” avaliam a
sustentabilidade local e a alternância
As entrevistas com os monitores da escola “A” foram realizadas de maneira
participante no interior da escola. As questões abordadas foram sobre o papel que
desempenha essa escola na sustentabilidade comunitária local e na alternância. No
entanto, para o caso desses monitores outro tema emergiu de maneira bastante forte
durante a entrevista realizada. Provavelmente, por se tratar de um encontro onde a
maioria dos entrevistados era do sexo feminino, a questão de “gênero” e o papel que
desempenha as mulheres trabalhadoras do campo. Neste caso procurando rever do ponto
de vista da formação/educação efetiva da aluna-alternante-mulher do campo.
As entrevistas realizadas com os monitores da escola “B” variaram segundo as
atividades exercidas por cada um. Uma parte das entrevistas foi realizada no campo
durante o acompanhamento de aulas práticas e outra foi realizada nas salas de aula e no
escritório da escola. Foram entrevistados cinco monitores/professores pertencentes ao
quadro efetivo da escola. As entrevistas tiveram uma média de duração 01h40min.
220
Esta entrevista teve duração de aproximadamente 3 horas e a participação dos
cinco monitores pertencentes a essa escola. Enquanto categorias de análise, os temas
colocados em discussão foram os mesmo da escola “A”:
Categoria
Escolas
Entrevistas-monitores
Não pode no que concerne ao desenvolvimento, fazer
uma análise apenas para a questão agrícola, porque tudo fica
Sustentabilidade
comunitária
A
limitado, mas tem outras demandas que a escola tem que trabalhar.
A questão da saúde por exemplo. Porque tem uma menina que
estudou aqui, depois fez o científico e depois fez enfermagem e está
lá até hoje na comunidade. Ela trabalha com saúde; então, de
qualquer jeito é um desenvolvimento, é um ganho não estritamente
Sustentabilidade
comunitária
A
agrícola. Até mesmo porque não é obrigado que todo mundo que
estuda aqui viva da agricultura, porque até não vai ter espaço pra
todo mundo. Na agricultura fica quem gosta. (ent.fem.1)
O
trabalho
é
interdisciplinar.
Trabalha-se
saúde,
engenharia, meio ambiente. O aluno sai de lá sabendo em quantas
tarefas de terra, quantas bananas, aipim dá para plantar. Isso para a
escola vai ajudar muito, tanto na casa, quanto na comunidade, pois
trabalha com a sociologia, a política, enfim. (ent.fem. 1)
Nós temos aqui os dados já organizados das avaliações dos
meninos. Têm avaliações do reflorestamento e tem um marco
referencial, por exemplo, ligado ao reflorestamento. (ent.fem.1)
_________________________________________________________
Depende muito da atividade que eles desenvolvem; nós
Sustentabilidade
comunitária
temos exemplos aqui de jovens que têm área relativamente grande,
mas as atividades que eles desenvolvem não têm tanta rentabilidade,
então eles têm muito trabalho e pouco retorno financeiro. E já
existem propriedades muito pequenas e que as atividades são mais
B
rentáveis, a exemplo da fruticultura. A fruticultura, ela não exige
grandes áreas pra você ter uma boa receita no final do mês, então o
que a gente tá provocando bastante aqui é isso, a gente quer
promover um aumento da renda dessas famílias, mas sem aumentar
o tamanho da área explorada. A produção, ela tem de crescer de
maneira vertical e não horizontal, então nosso foco aqui é muito
Sustentabilidade
comunitária
assim, em cima da produtividade. É por isso que a gente trabalha
muito a questão tecnológica, a gente traz consultores de diversas
áreas justamente pra isso, pra aumentar a produtividade e permitir
B
que uma família com 5, 6, 7 pessoas possa viver bem numa área de 2,
3 hectares. E tudo isso aliado também com a questão ambiental.
(ent.mas.1)
Trabalhar aqui com lavouras que deem um retorno
financeiro logo rápido de círculo curto, sendo perenes, e também ver
221
a própria vocação da região. (ent.mas. 2)
O que se percebeu é que havia já uma área de plantio de
mandioca, mas que esse plantio não garantia a sustentabilidade dos
próprios agricultores. Então o que se deveria fazer? Ver o que estava
errado, corrigir para poder avançar. (ent.mas 2)
A monitora da escola “A” aponta para uma visão complexa da sustentabilidade
nas comunidades envolvidas com a escola, levando em consideração outros aspectos
igualmente importantes do tema: aqui o desenvolvimento não é reduzido apenas à
questão da produtividade agrícola, em termos completamente técnicos, como ela afirma:
“Não pode no que concerne ao desenvolvimento, fazer uma análise apenas para a
questão agrícola,/porque tudo fica limitado, mas tem outras demandas que a escola tem
que trabalhar./A questão da saúde por exemplo”. Assim percebe-se que o conceito de
desenvolvimento não se situa apenas do ponto de vista técnico-agrícola, mas no desafio
de educar o jovem de origem agrícola de maneira completa a partir de uma perspectiva
que compreenda os meandros da técnica, mas antes de tudo cidadã. “tem uma menina
que estudou aqui”, “ela trabalha com saúde; então, de qualquer jeito é um
desenvolvimento, é um ganho não estritamente agrícola”.
O desenvolvimento sai, no caso dessa monitora, de uma tese maniqueísta com
base no interesse técnico agrícola e econômico viajando, neste caso, a outra perspectiva
de complexidade, onde todos os aspectos ligados ao tema ganha significância, a partir
de uma visão em que as metodologias, os currículos e conteúdos pedagógicos devem
apontar para a complexidade do que seja o desenvolvimento e a educação para o campo.
Num segundo trecho da narrativa da monitora, a preocupação aparece com
práticas agroecológicas e a importância que é dada à relação com a preservação das
florestas, particularmente nas comunidades envolvidas pela escola: há avaliações do
reflorestamento e um marco referencial, ligado ao reflorestamento.
Numa outra visão deste discurso, a monitora aponta para uma perspectiva de
transcendência do ato educativo entre o mundo rural e o urbano: “não é obrigado que
todo mundo que estuda aqui viva da agricultura,/porque até não vai ter espaço pra todo
mundo”. Neste caso, a noção de educação apontada inclui garantir aos jovens autonomia
suficiente para viver onde bem lhe convier, como sentencia a monitora: “Na agricultura
222
fica quem gosta. “ninguém é obrigado a ficar na agricultura só por que é filho de
agricultor.”
No caso da escola “B”, os monitores sinalizam para a sustentabilidade local,
focado principalmente no desenvolvimento técnico-agrícola como foi observado. Esse
elemento é um importante fator de comparação e diferenciação entre as duas escolas
em alternância como é possível perceber nesta fala do monitor: “nosso foco/em cima da
produtividade./É por isso que a gente trabalha muito a questão tecnológica, os jovens da
escola que têm área relativamente grande, mas as atividades que eles desenvolvem não
têm tanta rentabilidade... eles têm muito trabalho e pouco retorno financeiro, já existem
propriedades muito pequenas em que as atividades são mais rentáveis, a exemplo da
fruticultura./A fruticultura, ela não exige grandes áreas pra você ter uma boa receita no
final do mês”. Aqui entra a articulação da grade curricular dessa escola, focada no
aprimoramento do plantio, cultivo e comercialização dos produtos das comunidades,
levando em conta um alto nível de experimentação técnico da agricultura local.
Os monitores presentes na entrevista alegavam que os níveis de produtividade
das propriedades dos alunos eram considerados “muito baixos”, com uma média de três
toneladas por hectare para o caso da “mandioca”. Aí entrava o papel da escola, ou seja,
reverter esse procedimento, trazendo inovações técnicas modernas e experimentadas,
tomando os alunos como multiplicadores dessas ações: “A gente tá provocando bastante
aqui é isso,/a gente quer promover um aumento da renda dessas famílias, mas sem
aumentar o tamanho da área explorada./A produção, ela tem de crescer de maneira
vertical e não horizontal”, mais a frente: A gente traz consultores de diversas áreas/pra
aumentar a produtividade e permitir que uma família com 5, 6, 7 pessoas possam viver
bem numa área de 2, 3 hectares”.
Ainda dentro desta mesma linha de raciocínio, o monitor entrevistado explica
que a estratégia da escola no que diz respeito a sustentabilidade comunitária afirma que
é preciso “trabalhar aqui com lavouras que deem um retorno financeiro rápido de
círculo curto, sendo perenes”, dentro, afirma, da “própria vocação da região”. Ainda,
segundo os monitores, com a intervenção da escola, a média por hectare subiu para
aproximadamente 25 a 30 toneladas/hectare, havendo casos, segundo eles, onde a
produção pode alcançar até 40 toneladas hectare na mesma região. Assim, a escola
direciona sua práxis pedagógica para a produção agrícola, considerando os aparatos
223
técnicos da agricultura, tendo em sua base a “revolução verde” como fundamental para
garantir o desenvolvimento das comunidades dos alunos.
Nesse caso, o desenvolvimento comunitário e a sustentabilidade familiar é
tomada na práxis dessa escola enquanto experimentações de técnicas de manejo. Essas
técnicas devem levar em consideração o aumento da produção agrícola, no sentido de
que se produzam ganhos econômicos importantes para as famílias e para as
comunidades envolvidas.
7.5 – A alternância por monitores das escolas “A e B”:
Categoria
Escolas
Entrevistas-Monitores
Nas visitas às comunidades é isso que há: muito
potencial que precisa apenas ser estimulado para se desenvolver.
Há uma certa discriminação com relação aos moradores da roça,
de que são idiotas. O trabalho da Pedagogia da Alternância é
estimular o potencial de cada um e mostrar que eles são tão
inteligentes quanto os da cidade. (ent. 2)
Claro, eles também têm preocupações que são trazidas
para a escola, adubo, tipo de manejo, algumas coisas que são
provocadas pela escola. Não é que o pessoal não sabe fazer, mas é
Alternância
A
que o pessoal fazia sem uma preocupação mais recorrente dessas
coisas, se é agroecológico ou não, se está preservando o
ecossistema, se está queimando, se está preservando os rios, as
matas ciliares. (ent.mon.mas 2)
Na observação há uma “partilha”, porque eles são
convidados a trazer as demandas para as aulas de zootecnia. (ent.
4)
Bom, então, quando estamos tratando das Escolas
Famílias Agrícolas, é preciso entender que, às vezes, é muito
bonito no papel, mas que tem a realidade do dia-a-dia e os
entraves, que não é bem assim, tá certo, mas você tem os
questionamentos. Então fomos ver a diferença entre observação e
pesquisa, e isso não estava bem claro para os meninos. Quando os
meninos viajam, eles fazem uma coisa de observação, que é um
instrumento da pedagogia da alternância. Quando eles fazem o
trabalho da alternância em casa já é a pesquisa, mas como esses
dois funcionam? (ent.2)
A alternância na verdade tem dois momentos: um
momento na propriedade com um monitor acompanhado e aqui o
224
momento de formação na Casa Família Rural. Mas eu considero o
momento mais importante é quando o monitor está na
comunidade familiar, porque é nesse momento que há a maior
interação entre a escola e a comunidade, é o momento em que o
jovem está ali praticando e que o monitor está ali acompanhando,
ajudando o jovem. E aí se começa a pensar nos projetos
Alternância
B
produtivos. É o momento em que o monitor pode dar um
acompanhamento mais individualizado. (ent.mas.3)
Às vezes o jovem está com algum problema de
insegurança que não conseguimos identificar, mas quando a gente
vai à comunidade, quando vamos à casa dele começamos a
perceber, o que é que o jovem está passando... Às vezes é algum
problema familiar que está passando e está refletindo
negativamente no período que ele está aqui na alternância; então
quando vamos lá na comunidade, no seio familiar, a gente
identifica; então fica mais fácil de trabalhar. Às vezes, a gente se
pergunta até que ponto pode entrar no problema da família?
Então é uma grande pergunta nossa. Porque às vezes, a gente
acaba se envolvendo tanto que é como se a gente fosse parte da
família e a gente também tem que criar um limite, porque
também temos a nossa função de consultor e o consultor tem
também que ter aquele olhar externo... E tem momentos que
Alternância
B
temos que ser um pouco pai desses jovens. (ent. 4)
Não existe reação negativa por parte das famílias; é
sempre assim positiva. Às vezes quando a gente não vai, eles ficam
perguntando: “poxa, por que não foi?” Tem vezes que a gente está
com aquele horário corrido, aí vai, a gente tem que justificar, o
pessoal toma todo aquele cuidado, preparar o almoço... No dia da
visita, o pessoal fica aguardando, até pedimos pra eles não se
preocuparem, mas eles fazem questão de fazer um bolo, um
café... O tempo é sempre entre duas e quatro horas, a depender
da atividade. (ent. 6)
Nas falas dos monitores da escola “A”, existe uma visão bastante realista do que
acontece no dia a dia do entorno da escola e das comunidades, no vai e vem que se
estabelece entre ambos. Num primeiro momento, os monitores/professores lamentam-se
de não terem um pré-conhecimento da comunidade, na perspectiva de mapear as
demandas iniciais para serem trabalhadas pela escola. “Nas visitas às comunidades/há:
muito potencial que precisa apenas ser estimulado para se desenvolver/uma certa
discriminação com relação aos moradores da roça,/o trabalho da pedagogia da
alternância é estimular o potencial de cada um e mostrar que eles são tão inteligentes
quanto os da cidade”.
225
Os poucos recursos nas escolas em alternância acabam por inviabilizar um
conjunto de atividades, inclusive essa das visitas periódicas dos monitores. Daí uma das
defesas desta tese e corroborada já por alguns autores: a de que o Estado deve assumir
as escolas em alternância e garantir os custos operacionais com o seu desenvolvimento
técnico-pedagógico.
Esta tese pode ser discutida, já que dentro do movimento de escolas famílias
agrícolas existem setores que entendem a assunção por parte do Governo como uma
intromissão nos princípios e ideologias que cercam as CEFAs/ EFAs e CFRs, mas por
outro lado, e, provavelmente, a maioria dos atores envolvidos nessas escolas entende
que sem o financiamento governamental a continuidade das iniciativas da pedagogia em
alternância em áreas rurais de pequena agricultura é complicada.
Partindo-se deste pressuposto, nem sempre o que é a demanda mais importante
na comunidade é o que vai se tornar o elemento a ser partilhado dentro da escola e nem
sempre o que é trabalhado na escola servirá de uma forma concreta para o
desenvolvimento e para a melhoria das comunidades, criando-se um descompasso.
Pode-se ver na fala, “o potencial da comunidade que por muitas vezes não é trabalho
nem compartilhado pela escola” por conta da própria falta de estrutura que a maioria das
escolas vive, normalmente submetidas a condições precárias de financiamento de suas
atividades.
Assim, sem conhecimento prévio, concretamente o aprendizado dos jovens e a
melhoria nas comunidades envolvidas na relação teoria e prática fica comprometido,
pois não há uma participação efetiva (visitas) dos especialistas nas comunidades, por
conta dos custos operacionais.
Numa outra ponta da entrevista, a monitora percebe e avalia o processo
discriminatório que envolve a estima do homem do campo, este elemento é crucial no
desenvolvimento das atividades no interior da escola visando às mudanças de
comportamento dos sujeitos, alunos e monitores em suas propriedades.
A pedagogia da alternância consegue chegar à comunidade, diferentemente das
escolas tradicionais. No entanto, o compromisso que o monitor deve ter com as pessoas
do lugar no sentido de estimular atitudes positivas em relação a sua comunidade é
essencial. Neste caso, a formação de monitores/professores que compreendam a
226
importância de uma educação cidadã é fundamental, no sentido de elevação da
autoestima e superação da pobreza de algumas localidades isoladas no meio rural.
A escola “B” traz outro elemento importante para se destacar: que está na
relação que se estabelece entre o monitor, os pais e a comunidade envolvida no processo
educativo da escola, num sentido em que media as relações entre alunos e pais de alunos
que por vezes se estabelecem de maneira conflituosa no seio da própria família do
educando. A maneira como o monitor é recebido indica uma positividade da escola nas
comunidades. Esse aspecto é fundamental e denota a diferença entre uma EFA e uma
escola tradicional, principalmente a escola publica do meio rural brasileiro, onde a
distancia entre a família e a escola é um marco histórico. Com o passar do tempo, como
se nota, o monitor deixa de ser visto como o de “fora” e passa a ser reconhecido como
alguém importante na mediação dos conflitos e nas relações entre pais, alunos, a escola
e a propriedade familiar.
7.6 – A emergência da questão de “gênero” enquanto diferença
fundamental a ser considerada: O caso da escola “A”
Categoria
Escola
Monitores
Pena que a gente conhece a comunidade depois
que o aluno está aqui, porque se você conhecesse antes, é o
povo da comunidade que conta como era antes, e aí
começa a fazer interferência. E aí que a gente percebe que
foram interferências positivas, mas, mesmo com essas
resistências da associação, mas é a questão de gênero, na
Gênero
A
verdade, principalmente do homem, porque são as
lideranças masculinas que ainda são a maioria. Mesmo a
gente não querendo, mas são eles que indicam e impedem
as intervenções dos jovens e das mulheres.
As mulheres ainda trabalham bem menos, só se
for uma mulher solteira – tipo Glória, Isabel (elas podem
falar isso), mas na maioria são os homens que impedem as
mudanças e são eles que são fechados pros meninos. Mas
nós
já
temos
já,
com
certeza,
desenvolvimento
nas
comunidades,
indicadores
podemos
de
pegar.
Cachoeiro II. (mon.fem.ent. 2)
227
Aqui, é preciso reconhecer o campo brasileiro e muito provavelmente outras
regiões do campo no planeta como um mundo comumente machista, onde normalmente
a mulher é responsável pelas tarefas domésticas e o homem pelo cultivo. Esses aspecto
da questão de gênero, revela o enorme potencial das EFAs em desenvolver uma outra
atitude em relação aos processos de ensino aprendizagem nas escolas do campo que
envolva de maneira significativa a participação das mulheres-jovens-alternantes: “As
mulheres ainda trabalham bem menos”, adverte a monitora. Dentro desta perspectiva e
naquilo que foi observado, a participação feminina nas atividades agrícolas dessa escola
é tomada de maneira construtiva e incentivada por todos os envolvidos (monitores e
diretor).
Essa atitude da escola “A” pressupõe também uma redefinição do papel da
mulher camponesa nos trabalhos das propriedades familiares, num sentido da
emancipação feminina no campo. Essas atitudes são percebidas no momento das
intervenções agrícolas nas comunidades, as mulheres que passaram pela escola
desenvolvem uma atitude diferente em relação às tarefas domesticas e na relação com a
plantação, tomando para si a responsabilidade no trato com a propriedade familiar.
A crítica da monitora assinala a participação das lideranças de assentamentos
rurais ligados aos diversos movimentos sociais rurais como MST e MLT afirmando
que: “São os homens que impedem as mudanças e são eles que são fechados pros
meninos. Mesmo com essas resistências da associação e das lideranças, mas é a questão
de gênero, na verdade”. Neste caso, as inovações e a atitude positiva dos alternantes
tanto do sexo masculino (jovens) quanto do sexo feminino esbarram de um lado no
machismo tradicional e do outro nas atitudes e impedimentos dos homens, lideranças de
assentamentos rurais.
Algo interessante acontece aqui... São as lideranças dos assentamentos, outrora
“sem-terra” que ocuparam a terra num sentido revolucionário invocando a divisão de
terras e de emancipação da classe trabalhadora como um todo, dentro de um sentido
bem “marxista”. No entanto, ao estabilizar o processo de “luta pela terra” entra em cena
uma outra atitude a dos “ex-trabalhadores sem terra”, (agora com terra), que se
transformaram em lideranças políticas dos assentamentos, das organizações fundadoras
desses processos e mesmo da política tradicional do País. Para esses, o papel da mulher
e dos jovens alternantes enquanto inovadores de experimentações nas comunidades e
mesmo a consciência política adquirida ao longo dos anos de escola, põe em risco a
228
continuidade dos poderes ora estabelecidos e assim, aparecem os conflitos na relação
justaposta entre líderes e os novos (alternantes, jovens e mulheres) deixando uma
definição muito clara do papel de mando e de poder nas comunidades dos
assentamentos rurais.
Nesse aspecto, a monitora celebra o fato de que algumas poucas mulheres com
passagem pela escola já conseguiram impor suas convicções nos assentamentos dos
quais fazem parte, mesmo se para isso fora necessário separar uma parte da terra para os
seus experimentos: “Só se for uma mulher solteira – tipo Glória, Isabel (elas podem
falar isso)”. Aqui, é possível observar também o papel que pode jogar uma escola
engajada nos processos de desenvolvimento comunitário, mas deve-se considerar o
engajamento em toda a sua complexidade de formação, onde um aspecto não pode ser
visto como mais importante que o outro, ou seja, a sustentabilidade comunitária não
pode ser mais importante que a emancipação, por exemplo, dos jovens, homens e
mulheres do campo.
7.7 – Análises das entrevistas com os professores da escola “C”:
Foram 5 visitas intercaladas a essa escola, envolvendo observações, atividades
dinâmicas e entrevistas. As entrevistas com questões semi-dirigidas foram realizadas de
forma coletiva com sete professores na sala de reuniões e tiveram uma duração mínima
de 1 hora.
Os professores são originários, na sua grande maioria, da sede do município de
Valença, e uma das entrevistadas é originária do Município de Tancredo Neves. Todos
têm mais de dez anos de ensino e, em sua totalidade, são egressos do antigo curso de
magistério. Apenas uma professora concluiu o curso de licenciatura em Pedagogia. No
entanto, todos os outros continuam sua formação em universidades diversas da região.
As questões formuladas para entrevista com os professores dessa escola, foram
sobre a ambiguidade que cerca a escola pública rural em seu transplante de escola
urbana; sobre o material didático; o projeto político pedagógico; o currículo; ea
qualidade da escola rural em que esses docentes trabalham. Essas categorias se
diferenciam das questões organizadas para pesquisa nas escolas em alternância. Assim,
vale lembrar que as EFAs em pesquisa se definem a partir do perfil de escola do
229
“campo” e para o campo, o que não é a mesma coisa quando se trata de uma escola
pública rural no campo, sem um engajamento maior.
7.8– A escola pública rural: o caso da escola “C”
Categoria
Escola
Professores
A realidade é que não tem nada pra digitar, muitas não
A educação publica
do meio rural
C
têm nem energia elétrica, fica esperando uma Professora rodar
pra trazer uma matriz, tem escola que não tem mimeógrafo,
fazem na mão pra poder ir pra secretária rodar. (ent. 3)
As metodologias são diferentes. A gente se adapta à
realidade deles, porque a gente vê o dia-a-dia, a gente usa
dinâmicas diferentes. Por exemplo, existe falta de material na
zona rural; então a gente vê o meio deles, o ambiente, as escolas
rurais têm constante falta de material, nas escolas que têm
conselho escolar ainda tem uma coisinha, mas as escolas que não
têm os livros didáticos, por exemplo, não têm, e quando têm,
estão fora da realidade. (Prof.fem.ent.3)
Eu acho essa escola aqui obsoleta, só tem uma
máquina; o histórico escolar é emitido ainda na caneta de forma
manual, não tem Internet, não tem telefone... (prof.fem.ent. 4)
O problema é a reprodução desse material, que aqui
na escola não tem como; a gente geralmente tira do bolso para
reproduzi-los. Por exemplo, eu peguei um texto e trabalhei com
eles; eu tive que tirar do meu próprio bolso para reproduzi-lo.
A educação publica
do meio rural
(ent.fem. 3)
C
O livro vem para todo o município de Valença, mas, no
entanto, aqui é diferenciado; não vai se comparar o
conhecimento do aluno daqui para os alunos da zona urbana.
Então é o que eu sempre digo, que planejamento de escola rural
deveria ser diferenciado e assimilado até o dia-a-dia deles mesmo
com a realidade contextualizada. A gente explica, a gente tenta,
vai tirando daqui botando dali, para poder se organizar. Agora
complicado é. (Prof.fem.ent. 1)
Interessante que eu estava numa palestra sobre
escolha do livro didático, e essa escolha foi para todo o município.
Assim nós tivemos acesso a todos os tipos de livro a ser escolhidos
aqui pra zona rural, só que os livros que geralmente a gente
A educação publica
escolhe não são o que convém, não dá para se adaptar. (ent. 2)
Eu mesmo produzo os próprios materiais didáticos e
230
do meio rural
C
passo pra eles. Não adapto o livro didático, não. Eu produzo o
material aqui e passo pra eles; eu sei que os livros oferecidos
estão muito longe da realidade deles. Você pega um aluno que
veio de uma família que geralmente não estão alfabetizados, tem
um aluno que vem de uma alimentação precária para a escola,
pega um aluno que não tem uma estrutura familiar sólida, até
para conviver socialmente... são várias questões mesmo que
acontecem na zona rural; então quando o aluno chega, você
empurra conteúdos que não estão adequados ao nível de
conhecimentos deles; então porque não pegar os conhecimentos
deles para aprimorar em vez de trazer esses conteúdos já prontos,
completamente fora da realidade e perceber que ninguém
consegue assimilar. Como eu vou pegar um texto de um teórico
desses que falam palavras que dá um nó no juízo dos meninos. Eu
pego uma coisa que é mais realidade vivida deles e trago para a
sala de aula. (ent. 1)
Esse quadro de entrevistas reflete um conjunto de elementos atinentes à escola
pública do meio rural no Brasil. Inicialmente percebe-se que a realidade local interna, se
torna para os professores, um processo de constantes desafios e arranjos, tanto no que
concerne à formação de professores quanto à própria estrutura de funcionamento da
escola.
Um primeiro elemento a se destacar é que os professores não foram preparados
para as exigências do público que estão lidando, e que de uma maneira geral o contexto
é estranho para o conjunto de docentes que ali trabalham: “As metodologias são
diferentes. A gente se adapta à realidade deles, você empurra conteúdos que não estão
adequados ao nível de conhecimentos deles; então porque não pegar os conhecimentos
deles para aprimorar em vez de trazer esses conteúdos já prontos, completamente fora
da realidade e perceber que ninguém consegue assimilar. Como eu vou pegar um texto
de um teórico desses que falam palavras que dá um nó no juízo dos meninos”. Esses
elementos acima esbarram num problema crucial da educação rural no Brasil: que é a
falta de formação docente para atuar de maneira comprometida e engajada nas escolas
instaladas em contextos diferenciados: como zona rural, escolas de assentamentos,
tribos indígenas etc.
Um argumento forte para existência de professores não preparados lidando com
contextos estranhos, é a falta de oportunidade de trabalhos na cidade, e, é possível
231
afirmar ainda, que, para alguns professores, o trabalho em qualquer área na cidade seria
mais “bem-vindo” do que o trabalho de educador no campo.
Pesquisas com professores do meio rural brasileiro apontam em sua maioria que
a escolha do local do trabalho (na zona rural) se dá essencialmente pela falta de
oportunidade de se trabalhar na cidade e não pela motivação de atuar em escolas da
periferia das cidades ou da zona rural. Como se vê, percebe-se claramente a relação
entre adaptação ao meio estranho, o contexto e a distância na formação docente que
normalmente deveria acontecer enquanto preparo sistemático para essas escolas. O
resultado como se nota é um processo contínuo de experimentação – ensaio e erro: “Eu
pego uma coisa que é mais realidade vivida deles e trago para a sala de aula. Eu mesmo
produzo os próprios materiais didáticos e passo pra eles. Não adapto o livro didático,
não. Eu produzo o material aqui e passo pra eles”.
Apesar dos professores demonstrarem certa afeição ao trabalho com essa escola,
no que foi possível observar, eles reconhecem o fato de não terem uma formação
norteadora para um trabalho mais sistemático e conforme às necessidades locais. “Você
empurra conteúdos que não estão adequados ao nível de conhecimentos deles; então
porque não pegar os conhecimentos deles para aprimorar em vez de trazer esses
conteúdos já prontos, completamente fora da realidade e perceber que ninguém
consegue assimilar. Como eu vou pegar um texto de um teórico desses que falam
palavras que dá um nó no juízo dos meninos. Eu pego uma coisa que é mais realidade
vivida deles e trago para a sala de aula”. Neste caso, nota-se a incapacidade e a
inadequação da escola pública rural em não aproveitar o potencial de diálogo que existe
entre ela e a comunidade do seu entorno. Esse aspecto também é importante no que
reforça a intenção desta tese “as escolas de contextos diferenciados precisam de
currículos que estruturem as suas demandas, tanto do ponto de vista da emancipação,
quanto do ponto de vista da formação para a organização das técnicas de manejo
locais.” Agindo dessa forma, poderemos então falar em rupturas curriculares e
inovações importantes para a melhoria das condições econômicas, sociais e culturais
dos
envolvidos
estabelecendo
uma
relação
preciosa
da
educação
com
o
desenvolvimento, com a história/memória, com a cultura e com a identidade das
comunidades envolvidas, o que resultará em valor essencial a ser trabalhado nas grades
curriculares por uma educação adaptada, de qualidade, cidadã e emancipatória.
232
7.9 – Os professores avaliam o material didático, a metodologia, o
currículo
O livro didático é escolhido para todo o município, não havendo preocupações
em construir estratégias de escolhas que diferenciem o trabalho educativo na zona rural
e urbana. O currículo e o projeto político pedagógico são os mesmos de qualquer escola
da cidade: “O livro vem para todo o Município de Valença, no entanto, aqui é
diferenciado; não vai se comparar o conhecimento do aluno daqui para os alunos da
zona urbana”. “Então é o que eu sempre digo, que planejamento de escola rural deveria
ser diferenciado e assimilado até o dia a dia deles mesmo com a realidade
contextualizada, as metodologias são diferentes. A gente se adapta à realidade deles,
porque a gente vê o dia a dia, a gente usa dinâmicas diferentes”. Como se vê, é latente a
ambiguidade entre o rural e o urbano e a forma como os professores tentam encontrar
soluções para os problemas estruturais e metodológicos que se apresentam na vida
cotidiana da escola:
Duas variáveis chamam igualmente atenção acima, a saber: o completo
distanciamento do currículo com o contexto e a falta de material didático nas escolas
públicas de educação básica do campo. Caso já destacado tanto por autores como
Mansano, Arroyo, Caldart (2004), quanto pelos Movimentos Sociais engajados em
educação do campo e elencados em parte da problemática desta tese: “A realidade é que
não tem nada pra digitar, muitas não têm nem energia elétrica, fica esperando uma
professora rodar pra trazer uma matriz, tem escola que não tem mimeógrafo, fazem na
mão pra poder ir pra secretária rodar”. Por exemplo, “existe falta de material na zona
rural; então a gente vê o meio deles, o ambiente, as escolas rurais têm constante falta de
material”. Mais uma vez é possível perceber os “arranjos” para solucionar os problemas
estruturais e metodológicos que se apresentam no dia a dia da sala de aula no meio
rural, no sentido de tentar de um lado, fazer funcionar a escola e do outro, aproximar a
realidade dos educandos dos conteúdos programático das disciplinas distanciadas
comumente, que são previstos a priori pela Secretaria de Educação desse município.
Para nós, esses elementos colocados acima evidenciam os principais empecilhos para o
desenvolvimento de atividades referenciais para educação do campo no Brasil.
Assim é possível dizer que os discursos das professoras refletem a situação da
maioria das escolas rurais tradicionais no Brasil. O ato de educar no “campo” em
233
escolas públicas e marginalizadas na zona rural e na periferia das cidades brasileiras
chega a ser, em determinados momentos, um ato “heroico”: “A gente geralmente tira do
bolso para reproduzi-los. Por exemplo, eu peguei um texto e trabalhei com eles; eu tive
que tirar do meu próprio bolso para reproduzi-lo”. Sendo que não é raro que uma
professora da zona rural tenha que retirar do seu próprio salário para garantir o mínimo
de tarefas educativas para os seus alunos.
Dentro das realidades observadas, então, como não chamar de heroísmo o
trabalho de uma professora da zona rural, que não dispõe de elementos básicos para o
funcionamento de suas turmas? Neste caso, é preciso destacar o engajamento e o
comprometimento de alguns educadores da zona rural, do contrário, nem o nível
mínimo de aprendizagem para os alunos seria possível.
Assim e a partir dos dados acima, é possível afirmar também a importância da
postura do educador frente à realidade que ele encontra na maioria dos estabelecimentos
rurais públicos de educação básica no Brasil e essa postura também é condição sine qua
non na garantia de elementos mínimos de aprendizagem dos alunos, como, por
exemplo, aprender a ler, escrever e contar.
234
235
CAPITULO VIII
236
8 – Diretores das escolas “A, B e C” avaliam o desenvolvimento e a
sustentabilidade, alternância, e os desafios da educação para o
campo
A entrevista foi realizada no interior da escola e teve a duração de 01h10min. A
diretora mostrou-se bastante colaboradora e disposta a nos fornecer os dados que nos
interessava conhecer. Nesse contexto, procuramos aprofundar ao máximo todos os
elementos que atravessam o funcionamento da escola, tais como: a educação do campo;
a alternância; a escola, a família e a comunidade; o acesso à terra e à sustentabilidade; o
desenvolvimento comunitário local; financiamento e autonomia (sobre o gerenciamento,
a falta e a formação de professores). Assim, preferimos, no caso desta análise, tomar
como base a fala da diretora e, a partir dos extratos do discurso, compreender o que nos
parece pertinente. A princípio, nos parece mais interessante evidenciar a, partir desta
fala, aquilo que é fundamental, para entender o que acontece no dia a dia do
funcionamento desta instituição.
Com o diretor da escola “B” a entrevista foi realizada logo depois de uma aula
cujo objetivo era partilhar os conhecimentos trazidos pelos alunos de suas comunidades.
A entrevista foi no refeitório da escola e teve a duração de 53 minutos.
A nossa preocupação girou em torno do contexto geral da escola: a escola a
família e a comunidade; a alternância; a sustentabilidade o desenvolvimento
comunitário local; o acesso à terra; o financiamento e a autonomia da escola. Nesse
sentido, algumas outras questões seguiram já oriundas do caminhar realizado até então
no interior dessa instituição, que veremos em seguida.
8.1 – Sustentabilidade comunitária:
Categoria
Escolas
Diretores
Aí falando da área de agro-silvicultura, eu penso que pra uma
família adotar o princípio da agro-silvicultura ela precisa saber dominar
esse conhecimento, não abrindo mão do cacau e da seringa, mas tendo a
pupunha o guaraná como uma espécie de caderneta de poupança seria o
fundo de reserva. E estimularem, por exemplo as pessoas na medida em
Sustentabilidade
comunitária
que ela não precisa comprar alimentos. Que ai é a lógica de famílias que é,
A
eu planto meu angu, minha fava, eu planto a batata doce, eu planto a
mandioca, eu crio a galinha eu crio uma outra coisa ai, então por exemplo
237
eu não vou compra o feijão fradinho, porque em casa eu tenho uma
variedade de feijão, ou eu posso comer andu ai em não vou comprar mais
batatinha porque eu tenho a verdura, eu vou diminuir a compra da carne,
porque eu vou alternar com ovo, posso até ter uma galinha pra matar.
Então na medida em que deixo de comprar comida, então o dinheiro que
tinha com a venda do cacau, esse dinheiro aqui ....então é essa lógica que
agente discute com os pequenos agricultores que é como que você vai
elevar a sua renda a partir da diminuição da compra que você faz.
Uma outra perspectiva fundamental na região do cacau e em
países tropicais seria o do consorciamento, alternando plantas de ciclos
curtos com plantas de ciclos longos, no caso específico da região do cacau,
temos o exemplo mais comum que é a alternância entre a mandioca e as
outras culturas de ciclos longos como o cacau e a seringa.
Então, mas é isso que estou dizendo, é um desfio pra gente,
Sustentabilidade
comunitária
A
agente continua porque isso é um problema cultural, agente sabe que
durante séculos foi proibido falar na palavra “produção de alimentos”, por
que agente está numa região que foi reservada e foi incentivada a cultura
pra exportação, ou especiaria, ou cacau, a seringa, mas é uma cultura pra
exportação.
É a lógica de mercado, é a massificação eu tenho uma televisão
em casa e passa o sofá-cama e eu desejo aquele sofá que está na televisão
porque se não eu vou me sentir inferior. Quer dizer eu parei aqui na
Pousada Virtual e no Casarão de Pedra pra tomar café e o que é que tinha
lá, batata doce, beiju, banana cozida, abobora cozida, cuscuz, mingau, ai
você cozinha aipim de manhã pro meninos comer e ele dizem não quero
essa porcaria não, ai você bota uma bacia de poca-zoi e é uma festa
porque eu to comendo o industrializado.
Então como é que eu me dei conta de que ensinar a agente
Sustentabilidade
comunitária
A
comer uma coisa que não comem? Foi logo a primeira vez que eu ia visitar
o povo na Europa foi que eu via as mulheres fazendo o próprio pão,
criando a própria galinha, mas é uma prática no campo europeu,
encontrei gente inclusive confeccionando a própria roupa, tecendo no
tear a própria toalha pra botar na mesa, o guardanapinho, fazendo a
própria calabreza o próprio vinho.
Então, mas nos disseram que o bom era o industrializado e é
uma desvalorização do camponês, do campo e quando eu desvalorizo o
camponês então eu desvalorizo tudo que se refere a ele...
_____________________________________________________________
Depende muito da atividade que eles desenvolvem; nós temos
B
exemplos aqui de jovens que têm área relativamente grande, mas as
atividades que eles desenvolvem não têm tanta rentabilidade. Então eles
têm muito trabalho e pouco retorno financeiro. E já existem propriedades
muito pequenas em que as atividades são mais rentáveis, a exemplo da
fruticultura. A fruticultura não exige grandes áreas pra você ter uma boa
238
receita no final do mês, então o que a gente ta provocando bastante aqui
é isso, a gente promover um aumento da renda dessas famílias, mas sem
B
Sustentabilidade
comunitária
aumentar o tamanho da área explorada. A produção tem de crescer de
maneira vertical e não horizontal; então nosso foco aqui é muito assim,
em cima da produtividade. É por isso que a gente trabalha muito a
questão tecnológica; a gente traz consultores de diversas áreas
justamente pra isso, pra aumentar a produtividade e permitir que uma
família com 5, 6, 7 pessoas possa viver bem numa área de 2, 3 hectares e
tudo isso aliado também com a questão ambiental.
Trabalhar aqui com lavouras que deem um retorno financeiro
logo rápido de circulo curto, sendo perenes e também ver a própria
vocação da região.
A importância dada por essa escola para o desenvolvimento sustentável local
desempenha um papel decisivo em sua pedagogia. A perspectiva é a de transformar as
realidades das propriedades familiares locais em possibilidades efetivas de sustentação
econômica a longo prazo.
Alguns elementos importantes compõem o relato da diretora da escola “A”: um
primeiro está ligado a segurança alimentar das comunidades envolvidas; um segundo
elemento seria a inversão da perspectiva cultural e agrícola nas propriedades em que a
escola mantém sua presença.
Neste caso a diretora reconhece a dificuldade na inversão da lógica de mercado
que há muito tempo cerca o processo produtivo na região do cacau: a cultura de
exportação. Assim, reconhecendo as mazelas que essa forma de produção provocou
durante anos em termos de pobreza e na relação propriamente dita com a fome. Uma
região rica nas possibilidades quase infinitas em termos de plantação agrícola, mas
pobre dentro das escolhas oriundas das classes dirigentes que fez emergir processos de
desnutrição gritantes nas comunidades rurais principalmente na agricultura familiar.
No caso, haveria também o problema no ganho dos conhecimentos que cercam o
processo de produção da agricultura familiar para uma direção de sustentabilidade
adequada. Assim a diretora cita o caso da agrosilvicultura e o processo de
consorciamento em países tropicais, alternando plantas de ciclos curtos como a
mandioca e plantas de ciclos longos como o cacau e a seringa, estes dois últimos,
responsáveis diretos pela cultura instalada: a de plantar exclusivamente para a
exportação, esquecendo-se de plantar ou criar para o sustento doméstico, levando o
agricultor familiar à dependência da lógica do mercado e ao endividamento.
239
Neste caso, em praticamente todos os aspectos da produção doméstica na
agricultura familiar da região, que vai desde as compras de produtos alimentícios
básicos para a sua família, à compra de fertilizantes e à compra de móveis que poderiam
ser fabricados na própria comunidade e com material que existe em abundância a
disposição das famílias de agricultores, no caso da região do cacau.
Todos esses elementos colocados repõem uma nova visão de educação e
requerem um novo redirecionamento da escola no meio rural. Neste caso, a reinvenção
ou reinterpretação curricular. Seguramente, essa problemática não é apenas o caso
particular da região do cacau, mas a encontraremos em outras áreas do planeta com
culturas diferenciadas, mas dentro da mesma lógica de produção agrícola familiar
existente nesta região.
O diretor da escola “B” vai numa outra direção, apesar de que em alguns
momentos percebemos semelhanças. Isso é possível explicar, pois mesmo estando na
região do cacau existe certa peculiaridade entre o processo de produção dos agricultores
que se situam mais ao norte da região, preferindo além da produção do cacau, outras
culturas como no caso da banana e da mandioca.
Neste caso, é possível perceber a enorme importância dada à variável produção
econômica. Para esse Diretor, assim como ficou também constatado nas falas dos
monitores, o papel mais relevante da escola está na elevação do padrão econômico das
famílias e é nesta direção que a escola tem jogado todo o seu esforço, independente das
críticas que se possa fazer sobre as técnicas de manejo ventiladas na sua aprendizagem e
repassadas às comunidades.
Esse elemento liga a escola a sua praxeológica revisitando o conceito de
protagonismo juvenil. Assim, na ideia de base, essa de formar empresários rurais
seguramente de empresas agrícolas que consigam produzir de maneira mais eficiente
dentro do sistema capitalista.
8.2 – Alternância:
Categoria
Escolas
Diretores
Aí estuda, sai 10 horas da noite da escola e chega uma da
manhã em casa. Tem um grupo de alunos de Buerarema que pega
três transportes, caminha um trecho, aí pega, me parece, um jerico
240
Alternância
A
com uma carroça, aí leva até a estrada central e dali o carro pega e
leva pra Buerarema. E ele tem que fazer esse trajeto de novo. Então
ele sai 4:00h da tarde de casa pra começar a estudar 7:30h da noite,
ou seja, ele passa 3:30h pra vir, 3:30h pra voltar, ele passa 7:00h no
transporte pra estudar 4:00h por dia ou pra ficar na sala 4:00h...
E aí estamos fazendo essa discussão. Fomos pra ponta do
lápis com a Secretária de Educação e ela disse, mas aí fica caro...
como fica caro? “Quanto é que vocês pagam de locação de
transporte pra esses meninos? vocês mandarem buscar e levar todos
os dias? Quanto vocês pagariam pelo transporte desses meninos a
cada 15 dias?
Temos casos em que os alunos foram pra escola
estudaram durante 4 anos, viveram mais 3 anos fazendo ensino
médio e a mãe e o pai nunca visitaram a escola. Isso pra mim é a
ausência da família enquanto instituição educadora. Eu preciso saber
em que espaço meu filho está morando, minha filha está morando.
Que é que minha filha está estudando? Onde é que minha filha está
dormindo? Agora nós sabemos que tudo isso é resultado da família
abrir mão das suas funções. A família abriu mão de todas as suas
funções.
_________________________________________________________
Não existe reação negativa por parte das famílias; é
sempre assim positiva. Às vezes, quando a gente não vai, eles ficam
perguntando: “poxa, por que não foi?” Tem vezes que agente está
com aquele horário corrido. Aí vai, a gente tem que justificar, o
pessoal toma todo aquele cuidado, preparar o almoço... No dia da
Alternância
B
visita, o pessoal fica aguardando, a gente até pede pra eles não se
preocuparem, mas eles fazem questão de fazer um bolo, um café... O
tempo é sempre entre duas e quatro horas, a depender da atividade.
Por se tratar de pessoa muito jovem, a gente nunca sabe o
que ele realmente quer, porque um jovem quando entra aqui com
14, 15 anos, que quer uma formação técnico-rural, pra viver na sua
propriedade, possa ser que isso mude, possa ser que ele queira ser
um engenheiro, um médico, alguma coisa assim [...].
E os jovens que entram aqui, com 13 a 14 anos, eles
muitas vezes até abandonaram a escola. Mas depois de três anos
aqui, eles se motivam a estudar novamente e a retomar os estudos.
Porque, como você viu, o ensino aqui e lá na sala de aula vai
motivando e despertando cada vez mais a vontade dos jovens de
estar estudando, porque eles vão buscar sempre contextualizar com
a realidade deles... e isso acaba também alguns jovens, que antes não
queriam retornar a escola, mas já querem ser Engenheiros
Agrônomos, já querem ser Veterinários.
A alternância, na verdade, tem dois momentos: um
241
Alternância
B
momento na propriedade com um monitor acompanhando e aqui o
momento de formação na Casa Família Rural. Mas eu considero o
momento mais importante é quando o monitor está na comunidade
família, porque é nesse momento que há a maior interação entre a
escola e a comunidade e é o momento em que o jovem está ali
praticando e que o monitor está ali acompanhando, ajudando o
jovem. E aí se começa a pensar nos projetos produtivos. É o
momento em que o monitor pode dar um acompanhamento mais
individualizado.
Às vezes, o jovem está com algum problema de
insegurança que a gente não consegue identificar, mas quando a
Alternância
gente vai à comunidade, quando a gente vai à casa dele, a gente
B
começa a perceber o que é que o jovem está passando... Às vezes é
algum problema familiar que está passando e está refletindo
negativamente no período que ele está aqui na alternância. Então
quando a gente vai lá na comunidade, no seio familiar, a gente
identifica, então fica mais fácil de trabalhar. Às vezes a gente se
pergunta até que ponto nós podemos entrar no problema da família?
Então é uma grande pergunta nossa. Por que às vezes a gente acaba
se envolvendo tanto que é como se nós fossemos parte da família e a
gente também tem que criar um limite. Porque a gente também tem
a nossa função de consultor, e o consultor tem também que ter
aquele olhar externo... E tem momentos que a gente tem que ser um
pouco pai desses jovens.
Percebe-se inicialmente nas falas acima, a importância da educação em
alternância. Para a diretora da escola “A” é possível destacar principalmente a relação
entre o tempo gasto no trajeto entre escola urbana e mundo rural: o tempo de trajeto
para grande parte do alunado rural é maior do que o tempo de estudo.
Consequentemente, esse é também um dos grandes problemas verificados em escolas
do meio rural de toda América Latina, Ásia e África, além de que a escola urbana não é
adaptada e nem formadora das compreensões necessárias ao campo, como fica bastante
evidente nas falas dos professores da escola “C”. Nesse contexto, a educação em
alternância se constitui também numa alternativa fundamental, no momento em que ela
resolve a problemática: distância – tempo de trajeto – tempo de escola.
Quando a diretora fala sobre o custo do transporte, ela afirma que a escola em
alternância é mais econômica do que a escola tradicional urbana, no que concerne ao
deslocamento entre campo e cidade, isso porque o custo do transporte supera em muito
os valores gastos com alunos do campo, estudando em escolas com regime de
alternância, além dos custos adicionais da própria escola tradicional, vejamos uma
242
conta rápida que a diretora desta escola faz: “Sai 10 horas da noite da escola e chega
uma da manhã em casa. Tem um grupo de alunos de Buerarema que pega três
transportes, caminha um trecho, aí pega, me parece, um jerico com uma carroça, aí leva
até a estrada central e dali o carro pega e leva pra Buerarema. E ele tem que fazer esse
trajeto de novo. Então ele sai 04h00min da tarde de casa pra começar a estudar
07h30min da noite, ou seja, ele passa 03h30min pra vir, 03h3min pra voltar, ele passa
7:00h no transporte pra estudar 4:00h por dia ou pra ficar na sala 4:00h... Fomos pra
ponta do lápis com a Secretária de Educação e ela disse, mas aí fica caro... como fica
caro? “Quanto é que vocês pagam de locação de transporte pra esses meninos? vocês
mandarem buscar e levar todos os dias? Quanto vocês pagariam pelo transporte desses
meninos a cada 15 dias”. Essa conta de horas que a diretora faz, é importante e
demonstra uma certa obviedade das constatações feitas por diversos setores da educação
tanto formal, quanto ligada a movimentos sociais e demonstra que a relação escolas
rurais-tempo de transporte e tempo de aprendizagem é uma falácia, já que a maior parte
deste tempo é gasto no trajeto e não na aprendizagem como deveria ser, e isso, sem
levar-se em consideração o preço da condução.
Outro dado interessante sobre o papel das escolas em regime de alternância no
Brasil é com relação à resolução aprovada a DOBEC 08 que dispõe sobre a utilização
do transporte escolar preferencialmente intracampo, ou seja, quando muito o transporte
deveria ser feito entre as comunidades rurais e não seguindo o modelo tradicional de
levar sempre os alunos para cidade como ocorre.
Além dos custos dos transportes já observados acima, entra aqui também a má
qualidade dos transportes e o clientelismo político, já destacado na nossa problemática,
o ônibus que levará os estudantes será o mesmo utilizado nas campanhas eleitorais dos
candidatos aliados a quem está no poder.
Para os setores ligados a essa perspectiva do transporte escolar intracampo se
encontra também o papel da identidade da criança rural, numa visão onde o fato de levar
as crianças, jovens e adolescentes para as escolas da cidade incorreria naturalmente num
processo de denegação da cultura e identidades locais, ocorrendo uma troca pelas
escolas e pela cultura urbana.
Numa outra ponta da fala da diretora, encontra-se a problemática família e
escola, cabendo aqui perguntar, por exemplo: qual a relação que as famílias dos
243
alternantes devem estabelecer com as escolas que estudam seus filhos? Um dado inicial
para explicar essa problemática estaria na origem dos alunos, bem distanciada da escola
onde estudam, em torno de 100 km aproximadamente. Isso revela o fato de que algumas
famílias lidam com o distanciamento e a pouca participação no desenvolvimento do
processo educacional da escola e, consequentemente, dos filhos, o que já é visto de
maneira comum nas escolas públicas brasileiras de uma maneira geral e que em certo
momento se revela também nesta escola em alternância: “Temos casos em que os
alunos foram pra escola estudaram durante 4 anos, viveram mais 3 anos fazendo ensino
médio e a mãe e o pai nunca visitaram a escola. Isso pra mim é a ausência da família
enquanto instituição educadora. Eu preciso saber em que espaço meu filho está
morando, minha filha está morando. Que é que minha filha está estudando? Onde é que
minha filha está dormindo? Agora nós sabemos que tudo isso é resultado da família
abrir mão das suas funções. A família abriu mão de todas as suas funções”.
O depoimento do diretor da escola “B” apresenta situações bastante
diferenciadas de desafios apresentados pela diretora da escola “A”, o que se explica, em
parte, pela estrutura que a escola possui. Deve-se considerar, também, o fato de que a
maioria dos alunos e comunidades envolvidas são filhos de pequenos proprietários
rurais, com um modo de vida e uma estrutura muito mais sedimentada do que a maioria
das famílias de alunos da escola “A”, geralmente de novos “assentados” rurais.
É preciso assinalar que a distância entre essa escola e as comunidades de origem
dos alunos são de aproximadamente 30 km. Talvez esse fato ajude a escola num
acompanhamento mais sistemático dos trabalhos comunitários e diferentemente do que
ocorre na escola “A” como, por exemplo, que enfrenta as dificuldades dos monitores no
acompanhamento das práticas comunitárias locais por conta da distancia e da falta de
recurso.
No caso da escola “B” o diretor chama a atenção para o acolhimento da família e
da comunidade durante as visitas dos monitores da escola: “Não existe reação negativa
por parte das famílias”. Vários elementos podem ser elencados e entendidos a partir da
importância da pedagogia da alternância na formação dos jovens do campo: um
primeiro, esse que reforça os laços entre a escola, a família e a comunidade; segundo,
esse que participa do desenvolvimento técnico e científico; terceiro esse em que a
família e a escola discutem de maneira sistemática a formação e o amadurecimento dos
jovens alternantes: “Eu considero que o momento mais importante é quando o monitor
244
está na comunidade familiar, porque é nesse momento que há a maior interação entre a
escola e a comunidade e é o momento em que o jovem está ali praticando e que o
monitor está ali acompanhando, ajudando o jovem. E aí se começa a pensar nos projetos
produtivos. É o momento em que o monitor pode dar um acompanhamento mais
individualizado”.
A pedagogia da alternância requer este alto nível de relacionamentos por parte
da escola, monitores, diretores e a família que segundo essa perspectiva pedagógica
seria a principal interessada no seu êxito educacional. Neste caso é possível afirmar que
a eficiência da alternância reside na qualidade dos relacionamentos existentes entre os
diversos atores na implementação das atividades e dos instrumentos próprios e
apropriados ao método, se tornando efetivamente uma pedagogia de relações entre
escola, comunidades, associações e as famílias dos adolescentes.
Neste contexto, os relacionamentos estabelecidos entre monitores, adolescentes
e familiares, devem ser considerado como fundamental construindo em sua práxis
educativa na construção do processo de equilíbrio e de direcionamentos para o futuro
dos jovens que deveriam se dar, é possível afirmar, a partir da metodologia própria da
alternância para o campo.
Nesse quesito, o diálogo entre a escola e as comunidades do seu entorno,
fortifica o “alto nível de motivação que se observa nos jovens estudantes”. Essas
motivações advêm do fato de que os jovens são confrontados, pela primeira vez em suas
vidas, com conteúdos (currículo) e inovações específicas para o lugar onde vivem. Isso
nos leva a perceber outra questão: a evasão escolar endêmica nas escolas públicas
tradicionais rurais do país estaria ligada, sem dúvida, à desconexão dos processos de
ensino/aprendizagem com a realidade dos alunos, o que não acontece na escola em
regime de alternância pesquisada.
8.3 – O financiamento e autonomia das CEFFAs:
Categoria
Escolas
Diretores
Existe um projeto de lei tentando que procura regulamentar
esta situação: primeiro não é uma coisa muito explicita, por que a lei o
que é que diz? Um dos artigos é: “compete ao Estado estabelecer
critérios com a ECOFABA e REFAISA para repasse de recursos para a
Financiamento, e
manutenção das EFAs.” O Quê que agente esta entendendo? Que
245
autonomia das CEFFAs
A
aprovado esse projeto então as duas redes deverão apresentar qual é a
sua demanda de recurso e imagino eu que em cima dessa demanda o
Estado vai estabelecer critérios com as duas redes do repasse de recurso
e da prestação de contas desses recursos e quem vai gerenciar são as
duas redes”
O PST para mim é o contrato mais humilhante que alguém
pode estabelecer com outro. Porque o PST foi criado? eu tenho
Financiamento, e
autonomia das CEFFAs
impressão que é pra casos extremos e agora se tornou uma prática
mesmo. Quer dizer um governo que pode tá abrindo concurso, mas uma
forma inclusive de não se comprometer e de não assumir com as
obrigações legais, as obrigações sociais. Estabelece um contrato de
A
prestação de serviço temporário, muito pior do que o REDA, porque o
REDA você sabe que você tem dois anos de contrato e você pode fazer
mais dois anos, você tem acesso aos benefícios do Estado, no caso da
professora você tem direito aos bônus: pó de giz, incentivo de sala de
aula, essas coisas, mas o PST você não tem nada disso, além do quê PST
Financiamento, e
autonomia das CEFFAs
não existe férias e não existe 13° salário.
Por exemplo, nas EFAs, ninguém trabalha 20 horas nas EFAs,
mas são 678,00 reais43 que você recebe a cada três meses. Aí passa três
meses e vai receber mais outro bloco de três meses, trabalha pra depois
comer. É um contrato humilhante. Tomara que no próximo ano seja
aprovado esse projeto de lei que estabelece que o Estado, junto com as
centrais, deva estabelecer critérios de repasse de recursos.
Se os recursos passam pela AECOFABA, há uma autonomia
maior, embora eu ache que a relação da escola com a DIREC pode ser
mantida, porque, de qualquer forma, a DIREC não é a responsável de
repasse de recurso. As DIRECs são as responsáveis pela orientação (se a
gente pode chamar), burocracia e educação. Vamos continuar tendo que
prestar contas às DIRECs, no senso escolar, pra formação, por que essas
coisas não podem ser desassociadas, “nós não somos um gueto”.
A
Se a gente pensar nas três centrais, então seriam as três
centrais (AECOFABA, REFAISA, ARCAFAR) talvez não as três, mas uma
central das três que iria gerenciar os recursos pra todo mundo.
____________________________________________________________
Infelizmente a Casa Família Rural, por ela não ter essa
Financiamento, e
autonomia das CEFFAs
autorização pra certificar... então quando o jovem passa três anos aqui e
se ele resolver continuar estudando, então ele vai ter que retornar para a
escola formal e começar novamente naquela série que ele parou. Então
isso de qualquer forma acaba atrasando um pouco a vida desses jovens.
Até como uma questão da própria sobrevivência da escola é
interessante que tenha a certificação, uma vez que é uma demanda dos
jovens – eles querem aprender, querem ter conhecimento, mas querem
43
Atualmente o salário mínimo corresponde a R$ 622,00 aproximadamente F$ 320,00
246
B
ter certificado que habilitem para poder prestar um concurso, ter que
prestar um vestibular; então é uma questão de sobrevivência até da
própria escola, mas o certificado profissional nós temos. Inclusive nós
temos instituições parceiras, como a MICHELIN a MARES/cacau, a própria
EMBRAPA, SENAR/SEBRAE, que promovem cursos que têm os
certificados e esses certificados, assim, pra aqueles jovens que estão
entrando no mercado de trabalho, é um certificado que, tendo essas
instituições como parceiras, então isso já conta bastante. A própria
escola tem certificado profissional, mas não habilita o jovem para passar
no vestibular; então, esse é o grande problema.
Eu tenho medo de isso acontecer, mas se não permitirmos
Financiamento, e
autonomia das CEFFAs,
que a certificação se sobreponha à profissionalização dos jovens, acho
B
que não vamos deixar isso acontecer e a metodologia da nossa proposta
vai ser a mesma: educação construtivista; os pais dos jovens participam
da formação desses jovens, até da própria gestão da Escola.
Assim, o que diferencia uma Casa Família Rural de outros
centros de formação por alternância é essa interação entre a Casa e a
família, a Casa e a comunidade... e essa essência a gente não quer
perder. E tem todos aqueles instrumentos utilizados na Pedagogia da
Alternância que vão passar por alguns ajustes para atender às exigências
oficiais.
Entre as questões fundamentais a serem resolvidas pelas EFA’s, no seu caminhar
futuro, está o problema do seu financiamento, do seu funcionamento e da sua
autonomia. A escola tenta resolver essa questão de muitas maneiras: aceitando
contribuições financeiras de entidades nacionais e estrangeiras, geralmente ONG’s.
No caso da escola “A”, a participação do Estado na garantia do pagamento dos
salários dos professores é fundamental, apesar de inseguro. Normalmente tudo é feito
através de contratos temporários, tais como o REDA e o PST 44. O REDA pode se
estender normalmente por dois anos, e o atual PST tem duração de apenas três meses,
sendo que, ao final dos três meses, a escola precisa retornar à DIREC para renovação do
contrato ou então recontratar outro professor.
Outro aspecto fundamental a ser tratado é que na sub-relação com a DIREC, a
escola fica numa situação de fragilidade muito grande: o professor/monitor que é
44
REDA - Regime de Direito Administrativo: criado pelo Estado para suprir temporariamente a
carência de professores.
PST: Prestação de Serviço Temporário. Normalmente com duração de três meses, o que causa
muita revolta e indignação na Diretora, pois precisa a cada final de contrato voltar a DIREC para renoválo ou tentar renová-lo por mais vezes.
247
enviado para a escola do campo vem normalmente sem nenhum perfil de educador do
campo (problema pedagógico), ou seja, completamente alheio às demandas relacionadas
com o perfil da escola. Por vezes, esses professores entram em conflito, como foi
observado e, depois de certo tempo, abandonam a escola que, mais uma vez, deve
procurar a imediata substituição. Então, convivendo com dilemas desse nível, como
pode a escola solucionar as questões mais fundamentais ligadas ao desenvolvimento do
seu eixo pedagógico?
Esse aspecto revela também uma das fragilidades das EFAs, no que concerne a
sua sobrevivência e manutenção. As indefinições por parte das políticas públicas para
assegurar os processos de continuidade dessas instituições tem sido, ao longo do tempo,
um dos elementos fundamentais no processo do seu desenvolvimento e da sua
estabilidade. A resolução CNE/CEB 1, de 3 de abril de 2002 do Conselho Nacional de
Educação, no seu Art. 3°, já entende que:
O poder público, considerando a magnitude da educação
escolar para o exercício da cidadania plena e para o
desenvolvimento de um país cujo paradigma tenha como
referências a justiça social, a solidariedade e o diálogo entre
todos, independente de sua inserção em áreas urbanas ou rurais,
deverá garantir a universalização do acesso da população do
campo à Educação Básica e à Educação Profissional de Nível
Técnico.
Nesse caso, mesmo já tendo um conjunto de proposições na direção das escolas
do campo regulamentadas pelo Estado, a formulação de uma proposta clara que garanta
o funcionamento definitivo das escolas engajadas em “alternância” ainda se constitui no
maior dilema a ser resolvido pela maioria dessas escolas.
Na época da entrevista, a escola “B” ainda não possuía a sua certificação, o que
veio acontecer um ano depois da nossa pesquisa. A certificação colocada pelo diretor da
escola “B” trata do reconhecimento do Estado de que essa instituição ou essas
instituições de ensino em alternância tem a capacidade de garantir uma formação
adequada aos jovens e por isso tem o direito pleno ao seu reconhecimento. Sendo assim,
ao final do término do período escolar os jovens egressos ao receberem o certificado
estariam qualificados para ingressar no mercado de trabalho, garantindo também a
continuidade dos seus estudos, o que não vinha acontecendo até então.
248
No momento atual, essa escola recebeu o direito a certificação com o ensino
médio, ou seja o reconhecimento por parte do Estado. Esse elemento também é
importante, já que uma parte importante de recursos que serão disponibilizados para
pagamentos de monitores e outras despesas correntes, virá de agora em diante dos
cofres do Estado. Mantêm neste caso as contribuições dos diversos parceiros técnicos já
citados acima e da sua principal parceira e financiadora a “Fundação Odebrecht”, de
onde provinha a maioria dos recursos para o seu funcionamento antes da certificação.
Esse fato provoca, em verdade, um grande debate para alguns autores e
militantes sociais ligados ao movimento das Escolas Famílias Agrícolas (EFAs e
CFRs): a certificação ou o reconhecimento por parte do Estado levaria as escolas à
perda da originalidade da sua proposta para uns e à ingerência por parte do Estado na
gestão e metodologias da das EFAs e CFRs, para outros e, no caso da nossa tese,
defendemos que o Estado deve sim assumir de forma concreta os seus deveres para com
a universalização da educação e a garantia plena e adequada da formação dos jovens em
alternância no meio rural. “Se não permitirmos que a certificação se sobreponha à
profissionalização dos jovens, acho que não vamos deixar isso acontecer e a
metodologia da nossa proposta vai ser a mesma: educação construtivista; os pais dos
jovens participam da formação desses jovens, até da própria gestão da escola”.
A inquietação do diretor aparece com a entrada das secretárias oficiais de
educação, que passam exigir adaptações curriculares e metodológicas, que podem
comprometer o modelo educacional em vigência nas escolas em alternância. Mas, para a
diretora da escola “A” esse problema deve também ser superado: “As DIRECs são as
responsáveis pela orientação (se a gente pode chamar), burocracia e educação”. Mas que
não é possível abrir mão dos recursos do Estado para o funcionamento das escolas e
propõe que: “As três centrais (AECOFABA, REFAISA, ARCAFAR) talvez não as três,
mas uma central das três que iria gerenciar os recursos pra todo mundo”. Concluindo
que as escolas em alternância devem estar abertas para a participação do Estado: “Essas
coisas não podem ser desassociadas, “nós não somos um gueto”.
249
8.4– Formação de professores para as escolas do campo:
Categoria
Escolas
Diretores
Por que estavam nas EFAs, não por opção, mas por falta
de opção. Então, na medida em que eu estou na EFA por falta de
Formação de professores
A
opção e eu me graduo e moro numa cidade onde ser graduada é ter
status e eu vejo uma possibilidade de eu continuar com esse status,
mas num outro espaço eu vou pro outro espaço, mesmo que eu não
tenha o mesmo respeito neste outro espaço, mas eu agora sou
graduada, então o que é que eu quero dando aula para filho de
camponês? Aí vem a lógica: quem são os professores que iam pra
roça até anteontem dar aula? Eram as pessoas que tinham ginásio
incompleto, que não tinham graduação, que não tinham nenhum
magistério.
Eu acredito que o engajamento é um processo; então, por
exemplo,
se
hoje
mantivéssemos
esse
convênio
com
as
universidades... mas quem precisa ser facilitado e ser admitido
nesses cursos são as pessoas que já têm uma prática, que têm esse
olhar pra educação do campo, que têm esse caminho, e de que por
Formação de professores
A
pura opção e que quer se qualificar pra fazer melhor seu trabalho.
Então, mas nos disseram que o bom era o industrializado e
é uma desvalorização do camponês, do campo. E quando eu
desvalorizo o camponês então eu desvalorizo tudo que se refere a
ele... Dar beiju pro menino levar pra escola, pra ver se ele leva? “Eu,
eu não vou levar isso pra escola, não”, porque o beiju está
relacionado à mandioca, que está relacionado ao pequeno agricultor,
que é tabaréu. Então no momento em que houver a valorização do
campo, é como o Nordeste, né? Então tudo que está referido ao
campo não presta. Por que eu compro chapinha pra passar no meu
cabelo? Meu cabelo não presta.
Não é tanto que não gosto da roça, é que ser da roça é um
estigma, é uma ofensa, porque ser da roça significa ser despojado de
muita coisa, mas no dia em que ser da roça for uma coisa chique,
todo mundo vai querer ser da roça. É como negro: até anteontem,
ser negro era ser marginal, mas na hora que é para entrar no sistema
de cotas, tem muita gente se transvestindo em ser negro.
_________________________________________________________
Nós temos os monitores fixos que são também
professores que estão aqui todos os dias, dormem aqui,
Formação de professores
B
compartilham alojamentos com os jovens. Tem os monitores
eventuais, que são os técnicos dessas instituições com quem nós
temos essas parcerias. Amanhã mesmo estamos tendo a visita do
SENAR e, a partir de setembro, eles vão estar vindo em todas as
250
alternâncias. As visitas são feitas praticamente todas as semanas nas
comunidades.
As falas da diretora da escola “A” revela o conjunto de complexidades que
cercam a formação dos professores para o campo: “Por que estavam nas EFAs, não por
opção, mas por falta de opção”. Então, na medida em que eu estou na EFA por falta de
opção e eu me graduo e moro numa cidade onde ser graduada é ter status e eu vejo uma
possibilidade de eu continuar com esse status, mas num outro espaço eu vou pro outro
espaço”. Mais à frente, a diretora fala do engajamento do professor ou do
comprometimento dele: “Eu acredito que o engajamento é um processo; então, por
exemplo, se hoje mantivéssemos esse convênio com as universidades... mas quem
precisa ser facilitado e ser admitido nesses cursos são as pessoas que já têm uma prática,
que têm esse olhar pra educação do campo, que têm esse caminho”.
Esse é ainda e será por algum tempo o dilema a ser enfrentado pelas escolas do
meio rural brasileiro. Aqui, é possível afirmar e corroborar com a fala da Diretora de
que a maioria dos professores formados nas universidades brasileiras não querem ou
não gostariam de atuar no campo. Neste caso, seria necessário entender que para se
pensar numa educação de qualidade para o campo é fundamental que se parta de uma
base concreta para a formação dos professores que devam atuar nas escolas do campo.
Outro aspecto que é preciso salientar: trata-se da questão salarial. Não é possível
entender o trabalho de educadores e educadoras do campo apenas como um
“sacerdócio”, mas enquanto compromisso e engajamento que merecem por sua vez, o
reconhecimento, o respeito e a remuneração adequada, pois de outra maneira , manterse-á a mesma problemática, essa de que os professores que atuam nas escolas do campo
são professores mal preparados e mal pagos o que seguramente inviabiliza uma
educação de qualidade para as pessoas do meio rural.
Outro elemento a se notar e que sustenta essa problemática está na denegação da
cultura camponesa, e isso se verifica não apenas na troca dos “alimentos agrícolas”
pelos alimentos “industrializados”, mas também na relação com a cultura camponesa e
na denegação do camponês enquanto ser. “E quando eu desvalorizo o camponês então
eu desvalorizo tudo que se refere a ele... Dar beiju pro menino levar pra escola, pra ver
se ele leva? “Eu, eu não vou levar isso pra escola, não”, porque o beiju está relacionado
à mandioca, que está relacionado ao pequeno agricultor, que é tabaréu. Então no
momento em que houver a valorização do campo, é como o Nordeste, né? Então tudo
251
que está referido ao campo não presta. Por que eu compro chapinha pra passar no meu
cabelo? Meu cabelo não presta. Não é tanto que não gosto da roça, é que ser da roça é
um estigma, é uma ofensa, porque ser da roça significa ser despojado de muita coisa,
mas no dia em que ser da roça for uma coisa chique, todo mundo vai querer ser da roça.
É como negro: até anteontem, ser negro era ser marginal, mas na hora que é para entrar
no sistema de cotas, tem muita gente se transvestindo em ser negro”. Há uma discussão
importante nessas falas, que permite refletir sobre o conjunto de complexidades que
cercam o trabalho educativo para o campo e nos faz retornar e refletir sobre nossa
questão de pesquisa, quando questionamos sobre qual o papel que as escolas do campo
pode desempenhar no reforço e no redesenhamento da cultura local?
Nesse caso, e mesmo com todo o esforço, a diretora entende que as mudanças
que deveriam ocorrer na vida das escolas do campo e no mundo das comunidades
envolvidas não estão ocorrendo de forma efetiva. Isso deve-se, essencialmente, ao tipo
de escola (currículos e metodologias) que temos, com um funcionamento distanciado do
contexto.
Na escola “B” as condições de trabalho e o nível salarial revela a diferença na
forma como os docentes poderiam encarar a zona rural. Aqui, pelo alto nível salarial e
pelas condições de trabalho, não existe descontentamento e os professores e monitores
são motivados, não havendo pelo que se constata na escola “A” o dilema enfrentado
pelos professores dos estabelecimentos do campo.
8.5– O acesso a terra:
Categoria
Escola
Diretores
Existe muita terra no Brasil, então deve-se ocupar a terra,
nossos alunos não tem dinheiro para comprar a terra e esse é um
O acesso a terra
A
patrimônio que precisa ser socializado. A maioria do nosso alunado vem
de assentamentos.
___________________________________________________________
A questão fundiária é uma questão muito complexa, por que
assim... a preocupação da escola é com a educação, é formar os jovens,
mas a gente acaba encarando essa problemática dos jovens que não
têm propriedade, que não têm a terra. Então, às vezes, quando a gente
forma um jovem que não tem terra, aí esse jovem fica meio frustrado,
porque ele tem o conhecimento, mas não tem a terra. Ele quer ser
252
empresário rural, mas não tem empresa, então fica assim bem
complicado; tanto é que para podermos alcançar os nossos objetivos,
entramos agora com um critério de seleção, que não é uma coisa que
existe no papel, mas que é uma coisa que, durante a seleção, temos que
observar essa questão da terra. E como a nossa metodologia é aprender
fazendo a teoria a serviço da prática, então temos que pegar jovens que
tenham propriedade pra poder praticar, porque só assim vamos estar
O acesso a terra
B
formando pessoas que vão estar contribuindo com a sua comunidade.
Porque tudo aqui é na base do exemplo: se o jovem aprende uma coisa
aqui, ele chega na propriedade, aplica e dá certo, aí acaba influenciando
os vizinhos. Mas quando o jovem aprende aqui e não tem onde aplicar
aquele conhecimento, acaba morrendo ali, não tem o efeito
multiplicador de um jovem que tem onde estar aplicando seus
conhecimentos.
Existe no Brasil um programa Nacional de Crédito Fundiário.
É o recurso para aquisição de terra também e nós os monitores
tomamos a capacitação com o MDA e foi formalizado com algumas
associações, mas infelizmente o sonho da terra não foi concretizado por
conta de algumas questões burocráticas do nosso programa. Parece
que esse programa foi criado para não dar certo. Então aqui no Baixo
Sul tem um grande problema de demarcação fundiária; então a maioria
das propriedades não tem a documentação. Aqui é uma região que se
formou com muitas propriedades a partir de terras devolutas. Então
para você pleitear alguma propriedade dessas, ela tem que estar “toda
em dia”, e aqui é a maior ocorrência de propriedades sem
O acesso a terra
B
documentação. Aí as pessoas – “posseiros” – que dizem tomar conta
dessas áreas, e disso foi passando de pai pra filho, e hoje o que nós
encontramos é um monte de propriedades rurais sem nenhuma
documentação. Então, no caso do Baixo Sul da Bahia, isso dificulta
bastante, porque são muitos documentos, são documentos da terra,
documentos do proprietário e até o proprietário tem pendência, ou a
propriedade tem uma dívida no banco que não foi paga; então isso tudo
acaba se tornando entrave.
Como aqui tem um trabalho, que de qualquer forma é de
inclusão social, então em nenhum momento quisemos excluir um jovem
porque ele não tinha terra.
A gente começou a perceber que esses jovens que apenas
O acesso a terra
B
residiam na zona rural, mas não tinham terra, então às vezes, a gente
estava até prejudicando esses jovens, porque eles passavam três anos
aqui na Casa e depois que se formava, e aí? De que valeu esses três
anos aqui? Então, penso que esses jovens poderiam estar fazendo outra
coisa, poderia estar sendo descoberto por outra instituição, poderia
estar fazendo outra coisa que fosse melhor pra sua vida. Então esse
jovem que não tem propriedade e vem passar três anos aqui na casa
[...].
253
Essa categoria emerge da necessidade de entender que a fixação do jovem do
campo ao campo requer também a disponibilidade de áreas cultiváveis para que ele
possa permanecer no campo.
Durante o processo de pesquisa, essa questão foi se revelando e tomando a sua
importância no corpus da tese. Um dos primeiros elementos notados seria o de que nem
todos os jovens que se dirigem às escolas em alternância possuíam uma quantidade de
terra suficiente para a sua continuidade no campo. Neste caso, e esse fenômeno
corresponde a grande maioria dos jovens oriundos da agricultura familiar que vivem no
campo, a quantidade de terras que a maioria das famílias possui não corresponde à
capacidade de empregabilidade das gerações futuras, é o que se notou. Retomando a
frase da nossa problemática sobre a questão agrária: “no Brasil existe muita terra para
pouca gente e muita gente sem terra”. A totalidade dos alunos das escolas pesquisadas e
neste caso incluindo também a escola “C”, vive em minifúndios, onde há excesso de
mão de obra e as áreas já estão completamente cultivadas. Então, como pergunta o
diretor da escola “B” sobre o que fazer em caso dos jovens que procuram a escola, mas
não tem terra para dar continuidade aos seus projetos e as experimentações aprendidas
no interior da escola? Neste caso, as escolas em alternância e as escolas do meio rural
vivem uma catarse que é ao mesmo tempo se investir da ideia de garantir uma formação
adequada para que os jovens do campo permaneçam no campo, e ao mesmo tempo,
compreender que a quantidade de terras disponíveis numa determinada área onde a
escola tem influência é insuficiente para garantir a fixação desses jovens e evitar o
êxodo rural.
No caso, a diretora da escola “A” ela defende claramente a ocupação de terras
como forma de resolver o problema.
Um elemento a ser observado está no fato de que as antigas famílias das
comunidades envolvidas já não possuíam uma quantidade suficiente de terras e que as
terras disponíveis foram suficiente para a sobrevivência de sua família original, mas “os
filhos crescem” e a área completamente ocupada não permite a divisão das terras com
os novos descendentes que também precisam de terras para continuar suas vidas.
A importância de terras disponíveis para a juventude inseridas nas escolas em
alternância no meio rural não pode ser negligenciada e a emergência dessa categoria
254
revela a importância que ela tem no desenrolar dos processos de educação para o
campo.
No caso das famílias dos alunos da escola “B” foi possível constatar que a
maioria dos alunos possui, junto com suas famílias, uma quantidade muito pequena de
terra – entre 1 e 5 hectares. Esse elemento revela por sua vez um dilema frequente entre
os envolvidos e aparece nas falas, tanto dos alunos quanto dos monitores como um
problema a ser enfrentado por essa escola e por escolas do meio rural como um todo.
Para a escola “B” o acesso à terra é tomado a partir de uma visão legal do direito
privado, que envolveria as relações com os proprietários e a capacidade dos alunos em
adquirir a terra, a partir da compra, mas para a nossa pesquisa isso se revelou infrutífera
já que as relações de documentação para os créditos fundiários e a aquisição de terras
torna essa situação praticamente impossível.
Assim, como as condições de aquisição da terra não são favoráveis, por conta da
burocracia dos financiamentos e de terras disponíveis, vive-se o risco de não ver
realizado um conjunto de aprendizagens ligadas ao trabalho com o campo, garantidas
pela escola durante o período de formação dos jovens, por conta de que uma boa parte
dos alunos, ao finalizar o curso acaba ficando sem terra: “Porque tudo aqui é na base do
exemplo: se o jovem aprende uma coisa aqui, ele chega na propriedade, aplica e dá
certo, aí acaba influenciando os vizinhos. Mas quando o jovem aprende aqui e não tem
onde aplicar aquele conhecimento, acaba morrendo ali, não tem o efeito multiplicador
de um jovem que tem onde estar aplicando seus conhecimentos”.
O diretor da escola “B” reclama do alto nível de burocracia que cerca a liberação
de crédito: “Existe no Brasil um programa Nacional de Crédito Fundiário mas,
infelizmente, o sonho da terra não foi concretizado por conta de algumas questões
burocráticas do nosso programa. Aqui no Baixo Sul tem um grande problema de
demarcação fundiária; então a maioria das propriedades não tem a documentação. Aqui
é uma região que se formou com muitas propriedades a partir de terras devolutas...”
Neste caso, dois elementos corroboram com o insucesso na aquisição de terra para os
jovens alternantes: o alto nível de burocracia dos programas governamentais e a
inadequação documental das propriedades que poderiam ser compradas com esse fundo.
255
8.6 – Análises das entrevistas com a Diretora da escola “C”:
A entrevista foi realizada na sala da diretora e teve duração de aproximadamente
45 minutos. A diretora é originária da mesma região da Escola, um fato relevante a ser
destacado, e tem formação em Pedagogia. Na perspectiva desta pesquisa, estava o fato
de que essa escola pública rural, assim como uma grande parcela das escolas rurais
públicas, carece de mudanças profundas em seu redirecionamento e adaptação às
comunidades locais. Nesse caso, o eixo de categorias que permite demonstrar essa
realidade se situa em torno das ambiguidades entre a escola urbana e rural e o
calendário escolar.
8.7– A escola urbana e a escola rural de educação de base:
Infelizmente é assim, a escola da zona rural é encarada como uma escola da zona
urbana, e aí eu sou filha da zona rural e eu sei dos defeitos que é causado por essa escola, o
constrangimento. Hoje até que os alunos têm escola na zona rural, mas na minha época tinha
que me deslocar daqui pra Valença todos os dias e é assim... os currículos muito urbanos.
Tudo, a estrutura da escola é urbana, então eu estou começando a gostar desse tema,
(alternância). Tem uma Professora aqui que está estudando esse tema; ela trouxe a resolução
e nós estávamos lendo... Interessante, eu acho que é isso que temos que se apegar agora,
principalmente nós que estamos aqui na zona rural, buscar uma nova alternativa, um conceito
de educação para a zona rural. Tem que se fazer alguma coisa, tem que mudar, pois já não dá
mais esse currículo que a gente tem ser aplicado para ao aluno da zona rural. (Diretora,esc.C)
Tem a questão do calendário escolar para atender a necessidade, né? Você vê
quando chega aqui os meses de novembro e dezembro, o número de alunos diminui
sensivelmente; são os alunos que evadem no final do ano, no final da unidade, por quê? Por
causa da colheita do cravo; então a escola não apreende essa necessidade, e não podemos
dizer ao aluno “não vá”. É impossível dizer isso; é a roça do pai dele e ele tem que ajudar a
família e ele tem que estar lá; ele deixa de assistir aula pra está lá com o pai dele. E ainda tem
os períodos chuvosos, que às vezes a gente não está com as salas completas. (Diretora,esc.C)
Hoje mesmo não tinha tantos alunos, não por causa que choveu, mas o transporte
que quebrou. Dois ônibus (é preciso refletir sobre a qualidade dos ônibus) à tarde. Tinha sala
com 7 alunos, e quando chove piora. (Diretora,esc.C)
A diretora lamenta o fato de a escola não ter um redirecionamento para
conteúdos específicos de escolas do campo. Infelizmente esse é um problema
encontrado na maioria das escolas rurais do Brasil.
256
Um dos aspectos constatados em outros estabelecimentos de ensino rural do país
– é esse do calendário escolar completamente dissociado da realidade da comunidade.
Isso corrobora com a elevada taxa de evasão, o que piora durante os períodos chuvosos
e de colheita do “cravo”, por exemplo.
257
258
CAPÍTULO IX
259
9 – Ex-alunos e pais de alunos avaliam o desenvolvimento a
sustentabilidade e a alternância
A pesquisa tanto com os ex-alunos da escola “A” quanto com os ex-alunos da
escola “B” obedece ao mesmo padrão de questões, a saber: o desenvolvimento da
sustentabilidade comunitária e inovações; o percurso e a vivência nas escolas em
alternância em estudo: a práxis (teoria-prática em alternância); a realidade profissional
depois do período escolar em alternância; a relação com a comunidade de origem e com
o mundo rural e quais projetos vislumbrados no futuro desses jovens egressos. Por fim e
dentro da dinamicidade da nossa tese, emerge mais uma vez a categoria gênero entre os
ex-alunos da escola “A”.
Aqui, é possível afirmar que a compreensão deste conjunto de indagações
citadas acima, nos permite analisar a dimensão do desenvolvimento do processo
educacional nas duas escolas em regime alternância em estudo.
Os ex-alunos foram localizados: da escola “A”: (3) no assentamento onde
viviam antes do período escola; (4) agregados à escola concluindo o ensino médio; (2)
no serviço de assessoria agrícola da Prefeitura do Município de Igrapiúna. Um estudante
de Agronomia e visitava o assentamento durante o momento em que efetuávamos a
pesquisa. Já os ex-alunos da escola “B” num total de 8 foram localizados
majoritariamente na
cidade de Presidente Tancredo Neves onde estão vivendo e
trabalhando e um foi localizado na própria escola.
Sobre os ex-alunos da escola “A” e considerando que uma parte deles residem
com suas famílias nos assentamentos, conseguimos localizá-los sem problemas a partir
da indicação dos responsáveis pela escola. Mas para alguns desses egressos, a falta de
escolas próximas aos assentamentos cria enormes dificuldades em continuar os estudos
fazendo com que ao concluírem o seu período de escolarização na EFA, permaneçam
por mais algum tempo vivendo na escola. Isso se explica pela distância e pelo transporte
ao retornarem a sua comunidade.
Apesar de situar-se na zona rural, a sua distância é bastante pequena da cidade
de Ilhéus, apenas 5 km. Então, para o caso de alguns estudantes, a direção da escola
propôs para alguns ex-alunos que ali permanecessem, contribuindo com as atividades da
escola. Essas atividades vão desde a manutenção e a limpeza até mesmo ao suporte e à
assistência aos professores monitores em suas aulas.
260
9.1– A sustentabilidade comunitária:
Categoria
Escola
Ex-alunos
Aqui a gente aprende muita coisa, por que além das
matérias que existem nas escolas estaduais, a gente tem também
Sustentabilidade
comunitária
A
outras matérias ligadas ao campo, ligadas ao meio ambiente; então
aqui a gente, por exemplo, aprende que devemos utilizar na terra o
adubo orgânico e não adubo químico. Mas para levar isso para
nossas famílias, é um pouco difícil, porque eles já estão
acostumados a usar o adubo químico e não querem trocar, porque o
adubo orgânico é um processo mais lento e eles querem resultados
imediatos. (ent. 2)
Sustentabilidade
comunitária
A
Aí não são muitos os que conseguiram colocar em prática
os conhecimentos que aprenderam na escola, mas o que
conseguiram colocar em prática de como trabalhar, não vou dizer
que conseguimos modificar 100%, mas da minha turma, uns 70%, a
gente já pode garantir que teve mudanças e que aprenderam as
novas técnicas, ou resgataram uma forma melhor de se fazer o
cultivo. (ent. 3)
Aqui tudo o que a gente aprende é ligado ao campo, à
preservação do meio ambiente. (ent. 5)
________________________________________________________
O conjunto de conhecimentos adquiridos aqui foi
fundamental para a mudança de atitude em relação ao trabalho na
B
roça. (ent. 4)
Ajudou muito a melhorar as técnicas de cultivo do solo,
mas é complicado quando você está dependente de capitais
Sustentabilidade
comunitária
exteriores para financiar os projetos em sua propriedade. É o caso
da minha mãe, ela só consegue avançar tomando empréstimos
bancários. (ent. 5)
Principalmente no cacau, a partir das inovações na
adubação da nossa propriedade, houve um ganho substancial no
aumento da produção. (ent. 2)
B
Do ponto de vista da adubação, aprendi a fazer análise de
solo, entender qual a quantidade para evitar perdas, aprendi a fazer
hortas... teve um ganho substancial. A comunidade mudou a partir
dos seminários. (ent. 4)
Melhoramos os métodos de plantio, aumentando a
produção agrícola e consequentemente a renda familiar. (ent. 9)
Desde que comecei a participar desse projeto, tudo
261
começou a mudar... a comunicação com minha família e com minha
comunidade, quando a produção teve um aumento não tão
relevante, pois não quis mudar totalmente seu estilo de agricultor.
(ent. 10)
Uma primeira tomada de posição entre os alunos está no fato de a escola ter um
currículo e uma metodologia “adaptada ao contexto” onde eles estão vivendo. Mesmo
que o currículo e a metodologia ainda precisem de avanços significativos, ainda assim é
o que se encontra de mais próximo da realidade do alunado.
Neste ponto, os depoimentos dos ex-alunos como é possível observar-se, trata-se
de uma resposta às escolas do meio rural distanciadas da realidade dos alunos como
comumente vemos em todo o território brasileiro.
Através de seus depoimentos, observamos que, a partir do momento em que
esses jovens começaram a estudar na escola, muita coisa mudou em suas vidas.
Segundo os egressos da escola “A”, e no que se pode notar nas falas acima, a escola fez
com que eles olhassem o mundo de outra maneira, com engajamento e perspectivas
profissionais futuras. Passaram a ter outra relação com a preservação do meio ambiente,
como por exemplo, ensinando/aprendendo em suas comunidades as técnicas de
adubação orgânica e a preservação da floresta. Além disso, a escola contribuiu para o
crescimento deles como seres humanos e no convívio harmonioso com as outras
pessoas.
A sustentabilidade comunitária aparece naquilo que envolve diretamente a
sustentabilidade das famílias, ou seja, a relação com técnicas de cultivo e manejo. Esses
por sua vez dentro de uma perspectiva biossustentável que combina práticas
agroecológicas e o desenvolvimento das diversas culturas agrícolas consideradas
importantes para a sustentabilidade das famílias de agricultores de baixo poder de
compra.
A escola, a partir dos seus multiplicadores (alunos-monitores) intervém nos
processos de cultivo levando em consideração principalmente a relação com o meio
ambiente e a ecologia (agroecologia e agrosilvicultura). Os processos de cultivo e
“manejo”, além de se preocuparem com o desenvolvimento e a sustentabilidade das
famílias e das comunidades a longo prazo, no que foi observado, levam em
consideração também a importância de uma produção de alimentos, normalmente
262
produzidos em pequenas parcelas de terra da propriedade familiar, que contribuem
decisivamente com uma atitude baseada na segurança alimentar das famílias e da
comunidade. É fundamental que este aspecto fosse observado e seria crucial se as práxis
educacionais de escolas do meio rural também interviessem desta maneira.
A pedagogia em alternância no meio rural, neste caso, assume o seu papel
enquanto pedagogia da terra. Nesse sentido, observou-se que mesmo a resistência
comum entre os pais é vencida paulatinamente ao longo do percurso escolar, e, assim,
aquilo que se apresentava como resistência às inovações trazidas pelos alunos, passa aos
poucos ser concebido como possibilidade de melhoria de ganhos na sustentabilidade dos
agricultores e de suas famílias.
O convencionalismo das propostas de adubação veiculadas pela escola “B”
facilita a relação no processo produtivo entre as famílias ligadas a essa escola. Percebese claramente a diferença e as dificuldades iniciais na maneira como os pais dos alunos
da escola “A” encaram as inovações trazidas pelos filhos: “Mas para levar isso para
nossas famílias, é um pouco difícil, porque eles já estão acostumados a usar o adubo
químico e não querem trocar, porque o adubo orgânico é um processo mais lento e eles
querem resultados imediatos”.
Já o ajuste no método de adubação químico vivido no entorno das comunidades
influenciadas pelas práticas agrícolas da escola “B” representa um ganho imediato para
as famílias e para as comunidades em termos de aumento de produção, assim, é possível
perceber no caso de algumas famílias, que existe uma atitude positiva em relação às
inovações trazidas pelos estudantes, agora ex-alunos dessa escola, como nesta
afirmação: “Meus pais passaram a me perguntar sobre as técnicas, a utilizar para o
plantio dessa ou daquela cultura”.
As nossas observações de campo demonstraram que com o tempo, os alunos das
duas escolas em regime de alternância passam a ter papel decisivo na melhoria das
condições de produção das suas famílias e de suas comunidades, fazendo junto com a
família uma espécie de recompreensão das técnicas de cultivo e manejo agrícola.
263
9.2– Alternância nas escolas A e B:
Categoria
Escola
1.1.33 -
Ex-Alunos
Pra mim, o meu percurso na escola foi bastante
significante, porque independente de que eu fosse fazer um
curso técnico ou não, eu ia tá sempre querendo morar no
campo, e lá já dava um suporte no reforço da minha identidade
Alternância
A
enquanto homem do campo. Na minha vida, mudou muita coisa,
eu passei a olhar o mundo de outras formas (ent. 2).
A alternância era bom porque a gente estava sempre
presente na comunidade. A comunidade e, depois, mesmo
estando na comunidade, eu tinha cobrança mesmo da
comunidade e eu não era visto como aquele aluno da escola
tradicional
[...]
Aluno
de
escola
família
tem
outra
responsabilidade, a cobrança vem [...] E aí vai ter um evento da
Alternância
A
Igreja, tem que tá lá participando. E a comunidade pergunta: “e
aí, cadê os meninos?” Mesmo que a gente não deixasse de
participar, mas a gente sentia que era comentada a nossa
participação porque a cobrança vinha maior pra gente. Eles
esperavam da gente algo mais do que dos outros meninos. (ent.
1)
Então vamos supor assim: a chance que a gente teve
A
de estar na escola agrícola foi a base, por exemplo, para fazer
um curso técnico. E pessoas que fizeram a escola agrícola, que
cursaram agropecuária e estão trabalhando em algumas
entidades, por exemplo... uns já têm curso de enfermagem,
outros estão fazendo agronomia, tem outros fazendo outros
cursos, então facilita de alguma forma os nossos projetos de
vida e continuar os estudos. (ent. 1)
_____________________________________________________
O regime de alternância é muito importante; acredito
até que é uma forma de melhoramento na educação para o
campo, já que vivemos realidades diferentes da cidade. (ent. 5)
Considero bom, mas nem todo conhecimento é
possível de aplicar; temos o problema da terra mais as
diferentes culturas. (ent. 1)
Alternância
B
Na verdade, a escola teve um papel muito importante
na minha vida. Parte do ser humano que eu sou hoje, eu
agradeço à escola, eu não me arrependo de ter passado três
anos lá, porém eu esperava um pós... mas eu não me arrependo.
(ent. 9)
Fundamental a possibilidade de colocar em prática
imediatamente todo o aprendizado. Eu descobri que é possível
264
viver na roça, pela escola. Eu continuo aqui pelo que eu aprendi
na escola, se não já teria ido embora, hoje eu tenho orgulho de
dizer que vivo no campo. (ent. 4)
Alternância
B
Achei bom. Não tínhamos quase técnica nenhuma;
tudo foi aprendido na escola. Considero fundamental o meu
aprendizado na escola. É o que possibilita a continuidade do
meu trabalho na propriedade da minha família e, do ponto de
vista do meu desenvolvimento intelectual, eu não seria a mesma
se não passasse pela escola. (ent. 3)
Nota-se, nas falas acima, um alto nível de motivação dos ex-alunos com relação
às suas vivências em regime de alternância, e isso ocorre, como demonstrado nas falas
acima, entre os ex-alunos das duas escolas pesquisadas.
Algumas variáveis permeiam essa motivação dos ex-alunos:
Uma primeira variável estaria no melhoramento das técnicas de cultivo e
manejo evidenciado de maneira repetitiva pelos jovens, levando-os a
uma compreensão mais sistemática dos processos de produção e manejo
agrícola: “Não tínhamos quase técnica nenhuma; tudo foi aprendido na
escola. Considero fundamental o meu aprendizado na escola. É o que
possibilita a continuidade do meu trabalho na propriedade da minha
família e, do ponto de vista do meu desenvolvimento intelectual, eu não
seria a mesma se não passasse pela escola”.
(ex-alu.esc.B).
Mais a frente,
porque permite, para alguns, que já desejavam a sua fixação no meio
rural a efetivação deste projeto: agora, se tornava cada vez mais possível
graças às técnicas modernas e experimentadas de manejo agrícola
apreendidos na escola. Esses elementos nos permitem também avaliar
que a relação entre ir e ficar na terra depende em muito das condições
que são oferecidas aos que desejam lá permanecerem.
A alternância, aqui, se torna uma pedagogia da terra, ainda que com
contornos fundamentais para a formação da pessoa humana, como
evidenciado em algumas falas... A relação com o saber próprio e
apropriado para o campo, enquanto pedagogia indígena se torna o fator
mais relevante nos ensinamentos da vivência na escola. Essa questão
responde às nossas inquietações sobre a educação mais adequada para o
265
meio rural, ao reafirmar, como é possível ver acima, que a vivência dos
jovens em escolas em alternância engajadas para a melhoria do meio
rural é mais consequente que a vivência dos alunos de escolas
tradicionais nas zonas rurais.
Uma segunda variável: percebe-se também a pedagogia como pertinente
para a adolescência, como já afirma alguns autores. O aluno (jovem) da
escola em alternância não é concebido como um aluno ordinário de
escola pública da cidade ou do campo, mas como um ser em movimento
que participa, que ajuda, que comunica e que assume responsabilidades
importantes no seio comunitário e familiar: “Depois, mesmo estando na
comunidade, eu tinha cobrança mesmo da comunidade e eu não era visto
como aquele aluno da escola tradicional [...] Aluno de escola família tem
outra responsabilidade, a cobrança vem [...] E aí vai ter um evento da
Igreja, tem que tá lá participando. E a comunidade pergunta: “e aí, cadê
os meninos?”
A terceira variável e talvez a mais importante a ser destacada entre os exalunos na pedagogia da alternância no meio rural está no reforço da
identidade do homem do campo: Eu ia tá sempre querendo morar no
campo, e lá já dava um suporte no reforço da minha identidade enquanto
homem do campo. Na minha vida, mudou muita coisa, eu passei a olhar
o mundo de outras formas”. (ent.alu.esc. “A”). As escolas tanto a “A” quanto a
“B” se colocam de maneira decisiva no reforço da cultura camponesa e
na formação das identidades singulares dos jovens, onde a relação com
as culturas dos povos do lugar são tomadas para a construção de
identidades próprias e apropriadas aos jovens que lá estudam.
266
9.3– A vivência dos jovens que estudaram em regime de alternância
(escola “A e B” ex-alunos):
Categoria
Escola
Ex-alunos
Depois, quando saí da escola, não tinha uma certeza
pra onde ia estudar. Aí a gente enfrentou o supletivo; tivemos
apoio, dinheiro da passagem, mas teve um momento em que a
gente não estava tendo um bom resultado, muita coisa. Aí em
Vivencia em alternância
A
2000 a gente foi pra EMARC, a gente conseguiu um projeto de
apoio, que foi uma bolsa do “KMB”, e a gente foi para a EMARC;
ficamos três anos lá também; quando voltamos de lá, tínhamos
sempre a preocupação em estar servindo a carência, a falta de
assistência técnica nas comunidades e a gente não pretendia
sair de lá da EMARC, mesmo que a EMARC tinha um papel de
formar mão de obra, preparar mão de obra pras grandes
A
empresas. Mas, com toda convivência e com todo o processo de
formação que passamos antes, não queríamos ir para uma
grande empresa para trabalhar. (ent. 1)
Eu, por exemplo, vou prestar vestibular já no ano que
vem para Medicina Veterinária e pretendo continuar. (ent. 5)
Eu costumo pensar assim, a gente nunca tá pronto. A
gente tem que tá sempre correndo atrás de mais conhecimento,
se especializando mais e mais, não importa em que curso.
Porque a pessoa pode ter várias graduações, mas nunca tá
completa. (ent. 6)
Vivencia em alternância
A
Fiz recentemente o projeto pelo REDA junto a
SEAGRI45 e estou com projeto de trabalhar com a agricultura
familiar. (ent. 1)
Eu estou também com essa possibilidade de fazer o
curso de agronomia lá em Arataca pela UFBA-MST46; já fiz a
primeira etapa agora, estou começando à segunda agora em
setembro e também fiz esse trabalho pelo REDA na SEGRI. (ent.
2)
A escola respeita sim. Eu, por exemplo, estou com o
cabelo curto hoje, mas o meu cabelo era maior. Aqui a gente
tem aula de capoeira... A escola não interfere na cultura de
ninguém, não; do jeito que a gente entra, a gente continua. (ent.
3)
Aprendemos uma quantidade de coisas ligadas à
nossa cultura; a escola também trabalha o conhecimento
45
SEAGRI – Secretaria Estadual de Agricultura/Bahia.
O aluno se refere ao convênio firmado entre UFBA-MST: Universidade Federal da Bahia e
Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, para formação de Agrônomos em áreas de assentamentos.
46
267
espiritual, a capoeira e a dança. (ent. 4)
_____________________________________________________
Houve muita resistência por parte da família, não
Vivencia em alternância
B
dando espaços para uma nova técnica, porque tem aquela
questão: “ah! meu pai fez assim e nunca deu errado; então eu
vou continuar a fazer da mesma forma” e aí tem aquela
resistência; então se você não conseguiu fazer uma área de
experimento, aí eles não acreditam; então para mim tem essas
dificuldades.
Trabalhávamos a criação, agricultura, enfim; então o
que fazíamos era não chegar lá e ir impondo; a gente tinha um
local de experimento, pra ver a diferença também. Assim... eu
achei assim... na minha família, que houve algum resultado
positivo, até hoje mesmo está. (ent. 2)
Eu concordo e acho que... assim... quando eu fui pra
EFA, eu tinha uma dificuldade muito grande de me relacionar
com meu pai. E lá, através da convivência com colegas e
Vivencia em alternância
B
professores, eu podia estar sempre colhendo informações, eu
era inseguro, e isso veio aumentar a minha autoestima e a forma
de eu me ver também, melhorou bastante. E aí, pra mim, talvez
se eu não tivesse ido pra EFA e ido pra outra escola ou região, eu
não estaria aqui com todos esses projetos, estaria numa
periferia ou talvez na roça, repetindo. Então pra mim a EFA tem
uma participação muito grande no que hoje eu me vejo, como
sujeito e com minha forma de pensar hoje. (ent. 2)
Vivencia em alternância
B
Quando trazemos algum elemento novo para a
comunidade, escutamos os pais e a comunidade e os pais
dizerem “mas eu trabalhei assim durante anos” [...]. (ent. 3)
A comunidade e meus pais tinham uma resistência
enorme e insistiam na forma tradicional de aplicar os recursos.
Com a escola aprendi a fazer podas, a aplicar melhor os recursos
na área e isso mudou a forma deles verem. (ent. 4)
Os ex-alunos das duas escolas em alternância concordam, de uma maneira geral,
que o tempo de vivência na escola em regime de alternância lhes proporcionou uma
formação coerente com a sua identidade de “ser do campo”, garantiu-lhes um
desenvolvimento profissional e técnico, além de ter lhes dado um entendimento moral e
intelectual consistente.
Duas variáveis da categoria “vivência” na escola em alternância aparecem
durante as falas dos ex-alunos: primeiro a relação de conflitos que se situaram no
entorno da família dos alternantes por conta das inovações trazidas para a propriedade
268
familiar e para a comunidade de um modo geral; e segundo a perspectiva de
continuidade dos projetos dos alternantes, principalmente ligando-os ao estudo e
trabalho.
 Sobre a reação e o conflito com os pais na relação com as inovações:
num primeiro momento, vê-se nas falas dos egressos a tentativa de passar
para suas famílias e comunidades aquilo que eles aprendem na escola de
uma maneira imediata. Porém, o conhecimento tradicional dos pais e dos
adultos da comunidade e a troca de conhecimentos e inovações com a
escola nem sempre são bem vistas, ou bem entendidas. Observamos que
há, em princípio, resistências e conflitos, precisando estes
serem
avaliados e acompanhados de perto pela própria escola nas visitas,
dirimindo as dúvidas e evitando os confrontos possíveis entre alunos,
pais e comunidade.
Neste contexto, é possível compreender a importância do acompanhamento dos
monitores no campo. Eles são também parte do processo dialógico e comunicativo entre
pais e escolas, pois pelo que se pôde observar as relações de vivência dos alunos nem
sempre são bem sucedidas no ambiente comunitário/familiar nem bem digeridas no
interior da escola. Mas, ao longo do tempo, o conflito é substituído pela troca entre
ambas as partes. Portanto, a importância do monitor não pode nem deve se limitar ao
treinamento puramente técnico dos alunos, mas daquele que por vezes tem o papel
fundamental de estabelecer o diálogo entre a comunidade e a escola.
O aluno em alternância é um aluno que se encontra no meio de relações,
encontro e confrontações como afirmara Gimonet (2007). Nesse mundo relacional, é
fundamental a atitude dialógica que a escola em regime de alternância em sua extensão
deve estabelecer com os pais e a comunidade e é na aplicação desses caminhos que se
estabelecem as relações de equilíbrio entre família, aluno, escola e comunidade,
equilíbrio esse fundamental para o desenvolvimento do alternante. É, pois, no
estabelecimento do diálogo e na intervenção dos monitores que as diferenças são aos
poucos dirimidas e as relações entre famílias e alternantes equilibradas e esse elemento
vale para as observações feitas nas duas escolas em alternância.
Neste sentido, é também pertinente destacar a fala do ex-aluno ao elogiar o fato
de que na escola as suas atitudes em relação ao uso do cabelo também foram
269
respeitadas: Aqui a gente tem aula de capoeira... A escola não interfere na cultura de
ninguém, não; do jeito que a gente entra, a gente continua. (ent.aluno esc. A 3), afirmando
a atitude de respeito às diferentes culturas, no caso da escola, que compõem o mosaico
da identidade do povo da região, neste caso, as culturas que tem origem nos povos de
origem africana, (musica, dança, capoeira, religião, corpo-cabelo) como é o caso da
maioria dos jovens que estudam nessa escola.
 Num segundo momento sobre a vivência: os alunos discutem os seus
projetos futuros e a realidade profissional hoje: vê-se, no entanto, que há
uma perspectiva de continuidade, de projeção apontando para um futuro
mais promissor, tanto do ponto de vista profissional, quanto dos aspectos
ligados à cultura e à cidadania.
A nossa pesquisa aponta que os alunos que passaram pelas escolas em
alternância (as duas pesquisadas), de uma maneira geral, conseguem se inserir no
mercado de trabalho nos diversos setores da economia com muito mais facilidade do
que o aluno ordinário da escola pública, tanto urbana quanto rural. Eles adquirem um
outro tipo de comportamento muito mais responsável tanto para si, quanto para a sua
comunidade e vislumbram futuros consequentes em suas vidas. Os setores de atividade
em que eles conseguem colocações variam: vão desde apoio aos órgãos ligados à
agricultura nos municípios vizinhos, e na própria escola, como observado, a setores
completamente alheios a sua formação agrícola. Esse é o caso de 5 ex-alunos que
trabalham em fábricas da cidade, em atividades como artesanato e comércio.
Um outro dado constatado durante as entrevistas é a de que as atividades
exercidas em outras funções alheias à agricultura não são bem assimiladas por boa parte
dos alunos, ocorrendo principalmente entre os jovens da escola “B”. A ideia de se
formar empresários rurais finalmente não veio ao cabo de três anos nesta escola, isso se
explica principalmente pela pequena quantidade de terras das famílias dos alunos o que
acaba gerando uma enorme decepção. Esse aspecto revela ao mesmo tempo a sua
angústia entre o aprendizado e a realidade atual, gostaria sim de permanecer na terra e
organizar seus próprios projetos, mas finalmente isso não aconteceu. Para alguns alunos
a culpa seria da escola por não ter tido uma estratégia consequente na construção de
projetos que garantissem a fixação dos egressos no campo, principalmente projetos de
aquisição da terra.
270
9.4– A questão de “gênero” reaparece entre os ex-alunos da escola “A”:
Outra coisa assim, que eu acho que teve um bom resultado, é aquilo que hoje a
gente chama gênero, que talvez numa outra época a gente não desse muita importância, com
o machismo. E o meu irmão, que chama Nildo, que estudou lá na escola... a forma dele se
relacionar com a esposa dele é diferente dos meus irmãos que não estudaram lá. A questão de
quebrar e dividir as tarefas domésticas, isso na escola sempre foi uma coisa muito importante.
Meninos que chegavam lá e diziam “eu não sei nem cozinhar um arroz”, a maior parte desse
aprendizado é adquirido lá na escola. Tem equipe que só tem menino fazendo o café, tem
equipe que só tem menino fazendo a janta, coisas que para alguns era trabalho de mulher e
hoje eles fazem. Talvez se eu ficasse em outro espaço, mas já me ajudou a recompor também
essa outra parte, a do gênero. Foi um avanço muito importante para minha vida. E quando eu
fui pra lá, eu fui só pensando em estudar, e foi lá que eu descobri toda uma outra dimensão da
escola. (ent.mss 3)
Apesar da diferença de sexos, o trabalho aqui é igual pra todo mundo, tanto os
homens varrem, cozinham, lavam banheiros, como as mulheres também vão a campo, visitam
a horta. Aqui todo mundo faz tudo. (ent. 4)
Essa categoria, que aparece na dinâmica das entrevistas com monitores, aparece
também nas entrevistas com os ex-alunos da escola “A”, sem dúvida como reflexo dos
ensinamentos dessa escola e apresenta, para a nossa tese, uma boa surpresa e uma
novidade importante nesta experiência educativa.
Para uma sociedade que se quer livre e democrática esse elemento é fundamental
no contexto educativo. Os alunos residentes estão inseridos num conjunto de atividades
sem que haja diferenças de gênero nos afazeres da escola. Ou seja, o desenvolvimento
técnico agrícola e o desenvolvimento do jovem como pessoa e cidadã caminham juntos.
Como se vê na citação acima, “O trabalho é igual para todos; não há diferença entre
homens e mulheres”. Isso é fundamental para uma educação que se quer propositiva de
novas relações e de respeito entre todos.
Consideramos este elemento importante na elevação do nível de consciência dos
atores participantes, trata-se de uma conduta fundamental que deveria nortear a práxis
educativa de qualquer escola de educação básica, mas chamando atenção
principalmente para as escolas do meio rural brasileiro, comumente machistas e face à
divisão social e cultural do trabalho claramente estabelecida, a mulher é condenada aos
afazeres domésticos e os homens normalmente são destinados ao trabalho de manejo
nas plantações.
271
Essa escola quebra com esse paradigma instituindo uma relação de igualdade nas
tarefas escolares tanto no campo quanto na cozinha, assim os alunos se formam
superando a divisão dos trabalhos na escola o que consequentemente esse aprendizado
vai nortear uma outra prática com suas famílias, suas colegas/mulheres e a comunidade
como um todo.
Aqui o ato de educar não se reduz às atividades e aos conhecimento agrícolas,
mas vai além, na educação de valores e no fortalecimento de uma vida familiar entre
gêneros, com um respeito e colaboração mútua, o que reforça a importância de uma
formação complexa para o meio rural que quebra preconceitos, como o machismo, por
exemplo.
Outro dado importante são as tarefas domésticas realizadas pelos alunos.
Acreditamos que esse elemento é importante para a quebra de paradigmas e que
também vai na direção da segurança alimentar. O aluno homem apreende a fazer
comida e isso o leva a apreender o que deve ser plantado na sua propriedade e a
contribuir com a sua alimentação. A cozinha da escola e outras tarefas ditas “mais
femininas” são articuladas com a participação de todos os alunos, como já vimos, sem
estabelecer diferenças sexuais. Essas atitudes são fundamentais quando se pretende uma
prática educadora adequada e que busca a igualdade entre todos.
9.5– Os pais avaliam o período que os seus filhos estudaram na escola
“A e B”:
O desenvolvimento de questões com os pais de alunos que frequentaram ou
frequentam as escolas em alternância fecharia em princípio o organograma de
conhecimento e ou entendimento compreensivo que se precisa ter sobre essas
experiências educativas.
Ou seja, essa forma de organização metodológica proposta pela tese e indicada
no final do sexto capítulo, permite uma triangulação consistente entre os vários atores
presentes: primeiro partimos dos alunos das várias escolas envolvidas na pesquisa,
passamos por monitores e professores, em seguida entrevistamos os diretores e exalunos e por fim chegamos aos pais de alunos.
272
No caso dos pais de alunos, partimos para as comunidades de origem dos alunos
com o objetivo de conhecer as suas reflexões e inquietações em relação aos modelos de
escola em regime de alternância que seus filhos estudam.
Parte dos pais de alunos da escola “A” vivem em assentamentos ligados
principalmente ao Movimento dos Sem Terra. Nesse caso, as entrevistas (oito no total)
ocorreram nos próprios assentamentos, no interior da região do cacau.
Com os pais de alunos da escola “B” foram realizadas seis entrevistas nas
propriedades das famílias dos alunos: duas entrevistas realizadas nas propriedades dos
pais no Município de Teolândia, três no Município de Tancredo Neves, onde também se
situa a escola e uma no município de Wenceslau Guimarães. A distância entre as
comunidades dos pais de alunos e a escola é de aproximadamente entre 5 km e 35 km.
Duas questões semiestruturadas do nosso objeto de estudo se fizeram
pertinentes: uma que procura conhecer a motivação dos pais sobre a sustentabilidade
comunitária e inovações, a outra questão é sobre alternância. Para a tese esses dois
elementos revelariam para nós o papel e o estatuto das escolas em regime de alternância
na comunidade em matéria de desenvolvimento e educação comunitária local.
9.6– Os pais de alunos avaliam a melhora na sustentabilidade
comunitária de sua propriedades (escola A e B):
Categoria
Escolas
Pais de alunos
Nas primeiras semanas, nos primeiros meses que eles
estudaram lá, eu por exemplo, já achei diferença. Principalmente
comigo, pois quando o meus filhos chegam da escola, eu tenho
um hábito comigo de ver logo o que foi que ele fez, pra que a
gente possa tomar atitude, porque o aluno... os pais têm que ver
se ele está aprendendo pra a gente ter o encaminhamento do
Sustentabilidade
comunitária
A
que pode fazer...a gente que é pai, a gente tem que julgar; a
proposta boa a gente tem que aceitar, e a ruim tem que avaliar
pra ver o que é que faz né? (ent.3)
A Escola da cidade é assim, só fala às coisas que os
meninos nem entende, que não sabe nem o que quer dizer o que
273
é. Até essas musicas que não tem nada a ver é que bota os
meninos pra trazer pra casa, uns dever que não tem nada ver. Se
agente for imaginar, as pessoas que já estudou fora, vai dizer
“meu Deus o que é que meu filho está aprendendo? Não está
aprendendo nada que preste, nada que tenha a ver com a vida
dele e que não tem a ver com a região, só ta aprendendo coisa
Sustentabilidade
comunitária
que nem sabe o que é.
A
Até mesmo pra fazer uma pesquisa tem pagar no café
internet, porque tudo não tem mais paciência de estudar porque
tudo ele manda logo pra internet. Por que internet na Escola lá
em Igrapiúna só tem lá na sala da secretaria do Professor.
Enquanto os outros aprenderam rápido porque foram estudar em
Ilhéus, aprendeu que não esqueceu. E já os meninos que estudam
aqui, mandem eles mexer, se eles não pagou a alguém para fazer
o trabalho. É tudo bagunçado as escolas que ensinam os meninos,
não explica as coisas como deve ser.
O Rogério fala muito sobre a escola da cidade, quando
Taiane chega em casa com o dever Rogério pergunta que
Sustentabilidade
comunitária
professor foi esse que passou isso pra você? Isso aqui não tem
A
nada a ver, só porque ele estudou lá ele consegue ver a diferença
entre o que o professor da cidade passa e a realidade do alunado.
Ele fica implicando com o dever de Igrapiúna do que passa na 6ª.
série.
Um conhecimento que eu aprendo que eu não vou
nunca aplicar na minha realidade, a escola não fala nada do
plantio, nem como planta nem como não planta, a Escola não
explica nada dessas coisas. Como é que se faz, uma horta, nada,
nada,
nada...
e
os
meninos
aprendeu
lá
(EFA).
______________________________________________________
Eu tenho coentrinho, tenho salsa e tenho repolho,
pronto eu não compro nada disso. Tudo isso que você vê é a
escola, porque a gente ia pra rua pra comprar chuchu; hoje em
qualquer pedaço de roça aqui você encontra um pé de chuchu;
você tem e tem como dar pros seus vizinhos. Então tudo isso,
depois da Escola. E eles estão sempre disponíveis para ajudar [...]
(ent. 4).
Tínhamos uma área pequena de mandioca, a quantidade
maior de raiz que agente conseguiu colher foi 2.700 kg. Tanto faz,
foi na roça de mandioca, como na roça de banana com o
tratamento correto, planta com adubação correta é a mesma
coisa.
Sustentabilidade
comunitária
B
Quando agente chega na “casa do fazendeiro”
(comércio) agente perguntava, mas ele quer vender, ele não ta
nem ai que é bom pro agricultor ou não, o importante é que ele
274
venda e hoje não, agente já compra a quantidade certa, não
desperdiça nada, porque agente já sabe quanto vai jogar de
adubo em cada pé de planta.
O desenvolvimento do meu filho é o desenvolvimento
da agricultura e da comunidade e si e hoje agente já vê a
qualidade dos produtos (agrícolas vendidos) em Tancredo Neves
mudado é porque tem o apoio da Escola. Então eles tem um
produto de qualidade, tem uma renda muito melhor porque
agente tem um plantio de mandioca agora e agente arranca com
Sustentabilidade
comunitária
um ano, um ano e dois meses, mas se eu quisesse arrancar hoje,
agora, já estava boa de arrancar pois, foi toda plantada certinha,
B
no espaço certinho, bem adubada, todo mundo que vem aqui fica
encantado e é uma área de terra somente, mas todo lugar que
você olha ela está bonita, linda, linda mesmo de raiz.
Graças a Deus, lhe digo de coração, não só eu como se
fosse numa reunião de pais, a opinião é a mesma: tá se
desenvolvendo bem, é a escola que todo mundo quer. (ent.3)
É um desenvolvimento muito bom, eles desenvolvem
fisicamente, pessoalmente e profissionalmente porque, para te
dar um exemplo muito claro, nós tínhamos uma areazinha muito
pequena, mas a minha renda dobrou depois do apoio da escola.
(ent.1)
No segundo ano da Luciana aqui, a gente plantou com
apoio técnico, com os tratamentos, tudo certinho e essa mesma
área, com o mesmo valor com o mesmo trabalho (não mudou
nada, a quantidade de trabalho foi a mesma), a gente conseguiu
colher 5.200 kg. Então só aí é um exemplo. (ent.2)
Naquilo que foi observado, a resistência é temporal. Esta é vencida com o
diálogo construído na intervenção dos monitores; vencida com a qualidade do
desenvolvimento que ocorre na propriedade, a partir do conhecimento sistematizado da
escola; vencida ao perceber que seu filho se torna cidadão; vencida ao perceber que o
alternante vislumbra o futuro com o pé no chão, enfim, vencida porque o aluno
alternante assume responsabilidade consigo, com sua família e com a comunidade.
No caso dos pais de alunos que estudam na escola “A”, temos dois depoimentos
que reforçam os elementos colocados acima. O primeiro de um dos pais que logo que
colocou o seu filho na escola em alternância foi observar já na primeira quinzena o que
o filho trazia em matéria de conteúdos para casa: “Nas primeiras semanas, nos primeiros
meses que eles estudaram lá, eu por exemplo, já achei diferença. Principalmente
comigo, pois quando o meus filhos chegam da escola, eu tenho um hábito comigo de
ver logo o que foi que ele fez, pra que a gente possa tomar atitude, porque o aluno... os
275
pais têm que ver se ele está aprendendo pra a gente ter o encaminhamento do que pode
fazer...a gente que é pai, a gente tem que julgar; a proposta boa a gente tem que aceitar,
e a ruim tem que avaliar pra ver o que é que faz né?” (ent. 3)
Em seguida, é possível observar que mais novos continuaram a estudar na
escola, o que reafirma a confiança dos pais nos ensinamentos praticados na escola. “Eu
achei a escola ótima. Foi bastante voltada para o campo, educa bastante os meninos, eu
gostei, apesar de que eles estudavam lá, tinha bastante educação, a gente também
visitava a escola, eu gostei, três filhos meus concluíram lá, Nildo, Domigos e Genildo
também se formaram, Genildo também vai se formar agora em setembro. É uma escola
ótima”. E, nesta mesma direção parece haver uma conclusão dos pais: “Enquanto os
outros aprenderam rápido porque foram estudar em Ilhéus, aprendeu que não esqueceu.
E já os meninos que estudam aqui, mandem eles mexer, se eles não pagou a alguém
para fazer o trabalho. É tudo bagunçado as escolas que ensinam os meninos, não explica
as coisas como deve ser”.
E, para a tese, esse três argumentos acima são decisivos na reflexão da questão
de pesquisa, pois afinal existem iniciativas educacionais próprias e apropriadas capazes
de fazer uma educação de qualidade e adequada para comunidades diversas em situação
de vulnerabilidade econômica e educativa. O fato então seria, porque essas iniciativas
não são vistas nem divulgadas no interior das sociedades e principalmente das
sociedades cuja demanda é maior, como essas do meio rural?
Neste outro trecho do argumento deste pai de alunos, percebemos o
distanciamento das escolas da cidade em relação ao campo e mesmo em relação aos
conteúdos discutidos e elaborados pelos professores desta escola: “O Rogério fala muito
sobre a escola da cidade, quando Taiane chega em casa com o dever Rogério pergunta
que professor foi esse que passou isso pra você? Isso aqui não tem nada a ver, só porque
ele estudou lá ele consegue ver a diferença entre o que o professor da cidade passa e a
realidade do alunado. Ele fica implicando com o dever de Igrapiúna do que passa na 6ª.
série”. Aqui o pai relata a critica do filho alternante em relação ao conteúdo trazido pela
irmã estudante da escola da cidade. Sendo assim, numa extensão da nossa analise, a
escola pública da cidade como tantas escolas publicas de cidades pequenas do interior
da Bahia não reconhece se quer a sua ruralidade implícita e para piorar a qualidade da
educação oferecida mesmo para os alunos da cidade é de má qualidade.
276
Outro elemento importante destacado no curso dessas entrevistas foram as
mudanças de atitude em relação aos seus filhos, em relação ao manejo agrícola em suas
propriedades, ocorridas, consequentemente, sob a influência dos processos de
ensino/aprendizagem da escola. “Um conhecimento que eu aprendo que eu não vou
nunca aplicar na minha realidade, a escola não fala nada do plantio, nem como planta
nem como não planta, a Escola não explica nada dessas coisas. Como é que se faz, uma
horta, nada, nada, nada... e os meninos aprendeu lá (na EFA)”..
No caso dos pais da escola “B”, a satisfação/motivação vem das mudanças
ocorridas em suas propriedades e em seus seios familiares, essas mudanças ocorreram
de maneira positiva no sentido de melhora da vida de quem lá vive e retira o seu
sustento. Então como não se motivar com um ensino que garante as condições para que
“o meu filho” contribua com mudanças importantes ocorridas “na minha família” e “na
minha propriedade”? Como não ficar satisfeito se essas mudanças ajudam a melhorar o
meu rendimento econômico da minha família e da minha comunidade? “Quando a gente
chega na “casa do fazendeiro” (comércio) a gente perguntava, mas ele quer vender, ele
não ta nem aí que é bom pro agricultor ou não, o importante é que ele venda e hoje não,
a gente já compra a quantidade certa, não desperdiça nada, porque a gente já sabe
quanto vai jogar de adubo em cada pé de planta...”
Este relato é importante na medida em que o agricultor apreende a partir dos
ensinamentos escolares a lidar com suas próprias necessidades cotidianas, quer seja a
relação de fertilização na propriedade familiar quer seja no aumento dos ganhos da
própria família: “Tem um produto de qualidade, tem uma renda muito melhor porque a
gente tem um plantio de mandioca agora e a gente arranca com um ano, um ano e dois
meses, mas se eu quisesse arrancar hoje, agora, já estava boa de arrancar pois, foi toda
plantada certinha, no espaço certinho, bem adubada, todo mundo que vem aqui fica
encantado e é uma área de terra somente, mas todo lugar que você olha ela está bonita,
linda, linda mesmo de raiz”. São inúmeros os relatos de pais de alunos que corroboram
de maneira positiva com a ideia de adequação da escola ao contexto onde vivem.
Como já colocado e no que se percebe acima, ao longo do tempo, as técnicas
tradicionais de manejo dos pais vão cedendo espaço para as novas técnicas adquiridas
no interior da escola e vice-versa. Os alunos deixam de ser vistos como concorrentes
diretos dos pais e entram efetivamente num processo onde todos são chamados a
cooperar, a complementar-se mesmo nas suas diferenças: “Tem um produto de
277
qualidade, tem uma renda muito melhor porque a gente tem um plantio de mandioca
agora e a gente arranca com um ano, um ano e dois meses, mas se eu quisesse arrancar
hoje, agora, já estava boa de arrancar pois, foi toda plantada certinha, no espaço
certinho, bem adubada, todo mundo que vem aqui fica encantado e é uma área de terra
somente, mas todo lugar que você olha ela está bonita, linda, linda mesmo de raiz”.
Em um dos trechos de entrevistas acima, é perceptível a maneira como um pai
de aluno descreve o efeito positivo que a escola exerceu sobre sua conduta no
melhoramento da produção familiar: “Eu tenho coentrinho, tenho salsa e tenho repolho,
pronto eu não compro nada disso. Tudo isso que você vê é a escola, porque a gente ia
pra rua pra comprar chuchu”.
Neste caso, numa inversão da cultura agrícola tradicional na região, que é
sempre de plantar os produtos de exportação e comprar os produtos alimentícios na
cidade. Ppara essa mãe de aluno a escola fez com que ela mudasse esse hábito e hoje ela
agradece os ganhos também no caso da economia na alimentação doméstica.
9.7– Os pais avaliam o “estudar em alternância”:
Categoria
Escola
Pais de alunos
Eu achei a escola ótima. Foi bastante voltada para o
campo, educa bastante os meninos, eu gostei, apesar de que eles
estudavam lá, tinha bastante educação, a gente também visitava a
escola, eu gostei, três filhos meus concluíram lá, Nildo, Domigos e
Alternância
A
Genildo também se formaram. Genildo também vai se formar agora
em setembro. É uma escola ótima. (ent. 4)
Os meninos tanto estuda quanto aprende mais coisa, 15
dias eles estudam e faz outras coisas, porque plantio, enxertia, tudo
eles aprendem lá, pra fazer aqui pra gente.
Eu achei ótimo o tempo que eles estudaram lá. O Gilmar
passou pra Teixeira (Teixeira de Freitas, a cidade onde se localiza
uma das EMARC’s), a menina está na oitava, o outro está também
Alternância
A
estudando o primeiro ano. Para mim, eu não tenho nada o que dizer
de lá. (ent. 6)
O período que eles passam na Escola tradicional agente
não sente diferença. Agente nem quase tem tempo pra ver os filhos
da gente, porque quando dá 9:00 horas já está se arrumando pra ir pra
Escola, ou chega 7:00 horas.
278
Sou mãe de aluno (Roseilton e Rogério). Lá em casa
mesmo eu achei que houve desenvolvimento, porque meus meninos
mesmos aprenderam a fazer alguma coisa. Eles já sabiam um
pouquinho, mas só quando eles foram pra lá eles aprenderam muito
mais, até hoje “Graças a Deus” que eu gostei deles estudarem lá. O
Rosenilto não esqueceu do que ele aprendeu lá e está querendo ir
Alternância
A
mais pra frente um pouquinho. Que ele aprendeu dança, capoeira e
eles já levaram uns dias trabalhando em Igrapiuna e deve voltar de
novo a trabalhar em Igrapiúna. Vai formar um grupo pra trabalhar em
Igrapiúna do que ele aprendeu em Ilhéus e “Graças a Deus” gostei e
gosto. Rogério a mesma coisa, só tenho a agradecer todo esse período
que ele passou na Escola, até hoje ele trabalha. Qualquer coisa que os
mandar fazer eles inventam lá e faz (autonomia e criatividade).
________________________________________________________
E é assim que se aprende são 15 alternâncias por ano e
eles ficam aqui três anos. Cada momento tem uma alternância, em
cada alternância tem um tema diferente então eles aprendem aqui
uma semana e ficam duas semanas em casa praticando o que
aprendem aqui. Neste período que eles estão em casa o monitor vai lá
fazer uma visita.
Alternância
B
Agente faz assim, de manhã agente vai pra roça, a tarde
eles ficam entre duas horas, duas horas e meia estudando, fazendo as
atividades também da escola e a tarde também vai na roça. Temos
feijão, temos batata, temos mandioca, temos um sítio de côco. São ao
todo seis 8 tarefas, temos um pequeno pasto.
Então é uma parte de desenvolvimento muito bom, muito
bom mesmo é uma coisa assim que agente sente porque não pode ser
pra todo mundo, se fosse abrir a escola pra quem queira mesmo...a
quantidade de alunos aqui é pouca. Então agente tem que ter mais
Alternância
B
apoio, pra que possa se estender pra que todos tenham acesso, porque
agente não tem condição ainda de abrigar a todos. Por que o recurso
aqui é pouco, o recurso que agente tem pra se sustentar é pouco é
claro que se chegar mais parceiros agente vai está aumentando mais,
mas por enquanto não dá.
São 6 monitores né, dois por cada alternância, dois por
cada turma, os monitores da turma três são dois homens e já da turma
4 é um homem e uma mulher. Temos uma pedagoga, temos uma
administração, um líder de OD (organização dinâmica) então toda a
equipe de campo responde ao líder de OD. É assim, uma Escola que
tem disciplina cada qual toma conta de sua tarefa, o monitor toma
conta dos jovens, a pedagoga com os monitores e com os jovens, o
coordenador de campo responde pelo campo, pelo plantio. Os jovens
e monitores ajudam, mas o responsável é o coordenador de campo se
der errado a culpa é do coordenador de campo.
Aqui é possível identificar a importância de uma pedagogia enraizada
localmente, ou seja, um recorte educacional que compreende as demandas das famílias
279
que vivem do campo e no campo. Ao unir elementos do conhecimento científico na
relação com as comunidades envolvidas; ao unir vida comunitária e familiar e vida
escolar; ao colocar os jovens diante de seus próprios desafios e dificuldades, ela
estimula essas mudanças de atitude que se percebem apresentadas nas falas dos pais.
Neste sentido, uma educação escolar que busca a qualidade nos seus
ensinamentos pode se tornar uma grande parceira na vida da família e das comunidades
de maneira geral, aliando sem denegação os conhecimentos do lugar e os
conhecimentos mais articulados com a ciência: “Eles já sabiam um pouquinho, mas só
quando eles foram pra lá eles aprenderam muito mais, até hoje “Graças a Deus” que eu
gostei deles estudarem lá. O Rosenilto não esqueceu do que ele aprendeu lá”.
Essa escola não é algo alheio à vida cotidiana de quem dela deve participar, ela é
presente e parceira tanto dos alunos, quanto da família e da comunidade a partir de uma
parceria devidamente pensada envolvendo teoria e prática, conhecimento tradicional,
conhecimento técnico e formação cidadã. É nela que os pais demonstram toda a sua
motivação e confiança, pois segundo eles próprios, têm sido elas as responsáveis pela
melhoria nas formas de cultivo e manejo, pela melhoria nos processos produtivos e
invariavelmente respondem pelo ganho de autonomia dos envolvidos. “Os meninos
tanto estuda quanto aprende mais coisa, 15 dias eles estudam e faz outras coisas, porque
plantio, enxertia, tudo eles aprendem lá, pra fazer aqui pra gente”.
Nesta fala um pai de aluno explica como organiza a vida cotidiana do filho no
momento em que está na propriedade dividindo tarefas escolares e trabalhos no campo:
“De manhã agente vai pra roça, a tarde eles ficam entre duas horas, duas horas e meia
estudando, fazendo as atividades também da escola e a tarde também vai na roça”. É
como se dá o processo de organização das visitas de campo pelos monitores: “São 6
monitores né, dois por cada alternância, dois por cada turma, os monitores da turma três
são dois homens e já da turma 4 é um homem e uma mulher”.
As escolas em alternância – EFAs e CFRs – têm essa capacidade de se tornar a
verdadeira pedagogia da terra e para a terra, do campo e para o campo, da adolescência
e para a adolescência, da comunidade e para a comunidade, das famílias e para as
famílias. Uma pedagogia da terra capaz de intervir e construir processos produtivos
fundamentais para a mudança e melhoria de vida dos envolvidos: “Desenvolvimento
muito bom, muito bom mesmo é uma coisa assim que a gente sente porque não pode ser
280
pra todo mundo, se fosse abrir a escola pra quem queira mesmo...a quantidade de alunos
aqui é pouca. Então a gente tem que ter mais apoio, pra que possa se estender pra que
todos tenham acesso, porque a gente não tem condição ainda de abrigar a todos”. Nesta
fala um pai de aluno lamenta o fato das poucas condições existentes nas escolas em
alternância para o meio rural com respeito à ampliação do número de alunos nesta
escola. Isso ocorre porque a sua confiança é plena na educação oferecida, a partir de
currículos e conteúdos apropriados às demandas locais.
281
CAPÍTULO X
282
10
– Comparação crítico-descritiva acerca dos processos
educativos no quotidiano das três escolas em estudo
A ideia deste capítulo é demonstrar as diferenças em termos práticos e de
manejos dos procedimentos agrícolas vividos no quotidiano das escolas em alternância
em estudo. Essas comparações em termos práticos nos permitem refletir sobre as
diversas formas de intervenção que as escolas do meio rural podem estabelecer com as
comunidades em que elas estão presentes. As semelhanças e diferenças permitiram-nos
vislumbrar conclusões sobre como uma educação de qualidade para o campo pode se
tornar possível.
Os enunciados que buscávamos para essas análises deveriam nos ajudar a
compreender as duas principais categorias da tese “educação e desenvolvimento” para o
meio rural. Nesse caso, as visitas aos campos de plantação e experimentação dos alunos,
a conversa informal com os monitores e professores; os projetos políticos pedagógicos
se revelaram instrumentos fundamentais para responder às nossas inquietações.
As diferenças também são sentidas desde o momento em que os atores falam de
sua “satisfação e/ou motivação”, como visto no capítulo anterior até as “formas” e a
“maneira” como elas se inserem no desenvolvimento socioeconômico, ambiental e
cultural das comunidades envolvidas, que são objeto desta análise.
10.1 – Desenvolvimento e sustentabilidade agrícola em comparação na
escola “A” e “B” (alternância):
Na escola “A”, observou-se que os alunos têm uma preocupação maior com
manejos que consideram o trato orgânico na agricultura como fundamental. As
mudanças ocorridas se situam desde a relação agroecologia, como a preocupação com a
preservação das matas e do meio ambiente; a recuperação dos restos orgânicos; a
reciclagem e o desenvolvimento de tratos orgânicos das culturas agrícolas locais. A
partir desse entendimento, o desenvolvimento de técnicas agrícolas deve permitir à
agricultura familiar economizar recursos que normalmente seriam gastos com a
283
adubação química (ureia, fosfatos etc.) e com a compra de insumos que podem
normalmente ser produzidos em pequenas áreas familiares.
Claro, eles também têm preocupações que são trazidas para a
escola – adubo, tipo de manejo, algumas coisas que são provocadas
pela escola. Não é que o pessoal não sabe fazer, mas é que o pessoal
fazia sem uma preocupação mais recorrente dessas coisas: se é
agroecológico ou não, se está preservando o ecossistema, se está
queimando, se está preservando os rios, as matas ciliares. (ent.
monitora escola “B”)
Vê-se também na estrutura do diálogo uma relação de idas e voltas das
preocupações de manejos nas comunidades, elementos estes fundamentais para o
sucesso da pedagogia da alternância: “As preocupações são trazidas para a escola, mas
ao mesmo tempo”, a monitora reconhece: “Não é que eles não saibam fazer, mas fazem
sem uma preocupação maior sobre a agroecologia e os ecossistemas locais”. Assim, é
possível perceber que a escola reconhece o saber que existe na comunidade e que o
papel da escola é o de sistematizadora deste conhecimento, de organizadora científica
para que ele se torne um elemento fundamental na sustentabilidade comunitária a longo
prazo.
Outro aspecto a se notar no desenvolvimento das práticas agrícolas dessa escola
está na preocupação com as plantas medicinais e com as hortaliças na perspectiva da
segurança fitoterápica e alimentar, mas que nem sempre é atingida pelas comunidades
envolvidas...
O objetivo seria, segundo a diretora, que “ao final (do tempo de estudo dos
alunos), as famílias adquirissem um comportamento coerente com a proposta da escola
no que se refere à segurança fitoterápica e alimentar”.
Aqui, é fundamental destacar alguns aspectos de desenvolvimento e
sustentabilidade, vividos pelos diferentes alunos das duas escolas em alternância. Esses
aspectos contribuem para demonstrar “o como, e o que” essas escolas podem estruturar
em seus currículos e metodologias educacionais em matéria de desenvolvimento de
manejo agrícola nas comunidades envolvidas.
Na perspectiva da intervenção técnica no seio da comunidade orientada pela
escola “B”, a preocupação com a sustentabilidade da agricultura familiar se situa na
relação com as técnicas de manejo agrícola, que devem ser implementadas de forma
rigorosa para que se garanta os resultados produtivos pretendidos. Assim, segundo os
284
monitores, as técnicas tradicionais de produção e manejo devem ser substituídas por
técnicas modernas e experimentadas pela escola, sem as quais a sustentabilidade
econômica das comunidades estará comprometida.
Mesmo que se perceba certa preocupação com a questão ecológica entre
monitores, o desenvolvimento agrícola está baseado no aperfeiçoamento de técnicas que
permitam o aumento da produção, as quais devem levar em consideração o maior nível
de produtividade por área plantada. Para que isso aconteça, a escola coloca o enfoque na
sustentabilidade econômica dos agricultores, a partir da utilização de técnicas de
manejos rigorosamente aplicadas, sendo que todo esse processo está baseado na
introdução de insumos externos: fertilizantes, pesticidas e herbicidas. Nesse contexto, a
aplicação não rigorosa das técnicas aprendidas pelos alunos na escola resultaria na
ineficiência da produção agrícola das comunidades envolvidas.
Segundo os próprios monitores, por menor que seja a propriedade, o manejo
químico correto permite a sustentabilidade das comunidades envolvidas, do contrário a
sustentabilidade fica comprometida.
Questionamos sobre os resultados obtidos na plantação do amendoim e a
maneira como teria sido realizada. A forma de plantação obedecera às normas técnicas
de cultivo, espaçamento e adubação (química) dessa planta. Sobre os resultados obtidos,
do ponto de vista dos rendimentos, foi afirmado por todos os presentes que o cultivo
teria dado resultados econômicos positivos (lucro).
Aqui um exemplo observado na escola “B” sobre o método de fertilização
química que essa escola propõe aos alunos e às suas famílias para o plantio da
mandioca, tanto no interior da escola como nas comunidades envolvidas:
Tabela 12: o cultivo da mandioca
Espaçamento
Adubação
1x1mt.
30 gramas de supersimples (na cova)
Ureia e cloreto de potássio (45-60 dias)
*caso está restrito ao cultivo monocultor da mandioca.
Tabela 7 Método de fertilização química
285
10.2– Sobre o processo de educação e sustentabilidade: entre a
agricultura orgânica e a inorgânica no mundo do cacau:
Os problemas levantados por monitores, alunos, ex-alunos e também pela
diretora da escola “A” estariam ligados às dificuldades em conseguir insumos orgânicos
em quantidade suficiente para as áreas das famílias dos alunos. Essas dificuldades são as
mesmas recorrentes para a escola “B” e estão fundamentadas nos custos de transportes e
na produção desse material para agricultura familiar.
A distância e o elevado valor do transporte são, no caso das duas escolas, o
principal entrave na aquisição da fertilização orgânica. Consequentemente, os
agricultores familiares por uma questão de praticidade não gostariam de refazer as suas
formas de cultivo e continuariam utilizando os mesmos métodos tradicionais de
manejos na agricultura, como as queimadas e os insumos químicos.
Conversamos também com pequenos agricultores da região preocupados com o
custo da obtenção da adubação química e, principalmente, com a preservação do meio
ambiente. Para nos auxiliar nesse contraponto, o depoimento desse agricultor familiar
foi fundamental. A partir de sua fala, pudemos compreender que o problema está no
hábito inconsequente da utilização de elementos químicos na agricultura.
Esse agricultor, se dizendo contente com a produção familiar de seu cacau
orgânico, descreve alguns exemplos do método de manejo que ele utiliza em sua
propriedade de 5 hectares, em uma parcela de “assentamento rural” na região. Para ele,
o uso do adubo orgânico diminui os custos de mão de obra e os gastos com adubos
químicos e herbicidas. Uma das suas primeiras convicções é a de nunca utilizar os
herbicidas e pesticidas, pois segundo suas palavras:
O herbicida e o pesticida prejudicam as plantas, a terra e o
próprio homem, seja no processo de aplicação direta no cultivo, seja
em sua extensão com a compra dos produtos agrícolas no mercado, o
que envenena o próprio consumidor. (agricultor familiar/ assentado)
Sobre esse processo de adubação, ele adverte para o fato de não utilizar técnicas
de “capina”. Na sua avaliação, essa técnica de limpeza é muito radical para a terra:
favorece o aumento das pragas, por conta da retirada brusca das plantas companheiras, a
erosão e a lixiviação, além de expor a terra a um maior volume de raios solares diretos.
Na junção desses elementos, estaria o consequente empobrecimento da terra e o
desequilíbrio ambiental.
286
Ainda sobre a técnica da capina e da utilização do herbicida e do pesticida, ele
enfatiza que as pragas presentes na agricultura se alimentam daquilo que podemos
chamar de “plantas companheiras” e que, no caso da eliminação dessas plantas pelos
herbicidas, pesticidas e pela capinagem, as culturas agrícolas ficam completamente
vulneráveis à incidência de pragas, além, é claro, de empobrecer o solo.
Ele cita que para o cacau e para a seringa seria suficiente um “roço” mínimo e,
no caso da plantação da mandioca no interior dessas fazendas, o problema seria o de
espaçamento, ou seja, aumentar o espaço entre plantas permitiria uma limpeza mais
adequada apenas com o roço.
Numa outra vertente de métodos e manejos não convencionais, o mesmo
agricultor familiar entrevistado anteriormente comenta que:
Todo material orgânico produzido pela natureza deve ser
reutilizado nas técnicas de cultivo; as madeiras cortadas devem ser
deixadas a apodrecer junto às plantas, fazendo a chamada cobertura
morta. Nessa operação, nem no cacau e nem na seringa deve-se fazer
capinagem, mas utilizar uma roçagem razoável, onde as culturas
agrícolas fiquem um pouco acima das plantas ditas selvagens.
(agricultor familiar/assentado).
Uma outra perspectiva fundamental na região do cacau e em países tropicais
seria a do consorciamento e a diversificação agrícola também citados pela diretora da
escola “A”, que alterna plantas de ciclos curtos com plantas de ciclos longos. No caso
específico da região em estudo, o exemplo mais comum é o de consorciamento entre a
mandioca e as outras culturas de ciclos longos, como o cacau e a seringa.
No caso do consorciamento das culturas, o agricultor entrevistado propõe que a
mandioca tenha um espaçamento maior, em torno de 2x2, dentro das plantações de
cacau e seringa, porque obedecendo a esse tipo de manejo, a técnica de capinagem
torna-se dispensável e gera uma diminuição sensível no custo da mão de obra, já que, no
espaçamento dado à mandioca, se permitiria o “roço”47 sem grandes dificuldades; além
disso, apenas um homem seria capaz de cuidar de áreas razoáveis (com
aproximadamente 05 hectares), o que é fundamental na agricultura familiar.
Outro argumento, levantado por ele, está no fato de que tanto o cacau quanto a
seringa e a mandioca são culturas de florestas, e isso justifica, sem problemas, a sua
convivência com outros tipos de plantas ditas selvagens. Pela sua própria condição, elas
47
Roço, roçagem: técnica de limpeza do campo com a utilização do facão. Grifo nosso.
287
(as plantas selvagens) melhoram o rendimento da planta doméstica, diminuindo a mão
de obra e o seu elevado custo, evitando os custos dos “insumos químicos externos” e,
consequentemente, gerando sustentabilidade e preservando o ecossistema em sua
complexidade como um todo.
Procuramos saber por que a escola “B” propunha a utilização de insumos
externos, e obtivemos de um dos monitores a resposta de que só seria possível “gerar
sustentabilidade” e aumentar os “níveis de produção” se os agricultores familiares do
entorno da escola utilizassem as novas técnicas de cultivo experimentadas pela escola
na sequência de espaçamento, adubação para o plantio e adubação durante o
crescimento da planta.
Para esse mesmo monitor, “a forma de manejo tradicional não gera
sustentabilidade econômica das famílias” e, nesse caso, o papel da escola seria a
inversão desse paradigma de agricultura, a partir de uma lógica verticalizada de
intervenção nas comunidades. O papel da escola, nesse sentido, seria o da “quebra de
paradigmas na agricultura local”, numa menção à teoria de Thomas Khun.
No segundo caso, o das visitas quotidianas às famílias e às comunidades, como
já foi colocado acima, a relação de verticalização das concepções de agricultura da
escola é muito clara: para um dos nossos entrevistados, existia ou existe nas
comunidades “um conhecimento empírico/tradicional, mas que esse conhecimento não
gera, por sua vez, sustentabilidade; portanto, não merece o devido acolhimento por parte
da escola”. Assim, o papel da escola na região seria o de implementar modelos
experimentados e testados entre instituições e pesquisadores da agricultura,
principalmente os ligados à “revolução verde”.
Procuramos saber dos monitores sobre o que os pais achavam dessa condição
atribuída pela escola. Para eles, existem dois cenários: “O dos pais que acompanham de
forma inquestionável as condições colocadas pela escola e dos pais que, de alguma
maneira, resistem à implementação desse modelo”. (Ent. monitor, esc. B)
No segundo caso, os monitores afirmam que isso se dá, por exemplo, em não se
fazendo a adubação (química), como é recomendada pela escola. Desse modo, não se
obtêm os ganhos de produtividade propagandeados pela mesma.
288
No caso da escola “B”, a sustentabilidade econômica dos agricultores só seria
possível com a utilização de técnicas e manejos químicos rigorosos, por menor que
fosse a propriedade.
Sobre a possibilidade de a adubação se tornar orgânica, esses mesmos estudantes
afirmam e em concordância com os monitores, que o problema do custo do transporte é
o maior peso operacional desse tipo de adubação, o que a torna cara e impraticável.
Os sujeitos envolvidos no entorno da escola “B” são conscienciosos de que, ao
recorrer à adubação química, a agricultura familiar é empurrada para as disputas
mercadológicas dos fertilizantes e fica sujeita às oscilações dos preços nem sempre
razoáveis como ocorre com frequência nas casas comerciais da região.
Assim, ficam latentes os conflitos de valores entre a escola, a comunidade e os
pais de alunos. Ao invés de haver uma continuidade e uma colaboração entre os
envolvidos nos processos de formação, estabelece-se uma queda de braço, onde os pais
e comunidades resistem, e a escola, através dos monitores e de suas influências sobre os
filhos, procuram impor o seu modelo. Como nos disse um dos alunos: “– Meu pai, não é
assim, não!” E o pai responde “– Não, meu filho, é assim!” ou então, na conversa com
o monitor “– Eu quis plantar assim e meu pai não deixou”.
O mesmo cenário é verificado na escola “A”, onde, baseados em procedimentos
da agricultura orgânica, os alunos tentam reverter as formas de plantação das suas
famílias, mas se deparam com a resistência inicial, com as formas tradicionais de
cultivo.
Retornamos à questão da adubação orgânica e as respostas se seguem a partir
daquilo que seria praticamente um consenso entre todos que foram entrevistados. Para
os pesquisados, a adubação orgânica deveria ser feita a partir dos dois elementos
principais – os “restos vegetais” e os “restos animais”, principalmente esterco de
galinha e de gado no caso animal e os restos vegetais encontrados nas propriedades.
Para a obtenção desses elementos, foi nos explicado que a soma dos restos
produzidos na fazenda da escola, por exemplo, seria insuficiente. Este elemento também
foi observado pela escola “A” o que explicaria também as dificuldades em conseguir
material orgânico nas comunidades dos alunos.
289
Uma das possibilidades, então, seria o transporte de restos animais de outras
localidades. Mas, como já dissemos, há o problema do custo com o transporte. O
transporte, neste caso, não compensaria a relação custo-benefício “adubação-colheitavenda”. Assim, o resultado na venda dos produtos adubados, a partir desse sistema
orgânico, seria inferior ao custo de produção, ou seja, não valeria a pena trazer
caminhões com esterco de gado ou de galinha de uma localidade distante com um preço
tão alto de transporte.
Outro elemento, destacado durante a entrevista, foi da análise dos custos de
introdução dos insumos externos. Para os nossos entrevistados, a eficácia da introdução
dos insumos externos tem um custo embutido na relação produção-transporte que não
pode ser pago pela agricultura familiar, levando-se em consideração o nível de
investimento inicial para a plantação e adubação das propriedades familiares.
Segundo o monitor, o agricultor familiar não tem como esperar o tempo de
colheita para ver ressarcidos os custos iniciais de investimento em sua propriedade,
tendo em vista o aumento dos preços dos fertilizantes químicos no mercado; além disso,
deve-se levar em conta a oscilação dos preços dos produtos agrícolas na hora da venda,
o que nem sempre repõe os custos de manejo nem gera benefícios.
10.3– Distinções entre o cultural e o econômico nas escolas em
alternância e o desafio da sustentabilidade e da cidadania (o caso da
escola “B”):
A preocupação da escola “B” com as formas de vida do homem do campo se
estrutura muito dentro do plano técnico agrícola. Essa é uma primeira afirmação
possível. Essa escola escolhe claramente, enquanto modelo de ensino, uma perspectiva
técnica como forma de resolver o problema da sustentabilidade local, reforçada pela
adoção do conceito de protagonismo juvenil.
Partindo dessa perspectiva, os seus ideólogos criaram o que eles mesmos
chamam de “cadeia produtiva”, com formas de comercialização dos produtos agrícolas
ligadas às propriedades dos alunos, onde a principal delas é a cadeia produtiva da
mandioca.
290
A visão que ora se discute está vinculada à questão econômica, que se sobrepõe
sobre outros aspectos igualmente importantes da vida dos alunos e das comunidades
envolvidas, particularmente no acento à ecologia e à diversidade cultural.
Neste caso, o aspecto econômico seria mais importante do que os elementos
ligados à ecologia, à cultura e à identidade local. Gimonet (2007), explica que “cada
meio de vida representa um suporte de atividades e de experiências de várias naturezas,
uma reserva de saberes diversos e múltiplos. Cada meio de vida destes é portador de
uma cultura local que se faz presente nos fatos e nos gestos, na linguagem e no
comportamento,” dos que estariam envolvidos no processo educativo.
Neste sentido, é preciso esclarecer aos sujeitos quanto aos desafios econômicos
que se apresentam, mas que não se pode relegar a importância de outros elementos
igualmente importantes como cultura, ecologia e identidade presentes nas comunidades
envolvidas pela escola.
Por outro lado, não acreditamos que exista, por parte dessa escola, uma
ingenuidade particular e que os elementos de ordem ecológica e cultural relegados por
sua pedagogia seja obra da sua falta de atenção curricular. Não acreditamos nesta
hipótese.
10.4 – Compreensões sobre a alternância entre os alunos da escola “A e
B”:
A relação com a alternância observada nas escolas “A” e “B” se estabelece
enquanto compreensão do conhecimento “teórico” e a sua aplicação “prática” de forma
“imediata” na propriedade da família e na comunidade de origem dos alunos. Essa
aplicação imediata dos conhecimentos aprendidos na escola se constitui num grande
avanço do ponto de vista educacional na relação com o campo.
O campo brasileiro, tendo em vista a enormidade do seu tamanho, é visto pelos
alunos como um local ideal para a aplicação dessa alternativa de ensino, já que se trata
de um espaço extremamente amplo, composto de longas distâncias entre escola,
comunidade, as propriedades rurais e os centros urbanos.
Os alunos destacam duas variáveis fundamentais nesse processo:
291
 O regime de alternância propriamente dito, intervindo na relação tempoestrada-escola;
 O redimensionamento curricular, no qual o tempo escolar é também um
tempo para que se insira o contexto local.
Assim, para os alunos da escola “A”, a troca exercida entre escola e a
comunidade aparece como o eixo mais proveitoso dessa relação, o que é um dos
objetivos primordiais da pedagogia da alternância. Isso pode ser explicado devido ao
fato de serem os estudantes oriundos de assentamentos e comunidades rurais que, de
uma maneira geral, estão localizados a distâncias superiores a 20 km das sedes dos seus
municípios e, consequentemente, da escola mais próxima. Nesse caso, e pelo que se
observou, a relação com a alternância é de uma valia profunda, já que se permite ao
aluno ficar na comunidade, aplicar os conhecimentos adquiridos e evitar as grandes
marchas a pé e a perda de uma quantidade enorme de tempo que se faria diariamente
entre a escola e as vilas dos assentamentos, quase sempre com resultados educacionais
ínfimos.
Os alunos de ambas as escolas (“A” e “B”) identificam a alternância como um
fator extraordinariamente positivo, já que o conhecimento não fica guardado para que
algum dia possa servir aos alunos, como acontece normalmente na escola formal
pública.
Gimonet (2007, p.19) comenta que “o jovem (pré-adolescente, adolescente, ou
jovem adulto) em formação, isto é, o alternante, não é mais um aluno da escola, mas já
um ator num determinado contexto de vida e num território”, o que justifica o porquê de
a alternância ser tomada como de importância fundamental pelos alunos das duas
escolas. Desse modo, é possível afirmar que a motivação é a mesma para os alunos das
duas escolas em regime de alternância.
10.5– Compreensão e comparação-crítica acerca do problema da
reafirmação identitária:
Os alunos fazem uma distinção muito clara entre as escolas engajadas em regime
de alternância e as escolas tradicionais. Isso se dá, pela importância que eles atribuem
ao currículo enraizado, com disciplinas enraizadas, com conteúdos agrícolas locais e a
utilidade destas em suas propriedades. Esse aspecto demonstra a diferença que
292
normalmente deveria ser observada e retida pelas escolas do campo de uma maneira
geral. Nesse sentido, a motivação é parte significante do processo de aprendizagem.
A identidade com o campo é evidenciada e reafirmada nos discursos dos alunos
das escolas em alternância de uma maneira constante. Aqui, se identifica uma satisfação
positiva com o fato de se pertencer ao campo. O aluno das escolas engajadas na
pedagogia da alternância absorve (pelo que podemos constatar), de maneira
extremamente prazerosa, os conteúdos e os ensinamentos que são repassados pela
instituição. O que se nota é que os alunos indicam um alto nível de satisfação e de
motivação pela pertença camponesa em ambas as escolas em alternância. Isso se
confirma ao reconhecer as mudanças de atitude da denegação ao campo para uma forma
positiva na relação com o mundo rural.
A escola, ao assumir uma postura positiva com o rural, passa a exercer sobre o
comportamento dos alunos uma influência no mesmo sentido, o que muda suas
percepções sobre o contexto onde vivem.
Essa condição é também observada na diferenciação que os alunos fazem entre o
que ocorre nas escolas tradicionais, como a falta de reforço identitário, e o que ocorre
nas escolas rurais com perfil direcionado aos desafios do campo, como é o caso das
escolas “A” e “B”.
O aluno é, nesse contexto, alguém que se confronta com os conflitos advindos
das inovações tecnológicas adquiridas com os conhecimentos aprendidos na instituição
de ensino, também confrontados com as demandas comunitárias e familiares. São esses
conhecimentos, de uma maneira geral, perfeitamente identificados com suas
necessidades práticas, que determinam esse conjunto de novas atitudes, o que Gimonet
(2007, p. 38) chama de pedagogia do encontro e das confrontações. Encontros e
confrontações de situações, de pessoas, de gerações, de ideias e de projetos [...] de tudo
isso vai depender a construção da identidade, bem como o processo de orientação desses
jovens.
As motivações, dentro do que é possível afirmar, estão principalmente
relacionadas à clivagem educacional na reafirmação da identidade do sujeito enquanto
“ser do campo”. A reafirmação identitária torna-se fundamental na inversão dos
processos de denegação, geralmente vividos pelos povos do meio rural brasileiro.
293
A partir dessa perspectiva, vai se construindo a não necessidade de migração ou
êxodo para a cidade, a qual deixa de ser tomada como a única porta para mudanças
fundamentais no futuro da vida desses jovens. A alegria maior dos jovens, ou seja, sua
maior motivação, pelo que foi observado, advém do fato de perceber que técnicas de
plantação e manejo, quando bem apreendidas, podem ser responsáveis por mudar suas
vidas e das suas comunidades de maneira positiva na direção da sustentabilidade local.
No caso da escola “C”, não existe alternância e o deslocamento é feito
diariamente entre a escola e a residência dos alunos. Parte deles faz o percurso a pé e a
grande maioria utiliza o transporte escolar oferecido pelo Município, o qual funciona de
maneira bastante precária, com veículos normalmente rejeitados no transporte coletivo
urbano, sem um nível maior de segurança e com frequentes problemas de manutenção.
10.6– Relevância dos aspectos curriculares (históricos, de cultura e
identidade) das comunidades locais na relação com o currículo das
escolas:
A nossa pesquisa procurou saber como acontece o relacionamento da-escolapara-a-comunidade em seus aspectos de cultura e identidade. Tomamos como
referência as preocupações teóricas do Antropólogo Cuchê (1995), que, em sua noção
de cultura, procura “conceber o homem conforme a diversidade de seus modos de vida e
de suas crenças” (p.6). Assim, para o nosso estudo, o relacionamento entre as partes
envolvidas nesse processo de formação deveria acontecer de maneira dialógica, num
continum va-et-vien: eu te percebo, te respeito e nós construiremos juntos as saídas para
os nossos desafios.
Também retomamos Freire (1974), para quem o diálogo é o ponto fundamental
entre os educandos (oprimidos em princípio) e os centros de formação que normalmente
deveriam buscar a emancipação desses sujeitos. São três os elementos que consideramos
relevantes no aprofundamento desse aspecto:
 A relação da identidade local com o ensino;
 A relação propriamente dita do ensino com respeito à cultura local e;
 A identidade das famílias e das comunidades nas atividades cotidianas no
contexto do aprendizado local.
294
Neste caso, o ideal seria que a grade curricular articulasse os aspectos históricos
e culturais das comunidades, ou seja, o desejo mais amplo tomaria como base uma
transversalidade interdisciplinar. Os aspectos de cultura e identidade atravessariam o
conteúdo das disciplinas ministradas por cada escola e, no segundo aspecto, o ensino
desenvolvido pela escola seria o responsável pela reafirmação da cultura local.
Na escola “A”, são diversas as oficinas que envolvem trabalhos artísticos, como
música, dança, capoeira, e de histórias ligadas ao resgate cultural do povo da região, os
quais acontecem no decorrer do ano letivo. Essa questão traz uma diferença
significativa no comportamento e no engajamento curricular dessa escola, tanto em
relação ao comportamento das escolas rurais de uma maneira geral, quanto ao
comportamento e ao engajamento da escola em alternância pesquisada mais
especificamente.
Esses elementos são bastantes presentes nas falas e nos comportamentos dos
alunos, como por exemplo, o de manter o orgulho pelo tipo de cabelo que se tem,
(cultura afro-brasileira) ou pelas formas de vestir, ou ainda por entoar cantos ligados ao
mundo e à cultura local, como foi observado.
Figura 13 Instrumentos ligados às oficinas musicais na escola “A”
(Instrumentos ligados às oficinas musicais na escola “A”)
Diferente da escola “A”, onde é possível afirmar que os aspectos históricos de
cultura e de identidade estão no eixo central da grade curricular e das atividades gerais
295
dos alunos, na escola “B”, esses elementos são deixados de lado em prol de uma
formação estritamente tecnológica, voltada para o aumento e melhoramento da
produção agrícola.
No caso da escola “B”, os conteúdos das disciplinas consideradas não ligadas
especificamente à agricultura, tomando como base a história e a geografia, são
ministrados, pelo que se observou como se fossem para alunos do curso médio ou
básico de qualquer escola dos centros urbanos mais próximos. Isso quer dizer que não
há nenhuma reflexão ou referência aos valores locais, tais como: as histórias de
conflitos e lutas pela posse da terra, os processos de escravidão vividos pelos povos da
região e a relação com a própria musicalidade e culturas orais desse povo, por exemplo.
Mesmo que se perceba claramente uma reafirmação do “ser do homem do
campo”, advinda do melhoramento das experimentações agrícolas apreendidas pelos
filhos de agricultores, o que se vê, fora desse aspecto, é uma ausência de abordagens
curriculares que colocam esses temas (cultura e identidade) em sua centralidade.
Assim, é possível afirmar que há uma ausência de questionamentos e reflexões
sobre a relação da escola com a cultura e a história das comunidades onde ela está
inserida.
Sob o ponto de vista da tese, o ideal de “empreendendorismo-rural” da escola
“B” não concebe as práticas culturais e de leituras da história do povo da região como
fundamento da reafirmação cultural e identitária local. O mais problemático nestas
práticas pedagógicas estaria ligado à compreensão verticalizada na mudança de atitude
dos modelos agrícolas propostos por essa instituição, sem compreender as práticas
tradicionais dos agricultores familiares, como fundamentais no estabelecimento de uma
relação dialógica entre a comunidade e a escola.
No caso da escola “C” (pública rural), as únicas atividades existentes fazendo
alusão ao modo de vida do campo são a “festa junina e a feira do agricultor”, que são
realizadas uma vez por ano. O objetivo dessas duas atividades é a inserção desses temas,
considerados pelos professores como transversais, nas quais os alunos expõem os
produtos das propriedades agrícolas de suas famílias e, no decorrer das atividades,
acontece uma reflexão sobre o tema proposto; neste ano, o tema foi “agricultura
orgânica”.
296
Mesmo considerando como válida essa atividade, é necessário salientar que o
tema, enquanto reforço da identidade da comunidade, é tratado uma vez por ano naquilo
que se pode chamar de “atividade marginal”. Na verdade, ao invés dessas questões
ligadas à produção agrícola e ao reforço cultural identitário acompanharem a escola
durante todo o ano e de forma interdisciplinar, aqui é retirado um momento específico
para discuti-las. A pergunta então seria: até que ponto essas “atividades marginais”,
realizadas uma vez por ano, contribuem para o desenvolvimento crítico e a reafirmação
identitária e cultural do alunado da escola pública rural?
A escola “C”, como se sabe, é uma escola pública rural e todos os aspectos
ligados à identidade, à história e à cultura do povo da comunidade a que atende, não são
tratados de maneira adequada e não são percebidas no cotidiano dessa escola. A
ruralidade ali existente é ignorada de maneira tácita.
Portanto, é possível afirmar que se trata de mais uma escola de modelo urbano
transplantada para o mundo rural. Mesmo que se observe um conjunto de elementos
culturais de ruralidade involucrados em seus mais de 700 educandos e na sua
localização, os conteúdos curriculares dessa instituição, de uma maneira geral, não
levam em consideração as formas de vida local.
Logo, é na ausência de uma compreensão curricular maior do que seja educação
para o meio rural em seu contexto, ou educação diferenciada para populações ditas “do
campo”, que acontece esse processo de denegação da cultura e da identidade local: Os
alunos pesquisados nessa escola afirmam categoricamente que não querem ficar no
meio rural.
Assim, ao se articular com um currículo completamente urbano-centrado, se
constrói paulatinamente a assimilação dos educandos, rebaixando assim, a autoestima
dos jovens da região e causando o êxodo rural.
10.7 – O currículo e a escolha do material didático no caso da escola
pública rural (a escola “C”):
Uma das professoras entrevistadas na escola “C” reconhece que o planejamento
da escola rural deveria ser diferenciado, baseado naquilo que é a realidade do alunado
local:
297
O conhecimento daqui é diferente do conhecimento da
zona urbana e aí eu sempre digo que o planejamento de escola
rural deveria ser diferenciado, levando em consideração a
realidade contextualizada do aluno. A gente se adapta, tirando
daqui botando dali, mas o planejamento é que deveria ser
diferenciado (ent. professora/escola “C”).
Mesmo admitindo que o conhecimento e o planejamento da educação do campo
deveriam ser diferenciados desses da escola urbana, toda a grade curricular é a mesma
da apresentada para a cidade de Valença.
Uma das professoras citou a preocupação da nossa pesquisa em relacionar uma
nova concepção de currículo para os povos do campo, mas é preciso salientar que
alguns desses elementos já estão observados na DOBEC/2002. Assim, quando
questionamos sobre como os professores se organizam diante desta situação, a
professora respondeu que muda a metodologia, adaptando-se à realidade dos alunos e
observando o que eles trazem de maneira efetiva para a escola.
Nesse contexto, podemos dizer que são atitudes positivas dos professores desta
escola ao admitirem a importância de aspectos ligados à realidade local enquanto bases
para a construção curricular das escolas rurais, mas a inadequação curricular esbarra no
problema da competência técnica do professor e consequentemente no oferecimento de
uma educação de qualidade para o campo.
Este aspecto invoca a necessidade premente na reorganização de uma grade
curricular para as escolas públicas do campo, mesmo que essas escolas não sejam em
alternância, no sentido de respeitar as demandas locais, mas que seguramente seria mais
adequado se a escola apreendesse com o contexto local enquanto fundamento para o seu
planejamento curricular e metodológico e que este princípio fosse integrado ao seu
projeto político pedagógico.
Ainda em relação à escola “C”, os professores relatam aquilo que é comum na
falta de estrutura da escola pública rural no Brasil:
 A falta de uma grade curricular e de uma metodologia comprometida
com os valores e as demandas locais;
 A deficiência e a carência quase total de material didático-pedagógico;
 A deficiência no transporte escolar:
298
 A ausência de infraestrutura adequada para um trabalho docente de
qualidade como observado no caso desta escola.
Para uma das professoras entrevistadas, vale a capacidade inventiva e criativa na
adaptação dos seus programas de curso, pois, segundo ela mesma, nem os livros
didáticos correspondem à realidade dos alunos: “mesmo os livros didáticos são
completamente diferentes da realidade da zona rural”.
Vejamos a matriz curricular do município de Valença – ensino fundamental –
referente às escolas do perímetro rural para ano de 2008. Tomamos como referência a
disciplina “história” e as séries correspondentes com os anos de idade dos alunos das
duas escolas em alternância, que são a 7ª e 8ª séries, com carga horária de 80 horas
anuais (2 horas por semana):
Tabela 11: Grade curricular 7ª. Série.
I – Unidade
II – Unidade
III – Unidade
IV – Unidade
A Europa Moderna
Revolução Francesa
O primeiro reinado de D.
Pedro I
Mudanças
reinado
A Expansão
Portuguesa
O governo de Napoleão
Bonaparte
O império brasileiro em
perigo: as regências
A unificação da Itália e da
Alemanha
Enfim, ouro
Revolta e conflitos na
colônia
D. Pedro II no poder
A república brasileira
A Revolução Industrial
O Brasil conquistou a sua
autonomia
O neocolonialismo
A guerra de Canudos e
o cangaço
Colonial
no
segundo
Como se pode ver na grade curricular acima, é possível destacar apenas dois
conteúdos da II unidade que são a revolta e os conflitos na Colônia; O Brasil conquistou
a sua autonomia; e finalmente na IV unidade: a guerra de Canudos e o cangaço que são
passíveis de estar presentes na grade curricular das escolas rurais da região.
Ainda que os dois primeiros sejam mais gerais, “A guerra de Canudos”
aconteceu no sertão baiano, uma região bastante próxima da escola em pesquisa. Todos
os outros estão como é possível observar, completamente descontextualizados.
299
No caso da 8ª série, também com 80 horas anuais, pelo que se vê na grade
curricular abaixo, a situação é a mesma:
Tabela 12: Grade curricular 8ª. série.
I – Unidade
II – Unidade
No Brasil a Primeira Entre as duas guerras e
República
ascensão dos regimes
totalitários
A Primeira Guerra A Segunda Guerra
Mundial
Mundial
A Revolução Russa
A Guerra Fria
Entre as duas guerras e
a crise econômica
Xxxxxxxxxxx
Xxxxxxxxxxxx
A Independência das
colônias da África, Ásia
e da África do Sul.
Projeto: festa junina
Projeto:
feira
do
agricultor.
III – Unidade
A independência da
Bahia
IV – Unidade
A democratização do
Brasil
Movimentos
e
revoluções socialistas
A era Vargas
Os Estados Unidos no
mundo atual
A União Soviética e o
fim do Socialismo no
leste europeu
Uma região explosiva: o
Oriente Médio
Brasil 1945 – 1964
Brasil 1964 – 1985
Xxxxxxxxxxxxxx
Xxxxxxxxxxx
Xxxxxxxxxxxx
Tabela 8 Grade curricular 8ª. série:
Apenas o conteúdo Independência da Bahia, da III unidade, leva em
consideração parte da história que também concerne ao povo da região. Os projetos
“festa junina e festa do interior” mencionados na tabela acima são realizados por toda a
escola uma vez por ano.
10.8– As tensões entre alunos, pais de alunos/alunos e lideranças de
assentamentos. O caso da escola “A”
Esse é um quadro problemático recorrente, que se estabelece entre a juventude
que está se tornando qualificada nas escolas em alternância e o conjunto dos atores que
estão implicados no processo produtivo nas comunidades de um modo ou de outro.
Retomamos algumas falas para exemplificar bem a ordem do problema. Primeiro os
jovens têm que vencer a resistência dos próprios pais:
No início é toda uma dificuldade. Os nossos pais chegam
e dizem: eu sempre fiz desse jeito agora você chega e vem
querer me ensinar. (ent. aluno 6, esc. A)
Depois o problema se coloca com as lideranças de assentamentos. No caso dos
alunos oriundos de assentamentos, a situação é ainda mais complicada:
Ninguém abre espaço para os jovens que estão estudando. As
lideranças mesmo impedem que eles avancem no comando dos
assentamentos. São as próprias lideranças de assentamentos que
impedem o avanço desses meninos. (monitora/escola “A”)
300
Mas, pelo que foi observado inicialmente, tanto os pais quanto as lideranças de
assentamentos tratam os alunos da mesma forma:
Porque é assim, às vezes os pais e as lideranças têm os
meninos como mão de obra, mas, na maioria das vezes, ele não divide
isso. É essa a revolta: eu vou trabalhar pra você, só que você não vai
me pagar, então eu vou dar um dia na fazenda de seu fulano de tal,
porque ele vai pagar. (ent. monitora/escola “A”)
A gente começou a trabalhar com o orgânico, aí ele (o pai)
achava que o processo é demorado demais, aí um ano e pouco atrás
ele foi reconhecendo e agora que ele está usando mais. (ent.
aluno/escola “A”)
As relações de conflito entre os jovens e as famílias aparecem constantemente
nas falas dos alunos da escola “A”. A família e, por extensão, a própria comunidade, se
tornam o primeiro lugar de resistência às inovações ocorridas nas vivências dos alunos
entre campo e escola. Mas com o passar do tempo, pelo que foi possível observar, existe
um processo de evolução do diálogo e troca de conhecimentos entre pais e alunos, o que
não ocorre com as lideranças dos assentamentos. Para uma das monitoras entrevistadas,
o pagamento dos serviços prestados pelos mais jovens na zona rural cacaueira é um
problema cultural, que se diferencia, por exemplo, do sertão baiano:
A gente percebe que o tipo de agricultor lá é diferente
(no sertão) dos agricultores daqui; os meninos lá trabalham; não
é que os pais deem todas as condições, mas por trabalhar em
coletivo, sobra um pedacinho pra eles, eu falo no real, dinheiro
mesmo; eles têm uma parte que, aqui nesta região é mais difícil,
o povo não quer reconhecer o trabalho deles. (Ent. mont. esc. A)
A qualificação desejada acaba por se tornar motivo de exclusão, num
determinado momento, principalmente no início da vida escolar dos educandos em
alternância, isso se verifica, tanto na escola “A” quanto na escola “B”, pois tanto os pais
quanto as lideranças de assentamentos dificultam as “experimentações” dos
conhecimentos dos alunos nas propriedades. Nesse sentido, algumas soluções foram
aparecendo:
Temos um exemplo aqui onde o aluno construiu a casa dele,
próximo à casa do pai e fez uma mini propriedade dentro da
propriedade para trabalhar, e vários outros seguiram esses exemplos
para conseguir garantir a sua autonomia e a continuidade do
aprendizado. (ent. escola “A”)
301
Os meninos que saíram daqui pegaram uma área e
começaram a produzir melhor do que os assentados. Mas é
assim... (ent. escola “A”)
É possível explicar esse fenômeno levando-se em consideração um conjunto de
elementos constitutivos ligados a esse problema, que têm no jogo do poder político o
seu problema central.
Os alunos mais qualificados se constituem numa ameaça presente e cotidiana
para as antigas lideranças de assentamentos, que possuem, em sua maioria, um
conhecimento militante, mas, diga-se de passagem, não possuem um conhecimento
técnico da agricultura e no geral são, semialfabetizados ou mesmo analfabetos. Ainda,
nesse aspecto, importa lembrar que existe uma parcela de famílias de assentados rurais
que têm origem nas periferias das cidades, o que agrava ainda mais o seu
desconhecimento sobre os manejos agrícolas.
Diante desse quadro, os alunos são vistos como uma ameaça à perda de prestígio
e de poder das lideranças de assentamentos instaladas, razão pela qual tudo no
assentamento rural é feito para que o conhecimento do aluno não progrida.
A mesma situação ocorre quanto à questão de “gênero”. Segundo a monitora, as
lideranças não abrem espaço para as “meninas” trabalharem. Nessa situação, jovens
com formação fundamental para o desenvolvimento das técnicas de manejo agrícola nos
assentamentos são forçados a trabalhar em outras fazendas ou mesmo a migrar dos
assentamentos.
No caso específico das lideranças dos Sindicatos Rurais Brasileiros, vale
destacar as análises de Siqueira (apud Matos, 2001) ao afirmar que “há uma repetição
constante dos nomes nas direções sindicais, alternando cargos, ou seja, os sindicatos não
conseguem alterar suas lideranças; daí surgirem expressões como “conservadorismo
sindical” e “estrutura viciada” que, por fim, promove até a proximidade com o poder
local, sendo bastante usuais suas candidaturas para as câmaras legislativas municipais”.
Ainda, nesse contexto, esse autor afirma que há dificuldades de essas lideranças se
dedicarem a estudos, participarem de cursos, seminários, enfim, de melhor se
qualificarem. Elas dedicam pouco tempo para desenvolver o trabalho de base.
No que concerne aos estudos da Professora Sônia Matos (2001) – que trata da
Construção das Resistências e do (re) Significado da Vida no Campo: perspectivas para
302
a juventude – ela afirma que o trabalho de base com as mulheres, ainda que lento, existe
em todos os estados brasileiros, mas com os jovens é praticamente inexistente. Daí ser
possível perceber, enquanto exemplo o que ocorre também nos assentamentos: os
assentamentos são as provas das lutas dos oprimidos contra os opressores
(latifundiários), mas, no seu dia a dia, existe uma disputa interna contínua, mesmo após
a conquista da posse da terra.
Conceitos do materialismo histórico (marxismo) sustentam a relação onde uma
classe é a opressora e a outra é a classe oprimida, (o conceito de luta de classes)
“latifundiário x assentados”, mas os conflitos internos ocorrem de maneira constante.
No que diz respeito a esses alunos, isso se deve principalmente à relação que se
estabelece entre o saber tradicional, praticado pelos pais de alunos, e o saber produzido
pelas escolas em alternância.
No caso do conflito instalado entre alunos e lideranças de assentamentos, é
possível afirmar que existe uma relação direta na luta pelo poder interno e nas disputas
políticas existentes no contexto tanto local quanto regional.
As inovações tecnológicas aprendidas pelos alunos durante sua vida escolar
passam a ser vistas como ameaça de perda de prestígio e de poder pelas lideranças
tradicionais. No caso dos alunos de assentamentos (presentes majoritariamente na
escola “A”), observou-se também que essa relação conflitiva pode ter desdobramentos
perversos na conduta e na autoestima dos alunos, já que estão relacionadas diretamente
à manutenção do poder dessas lideranças. Os “jovens” representam uma ameaça
constante de perda de poder e hegemonia dentro das relações tradicionalmente
estabelecidas.
Pelo que se vê, a escola tem consciência dessa problemática que cerca os seus
alunos e, enquanto escola com o pensamento originário na pedagogia libertária
freiriana, se vê diante de uma situação espinhosa e profundamente dilemática. Isso
porque, em determinados momentos, é a própria escola, através dos seus monitores em
trabalho de campo, que tem que se confrontar com as lideranças, na tentativa de reverter
situações complicadas e tentar abrir mais espaços para que os jovens possam exercer, de
uma forma efetiva, o aprendizado da escola na comunidade.
Os conflitos entre pais de alunos, alunos e lideranças de assentamentos estão na
base dos processos de inovação aprendidos no decorrer do curso e na sua relação com a
303
aplicação prática na propriedade da família e, consequentemente, na comunidade local e
isso nem sempre é bem digerido pelos demais.
10.9– As implicações da sustentabilidade e o desafio da aquisição da
terra: proposições divergentes entre as escolas “A e B”
A falta de terra é, para os alunos que desejam se manter no meio agrícola, um
dos grandes dilemas encontrados por nossa pesquisa. Todo o conhecimento adquirido
durante anos de estudos fica comprometido, já que os alunos não terão como aplicá-los
em suas vidas futuras, optando muitas vezes pela migração.
Mesmo reconhecendo a “vivência” na escola como um momento importante na
formação e na aprendizagem dos jovens, o problema da terra se constitui em um nó nos
engajamentos das escolas rurais.
O jovem rural, que obteve uma “vivência” adequada nas EFAs e CFRs e que, ao
final dos seus estudos, se encontra sem “créditos e terras” para a efetivação dos seus
projetos de vida, volta a se constituir num migrante rural como qualquer outro,
entendendo que não existe razão para continuar no meio rural, já que os meios para
permanecer neste simplesmente não existem.
O ex-aluno torna-se, nesse caso, um “migrante rural de luxo”, pois traz consigo
todo um conhecimento sonhado durante décadas de luta pelos movimentos sociais e por
suas comunidades e famílias. Entretanto, ao concluir o curso, não lhe é garantida a
oportunidade de dedicar-se à atividade para a qual foi preparado durante anos.
Pelo que se observou a partir da motivação deles: os alunos querem ficar na
terra, querem ter terra e viver junto com a sua família e sua comunidade, mas as
condições para a sua permanência não estão asseguradas, e isso contribui para o
atrofiamento do desenvolvimento das comunidades rurais de pequenos produtores e de
suas famílias e, consequentemente, para a manutenção do êxodo rural.
Mais uma vez, a problemática da “educação e do desenvolvimento do campo”
retorna à cena. Se, em um primeiro momento, os movimentos sociais engajados
reclamam da falta de uma educação comprometida com a realidade dos povos que
vivem e retiram o seu sustento do campo, o problema agrário brasileiro se constitui num
304
entrave fundamental a uma ação pedagógica adequada, aos programas de estudo e às
melhorias socioeducacionais para as famílias de agricultores do campo brasileiro.
Há uma dificuldade que precisa ser debatida em relação à construção de uma
educação adequada para o campo brasileiro, e essa problemática não pode ser decidida
apenas pelos alunos e pelas suas famílias. É preciso que haja um engajamento de todos
os atores responsáveis: a Escola; o Estado e os Movimentos Sociais, com o objetivo de
encontrar soluções. A problemática de “aquisição da terra” para que a juventude plante
e construa seu futuro não pode ser desmerecida pelas escolas do campo, principalmente
num país com grandes dimensões territoriais e necessitando de uma reforma agrária
responsável e consequente que resolva por definitivo os problemas que enfrenta a
questão agrária no campo brasileiro hoje.
Na comparação sobre o problema de aquisição de terras nas escolas em
alternância, alunos, monitores e também diretores e técnicos abordam essa questão de
diferentes maneiras: a quantidade de terra existente entre o alunado da escola “B” se
situa entre 02 e no máximo 17 hectares, mas a média é de 05 hectares por família, pelo
que foi observado e a maioria dessas propriedades familiares já estavam completamente
cultivadas na época da coleta de dados. O que fazer, então?
Na formação e construção dos processos de autonomia dos jovens, a escola “B”
reforça a ideia de que esses jovens são “empreendedores rurais”; mas como foi possível
observar que a maioria desses jovens possuía, junto com as suas famílias, pouca ou
nenhuma terra, como deste modo, dar continuidade aos projetos a fim torná-los
empresários rurais?
Junto aos monitores da escola “B”, observou-se que existe uma visão legalista
acerca da aquisição e da propriedade da terra, partindo do princípio de que a posse das
terras brasileiras e da região é algo já estabelecido, dentro de uma compreensão
fundamentada no direito privado.
É preciso perceber também a postura da principal fonte de financiamento dessa
escola na época da pesquisa: a Fundação Odebrecht. Para ela, a conservação da
propriedade privada é algo inquestionável, ou seja, na escola, podemos tratar de
problemas técnicos agrícolas, mas jamais questionar a quantidade de terras e de
latifúndios existentes na região.
305
Seguindo esse modelo, para os monitores que se ocuparam dessa tarefa, foi
colocado o desafio de conseguir financiamentos em programas governamentais para a
compra de terras. A ideia seria de adquirir uma fazenda com aproximadamente 200
hectares, capaz de assegurar aos “jovens empreendedores rurais”, já formados pela
escola, a continuidade e a inserção profissional em suas vidas. Desse desafio e das
discussões sobre esta problemática surgiu o seguinte:
 O primeiro passo foi encontrar um programa de financiamento
governamental que se identificasse com o perfil dos jovens recém
formados: nesse caso, o programa identificado foi o “Nossa Primeira
Terra”, do Governo Federal.
O “Nossa Primeira Terra” tem como fundamento o financiamento de terras para
jovens agricultores que desejam continuar no campo; porém, no caso dos jovens dessas
escolas, as tentativas de aquisição de terras se revelaram infrutíferas, como veremos a
seguir:
 Em seguida aconteceu a formação de uma associação, que envolveu os
alunos recém-formados pela escola que desejavam adquirir terras. Eram
22 envolvidos, a quase totalidade da turma formada, que era de 27
alunos.
A associação foi criada buscando esse objetivo e, por dois anos, se manteve, até
que os alunos desistiram, por conta do insucesso da empreitada.
Sem dúvida a escola nos incentivou a construir a
associação, mas com o passar do tempo... (ent. aluna, esc. B)
 O terceiro passo foi a identificação do imóvel. Alguns problemas são
atribuídos a essa questão: o primeiro é o fato de que a maioria dos
imóveis rurais da região do cacau não possui documentação adequada,
por conta efetivamente da questão agrária e dos problemas jurídicos
relacionados ao campo brasileiro.
Os alunos e monitores chegam a afirma que mais de 90% dos imóveis rurais da
região tem documentação problemática, como nos disse um dos alunos: “sempre falta
algum documento”. Diante dessa situação, tornou-se impossível enquadrar um imóvel
com documentação regular no financiamento governamental para a aquisição da
propriedade.
306
O segundo problema estava relacionado à geografia da região que é em geral
bastante acidentada, o que caracterizava a maioria das propriedades desejadas. Segundo
os alunos e monitores; esse fato foi entendido como crucial no desenvolvimento das
técnicas de cultivos aprendidas no período escolar.
Assim, criou-se um empecilho para a aquisição das terras, pois quando havia
documentação correta, a terra era acidentada; quando se tratava de ter as condições
geográficas e quantidades de terras exigidas pelos alunos e monitores, havia problemas
na documentação.
 O quarto passo foi a construção da burocracia necessária para a aquisição
da terra. Dentro desse contexto, foram realizadas ainda algumas reuniões
com os alunos, os monitores, diretores da escola e as entidades
governamentais envolvidas no processo de financiamento, mas nada foi
adiante...
O programa “Nossa Primeira Terra” tem dificuldades estruturais concretas no
que diz respeito ao financiamento de terras para os jovens agricultores de um modo
geral. A Professora Germani (2011), do Instituto GEOGRAFAR da UFBA, um dos
institutos mais respeitados em matéria de mapeamento dos dados da questão agrária na
Bahia, considera esse programa como uma armadilha para as pessoas que precisam de
terra para trabalhar. A título de comparação, a professora cita o programa “Cédula da
Terra”, que está entre os programas de financiamento de terras pelo governo brasileiro,
no estado de Minas Gerais. Nele, os agricultores que financiaram a compra de terras não
conseguiram quitar as suas dívidas a partir da sua produção. Por isso, estão com suas
propriedades hipotecadas pelos bancos do governo. A Professora fala do “movimento
mineiro dos agricultores endividados pela cédula da terra.”
Esses elementos, além das discussões em torno do “problema agrário brasileiro”,
revelam a forte contradição existente entre o fato do querer continuar na terra e a
indisponibilidade desta. Não porque inexistam terras em abundância no Brasil, mas por
conta de que ela está concentrada na mãos de poucos e sequencialmente não existe a
vontade política entre as forças dominantes governo e latifundiários com a promoção da
redistribuição e do reordenamento das terras do Brasil – a Reforma Agrária.
O desejo dos jovens educandos na escola “B” seria de possuir a sua terra,
afirmando que, com a agricultura e as técnicas aprendidas, “dava para viver na terra”, e
307
que assim, prefeririam ficar no campo, mas a realidade apresentada era outra: a da
dificuldade na aquisição da terra e do êxodo forçado.
Alunos e monitores da escola “B” têm posições diferentes sobre o problema da
aquisição de terra. Para a maioria dos monitores entrevistados, o problema da aquisição
da terra esbarra na quantidade de burocracia imposta pelo governo. Essa foi a principal
dificuldade, além dos problemas de documentação, que é consenso entre as duas partes.
Para os alunos, a escola “B” não foi suficientemente vigilante na sequência do percurso
pós-escolar; também para eles, a ausência de um desfecho positivo para a aquisição da
terra seria uma falha da própria escola.
10.10– A relação dos professores/monitores das escolas “A, B e C” com
o trabalho de educar no campo: o caso das três escolas em pesquisa
Numa tentativa de resolver o problema da falta de professores para atuar no
campo, os movimentos engajados na luta pela educação no campo, entre eles as EFAs e
o MST, criaram a partir de 2002 o curso de licenciatura em Pedagogia para o Campo
que consistiria na formação de professores para atuar nas suas próprias redes e escolas,
tanto em escolas de assentamentos, quanto em escolas em alternância no campo.
Esses cursos, que começaram a ser difundidos pelas universidades brasileiras,
procuravam de uma maneira geral, recrutar alunos que tivessem experiência em
trabalhar como professor nas escolas do campo, ou por indicação da escola ou do
movimento do campo em que atuam.
Para a diretora da escola “A”, seria preciso que o Estado avançasse na resolução
deste problema e fizesse reservas de vagas em concursos públicos para professores que
desejassem atuar nas escolas do meio rural. Ainda nos dias atuais o problema da
demanda de professores para atuar nas escolas do campo ainda se constitui num grande
desafio, tanto ligado a necessidades de profissionais, a competência técnica quanto à
quantidade de quadros dispostos a atuar nessas escolas.
Os salários médios entre as três escolas variam muito: professores da escola “A”
efetivos têm média salarial de 2 salários mínimos; os professores da escola “B” recebem
em média 4,5 salários mínimos e os professores da escola “C” também recebem pelo
308
trabalho em média 2 salários mínimos, sendo que a maioria dos professores da escola
“C” ainda atuam em várias outras rurais da região.
Para compreender de maneira mais precisa o fenômeno do compromisso com o
campo, reunimo-nos com os professores e a diretora e questionamos sobre qual relação
que cada um deles estabelece com a educação e a escola em que trabalham? Neste caso,
é possível afirmar de uma maneira geral, os professores das três escolas gostam de
trabalhar no campo, embora as condições de trabalho sejam diferentes nos três
estabelecimentos de ensino: por exemplo, os monitores e coordenadores pedagógicos da
escola “B” se dizem motivados nos seus trabalhos. Neste caso, para a tese, a motivação
advém da boa qualidade nas condições de trabalho oferecidas por essa escola, o salário
é mais que o dobro do que o das outras duas escolas além das condições de alimentação
e alojamento, que são adequadas.
Dentre os professores entrevistados nas três escolas sobre a questão do
engajamento e do comprometimento em educar no campo, as respostas foram quase
unânimes. Alguns professores entrevistados na escola “C”, por exemplo, afirmaram que
não trocariam o trabalho no campo pela cidade, pois, segundo eles:
Existe uma grande troca de conhecimentos, ao mesmo
tempo em que ensinamos, aprendemos. Desde quando eu vim
trabalhar aqui eu aprendi tantas coisas que eu nunca pensava lá
na cidade. (professores escola “C”)
Num outro depoimento sobre a sua formação para o campo, a professora afirma:
É aquela questão, quando eu me formei, me formei foi para
ser uma educadora, eu não me formei para ser uma educadora rural.
(professores escola “C”)
As professoras da escola “C” citam também como motivo o respeito que os
alunos do campo têm pelos seus professores:
Diferente dos alunos da cidade, os alunos do campo mantêm, de
maneira diferenciada, o respeito pelos seus mestres. E não é uma
questão de medo, mas de respeito, pois os alunos sentam com a gente,
dialogam, questionam... e quando eles questionam, eu já vou
instigando para ele questionar mais e já vou entrando numa
discussão... eu gosto de instigar os meus alunos, então é aquela
questão... eles me respeitam. (professores escola “C”)
309
Neste caso, todas as falas indicam a falta de uma formação adequada para o
meio rural. Não é que o local seja hostil ao trabalho dos professores que para lá se
dirigem, mas fica claro que existem especificidades prementes que precisam ser
respeitadas e observadas no processo pedagógico.
No caso da escola “A”, falta espaço para implantação de uma biblioteca; as
obras existentes não são suficientes para uma formação em adequação aos objetivos
desejados pela escola.
No caso particular dessa escola, temos o seguinte:
 O fato de os salários oferecidos por essa instituição serem pouco
atrativos, apenas pessoas com um nível elevado de engajamento político
têm se colocado à disposição para o trabalho na escola. Em grande parte
dos casos – por exemplo, no caso do financiamento do técnico e do
pessoal de apoio – a ajuda financeira vem de organizações não
governamentais internacionais, como se vê no quadro abaixo;
 Verifica-se uma constante falta de professores/monitores. Ao final de
cada semestre letivo, acontece o mesmo problema, sendo que a equipe
dirigente da escola, nesses momentos, deve estabelecer contatos
urgentes, na tentativa de resolver o problema, nem sempre com sucesso,
ocasionando a continuidade do ano letivo com carência de algumas
disciplinas;
 A falta de monitores dificulta o acompanhamento sistemático nas
comunidades assistidas pela escola;
 Material didático pedagógico sempre com dificuldades;
 A produção agrícola da escola para a sua alimentação não garante a sua
autossuficiência.
No caso da escola “A”, o reconhecimento do curso de 5ª a 8ª série pelo Governo
Estadual foi firmado por meio de um convênio entre a escola e a Diretoria de Educação
(DIREC) do município de Ilhéus; os salários dos professores passaram a ser pagos pelo
Estado. Aqui cabe esmiuçar as relações de convênio entre o Estado e o fornecimento de
professores para essa escola:
310
 O Estado tem oferecido professores através de um contrato denominado
REDA, (Regime de Direito Administrativo). São professores ainda
estudantes dos cursos de licenciatura nas Universidades da região, mas
principalmente do curso de Pedagogia. Os contratos são firmados entre a
DIREC e os professores por um período de dois anos. Essa situação
deixa a escola bastante fragilizada, os professores não têm formação
coerente nem engajamento com o trabalho da escola.
O convênio recebe professores oferecidos pelo Estado sem as
compreensões pedagógicas daquilo que a escola desejava. Os
professores, em sua maioria, exercem suas atividades sem vínculos
efetivos nem afetivos com o perfil da escola. “Mas fazer o quê?”
questionam.
 Como se não bastasse, o Estado mudou a regra de contratação pelo
REDA para o que eles chamam atualmente de PST: o professor é
contratado por três meses e renova o seu contrato durante certo período, a
cada final do contrato. O resultado é a fragilização ainda mais do corpo
docente da escola, composto de professores não comprometidos com
uma pedagogia em contexto. Assim, é recorrente encontrar alunos sem
aulas, professores sem contrato e a escola com sérias dificuldades para
sobreviver.
10.11– Diferenças fundamentais na continuidade entre os ex-alunos da
escola “A”, “B” e “C”:
A nossa pesquisa demonstrou que
o trabalho
na
continuidade do
acompanhamento dos jovens ex-alunos nos momentos posteriores à realização da
aprendizagem, é de extrema importância no que concerne ao sucesso de suas vidas.
A solução encontrada pela escola “A”, ainda que precária, tem sido a única
maneira pela qual os jovens dão prosseguimento aos seus estudos e às suas vidas
profissionais. Já a falta de acompanhamento dos ex-alunos da escola “B” tem
significado a interrupção dos seus estudos. Esse fato é apontado como um problema
sério e que precisa ser revisto pela escola, considerando que as condições em que
311
encontramos a maioria dos ex-alunos vivendo e trabalhando na cidade de Tancredo
Neves, é para a tese um indicador importante sobre a continuidade profissional em suas
vidas.
Se de um lado as escolas possuem recursos diferenciados, sendo que a “B” é
nitidamente a que possui o maior volume de financiamento por aluno, por outro lado,
observa-se que as formas de engajamento das escolas na continuidade dos “jovens” são
demarcadores fundamentais para o sucesso profissional de cada aluno em particular.
A escola “A” consegue, mesmo de forma precária, manter por algum tempo os
seus ex-alunos em seu foco de visão, sabendo aproximadamente o que cada aluno está
fazendo e onde está localizado no intuito de dar continuidade e orientação aos seus
estudos. A escola “B”, não faz um acompanhamento mais sistemático.
A intervenção da diretora da escola “A” foi a responsável direta pela entrada de
doze dos seus ex-alunos no curso técnico de formação em agropecuária da EMARC, em
Teixeira de Freitas. A aquisição das vagas foi seguida de um processo de pressão
bastante tensivo sobre o diretor dessa escola. O diretor da EMARC argumentava
inicialmente que não havia vagas e que os egressos da escola “A” não possuíam
condições intelectuais capazes de acompanhar o ensino oferecido pela EMARC e o
terceiro argumento seria de que não havia mais espaço nos alojamentos para acomodar
os ex-alunos que chegavam da escola “A”. Todavia, os ex-alunos responderam que não
haveria problema se eles tivessem que dormir no chão. Depois do recuo da direção da
EMARC e após um período curto de negociações, finalmente, surgiram as vagas nos
alojamentos e os ex-alunos foram matriculados de forma definitiva.
Na sequência desse evento, a direção da escola “A” passou a motivar seus exalunos, argumentando que eles tinham que dar tudo de si para demonstrar que tinham as
condições para estudar na EMARC. Após a finalização do primeiro ano de estudo e com
o sucesso conseguido por essa primeira turma, o próprio diretor da EMARC procurou a
direção da escola “A” para informar da reserva de vagas à disposição da escola no ano
seguinte.
Alguns desses egressos (irmãos mais velhos), filhos dos assentados, estão neste
momento cursando escolas especializadas de agricultura em nível técnico, ou já
concluíram (caso de alguns), ou estão começando cursos em universidades diversas da
312
região. Os pais identificam a escola como a principal responsável pelo andamento dos
projetos de vida desses ex-alternantes.
Essa situação demonstra o quanto é fundamental o engajamento dos monitores e
diretores das escolas do campo, particularmente das escolas em alternância, na
continuidade do acompanhamento na vida dos alunos ou ex-alunos, pois, do outro lado,
abandonados à própria sorte e sem terra, o fracasso e a angústia de não ter conseguido
seria inevitável.
Mesmo com condições financeiras melhores e dentro de uma estrutura maior,
oferecendo-lhes lazer, laboratórios de informática, biblioteca, etc., a maioria dos exalunos da escola “B” pesquisados estão em condições de precariedade em suas vidas
profissionais, nitidamente maiores que os da escola “A”. De uma maneira geral, estão
sem terra, trabalhando nas pequenas propriedades de suas famílias ou trabalhando no
que aparece no mercado de trabalho local da cidade, em outras áreas. O quadro abaixo
demonstra a diferença entre 10 egressos das três escolas pesquisadas.
Tabela 13: o que fazem os ex-alunos da escola A, B e C
Ex-aluno
Escola A
1 Ensino médio
2 Ensino médio
3 Ensino médio
4 Faculdade de Agronomia
5 Apoio Sasop
6 EMARC Agropecuária
7 Ensino médio
8 EMARC Agropecuária
9 EMARC Agropecuária
10
Comerciário
Escola B
Fábrica de sapatos/auxiliar
de escritório
Fábrica de sapatos/produção
Comerciário
Artesanato/desempregado
Escola C
Desempregado
Artesanato/desempregado
Auxiliar
Secretaria.
Agricultura (Estagiário)
Auxiliar
Secretaria.
Agricultura
(Estagiário)
Auxiliar
Secretaria.
Coopatan
(Estagiário)
Auxiliar Secretaria CFR/TN
(Estagiário)
Auxiliar Secretaria CFR/TN
(Estagiário)
Desempregado
Desempregado
Ajuda os pais na roça
Ajuda os pais na roça
Desempregado
Ajuda os pais na roça
Ajuda no comércio
Ajuda os pais na roça
Ajuda no comércio
Tabela 9 Diferença entre 10 egressos das três escolas
Os ex-alunos da escola “B”, de uma maneira geral, foram localizados e
entrevistados na sede do Município de Tancredo Neves. Foram entrevistados 10 exalunos de forma individualizada.
313
10.12– Sobre a continuidade dos ex-alunos da escola “A, B e C”:
Foram entrevistados 10 alunos: 6 alunos estão agregados na própria escola, por
conta da continuidade dos seus estudos e proximidade com o centro da cidade (Ilhéus);
eles continuam os estudos em troca de efetuarem tarefas decididas pela escola ao longo
do ano escolar.
Quatro alunos foram entrevistados na sua propriedade depois que haviam
concluído o curso de agropecuária na EMARC de Teixeira de Freitas e se preparavam
para cursar Agronomia na Universidade Federal da Paraíba.
O problema da distância entre as escolas formais de ensino médio e as
propriedades dos alunos continua a se constituir num problema para a maioria dos
jovens que finalizaram seu tempo de estudo nesta escola em alternância, já que nem
todos vão para as EMARCs.
No que foi possível observar, a maioria dos jovens mantém a motivação pela
continuação dos estudos (finalização do ensino médio, cursos técnicos em agropecuária,
faculdades diversas, principalmente na área agrícola), mas o retorno à área familiar
também implica numa suspensão dos estudos que, às vezes, é definitiva.
Compreendendo o dilema que se impunha em relação ao retorno dos jovens às
suas comunidades, a escola fez a seguinte opção: manter uma quantidade de jovens exalunos em situação de agregação na escola em troca de trabalhos de apoio, que se
realiza ao longo do tempo de estudo. A escola está localizada numa zona agrícola muito
próxima à cidade de Ilhéus (cerca de 5 km), o que favorece a matrícula em cursos da
cidade numa relação de ida e volta diária.
O nível elevado de evasão na escola “C” nos permite fazer a seguinte análise:
primeiro a afirmação de que a vivência dos alunos matriculados nas duas escolas em
alternância é melhor do que a vivência dos alunos da escola pública rural; segundo, a
desvinculação curricular é fator preponderante nos processos de migração e êxodo
desses alunos para a cidade.
Todos os alunos das duas escolas em alternância que participaram da nossa
amostra afirmam categoricamente a importância dessas escolas nas suas vidas como
algo positivo. Segundo eles, são inegáveis as contribuições do ponto de vista do ensino/
aprendizado nessas duas escolas. Para um grupo de alunos da escola “B”:
314
Nenhum jovem é mais o mesmo depois de passar por essa
escola, o nível de engajamento, o nível de responsabilidade e os
projetos de futuros são marcas decisivas para os jovens que estudam
na escola.
Uma das ex-alunas desta escola chega a dizer que:
Eu sou o resultado daquilo que a escola me
proporcionou, eu não me arrependo de ter passado os três anos
lá. Eu não tenho do que reclamar: os profissionais são de
excelente nível, os professores e os monitores... eu não me
arrependo. Do ponto de vista das técnicas agrícolas, não tem
como negar, como já comentamos, os profissionais são de
excelente qualidade.
Em seguida, procuramos saber como os alunos consideraram o percurso pela
escola “B” e constatamos que existe uma unanimidade em considerar o percurso nesta
instituição como um dos melhores momentos de aprendizagem de suas vidas. Todos os
ex-alunos afirmam considerar a qualidade dos cursos, bem como a qualidade dos
monitores da escola como excelente e relatam a importância de se ter construído uma
verdadeira família ao longo dos 3 anos de escolaridade.
Naquilo que foi possível observar, existe uma inquietação desses ex-alunos no
que concerne ao prosseguimento das suas vidas nos setores diversos; para a maioria
deles, deveria haver um maior engajamento por parte da escola no acompanhamento
pós-escolar. Então, o que deve ser feito?
O desejo, a partir daquilo que foi o eixo central da escola, seria de garantir a
sustentabilidade a partir da sua própria terra. Mas o que fazer quando se trata de alunos
que vivem em propriedades familiares que, em geral, não ultrapassam os 05 hectares?
No caso da escola “A”, ocorrem os mesmos tipos de dificuldades. Poucos são os
alunos cujas famílias possuem terras suficientes para dividi-las com os seus filhos
recém-formados, apesar de a quantidade de terras das famílias dos assentados ser
nitidamente maior do que as terras dos pequenos produtores tradicionais familiares nas
duas escolas em alternância.
Para uma das ex-alunas da escola “B” que trabalha atualmente no comércio, as
dificuldades são muitas. Diz ela:
Percebo que a maioria dos jovens que frequentaram a escola
estão tendo dificuldades de se manter no meio agrícola. Para se ter
uma renda não muito grande, ou seja, um salário mínimo, muitos
desses jovens estão morando aqui na sede de Tancredo Neves. Não
315
são todos os jovens da minha turma de 35 alunos que conseguem se
manter na terra. É complicado, para mim sempre foi. Eu mesma só
tenho um projeto produtivo na minha área, depois que eu saí de lá,
porque eu tive que tomar um empréstimo do PRONAF/B para poder
fazer uma área de banana, e agora estou começando a fazer a primeira
colheita. Então, na verdade, eu não tinha um capital para poder
investir do meu dinheiro e também junto com a minha família. Então,
assim... não é fácil.
A escola tem como enfoque principal a formação de empreendedores rurais;
mas, ao final dos 3 anos de curso, o que esses jovens fazem realmente ou deveriam
fazer?
10.13– Do conhecimento das novas leis e da disponibilidade dos
recursos para a gestão das escolas do campo
Uma das constatações da nossa pesquisa é de que a maioria dos professores e
professoras do campo não tem o conhecimento devido da DOBEC/02 e muito menos
ainda da Resolução do Conselho Nacional de Educação para o Campo/2008. Para a
diretora da escola “A”:
As próprias secretarias municipais preferem que seus
professores - ligados ao campo - não fiquem informados do que está
aprovado nesses documentos, pois em caso de apropriação dessas
informações, haveria um aumento de pressão para que suas secretarias
de educação reservassem um nível de adequação maior à educação do
campo, assim como reservassem recursos ou se inserissem na
participação de editais diversos, para obtenção de fundos.
Segundo informação do próprio MEC sobre o edital/08 que se destinava à
formação de profissionais para as escolas do campo, apenas 18 prefeituras no Brasil
inteiro participaram. Dentre os motivos, estão a inadimplência de muitas prefeituras em
relação a comprovação dos gastos com a educação (corrupção e incompetência) junto ao
FUNDEB (Fundo Nacional de Educação Básica) e o desconhecimento das secretarias
municipais de educação sobre as leis e documentos existentes no respeito com a
educação para o meio rural. Apenas municípios com gestores mais comprometidos e
engajados é que participam e incentivam as suas SECs a buscar recursos para esses fins.
Diante disso, questionamos o MEC sobre as disputas jurídicas que se travam
entre o governo e as prefeituras na aquisição desses recursos. A resposta, segundo a
consultora do MEC, é o processo eleitoral, onde “as populações dos municípios elegem
316
gestores mesmo sabendo que estão vinculados a casos de corrupção e negligência na
prestação de contas das prefeituras”.
O problema é que são milhares de crianças e adolescentes do campo que
necessitam, de forma urgente, de transformações curriculares e estruturais em suas
escolas, de melhoria na qualidade dos seus transportes e do transporte dos seus
educadores, de melhoria na produção didático-pedagógica e que dependem em absoluto
desses recursos. Enquanto existir a disputa jurídica entre gestores municipais e governo
federal, perpetuar-se-á, por conseguinte, o abandono e o esquecimento da escola do
campo.
Outro aspecto que nos chama a atenção é a organização das escolas do campo
pelas secretarias municipais de educação. Nesse caso, as razões de carência das escolas
do campo na aquisição dos recursos estariam ligadas à estrutura organizacional da
escola e do município, composta pelos conselhos escolares e pelos conselhos ou
coordenações municipais de educação do campo. A professora da escola “C” diz o
seguinte:
As escolas que têm conselhos escolares possuem uma certa
autonomia na aquisição e compra dos materiais necessários, mas nas
escolas que não possuem conselhos, falta até folha de papel.
(professora/escola “C”)
Na verdade, se trata de uma das situações vividas pela maioria das escolas rurais
brasileiras e de escolas das periferias urbanas mais empobrecidas, o que resume e
explica por si só a questão da exclusão, da falta de oportunidades iguais para todos e,
consequentemente, da marginalização de uma parcela importante da sociedade.
A consultora do Ministério de Desenvolvimento Agrário, que participou do
seminário sobre os desafios da “educação do campo” para a Região do Cacau, que
Conselho Escolar
Conselho Municipal
de Educação do Campo
Conselho Estadual de
Educação do Campo
RECURS
OS
317
Coordenação
Nacional de Educação do
Campo (MEC - MDA
aconteceu em junho 2008, em Itabuna, reconhece essa questão. Ela afirma que o
problema principal é o da organização e da gestão dessas escolas pelos Municípios, já
que, no Brasil, os recursos existem. Ela cita como exemplo o caso dos transportes
escolares, dominados por grupos que dão sustentação política a gestores municipais
diversos. Retornando ao caso da gestão escolar, a princípio, para obter recursos, a escola
deveria então se organizar da seguinte forma:
10.14– Sobre a possibilidade das escolas do campo produzir o seu
próprio material didático-pedagógico:
Uma professora entrevistada na escola “C” cita, mais uma vez, o exemplo da
escolha do livro didático. Para ela, o problema é recorrente. Mesmo falando de escolhas,
todos os livros já vêm prontos, escolhidos pelo MEC e distribuídos nacionalmente. Na
verdade, a “escolha do livro” é a escolha que o MEC já fez para todo o território
nacional e que não contempla a diversidade curricular necessária aos diversos contextos
e continua sem aproximação com a realidade dos povos do campo e dos “culturalismos
brasileiros”.
Para uma das professoras, trata-se de uma imposição recorrente do sul sobre as
outras regiões do país. Nesse caso, o MEC e as demais secretarias estaduais e
municipais de educação não se preocupam com essa importação de realidades do sul e,
por conseguinte, da Europa nas suas comunidades. O resultado são livros e conteúdos
distanciados da realidade cultural, histórica, social, política e econômica dos alunos,
como se pôde observar com a disciplina história da escola pública rural que
pesquisamos.
Sobre a escolha do livro didático, os professores comentam que ela é feita para
todo o município, mas se lamentando da forma como a escolha é feita. Uma professora
disse que os livros colocados à disposição das escolas do campo não correspondem à
realidade do alunado. Outra professora revelou que procura produzir o seu próprio
material didático, a partir de recortes de jornais ou de revistas que trazem informações
interessantes concernentes à realidade do povo local:
Mesmo os livros que a gente escolhe não dá para se
adaptar aqui. Outra professora diz: eu mesma produzo o meu
318
material didático, já que o livro está muito distante da realidade
dos alunos. (professora/escola C)
10.15– A certificação das CEFFAs enquanto perspectiva para a
educação do campo brasileiro
As escolas que praticam educação em alternância têm enfrentado graves
problemas em seu reconhecimento por parte do governo brasileiro. A questão da
certificação das escolas é fundamental para trazer inúmeros benefícios, tanto para as
escolas quanto para os alunos matriculados nelas. Na relação com o governo, por
exemplo, é possível estruturar parcerias formais do ponto de vista do seu
funcionamento, o que evitaria principalmente os dilemas observados de uma maneira
geral quanto à sua continuidade.
Sem a certificação oficial dos processos de ensino/aprendizagem, significa dizer,
por exemplo, que não há reconhecimento por parte do Estado das ações pedagógicas
desenvolvidas por essas instituições.
O problema mais grave foi observado na escola “B”, no período de pesquisa: a
solução encontrada pelos alunos foi um projeto de SUPLETIVO48 para recuperar, em
curto prazo, o tempo que estudaram em suas dependências. Esse projeto não agradou
nem um pouco aos ex-alunos da escola “B”, já que a ideia era a continuidade dos
estudos e não um retorno para recuperar os anos de estudos formais que ficaram
suspensos por conta dos três anos de estudo nessa escola. Esse problema é, sem dúvida
nenhuma, o responsável direto pelo impasse na formação dos jovens que estudam nas
escolas em alternância do Brasil.
A exclusão por conta da não certificação ou reconhecimento oficial das escolas
em alternância no Brasil cria um conjunto de dificuldades para essas.
Para o Pe. José Romualdo Degasperi, (2004) da Universidade Católica de
Brasília, o fato seria de que o Estado não tem domínio ideológico e político sobre as
escolas em alternância, pois, embora profundamente comunitárias, sua gestão não é
48 O SUPLETIVO é o curso que permite a condensação das disciplinas escolares, seja do ensino
fundamental, ou do ensino médio o que permitindo ao aluno com distorção idade série recuperar anos de
estudos em períodos curtos, normalmente de um ano.
319
governamental, então, neste caso, se julga também no direito de não subsidiá-las.
“Esquece-se, de má-fé, que os estudantes dessas escolas, aliás, de todas as escolas não
estatais, são cidadãos brasileiros iguais e com iguais diretos aos de quem frequenta as
escolas do Estado”.
No caso da escola “B”, toda essa situação acabou por gerar um mal-estar muito
grande entre os ex-alunos, os quais estavam certos de que, ao final do tempo de estudos,
receberiam os seus certificados de conclusão de curso.
A não certificação é citada pelos ex-alunos da escola “B” como o “problema
número um” a ser resolvido pela escola. A existência do certificado reconhecido pelas
SECs estaduais resolveria, de um lado:
 O problema da continuidade nos estudos no mundo escolar formal;
 Por outro lado, facilitaria a inserção profissional, já que, numa possível
existência de vagas de trabalho os alunos estariam aptos.
Esse título facilitaria a inserção dos egressos das escolas em alternância no
mercado de trabalho tanto de empresas privadas quanto estatais interessadas nesse perfil
de profissional.
Duas outras vias buscadas pela escola “B” na época foram:
 Trabalhar os conteúdos convencionais das escolas formais públicas
“urbanas” no interior da escola, a fim de reforçar o conhecimento e evitar
o esquecimento de conceitos básicos de disciplinas tradicionais;
 A segunda alternativa: os alunos quando não estão em alternância nas
dependências da escola, frequentariam por sua vez, as escolas formais da
região.
10.16– Reconhecimento e recrutamento das escolas em alternância (A
e B) em pesquisa
No caso específico deste estudo, constatou-se que os procedimentos de
recrutamentos e certificação das escolas não são uniformes:
 Os alunos da “A” obtêm a 8ª série do ensino fundamental ao final dos
seus três anos de estudo (garantidos pela DIREC).
320
 No caso da escola “B”, (pesquisa de 2008) os alunos que tinham a
mesma idade dos alunos da escola “A” entravam com a 8ª série do ensino
fundamental, mas, pelo período estudado, ou seja, os três anos que ficam
na escola, não recebiam nenhum reconhecimento das SECs, forçando-os
a refazer mais três anos de ensino médio nas escolas públicas das
cidades.
Outra observação está no fato de que a DIREC garantia o certificado de
conclusão da 8ª série, mas esse certificado não representava as qualificações adquiridas
pelos alunos nos três anos de aprendizado em uma escola do meio rural em alternância.
No funcionamento da escola “C”, os estudantes oriundos da zona rural recebem
o certificado pelo período escolar estudado e estão, assim, reconhecidos pelo Estado e
poderão continuar seus estudos. Ao finalizar esse período de estudos nas escolas estatais
tradicionais rurais, esses ex-alunos farão trabalhos diversos no meio rural ou nas cidades
próximas sem qualquer qualificação e com uma perspectiva de progresso de vida muito
reduzida comparada aos alunos das duas escolas em alternância.
Os ex-alunos da escola “C”, que permanecem na zona rural trabalhando ou
“ajudando” os pais nas lavouras de suas propriedades, ficam sem nenhuma qualificação
técnica para o meio rural. O termo “ajudar” é próprio, pois, sem qualificação
equivalente, o jovem/aluno/egresso dessa escola tem poucas chances de influenciar as
suas famílias nos processos de desenvolvimento requeridos em suas propriedades.
Tomando apenas os elementos do “informal e do formal”, observamos que as
escolas em regime de alternância com recorte pedagógico definido para o meio o rural,
mesmo oferecendo disciplinas de eixos formais, não estão regulamentadas pelo
Conselho Nacional de Educação enquanto escolas formais. Assim sendo, na verdade, se
partirmos desse pressuposto de legalidade estatal, a educação praticada pelas EFAs e
CRFs é considerada informal e não merecem por assim dizer o reconhecimento do
Estado, como tem sido via de regra, o que é a nosso ver um contrassenso.
Para a tese, essas escolas atuam como instituições formais que educam e formam
os povos que vivem e trabalham no campo. A catarse se estabelece, no que chamamos
de “dupla face” desses processos da exclusão na educação camponesa no Brasil: pois se,
de um lado, a qualidade das escolas públicas rurais, enquanto instituições formais
oficiais, não trazem as perspectivas de sustentabilidade agrícola, de enraizamento
321
cultural e identitário, de autonomia e de qualificação profissional, que seria o ideal, por
outro lado, as escolas rurais engajadas, (escolas em alternância) de uma maneira geral
por não possuírem o reconhecimento oficial, ficam navegando entre a formalidade e a
informalidade, tendo dificuldades no seu reconhecimento e consequentemente por falta
desse reconhecimento, colocam os jovens alternantes em imensas dificuldades na
continuidade dos seus estudos e de sua formação profissional
Se, de um lado, é possível considerar os centros de formação em alternância
como escolas engajadas na formação para o meio rural, portanto, considerando-as como
escolas inclusivas para os povos que vivem no campo, por outro lado, o jovem egresso
das escolas em alternância tem que retomar a continuidade de seus estudos nas escolas
públicas formais, o que as remete a problemas sérios no que diz respeito a falta de
autonomia e reconhecimento.
A contradição reside no fato de que as escolas em alternância no campo,
independente das regulamentações estatais, têm um engajamento concreto com a
formação dos povos rurais e é, sem sombra de dúvida, melhor estudar numa escola em
alternância do que na escola pública rural, mas ao mesmo tempo elas têm que enfrentar
problemas recorrentes ligados ao seu financiamento, autonomia e reconhecimento.
Na verdade, isso reflete o atraso das políticas públicas brasileiras no
reconhecimento de uma educação pública de qualidade para o campo. Mesmo que se
reconheçam as aberturas recentes em direção à construção de uma educação para o
campo (LDB-DOBEC), a demora das políticas governamentais em afirmar projetos
adequados traz consequências graves para a formação dos jovens no mundo rural. E
assim de certa forma, as CEFFAs ficam reféns dessa situação.
Deste modo, problemas como os citados acima ainda serão grandes desafios a
serem encarados pelas políticas de educação para o campo no Brasil, por culpa dos anos
de esquecimento ou da falta de projetos concretos de educação nas zonas rurais do país.
Segundo o depoimento da Diretora da Escola “A”, “os contratos com ONGs
têm duração limitada e, a cada ano, após o vencimento de contrato, é necessário correr
atrás de uma nova renovação, o que nem sempre é conseguido”. Assim ocorre que todo
final de ano tem-se um enorme preocupação com o ano subsequente, pois não se sabe
qual das entidades financiadoras quer ou tem condições de continuar a financiar a
continuidade da escola.
322
O nosso entendimento é que as escolas em alternância não podem atender
perpetuamente a situações emergenciais como tem sido até então e que é necessário
pensar em condições normais de funcionalidade, dentro de um contexto propício, para
que haja uma educação própria e apropriada aos povos do campo.
De qualquer maneira, a partir dos dados obtidos através dos diretores das três
escolas sobre a média de evasão. Ela é diferenciada nas três instituições: na escola “A”
seria de aproximadamente de 1% e 5%; na escolar “B” quase não existe evasão,
afirmando o seu diretor que estaria em torno de menos de 1%; já na escola “C” a evasão
sobe para mais de 20% (vinte por cento).
Neste caso é visível que as duas escolas em alternância conseguem manter os
seus alunos durante o período de estudos, sendo esses dados muito importantes para a
nossa pesquisa: no caso da escola “A”, mesmo em condições econômicas difíceis
(alimentação, lazer, sala de aula etc.) os alunos permanecem. Na escola “B” que possui
por assim dizer, condições ideais de funcionamento, praticamente não há evasão; e que
a evasão na escola pública rural escola “C”, seria uma realidade perceptível nas escolas
públicas rurais da maior parte do Brasil, como já constatado por alguns estudiosos do
tema como já citados anteriormente na problemática (Mansano; Aroyo & Caldart,
2004).
No caso, da escola “B”, a matrícula é feita a partir do processo de triagem dos
alunos por conta da enorme demanda de filhos de agricultores desejosos de entrar na
escola. Essa triagem leva em consideração principalmente o fato dos alunos serem
filhos ou filhas de agricultores da região e terem terra para reproduzir as experiências
aprendidas na escola.
Na escola “C”, há os mesmos problemas da maior parte das escolas rurais
espalhadas por todo o Brasil e o número alto de evasão reforça a ideia do ensino
descontextualizado como um dos principais indicadores do êxodo rural.
323
324
CAPÍTULO XI
325
11. Conclusão da tese sobre a educação e o desenvolvimento no
meio rural brasileiro.
As conclusões dos procedimentos pedagógicos das escolas analisadas nesta
pesquisa estão na “maneira” como os fenômenos educativos de cada escola em
particular se colocam para a “educação e o desenvolvimento” das comunidades
envolvidas em seu entorno.
No primeiro momento deste capítulo conclusivo, apresentamos as comparações,
as similaridades, as diferenças, e os desafios dentro de uma intenção analítica sempre de
estruturar e contribuir de maneira eficaz com o desenvolvimento da educação para o
meio rural como um todo. A partir desses procedimentos, espera-se compreender as
diferenças existentes no perfil do caminhar pedagógico de cada uma dessas instituições
de ensino e assim poder “concluir e contribuir” de forma consequente e dinâmica
oferecendo sugestões e pistas científicas capazes de alavancar a educação no meio rural
numa perspectiva emancipatória para todos os povos que vivem no campo brasileiro.
11.1– Conclusões sobre os sujeitos da pesquisa e as categorias da
pesquisa
A escola “A” assume claramente uma compreensão freiriana da educação. Isso
concorre para que apareçam categorias diferenciadas daquelas encontradas nas outras
duas escolas. Por exemplo, a sua relação com os “assentamentos regionais” implica em
compreender como esse fenômeno atravessa sua práxis educativa. Outra categoria é a
de “gênero”, que aparece muito forte dentro de uma inflexão educativa no interior dessa
escola. Então, além de nos preocuparmos com categorias similares nas escolas em
alternância no campo, como “desenvolvimento, identidade e sustentabilidade local”, no
caso desta escola, passamos a nos preocupar também com a maneira como as relações
de “gênero” com os “assentamentos rurais” permeiam a vida dos alunos e das
comunidades envolvidas.
Para a escola “B”, a formação de “empresários rurais” desenvolvida a partir do
conceito de “protagonismo juvenil” nos leva a diferenças importantes, tanto no que
concerne à sustentabilidade local quanto nas perspectivas futuras dos alunos. Nesse
caso, buscou-se identificar como essa proposta desenvolveu-se no universo do alunado
326
e na comunidade do entorno dessa escola. Isso ocorre principalmente a partir das
análises sobre desenvolvimento e sustentabilidade.
Os diretores das escolas “A” e “B” têm desafios e diferenças importantes a
serem compreendidas, tanto do ponto de vista pedagógico quanto das práticas em
contexto, considerando que toda investigação pode sugerir novas hipóteses. Aqui, a
partir do contexto dos discursos dos diretores de cada escola, as diferenças em termos
de desafios e compreensão pedagógica apareceram.
Nesse sentido, temos categorias similares entre as duas, tais como: “alternância,
sustentabilidade e o desenvolvimento comunitário local”, com reflexões diferentes
acerca da mesma problemática. Em se tratando do “acesso a terra” e do “financiamento
e da autonomia das escolas”, as dificuldades encontradas por uma escola não são as
mesmas encontradas pela outra, como, por exemplo, as dificuldades apresentadas em
subcategoria, como a de “contratação de professores/monitores” pela a escola “A” e as
tentativas de adquirir terra para os alunos pela escola “B”. Isso nos leva necessariamente
a perceber diferenças fundamentais que, por sua vez, indicam novas percepções dos
problemas e dos desafios de cada escola em particular. Assim, seria necessário garantir
uma outra dinâmica para a análise dos dados entre esses diferentes atores.
No caso da escola “C”, deixamos de lado as categorias ligadas especificamente
ao “desenvolvimento sustentável e à alternância no campo”, por se tratar de uma escola
pública tradicional na zona rural, com currículos, metodologias, horários e calendários
iguais aos da zona urbana, como é rotineiro e também é caso observado. O acento se
coloca, por sua vez, na análise da “identidade do ser rural” entre os seus alunos, sendo
essa questão, a nosso ver, o aspecto mais implicante das representações que esses alunos
fazem de si e do seu contexto. Tal categoria, emblemática a priori, se mostrou o
elemento mais prospectivo cientificamente para esta amostragem, pois permitiu
estabelecer contrapontos, compreensões e comparações entre as vivências dos alunos
das escolas em regime de alternância.
No caso da diretora e dos professores da escola “C”, o problema se situou na sua
“motivação, nas condições de trabalho e na ambiguidade” entre escola pública do
campo e escola pública urbana. As respostas dadas para as questões formuladas a partir
dessas categorias nos permitiu compreender o que denunciam os diversos autores sobre
“esquecimento”, “distanciamento” e as “ambiguidades” que cercam a escola formal
327
pública de educação básica do campo no Brasil. No mais, as categorias de análise
seguem o mesmo perfil.
I – Conclusões sobre as similaridades e diferenças das escolas em
alternância em estudo (escola “A” e a escola “B”).
Mesmo sendo duas escolas partidárias da pedagogia da alternância (uma EFA e
uma CFR) essa pesquisa conseguiu enumerar a partir do resultado das análises um
conjunto de procedimentos metodológicos capazes de estruturar comparações, de
perceber similaridades, de avaliar diferenças e compreender as dificuldades e os
desafios que cercam esses dois modelos educativos em curso.
A relação das duas escolas no que se refere ao engajamento no desenvolvimento
sustentável e na produção agrícola das famílias e das comunidades dos filhos dos
agricultores envolvidos no entorno da escola:
Este aspecto revela a maneira diferenciada no tratamento das questões ligadas
estritamente ao desenvolvimento agrícola e econômico das comunidades tocadas pelos
diversos processos educativos das duas escolas:
 No processo de ensino-aprendizagem da escola “A” os “manejos” se estruturam
sempre na base do conceito de agroecologia, (cap. VII, p.179-180) sem a
presença de fertilizantes químicos, herbicidas entre outros defensivos agrícolas.
Sendo assim, a sustentabilidade das famílias é colocada a longo prazo, no
intuito de resolver, a dependência de defensivos agrícolas em relação ao
mercado, a questão da segurança alimentar e a ecologia, com forte engajamento
no sentido de garantir a preservação dos biomas e ecossistemas locais tais como
florestas, matas ciliares e rios que cortam a propriedade dos alunos.
Este é um elemento de importante comparação entre essas duas escolas e lhes
diferenciam sobre maneira já que para escola “B” o processo produtivo se
estrutura na base das experimentações químicas (plantação, fertilização,
crescimento das plantas etc.), sem as quais, segundo os monitores, (cap. VII, p.
247) não é possível garantir o aumento da produtividade nem sustentabilidade
nas propriedades das famílias dos agricultores que dela participam. (análises:)
Mesmo se as questões ambientais são ventiladas nos discursos entre monitores,
mas à importância dada a produtividade imediata nas propriedades das famílias
328
das comunidades que a escola influencia nos leva a concluir que existe uma
contradição inerente entre os manejos normalmente químicos e a questão
ambiental e ecológica.
1.1 – Relação com a identidade e cultura local esse elemento é considerado pela
escola “A” como fundamental no processo de ensino-aprendizagem e tomando em toda
sua multidimensionalidade com base nos aspectos da cultura local e mesmo do folclore
regional em seus ensinamentos.
 Esse elemento se constitui num dos eixos da sua pedagogia, e são multiplicados
nas comunidades dos alunos em formas de músicas, contos e danças, tanto
durante o período de festas populares, quanto nos momentos de animações em
reunião de trabalho comunitário. Na escola “B” o aspecto ligado à identidade e
cultura local não faz parte das suas prioridades, esse fato pode ser creditado ao
seu pragmatismo ligado à produção agrícola.
1.2– O engajamento na problematização história-crítica e social é um forte
instrumento na reflexão pedagógica, o que faz com que a escola “A” produza diferenças
positivas fundamentais em relação às escolas “B e C” como, por exemplo, nas questões
de “gênero, identidade e cultura, a sustentabilidade agrícola e o acesso a terra” que
os alunos dessa escola compreendem de maneira diferenciada, passando essas questões
a se identificar com suas próprias origens e com a problemática inerente a elas.
Para a tese, o reforço identitário e cultural deve vir de maneira transversal e está
ligado às relações que os professores/monitores de escolas rurais (em alternância ou
não) estabelecem com o campo, no sentido de que reforçam a dignidade e autoestima
dos povos, o respeito aos seus modos de vida e cultura, além, é claro, de ser o mais forte
componente contra o êxodo rural.
1.3 – A relação com o “ser do campo”. As duas escolas se colocam de maneira
bastante consequente na reafirmação dos jovens, isso foi visto tanto com alunos quanto
com ex-alunos e também com as famílias nas comunidades. Os sentimentos de idílicos e
de denegação são aos poucos vencidos e revistos durante o processo de formação. A
nossa conclusão é a de que esses elementos são fortalecidos à medida que os conteúdos
ligados a agricultura no processo de ensino não vão deixando espaço para a baixo
autoestima normalmente presente entre os jovens de origem rural no Brasil, ou seja:
329
jovem rural + conteúdo urbano = baixo autoestima; jovem rural + conteúdo rural = auto
estima elevada. (analises, cap. VII p. 179,180)
1.4 – A relação com a alternância adquire a mesma similaridade e o mesmo
entendimento nas duas escolas em estudo. Tanto alunos, quanto os pais de alunos e exalunos invocam esse aspecto de maneira extremamente positiva. Entre os argumentos
mais citados está o que a alternância permite a aplicação imediata dos conhecimentos
nas propriedades familiares e ao jovem de permanecer junto com a sua família no
processo de desenvolvimento da propriedade familiar e comunitário, se tornando o
regime de alternância o responsável pelo aumento dos ganhos econômicos que ora
começavam a chegar junto as suas famílias;
1.5 – Formação de professores/monitores:
Os professores e monitores que atuam na escola “B” possuem formação
superior completa em Pedagogia e em áreas ligadas a agricultura como Agronomia e
Biologia
e ainda uma situação salarial
professores/monitores
da
escola
“A”
e
melhor em
também
em
comparação
com
os
comparação
com
os
estabelecimentos tradicionais rurais de ensino.
Esse aspecto justifica o forte engajamento deles com a escola “B” e a relação de
continuidade observada entre eles. Na escola “A” os professores e monitores são
cedidos normalmente por contratos temporários (REDA/PST/DIREC) ou assalariados
pago por alguma ONG. Vivem em situação de instabilidade financeira e sem formação
coerente e adequada para atuar na escola em que trabalham gerando uma situação de
descontinuidade no processo de ensino.
1.6 – A questão do “acesso à terra”. A relação com as ocupações de terras pelos
pais de alunos é algo muito forte e presente no caminhar dos educandos da escola “A”
que em sua maioria são filhos de assentados rurais (MST-MLT). Este elemento revela,
por sua vez, a problemática da concentração fundiária no Brasil. Para a escola “B” essa
questão é de direito privado e a escola não problematiza essa questão entre alunos e as
comunidades.
330
II - Categorias determinantes da comparação entre as duas escolas em
alternância
Quatro categorias são determinantes para a comparação do caminhar pedagógico
das escolas “A e B”: a questão de “gênero”; a identidade e cultura; a sustentabilidade
e o acesso à terra:
A importância da questão de “gênero” revela a importância dessa problemática
e como é possível também modificar as relações entre gêneros no processo de
aprendizagem. Isso acontece, pois na escola “A” não há separações nos afazeres
domésticos e do campo e esse elemento é também parte das discussões em sala de aula;
a identidade e a cultura são tomadas em sua totalidade abrindo-se espaço para as
manifestações regionais, como visto, como a capoeira, a dança etc.
Já na questão de “sustentabilidade e do acesso à terra” essas duas
categorias revelam de um lado o pragmatismo filosófico da escola “B” e a importância
dada a uma produção agrícola imediata.
No caso do “acesso à terra” revela-se uma diferença muito grande de como
essas duas escolas encaram esta problemática, já que a maioria dos seus alunos não terá
terra para dar continuidade as suas aprendizagens. No caso da escola “B” a situação é
mais gritante, pois os pais dos alunos tem uma quantidade muito pequena de terra, em
média 5 hectares, praticamente toda ocupada com plantações.
Enfim, num país abundante de terra como o Brasil, a educação do campo,
também parece caminhar para o seu limite, no que concerne à disponibilidade de terras
para os que estão chegando e neste sentido contribui para o fracasso no que concerne a
evitar o êxodo rural.
III – Conclusões sobre a escola pública rural (escola “C”)
A pedagogia utilizada na escola pública rural (escola C) em estudo é
profundamente inapropriada para o meio rural em que ela se encontra. Neste sentido, ela
demonstra o que acontece com as escolas rurais públicas brasileiras em geral,
principalmente nas questões ligadas ao desenvolvimento e à emancipação dos
envolvidos (alunos, pais comunidade).
331
Dentre os problemas enumerados por esta pesquisa e que nos permite concluir
estão:
 Forte infiltração da cultura urbana e desvalorização da cultura rural e local;
(análises, cap. VII, p. 198 - 199) Distanciamento da escola com a realidade das
comunidades presente na escola, ou seja, as experiências diárias dos alunos e das
famílias dos mesmos não são levadas em consideração, havendo um transplante
do ensino urbano para o meio rural. Não há diferença entre a cidade e campo e o
enraizamento dos seus currículos em conformidade com o contexto e a realidade
dos seus alunos.
Esse enraizamento permitiria à escola mergulhar na problemática comunitária e
refletir sobre as possibilidades palpáveis quanto à solução dos problemas ligados
ao desenvolvimento local e evitaria a reprodução de modelos importados,
normalmente urbanos, além de frear a alta taxa de evasão e o êxodo rural muito
comum entre alunos dessa escola.
 Os professores têm uma formação essencialmente urbana e a maioria deles são
leigos, com curso superior incompleto ou ainda cursando alguma universidade
da região; (analises, cap. VII, 196).
 O currículo e o projeto político pedagógico são inadequados ao contexto.
Construídos segundo as concepções de técnicos dos governos federal, estadual e
municipal, percebe-se claramente a falta de debate existente entre o corpo
docente e a direção da escola no redimensionamento curricular para as questões
de interesse local;
 Os livros didáticos existentes nessa escola são os mesmos normalmente
formulados no centro-sul do país e distribuídos de maneira generalizada nas
outras regiões tornando a ação didático-pedagógica um apêndice da realidade e
da cultura urbana do centro-sul, desvinculada, portanto, das questões tanto
regionais, quanto locais; (analises, cap. VII. 198, 199)
 O material didático e de apoio escolar para professores e alunos sofre
dificuldade extremas de produção e compreensão local; (análises)
 Heterogeneidade de idade (enorme discrepância idade/série na sala
pesquisada); Na escola existe uma grande quantidade de salas multisseriadas;
332
 O calendário escolar é completamente dissonante na sazonalidade entre o
ensino e produção agrícola das comunidades de seu entorno, o que eleva
substancialmente a evasão escolar durante os períodos de colheitas; (análises,
198,199) o tempo/transporte é um obstáculo excludente maior, pois nem o aluno
fica na lavoura ou na comunidade nem fica na escola: nos períodos de chuva,
quando o transporte quebra, ou na época da colheita, a escola fica praticamente
vazia segundo a diretora;
 As instalações físicas são precárias, salas inadequadas; ambiente sanitário
inadequado; prédio mal construído e com péssimas condições de equalização e
higiene. Apesar de estar localizado na zona rural e com amplo espaço para a
construção e ampliação, o prédio escolar é completamente fechado, com
dificuldades de ventilação e equalização adequada. Toda a área agrícola ao lado
da escola não é aproveitada enquanto espaço educativo e de formação técnicoexperimental agrícola; (foto, p.164, f.7)
 A área de lazer estava, à época da pesquisa, completamente abandonada.
3.1 – Primeiro, a educação pública oferecida pela escola “C” aos alunos das
comunidades rurais onde ela está instalada não ultrapassa os limites necessários para
empreender as novas variáveis em jogo na educação do campo (LDB/96; DOBEC/02),
ou seja, não quebra o paradigma atual de educação rural brasileira, principalmente no
tocante a problemáticas essenciais para o desenvolvimento de uma educação
emancipatória, não leva em consideração questões como: contextualização histórica,
econômica e social das comunidades envolvidas, nem a apropriação de elementos
básicos de instrumentalização dos educandos para convivência “no e para” o “meio
rural” numa perspectiva do seu desenvolvimento.
Enfim, o ensino não aponta para projetos futuros de transformação e
engajamento na vida da juventude, não qualifica profissionalmente e a estrutura
curricular, de um modo geral, se estrutura numa educação bancária (Freire,1974) sem
nenhuma relação com as comunidades locais.
333
IV – Proposição da Tese por uma educação do campo de qualidade no
meio rural da Bahia e do Brasil
A nossa pesquisa demonstra que uma educação que se ambiciona do campo e
para o campo necessitar estar lastreada de seis pilares fundamentais, tais como: os
projetos políticos-pedagógicos e a grade curricular, que devem estar alicerçados a
sustentabilidade comunitária e ao desenvolvimento comunitário; a problematização
histórica e a construção da identidade e da cultura dos que ali vivem; a um ensino
instrumentalizado, interdisciplinar e complexo; a educação pela pesquisa; as
disciplinas dos fenômenos ditos de globalização; a formação dos professoresmonitores, compreendida principalmente no engajamento desses com o campo; a
importância do financiamento das escolas para o campo; e por fim o calendário e a
sazonalidade agrícola da qual fazem parte as escolas do campo.
4.1 - Os projetos políticos pedagógicos e a grade curricular nas escolas do campo
devem ter como base o contexto da comunidade da qual fazem parte. O ensino e a
aprendizagem devem invocar a série de especificidades e variáveis inerentes às
comunidades presentes nas escolas, essas variáveis se submentem às duas mais
importantes categorias: a do desenvolvimento e da educação:
 O desenvolvimento requer que a construção curricular e os projetos políticos
pedagógicos estejam alicerçados com as demandas locais e inovações. Portanto,
a estrutura disciplinar se coloca na tentativa de abarcar a totalidade e a
complexidade das dificuldades inerentes numa determinada comunidade rural.
Essa estrutura curricular deve se alimentar principalmente das demandas
agrícolas, econômicas e ambientais em sua totalidade e complexidade;
 No plano da educação, todos os elementos que fazem parte da comunidade local
são colocados na mesa, no processo de ensino aprendizagem. Assim, vale dizer
que o ensino deve estar lastreado tanto das histórias locais (histórias de vida
etc.), dos costumes, da cultura e até mesmo dos aspectos de ordem religiosa.
Todos esses elementos são fundamentais, pois, na medida em que eles são
abordados de forma positiva, transformam-se em um poderoso instrumento de
fortalecimento e empoderamento da identidade das comunidades envolvidas.
4.2 - Um aprendizado complexo: A totalidade da comunidade deve ser levada em
consideração no processo de ensino e aprendizagem, não havendo separação entre
334
o todo e as partes, a vida social e a vida comunitária, o campo e a cidade; a técnica
e o saber, o mundo local e o mundo exterior; a plantação, o ambiente e ecologia.
4.3 - A instrumentalização, e a inovação técnica devem ser inseridas a partir de um
conjunto de especificidades não ligadas apenas à produtividade agrícola, mas a uma
preocupação mais horizontalizada, quer dizer, levando-se em consideração também
aspectos da saúde e higiene, do desenvolvimento agrícola e do meio ambiente.
A instrumentalização e a inovação técnica são essenciais nas escolas do meio
rural, pois o jovem rural não se depara apenas, pelo que se observou no seu dia a dia,
com um tipo de problemática ou com questões estritamente agrícolas, mas com uma
multidimensionalidade de problemas e desafios que vão desde à maneira de como
utilizar e otimizar os recursos naturais (para a saúde, ecologia, alimentação etc.); à
administração básica da sua propriedade assim como, na utilização e implementação das
máquinas e utensílios agrícolas até a compreensão das formas de créditos e de
economia.
Assim, a educação do campo deve ser compreendida como um todo em seus
desafios no que se requer para isso, um ensino instrumentalizado e inovação técnica,
construído de maneira interdisciplinar e complexa para ser capaz de conduzir os alunos
e suas famílias a congregarem o seu contexto, sem separações dos diversos desafios e
problemáticas que os cercam, unindo elementos universais e particulares, garantindo
respostas eficientes para cada tipo de situação demandada.
4.4 - Tornar a educação pela pesquisa um elemento fundamental, o que já acontece
nas escolas em regime de alternância. Esse é a nosso ver, um dos grandes desafios a
serem enfrentados pelas escolas do meio rural na Bahia e no Brasil. O propósito é de
garantir a adequação necessária ao seu funcionamento, a pesquisa se fazendo presente e
necessária nas comunidades e nas propriedades dos agricultores. Neste sentido, a
educação pela pesquisa seria a nosso ver, a mola propulsora para a construção de novas
descobertas capazes de encontrar soluções tanto técnicas, quanto científicas para as
comunidades que lhes circundam, invertendo a lógica maléfica da educação bancária
num campo onde os horizontes estão a perder de vistas.
A pesquisa no campo traz as inquietações das propriedades para serem divididas com os
monitores e professores dessas escolas, sendo que ali ganham compreensões mais
sistemáticas e retornam a serviço das comunidades locais.
335
4.5 - Disciplinas acerca dos fenômenos ditos de globalização no contexto local:
Essas devem estar compreendidas nas disciplinas gerais das escolas: Matemática,
Geografia, História, Biologia, Química, Português e Computação. Na escola “B”
pesquisada, mesmo estas disciplinas ganharam contornos inovadores, citando, como
exemplo, a Matemática que é ensinada enquanto medida de espaçamento das plantas, da
medição na construção de casas e barcaças, entre outros campos de medidas na área
rural; a Química e a Biologia, que são discutidas em seu campo morfológico, como
nascimento e cultivo das plantas e tipos de adubação. Portanto, mesmo com disciplinas
consideradas mais gerais nas escolas do meio rural, será necessário fazer
necessariamente um outro recorte na direção das questões que englobam os contextos
locais.
4.6 - Amarrar o regime de alternância ou sazonalidade para o campo: Este
elemento pode ser compreendido a partir de duas variáveis: a que opta pela pedagogia
da alternância enquanto metodologia alternativa e já experimentada, ou a que optaria
por outro modelo tradicional de ensino para o campo, mesmo em escola pública rural,
mas que respeitasse minimamente os momentos de plantio e de colheita (sazonalidades)
dos agricultores familiares. E o exemplo para essa conclusão, vem da escola “C”, na
qual, na época de colheitas do “cravo”, a evasão fica evidente, o que a diretora
retrucava, colocando que “não se pode impedir que os alunos de ajudar seus pais nestes
períodos” Esse exemplo pode perfeitamente ser generalizado para outras escolas do
meio rural brasileiro.
4.7 - A questão da formação de professores/monitores para atuar na escola do campo
é provavelmente o elemento mais importante dentre os vários elementos já citados e
deve partir principalmente do compromisso e do engajamento dos que desejam atuar nas
escolas do campo.
 Os professores e monitores para as escolas do meio rural devem ser
escolhidos segundo o seu grau de interesse para atuar nas escolas do
meio rural. Esses profissionais devem ter em mente o seu engajamento
junto às populações desfavorecidas. Neste sentido, o respeito ao seu
modo de vida, a suas falas, a suas histórias deve ser considerado como
elemento propulsor do processo de ensino aprendizagem e não o
contrario.
336
 Garantir que esse profissionais tenham a competência técnica necessária
ao trabalho no meio rural, ou seja, que eles correspondem ao perfil e que
eles foram formados adequadamente para o exercício do ser
professor/monitor para o meio rural.
 Garantir que as condições do exercício de trabalho desses profissionais
devam ser adequadas levando-se em consideração todos os elementos de
ordem logística. Neste sentido, a educação para o meio rural deve romper
com a imagem de que os profissionais de ensino que para lá se dirigem, o
fazem por falta de opção. Esse caso é bastante corriqueiro na educação
do campo brasileira e também foi observado, na escola “A”, onde três
professores contratados por essa escola, sem uma análise prévia de
compromisso e engajamento, pediram demissão depois de concluírem o
curso de Pedagogia. Na persistência dessa situação, a educação do campo
ficará completamente comprometida.
4.8 - O Estado enquanto provedor e financiador da educação para o campo: tanto
dos CEFFAs, quanto de escolas tradicionais para o meio rural. A pesquisa mostrou que
as dificuldades em obter financiamentos perenes para as escolas em alternância levamnas a um verdadeiro quebra-cabeça entre os seus dirigentes ao final de cada ano letivo.
Por exemplo, a escola “A” que, no final de 2008, teve que reduzir o número de alunos
de uma turma, já que não possuía condições de financiamento para sustentá-la.
O reconhecimento e financiamento do Estado estão fundamentados na
Constituição Federal/88, segundo a qual “estudar é um direito de todos”, na Lei de
Diretrizes e Bases para Educação (LDB/96) e no recorte das Diretrizes Operacionais de
Base para a Educação do Campo (DOBEC/02).
A nossa proposição é a de que o Estado deve financiar de maneira completa as
escolas em alternância. E no caso das escolas tradicionais do meio rural que atuam em
pequenas comunidades familiares, este deve junto com as municipalidades locais, fazer
avançar os princípios de educação de qualidade para o meio rural como estes descritos
acima para que futuramente tenhamos uma educação inclusiva que busca o caminho do
desenvolvimento a e superação das diversas formas de pobreza recorrentes nas
comunidades rurais familiares no Brasil.
337
O investimento financeiro e na formação adequada dos professores e monitores ;
currículos que respeitam as demandas locais; escolas com estrutura adequada, enfim.
Consideramos que o investimento correto nas escolas do campo é crucial para que
funcionem de maneira adequada.
No caso dos CEFFAS o Estado deve garantir a liberdade e autonomia inerentes à
suas propostas pedagógicas. Essa autonomia é importante na medida que essas escolas
procurem identificar as suas especificidadese os contextos que lhes são próprios e
apropriados, para assim poderem construir a sua proposta pedagógica, mediando esses
elementos de especificidade contextuais e estruturando a dinâmica dos saberes que
deverão ser veiculados nos currículos e programas pedagógicos por cada instituição em
seus locais específicos.
4.9 – O papel das municipalidades na educação do campo: Silva (2002) afirma que
com a eleição de alguns prefeitos comprometidos eleitos em 2002, apesar de algumas
iniciativas, não houve nenhum resultado mais significativo no sentido de melhorar a
qualidade da educação oferecida aos homens, mulheres e crianças do meio rural
brasileiro.
No desenvolvimento da nossa pesquisa ficou evidente o descaso das
municipalidades de Ilhéus, Valença e Tancredo Neves com a educação oferecida ao
meio rural de suas municipalidades, o que pode ser visto nos capítulos XIII e IX.
Uma das razões para o descaso está na falta de compromisso e político e de
competência técnica dos gestores municipais com essas populações. Na verdade, pensar
e estruturar a educação para o meio rural nos municípios dá trabalho e é um grande
desafio... Portanto, como vimos, a maioria das Secretarias de Educação municipais
prefere fazer “pouco caso” com a educação que deve ser oferecida para o meio rural, se
limitando a fazer o transporte dos estudantes da zona rural para as escolas da cidade e
vice-versa, o que contraria a Resolução CNE/CEB nº 2 de 28 de abril de 2008, que
sugere que o “transporte seja feito intra-campo”. O transporte do campo para cidade é
um meio muito proveitoso para os gestores municipais, já que no custo do transporte
também é possível embutir o custo do clientelismo político e da corrupção.
A nossa proposta é que as Secretarias Municipais de Educação criem suas
próprias “diretorias de educação para o campo”. Essas diretorias teriam o papel de
pensar e promover o debate político, técnico e administrativo sobre qual o tipo de
338
educação que deve ser oferecida às suas zonas rurais de cada município em particular e
assim se encarregar de pensar os casos específicos de cada município junto aos setores
interessados, ONGs, Sindicatos Rurais e movimentos sociais engajados. Partir deste
pressuposto é também partir do pressuposto que cada município tem suas
especificidades agrícolas, econômicas e ambientais e que os currículos devem ser
pensados a partir de cada especificida de concreta.
V – Conclusão sobre a pedagogia do oprimido de Freire e o novo
conceito da pedagogia do protagonismo juvenil
A importância da pedagogia do « oprimido e dos temas geradores » calcada no
pensamento de Paulo Freire (1974) reside na importância dada a problematização das
questões de ordem histórica e social, o ser no mundo (o oprimido, sem terra, assentado)
se compreendendo e se transformando a partir da crítica « histórico-social » rigorosa.
Essa postura é fundamental quando se fala de agricultura familiar, de concentração
histórica da terra e da denegação do homem e da mulher rural no Brasil. Ela é
igualmente importante também, para se refletir sobre o papel da cultura no
redirecionamento da postura que o homem não urbano precisa empreender sobre si
mesmo, sobre o seu contexto e sobre as dimensões que a cultura local se interessa.
No entanto, ao focar a sua pedagogia nos aspectos citados acima e assumir
claramente uma definição política em relação a todos esses temas ligados a questão
rural. O que podemos afirmar, na pedagogia da escola “ A” os elementos liados aos
signos abstratos e a técnica e que precisam ser trabalhados de maneira adequada não
são, e acabam por serem negligenciados. O que faz com que o aluno tenha uma postura
extremamente crítico-política em relação ao mundo, mas uma atitude pouco ligada com
a abstração e instrumentalização técnica no que concerne o seu desenvolvimento
profissional e o desenvolvimento técnico da sua comunidade.
Já o conceito de « protagonismo juvenil » enquanto proposta pedagógica da
escola « B », ao contrário, ao dar ênfase exagerada principalmente aos aspectos técnicos
acaba por negligenciar todos os outros temas (histórico-críticos e sociais) igualmente
importantes na formação para uma reflexão educacional adequada dos filhos e filhas de
camponeses que lá estudam.
339
VI - Enfim a defesa da tese: para que a educação do campo tenha
sucesso
 A inadequação e ineficiência do ensino rural tradicional brasileiro (caso
da escola “C”) precisam ceder espaço a propostas pedagógicas
alternativas para o meio rural, como essas das duas outras escolas
observadas neste estudo e na busca do que anseiam as pequenas
comunidades rurais brasileiras.
 Ainda que muito precise ser feito no redimensionamento pedagógico e
filosófico das escolas do campo, para nossa tese é possível afirmar que a
pedagogia da alternância essa praticada hoje pelas CEFFAs, (o caso das
escolas “A e B”) são sem dúvida, as que mais se aproximam de uma
pedagogia apropriada e adaptada, para o meio rural brasileiro.
Essa alternativa é viável na medida em que consegue-se articular saberes
universais, pedagógicos e práticos, valoriza-se os espaços da prática social e da reflexão
sobre essa prática e do diálogo com a cultura acumulada historicamente; problematizase a realidade social e suas contradições, instrumentaliza-se o educando e articula-se
essa mesma realidade com a cultura local “para e pela” construção do currículo numa
perspectiva sempre de desenvolvimento e emancipação dos sujeitos envolvidos.
Desta forma, surge um novo entendimento entre o educando, a sua realidade
histórico-crítica e social, o que o leva a compreender as novas dimensões em que ele se
encontra situado no mundo. Isso só pode acontecer se não houver negligência nos
aspectos pedagógicos sobre a importância da problematização da história, da cultura
dos indivíduos e das suas comunidades, estruturada na sua prática social e da
instrumentalização adequada para que esses possam atuar a partir daí com novas
posturas, novos compromissos e novas atitudes diante do mundo, o que exige dos
professores/monitores e das escolas do campo muito esforço, estudo, experimentações,
coragem para inovar, arriscar e assumir desafios.
340
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