Equipe Ernesto M. Guedes Filho Fernando B. Botelho Amaryllis
Transcrição
Equipe Ernesto M. Guedes Filho Fernando B. Botelho Amaryllis
Equipe Ernesto M. Guedes Filho Fernando B. Botelho Amaryllis C. M. Romano Solange M. G. Scorsatto O SETOR DE BIODIESEL NO BRASIL 02/JULHO/2008 Rua Estados Unidos, 498 Jardim Paulista 01427-000 – São Paulo – SP Tel: 5511 3052 3311 Fax: 5511 3884 9022 wwwv.tendencias.com.br O SETOR DE BIODIESEL NO BRASIL ÍNDICE SUMÁRIO....................................................................................................................... 3 1. INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 5 2. VANTAGEM DOS BIOCOMBUSTÍVEIS.............................................................. 7 3. BIOCOMBUSTÍVEIS VERSUS ALIMENTOS.................................................... 11 4. ORIGINAÇÃO DA MATÉRIA-PRIMA ............................................................... 15 5. O PROGRAMA NACIONAL DE PRODUÇÃO E USO DE BIODIESEL ........ 17 5.1 OBJETIVOS SOCIAIS E ESTRATÉGICOS NACIONAIS ................................................. 18 5.2 MECANISMOS DE INCENTIVO ................................................................................. 19 5.3 MODELOS DE DESENVOLVIMENTO ........................................................................ 21 5.4 ORIGEM DA MATÉRIA-PRIMA E CUSTO RELATIVO ................................................ 22 5.5 DISTORÇÕES NO MERCADO ................................................................................... 23 6. PERSPECTIVAS PARA A EXPORTAÇÃO DE BIODIESEL........................... 25 6.1 ENTRAVES ÀS EXPORTAÇÕES BRASILEIRAS............................................................ 27 6.2 MERCADO EXTERNO POTENCIAL ............................................................................ 29 7. CONCLUSÕES......................................................................................................... 31 REFERÊNCIAS ........................................................................................................... 33 Rua Estados Unidos, 498 Jardim Paulista 01427-000 – São Paulo – SP Tel: 5511 3052 3311 Fax: 5511 3884 9022 wwwv.tendencias.com.br 2 O SETOR DE BIODIESEL NO BRASIL “Aqui no Brasil, tenho alertado alguns produtores de biodiesel de que não é possível construir uma matriz energética pensando na soja.” Presidente Lula, 21/02/2008. Sumário A empresa Brasil Ecodiesel, importante agente no setor de produção de biodiesel no Brasil, patrocinou um estudo sobre: (i) As vantagens ambientais, econômicas e sociais da produção de biocombustíveis, e de biodiesel em particular; (ii) A viabilidade da produção de biodiesel a partir de matérias-primas alternativas, como mamona e pinhão-manso (jatropha), em relação ao óleo derivado da soja ou do girassol; (iii) O custo relativo da produção de uma cadeia baseada na agricultura familiar, como preconizado no Programa Nacional de Produção de Biodiesel (PNPB), vis-à-vis a alternativa de produção segundo o modelo de negócios predominante nas cadeias mais maduras e desenvolvidas; e (iv) A possibilidade de exportação de biodiesel pelo Brasil, diante dos diferenciais de custos de produção existentes entre o Brasil e os países consumidores e das barreiras comerciais existentes. Este trabalho apresentará as conclusões obtidas a partir da análise e compilação de material técnico relevante sobre o setor. Dentre as principais conclusões devemos destacar: O uso mais intensivo do biodiesel é desejável sob o prisma econômico e ambiental, constituindo uma oportunidade ímpar de associar segurança energética e redução de pobreza rural; O dilema entre alimentos e energia coloca-se com menos intensidade para o caso brasileiro, o que é reforçado pela possibilidade de aproveitamento de solos marginais; Para evitar impactos na disponibilidade de commodities alimentares no futuro, é importante a opção por oleaginosas adaptadas a áreas com clima adverso. No caso de a trajetória da demanda por alimentos continuar em sua trajetória atual, a produção de biocombustíveis pode se tornar viável somente a partir destas oleaginosas. Com os hiatos de adaptação e aprendizado, esta poderia se tornar um diferencial competitivo importante a favor do Brasil; Rua Estados Unidos, 498 Jardim Paulista 01427-000 – São Paulo – SP Tel: 5511 3052 3311 Fax: 5511 3884 9022 wwwv.tendencias.com.br 3 Os incentivos presentes no programa brasileiro necessitam de correção para que seja possível e economicamente viável o cumprimento desta meta, enfatizando o uso de oleaginosas alternativas e ambientalmente corretas. Sem cumprir estes requisitos, é improvável que o produto brasileiro tenha qualquer penetração nos mercados internacionais relevantes; O mercado externo, embora caracterizado por intenso protecionismo, é promissor. Para que possa tirar maior proveito desta alternativa, devem ocorrer investimentos em infra-estrutura logística e revisão da estrutura tributária, que hoje penaliza a exportação de produtos mais elaborados. Desta forma, o trabalho organiza-se da seguinte forma: após uma breve introdução, a seção 2 apresentará as diversas vantagens do uso mais intensivo de biocombustíveis. A seguir, a seção 3 discutirá a situação do Brasil no contexto do dilema entre energia e alimentos. A seção 4 discorrerá brevemente acerca das vantagens das oleaginosas alternativas sobre a soja. A seção 5 tratará do Programa Brasileiro de Biodiesel, apontando seus méritos e as lacunas que podem comprometer sua sustentabilidade a médio e longo prazo. A seção 6 é uma discussão sobre o papel do mercado externo no desenvolvimento do setor. Finalmente, a seção 7 conclui com um sumário das principais conclusões. Rua Estados Unidos, 498 Jardim Paulista 01427-000 – São Paulo – SP Tel: 5511 3052 3311 Fax: 5511 3884 9022 wwwv.tendencias.com.br 4 1. Introdução A necessidade de substituição de insumos na matriz energética mundial por questões ambientais ou geopolíticas e econômicas não está mais em discussão. A questão que se coloca de maneira bastante acalorada é sobre qual seria a melhor alternativa de energia para substituir o uso de petróleo e seus derivados. Também não parecem restar dúvidas a respeito de que a solução passa pela utilização de combustíveis “verdes”, em substituição à gasolina e ao diesel na grande frota de veículos existente no planeta, desde automóveis leves até os caminhões mais pesados. Mesmo não discutindo o fato de que em um horizonte de longo prazo (mais de 25 anos) a solução desta questão deverá premiar alternativas ainda não economicamente viáveis (e muitas vezes nem tecnicamente disponíveis), a melhor opção no momento é aquela que permite a utilização de combustíveis que melhor se adaptem a esta frota já existente, em qualquer percentual de mistura ou mesmo puros, como é o caso do etanol no Brasil. Na esteira do maior interesse por estas alternativas ao petróleo, cresce no mundo a disputa em torno dos biocombustíveis e persistem as dúvidas na opinião pública sobre as suas vantagens e desvantagens. Instituições como o Fundo Monetário Internacional – FMI e a Organização das Nações Unidas – ONU têm alertado que a disponibilidade de alimentos pode ser prejudicada diante do crescimento da produção de biocombustíveis. Esta preocupação é sustentada por países como a Grã-Bretanha que já manifestaram preocupação na disputa por grãos como milho e soja entre as indústrias alimentícias e as usinas de etanol. A crescente procura por biocombustíveis associada ao crescimento da demanda por alimentos tende a colocar pressão sobre os recursos naturais – e terras agriculturáveis em particular. Este é o dilema crucial que se coloca aos elaboradores de políticas públicas, o que conduz à reflexão sobre as condições de sustentabilidade da produção de biocombustíveis a médio e longo prazo. Uma conclusão extraída desta discussão é a seguinte: em um cenário provável de alta demanda por alimentos, a única forma de assegurar a viabilidade de programas de biocombustíveis é garantir que a produção dos mesmos não reduza a oferta de alimentos. Sem garantias de que a produção de biocombustíveis não será realizada em prejuízo da oferta de alimentos e da preservação do meio-ambiente, haverá resistência por parte de outros países para abrir seus mercados domésticos ao produto brasileiro. Desta forma, se o país deseja se tornar um importante ator no comércio internacional de biocombustíveis, é imprescindível que o Brasil adote imediatamente para assegurar o cumprimento de determinadas metas. Nesta direção, diversos países têm criado certificação de sustentabilidade ambientas, de forma a qualificar potenciais fornecedores de biocombustíveis que respeitam normas ambientais e sociais. Uma forma de obedecer estas metas é utilizar terras marginais e degradadas para a produção de biocombustíveis. Desta forma, regiões com solos inapropriados para Rua Estados Unidos, 498 Jardim Paulista 01427-000 – São Paulo – SP Tel: 5511 3052 3311 Fax: 5511 3884 9022 wwwv.tendencias.com.br 5 culturas alimentares, já degradados e sub-aproveitados podem ser utilizados para plantio de diversas culturas destinadas à produção de biocombustíveis. Há hoje variedades de oleaginosas, como mamona e pinhão-manso, que se adaptam bem a regiões com solos pobres e regime hídrico instável. Estas culturas já são efetivas em termos de custo frente a outras alternativas, e a possibilidade de incrementos em sua produtividade são animadoras. Uma vez que o amadurecimento destas culturas demanda tempo e não pode ser realizado em um prazo curto, o domínio deste setor pode conferir ao país uma vantagem estratégica sobre os competidores no futuro, em um cenário de escassez de alimentos e solos apropriados para produzi-los. As plantas adaptadas a climas secos, regime hídrico instável, e solo pobre, pela sua resistência às intempéries climáticas, colocam dificuldades adicionais para a mecanização, exigindo naturalmente o maior emprego de trabalho humano em seu cultivo. Desta forma, além de eliminar o dilema biocombustíveis versus alimentos, a utilização de terras que não são produtivas para o plantio de alimentos incentiva a utilização de mão-de-obra, possibilitando, de forma natural, a inclusão social e a redução da pobreza rural. Rua Estados Unidos, 498 Jardim Paulista 01427-000 – São Paulo – SP Tel: 5511 3052 3311 Fax: 5511 3884 9022 wwwv.tendencias.com.br 6 2. Vantagem dos Biocombustíveis Esta seção discutirá a vantagem as vantagens ambientais do biodiesel e dos biocombustíveis em geral e em relação aos combustíveis fósseis, derivados do petróleo e do carvão mineral, destacando: Biocombustíveis (combustíveis renováveis) equilibram a emissão líquida de gases causadores do efeito estufa ao longo do ciclo de produção e uso. Possibilidade de produzir em áreas degradadas elimina a necessidade de expansão das culturas sobre florestas nativas ou outros biomas de grande importância ecológica. Culturas alternativas adaptam-se bem a climas instáveis e solos pobres, extraindo menos recursos do meio, como água e fertilizantes, contribuindo para a sustentabilidade. Possibilidade de recuperação de solos degradados e em processo de desertificação. Redução da dependência do petróleo oriundo de regiões politicamente instáveis e conturbadas. Programas de incentivo à produção de biocombustíveis servem como escoadouro de excedentes agrícolas, principalmente na Europa, com custos fiscais substanciais. Para países com elevada pobreza no campo, como o Brasil, o biodiesel apresenta a vantagem adicional de geração de emprego e renda, pois o cultivo de oleaginosas alternativas exige o emprego mais intensivo de mão-de-obra. Segundo estudo da consultoria EcoSecurities, produção de biodiesel a partir de óleo de mamona em Iraquara, BA, produz mais de nove unidades de energia limpa e renovável a partir do uso de uma unidade de combustível fóssil. As vantagens aqui apontadas indicam a necessidade de se incentivar o uso de biocombustíveis diante da necessidade de reduzir as emissões de gases causadores do efeito estufa. Em primeiro lugar, por ser produzido a partir de matéria vegetal, o biodiesel emite, em termos líquidos, menos dióxido de carbono ao longo do ciclo de produção e uso do combustível. Isto ocorre porque o gás carbônico emitido durante a queima do combustível é reabsorvido pela planta em seu período de crescimento. Desta forma, este produto não contribui para o acúmulo de CO2 na atmosfera, reduzindo a intensidade do efeito estufa. Esta conclusão só é verdadeira se descontarmos a emissão a partir de combustíveis fósseis durante a produção do biodiesel, como o uso de adubos e o diesel mineral utilizado em máquinas e equipamentos. Há algumas evidências de que, em geral, estas emissões são pequenas comparadas àquelas originadas na queima do Rua Estados Unidos, 498 Jardim Paulista 01427-000 – São Paulo – SP Tel: 5511 3052 3311 Fax: 5511 3884 9022 wwwv.tendencias.com.br 7 combustível fóssil em si, confirmando a tese de que o consumo de biodiesel, de fato, reduz a geração de gases causadores do efeito-estufa. Grande parte das emissões brasileiras decorre da queima de floresta nativa e do desmatamento. De acordo com o World Energy Outlook 2006 (WEO 2006), a emissão de CO2 relacionada à energia cresceu 3,8% ao ano no Brasil entre 1990 e 2004. Aqui reside a segunda razão pela qual o biodiesel pode contribuir para a redução das emissões de dióxido de carbono: por ser viável sua produção a partir de oleaginosas adaptadas a terras marginais e degradadas, é possível a expansão do seu cultivo sem a necessidade de avançar sobre áreas hoje ocupadas por florestas nativas ou outros biomas de grande importância ecológica, como o cerrado. Este é o caso em particular do pinhão-manso e da mamona. Uma terceira vantagem, correlata à segunda, decorre da interação da cultura utilizada na produção de óleo com a disponibilidade e a sustentabilidade de outros recursos naturais. Algumas culturas de oleaginosas demandam uma baixa quantidade de recursos hídricos do meio, via irrigação artificial, assim como adubos, fertilizantes, e defensivos. Por exemplo, o pinhão-manso é uma oleaginosa que tem condições de se desenvolver em terras marginais e sem uso alternativo, não havendo a necessidade de deslocar recursos hídricos de outras atividades para seu plantio. Assim, pode ser factível cultivar oleaginosas sem aumentar a pressão sobre os recursos hídricos e o desgaste dos solos, como ocorre em outras culturas. Ao contrário, o manejo adequado pode reduzir a erosão e recuperar solos degradados. Além das vantagens ambientais do uso de biocombustíveis, há razões de natureza estratégica e de segurança nacional para sua utilização. O diesel mineral, por ser produzido a partir do petróleo, tem seu mercado severamente afetado pelas intempéries políticas que assolam os países do Golfo Pérsico, região onde se encontram os principais produtores. O biodiesel, por outro lado, pode ser produzido a partir de diversas oleaginosas, cultivadas em quase todo o planeta. Desta forma, reduz-se a sensibilidade a flutuações no conturbado mercado de petróleo, estabilizando o preço deste precioso derivado nos respectivos mercados domésticos, aumentando assim a segurança energética das nações ocidentais frente à dependência hoje existente junto aos países árabes. No caso do Brasil, há também a possibilidade de re-equilibrar o parque de refino no Brasil. Por restrições técnicas, a produção de derivados a partir do petróleo ocorre de forma relativamente fixa. Com o advento do etanol combustível, houve redução na demanda por gasolina sem uma queda concomitante na procura por diesel. Assim, o Brasil tornou-se exportador de gasolina e importador de diesel. O uso mais intensivo de biodiesel seria uma forma efetiva de restaurar a balança. Para os governos nacionais, especialmente da Europa, os programas de biodiesel e de outros biocombustíveis apresentam uma vantagem adicional. Diante da pressão exercida por parte de países em desenvolvimento e pela Organização Mundial do Comércio (OMC) para que os incentivos aos produtores domésticos e as exportações de produtos Rua Estados Unidos, 498 Jardim Paulista 01427-000 – São Paulo – SP Tel: 5511 3052 3311 Fax: 5511 3884 9022 wwwv.tendencias.com.br 8 agrícolas subsidiados sejam reduzidos, os programas nacionais de biocombustíveis passam a constituir um sorvedouro potencial para os excedentes da agricultura. Desta forma, as iniciativas de promoção de biocombustíveis adquirem um caráter de programas de sustentação da renda agrícola, razão pela qual estes mercados são ainda marcados por elevado protecionismo dos produtores domésticos. Este quadro não deve se alterar substancialmente nos próximos anos, a menos que eventos no mercado do petróleo elevem significativamente a competitividade do biodiesel produzido pelos agricultores europeus, ou a pressão dos consumidores tornem insustentáveis a manutenção destas políticas, por motivos ambientais (redução da emissão de gases causadores do efeito estufa) ou econômicos (custo fiscal excessivo de subsídios e/ou preço elevado dos biocombustíveis produzidos domesticamente). Para um país como o Brasil, o biodiesel apresenta uma oportunidade ímpar para conciliar sustentabilidade ambiental, economia de recursos, e combate à pobreza rural. Há um grande contingente de famílias em situação de pobreza assentadas em terras marginais e utilizando técnicas de baixa produtividade na produção de alimentos para subsistência, como mandioca e feijão. Estas terras são bem adaptadas à produção de oleaginosas alternativas – como mamona e pinhão-manso – que poderiam incrementar substancialmente a renda destas famílias, e, portanto, contribuir para a redução da pobreza naquelas regiões. Embora, como discutido mais adiante, um modelo de negócios centrado na utilização de matéria-prima originada da agricultura familiar apresente alguns obstáculos, na análise de sua viabilidade também devem ser considerados seus efeitos colaterais positivos de redução da pobreza rural. Desta forma, para a implantação deste modelo deverão ser criados mecanismos de incentivos adequados para a adoção deste modelo. Finalmente, podemos julgar o biodiesel a partir do critério de eficiência energética, que mede a relação entre a energia de origem fóssil utilizada na produção e o conteúdo energético do produto final. Este é um dos principais indicadores da viabilidade econômica e sustentabilidade ambiental de um biocombustível. A empresa de consultoria EcoSecurities, líder mundial no setor, calculou em 2007 esta relação para a produção de biodiesel a partir de óleo de mamona na planta de Iraquara, BA, da Brasil Ecodiesel. O resultado foi um coeficiente de 9,4. Ou seja, naquelas condições, a produção de biodiesel produz mais de nove unidades de energia limpa e renovável a partir do uso de uma unidade de combustível fóssil. Note que este processo utiliza metanol fóssil no processo de transesterificação. Se este for substituído por etanol renovável, o valor deste coeficiente pode saltar para aproximadamente 40. Este número é surpreendente quando comparado com o de outras alternativas de biocombustível. No caso do etanol derivado da cana, atividade na qual o país já desfruta de uma vasta experiência, este número gira em torno de 8. No caso do álcool norteamericano produzido a partir do milho esta cifra é pouco superior a 1, revelando a ineficiência daquela via. A despeito da limitada experiência com a produção de biodiesel no Brasil – em particular com o óleo de mamona – esta alternativa para transformar biomassa em Rua Estados Unidos, 498 Jardim Paulista 01427-000 – São Paulo – SP Tel: 5511 3052 3311 Fax: 5511 3884 9022 wwwv.tendencias.com.br 9 energia renovável já apresenta um elevado aproveitamento energético. Este fato mostra o elevado potencial de desenvolvimento do setor a partir de um melhor aproveitamento não só na fase industrial mas, principalmente, na fase agrícola, com o cultivo de variedades de oleaginosas mais produtivas. Rua Estados Unidos, 498 Jardim Paulista 01427-000 – São Paulo – SP Tel: 5511 3052 3311 Fax: 5511 3884 9022 wwwv.tendencias.com.br 10 3. Biocombustíveis versus alimentos Um dos potenciais dilemas que se coloca para a sociedade em geral decorre do conflito que pode surgir entre a produção de biocombustíveis e o cultivo para alimentação humana. Esta questão é particularmente relevante para os elaboradores de políticas públicas, diante do crescente volume de críticas às conseqüências econômicas e sociais dos biocombustíveis. Nesta seção destacamos as principais razões deste dilema: Biocombustíveis competem diretamente com alimentos quando utilizam culturas alimentares em sua produção, como o milho. Ocorre competição por terras e outros insumos, reduzindo a oferta de alimentos, mesmo que culturas alimentares não sejam utilizadas na produção de biocombustíveis. Aumento recente no preço dos alimentos pode ser explicado por diversos fatores estruturais e conjunturais: O crescimento acelerado de países asiáticos, como China e Índia, com a concomitante urbanização da população. A elevação no preço do petróleo. Quebras sucessivas de safra em regiões produtoras. Uma bolha especulativa nos mercados de commodities. Crescimento da produção de biocombustíveis no EUA. A maior parte das críticas aos biocombustíveis é relevante para o caso do etanol de milho, produzido nos EUA. A questão da competição com os alimentos também não se coloca de maneira imediata para o Brasil. A expansão continuada de culturas voltadas à produção de biocombustíveis pode colocar alguns desafios para o país no médio a longo prazos. Uma forma de evitar o dilema entre a produção de biocombustíveis e de alimentos é a utilização de recursos que não concorram direta ou indiretamente com as culturas para alimentação humana. Possibilidade de conciliação das culturas para biocombustíveis em consórcio com outros cultivares de alimentos. Há uma preocupação de que estímulo à produção de biocombustíveis, decorrente dos parâmetros de mercado ou de políticas fomentadoras, possa drenar recursos antes dedicados ao cultivo de alimentos. O conseqüente aumento no preço dos alimentos pode ter conseqüências deletérias sobre a sociedade, ameaçando a própria sustentabilidade da produção de biocombustíveis. Há dois canais pelos quais a produção de biocombustíveis a partir de commodities agrícolas pode reduzir a oferta de alimentos. Por um lado, temos uma competição Rua Estados Unidos, 498 Jardim Paulista 01427-000 – São Paulo – SP Tel: 5511 3052 3311 Fax: 5511 3884 9022 wwwv.tendencias.com.br 11 direta quando se trata de bens utilizados para alimentação humana, como soja e milho. Por exemplo, a utilização de milho para a produção de etanol reduz a disponibilidade do produto para a alimentação humana, afetando imediatamente o seu preço e de seus derivados diretos. O caso da soja é menos nocivo sob esta perspectiva, pois o farelo de soja, um dos subprodutos da moagem, ainda pode ser utilizado como ração animal. Historicamente, a razão entre o consumo de farelo e óleo é de 2 para 1. O crescimento exagerado da produção de soja com vistas à extração do óleo pode aumentar a oferta de farelo e reduzir a oferta de óleo, desequilibrando esta relação. Neste caso, ocorreria uma queda no preço do farelo e um aumento no preço do óleo, o que colocaria em xeque a própria viabilidade econômica do setor. Por outro lado, há o canal que opera através da competição por insumos. Este mecanismo pode funcionar mesmo que a matéria-prima não seja utilizada diretamente na alimentação humana ou como ração animal. Por exemplo, quando uma cultura se expande, pode haver redução na área disponível para outras culturas voltadas à cultura de alimentos. Esta é a razão pela qual o aumento no preço do milho, causado em parte pela expansão no programa americano de etanol, tem causado acréscimo no preço de outras commodities, contaminando assim o restante do setor agrícola. Nos dois casos, o resultado final seria o mesmo: a expansão dos biocombustíveis levaria à redução da oferta e ao encarecimento de gêneros alimentícios. E, de fato, o preço das commodities agrícola em geral apresentou um substancial crescimento, que se tornou mais intenso em 2008. Segundo dados do Banco Mundial, desde 2006 o preço dos bens alimentares – gorduras e óleos vegetais, grãos, carne, frutas, açúcar e leite – aumentou 75%. Só nos três primeiros meses deste ano o aumento foi de 17%. É possível enumerar diversos fatores estruturais e conjunturais que provocam este fenômeno: • • • O crescimento acelerado de países asiáticos, como China e Índia, com a urbanização de enormes contingentes populacionais. Com o aumento da renda nestes países, um grande número de pessoas incrementa o mercado de consumidores de proteínas (principalmente carnes e grãos), elevando a demanda por alimentos. Como argumentaremos a seguir, este componente deve ser determinante para traçarmos a trajetória de médio e longo prazo dos preços agrícolas, com profundas implicações de política econômica; A elevação no preço do petróleo, que eleva o custo dos insumos do setor agrícola e as despesas com transporte. Neste período, o preço dos fertilizantes, muitos deles à base de petróleo, foi o campeão de alta; Quebras sucessivas de safra em regiões produtoras, como a Austrália e o Sudeste da Ásia. O sul do Brasil também se enquadra nesta categoria. Muitos destes eventos climáticos adversos podem ser atribuídos ao próprio aquecimento global; Rua Estados Unidos, 498 Jardim Paulista 01427-000 – São Paulo – SP Tel: 5511 3052 3311 Fax: 5511 3884 9022 wwwv.tendencias.com.br 12 • • Uma bolha especulativa nos mercados de commodities, como em muitos outros mercados, resultado da política monetária flexível e da elevada liquidez no mercado internacional; e Crescimento da produção de biocombustíveis nos EUA, que desloca recursos de outros setores da economia e competem com a produção de alimentos, conforme já apontamos. A produção de biocombustíveis tem sido apontada como um dos principais responsáveis pelo aumento no preço dos alimentos. Diversas autoridades, ativistas e pesquisadores têm condenado a produção de biocombustíveis, e clamado pela suspensão das políticas de incentivo ao seu uso. A maior parte das críticas não se aplica diretamente ao Brasil, mas pode ser relevante no caso do etanol de milho, produzido nos EUA. O balanço energético e ambiental do etanol de milho é praticamente nulo: sua produção absorve a mesma quantidade de energia contida no produto, e a redução na emissão de CO2 ao longo do ciclo é ínfima. Alguns cientistas dizem que essas magnitudes são negativas. Mais da metade do crescimento da demanda por milho teve origem na produção de etanol. Este crescimento da demanda elevou os preços, estimulando a substituição de outras culturas pelo milho, propagando o aumento no preço do milho para outras commodities agrícolas, como a soja. O álcool brasileiro, produzido a partir da cana, é diferente. Sua produção consome 1/8 da energia que produz, e reduz a emissão de CO2 em até 70%. A questão da competição com os alimentos também não se coloca de maneira imediata para o Brasil. A área ocupada pela lavoura de cana é de aproximadamente 7 milhões de hectares – ou 2% da área agriculturável do país, frente aos mais de 200 milhões de hectares ocupados por pastagens. Embora a lavoura de cana ocupe áreas produtivas e com logística privilegiada, acreditamos que sua expansão recente não tenha ocorrido em prejuízo das outras culturas. Entretanto, a expansão continuada de culturas voltadas à produção de biocombustíveis pode colocar alguns desafios para o país no médio a longo prazos. Em primeiro lugar, as culturas para biocombustíveis podem exigir qualidades especiais de terra e de clima. Neste caso, somente uma parcela das terras ocupadas com pecuária extensiva estaria de fato disponíveis para a expansão de culturas voltadas para a produção de biocombustíveis. A segunda qualificação é de natureza logística: muitas destas terras encontram-se em regiões remotas e com dificuldades de acesso aos principais mercados consumidores. O seu pleno desenvolvimento agrícola exigiria investimentos em estruturas viárias para facilitar o escoamento da produção. Uma maneira de evitar o conflito entre a produção de biocombustíveis e de alimentos é a utilização de recursos que não concorram direta ou indiretamente com as culturas para alimentação humana. Este é o cenário preconizado pelo PNPB, com a produção sendo realizada prioritariamente em terras impróprias para culturas de alimentos, com deficiência hídrica, e regime pluvial inadequado. Mesmo com o elevado Rua Estados Unidos, 498 Jardim Paulista 01427-000 – São Paulo – SP Tel: 5511 3052 3311 Fax: 5511 3884 9022 wwwv.tendencias.com.br 13 preço dos alimentos, sua produção seria inviável nestas regiões, pela baixa produtividade ou o elevado risco climático envolvido. Alternativamente, deve-se procurar modelos que permitam a conciliação das culturas para biocombustíveis em consórcio com outros cultivares de alimentos. Ao incentivar um modelo de negócios baseado na agricultura familiar, o PNPB vislumbra a manutenção de parte da área para o cultivo de culturas alimentares pelo pequeno produtor. Uma vantagem do cultivo da cana-de-açúcar no tocante à redução na oferta de alimentos é a necessidade de consorciá-la com cereais durante a rotação de cultura. Uma possibilidade que se abre é o desenvolvimento de pecuária intensiva nas regiões canavieiras, com gado confinado e alimentado a partir de rações produzidas com os cereais cultivados na área. Naturalmente, este modo de produção estimula a formação de uma cadeia paralela e anexa que produz alimentos e diversifica a atividade econômica, não se verificando a especialização produtiva completa, como é freqüentemente colocado pelos críticos. Rua Estados Unidos, 498 Jardim Paulista 01427-000 – São Paulo – SP Tel: 5511 3052 3311 Fax: 5511 3884 9022 wwwv.tendencias.com.br 14 4. Originação da Matéria-Prima Como enfatizado na seção anterior, a produção a partir de oleaginosas alternativas apresenta algumas vantagens em relação às vias tradicionais. São elas: Com consorciamento adequado e maior produtividade, produção de alimentos pode aumentar. Há um enorme espaço para aprimoramento das técnicas de cultivo das culturas alternativas, com incrementos significativos de sua produtividade. Paralelo com o Proálcool: custos elevados no início mas decrescentes ao longo do tempo. Em primeiro lugar, certas oleaginosas – como a mamona e o pinhão-manso – podem ser cultivadas em terras marginais e degradadas, hoje ocupadas por atividades de baixa produtividade. Em termos de produção de alimentos, a ocupação destas terras não envolve custos, pois dificilmente seriam utilizadas para cultura de alimentos em larga escala. Ao contrário, ao permitir o consorciamento com outras culturas – como milho e feijão – com maior produtividade, a organização da cultura de mamona pode até elevar a oferta de alimentos em relação à situação atual. Este fato ajuda a isolar o programa baseado nestas culturas das críticas recentes à expansão dos biocombustíveis e seus efeitos deletérios sobre a oferta de alimentos. De fato, há uma sinergia entre o cultivo de mamona e feijão em consórcio, com uma cultura contribuindo para aumentar a produtividade da outra. Em termos de recuperação de solos, a mamona melhora a cobertura vegetal, que protege o solo da chuva, e ajuda a preservá-lo. Este fator é crucial para promover a sustentabilidade do programa e a inserção do produto em outros mercados onde há preocupação de natureza ambiental e econômica com o uso dos biocombustíveis. Ou seja, este aspecto do programa, se bem implementado e divulgado, pode constituir uma vantagem estratégica para o país. Um outro aspecto relativo a estas culturas deve ser destacado: o enorme espaço para aprimoramento de suas técnicas de cultivo com incrementos significativos da produtividade. Enquanto a soja já é uma cultura madura, com grande evolução na sua produtividade observada nos últimos 30 anos, as oleaginosas alternativas ainda foram pouco pesquisadas, havendo provavelmente um significativo espaço para pesquisa aplicada, aprendizado e melhorias de sua produtividade. Imaginemos uma curva de aprendizado, em que o custo médio de produção dependa da produção acumulada até o momento. A soja, pela enorme experiência acumulada, encontra-se em uma parte da curva onde os ganhos futuros esperados são menores vis-àvis a uma cultura incipiente como a mamona. Pela pequena quantidade produzida até então, nosso conhecimento acumulado sobre esta cultura ainda é reduzido. Entretanto, existe o potencial de ganhos de produtividade significativos no futuro, à medida que caminharmos sobre a curva de aprendizagem. Rua Estados Unidos, 498 Jardim Paulista 01427-000 – São Paulo – SP Tel: 5511 3052 3311 Fax: 5511 3884 9022 wwwv.tendencias.com.br 15 Não se trata de afirmar que já se esgotou o potencial de crescimento da produtividade da soja. Diante dos avanços da genética e da química fina que foram obtidos mais recentemente, há uma enorme capacidade para avanços ainda maiores neste setor. No caso das culturas alternativas, além destas perspectivas, deve naturalmente ocorrer um aumento maior na produtividade, decorrente da posição deste na curva de aprendizado. A figura a seguir ilustra o argumento. Neste ponto devemos traçar um paralelo entre o Programa Brasileiro de Biodiesel e uma experiência semelhante: o Proálcool. Os dois casos guardam diversas similaridades. Inicialmente a produção e o uso do álcool eram economicamente ineficientes frente ao combustível fóssil. Foram necessários grandes gastos do governo, via subsídios e normas exigindo o uso, para que o programa permanecesse ativo. Com a experiência acumulada, o custo de produção do álcool foi sucessivamente reduzido. Neste momento, o etanol de cana é viável frente à gasolina e os subsídios da fase inicial já não se fazem mais necessários para a atividade, que se tornou auto-sustentável. O biodiesel parece seguir uma trajetória semelhante. Os subsídios necessários ao programa neste estágio inicial parecem muito inferiores àqueles concedidos ao setor sucro-alcooleiro durante a etapa inicial do Proálcool. Deve-se questionar, no entanto, qual seria o conjunto de mecanismos de apoio mais eficazes nesta fase inicial do programa. Rua Estados Unidos, 498 Jardim Paulista 01427-000 – São Paulo – SP Tel: 5511 3052 3311 Fax: 5511 3884 9022 wwwv.tendencias.com.br 16 5. O Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel Diante das enormes possibilidades oferecidas pelo uso do biodiesel, o governo federal decidiu articular uma iniciativa de grande envergadura para explorar todas as potencialidades do programa, principalmente no que se refere à utilização de insumos alternativos e produzidos pela agricultura familiar. Estas iniciativas foram reunidas no âmbito do Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel (PNPB), que prevê diversos mecanismos de incentivo ao uso deste combustível alternativo – principalmente via obrigatoriedade de adição de biodiesel ao diesel mineral – e confere especial ênfase ao produto originado na agricultura familiar – via desoneração tributária diferenciada. A estratégia original pretendida pelo programa era integrar ações para incentivar o uso de matérias-primas alternativas com o combate à pobreza nas áreas menos desenvolvidas do País. Um dos objetivos desta seção é investigar em que medida os custos do modelo de negócios preconizado no programa original são sustentáveis diante da estrutura de cadeia mais maduras e desenvolvidas – como, por exemplo, a da soja, mas que têm menos potencial para gerar efeitos colaterais positivos no tocante à redução da pobreza no campo. O Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel (PNPB) visa destacar os seguintes pontos: Possibilidade de associar de forma natural à produção de combustível limpo com o combate à pobreza na região mais carente. Estruturação de cadeia baseada em oleaginosas alternativas e agricultura familiar, embora envolva benefícios colaterais positivos, apresenta dificuldades adicionais e custos mais elevados. Embora um modelo de negócios centrado na agricultura familiar seja desejável como mecanismo de redução de pobreza em regiões carentes, sua implementação efetiva requer algumas precauções e a superação de certas dificuldades. Em termos estratégicos, a produção de diesel é de suma importância para o País, que é um importador líquido do produto. Existe a perspectiva de o produto ser exportado no futuro se os custos caírem para níveis razoáveis vis-à-vis o preço do diesel mineral. Este cenário depende também das políticas comerciais adotadas pelos países europeus, potenciais importadores de biocombustíveis. A obrigatoriedade da adição ao diesel mineral é um mecanismo de estímulo ao setor como um todo, pois cria mercado cativo e reduz incertezas. Incentivos fiscais (desoneração) procuram incentivar o uso de oleaginosas alternativas e a agricultura familiar, mas têm se mostrado imperfeitos e insuficientes. Rua Estados Unidos, 498 Jardim Paulista 01427-000 – São Paulo – SP Tel: 5511 3052 3311 Fax: 5511 3884 9022 wwwv.tendencias.com.br 17 Dificuldades em linhas de crédito subsidiado para a agricultura familiar via o PRONAF. Regras distorcidas para a obtenção do chamado Selo de Combustível Social. 5.1 Objetivos Sociais e Estratégicos Nacionais Em termos de programa de governo de interesse público, um dos principais objetivos do programa de produção de biodiesel é a promoção de maior inclusão social, à medida que há possibilidade de cultivo de diversas opções de oleaginosas no formato da agricultura familiar. Na região Semi-Árida brasileira e no norte do país, onde se concentram os piores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH), o potencial de cultivo de mamona e de dendê é bastante promissor. Isso cria novas perspectivas para geração de emprego e renda no local, uma vez que a mamona e a palma, por exemplo, são oleaginosas adaptadas às regiões e conhecidas pelos agricultores locais. O grande e crescente mercado brasileiro de diesel poderá ser importante na sustentação de um programa de geração de emprego e renda a partir do biodiesel a partir de sua integração com a agricultura familiar. Assim, este modelo de negócios pode constituir um importante instrumento alternativo para o combate à miséria no país, que também é um objetivo de governo. É importante ressaltar que o cultivo da mamona pode ser alternado com outras culturas, como milho e feijão, permitindo ao pequeno agricultor diversificar seu risco e aliviando preocupações com a segurança alimentar do país. Embora um modelo de negócios centrado na agricultura familiar seja desejável como mecanismo de redução de pobreza em regiões carentes, sua implementação efetiva requer algumas precauções e a superação de certas dificuldades. Como discutiremos com maior detalhe adiante, uma cadeia produtiva dependente da agricultura familiar deve desenvolver mecanismos para integrar o pequeno produtor, até então dedicado a culturas de baixo valor agregado, a uma estrutura que requer maior dinamismo. Estes produtores, por exemplo, ocupam terras de forma precária em termos legais, sem título permanente de propriedade, o que dificulta o acesso a crédito junto ao sistema financeiro e a programas oficiais de fomento. A baixa instrução desses pequenos proprietários, e a falta de experiência com técnicas mais modernas de cultivo e manejo podem prejudicar a produtividade da cultura e a qualidade do produto obtido. Para que haja desenvolvimento da produção de biodiesel a partir deste modelo de negócios podem se fazer necessários incentivos governamentais complementares à ação do setor privado. Em termos estratégicos, a produção de diesel é de suma importância para o País, que é um importador líquido do produto. Em 2003, cerca de 10% do diesel consumido foi importado, a um custo estimado em US$ 800 milhões1. Embora o país seja auto-suficiente em petróleo, nosso parque produtivo – extração e refino – não é 1 Fonte: http://www.biodiesel.gov.br/faq.html, acesso em 20/04/2008. Rua Estados Unidos, 498 Jardim Paulista 01427-000 – São Paulo – SP Tel: 5511 3052 3311 Fax: 5511 3884 9022 wwwv.tendencias.com.br 18 capaz de atender a toda a demanda doméstica por óleo diesel. Na configuração atual, o diesel é importado enquanto a gasolina é exportada. A utilização do B10 permitiria a substituição total desse diesel importado, tornando a economia mais robusta a choques externos. Ao ser incluído em nossa matriz energética, o biodiesel aumenta a participação de fontes limpas e renováveis, somando-se à hidroeletricidade e ao álcool, e coloca o Brasil em uma posição de destaque no cenário internacional em termos de emissão de gases do efeito estufa para a produção de eletricidade. Em termos de custos e eficiência relativa, existe a perspectiva de o produto ser exportado no futuro se (i) os países desenvolvidos mantiverem a trajetória de mistura obrigatória crescente de biodiesel ao diesel mineral, e (ii) o produto brasileiro tiver um custo de produção menor que o de outros ofertantes. Este cenário depende também das políticas comerciais adotadas pelos países europeus, potenciais importadores de biocombustíveis. Conforme já destacamos, os mercados domésticos de combustível ‘verde’ ainda são marcados por elevado protecionismo com o intuito de reservá-los aos produtores locais, cuja renda pretende-se preservar. Entretanto, políticas de incentivo ao consumo por razões econômicas e ambientais pelos países desenvolvidos, associadas a pressões de organismos internacionais por uma política mais liberal deve elevar as importações e beneficiar países com baixo custo de produção, como o Brasil. 5.2 Mecanismos de Incentivo Para cumprir seu objetivo de incentivar a agricultura familiar, o Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel - PNPB prevê diversas modalidades de incentivo. A primeira categoria envolve o estímulo ao uso do biodiesel via a exigência da mistura compulsória ao diesel mineral. Esta estratégia já foi implementada com êxito no caso do etanol a partir da década de 70. Embora este combustível fosse ainda inviável do ponto de vista econômico naquele instante do tempo, a produção e a maturação do setor permitiram a realização de economias de escala dinâmicas, que aumentaram substancialmente a eficiência da produção, tornando o setor sustentável. Além disso, a obrigatoriedade da mistura, por criar um mercado cativo para o produto, elimina algumas incertezas para os produtores, incentivando o investimento em capacidade. Com vistas a este movimento, a Lei No 11.097, de 13 de janeiro de 2005, determinou que fosse adicionado 2% de biodiesel ao diesel mineral vendido no Brasil a partir de janeiro de 2008. Atualmente, o percentual de mistura obrigatória já é de 3%. E esta mistura obrigatória deve atingir 5% até 2013. Este tipo de iniciativa confere ao produtor a garantia de mercado para o produto, reduzindo a incerteza e estimulando o investimento diante da necessidade de vultosas inversões em estruturas específicas para a fabricação do produto. A segunda dimensão do programa procura estimular o uso de oleaginosas alternativas, obtidas junto a pequenos produtores das regiões Norte e Nordeste. O Rua Estados Unidos, 498 Jardim Paulista 01427-000 – São Paulo – SP Tel: 5511 3052 3311 Fax: 5511 3884 9022 wwwv.tendencias.com.br 19 Decreto nº 5.297, de 6 de dezembro de 2004, e posteriormente o Decreto nº 5.457, de 6 de junho de 2005, determinou desoneração de 67,63% de PIS/PASEP e COFINS incidentes sobre a produção de biodiesel. Com esta medida, a tributação do biodiesel torna-se equivalente à do diesel mineral, que é de R$ 217,96 por m3. Além disso, estabeleceram-se alíquotas diferenciadas segundo a região de origem da matériaprima, a oleaginosa utilizada, e o modelo de negócios. O quadro abaixo ilustra. Tabela 1. Alíquota de PIS/PASEP e COFINS por 1.000 litros* Regiões Norte, Nordeste e Resto do Brasil Semi-Árido Mamona e palma Agricultura familiar 0 (100%) 70,02 (67,90%) Agronegócio 151,5 (30,50%) 217,96 (0%) Outras oleaginosas Agricultura familiar 70,02 (67,90%) 70,02 (67,90%) Agronegócio 217,96 (0%) 217,96 (0%) Fonte: MME / Elaboração: Tendëncias; * Valor entre parênteses é o percentual de redução em relação ao diesel mineral A situação mais vantajosa em termos de desoneração de PIS/PASEP e COFINS é a dos produtores que utilizam óleos derivados de mamona e dendê oriundos da agricultura familiar das regiões Norte e Nordeste, ou do Semi-Árido. Nesta situação a alíquota é reduzida para zero. Para o produto obtido junto à agricultura familiar, independente da oleaginosa e da região, a alíquota é de R$ 70,02 por m3. Finalmente, o biodiesel obtido a partir da mamona e do dendê nas regiões Norte, Nordeste e Semi-Árido incorre em uma alíquota de R$ 151,50 por m3 (redução de 30,5%), a despeito de não provir do agronegócio. Um importante instrumento de estímulo no programa é o chamado Selo de Combustível Social. Este é um certificado concedido pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) aos produtores de biodiesel que preenchem certas exigências relacionadas aos aspectos sociais do programa. O produtor de biodiesel que possui o Selo de Combustível Social, além da desoneração tributária mencionada acima, pode obter empréstimos com condições privilegiadas junto a instituições oficiais de fomento, como o BNDES, assim como participar dos leilões oficiais de compra em condições favorecidas. Além destas vantagens, os pequenos produtores teriam acesso aos recursos do PRONAF – Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar, recebendo crédito de instituições oficiais de crédito com juros menores que os praticados no mercado. Estes recursos deveriam ser utilizados para complementar aqueles empenhados pelas empresas produtoras de biodiesel para o desenvolvimento da cultura de oleaginosas. Nas próximas seções discutiremos o funcionamento efetivo destes mecanismos, apresentando as razões para sua ineficácia e as distorções que daí surgiram. Rua Estados Unidos, 498 Jardim Paulista 01427-000 – São Paulo – SP Tel: 5511 3052 3311 Fax: 5511 3884 9022 wwwv.tendencias.com.br 20 5.3 Modelos de Desenvolvimento Uma das rotas para a obtenção do biodiesel é a partir do óleo de soja. Desta forma, os agentes que produzem biodiesel a partir de oleaginosas alternativas encontram-se em uma situação de competição direta e desfavorável com atores da cadeia da soja. Mostraremos a seguir que esta cadeia, pela sua maturidade, não sofre de algumas das vicissitudes que assolam as cadeias baseadas em culturas alternativas. Em contrapartida, um modelo baseado na cadeia de soja não tem o potencial para o desenvolvimento rural e a recuperação de terras degradadas, como é o caso da mamona e do pinhão-manso. Além disso, no caso da soja, é mais direta a competição com uma commodity agrícola amplamente utilizada no consumo humano – o óleo de soja, advindo daí as críticas aos biocombustíveis. A cultura da soja desenvolveu-se intensamente no Brasil desde os anos 70. Com o aprimoramento de técnicas de plantio e de correção de solo, vastas extensões de terra na região Centro-Oeste do Brasil tornaram-se viáveis para esta atividade. Por esta razão, o Brasil ocupa hoje uma posição de destaque no setor. O cultivo da soja é dominado por pequenos e médios produtores, capitalizados e estáveis, que muitas vezes organizam-se em cooperativas para comercializar a produção e adquirir insumos em melhores condições. Com a aplicação de técnicas avançadas, e o uso intensivo de equipamentos e outros implementos, estes produtores conseguem auferir da atividade uma renda generosa. Pelo seu elevado grau de desenvolvimento, o acesso a crédito é facilitado, seja junto ao sistema financeiro ou à própria cooperativa. A partir das cooperativas, a soja pode ser exportada – em geral com a intermediação de tradings – ou vendida para uma empresa beneficiadora. Este setor de beneficiamento é dominado por quatro grandes multinacionais – ADM, Cargill, Bunge e Louis Dreyfus, empresa integradas que processam a soja para transformá-la em uma vasta gama de produtos alimentícios, rações animais, sementes, e biodiesel. A produção de biodiesel para estas empresas é uma atividade secundária e utiliza somente óleo de soja excedente para este fim. O quadro é diametralmente oposto para as cadeias focalizadas na agricultura familiar do Semi-Árido brasileiro. Aqui encontramos pequenos agricultores em condições de grande precariedade. Com baixa escolaridade, propriedade precária da terra, e pouca iniciativa empresarial, estes não têm condições de empregar as técnicas avançadas e os implementos modernos que permitiriam o aumento da produtividade. Por esta razão, dedicam-se à agricultura de subsistência – cultivo de mandioca, milho e feijão, e criação de algumas cabeças de gado de corte e de leite, com baixo retorno, que gera poucos excedentes comercializáveis. A capacidade de absorção e emprego de técnicas modernas é limitada. Para capacitar estes produtores para a produção comercial é necessário um longo processo de aprendizagem de técnicas agrícolas. Esta atividade também é intensiva em mão-de-obra, em geral proveniente da própria família do agricultor, que trabalha em condições precárias e com baixa remuneração. Nestas condições, intempéries climáticas – como Rua Estados Unidos, 498 Jardim Paulista 01427-000 – São Paulo – SP Tel: 5511 3052 3311 Fax: 5511 3884 9022 wwwv.tendencias.com.br 21 estiagem prolongada – têm efeito devastador sobre o bem-estar destas famílias, que não têm acesso a instrumentos de mitigação de risco (seguro). É com este cenário adverso que se defrontam as empresas que optaram por utilizar insumos originários da agricultura familiar. Não se trata de simplesmente adquirir matéria-prima de agentes organizados, como as cooperativas no setor de soja. Deve-se, em primeiro lugar, estruturar uma cadeia produtiva, composta na sua base por agente em condição precária, incorrendo os enormes custos aí envolvidos. Uma das dificuldades destes agricultores é o acesso a crédito: muitos têm títulos precários da terra, que não pode ser utilizada como colateral, e/ou já se encontram inadimplentes em operações de crédito realizadas anteriormente. Assim, os instrumentos do PRONAF mostram-se pouco efetivos para os agricultores nesta situação, ao contrário das experiências bem sucedidas de financiamento de pequenos produtores no sul do Brasil. Assim, as despesas para financiar a aquisição de implementos, adubos, fertilizantes, defensivos, e sementes devem ser incorridos pela empresa compradora da matéria-prima, elevando seus custos. Ademais, é necessário transmitir ao produtor as melhores técnicas de manejo da cultura, com a qual ele não está habituado. Em muitas comunidades faz-se necessário até mesmo investimento em infra-estrutura básica (eletrificação rural, acesso a rede de esgoto e água encanada) e benfeitorias sociais (construção de escolas e postos de saúde, arruamento e urbanização), funções típicas de Estado. Destaca-se também a ausência – ou insuficiência – de cooperativimo entre estes produtores. Pelo tamanho limitado de suas propriedades, a aquisição de maquinário e certos implementos só se torna viável se o custo fixo puder ser diluído entre diversos agentes. A constituição de cooperativas, que também pode fornecer apoio técnico e comercial aos associados, é a solução natural nestes casos. Em suma, a opção pelas alternativas que dependem da agricultura familiar, embora promova grandes benefícios sociais para as comunidades afetadas, envolve elevados custos para as empresas produtoras de biodiesel, o que é uma desvantagem comercial frente à opção por um insumo originário de cadeias mais maduras – como a soja – em que o único custo é o de aquisição da matéria-prima. 5.4 Origem da Matéria-Prima e Custo Relativo Diante dos custos – dos benefícios sociais mais elevados – das empresas que utilizam insumos originados da agricultura familiar, devemos questionar os benefícios fiscais a eles concedidos para manter sua competitividade frente às outras alternativas. Encontramos aqui regras distorcidas para a obtenção do Selo de Combustível Social: é necessário adquirir uma parcela das matérias-primas junto à agricultura familiar, o que envolve todo o suporte e os custos adicionais descritos acima. A regra ora em vigor prevê que, na região Nordeste e no Semi-Árido, é necessário obter 50% das matérias-primas da agricultura familiar para obter o selo. Nas regiões Sul e Sudeste, Rua Estados Unidos, 498 Jardim Paulista 01427-000 – São Paulo – SP Tel: 5511 3052 3311 Fax: 5511 3884 9022 wwwv.tendencias.com.br 22 este percentual cai para 30%, enquanto nas regiões Centro-Oeste e Norte este percentual é de somente 10%! Ou seja, uma empresa que adquire somente 10% da matéria-prima junto à agricultura familiar na região Centro-Oeste compete em condições de absoluta igualdade nos leilões com uma empresa que adquire 50% da matéria-prima originária da agricultura familiar na região Nordeste, a um custo superior e com grande impacto social positivo. Esta regra tem permitido a grandes empresas esmagadoras de soja obter o Selo, mesmo diante do fato de sua atuação ter um impacto social de redução de pobreza ínfimo quando comparado ao das empresas que genuinamente investiram recursos na constituição da agricultura familiar do Nordeste. Desta forma, parte dos benefícios fiscais concedidos aos agentes que investem na estruturação produtiva são na verdade ilusórios, pois lacunas na lei vêm permitindo que atores que geram menor benefício social, estratégico, e ecológico tenham acesso a parte destes benefícios. Esta constatação tem conseqüências concorrenciais perversas para a meta de associar o programa de biodiesel à redução de pobreza, pois reduz sobremaneira o estímulo econômico para a aquisição de matéria-prima junto à agricultura familiar no Nordeste. No longo prazo, estas distorções podem ter conseqüências políticas que ameacem a sustentabilidade do próprio programa brasileiro de biodiesel. 5.5 Distorções no Mercado Outras distorções surgiram no processo de comercialização do biodiesel. Para fomentar o mercado em seu estágio inicial, a ANP organizou leilões de compra do produto. Entretanto, o preço anunciado para venda no leilão não inclui despesas de transporte até as bases de mistura, que devem ser incorridos pelo comprador – a Petrobrás. Esta regra cria distorções severas na decisão locacional das empresas, privilegiando aquelas instaladas em regiões mais remotas, que têm acesso a insumos mais baratos. Por outro lado, a regra penaliza aquelas que empresas que, pela decisão de se instalar próximo a uma planta da Petrobrás, reduziram o custo logístico do setor. Uma parte substancial do custo do produto corresponde aos custos de frete. Do ponto de vista econômico, seria importante que este custo fosse internalizado pela empresa produtora de biodiesel, para que sua decisão locacional leva-se a uma alocação eficiente. Esta regra, ao contrário, favorece as empresas que se instalaram em regiões remotas, com menor custo de produção, mas maior custo de transporte, que é então repassado a toda a sociedade. Uma outra distorção nas regras do leilão decorre da homologação pela autoridade reguladora de capacidade produtiva inexistente no setor, permitindo que certas empresas ofereçam volumes elevados e deprimam os preços. Este volume não é entregue no futuro, por uma decisão econômica das mesmas e de falta de capacidade de produção efetiva, prejudicando a rentabilidade do setor e o próprio abastecimento do Rua Estados Unidos, 498 Jardim Paulista 01427-000 – São Paulo – SP Tel: 5511 3052 3311 Fax: 5511 3884 9022 wwwv.tendencias.com.br 23 combustível. É necessário criar regras mais claras e efetivas, que levem em conta a capacidade instalada e a disponibilidade de matéria-prima para a produção de biodiesel. Existem ainda os problemas derivados do modelo de comercialização do biodiesel no Brasil, onde há a concentração das compras em um único comprado, a Petrobrás, e as possibilidades de distorção do mercado em função disto, amplificadas pelo fato deste único comprador pretender se estabelecer enquanto produtor de biodiesel. Rua Estados Unidos, 498 Jardim Paulista 01427-000 – São Paulo – SP Tel: 5511 3052 3311 Fax: 5511 3884 9022 wwwv.tendencias.com.br 24 6. Perspectivas para a Exportação de Biodiesel O desenvolvimento do mercado internacional de biodiesel deve ser fundamental para determinação da viabilidade da produção brasileira deste combustível nos próximos anos, enquanto a demanda nacional ainda não estiver totalmente consolidada e o percentual de mistura for inferior a 10%. Esta afirmação é particularmente relevante diante do assombroso crescimento da capacidade de processamento observado nos últimos anos, muitas vezes em descompasso com a realidade do mercado. A seguir destacamos os principais pontos que permitiriam o aprimoramento do setor: Exportação do excedente é fundamental para a rentabilidade do setor. Perspectivas de aumento do protecionismo no mercado internacional. Manutenção da participação do biocombustível no mercado de energia resultando em aumento do comércio internacional. Incentivo à exportação, tributação branda e boa logística de escoamento beneficiam produtores argentinos. União Européia continua a ser o maior comprador de biodiesel no mercado internacional; continua não tributando a importação do produto brasileiro. Lei Kandir – incentivou a exportação de bens de menor valor agregado. Falta de incentivo para a exportação do biodiesel. Adequação da produção nacional aos requisitos internacionais. Melhorias na infra-estrutura para escoamento da produção. Vantagens do Brasil: terras disponíveis e recursos naturais já esgotados em economias desenvolvidas. Não se pretende aqui colocar um paralelo muito exato com o mercado de etanol. Entretanto, é fato que, apesar da crescente demanda interna por álcool hidratado – em função dos carros flex e do relativo de preços favorável ao álcool – as exportações já representam algo em torno de 16% da produção, exercendo importante papel na regulação do mercado doméstico. No caso do biodiesel, frente à demanda mandatória atual e à capacidade de produção já instalada no País, a via de exportação dos excedentes produzidos tende a ser determinante na rentabilidade setorial, e, portanto, na sustentabilidade do setor a médio e longo prazo. Todavia, a exemplo do mercado internacional de etanol, as perspectivas globais apontam para o recrudescimento do protecionismo em vários paises. Programas de incentivo à produção de biocombustíveis, de maneira semelhante àquela implementada no Brasil, pretendem – além de minimizar os problemas ambientais provenientes da utilização do combustível fósseis e a redução da dependência externa – também mitigar a pobreza rural existente em várias partes da Ásia e África. Outro objetivo é resgatar a rentabilidade da atividade rural em países mais ricos, garantindo a fixação de parcela da Rua Estados Unidos, 498 Jardim Paulista 01427-000 – São Paulo – SP Tel: 5511 3052 3311 Fax: 5511 3884 9022 wwwv.tendencias.com.br 25 população no campo. Estas ambições estão em linha com a elevação no protecionismo que observamos no setor. Mesmo com os recentes questionamentos sobre seu impacto econômico e ambiental, é fato que as metas para elevação na participação de biocombustíveis no mercado de energia – já estabelecidas em vários paises e blocos – deverão ser mantidas, o que implica ampliação do comercio internacional tanto do etanol quanto do biodiesel. Segundo projeções do FAPRI – Food and Agricultural Policy Rsearch Institute, o comércio internacional de biodiesel deverá mais que dobrar entre 2007 e 2017, quando chegará a 2,3 bilhões de litros, relativamente ao 1,11 bilhão de litros comercializados em 2007. Nestes dez anos, a produção global nos principais países produtores (Argentina, Brasil, Indonésia, EUA e União Européia) deve passar de 9,5 bilhões de litros para 18,7 bilhões, com seu consumo aumentando de 9,0 bilhões de litros para 18,3 bilhões de litros, com destaque para a produção da União Européia, cuja produção que deve chegar a 9,5 bilhões de litros. Porém a demanda local deve ser de 11,3 bilhões, gerando uma necessidade de importação de 1,8 bilhão de litros.Com esta demanda, este bloco continuará como principal comprador de biodiesel no mercado internacional Há que se destacar, no entanto, que estas projeções não incorporam os excessivos aumentos no custo das matérias-primas ocorridos neste ano. Em decorrência da valorização do petróleo no mercado internacional – principal balizador dos preços de biocombustíveis – algumas metas de produção e consumo regionais podem se tornar inviáveis. Também não está incorporada a recente elevação da mistura mandatória brasileira para 3%, a partir de meados deste ano, com possibilidade de antecipação dos 5% previstos inicialmente para 2013. Nas projeções a Argentina aparece como principal fornecedora (exportadora) global de biodiesel, com uma participação de 41,6% do total em 2017 (950 milhões de litros), seguida pelos EUA, com 21,1%, e Indonésia com 17%. O Brasil ocupa a quarta posição, com uma participação de 14%, o equivalente a 318 milhões de litros por ano. A expectativa é de que a produção Argentina siga impulsionada pela legislação local que prevê a mistura de 5% de biocombustíveis (biodiesel e etanol) à gasolina e ao diesel, até 2010, assim como pelos benefícios concedidos nas exportações. Atualmente, e ao longo do período em análise, as exportações Argentinas de biodiesel devem manter a tributação de 5%, com 2,5% de desconto, enquanto que o farelo e o óleo de soja possuem uma alíquota de 24,5%. Esta posição de destaque da Argentina, além da questão dos incentivos à exportação, deriva da elevada competitividade da produção nacional de soja (o país é o terceiro maior produtor mundial), da existência de boa logística de escoamento, e da produção local de óleos vegetais, uma vez que na região de Rosário há a maior concentração mundial de unidades de esmagamento de oleaginosas. Na União Européia ainda não há imposto sobre a importação do biodiesel proveniente do Brasil, e a tarifa é de 6,5% quando a compra é feita dos EUA. Rua Estados Unidos, 498 Jardim Paulista 01427-000 – São Paulo – SP Tel: 5511 3052 3311 Fax: 5511 3884 9022 wwwv.tendencias.com.br 26 Neste último, onde a produção deste biocombustível ficou quase que inviabilizada pela elevação de preços das oleaginosas, há um subsídio à exportação de US$ 1,00/galão (= US$ 0,26/litro, ou cerca de R$ 0,44/litro) para o biodiesel proveniente de óleos vegetais e de gordura animal, sempre que for adicionado pelo menos 1% de diesel mineral. Tabela 2. País União Européia EUA Brasil Indonésia Argentina Balanço de Suprimentos de Biodiesel – em bilhões de litros 2007 2017 Produção Consumo Déf./Sup. Produção Consumo Déf./Sup. 6,72 1,68 0,40 0,38 0,20 7,38 1,50 0,27 0,06 0,05 -0,66 0,18 0,14 0,33 0,23 9,51 4,27 2,72 0,42 1,77 11,28 3,79 2,40 0,03 0,82 -1,77 0,48 0,32 0,39 0,95 Fonte: FAPRI – Agricultural Outlook Atualmente, a União Européia é a maior produtora de biodiesel, com os EUA em segundo lugar e o Brasil em terceiro. A adição da produção de etanol altera este ranking, com os EUA como principal produtor global de biocombustíveis, seguido pelo Brasil e pela União Européia. Tabela 3. Produção de biocombustíveis (biodiesel e etanol) em 2007 País Participação no total EUA 43% Brasil 32% União Européia 15% China 3% Índia 1% Tailândia 1% Oceania 1% Outros da Am do Norte e Central 2% Outros-Am.. do Sul 1% Outros - Ásia 1% Fonte: F.O.Lichts 6.1 Entraves às exportações brasileiras. Enquanto não são introduzidas novas barreiras tarifárias às exportações brasileiras de biodiesel, o que já acontece no etanol, os custos locais de logística e a carga tributária são os principais entraves à venda externa do excedente produzido no mercado nacional. Todavia há fortes indícios de que muito brevemente serão introduzidas novas barreiras à entrada da produção nacional de biocombustíveis no que deverá ser o maior mercado importador, a Europa, mais especificamente na União Européia. Estas novas barreiras serão relativas a restrições sobre área de produção da matéria-prima (proibição de produção na região amazônica, por exemplo), balanço ambiental e energético efetivo (problema das queimadas na colheita da cana-de-açúcar), qualidade do tratamento da mão-de-obra utilizada no processo produtivo (bóias frias), etc. Ou seja, haverá necessidade de uma certificação e qualificação cada vez maior do produto nacional, muitas vezes implicando em alguma elevação nos custos de produção, para sua adequação. Rua Estados Unidos, 498 Jardim Paulista 01427-000 – São Paulo – SP Tel: 5511 3052 3311 Fax: 5511 3884 9022 wwwv.tendencias.com.br 27 Enquanto isto, em alguns casos, especificamente quando a relação é feita com biodiesel proveniente da produção asiática, dependendo da matéria-prima utilizada, esta competitividade nacional fica comprometida, mesmo no caso de utilização da produção com Selo Social e todos os incentivos com que ela conta. Além destas questões também há que se pontuar a inexistência de uma política de incentivo a esta prática comercial, a exemplo do que ocorre na Argentina. Ao contrário, a legislação tributária nacional vigente incentiva a exportação de produtos primários (Lei Kandir). De toda maneira, o maior entrave ainda em vigor é efetivamente o custo de produção. Embora de difícil estimação pela insuficiência de dados estatísticos desagregados, a hipótese de trabalho para aferimento dos custos de produção é que estes são, via de regra, compostos por 80% relativos a esta matéria-prima, 10% ao etanol ou metanol e 10% de custos industriais. A figura a seguir mostra um comparativo entre o que seria uma proxy do custo do biodiesel no Brasil e nos EUA, considerando-se o custo de 1 tonelada de óleo de soja, – a preços de mercado em cada um dos países – representando 80% do custo de produção de 1 litro de biodiesel. Para este cálculo, utilizamos a conversão da FAPRI, que considera a relação de uma tonelada de óleo para 1.136,36 litros de biodiesel. O preço brasileiro utilizado é o do óleo de soja, em São Paulo, com ICMS. No caso dos EUA a cotação é a do primeiro futuro na CBOT – Chicago Board of Trade. Talvez esta não seja a relação mais correta para ilustrar a competitividade da produção nacional, mas a intenção é apenas dar uma indicação de que, diferentemente do que ocorre em outras cadeias do agronegócio nacional, neste caso, a maior vantagem do produto nacional não é o custo de produção, mas sim o fato de que há possibilidade, como demonstrado anteriormente, de elevar substancialmente a produção brasileira sem prejuízo da produção de alimentos e com claros benéficos sociais e ambientais. Figura 1. Custos de produção do biodiesel – US$/litro 2,10 1,80 1,50 1,20 0,90 0,60 0,30 jan/00 jan/01 jan/02 jan/03 Brasil jan/04 EUA jan/05 jan/06 jan/07 jan/08 Brasil* Brasil* = descontados 12% de ICMS Fonte = CBOT,CEPEA/Esalq/USP. Elaboração Tendências. Rua Estados Unidos, 498 Jardim Paulista 01427-000 – São Paulo – SP Tel: 5511 3052 3311 Fax: 5511 3884 9022 wwwv.tendencias.com.br 28 Assim, de maneira geral, no período apresentado, o custo de produção do biodiesel brasileiro, em dólar, ficou acima do custo norte-americano na maioria absoluta dos meses. Porém, a retirada de 12% de ICMS cobrado no mercado nacional altera substancialmente esta relação, elevando a competitividade da produção nacional na maior parte dos meses analisados. Outro ponto a ser destacado nesta simulação é a inviabilidade da produção atual do biodiesel a partir do óleo de soja, devido aos custos de produção. No Brasil, estes custos são (abril/maio de 2008) de US$ 1,01/l – ou US$ 0,89/l quando não contabilizamos o ICMS. Já nos Estados Unidos o custo é de US$ 0,88/l (sem considerar os subsídios). Quando compararmos estes custos com o preço FOB do biodiesel ma Europa Central – US$ 0,943/l – percebemos que a diferença é muito pequena para justificar o transporte e a margem de distribuição. Medidas de redução de custo no Brasil e de estímulo ao consumo na Europa podem alterar este quadro. 6.2 Mercado externo potencial Os pontos abordados são fundamentais na montagem da estratégia de desenvolvimento e consolidação do mercado de biodiesel, com vistas a incrementar a participação marginal que é projetada para o Brasil. Outro fato de extrema relevância se refere à necessidade de estabelecimento de padrões de excelência desta produção nacional de maneira a adequá-la ao uso nos demais países. É preciso seguir, de maneira irrestrita, através de forte fiscalização, as normas de padronização internacional de biodiesel de maneira a torná-lo compatível com o diesel mineral, permitindo a mistura sem prejuízo de eficiência energética. Além disso, é imprescindível a superação das restrições impostas ao escoamento da produção, oriunda da ineficiência da infra-estrutura viária, hidroviária, ferroviária e dos portos nacionais. Um ponto a favor é a posição nacional privilegiada em termos de terras disponíveis e também de outros recursos já escassos em várias economias desenvolvidas (como mão-de-obra com baixo custo). Entretanto é necessário o dimensionamento dos gargalos e o estabelecimento de políticas adequadas de incentivo à produção nacional de biocombustíveis, especificamente de biodiesel. Rua Estados Unidos, 498 Jardim Paulista 01427-000 – São Paulo – SP Tel: 5511 3052 3311 Fax: 5511 3884 9022 wwwv.tendencias.com.br 29 Tabela 4. País Brasil Canadá China União Européia Índia Indonésia Malásia Tailândia EUA Composição do mercado mundial de biocombustíveis Matéria-Prima Mistura Etanol Biodiesel E25, E100, B2, B3 Cana-de-açúcar Mamona,soja, dendê (jul2008) e B5 em 2013 Gorduras animais e E5 em 2010 e B2 em Milho, trigo, palha óleos vegetais 2012 Jatropha, óleos Milho,trigo, 5 províncias já usam vegetais reciclados mandioca e sorgo B10 e E10 ou importados Trigo,colza,todos 5,75% de mistura em outros grãos, Colza, girassol e todo combustível de açúcar de soja transporte até 2010 e beterraba, vinho e 10% até 2020. álcool Melaço, cana-deJatropha e óleo de E10 em 2008 e B5 em açúcar palma importado 2012 Cana-de-açúcar e Jatropha e óleo de B10 e E10 em 2010 mandioca palma B5 em todos os veículos públicos. Previsão de B5 Não tem Óleo de palma para todos veículos à diesel em breve Óleo de palma e Melaço, mandioca, dobrar utilização de E10 óleos vegetais cana-de-açúcar até 2011 e B10 em 2012 reciclados Soja, outras 7,5 bilhões de galões em oleaginosas, gordura Milho 2012 e 36 bilhões de animal e óleos e galões em 2022 gorduras reciclados Fonte = USDA –Biofuel Outlook 2007 Rua Estados Unidos, 498 Jardim Paulista 01427-000 – São Paulo – SP Tel: 5511 3052 3311 Fax: 5511 3884 9022 wwwv.tendencias.com.br 30 7. Conclusões Dentre as conclusões mais importantes que decorrem de nossa análise e diagnóstico dos problemas do setor, podemos enfatizar: Alta no preço do petróleo e, principalmente, preocupações ambientais crescentes estimulam a produção do biocombustível. Neste contexto, o interesse estratégico do País aponta para a necessidade de desenvolver um combustível reconhecidamente ‘verde’ e limpo, que possa ser facilmente absorvido no mercado dos países desenvolvidos. A disponibilidade de terras pouco produtivas viabiliza a produção de oleaginosas alternativas, não ocorrendo assim conflito com a produção de alimentos. Necessidade de estruturar a cadeia produtiva estimulando a agricultura familiar e a incorporação de mão-de-obra necessária para a produção que utiliza plantas mais resistentes a riscos climáticos. Aperfeiçoamento da logística para escoamento da produção. Reestruturação da estrutura tributária pertinente ao setor – e da Lei Kandir em particular – tornando a exportação mais viável. Este estudo apresentou alguns elementos para uma reflexão mais profundo acerca do programa brasileiro de biodiesel. Por encontrar-se ainda em um estágio pouco amadurecido – pelo menos em termos de volume de produção e substituição do diesel mineral – ajustes em sua estrutura e foco ainda podem ser feitos sem grande prejuízo aos investimentos já realizados. Em primeiro lugar, destacamos a importância da produção dos biocombustíveis frente aos problemas ambientais causados pela queima de combustíveis fósseis. Atualmente, a produção destes tem sido estimulada pelo próprio crescimento do preço do petróleo, o que viabilizou diversas alternativas. No caso do biodiesel no Brasil, há uma vantagem extra: a possibilidade de utilizar terras marginais, hoje ocupadas por atividades de baixa produtividade, para cultivar oleaginosas alternativas, como mamona e pinhão-manso. Desta forma, não há conflito direto com a produção de alimentos. A sustentabilidade deste programa a médio e longo prazos depende da capacidade de utilizar estas terras. Caso contrário, o programa corre o risco de tornar-se econômica e ambientalmente insustentável Pela sua vasta extensão territorial e disponibilidade de terras, o Brasil é um candidato natural a líder neste setor. A liderança prematura neste setor pode conferir ao país uma grande vantagem estratégica para tornar-se um grande produtor e exportador de biodiesel. Ademais, cultivares alternativos, pela sua própria insipiência, têm um maior potencial de ganhos de produtividade dinâmicos, decorrentes do aprendizado. Eventualmente, estes cultivares podem ser associados ao estímulo à agricultura familiar. Entretanto, observamos que esta alternativa, pela precariedade em que se encontram os Rua Estados Unidos, 498 Jardim Paulista 01427-000 – São Paulo – SP Tel: 5511 3052 3311 Fax: 5511 3884 9022 wwwv.tendencias.com.br 31 atores, apresenta custos maiores do que aqueles incorridos pela via que utiliza insumos originados de cadeias mais maduras. Este fato decorre dos enormes investimentos necessários para estruturar uma cadeia produtiva formada por pequenos agricultores, e os entraves que esta via deve superar. Argumentamos que os incentivos a esta via podem não ser suficientes para torná-la viável frente à competição de outras cadeias, em parte pelas distorções embutidas em alguns mecanismos, como o Selo de Combustível Social. A legislação cria lacunas que são exploradas por grandes multinacionais, movimento contrário à filosofia do programa. Finalmente, discutimos as dificuldades hoje presentes no mercado internacional. Destacamos o potencial futuro deste mercado, a despeito do marcante protecionismo, se forem fixadas metas mais ambiciosas de substituição dos combustíveis fósseis. Neste quadro, um dos grandes desafios do Brasil é, por um lado, realizar inversões que aperfeiçoem a cadeia logística existente, facilitando o escoamento – e a exportação do biodiesel. Do outro lado, é necessário reconsiderar os incentivos presentes na estrutura tributária que hoje onera excessivamente a exportação de produtos mais elaborados. Rua Estados Unidos, 498 Jardim Paulista 01427-000 – São Paulo – SP Tel: 5511 3052 3311 Fax: 5511 3884 9022 wwwv.tendencias.com.br 32 Referências Bio-Fuels – USDA China, Peoples Republic of. Annual 2007. FAPRI- Agricultural Outlook 2008 FO.Lichts - International Ethanol & Biofuel Report – vários nº entre 2006 e 2008 FO.Lichts - International Sugar & Sweetenerl Report – vários nº entre 2006 e 2008 Elobeid A.; Tokgoz S.; Hayes D.; Babcock B.; Hart C. The Long-Run Impact of CornBased Ethanol on the Grain, Oilseed, and Livestock Sectors: A Preliminary Assessment. CARD Briefing Paper 06-BP 49. Center for Agricultural and Rural Development. Iowa State University. November 2006. European Commission. Directorale-Gernerale for Agriculture and Rural Development. Directorate G. Economic analysis, perspectives and evaluations -G.2. Economic analysis of EU agriculture. Brussels, 2007 Tokgoz S.; Elobeid A. An Analysis of the Link between Ethanol, Energy, and Crop Markets. Working Paper 06-WP 435. Center for Agricultural and Rural Development. November 2006. Iowa State University. ♦♦♦ Rua Estados Unidos, 498 Jardim Paulista 01427-000 – São Paulo – SP Tel: 5511 3052 3311 Fax: 5511 3884 9022 wwwv.tendencias.com.br 33