O Globo - Taiga Filmes e Vídeo
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ely azeredo o globo | 15:28h | 13.jun.2013 Luta armada pela história “Para que tanta beleza?” — reclamou uma cineasta nativa desgostosa ante a riqueza visual de “Abril despedaçado” (2001), de Walter Salles. Talvez a noção-clichê de que filmes antenados a problemas sociais ou políticos exigem uma estética despojada também suscite estranhamento frente ao filme “A memória que me contam “, oitavo longa de Lucia Murat. Guerrilheira em luta contra a ditadura militar, ela ficou presa e sob frequentes torturas por vários anos. A cineasta não deletou suas convicções ideológicas. Porém, sem esquecer traumas da guerrilha e da repressão, dramatiza seus reflexos nas figuras (ficcionais) de companheiros que reagem de formas diversas às mutações das últimas décadas. As armas de Lúcia Murat, na tela, são lirismo, intensa afetividade e irresistíveis emoções. Quando uma militante quase lendária, Ana (Simone Spoladore), oscila entre a vida e a morte numa UTI, um grupo de companheiros compartilha a angústia e preenche o tempo de espera abordando temas que vão da liberdade sexual da nova geração às expectativas de mudanças no país e às inquirições sobre crimes cometidos durante o regime de exceção. O roteiro foi buscar na realidade a personagem Ana. Seu perfil é inspirado em Vera Sílvia Magalhães (1948-2007), cuja ações de rocambolesca ousadia desnortearam durante anos as forças do regime militar. Foi a única mulher no grupo que sequestrou o embaixador americano Elbrick para obter a libertação de presos políticos. A maioria das ações transcorre em tom realista, mas sem preocupação com a continuidade temporal. O protagonismo da personagem que encarna as reflexões de Lúcia Murat, a cineasta Irene (de novo Irene Ravache, impecável) — que idolatra a ex-guerrilheira internada —, é dividido com as aparições de Ana/Simone Spoladore. Em admirável invenção do roteiro, valorizado pela participação da romancista Tatiana Salem Levy, Ana ganha uma vida paralela em duas “dimensões”: ora encarna ideias em flashbacks que não interrompem o tempo presente (como “Morangos silvestres”), ora se materializa em cena “atraída” pelas emoções dos que velam por sua sobrevivência. Em iluminada criação, Simone /Ana se desdobra entre afirmações de vida (esperança) e de morte. Seu desapego à vida pode não ser a negação de uma utopia (de Lúcia/Irene e companheiros), mas, sem dúvida, soa como uma desilusão com os valores vigentes.
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