campo religioso brasileiro: individualização e experimentação

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campo religioso brasileiro: individualização e experimentação
O MULTICULTURALISMO E O
hibridismo religioso
brasileiros
Keila Matos, Mirian Matulio de Souza,
Rosângela da Silva Gomes
Resumo: este artigo trata do deslocamento do religioso brasileiro
como resultado do multiculturalismo e hibridismo religioso brasileiros,
bem como do processo de individualização e experimentação no campo
religioso comum de uma sociedade de massa, e ainda da midiatização
da religião.
Palavras-chave: multiculturalismo, deslocamento, midiatização
As religiões tanto sofrem os efeitos
como têm sido fatores importantes
no processo de globalização.
(Alberto Moreira)
CAMPO RELIGIOSO BRASILEIRO: INDIVIDUALIZAÇÃO
E EXPERIMENTAÇÃO
A questão das mudanças no campo religioso brasileiro que emerge em
nossos dias desafia cada vez mais a mente dos teóricos das religiões
em elaborar pesquisas sobre essa demanda da atual sociedade.
Este artigo discute como o homem moderno rompeu definitivamente
o monopólio das instituições religiosas, abrindo caminhos para que novos
grupos religiosos, em especial os mais motivados em recrutar adeptos, pudessem conquistar espaços, avançando numericamente e consolidando-se
em determinadas áreas da sociedade.
Como exemplo disso Pierucci (2004) cita que o catolicismo como
instituição religiosa desde a década de 1930 vem perdendo significativamente
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fiéis para outras instituições religiosas, conforme dados do censo brasileiro
de 2000. Ele indaga se essa não é sina das religiões tradicionais majoritárias
em qualquer parte do mundo, pois qualquer religião tradicional, majoritária,
numa sociedade que se moderniza, estará fadada a perder adeptos, o que
seria para ele uma fatalidade sociocultural.
Esse autor diz que as chamadas sociedades pós-tradicionais, por meio
do individualismo do mercado, fazem decair quaisquer filiações tradicionais,
ou seja, forçam os indivíduos a se despir de seus antigos laços tanto culturais e sociais quanto religiosos, relegando-os a algo como exclusivamente
opcional e, por isso, experimental.
Reforçam a individualização, a busca instantânea de satisfação,
levando o file ao mercado religioso da experimentação, que se dá num
processo migratório entre as denominações religiosas, em busca de sua
salvação. Através dos meios de comunicação, enriquecido de idéias, o
espírito humano formado de reformulação de conhecimentos torna-se
uma preocupação nos dias atuais, e não sem razão, uma vez que interessa
a grande parte da população.
A vida social em todos os seus aspectos e em todos os momentos da
sua história justifica a prática religiosa não pelo que está aparente, mas pelo
produto de uma cooperação, obra de todos, que faz parte do pensamento
coletivo, rico em elementos sociais.
A formação de comunidades religiosas, ou seja, os novos modelos
de instituições religiosas crescentes no Brasil constituem-se com conteúdos
específicos, com estímulos que desenvolva seu crescimento. Cria a importância dos dogmas e com ela aparece a necessidade de se isolar de outras
instituições ou doutrinas estranhas concorrentes, e para manter o domínio
pela propaganda que também é um fator para migrações.
Os ensinamentos são importantes na comunicação dos grupos religiosos, exercendo fortes influências na atualidade no campo brasileiro, porque
o conceito de sacerdote foi substituído pelo do pregador. As pregações é o
ensinamento coletivo sobre diversos assuntos, que vão do físico ao espiritual.
Em regra, é através das pregações que o individuo se identifica com o grupo
pelo qual fez sua opção.
A autodeterminação e a liberdade religiosa é caminho que sugere
livre escolha do indivíduo, que em busca de satisfações pessoais se propõe
romper com a lógica inclusivista e suscita uma reinterpretação da singularidade e subjetividade do individuo, tornando possível garantir a acolhida
do pluralismo religioso num país como o Brasil, onde a diversidade cultural
e religiosa sempre foi motivos de preconceitos.
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A RELAÇÃO ENTRE CULTURAS E O DIÁLOGO
ENTRE AS RELIGIÕES
Se pensarmos o futuro da religião na sociedade global sob uma
perspectiva multicultural, perceberemos que multicuturalismo brasileiro
favorece o hibridismo (fluidez, porosidade) religioso, por ser constituído
de diferentes grupos étnicos, conseqüentemente, de uma diversidade
cultural e religiosa. Consideramos aqui que a globalização é um fenômeno
cultural e que não mais se pode falar em uma cultura global que rege uma
determinada sociedade, mas que muitas sociedades são multiculturais,
conseqüentemente, regidas pelo multiculturalismo. O multiculturalismo
está entre as questões contemporâneas que mais se agrava, porém já existia
desde a Antigüidade (Império Romano, por exemplo).
Stuart (2003) faz uma crítica desconstrutora dos termos multicultural
e multiculturalismo e diz que, embora atualmente os termos multicultural e
multiculturalismo sejam interdependentes, possuem conceituações distintas.
De acordo com Stuart (2003, p. 50),
multicultural é um termo qualificativo. Descreve as características sociais
e os problemas de governabilidade apresentados por qualquer sociedade na
qual diferentes comunidades culturais convivem e tentam construir uma
vida em comum, ao mesmo tempo em que retêm algo de sua identidade
‘original’. [...] multiculturalismo é um termo substantivo. Refere-se às
estratégias e políticas adotadas para governar ou administrar problemas de
diversidade e multiplicidade gerados pelas sociedades multiculturais.
O multiculturalismo não é uma doutrina, mas uma série de processos
e estratégias políticas inacabados, porém, segundo Wallace (apud STUART,
2003, p. 52), “precisamos encontrar formas de manifestar publicamente a
importância da diversidade cultural [...]”. A migração e o deslocamento os
povos têm produzido cada vez mais sociedades étnica e culturalmente mistas,
logo surgem questões de escolhas identitárias, especialmente em relação a
gerações afrodescendentes diante, por exemplo, do catolicismo romanizado
ou do pentecostalismo clássico.
Assim como ocorre na maioria das diásporas, as tradições variam de acordo
com a pessoa, ou mesmo dentro de uma mesma pessoa, e constantemente
são revisadas e transformadas em resposta às experiências migratórias.[...]
Jovens [...]expressam certa fidelidade às tradições de origem, ao mesmo
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tempo em que demonstram um declínio visível em sua prática concreta.
Declaram não uma identidade primordial, mas uma escolha de posição
ao grupo que desejam ser associados. As escolhas identitárias são mais
políticas que antropológicas [...] (STUART, 2003, p. 64).
O hibridismo são as culturas cada vez mais mistas e diaspóricas, em
que as pessoas também são hibridizadas, pois uma pessoa muçulmana ocidentalizada pode usar calça jeans e nunca faltar às orações de sexta-feira.
Como sociedade multicultural e pluriétnica, o Brasil apresenta uma
complexa teia de questões de classe, gênero, etnia, religião e exercício de
poder em que a cada momento uma mesma pessoa vive ângulos diferentes da
mesma situação, demonstrando que todo ser humano sempre se vê inserido
em um emaranhado de relações e identidades multiculturais independentemente da posição social que ocupa.
Barth (1998, p. 187) informa que o raciocínio antropológico é de
que “haveria agregações humanas que, em essência, compartilham uma
cultura comum e diferenças interligadas que distinguiriam cada uma dessas
culturas, tomadas separadamente de todas as outras”.
Ele enfatiza que a visão simplista de que um isolamento geográfico
e social sustenta a diversidade cultural não procede, pois, essas distinções
de categorias étnicas não dependem de uma ausência de mobilidade, contato e informação. Em contrapartida, relações sociais estáveis são mantidas
através de fronteiras e são comumente fundamentadas em estatutos étnicos
dicotomizantes.
Os grupos étnicos são suportes de cultura. Mesmo um grupo étnico
ocupando vários nichos ecológicos diferentes conserva uma unidade cultural e ética básicas por longos períodos. A respeito das fronteiras dos grupos
étnicos, esses só se mantêm como unidades significativas se as diferenças
culturais persistirem. Em se tratando da interdependência dos grupos étnicos, para que isso ocorra deve haver uma complementaridade dos grupos
no que concerne a certos traços de suas características culturais e que é dessa
complementaridade que emerge uma interdependência.
O Brasil possui sistemas sociais poliétnicos, ou seja, é uma sociedade
plural integrada no espaço mercantil sob o controle de um sistema estatal
dominado por um dos grupos, mas deixando amplos espaços de diversidade
cultural nos setores de atividade religiosa e doméstica.
Tanto a migração quanto a flutuação das comunidades religiosas no
campo brasileiro podem facilmente identificadas quando, por exemplo,
observamos as comunidades islâmicas, hinduístas, budistas no entorno do
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Distrito Federal, onde encontramos uma grande concentração de diversidade
religiosa, típica de uma sociedade de mercado cultural de massa.
O INDIVÍDUO NO CONTEXTO DE SOCIEDADE
DE MASSA
A interculturalidade tem sido vivenciada através dos meios de comunicação e se concretiza através do deslocamento das massas migratórias. Na
sociedade moderna, o deslocamento de massas populacionais rurais para as
cidades causou uma concentração populacional, promovendo uma urbanização e industrialização que acarretaram com isso uma massificação.
Nesse momento surgem organizações de massa (partidos, sindicatos, espetáculo/cinema, esporte/futebol...) e uma sociedade industrializada
(indústria+técnica). Ao mesmo tempo em que essa sociedade industrializada
exige especialização em diversos níveis da vida (preferências culturais...)
acontece também um enfraquecimento da consciência coletiva, conseqüentemente, surgem indivíduos atomizados e insensíveis aos valores coletivos.
Na multidão (massa), o indivíduo passa a ter como identidade uma alma
coletiva (homem massa).
Assim, a multidão absorve o indivíduo numa forma de contaminação mental através de organizações que moldam tais indivíduos. Nesse
distanciamento de si mesmo o indivíduo é invadido também por tecnologias, por hibridizações de povos e por mercados mundiais com referenciais
multiétnicos.
No pós-modernismo vive-se um deslocamento cultural cada vez mais
flutuante, plural, incoerente, já que o indivíduo está cada vez menos capaz
de se identificar (definir), pois ao mesmo tempo em que todas as culturas são
aceitas, são consideradas provisórias. Por outro lado, essa crise das culturas
gera no indivíduo uma maior capacidade de tolerância às diferenças.
Existem teorias da comunicação no contexto de sociedade de massa
que indicam as condições vividas pelos indivíduos nas aglomerações urbanas.
Aqui destacamos quatro delas (FERREIRA, 2007).
A primeira teoria é a Hipodérmica, em que o público é comparado
aos tecidos do corpo humano, que atingido por uma substância (informação)
todo o corpo social é atingido indistintamente. O indivíduo se comporta
(age, pensa, sente) segundo os ditames dos estímulos (informações) dos
meios de comunicação. Aqui o indivíduo é isolado (como pensar).
A segunda é a Crítica, em que o desenvolvimento da razão passa de
emancipadora (autônoma, crítica) para instrumental (técnica), na medida
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em que a indústria cultural é um sistema que promove uma pseudo-individualidade, ou seja, a identidade do indivíduo é proposta pela sociedade
num contexto regido pela cultura industrial. Aqui o indivíduo é vulnerável.
Há uma supremacia da sociedade sobre o indivíduo, bem como uma atrofia
da imaginação da espontaneidade do consumidor cultural. Então aqui o
indivíduo é atomizado (no que pensar).
A terceira é a teroria do Agendamento (Agenda setting), em que tal
agendamento determina no que o indivíduo vai pensar e não como através de
uma tematização proposta no dia-a-dia, que passa a ser o objeto de conversa
entre a pessoas, contribuindo que o indivíduo seja alienado (não pensar).
A quarta teoria é denominada Espiral do Silêncio, em que não há
um agendamento de temas a serem conversados, mas provoca-se o silêncio
do indivíduo. Os indivíduos se silenciam para não serem punidos quanto à
discordância às opiniões dominantes. Assim, o indivíduo fica preso no silêncio
(o que silenciar).
Junto a esse processo de massificação do indivíduo ocorre um deslocamento do religioso em que esse indivíduo começa a perceber que a
religião não tem necessariamente ser buscada nos templos religiosos, mas
pode também ser vivenciada em outras instâncias sociais que assumem as
funções das instituições religiosas no campo cultural. Segundo Moreira
(2008, p. 3), “os acontecimentos midiáticos de massa se tornaram vetores
da experiência religiosa”.
CULTURA MIDIÁTICA E MIDIATIZAÇÃO DO RELIGIOSO
Cultura midiática é uma cultura de mercado pensada e produzida
para ser transmitida e consumida segundo a gramática, a lógica própria, a
estética e a forma de incidência e recepção peculiares ao sistema midiático
cultural (MOREIRA, 2008).
De acordo com Thompson (apud MOREIRA; PUCCI; ZAMORA,
2008, p. 91), “se quisermos entender a natureza da modernidade [...] as
características institucionais das sociedades modernas e as condições de vida
criadas por elas, devemos dar um lugar central aos meios de comunicação
e ao seu impacto”.
Na sociedade brasileira, a mídia tem um papel decisivo na vida pessoal e no cotidiano das pessoas. Há informação e entretenimento altamente
concentrados na dinâmica da economia de mercado em atividades culturais
como música, cinema, shows, revistas, esporte, lazer, mercado das artes...
(MOREIRA, 2008).
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No campo religioso não tem sido diferente, na medida em que, assim
como Hollywood por meio do cinema ministra aulas de catequese (Paixão
de Cristo), a TV e várias literaturas se encarregam da socialização religiosa.
As cruzadas evangelísticas se tornam réplicas de shows seculares, pois sempre
são acompanhados de pregação, mas também de apresentações de danças
e músicas comparadas a números artísticos sofisticados (Diante do Trono).
Percebemos também uma migração do próprio sacerdote que se apresenta
como pregador, cantor e ator (Marcelo Rossi).
A tecnologia a serviço das igrejas tem contribuído para que elas
ultrapassem as paredes dos seus templos e alcancem milhares de pessoas.
A internet tem sido um meio de comunicação de massa utilizado por igrejas
através de oração on line, transmissão de evento (cultos, shows) e divulgação
(CDs, DVDs) por tecnologia streaming ou confissões de fiéis via skype.
A Cultura Gospel no Mosaico Cristão Brasileiro
A cultura gospel se manifesta na valorização de gêneros musicais
e no rompimento com a tradição de santidade protestante puritana de
recusa da sociedade e das manifestações culturais por meio da abertura
para a expressão corporal. Essa cultura tem na mídia religiosa o seu maior
veículo de disseminação e de inspiração, e sua missão revela-se na busca
de adeptos para o consumo dos bens e serviços religiosos oferecidos por
suas mais diferentes expressões, independente de vinculação confessional
(CUNHA, 2004).
A sociedade pós-moderna ou midiática caracteriza-se pela supervalorização do entretenimento e do lazer, ao mesmo tempo em que se torna mais
dependente das novas tecnologias. Diante deste contexto, a prática religiosa
apropria-se destes mecanismos como forma de divulgação e sobrevivência
em meio ao espaço midiatizado (GALINDO, 2004).
O termo gospel usado no Brasil a partir da década de 1990 para identificar música contemporânea cristã foi apenas uma estratégia mercadológica.
O gospel brasileiro é uma renovação musical dentro da Igreja com intuito
de tornar a música evangélica mais relevante para a geração atual.
Por algum tempo a expressão gospel era ligada somente à música
gospel. Mesmo assim, o pensamento que se tinha era que ela era identificada
como qualquer música cantada por cantores cristãos (jazz gospel, reggae
gospel, country gospel, pop gospel, country gospel, rock gospel...), porém
ela tem um estilo próprio, desenvolvido a partir de spirituals cantados por
cristãos negros norte-americanos no início do século XXI.
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O desenvolvimento do gospel deu-se especialmente pela segregação
racial na América do Norte. Os escravos negros convertidos ao cristianismo
que freqüentavam as igrejas brancas eram inferiorizados por causa da sua cor.
Então muitos deles começaram a formar congregações negras (Igreja Metodista
Episcopal Africana/Sociedade Africana Livre).A Igreja e o lar eram os dois
ambientes em que eles tinham liberdade para praticar seus costumes, preservar
sua cultura (escravos brasileiros/cultos afro, negros/música). A música gospel
é caracteristicamente espontânea e profundamente emocional, sincopada
(ligação da última nota de um compasso com a primeira da do seguinte e
com alteração do timbre dos cantores.
Para um produto ser vendido em círculos evangélicos na década de
1990, precisava ser rotulado com o termo gospel. Gospel é uma tentativa
de massificar uma marca, defendida como estratégia mercadológica.
Além da música gospel, vieram a moda gospel, a igreja gospel e a
linguagem gospel. Se não bastasse tudo isso, tivemos também cosméticos
gospel, prestação de serviços gospel e até dieta gospel (Dieta de Jesus,
Dieta do Criador). Tudo explorando um nome, uma imagem criada para
o consumo em massa.
O resultado é que, em vez de ser parte de um avivamento musical com
o objetivo de revelar a Glória de Deus ao mundo moderno, o movimento
gospel correu o risco de entrar para a História como aqueles que vendem
Jesus como se vendessem cerveja e cigarros.
CONCLUSÃO
A diversidade cultural brasileira é marcada por fortes diferenças regionais e representa as chaves interpretativas da vida das crenças e práticas
religiosas. Os novos grupos religiosos investem todos os esforços para a
concretização do bem-estar humano, com inúmeras promessas para os dias
atuais. Uma cumplicidade estabelece-se entre as pessoas de todas as idades
de todos os níveis sociais, já não se trata mais de ser rico ou pobre, branco,
negro ou mestiço, rural ou urbano, trata-se de pertencer a um grupo ou a
uma comunidade, levando a uma percepção individual do mundo que é
influenciada pelo grupo.
Sobre o interesse religioso, sabemos que um grupo ou classe encontra
em um determinado tipo de prática ou crença religiosa, e isto, é o resultado
do poder de legitimação que uma religião exerce sobre a força material e
simbólica. Sobre o modo de solução para a ética individual podemos dizer
fundamentalmente que uma religião que predomina dentro de uma asso482
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ciação política é privilegiada por esta principalmente quando se trata de
uma religiosidade de graça institucional, em recepção mútua sob pressão da
necessidade de atender exigências éticas e intelectuais de seus adeptos.
Segundo Durkheim (1858, p. 33),
Na base de todos os sistemas de crenças e de todos os cultos deve, necessariamente haver certo número de representações fundamentais e de atitudes
rituais que, apesar da diversidade das formas que umas e outras puderam
assumir, apresentam, por toda parte, o mesmo significado objetivo e
também, por toda parte, exerçam as mesmas funções. São esses elementos
permanentes que constituem o que existe de eterno e de humano na religião;
formam todo o conteúdo objetivo da idéia que se exprime quando se fala
da religião em geral. Como, pois, é possível chegar a tingi-los?
Aquilo que o grupo aprova ou valoriza tende a ser selecionado na percepção pessoal; já o que é rejeitado ou indiferente aos valores do grupo tem menor
possibilidade de ser selecionado pela percepção do sujeito – e se for significativa
para o sujeito, este o guarda para si ou o elabora de forma a adaptá-lo aos valores
do grupo, seja de forma lúdica, simbólica ou distorcida, no intuito de evitar a
censura coletiva. A consciência de ser pode gerar solidão caso não haja a consciência de pertencer, ou seja, de compartilhar a existência com outros.
A pessoa tem dimensões fantásticas e maravilhosas, suas potencialidades são inimagináveis, sua vida é marcada por pensamentos e atos místicos
mágicos e supersticiosos. Quando reflete e pensa sobre o assunto tem a
consciência de sua transcendência, tendo necessidades que transcendem
o conhecimento e as habilidades. Não basta saber fazer, também precisa
crescer no seu ser e desenvolver sua escala de valores humanos necessita de
orientações de referências existenciais, de palavras e exemplos que dêem
sentido a sua vida. Nessas condições de individualização e experimentação
que lhe dão sentido à vida, o individuo não encontra dificuldades para
romper com seguimentos religiosos. Portanto, demonstrando que é ele
quem escolhe e organiza sua religião.
Segundo o exposto neste artigo, no campo religioso surgem mudanças
duradouras implantadas pelo processo de globalização, entre elas, podemos,
com base em Moreira (2008), elencar as seguintes: religião e ordem global se
interpenetram; há uma proximidade de fronteiras entre sistemas simbólicos; há
uma hibridização de práticas religiosas; há um pluralismo religioso; há um desenvolvimento de identidades particulares; há a religião da escolha do indivíduo;
há um deslocamento do religioso e também uma midiatização do religioso.
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a result of religious hybridity and multiculturalism Brazilians, and the process
of individuation and the religious field trial of a common mass society, and yet
the media coverage of religion.
Keywords: multiculturalism, displacement, media coverage
KEILA MATOS
Doutoranda em Ciências da Religião na PUC Goiás. E-mail: [email protected].
MIRIAN MATULIO DE SOUZA
ROSÂNGELA SILVA GOMES
Mestrandas em Ciências da Religião na PUC Goiás. E-mail: [email protected]
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