DANIELLE MOREIRA RODRIGUES A DANÇA COMO
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DANIELLE MOREIRA RODRIGUES A DANÇA COMO
INSTITUTO GESTALT DE SÃO PAULO DANIELLE MOREIRA RODRIGUES A DANÇA COMO POSSIBILIDADE DE AWARENESS: UM ESTUDO COM DANÇANTES São Paulo 2015 DANIELLE MOREIRA RODRIGUES A DANÇA COMO POSSIBILIDADE DE AWARENESS: UM ESTUDO COM DANÇANTES Trabalho de Conclusão de Curso apresentada ao Instituto Gestalt de São Paulo como parte dos requisitos necessários para obtenção do certificado de formação em Gestalt Terapia Orientador: Prof° Mestre Rodrigo Giannangelo de Oliveira São Paulo 2015 Agradecimentos Ao prof° mestre Rodrigo Giannangelo de Oliveira, orientador deste trabalho, que esteve presente não só no processo de orientação, mas contribuiu para que muitas transformações acontecessem no período de formação, com seu jeito provocador, evocou diversas reflexões e colaborou para mudanças significativas ocorrerem. À profª mestre Silvia Ivancko, a qual me estimulou a entrar em contato comigo mesma de maneira única, redescobrindo-me, acreditando em mim e nas minhas potencialidades. A todos do Instituto Gestalt de São Paulo, pelos momentos compartilhados. Em especial aos professores e a turma mensal VII, pelos momentos de angústia, de aprofundamento, de confusões, de descobertas e de suporte que, muitas vezes, foram essenciais para meu desenvolvimento e aprendizagem. A todos os colegas da academia de dança onde eu participo que tornaram possível a realização deste trabalho, em especial ao professor de dança Marcel Franciscon, pela atenção e cuidado disponibilizados, contribuindo, assim, para que este trabalho acontecesse. Aos companheiros de consultório, pelos diálogos e pela inspiração. Aos clientes que atendi, por cada um, de certo modo, me afetar, me ensinar algo e me revelar diferentes aspectos da existência, revelando também minha humanidade. À Glaucia Rebouças Mendes, amiga de infância e dançarina, a qual me ajudou a dar corpo a este trabalho. A todos os meus amigos, primos e a toda minha família, em especial a Sra Lourdes Almerinda Pedroso, minha madrinha que esteve presente nos momentos mais difíceis da realização desse trabalho. À Sra Neusicler Moreira e ao Sr José Gonçalves Rodrigues, meus pais que algum dia se encontraram e permitiram que eu nascesse e estivesse aqui hoje. Ao Celber Luis dos Santos, pelo apoio, paciência e também pela falta dela, em alguns momentos, ao longo desse processo. A Deus, que insere no ser tudo o que é. Resumo RODRIGUES, Danielle Moreira. A dança como possibilidade de awareness: um estudo com dançantes. São Paulo, 2015. Trabalho de conclusão do curso de formação em Gestalt Terapia. Instituto Gestalt de São Paulo. Este trabalho aborda a dança como possibilidade de facilitar a awareness, como uma forma de acessar o potencial criativo, a ampliação da percepção, o contato espontâneo e, assim também, mobilizar transformação na vida das pessoas. Apresenta um apanhado geral sobre o percurso da dança e do que é a gestalt terapia. Para isso, estudou-se a importância da dança em pessoas que dançam numa academia do interior do Estado de São Paulo. Foram entrevistados quatro sujeitos, aos quais foram feitas três questões abertas: “O que te levou a dança?”, “Como você se sente dançando?” e “De que maneira a dança te afeta?”. As entrevistas foram analisadas sob o olhar da compreensão fenomenológica. A partir dos depoimentos, foi possível compreender que a dança pode trabalhar com alguns recursos que a Gestalt Terapia também utiliza, tornando assim essa atividade terapêutica, ao estimular o aqui agora, a espontaneidade, a liberdade, a troca, o contato, a leveza e a fluidez. Palavras-chave: dança; gestalt terapia; awareness; fenomenologia Sumário Introdução ................................................................................................................... 5 Tematização ................................................................................................................ 8 A Dança ................................................................................................................... 8 A Gestalt Terapia ................................................................................................... 11 A Awareness .......................................................................................................... 13 Objetivo ..................................................................................................................... 15 Metodologia ............................................................................................................... 15 Apresentação dos Depoimentos ............................................................................... 17 Considerações Finais ................................................................................................ 25 Referência Bibliográfica ............................................................................................ 27 5 Introdução A dança da vida: uma dança com e no mundo, com os outros seres com os quais convivemos, dança esta cujos passos, compassos, ritmos e formas são os movimentos dos contatos que estabelecemos ao estarmos constantemente interagindo com o mundo. (Ciornai apud Silveira e Peixoto, 2012) O presente trabalho desenvolveu-se a partir da minha relação com a dança. Desde muito cedo fui estimulada a entrar em contato com a música e também com a dança, minha mãe me fala que sempre gostou de ouvir músicas e que aproveitava os finais de semana para fazer algumas tarefas em casa, ouvir músicas e cantar, pelo que ela me fala, também fez isso quando estava grávida. Recordo-me que, por volta dos meus quatro anos, eu ouvia músicas junto com os adultos, eles me balançavam, cantavam, eu gostava, achava muito divertido. Minhas tias costumavam sair para dançar, elas se maquiavam, se arrumavam, se perfumavam e saiam, eu acompanhava toda a preparação, participando de alguma forma também, fazendo perguntas, observando, pedindo para me maquiarem, insistindo para que me levassem, eu imaginava como seria o clube, o baile, as danças e o quanto gostaria de participar disso. Recordo-me de um brinquedo que se chamava “Meu primeiro gradiente” que vinha com um microfone, algumas músicas em playback, passava horas brincando com os meus primos e amigos, cantávamos, dançávamos, pulávamos, inventávamos músicas, rimas, danças, acessávamos um mundo de fantasias onde tudo era possível e divertido, quando nos encontrávamos o tempo passava muito rápido. Aos seis anos tive contato com a dança por meio das aulas de ballet, lá a dança era percebida de forma mais séria, com disciplina, gostava da preparação, das roupas de ballet, mas não me recordo das aulas em si, me lembro dos movimentos nas barras. Depois dessa época acabei saindo do ballet e me interessando mais pela música, fiz aulas de piano, tentei tocar violão, participei de um coral infantil na escola em que me encantei ainda mais pela música. Nessa época tinha uma amiga que fazia sapateado e aulas de teclado, nós nos 6 encontrávamos e ela me ensinava alguns passos do sapateado, tocávamos teclado, cada uma mostrava para a outra aquilo que aprendera nas aulas. Logo em seguida comecei a me interessar mais pelos esportes em equipe, comecei a treinar vôlei, na adolescência houve um desejo da minha parte para dar mais atenção à dança, mas acabei dando prioridade a outras atividades. Naquela época a dança tinha sentido e espaço nos momentos de lazer, nos encontros com os amigos, parentes, nas festas, confraternizações e em momentos de descontração, percebia que ela promovia algo muito envolvente e espontâneo em mim e que facilitava a interação entre as pessoas, o contato, a leveza e a fluidez. Parece que a dança e a música eram uma ponte, para acessar certa descontração ou um jeito mais despojado e despreocupado de estar na vida. Já me despertava curiosidade, interesse, mas ainda de forma muito tímida. Na época do ensino médio tinha alguns colegas que faziam aula de dança, eu sentia vontade de fazer, mas acabava priorizando outras atividades, achando que talvez não fosse momento. Então em alguns finais de semana eu acabava fazendo um ajustamento criativo, onde encontrava amigos para conversar, cantar, tocar violão e muitas vezes dançar, me recordo que tudo era motivo pra fazer alguma festa em casa e chamar pessoas para participarem, lá colocávamos as músicas e os gêneros musicais que gostávamos, conversávamos, dançávamos, fantasiávamos situações, dávamos vazão aos sentimentos, sensações, risos, choros, melancolia, alegria, euforia, etc. Já no início da fase adulta senti que era momento de dar atenção a esse aspecto, me permitindo experimentar a dança de outra forma. Acabei me relacionando com uma pessoa que dançava e acredito que isso facilitou e ampliou as possibilidades de exploração. Comecei a frequentar mais lugares de dança, conhecer pessoas desse universo, aprender outros ritmos e percebi que tinha certa facilidade. Cheguei a fazer aula de dança de salão, mas na época eu trabalhava o dia todo e estudava a noite, com isso o tempo era muito restrito e eu fazia as aulas de dança nos horários livres que eu tinha da faculdade. Acabei não dando continuidade, alguns imprevistos surgiram e a dificuldade em administrar as aulas de dança com a faculdade, o trabalho e as outras tarefas apareceram, tornando evidente que eu não conseguiria dar conta de tudo isso. 7 Depois da graduação em psicologia continuei saindo para dançar. Nesse período, me foquei na área clínica, atendi durante alguns anos uma pessoa que se beneficiou da dança para lidar com as dificuldades que encontrava em seu cotidiano, percebi que, em seu processo terapêutico, a dança facilitou que ela entrasse em contato consigo mesma e lidasse de forma mais criativa com algumas questões. Isso também mobilizou em mim algum interesse por retomar a dança, dando a devida atenção que há algum tempo eu gostaria de ter dado. Com isso, depois de algum tempo retornei à dança de salão, mas nesse período retomei como possibilidade de lazer e também por perceber que quando eu dançava me sentia mais presente, não pensava em mais nada além dos movimentos e da dança em si, eu sentia apenas, não me preocupava com nada além daquilo que eu estava fazendo, isso me chamou muita atenção e evocou um maior interesse, nesse período minhas amizades se ampliaram, conheci pessoas que se reuniam para dançar, para treinar aquilo que era aprendido, para conversar e aos poucos fui me envolvendo cada vez mais. Percebi que houve um encantamento pela dança, encantamento este que se fez presente em minha vida na infância e em alguns momentos do meu desenvolvimento. Encantamento que também aconteceu quando comecei a estudar fenomenologia existencial, quando tive contato com a Gestalt Terapia, a partir de um curso sobre sonhos nesse enfoque. Nesse sentido, o presente trabalho busca compreender a dança como possibilidade de criação e transformação na vida das pessoas, considerando o modo de cada pessoa se relacionar com seu corpo, com seu movimento corporal, com a arte, com a criatividade. Observando o contato consigo mesmo por meio desse universo, uma das alternativas de exploração e análise pode ser perceber a dança como possibilidade de facilitar o contato espontâneo, fluido, que envolve sensações, movimentos e acesso do potencial criativo, improvisação e ampliação da percepção. 8 Tematização A Dança Garaudy (1980) recorda que a dança esteve presente nos momentos mais importantes da existência humana, na guerra, na paz, na vida, no amor, na morte, nas festas, no trabalho, nos funerais, na semeadura, na colheita, nas magias e nas religiões. Nesse sentido, ele fala que a dança pode não ser percebida apenas como arte e sim como um modo de viver. Vianna (2005) também afirma isso ao dizer que a dança vai além de um modo de manifestar-se por meio do movimento, sendo um modo de existir. Declara que se a dança é uma maneira de existir, então cada um de nós tem a sua dança e o seu movimento natural, único e diferenciado e só a partir daí que isso pode se desenvolver para uma forma de expressão individual que pode ser compreendida pela coletividade humana. Segundo Ferreira (1999) a dança pode ser definida como a arte de dançar; passos cadenciados, geralmente ao som e compasso de música. Esta concepção de dança um tanto reducionista e descritiva tem influência histórica. Rengel e Langendonck (2006) recordam que a dança surgiu há muitos milênios, a partir da linguagem dos gestos e dos movimentos de nossos antepassados. As danças antigas estavam ligadas a união cósmica, ao universo. Dessa forma, a dança ajudou o homem a desenvolver sua expressão e seu conhecimento da natureza, da cultura, da divindade e das questões religiosas. Na cultura grega a dança era praticada por todos, estava presente nos ritos religiosos, nas comemorações, no treinamento militar, na educação das crianças e no cotidiano. Sócrates (470-399 a.C.), Platão (428-347 a.C.) e Homero (séc.IX-séc.VIII a.C.) acreditavam que a dança trazia agilidade, sabedoria e beleza, formando parte da educação dos cidadãos. Porém na Idade Média houve uma proibição da igreja a qualquer manifestação corporal, associando assim a dança ao pecado. Depois de algum tempo a dança ressurgiu nas procissões que se iniciavam na igreja e terminavam nas ruas. Gradualmente a dança transformou-se numa distração popular e em torno 9 do século XII estava presente nos castelos e nas festas da nobreza (Rengel e Langendonck, 2006). De acordo com Lima e Neto (2011) a dança vai além de simplesmente movimentar-se. Promove inúmeras possibilidades de contato com o mundo em uma linguagem ímpar evocando interação, comunicação, movimento corporal e atuação física no ambiente. Traz a chance de criar, algo semelhante ao trabalho psicoterapêutico. Para Garaudy (1980) é realização da comunidade viva dos homens. Desde a origem das sociedades, por meio das danças e dos cantos, o homem se confirma como integrante da comunidade que o transcende. A dança não conta uma história, revelada pela linguagem, mas expressa transcendência. Segundo Vianna (2005) é um ato prazeroso, vital, e só deixa de ser prazerosa e viva no momento em que a dança passa a se tornar ginástica, exercício, competição de força e ego. Na dança não se diz, mas se é presença, Garaudy (1980) explicita isso ao declarar que se tivesse que explicar a dança, então simplesmente não dançaria. Dançar é vivenciar e exprimir, com máximo de intensidade, a relação do homem com a natureza, com a sociedade, com o futuro e com seus deuses. Dançar é, antes de tudo, estabelecer uma relação ativa entre homem e a natureza, é participar do movimento cósmico e do domínio sobre ele. (Garaudy, 1980, p.14). A dança por meio da música pode revelar diferentes aspectos de contato, desde os passos marcados a algo mais espontâneo e solto. Revela em seus movimentos como aquilo toca ou mobiliza, podendo ser um facilitador para estar no aqui-agora, ampliando, assim, percepções e facilitando a aware. Pode ser considerada um excelente recurso terapêutico, trabalha com o corpo, a corporeidade, expressão, comunicação, mostrando os limites ou as fronteiras de contato, a coordenação motora, sentimento, pensamento, e pode ser um instrumento facilitador do potencial criativo, além de oferecer condicionamento físico, facilitar a interação social e ser um modo de lazer. É movimento, linguagem não verbal que trabalha com a percepção, com processos intuitivos, espontaneidade e a maneira singular de cada pessoa se mostrar na sutileza dos seus movimentos. 10 Estar aware de nosso corpo, em termos das coisas que sabemos e fazemos, é sentir-se vivo. Essa awareness é uma parte essencial de nossa existência como pessoas ativas e sensuais. (Polanyi, apud Polster e Polster, 2001, p.213) Garaudy (1980) cita que Isadora Duncan, bailarina, considerada a mãe da dança moderna, considerava a dança não apenas como arte, autorizando a expressão em movimento, mas como alicerce de toda uma percepção de vida mais flexível, harmoniosa e natural. Indo além da definição da dança como uma união de passos mais ou menos aleatórios caracterizados por exercícios técnicos e percebendo-os como meio e não um fim, constituindo assim uma arte. Vianna (2005) também a cita como uma pessoa criativa, que não era indiferente ao mundo que vivia, usava, trabalhava e estimulava as emoções por meio dos cinco sentidos, com atividades simples como olhar o mar, caminhar descalço ou ouvir os sons do cotidiano. De acordo com Neves (2008, p. 128), é possível afirmar que, por meio dos movimentos nos tornamos mais conscientes de nós mesmos, do nosso corpo e dos estados internos que expressamos ao nos movermos. Vianna (2005) comenta que os movimentos manifestam-se a partir das emoções particulares de cada pessoa, convertendo-se em arte quando encontram uma linguagem universal. Assim, o trabalho corporal se torna terapêutico na medida em que relaciona o corpo diretamente à nossa existência mais profunda. Em geral, mantemos o corpo adormecido. Somos criados dentro de certos padrões e ficamos acomodados naquilo. Por isso é preciso desestruturar o corpo, sem essa desestruturação não surge nada de novo [...] para acordar o corpo é preciso desestruturar, fazer que a pessoa sinta e descubra a existência desse corpo [...] tudo no corpo, na vida, na arte, é uma troca. (Vianna, 2005, p.80) Segundo Saraiva-Kunz (2003 apud MARQUES et al., 2013) é na junção imediata com a dança, na experiência vivida e apenas dançantemente que as pessoas constroem seus sentidos e significados, nesse momento suspendem 11 julgamentos, crenças, reflexões e interpretações, dessa maneira se envolvem em sua própria relação, de forma espontânea e total. A Gestalt Terapia Isso também acontece na Gestalt Terapia, a qual considera que o contato gera naturalmente mudanças, por existir troca, encontro. Ginger e Ginger (1995) mostram a importância de se experimentar o que acontece, contatando ou entrando em uma sensação ou sentimento, assim considera-se essencial escutar o corpo e não reduzi-lo ao silêncio. Perls (1977), precursor da Gestalt Terapia, fala que o objetivo da terapia é aproximar-se dos seus sentidos, estimulá-los, entrando em contato com o mundo, em oposição a estar apenas em contato com as fantasias, preconceitos e apreensões. A Gestalt Terapia estimula a conhecer-se melhor, a aceitar-se tal como se é, sem buscar se adaptar a um modelo de referência idealizado ou estabelecido pelo indivíduo ou pela sociedade (Ginger e Ginger, 1995). Encoraja, na relação terapêutica, a ampliação de fronteiras e a experimentar novos comportamentos (Zinker, 2007). Essa abordagem tem diversas influências, entre elas, o Humanismo, o Existencialismo, a Fenomenologia, a Psicologia da Gestalt, a Teoria de Campo, a Teoria Organísmica Holística e o Zen Budismo. Ginger e Ginger (1995) relembram que uma delas é a fenomenologia, a qual busca compreender e não necessariamente explicar o que é vivido, atenta-se para a vivência imediata, única, tal como é percebida. Estimula a tomada de consciência corporal e do tempo vivido e considera as particularidades de cada ser humano, entendendo que cada pessoa tem sua percepção do mundo e do que a rodeia, atribuindo-lhe um sentido, diferente para cada um. Merleau-Ponty (2006) fala que nossa relação com o mundo e com os outros acontece por meio do corpo e que a noção fenomenológica é mediada pela percepção, envolvendo a consciência pré-reflexiva, mostra que antes de toda concepção filosófica ou científica e até mesmo antes do conhecimento, o homem é ser-no-mundo. Outra influência no olhar gestáltico é o existencialismo, o qual considera a singularidade de cada existência, atentando-se a forma como o homem a 12 experimenta, como vive, como a assume, de forma espontânea. Além disso, considera-se também a responsabilidade de cada um na construção de sua existência e o que cada pessoa faz com sua relativa liberdade. Conforme May (1997 apud Silveira; Peixoto, 2012) há liberdade e coragem para ultrapassar fronteiras e quebrar antigos padrões em direção à novidade. Sem os atributos de coragem, liberdade, espontaneidade e integração, a pessoa encontra impedimentos ao uso de seus processos criativos, e não consegue promover mudanças. Nesse sentido a terapia pode levar a um processo de mudança na percepção, na consciência, no comportamento. Zinker (2007) declara que a psicoterapia e a criatividade se entrelaçam evocando transformação, metamorfose e mudança. No processo de criar, a pessoa além de ilustrar e inspirar sua vida interior também trabalha sua expressividade pessoal para fazer algo que se sustente por si. Além disso, qualquer relacionamento entre duas pessoas pode se tornar uma criação quando o contato entre elas é fluido e há transformação recíproca. Zinker (2007) fala que a criatividade é estar disposto a arriscar-se ao ridículo e ao fracasso para experienciar este dia como uma novidade, como algo inédito. A pessoa que ousa criar, romper limites, não apenas participa de um milagre como também percebe que, em seu processo de ser, ela é um milagre. Os princípios da Gestalt-terapia trabalham com a ideia de que estamos inseridos em um campo, e envolvidos em uma relação de intersubjetividade. Dessa forma o meu mundo próprio poderá se organizar de diferentes formas, a partir de pequenas mudanças que possam ocorrer. Assim, por mais que eu me mantenha num lugar conhecido, com pessoas conhecidas, sempre algo novo poderá emergir neste mundo do qual faço parte. E isso gera novos sentidos, novas configurações (Silveira e Peixoto, 2012). Enfatiza a tomada de consciência da experiência atual, do aqui e agora, incluindo as vivências anteriores e busca reabilitar a percepção emocional e corporal, desenvolvendo um olhar unificador do ser humano, por 13 integrar os aspectos sensoriais, afetivos, intelectuais, sociais e espirituais (Zinker, 2007). Em psicoterapia procuramos a instigação de situações inacabadas na situação atual, e, por meio da experimentação atual com novas atitudes e novos materiais da experiência do dia-a-dia concreto, visamos uma integração melhor (Perls, Hefferline e Goodman, 1997). A Awareness Na Gestalt Terapia um dos conceitos fundamentais é promover ou desenvolver a awareness, a qual pode ser traduzida como tomada de consciência global, desenvolvendo assim, a capacidade de se perceber e perceber o ambiente no momento presente, aguçando a sensibilidade ou percepção pessoal, corporal e emocional, interior e ambiental (Ginger e Ginger, 1995). Segundo Perls, Hefferline e Goodman (1997) a awareness caracteriza-se pelo contato, pelo processo contínuo de transformação e crescimento na interação com o meio, pelo sentir, considerando a sensação e percepção. Para Yontef (1998) a awareness é apreensão, com todas as possibilidades de nossos sentidos, é uma forma de experienciar o mundo dos fenômenos dentro e fora de nós. Esta forma de captar se dá no presente, no aqui-agora. Mesmo quando lembramos de algo do passado, o ato de lembrar se dá no presente. É o processo de estar em contato vigilante com o evento de maior importância no campo indivíduo/meio, com total suporte sensório-motor, emocional, cognitivo e energético. Para que haja a awareness é necessário haver contato, embora possa existir contato sem que haja awareness, em outras palavras o contato pode acontecer sem existir transformação, pode se dar de forma distraída, desatenta ou despercebida. É através do contato que a relação com o mundo pode ser nutritiva, pode ser transformadora. Ele é o responsável pelas mudanças da pessoa e das experiências que ela tem do mundo. Além disso, momentos de awareness e de expressão podem 14 mobilizar sentimentos de presença e de inteireza, clareza da percepção e vibração da experiência (Polster e Polster, 2001, p.102). Contato é “achar e fazer” a solução vindoura: A preocupação é sentida por um problema atual, e o excitamento cresce em direção à solução vindoura, mas ainda desconhecida. O assimilar da novidade se dá no momento atual à medida que este se transforma no futuro. Seu resultado nunca é um mero agregamento de situações inacabadas do organismo, mas uma configuração que contém material novo do ambiente. É, portanto, diferente do que poderia ser relembrado, assim como a obra de um artista torna-se nova e impredizível para ele à medida que manuseia o meio material (Perls, Hefferline e Goodman, 1997, p. 48) A awareness, segundo Perls, Hefferline e Goodman (1997) pode ser entendida como um movimento de abertura para possibilidades, caracteriza-se pelo contato, pelo sentir, pelo excitamento e pela formação de gestalten, as quais são consideradas gestalten inacabadas ou situações inacabadas que pedem por um fechamento, clamam por atenção e interfere na formação de qualquer gestalt nova. A sensação e o movimento são atividades que emergem sempre e onde quer que o organismo encontre situações novas, não são respostas mecânicas. 15 Objetivo A Gestalt Terapia trabalha com espontaneidade, criatividade, potencial criativo, percepção, com o momento presente e estimula a awareness. Nesse sentido o objetivo desse trabalho é analisar se a dança possui relação com a Gestalt Terapia, podendo, assim, ser percebida como um meio para viabilizar ou estimular a awareness, examinando se a dança pode ser percebida como possibilidade de ampliação da percepção. Metodologia A metodologia deste trabalho visa articular a awareness à dança elaborando assim, alguma compreensão acerca desse tema. Para isso, realizaram-se entrevistas numa academia de dança, do interior do estado de São Paulo, com quatro pessoas, sendo três alunos de dança ou dançantes e um professor. A entrevista foi acompanhada por três questões abertas: O que te levou a dança? Como você se sente dançando? De que maneira a dança te afeta? As perguntas foram elaboradas, a fim de propiciar uma abertura à maneira como a pessoa se percebe, considerando seu percurso também com a dança, suas sensações, percepções e desdobramentos possíveis. Na narrativa, a pessoa pôde entrar em contato consigo mesma, colocando a experiência em fluxo por meio da linguagem. Assim a pessoa pôde resgatar, em sua história, a compreensão do vivido. As entrevistas foram analisadas à luz da compreensão fenomenológica. Nesse sentido, a interpretação fenomenológica considera que um ponto de vista é apenas uma percepção, uma perspectiva entre outras. E é como uma perspectiva relativa e provisória que a fenomenologia se autocompreende. As coisas, como são e o que são, não estão consumadas em sua conceituação, mas se 16 revelam nos modos de lidar com elas, envolve uma trama de significados que os homens vão tecendo. (Critelli, 1996) Cada participante foi informado sobre o tema da pesquisa, assinou o Termo de Consentimento, no início da conversa foi pedido autorização para que a entrevista fosse gravada. Depois de colhidos as entrevistas, o material foi transcrito. E posteriormente analisado sob o olhar fenomenológico. 17 Apresentação dos Depoimentos “Que aconteceria se, em vez de apenas construirmos nossa vida, tivéssemos a loucura ou a sabedoria de dançá-la?” (Garaudy, 1980) T. 53 anos, sexo feminino O que te levou a dança? Na realidade eu sempre gostei de dançar, minha mãe fala que desde pequenininha, eu usava fraldas ainda e ficava na frente da televisão dançando, olhando as pessoas dançando na televisão e tentando imitar...fui levando esse gosto pela dança até a adolescência. Sempre quis fazer ballet, mas minha mãe não tinha dinheiro para me colocar no ballet. Aos 15 anos eu comecei a namorar meu marido e ele odeia dançar, detesta. E eu naquela empolgação de namorar, noivar e casar, comecei a deixar meu gosto de lado e naquela época também não tinha dança de salão...esqueci do meu hobby, da minha paixão. Aí depois que eu casei, que eu tinha uma condição financeira melhor, nós dois trabalhávamos, não tínhamos filhos, eu comecei a fazer jazz, que era uma dança que eu podia fazer sozinha e não precisava que ele fosse comigo...me apaixonei! Aos 28 anos eu engravidei da minha primeira filha, então a médica me orientou a cuidar da gravidez, da minha bebê e eu parei de dançar. Quando ela nasceu, logo em seguida veio o segundo filho. E novamente esqueci da minha paixão. Quando ela fez 18 anos ela entrou na academia de dança como bolsista e insistiu para que eu fosse, mas eu tinha vergonha, pensava que eu era velha para isso e minha filha disse que estava cheio de mulheres da minha idade lá...eu vim porque ela me trouxe...a timidez era grande demais, se eu fosse esperar ir sozinha sem alguém me puxando eu não viria mais, eu acho que eu esqueceria mesmo o gosto pela dança...fiz algumas amizades apesar da minha timidez. Minha filha passou na faculdade e acabou indo morar em outra cidade e eu fiquei na escola de dança, fui me entrosando com a turma e fui ficando, estou aqui faz seis anos. Falo que ela me tirou da dança porque eu engravidei dela e tive que parar e ela me recolocou, 18 anos depois. 18 Como você se sente quando está dançando? Falo que a dança é um vício, um vício gostoso...comecei a fazer uma aula e depois outra, outros dias, quando percebi já estava vindo a semana inteira, querendo sempre mais. Eu amo dançar, eu me sinto muito bem, fico triste de pensar que um dia meu corpo não vai aguentar mais e eu vou ter que parar, mas acho que é o único horário para eu relaxar, não pensar em problemas, só rir e me divertir, eu amor dançar! De que forma a dança afeta a sua vida? A dança mudou muito a minha vida, eu era bem tímida, muito tímida, nos meus primeiros empregos e trabalhos. Aos 16 anos de idade eu era taxada como a chata, eu não era chata, é que eu entrava assim e não falava com ninguém...nem olhava do lado... eu morria de vergonha. E quando eu comecei a dançar foi a mesma coisa, queria vir, mas tinha vergonha. Depois que eu vim, eu vinha uma vez por semana e eu ia embora. Quando comecei a sair pra dançar e eu me escondia na mesa lá do fundo, se os meninos viessem me tirar para dançar eu tremia de medo e aos poucos eu fui me soltando, hoje eu nem me imagino sentando lá no fundo. Às vezes, eu me olho e falo “o que eu estou fazendo aqui, tenho idade para ser mãe dessa moçada”, mas mesmo assim não consigo sair de lá e eles não me veem como mãe. Me sinto muito bem e acho que mudou muito essa questão do desembaraçar, de perder a timidez, de entrar no meio da galera, de não querer mais me esconder, de chegar e falar bom dia, boa tarde para pessoa que você nunca viu. Eu jamais, se nunca vi não falava bom dia, eu pensava: se não conheço porque vou falar. Hoje eu vejo a diferença de chegar e dar um sorriso mesmo ao passar na rua. Mudou bastante o comportamento, a visão de pessoa, relacionamento, desinibição, mudou tudo. Análise Fenomenológica T. na primeira questão mostra que desde muito cedo se sentia interessada pela dança, porém por conta de algumas dificuldades financeiras e pelo seu envolvimento com outras atividades acabou não priorizando isso em sua vida. Quando teve oportunidade retomou essa atividade que tanto gosta, mas de tempos 19 em tempos isso ficava em segundo plano. Sua escolha de ter filhos facilitou a interrupção de seu projeto com a dança, mas depois de algum tempo sua filha contribuiu para que esse reencontro acontecesse. Pode-se imaginar que seu desejo, sua vontade e interesse pela dança, além da validação dada pela filha, a encorajou a retomar a dança. T. fala que se sente muito bem quando está dançando, parece ser um momento único, em que se solta e permanece no aqui agora, sem pensar em suas “pré”ocupações. Em seu discurso, T. sinaliza seu modo de estar na vida cotidiana: inicialmente tímida, sendo percebida muitas vezes como chata, com vergonha e dificuldade para se expor e aceitar-se do jeito que era, sentindo-se embaraçada consigo mesma. Nesse sentido ela coloca a dança como facilitadora para uma transformação interna. Ao entrar em contato com a dança pôde se lançar mais, a ponto de não querer se esconder, estando mais a vontade consigo e com os outros. S. 35 anos, sexo feminino O que te levou a dança? Eu fiz muitos anos de ballet clássico, desde pequenininha minha mãe me estimulou, fiz ballet, jazz, sapateado e depois veio aquela crise da adolescência que eu quis parar, mas minha mãe me disse que não me deixaria parar que um dia eu ainda iria agradecê-la. Com isso eu continuei, entrei na faculdade e sempre fui muito ligada a dança, eu sempre gostei de ver, porque eu gosto de movimento, é uma coisa que mexe com o humor, mexe com tudo, com o sentir-se livre, com o movimentar-se, é um fato externo que vai diretamente no seu interno. Você faz aquilo por prazer, ninguém dança por obrigação. Às vezes, você trabalha por obrigação, faz muitas coisas no dia por obrigação, eu só vou dançar por prazer. Acho que é essa coisa de fora que vai pra dentro e que modifica, onde eu me sinto bem. Acho que quem dança é mais feliz, porque você não vai dançar porque tem que dançar, eu vou e dou risadas, me divirto, faço uma atividade física, então é por puro bem estar físico e emocional. 20 Como você se sente quando está dançando? Me sinto muito bem apesar das dificuldades e dos desafios dos passos, dos movimentos, me sinto bem, feliz e completa...quando fiz faculdade eu sempre torcia pra que tivesse algo com música, quando tocava uma música eu estava sempre batendo ou fazendo passos de sapateado ou dançando. Qualquer coisa que eu tinha que estudar eu fazia uma musiquinha. Sempre a música, o movimento pra mim sempre fez parte do que fiz e do que faço. De que forma a dança afeta a sua vida? Acho que a dança afeta minha vida de forma muito positiva, hoje, por exemplo, foi um dia super pesado, foi chato, eu estava de mal humor...na aula de dança eu dou risadas, extravaso, me movimento, me tira daquela zona, faz me sentir bem, dependendo do dia que eu tive penso que preciso dançar pra mudar isso, o dia ainda pode mudar, mesmo estando no final do dia ele ainda pode melhorar. Às vezes, dá uma preguiça de sair de casa, às vezes a aula é muito tarde, mas se você vem no dia você fica mais completo, mais realizado, fica bem com você mesmo, pela atividade física você está se movimentando, você tem um cansaço gostoso. Não é aquela coisa de dor de academia... quando você vê você tá cansado, tá até suada e nem sentiu esse cansaço, fica tranquilo, fica leve. Análise Fenomenológica S. fala que sua família, principalmente sua mãe, contribuiu para que ela desenvolvesse uma relação mais íntima com a dança, pelos estímulos que teve desde sua infância. Reconhece que a dança trabalha suas sensações, mexe com seu humor, com sua liberdade, movimentar-se parece encantá-la. Relaciona a dança ao prazer, a escolha, a liberdade e ao querer. Quando dança parece ter uma sensação de plenitude, sentindo-se completa ou talvez inteira. Movimentar-se na dança, oferece a possibilidade de trabalhar sua liberdade, atribuindo sentidos diversos ao que foi vivido e ao que está sendo escolhido e vivido naquele momento, dando-lhe a sensação de que o dia ainda pode melhorar e de que a vida não está pronta ou findada a uma única possibilidade, afirmando o vir-a-ser do existir, sensações surgirem. oferecendo-lhe certa leveza e abertura para as 21 A.L. 33 anos, sexo masculino O que te levou a dança? Sou muito ligado a música desde pequeno. Eu tocava. Me mudei para o interior onde tinha aquelas bandas da cidade e pra fazer parte da galera eu me enfiei na banda... a música mexe comigo até hoje, escutar música é uma coisa que me leva. Depois dessa banda eu fiz teatro, depois do teatro eu tive que dançar, lá você tem que atuar e algumas vezes tinha que dançar. Depois do teatro eu fui trabalhar em navio. No navio eu tinha que dar aula de dança, dançar axé, forró, ensinar as pessoas a dançar porque era a minha função. Então eu comecei a dançar na época da faculdade passinhos de axé... No teatro era profissional, eu tive que dançar e eu aprendi e fiz o que teve que ser feito e no navio foi trabalho. Só que no navio eu descobri que quando eu danço minha cabeça fica vazia, por mais que eu esteja pensando um milhão de coisas, quando eu começo a dançar parece que o momento é aquele, então eu tenho que dançar. E hoje eu adoro dançar...o que me levou a dança foi essa coisa da música que me motiva, sempre tô escutando alguma coisa, nunca fico em silêncio em casa, sempre to escutando música, me relaxa, me acalma e dançar é algo que eu descobri depois de grande já. Parece que quando danço a cabeça esvazia e não tenho mais problema, não tenho mais dor. Eu danço por dançar, se eu sei eu danço, se eu não sei eu danço também. Eu acho que a expressão da dança, você se permitir dançar é uma coisa leve, muito gostosa...eu particularmente gosto muito de chegar num lugar com todo mundo dançando e me sentir livre pra dançar também. Então o que me motivou foi essa questão musical que trago desde pequeno, mas eu descobri que me esvazia a cabeça, eu fico sem problemas, a aula de dança é uma delícia, é um desafio, é movimento ritmado. Como você se sente quando está dançando? Me sinto livre, sinto que os problemas acabam, uma sensação de liberdade, de eu poder me expressar do jeito que eu quero, fazendo palhaçada, dançando sério, é libertador...a gente fica tão duro, tão tenso, com tanta dor...que quando você consegue relaxar vem para o alongamento da dança, aí você dança, pisa, dá risada, então é um bem estar que traz que acho ótimo. Tira da rotina e isso é muito bom. 22 De que forma a dança afeta a sua vida? Afeta de forma bem positiva, hoje, por exemplo, meu dia foi atípico, tive que fazer coisas que não costumo fazer e às vezes dá certo, às vezes dá errado...então mil coisas acontecendo ao mesmo tempo, a cabeça fica cheia o dia inteiro...e quando danço parece que dá uma...então foi uma hora que não pensei na mudança, não pensei nos telefonemas que tenho que dar, que não pensei nas contas pra pagar, nas preocupações, então é uma forma de liberdade...nem pensei nisso em uma hora podia ser mais, mas infelizmente a cabeça não pára, você tem um monte de responsabilidades e você tem que fazer, então é uma forma de limpar a cabeça e mesmo depois de dançar parece que você deu uma relaxada. Penso que é uma forma de via de escape, no teatro a gente tinha um negócio de jogar a energia e na dança é a mesma coisa só que de uma forma mais tranquila, você se deixa e a energia vai rodando e você troca energia com quem tá na sala. Isso vai te renovando, vai mexendo com você de forma positiva, me sinto mais leve, acaba sendo terapêutico, a gente conversa, dá risadas, fala sobre os problemas. Análise Fenomenológica A.L. percebe que a música contribuiu para aproximá-lo da dança, teve contato com o teatro, em seu contexto de trabalho e por meio dos estudos acabou acessando essa via de expressão, sente que quando dança sua cabeça permanece no presente, fala que sua cabeça fica vazia nesses momentos. E desenvolveu essa relação com a dança já na fase adulta. A dança facilita sua expressão, oferece mais leveza e trabalha com sua sensação de liberdade, com seu corpo, oferecendo-lhe a permissão de expressar-se do jeito que ele quer, da forma como quiser, saindo do habitual, da rotina, deixando de lado os “tem quês” ou os “deverias”, as obrigações. Permitindo-se liberar tensões, movimentando-se e se deixando estar de outro modo, em que a leveza, o estado de presença, a tranquilidade e o relaxamento aparecem de forma mais nítida. Sente que renova suas energias e que a troca com as pessoas e com aquele ambiente acaba sendo terapêutica em sua vida. 23 F., 26 anos, sexo masculino O que te levou a dança? Quando eu estudava no ensino médio participei de um festival de dança, nós ensaiávamos durante as aulas, assim foi meu primeiro contato com a dança. Só que eu não fiz aula de dança de salão. Quando eu entrei na faculdade de educação física, tinha aula de dança de salão, eu fiz, mas não foi nada aprofundado. Na dança de salão eu entrei por acaso, meus pais que vieram procurar aula...soube que podia entrar como bolsista, não pagando nada... entrei pra fazer várias aulas, faz nove anos... Iniciei o curso de educação física, mas depois resolvi fazer administração... Hoje tenho o DRT para dar aulas de dança... Como você se sente quando está dançando? Me sinto feliz, a dança eu sempre achei que me completa, é um momento em que eu esqueço do mundo e tô ali, estou presente ali, sentindo a música. Quando eu quero realmente dançar, não quero só conversar, quero sentir, a dança de salão é isso, é uma conexão entre duas pessoas. Diferente da dança solta, fiz aula de dança contemporânea no ano passado, é uma delícia você se sentir livre, mas a conexão e a comunicação com outra pessoa é mais difícil e eu sempre falo que é uma conversa que existe... é um diálogo entre dois corpos, um diálogo sem palavras, é o corpo falando... Traz essa concentração pra dançar e pra sentir o momento... se comunicar através do corpo. E isso traz uma paz, uma felicidade que não tem igual. A dança hoje pra mim...faz muita diferença, faz falta pra mim. De que forma a dança afeta a sua vida? Afeta meus relacionamentos, muitas mulheres não entendem que a dança é uma dança, que não é um flerte...então isso é uma coisa que me afeta muito. Já tive relacionamentos em que não deu pra continuar por causa disso ou relacionamentos em que eu me afastei da dança e depois desse eu percebi que a dança é mais que isso pra mim, ainda mais com a minha profissão, eu não posso deixar isso me afetar. Também já tive um relacionamento em que a pessoa foi super tranquila comigo, me entendia super bem... Percebo que a dança está muito presente na minha vida, sei que não é uma área fácil... 24 Análise Fenomenológica F. parece ter acessado a dança a partir das oportunidades que surgiram quando era adolescente, pelo seu discurso, parece-me que foi levado, pelos outros e por algumas situações, a dançar e a partir do seu contato com a dança acabou se percebendo sensível a isso, ou talvez, se sentindo afetado pela dança, pelo movimento, pela conexão e troca que existe com as pessoas e ambiente, estando presente e concentrado, permitindo-se comunicar-se por meio da dança, expressando-se por meio dela. Percebe que a dança ocupa um papel central em sua vida a ponto de afetar seus relacionamentos amorosos, reconhece que dependendo da relação que se estabelece pode se sentir compreendido e a vontade com seu trabalho ou podado ou pode se sentir julgado ou incompreendido. 25 Considerações Finais “Eu acreditaria somente num Deus que soubesse dançar”. (Nietzsche, 2000) No momento em que coletei as entrevistas, percebi, enquanto cada um falava a respeito da sua relação com a dança, certo encantamento e carinho com este tema, ao se revelarem. Pensei na importância desse encantamento, do interesse genuíno, dessa espontaneidade que surgiu nas entrevistas e me percebi próxima de cada um, podendo olhar para algo que de algum modo tocou, afetou e transformou não só minha vida, mas a vida de outras pessoas, por meio da troca, do contato que houve com a dança. Baseado nos relatos das entrevistas pode-se afirmar que a dança, oferece a possibilidade de estar ou de trabalhar o estado de presença, o aqui agora, dando atenção às sensações, aos movimentos, a liberdade de se expressar, de se experimentar, de transcender, de lidar com o prazer, com as escolhas, com o querer, com a leveza, com o relaxamento, com a espontaneidade e o potencial criativo, permitindo evocar transformações na vida de quem a pratica. Lima e Neto (2011) afirmam que a dança vai além do movimento em si, pois promove possibilidades de troca e contato com o mundo, interagindo, comunicando, criando e transcendendo. F. declara isso ao falar que se percebe afetado pela dança, pela conexão que sente que estabelece e pela troca que acontece com as pessoas e com o ambiente. Vianna (2005) reforça que dançar é um ato vital e prazeroso, na dança se é presença. A.L. fala da dança como facilitadora de expressão fluida, percebe que a leveza se faz presente e considera que a sensação de liberdade se evidencia. Ao trabalhar com a espontaneidade, com o prazer, libera-se tensões, experimentandose de outro modo, onde o estado de presença se torna natural. Neves (2008) também fala que nos tornamos mais conscientes de nós mesmos, por meio dos movimentos do nosso corpo e dos estados internos que expressamos ao nos movermos. Saraiva – Kunz (2003 apud Marques et al., 2013) coloca que é na vivência da dança, na experiência em si que as pessoas suspendem seus julgamentos, crenças, reflexões e interpretações, se envolvendo assim de forma mais espontânea. T. na 26 entrevista exemplifica esse processo, ao ter consciência de que antes se percebia muito tímida, talvez até, um tanto crítica consigo mesma e considera que a dança facilitou sua transformação interna, a ponto de se experimentar mais a vontade consigo e com os outros. Perls, Hefferline e Goodman (1997) salientam que a awareness caracteriza-se pelo contato, pelo processo contínuo de transformação e crescimento na interação com o meio. Nesse sentido a dança pode se tornar terapêutica. O objetivo da terapia, o objetivo do crescimento, é perder cada vez mais sua “mente” e aproximar-se mais dos seus sentidos. Entrar cada vez mais em contato com o mundo, ao invés de estar apenas em contato com fantasias, preconceitos, apreensões, etc. (Perls, 1977, p. 77). Polster e Polster (2001) consideram que o contato é o responsável pelas mudanças da pessoa e das experiências que ela tem do mundo. Momentos de awareness e de expressão podem mobilizar sentimentos de presença, de inteireza, e de vibração da experiência. S. expressou isso quando falou que na dança acessa uma sensação de plenitude, sentindo-se completa ou inteira. Além disso, de alguma maneira, as pessoas entrevistadas mostraram o quanto a dança pode promover ou facilitar o processo de awareness em suas vidas. 27 Referência Bibliográfica CRITELLI, Dulce Mara. Analítica do sentido: uma aproximação e interpretação do real de orientação fenomenológica. São Paulo: EDUC: Brasiliense, 1996. 142 p. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa. 3 ed. totalmente rev. e ampl. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. GARAUDY, Roger. Dançar a vida. Trad. Glória Mariani e Antonio Guimarães Filho. 6. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980. 188 p. 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