PANÓPTICA - Direito, Sociedade e Cultura

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PANÓPTICA - Direito, Sociedade e Cultura
PANÓPTICA
A VIOLAÇÃO DE DIREITOS GARANTIDOS À CRIANÇA EM
VIRTUDE DA PUBLICIDADE CORPORATIVA
Nayana Ferreira Pereira
Faculdade de Direito de Vitória - FDV
1. INTRODUÇÃO
A denominada “sociedade de consumo” apresenta um novo perfil, consubstanciado na
busca incessante do exercício do papel de consumidor, à medida que existência e consumo
se entrelaçam. Assim, o consumismo exacerbado coaduna-se na procura desenfreada da
felicidade momentânea, cujo alicerce é a contínua fomentação do “novo desejo” em razão de
“urgentes necessidades”.
Nesse cenário, seduz-se o indivíduo por meio de um leque inovador de necessidades à
mostra, pressuposto das inúmeras formas de publicidade moderna. As grandes empresas não
se empenham na criação dessas necessidades, simplesmente enquadram a tal nomenclatura o
que for propício num dado momento.
As grandes empresas, então, incutem nos indivíduos a inquietude ilimitada em busca das
necessidades secundárias e se mantêm no mercado de consumo. Em meio a essa prática e ao
consequente turbilhão de publicidade, figuram as crianças como objeto de desejo das
corporações, dado o potencial de influência garantido as mesmas no âmbito familiar ou
social.
A problemática cinge-se ao fato de que a essa lógica expansiva vinculam-se as consequências
negativas às crianças imersas no mercado de consumo, tidas como alvos fáceis pelas grandes
corporações justamente por não compreenderem o caráter persuasivo das práticas
publicitárias adotadas. Pretende-se, dessa forma, por meio de uma análise sistêmica do
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ordenamento jurídico brasileiro, verificar as violações de direitos decorrentes do impacto
negativo dessa publicidade.
Por fim, objetiva-se demonstrar a possibilidade de assegurar à criança os direitos que lhes são
violados, tanto por meio da concretização das previsões normativas existentes, como
também por meio de métodos que propiciem a compreensão acerca das mensagens
transmitidas e das consequências advindas dos produtos ou serviços disponíveis no mercado
de consumo.
2. SOCIEDADE DE CONSUMO E GRANDES CORPORAÇÕES
O surgimento da sociedade de consumo atrela-se ao desenvolvimento industrial que, no
decurso do tempo, propiciou a elevação da oferta de produtos e serviços em detrimento da
fabricação. Todavia, conforme preceitua Zygmunt Bauman1 deve-se compreender que
[...] no sentido, similarmente profundo e fundamental, de que a sociedade dos nossos
predecessores, a sociedade moderna nas suas camadas fundadoras, na sua fase
industrial, era uma “sociedade de produtores”. Aquela velha sociedade moderna
engajava seus membros primordialmente como produtores e soldados; a maneira como
moldava seus membros, a “norma” que colocava diante de seus olhos e os instava a
observar, era ditada pelo dever de desempenhar esses dois papéis. A norma que aquela
sociedade colocava para seus membros era a capacidade e a vontade de desempenhálos. Mas, no seu atual estágio final moderno (Giddens), segundo estágio moderno
(Beck), supramoderno (Balandier) ou pós-moderno, a sociedade moderna tem pouca
necessidade de mão-de-obra industrial em massa e de exércitos recrutados; em vez
disso, precisa engajar seus membros pela condição de consumidores. A maneira como a
sociedade atual molda seus membros é ditada primeiro e acima de tudo pelo dever de
desempenhar o papel de consumidor. A norma que nossa sociedade coloca para seus
membros é a da capacidade e vontade de desempenhar esse papel.
A atuação restrita dos indivíduos como meros produtores e soldados detentores de ânsia
inigualável para o desempenho de funções foi paulatinamente substituída pelo atual estágio
da sociedade moderna, caracterizada pela irrisória necessidade de mão-de-obra industrial em
massa e de exércitos recrutados, posto que simplesmente conduz seus membros à condição
de consumidores.
1
BAUMAN, Zygmunt. Globalização: As consequências humanas. Rio de Janeiro: Zahar, 1999, p. 87.
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Essa sociedade, portanto, apresenta novo perfil, consubstanciado na busca incessante do
exercício do papel de consumidor, à medida que existência e consumo se entrelaçam. As
consequências da conjugação imperativa do verbo “consumir” coadunam-se na procura
desenfreada da felicidade momentânea, cujo alicerce é a contínua fomentação do “novo
desejo” em razão das “urgentes necessidades”. Nesse sentido, conforme exposto por Gilles
Lipovetsky2 caracteriza-se empiricamente a “sociedade de consumo” por diferentes traços:
[...] elevação do nível de vida, abundância das mercadorias e dos serviços, culto dos objetos e dos lazeres, moral
hedonista e materialista etc. Mas, estruturalmente é a generalização do processo de moda que a define
propriamente. A sociedade centrada na expansão das necessidades é, antes de tudo, aquela que reordena a
produção e o consumo de massa sob a lei da obsolescência, da sedução e da diversificação, aquela que faz
passar o econômico para a órbita da forma moda [...].
Enuncia também Zygmunt Bauman3:
Para os consumidores da sociedade de consumo, estar em movimento – procurar,
buscar, não encontrar ou, mais precisamente, não encontrar ainda – não é sinônimo de
mal-estar, mas promessa de bem-aventurança, talvez a própria bem-aventurança. Seu
tipo de viagem esperançosa faz da chegada uma maldição. (Maurice Blanchot notou que
a resposta é o azar da pergunta: podemos dizer que satisfação é o azar do desejo.) Não
tanto a avidez de adquirir, de possuir, não o acúmulo de riqueza no seu sentido
material, palpável, mas a excitação de uma sensação nova, ainda não experimentada –
este é o jogo do consumidor. Os consumidores são primeiro e acima de tudo
acumuladores de sensações; são colecionadores de coisas apenas num sentido
secundário e derivativo.
Seduz-se, então, o indivíduo por meio de um leque inovador de necessidades sempre à
mostra, pressuposto das várias formas de publicidade moderna. Nesse contexto, as grandes
empresas não se empenham na criação dessas necessidades, simplesmente enquadram a tal
nomenclatura o que for propício num dado momento histórico.
Dessa forma, a chave para a sobrevivência de qualquer empresa, lucratividade e crescimento
em um ambiente de marketing altamente competitivo é a sua habilidade de identificar e
satisfazer necessidades do consumidor melhor e antes que a concorrência4. As grandes
empresas, então, incutem nos indivíduos a inquietude ilimitada em busca das necessidades
LIPOVETSKY, Gilles. O Império do Efêmero: A moda e seu destino nas sociedades modernas. São Paulo:
Companhia das Letras, 1989, p. 159.
3 BAUMAN, Zygmunt. Globalização: As consequências humanas. Rio de Janeiro: Zahar, 1999, p.91.
4 SCHIFFMAN, Leon G; KANUK, Leslie Lazar. Comportamento do Consumidor. 6 ed. Rio de Janeiro:
LTC, 2000, p. 59.
2
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secundárias, não necessariamente fisiológicas e, em consequência mantêm-se no mercado de
consumo. Por tal razão, várias dessas empresas são denominadas “grandes corporações”.
Em atenção ao ordenamento jurídico brasileiro, tem-se que a corporação, desprovida do
adjetivo que lhe é peculiar, deve ser compreendida por sociedade ou associação. Cristiano
Chaves de Farias e Nelson Rosenvald5 afirmam que as sociedades
[...] são pessoas jurídicas que visam, almejam, o lucro, com o objetivo de reparti-lo entre
os sócios. Podem, a depender de suas diferentes finalidades, ser sociedades simples –
quando exercem atividades econômica, visando ao lucro, porém o seu objeto não disser
respeito a uma atividade típica de empresário (CC, arts. 997 a 1038) -, ou assumir feição
de sociedade empresarial – quando tender ao exercício de atividade mercantil,
relacionada com atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de
bens e serviços (CC, arts. 966 e 982).
Ato contínuo, os autores em questão enunciam que embora não haja uma prévia finalidade
lucrativa por parte das associações, eventual lucro obtido será automaticamente reaplicado na
própria entidade, vedando-se a partilha entre os sócios. Em que pesem as considerações
expostas, para fins do presente, deve-se analisar a força dominante sobre o capital, bem
como o poder de convencimento inerente as consolidadas “grandes corporações”, tais como,
IBM, McDonald’s, Burger King, Subway, Mattel, Microsoft, Coca-Cola, Nike, Disney, dentre
outros.
Em 2003, o documentário canadense “The Corporation”6, embasado em roteiro adaptado
do livro de Joel Bakan (The Corporation: The Pathological Pursuit of Profit and Power), descreveu o
surgimento, como pessoas jurídicas, das grandes corporações, assim como pontuou as
repercussões dessa hegemonia na sociedade e na vida dos indivíduos.
Frisou-se que as pessoas não devem ser rotuladas como as culpadas pelas diversas situações
inerentes ao mercado de consumo, e sim o sistema na qual se encontram inseridas, inclusive
porque a partir do momento em que alguém for contra os objetivos das corporações, será
inevitavelmente substituído pelo “próximo consumidor” que cumprirá o seu papel.
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito Civil: Teoria Geral. 6. ed. Rio de Janeiro:
Lumen Júris, 2007, p. 259-260.
6 THE CORPORATION. Canadá: Big Picture Media Corporation: Canadian television, Mark Achbar e
Jennifer Abbott, 2003. 184 min.
5
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A expansão das grandes corporações ocorreu a partir da Revolução Industrial. Em razão do
irrisório controle estatal tornou-se perceptível que essas hegemônicas empresas valem-se da
exploração de mão-de-obra barata, degradam o meio ambiente, contribuem para a elevação
dos quadros de doenças decorrentes de atos de expansão do mercado de consumo e
instrumentalizam crianças em busca de manutenção do reconhecimento nesse mercado.
Auferem, portanto, lucratividade ou simplesmente se mantêm no mercado de consumo,
dentre outros fatores, por meio de uma sedução revestida do “era uma vez” característico da
visão infantil. Em razão da temática abordada, faz-se necessário discorrer acerca da
instrumentalização em questão.
3. A INSTRUMENTALIZAÇÃO
DA
CRIANÇA
NO
CONTEXTO
DA
SOCIEDADE
DE CONSUMO
As grandes corporações tendem a enfatizar as necessidades tidas como primordiais aos
indivíduos num momento histórico específico e, indiretamente, ofertam os produtos e
serviços disponíveis em elevada escala no mercado de consumo.
Em meio a essa relação e ao consequente turbilhão de marketing, figuram as crianças como
objetos de desejo das descritas corporações, dado o potencial de influência garantido as
mesmas no âmbito familiar ou social. A problemática cinge-se ao fato de que as crianças, em
tese, vêem a publicidade com a mesma atenção voltada à programação ou contexto no qual é
inserida.
Conforme preceitua Ester Cecília Fernandes Baptistella7:
Dados significativos revelados por pesquisadores americanos e europeus mostram que
desde os 6 meses de idade pode-se observar nas crianças as primeiras condutas de
atenção à televisão. As mudanças rápidas de imagem e som, sobretudo nos
anúncios, e o próprio formato da televisão as motivam muito. No entanto, isso
não significa que, na tenra infância, elas sejam capazes, por exemplo, de
compreender uma narração televisiva ou a intenção de um anúncio publicitário.
7 BAPTISTELLA, Ester Cecília Fernandes, Publicidade na TV no horário infantil. Disponível em: <
http://www.sescsp.org.br/sesc/revistas/revistas_link.cfm?Edicao_Id=274&Artigo_ID=4284&IDCategoria=4
873&Reftype=2>. Acesso em: 05. Jun. 2010.
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A possibilidade de qualquer criança, mesmo antes de falar ou de começar a ler e
escrever, assistir à televisão e prestar atenção nela durante um determinado
período de tempo contribui para a convicção de que esse veículo de
comunicação é extremamente simples e de fácil acesso, voltado para o lazer.
Essa visão ingênua - questão discutida em vários fóruns mundiais e no Brasil, em 2003,
por ocasião da 4ª Cúpula Mundial de Mídia para Crianças e Adolescentes - negligencia a
necessidade atual de educar as crianças e adolescentes para a mídia, como forma de
ensiná-los a exercer sua cidadania (grifo nosso).
Induvidoso, portanto, que as grandes corporações almejam, desde o nascimento, incutir os
supostos benefícios de seus produtos, marcas e serviços em razão das “inquietantes novas
necessidades” dos consumidores. Por consequência, se utilizam, dentre outros, de inúmeros
meios de comunicação, em especial, da televisão, haja vista o fácil acesso para a transmissão
de informações e a visão ingênua dos telespectadores mirins, os quais, em sua maioria, detêm
um considerável poder de influência nas definições de bens a serem adquiridos.
De acordo com Susan Linn8, até a idade aproximada de oito anos, as crianças não
conseguem realmente entender o conceito de intenção persuasiva – segundo o qual cada
detalhe de uma propaganda foi escolhido para tornar o produto mais atraente e para
convencer as pessoas a comprá-lo. Crianças mais velhas podem ser mais cínicas em relação à
propaganda, mas seu ceticismo não afetará a tendência de querer ou adquirir os produtos que
vêem retratados ao seu redor.
Buscam, dessa forma, essas grandes corporações zelar, desde o nascimento, por uma relação
de lealdade às marcas de seus produtos e serviços. Nesse contexto, informa Susan Linn9:
Em 1º de Setembro de 1998, nas alas das maternidades de todo o país (EUA), os
recém-nascidos iniciam suas vidas como alvos de marketing e consumidores de mídia.
A PBS Kids, juntamente com a Ragdoll Productions, a itsy bitsy Entertainment e a
Warner Home Video celebraram o lançamento de uma série de vídeos dos
Teletubbies oferecendo “Teletubbies Gift Packs” aos bebês nascidos naquele dia. Os
hospitais distribuíram esses pacotes de brindes – que incluíam cópias de dois vídeos,
Here Come the Teletubbies e Dance With the Teletubbies, e um mini Teletubby de
pelúcia da Hasbro – sem cobrar nada. Os Teletubbies, caso você não saiba, são
pequenas criaturas humanóides com aparelhos de televisão embutidos em suas barrigas.
Há antenas em suas cabeças, que na versão de pelúcia são feitas, convenientemente, de
forma que os bebês consigam segurá-las, como um chocalho macio. No programa de
televisão, os Teletubbies balbuciam de maneira ininteligível em uma linguagem muito
semelhante à de uma criança pequena enquanto brincam em um magnífico cenário de
contos de fadas [...] (grifo nosso).
8
9
LINN, Susan. Crianças do Consumo: A infância roubada. São Paulo: Instituto Alana, 2006, p. 22.
Ibidem.,p. 67.
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Somente a título de esclarecimento, em decorrência de acesso a um site10 de busca
disponível, tornou-se perceptível que assim como os “antigos” Teletubbies, os atuais “The
Backyardigans” tornaram-se ícones do imaginário infantil, conforme os 18.100.000
resultados disponíveis em apenas 0,25 segundos.
A expressão “antigos” converge para a denominada cultura do lixo, presente nas modernas
relações em sociedade, de maneira que os consumidores estão sempre aptos ao descarte de
“velhos produtos”, não mais fabricados em decorrência de lançamentos vinculadas as
céleres, induzidas e cíclicas mudanças de necessidades.
Novas tecnologias, concentração urbana, novos meios de transporte, facilidade em produzir
e distribuir de maneira eficiente e barata, ensejaram um crescimento variado na oferta de
produtos e serviços. Essa mutação decorrente do excesso de oferta, aliado à abundância de
bens colocados no mercado, levou, conforme descrito, ao desenvolvimento de sedutoras
estratégias publicitárias voltadas, principalmente, ao público infantil.
Tal comunicação de caráter persuasivo vinculada ao interesse econômico de grandes
empresas foi crucial para a divisão dos pais em diferentes categorias, conforme pesquisa
realizada pela Western Media International e suscitada por Susan Linn11:
[...] “Indulgentes” são os pais que basicamente cedem a cada capricho dos filhos.
“Companheiros” são os pais que também querem se divertir, tal como seus filhos.
“Conflitantes” descrevem pais sozinhos ou divorciados, cujo comportamento de
compra frequentemente é influenciado pela culpa. “Necessidades básicas” são os
pais que parecem ser capazes de se esquivar dos apelos dos filhos e basicamente tomam
todas as decisões de compras sozinhos. E quem são os “Necessidades bácias”, os pais
que lidam tão bem com as amolações? De acordo com as pessoas que realizaram a
pesquisa, eles são pais cujas vidas são menos estressantes – eles são os mais ricos e os
menos propensos a terem bebês e crianças pequenas em casa (grifo nosso).
Nessa linha de raciocínio, merece destaque um comentário transcrito por Susan Linn12:
Quando Lucy Hughes, diretora de iniciativa e estratégia da Initiative Media, foi
entrevistada em um filme chamado The Corporation, ela justificou o estudo “Fator
Amolação” da seguinte forma: “se entendermos o que motiva um pai a comprar um
produto... se pudermos desenvolver um comercial criativo – sabe, um comercial
Google.
Disponível
em:
<http://www.google.com.br/search?hl=ptBR&q=backyardigans&aq=1&aqi=g10&aql=&oq=bAC&gs_rfai=> Acesso em: 04. jun. 2010.
11 LINN, Susan. Crianças do Consumo: A infância roubada. São Paulo: Instituto Alana, 2006, p. 59.
12 Ibidem., p. 64-65.
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de trita segundos que encoraje uma criança a amolar... que a criança entenda e
consiga repetir para os pais, então obteremos sucesso”. Quanto à ética de tais
táticas ela diz: “É ético? Não sei. Mas...nosso papel na Initiative é promover produtos.
E se soubermos que você movimenta produtos com uma certa ação criativa
veiculada em uma determinada mídia, então fizemos nosso trabalho” (grifos
nossos).
A surpresa, o novíssimo, o inesperado, o original, o surreal, o imprescindível, em constante
transformação, desencadeiam uma incessante competição entre as já hegemônicas
corporações, que se utilizam da publicidade infantil como degrau para o alcance de
lucratividade ou poder decorrentes de elevadas vendas, já que, conforme descrito, as crianças
mostram-se mais atentas à mensagem implícita transmitida quando comparadas aos adultos
consumidores. Nesse sentido, ao discorrer acerca dos pressupostos para compreensão do
processo de influência exercido pelas grandes empresas, Ester Cecília Fernandes Baptistella13
frisou que:
A primeira (preocupação) consiste no entendimento da própria criança da proposta da propaganda. A segunda,
por sua vez, refere-se às importantes características do nível de compreensão dessas crianças acerca das
aparições apresentadas nas propagandas. Dessa forma, para que as crianças entendam a proposta das
propagandas é preciso que elas façam uma série de descrições importantes: distinguir propagandas de
programas; lembrar de um patrocinador como fonte da mensagem do comercial, perceber a idéia ou a intenção
da mensagem, entender a natureza "simbólica" dos produtos, personagens e representação do contexto do
comercial - destacando-se ainda a preocupação com a persuasão, visto que as crianças pequenas não têm
consciência desse tipo de proposta, podendo ser facilmente influenciadas por elas.
Brinquedos, automóveis, celulares, eletrodomésticos, dentre outros. As crianças influenciam
a compra dos mais variados produtos expostos. Ao não compreenderem de forma plena o
caráter persuasivo da publicidade indicam aos adultos os bens supostamente indispensáveis
ao prazer momentâneo.
Assim como o empenho inerente ao merchandising em torno da venda de fast foods e
brinquedos engraçados, as corporações, notoriamente patrocinadoras de programação
inerente à mídia, exercem controle timidamente ordenado sobre a respectiva transmissão, de
forma que as crianças, ainda que desprovidas de notável capacidade cognitiva, física, social e
13 BAPTISTELLA, Ester Cecília Fernandes, Publicidade na TV no horário infantil. Disponível em: <
http://www.sescsp.org.br/sesc/revistas/revistas_link.cfm?Edicao_Id=274&Artigo_ID=4284&IDCategoria=4
873&Reftype=2>. Acesso em: 05. Jun. 2010.
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emocional tornam-se expostas aos diversos comerciais e modelos de necessidades prontas ao
consumo.
Ao discorrer acerca da ética contraposta à mídia, Jose Renato Nalini14 afirmou que:
[...] os chamados mass media são detentores de grande poder na sociedade moderna. A
imprensa constrói e destrói reputações, cria verdades, conduz a opinição coletiva por
caminhos nem sempre identificáveis e para finalidades muitas vezes ambíguas. A
informação inseriu-se no mercado. É um bem da vida com valor comercial apurável
[...].
Logo, quem se encontra inserido na sociedade de consumo subordina-se aos comandos
midáticos e ao marketing. Ocorre, no entanto, que as necessidades inerentes a essa sociedade
nunca estão completamente satisfeitas e por tal razão as novas emergem à medida que as
velhas são conhecidas.
A essa lógica expansiva vincula-se a dificuldade dos familiares em lidarem com essas crianças
imersas no mercado de consumo, tidas como alvos ou sementes fáceis pelas grandes
corporações, na medida em que possibilitam a realização dos “trabalhos” e a propagação da
vontade incessante pelo “novíssimo”. Assim, faz-se necessário frisar as violações de direitos
decorrentes do impacto negativo da publicidade corporativa na vida das crianças.
4. A VIOLAÇÃO
DE
DIREITOS GARANTIDOS
À
CRIANÇA
EM
VIRTUDE
DA
PUBLICIDADE CORPORATIVA
A publicidade, em sentido lato, como intermediária da relação existente entre produtos ou
serviços e consumidor, possui respaldo constitucional. Embora haja divergência quanto ao
uso das nomenclaturas publicidade e propaganda como sinônimas, fato é que a Carta Magna
em vigor não estabeleceu, para fins do presente artigo, qualquer distinção passível de maiores
esclarecimentos.
Nesse sentido, presume-se que o disposto pelo artigo 22, inciso XXIX da CRFB/88, no
sentido de que compete privativamente à União legislar sobre “propaganda comercial”,
14
NALINI, José Renato. Ética Geral e Profissional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 245.
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atrela-se à maneira pela qual os denominados fornecedores manterão contato com os
respectivos consumidores de seus produtos ou serviços.
Em suma, à luz desse dispositivo, busca-se zelar pela harmonia entre a exploração da
atividade publicitária – instrumento de apresentação de produtos e serviços por meio de um
fluxo do produtor ao consumidor –
e as demais garantias elencadas pela própria
Constituição. Todavia, sabe-se que a ausência de controle e o respectivo impacto dessa
publicidade na vida das crianças é exorbitante.
Para além do consumismo exagerado e ambientalmente insustentável, os instrumentos
utilizados pelas grandes corporações favorecem o desenvolvimento de distúrbios
alimentares, estresse familiar, além de erotização e alcoolismo precoces, estímulo, ainda que
indireto, à violência, dentre outros. Num cenário em que a maioria da população não
consegue satisfazer os desejos paulatinamente reproduzidos as consequências tornam-se
ainda piores.
Assim, em razão desse induzimento ou instigação incessante decorrente de toda forma de
comunicação mercadológica dirigida às crianças, tais como merchandising e promoções com
oferta de brindes, urge analisar as notórias violações de direitos a elas inerentes.
Por meio de uma interpretação sistemática da Constituição da República Federativa do Brasil
de 1988, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECRIAD) e do Código de Defesa do
Consumidor, pode-se dizer que qualquer forma de publicidade dirigida ao público infantil
possui uma prévia restrição embasada no ordenamento jurídico brasileiro, o que, porém, é
constantemente esquecido.
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, ao instituir os direitos e garantias
fundamentais de todos, homens e mulheres, estabelece, por consequência, os direitos e
garantias relacionados às crianças, assegurando-lhes os direitos à vida, à liberdade, à
segurança e à propriedade, bem como os direitos sociais à educação, à saúde, ao lazer, à
proteção, à maternidade e à infância. Especificamente, o art. 227 assim dispõe:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao
adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à
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educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e
à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de
negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
A título de ressalva, convém registrar que a Convenção da Organização das Nações Unidas
(ONU) sobre os direitos da criança estabeleceu, por meio do respectivo artigo 17, diretrizes
adotadas pelo Brasil, no sentido de que ainda que seja reconhecida a importância
desempenhada pelos diversos meios de comunicação, devem os Estados zelar para que a
criança tenha acesso a informações e materiais procedentes de diversas fontes nacionais e
internacionais, especialmente informações e materiais que visem a promover seu bem-estar
social, espiritual e moral e sua saúde física e mental.
Dessa forma, os Estados obrigam-se a incentivar a difusão, por meio dos meios de
comunicação, de informações e materiais de interesse social e cultural para a criança, além da
elaboração de diretrizes apropriadas a fim de protegê-la contra toda informação e material
prejudiciais ao seu bem-estar.
A Lei n. 8.069/1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente – por sua vez, dispõe acerca da
informação, cultura, lazer, esportes, diversões e espetáculos, conforme artigos 74 e seguintes.
Objetiva, pois, zelar pela integridade das crianças e adolescentes, inclusive em relação aos
seus valores. Nesse sentido, importante destacar que o artigo 76 da referida Lei estabelece
que as emissoras de rádio e televisão somente exibirão, no horário recomendado para o
público infanto juvenil, programas com finalidades educativas, artísticas, culturais e
informativas.
No entanto, mesmo diante dessas previsões, fato é que tanto o Estatuto da Criança e do
Adolescente, como a atual Constituição da República Federativa do Brasil não disciplinam,
especificamente, a publicidade, em especial no que concerne ao público infantil, o quê, por
competência delegada pela própria Carta Magna, é regulado pelo Código de Proteção e
Defesa do Consumidor.
Restou demonstrado que o consumo é parte indissociável do cotidiano do ser humano, dada
a atual “sociedade de consumo”, especialmente em se tratando de um mercado capitalista. A
tutela dos interesses do consumidor, seja a título individual ou coletivo, decorre, pois, da
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evolução e das consequentes modificações das próprias relações de consumo, conforme já
mencionado.
Nesse sentido, importante esclarecer que a Constituição da República Federativa do Brasil,
ao especificar os direitos e garantias fundamentais, estabelece em seu artigo 5º, inciso XXXII
que o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor. Ao discorrer acerca da
Ordem Econômica e Financeira (artigo 170) dispõe que se buscará assegurar a todos
existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados, dentre outros, o
princípio concernente à defesa do consumidor.
Em consequência e, especialmente em virtude das intensas modificações do mercado de
consumo, criou-se a Lei n. 8078/90 (Código de Proteção e Defesa do Consumidor), por
expressa determinação constitucional (conforme art. 48 do ADCT/CF), o que evidencia a
relação intrínseca com a própria Constituição.
Compreende-se, assim, que o Código de Proteção e Defesa do Consumidor é uma lei
principiológica, modelo até então desconhecido no Sistema Jurídico Brasileiro. Na
concepção de Rizzatto Nunes15 como lei principiológica entende-se aquela que ingressa no
sistema jurídico, fazendo, digamos assim, um corte horizontal, indo, no caso do CDC, atingir
toda e qualquer relação jurídica que possa ser caracterizada como de consumo e que esteja
também regrada por outra norma jurídica infraconstitucional.
Com efeito, a Lei n. 8078/90 explicitou, concretizou os comandos constitucionais vigentes
desde 05 de outubro de 1988 e referentes aos direitos do consumidor, de forma delegada.
Assim, saliente-se que tal lei dispõe, de maneira específica, em seu artigo 37, sobre a
proibição à publicidade abusiva, no caso, àquela que, dentre outros, se aproveite da
deficiência de julgamento e experiência da criança. Dessa forma, ressalta-se:
Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.
[...]
§ 2° É abusiva, dentre outras, a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que
incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de
julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja
15
NUNES, Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 66.
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capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua
saúde ou segurança (grifo nosso)
Vê-se, portanto, que a publicidade dirigida à criança, teoricamente, deve atentar-se a ausência
de discernimento necessário, por parte da mesma, à interpretação da mensagem persuasiva
transmitida, de modo que seja respeitada sua inexperiência, bem como seu sentimento de
lealdade em relação ao que lhe é apresentado.
Torna-se, assim, inadmissível, a transmissão de mensagem, expressa ou implicitamente, que
desencadeie um sentimento de inferioridade decorrente da não aquisição de determinado
produto ou serviço pelo menor, assim como que o estimule a constranger responsáveis ou
terceiros a fim de adquirir determinado produto ou serviço.
Sabe-se que a criança possui maiores dificuldades até mesmo para reconhecer a mensagem
publicitária como prática comercial que é, mesmo que esta não seja clandestina, disfarçada
ou subliminar, razão pela qual deverá ser cuidadosamente protegida, em atenção aos
preceitos contidos no ordenamento jurídico brasileiro.
Todavia, notório é o fato de que a publicidade voltada a esse público-alvo, em virtude de sua
deficiência de julgamento e experiência, vale-se de técnicas de convencimento e subterfúgios
perante um ser extremamente vulnerável, além de presumidamente hipossuficiente e incapaz
de compreender e de se defender das estratégias presentes no mercado de consumo.
Em razão das abordagens feitas, vê-se que as práticas publicitárias violam, significativamente,
os preceitos estabelecidos pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988,
dentre os quais, o direito ao respeito decorrente do processo de desenvolvimento infantil
previsto pelo respectivo artigo 227.
O ordenamento jurídico brasileiro adotou a Teoria da Proteção Integral à Criança,
compreendida como tal por ser um sujeito de direitos em constante transformação até atingir
a idade adulta. Em atenção ao disposto pelo artigo 2º da Lei nº 9.069/90 considera-se criança
a pessoa até doze anos de idade incompletos.
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A fim de facultar à criança, dotada de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa
humana, o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de
liberdade e de dignidade, consistirá o Direito ao Respeito na inviolabilidade da integridade
física, psíquica e moral da criança, o que abrange, dentre outros, a preservação dos valores,
ideias e crenças.
As práticas publicitárias adotadas, todavia, desencadeiam drásticas consequências ao saudável
desenvolvimento físico e psíquico desse ser em formação, ainda que haja, por exemplo,
expressa previsão constitucional (artigo 221) acerca dos princípios a serem atingidos pela
produção e programação das emissoras de rádio e televisão, tais como a preferência a
finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas e o respeito aos valores éticos e
sociais da pessoa e da família.
Sabe-se que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, com absoluta
prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los
a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e
opressão.
Ao se considerar “sociedade” o conjunto de pessoas físicas e jurídicas, entende-se que
também incumbirá às corporações a observação dos deveres supracitados, com absoluta
prioridade. No entanto, em que pesem as previsões existentes em nosso ordenamento acerca
da responsabilidade das pessoas jurídicas que não observam as normas de prevenção à
violação do direito da criança (ECRIAD), flagrantes são as condutas violadoras do
fundamento expresso na CRFB/88, qual seja, a dignidade da pessoa humana.
Em última análise, a proteção da formação psíquica, física ou moral da criança encontra
respaldo na própria Carta Magna, que estabelece no Título “Dos Direitos e Garantias
Fundamentais”, artigo 5º, inciso XXXII que o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa
do consumidor.
Diante, portanto, das já existentes previsões normativas de controle acerca do problema em
questão, por meio do próprio CONAR - Conselho Nacional de Autorregulamentação
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Publicitária, entende-se que a minimização dos impactos decorrentes da publicidade
corporativa não será eficaz apenas por meio da promulgação de eventuais normas ainda
inexistentes. Nesse sentido, interessante a proposta defendida por Ester Cecília Fernandes
Baptistella16:
[...] Entre os frutos de discussões como essa se encontra o trabalho de alfabetização
televisiva, objeto de estudo na minha tese de doutorado - que conta com a orientação
da professora doutora Orly Zucatto Mantovani de Assis e feita pela Faculdade de
Educação da Unicamp [Universidade Estadual de Campinas], na qual eu defendo a
compreensão da linguagem televisiva e a necessidade do uso pedagógico da TV
em sala de aula, propiciando ao aluno a vivência de situações com a mídia que o
tornem, entre outras coisas, mais crítico e menos vulnerável às questões
publicitárias. (grifo nosso).
Nessa linha de raciocínio, frisa Susan Linn17:
A publicidade infantil está fora de controle. Ela não tem supervisão e está em
crescimento, assim como os danos associados a ela. O fato de as crianças serem
atingidas incessantemente como consumidoras é um problema social e de saúde pública
cujas raízes encontram-se principalmente no poder público. Os pais não podem
resolver esse problema sozinhos. Portanto, concordando com o poeta, mesmo que
escolhamos agir criativamente, também precisamente agir em colaboração.
Inegável que não basta a defesa da restrição concernente à abusiva publicidade corporativa,
de maneira que se apresenta crucial a fomentação de inovações que propiciem a
compreensão, por parte das crianças, acerca das mensagens transmitidas, bem como das
consequências advindas dos produtos ou serviços disponíveis no mercado de consumo.
Assim, em razão da imprescindível observação dos requisitos estabelecidos pelo
ordenamento jurídico pátrio, apresenta-se essencial a prática conjunta de condutas proativas,
pela família, sociedade e Estado, no sentido de assegurar às crianças os direitos que lhes são
violados.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
BAPTISTELLA, Ester Cecília Fernandes, Publicidade na TV no horário infantil. Disponível em: <
http://www.sescsp.org.br/sesc/revistas/revistas_link.cfm?Edicao_Id=274&Artigo_ID=4284&IDCategoria=4
873&Reftype=2>. Acesso em: 05. Jun. 2010.
17 LINN, Susan. Crianças do Consumo: A infância roubada. São Paulo: Instituto Alana, 2006, p. 243.
16
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A partir das modificações inerentes à fase industrial da sociedade moderna e
consequentemente do atual estágio característico da denominada “sociedade de consumo”
tornou-se perceptível que o foco na atuação restrita dos indivíduos como meros produtores
foi paulatinamente substituído pela adaptação dos mesmos à condição de consumidores.
Busca-se, dessa forma, fomentar o exercício do papel de consumidor, à medida que
existência e consumo se entrelaçam. Assim, em razão da ideia do “novo desejo”, aliada às
“urgentes necessidades”, as corporações seduzem os indivíduos por meio de um leque
inovador de necessidades sempre à mostra, de modo que permanecem nesse mercado
envolto a um ambiente de marketing altamente competitivo a partir do exercício de suas
habilidades antes e melhor que a concorrência.
Esse exercício, no entanto, pressupõe, dentre outros, a publicidade voltada ao público
infantil, dado o poder de convencimento e influência da criança nas escolhas familiares,
ainda que reste notório sua inexperiência até mesmo para reconhecer a mensagem
publicitária como prática comercial que é, independentemente de ser clandestina, disfarçada
ou subliminar.
Todavia, conforme explorado, as práticas adotadas pelas grandes corporações, para além do
consumismo, propiciam o desenvolvimento de distúrbios alimentares, estresse familiar, além
de erotização e alcoolismo precoces, estímulo, ainda que indireto, à violência, dentre outros.
Em contrapartida, à luz dos dispositivos constitucionais e infraconstitucionais, pode-se dizer
que qualquer forma de publicidade dirigida ao público infantil possui uma prévia restrição, o
que, porém, é constantemente esquecido, de maneira que a ausência de controle e o
respectivo impacto da publicidade corporativa na vida das crianças é exorbitante.
No entanto, a fim de que seja respeitada a inexperiência e a lealdade infantil em relação ao
que lhe é apresentado, não basta a defesa das restrições impostas pelo ordenamento jurídico
brasileiro.
Conclui-se, pois, que se apresenta indispensável a prática conjunta de condutas favoráveis,
pela família, sociedade e Estado, no sentido de assegurar às crianças os direitos que lhes são
violados também por meio da concretização de métodos que propiciem a compreensão
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acerca das mensagens transmitidas e das consequências advindas dos produtos ou serviços
disponíveis.
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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1999.
BAPTISTELLA, Ester Cecília Fernandes, Publicidade na TV no horário infantil.
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<
http://www.sescsp.org.br/sesc/revistas/revistas_link.cfm?Edicao_Id=274&Artigo_ID=428
4&IDCategoria=4873&Reftype=2>. Acesso em: 05. Jun. 2010.
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planalto.gov.br>. Acesso em: 04. jun. 2010.
BRASIL. Lei 8.069. de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente). Diário
Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 13. jul. 990.
Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm>. Acesso em: 04.
jun. 2010.
BRASIL. Lei 8078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Proteção e Defesa do
Consumidor). Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo,
Brasília,
DF,
11.
set.
1990.
Disponível
em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8078.htmc>. Acesso em: 04. jun. 2010.
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SCHIFFMAN, Leon G; KANUK, Leslie Lazar. Comportamento do Consumidor. Rio de
Janeiro: LTC, 2000.
THE CORPORATION. Canadá: Big Picture Media Corporation: Canadian television,
Mark Achbar e Jennifer Abbott, 2003. 184 min.
Nayana Ferreira Pereira
Discente de Direito da Faculdade de Direito de Vitória
– FDV. [email protected]
[Recebido em 28-02-2013]
[Aprovado em 03-03-2013]
Artigo submetido a double blind peer review.
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