DANIELLE MOREIRA RODRIGUES A DANÇA COMO

Transcrição

DANIELLE MOREIRA RODRIGUES A DANÇA COMO
INSTITUTO GESTALT DE SÃO PAULO
DANIELLE MOREIRA RODRIGUES
A DANÇA COMO POSSIBILIDADE DE AWARENESS:
UM ESTUDO COM DANÇANTES
São Paulo
2015
DANIELLE MOREIRA RODRIGUES
A DANÇA COMO POSSIBILIDADE DE AWARENESS:
UM ESTUDO COM DANÇANTES
Trabalho de Conclusão de Curso apresentada
ao Instituto Gestalt de São Paulo como parte
dos requisitos necessários para obtenção do
certificado de formação em Gestalt Terapia
Orientador: Prof° Mestre Rodrigo Giannangelo
de Oliveira
São Paulo
2015
Agradecimentos
Ao prof° mestre Rodrigo Giannangelo de Oliveira, orientador deste trabalho,
que esteve presente não só no processo de orientação, mas contribuiu para que
muitas transformações acontecessem no período de formação, com seu jeito
provocador, evocou diversas reflexões e colaborou para mudanças significativas
ocorrerem.
À profª mestre Silvia Ivancko, a qual me estimulou a entrar em contato comigo
mesma de maneira única, redescobrindo-me, acreditando em mim e nas minhas
potencialidades.
A todos do Instituto Gestalt de São Paulo, pelos momentos compartilhados.
Em especial aos professores e a turma mensal VII, pelos momentos de angústia, de
aprofundamento, de confusões, de descobertas e de suporte que, muitas vezes,
foram essenciais para meu desenvolvimento e aprendizagem.
A todos os colegas da academia de dança onde eu participo que tornaram
possível a realização deste trabalho, em especial ao professor de dança Marcel
Franciscon, pela atenção e cuidado disponibilizados, contribuindo, assim, para que
este trabalho acontecesse.
Aos companheiros de consultório, pelos diálogos e pela inspiração.
Aos clientes que atendi, por cada um, de certo modo, me afetar, me ensinar
algo e me revelar diferentes aspectos da existência, revelando também minha
humanidade.
À Glaucia Rebouças Mendes, amiga de infância e dançarina, a qual me
ajudou a dar corpo a este trabalho.
A todos os meus amigos, primos e a toda minha família, em especial a Sra
Lourdes Almerinda Pedroso, minha madrinha que esteve presente nos momentos
mais difíceis da realização desse trabalho. À Sra Neusicler Moreira e ao Sr José
Gonçalves Rodrigues, meus pais que algum dia se encontraram e permitiram que eu
nascesse e estivesse aqui hoje.
Ao Celber Luis dos Santos, pelo apoio, paciência e também pela falta dela,
em alguns momentos, ao longo desse processo.
A Deus, que insere no ser tudo o que é.
Resumo
RODRIGUES, Danielle Moreira. A dança como possibilidade de awareness:
um estudo com dançantes. São Paulo, 2015. Trabalho de conclusão do curso de
formação em Gestalt Terapia. Instituto Gestalt de São Paulo.
Este trabalho aborda a dança como possibilidade de facilitar a awareness,
como uma forma de acessar o potencial criativo, a ampliação da percepção, o
contato espontâneo e, assim também, mobilizar transformação na vida das pessoas.
Apresenta um apanhado geral sobre o percurso da dança e do que é a gestalt
terapia. Para isso, estudou-se a importância da dança em pessoas que dançam
numa academia do interior do Estado de São Paulo. Foram entrevistados quatro
sujeitos, aos quais foram feitas três questões abertas: “O que te levou a dança?”,
“Como você se sente dançando?” e “De que maneira a dança te afeta?”. As
entrevistas foram analisadas sob o olhar da compreensão fenomenológica. A partir
dos depoimentos, foi possível compreender que a dança pode trabalhar com alguns
recursos que a Gestalt Terapia também utiliza, tornando assim essa atividade
terapêutica, ao estimular o aqui agora, a espontaneidade, a liberdade, a troca, o
contato, a leveza e a fluidez.
Palavras-chave: dança; gestalt terapia; awareness; fenomenologia
Sumário
Introdução ................................................................................................................... 5
Tematização ................................................................................................................ 8
A Dança ................................................................................................................... 8
A Gestalt Terapia ................................................................................................... 11
A Awareness .......................................................................................................... 13
Objetivo ..................................................................................................................... 15
Metodologia ............................................................................................................... 15
Apresentação dos Depoimentos ............................................................................... 17
Considerações Finais ................................................................................................ 25
Referência Bibliográfica ............................................................................................ 27
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Introdução
A dança da vida: uma dança com e no mundo, com os outros
seres com os quais convivemos, dança esta cujos passos,
compassos, ritmos e formas são os movimentos dos contatos que
estabelecemos ao estarmos constantemente interagindo com o
mundo. (Ciornai apud Silveira e Peixoto, 2012)
O presente trabalho desenvolveu-se a partir da minha relação com a dança.
Desde muito cedo fui estimulada a entrar em contato com a música e também com a
dança, minha mãe me fala que sempre gostou de ouvir músicas e que aproveitava
os finais de semana para fazer algumas tarefas em casa, ouvir músicas e cantar,
pelo que ela me fala, também fez isso quando estava grávida. Recordo-me que, por
volta dos meus quatro anos, eu ouvia músicas junto com os adultos, eles me
balançavam,
cantavam,
eu
gostava,
achava
muito
divertido.
Minhas
tias
costumavam sair para dançar, elas se maquiavam, se arrumavam, se perfumavam e
saiam, eu acompanhava toda a preparação, participando de alguma forma também,
fazendo perguntas, observando, pedindo para me maquiarem, insistindo para que
me levassem, eu imaginava como seria o clube, o baile, as danças e o quanto
gostaria de participar disso.
Recordo-me de um brinquedo que se chamava “Meu primeiro gradiente” que
vinha com um microfone, algumas músicas em playback, passava horas brincando
com
os
meus
primos
e
amigos,
cantávamos,
dançávamos,
pulávamos,
inventávamos músicas, rimas, danças, acessávamos um mundo de fantasias onde
tudo era possível e divertido, quando nos encontrávamos o tempo passava muito
rápido. Aos seis anos tive contato com a dança por meio das aulas de ballet, lá a
dança era percebida de forma mais séria, com disciplina, gostava da preparação,
das roupas de ballet, mas não me recordo das aulas em si, me lembro dos
movimentos nas barras. Depois dessa época acabei saindo do ballet e me
interessando mais pela música, fiz aulas de piano, tentei tocar violão, participei de
um coral infantil na escola em que me encantei ainda mais pela música. Nessa
época tinha uma amiga que fazia sapateado e aulas de teclado, nós nos
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encontrávamos e ela me ensinava alguns passos do sapateado, tocávamos teclado,
cada uma mostrava para a outra aquilo que aprendera nas aulas. Logo em seguida
comecei a me interessar mais pelos esportes em equipe, comecei a treinar vôlei, na
adolescência houve um desejo da minha parte para dar mais atenção à dança, mas
acabei dando prioridade a outras atividades.
Naquela época a dança tinha sentido e espaço nos momentos de lazer, nos
encontros com os amigos, parentes, nas festas, confraternizações e em momentos
de descontração, percebia que ela promovia algo muito envolvente e espontâneo em
mim e que facilitava a interação entre as pessoas, o contato, a leveza e a fluidez.
Parece que a dança e a música eram uma ponte, para acessar certa descontração
ou um jeito mais despojado e despreocupado de estar na vida. Já me despertava
curiosidade, interesse, mas ainda de forma muito tímida. Na época do ensino médio
tinha alguns colegas que faziam aula de dança, eu sentia vontade de fazer, mas
acabava priorizando outras atividades, achando que talvez não fosse momento.
Então em alguns finais de semana eu acabava fazendo um ajustamento criativo,
onde encontrava amigos para conversar, cantar, tocar violão e muitas vezes dançar,
me recordo que tudo era motivo pra fazer alguma festa em casa e chamar pessoas
para participarem, lá colocávamos as músicas e os gêneros musicais que
gostávamos, conversávamos, dançávamos, fantasiávamos situações, dávamos
vazão aos sentimentos, sensações, risos, choros, melancolia, alegria, euforia, etc.
Já no início da fase adulta senti que era momento de dar atenção a esse
aspecto, me permitindo experimentar a dança de outra forma. Acabei me
relacionando com uma pessoa que dançava e acredito que isso facilitou e ampliou
as possibilidades de exploração. Comecei a frequentar mais lugares de dança,
conhecer pessoas desse universo, aprender outros ritmos e percebi que tinha certa
facilidade. Cheguei a fazer aula de dança de salão, mas na época eu trabalhava o
dia todo e estudava a noite, com isso o tempo era muito restrito e eu fazia as aulas
de dança nos horários livres que eu tinha da faculdade. Acabei não dando
continuidade, alguns imprevistos surgiram e a dificuldade em administrar as aulas de
dança com a faculdade, o trabalho e as outras tarefas apareceram, tornando
evidente que eu não conseguiria dar conta de tudo isso.
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Depois da graduação em psicologia continuei saindo para dançar. Nesse
período, me foquei na área clínica, atendi durante alguns anos uma pessoa que se
beneficiou da dança para lidar com as dificuldades que encontrava em seu cotidiano,
percebi que, em seu processo terapêutico, a dança facilitou que ela entrasse em
contato consigo mesma e lidasse de forma mais criativa com algumas questões. Isso
também mobilizou em mim algum interesse por retomar a dança, dando a devida
atenção que há algum tempo eu gostaria de ter dado.
Com isso, depois de algum tempo retornei à dança de salão, mas nesse
período retomei como possibilidade de lazer e também por perceber que quando eu
dançava me sentia mais presente, não pensava em mais nada além dos
movimentos e da dança em si, eu sentia apenas, não me preocupava com nada
além daquilo que eu estava fazendo, isso me chamou muita atenção e evocou um
maior interesse, nesse período minhas amizades se ampliaram, conheci pessoas
que se reuniam para dançar, para treinar aquilo que era aprendido, para conversar e
aos poucos fui me envolvendo cada vez mais.
Percebi que houve um encantamento pela dança, encantamento este que se
fez presente em minha vida na infância e em alguns momentos do meu
desenvolvimento. Encantamento que também aconteceu quando comecei a estudar
fenomenologia existencial, quando tive contato com a Gestalt Terapia, a partir de um
curso sobre sonhos nesse enfoque.
Nesse sentido, o presente trabalho busca compreender a dança como
possibilidade de criação e transformação na vida das pessoas, considerando o modo
de cada pessoa se relacionar com seu corpo, com seu movimento corporal, com a
arte, com a criatividade. Observando o contato consigo mesmo por meio desse
universo, uma das alternativas de exploração e análise pode ser perceber a dança
como possibilidade de facilitar o contato espontâneo, fluido, que envolve sensações,
movimentos e acesso do potencial criativo, improvisação e ampliação da percepção.
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Tematização
A Dança
Garaudy (1980) recorda que a dança esteve presente nos momentos mais
importantes da existência humana, na guerra, na paz, na vida, no amor, na morte,
nas festas, no trabalho, nos funerais, na semeadura, na colheita, nas magias e nas
religiões. Nesse sentido, ele fala que a dança pode não ser percebida apenas como
arte e sim como um modo de viver. Vianna (2005) também afirma isso ao dizer que a
dança vai além de um modo de manifestar-se por meio do movimento, sendo um
modo de existir. Declara que se a dança é uma maneira de existir, então cada um de
nós tem a sua dança e o seu movimento natural, único e diferenciado e só a partir
daí que isso pode se desenvolver para uma forma de expressão individual que pode
ser compreendida pela coletividade humana.
Segundo Ferreira (1999) a dança pode ser definida como a arte de dançar;
passos cadenciados, geralmente ao som e compasso de música. Esta concepção de
dança um tanto reducionista e descritiva tem influência histórica. Rengel e
Langendonck (2006) recordam que a dança surgiu há muitos milênios, a partir da
linguagem dos gestos e dos movimentos de nossos antepassados. As danças
antigas estavam ligadas a união cósmica, ao universo. Dessa forma, a dança ajudou
o homem a desenvolver sua expressão e seu conhecimento da natureza, da cultura,
da divindade e das questões religiosas. Na cultura grega a dança era praticada por
todos, estava presente nos ritos religiosos, nas comemorações, no treinamento
militar, na educação das crianças e no cotidiano. Sócrates (470-399 a.C.), Platão
(428-347 a.C.) e Homero (séc.IX-séc.VIII a.C.) acreditavam que a dança trazia
agilidade, sabedoria e beleza, formando parte da educação dos cidadãos.
Porém na Idade Média houve uma proibição da igreja a qualquer
manifestação corporal, associando assim a dança ao pecado. Depois de algum
tempo a dança ressurgiu nas procissões que se iniciavam na igreja e terminavam
nas ruas. Gradualmente a dança transformou-se numa distração popular e em torno
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do século XII estava presente nos castelos e nas festas da nobreza (Rengel e
Langendonck, 2006).
De acordo com Lima e Neto (2011) a dança vai além de simplesmente
movimentar-se. Promove inúmeras possibilidades de contato com o mundo em uma
linguagem ímpar evocando interação, comunicação, movimento corporal e atuação
física no ambiente. Traz a chance de criar, algo semelhante ao trabalho
psicoterapêutico. Para Garaudy (1980) é realização da comunidade viva dos
homens. Desde a origem das sociedades, por meio das danças e dos cantos, o
homem se confirma como integrante da comunidade que o transcende. A dança não
conta uma história, revelada pela linguagem, mas expressa transcendência.
Segundo Vianna (2005) é um ato prazeroso, vital, e só deixa de ser prazerosa e viva
no momento em que a dança passa a se tornar ginástica, exercício, competição de
força e ego. Na dança não se diz, mas se é presença, Garaudy (1980) explicita isso
ao declarar que se tivesse que explicar a dança, então simplesmente não dançaria.
Dançar é vivenciar e exprimir, com máximo de
intensidade, a relação do homem com a natureza, com a
sociedade, com o futuro e com seus deuses. Dançar é, antes
de tudo, estabelecer uma relação ativa entre homem e a
natureza, é participar do movimento cósmico e do domínio
sobre ele. (Garaudy, 1980, p.14).
A dança por meio da música pode revelar diferentes aspectos de contato,
desde os passos marcados a algo mais espontâneo e solto. Revela em seus
movimentos como aquilo toca ou mobiliza, podendo ser um facilitador para estar no
aqui-agora, ampliando, assim, percepções e facilitando a aware. Pode ser
considerada um excelente recurso terapêutico, trabalha com o corpo, a
corporeidade, expressão, comunicação, mostrando os limites ou as fronteiras de
contato, a coordenação motora, sentimento, pensamento, e pode ser um
instrumento facilitador do potencial criativo, além de oferecer condicionamento físico,
facilitar a interação social e ser um modo de lazer. É movimento, linguagem não
verbal que trabalha com a percepção, com processos intuitivos, espontaneidade e a
maneira singular de cada pessoa se mostrar na sutileza dos seus movimentos.
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Estar aware de nosso corpo, em termos das coisas que
sabemos e fazemos, é sentir-se vivo. Essa awareness é uma
parte essencial de nossa existência como pessoas ativas e
sensuais. (Polanyi, apud Polster e Polster, 2001, p.213)
Garaudy (1980) cita que Isadora Duncan, bailarina, considerada a mãe da
dança moderna, considerava a dança não apenas como arte, autorizando a
expressão em movimento, mas como alicerce de toda uma percepção de vida mais
flexível, harmoniosa e natural. Indo além da definição da dança como uma união de
passos mais ou menos aleatórios caracterizados por exercícios técnicos e
percebendo-os como meio e não um fim, constituindo assim uma arte. Vianna (2005)
também a cita como uma pessoa criativa, que não era indiferente ao mundo que
vivia, usava, trabalhava e estimulava as emoções por meio dos cinco sentidos, com
atividades simples como olhar o mar, caminhar descalço ou ouvir os sons do
cotidiano.
De acordo com Neves (2008, p. 128), é possível afirmar que, por meio dos
movimentos nos tornamos mais conscientes de nós mesmos, do nosso corpo e dos
estados internos que expressamos ao nos movermos. Vianna (2005) comenta que
os movimentos manifestam-se a partir das emoções particulares de cada pessoa,
convertendo-se em arte quando encontram uma linguagem universal. Assim, o
trabalho corporal se torna terapêutico na medida em que relaciona o corpo
diretamente à nossa existência mais profunda.
Em geral, mantemos o corpo adormecido. Somos
criados dentro de certos padrões e ficamos acomodados
naquilo. Por isso é preciso desestruturar o corpo, sem essa
desestruturação não surge nada de novo [...] para acordar o
corpo é preciso desestruturar, fazer que a pessoa sinta e
descubra a existência desse corpo [...] tudo no corpo, na vida,
na arte, é uma troca. (Vianna, 2005, p.80)
Segundo Saraiva-Kunz (2003 apud MARQUES et al., 2013) é na junção
imediata com a dança, na experiência vivida e apenas dançantemente que as
pessoas constroem seus sentidos e significados, nesse momento suspendem
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julgamentos, crenças, reflexões e interpretações, dessa maneira se envolvem em
sua própria relação, de forma espontânea e total.
A Gestalt Terapia
Isso também acontece na Gestalt Terapia, a qual considera que o contato
gera naturalmente mudanças, por existir troca, encontro. Ginger e Ginger (1995)
mostram a importância de se experimentar o que acontece, contatando ou entrando
em uma sensação ou sentimento, assim considera-se essencial escutar o corpo e
não reduzi-lo ao silêncio. Perls (1977), precursor da Gestalt Terapia, fala que o
objetivo da terapia é aproximar-se dos seus sentidos, estimulá-los, entrando em
contato com o mundo, em oposição a estar apenas em contato com as fantasias,
preconceitos e apreensões. A Gestalt Terapia estimula a conhecer-se melhor, a
aceitar-se tal como se é, sem buscar se adaptar a um modelo de referência
idealizado ou estabelecido pelo indivíduo ou pela sociedade (Ginger e Ginger, 1995).
Encoraja, na relação terapêutica, a ampliação de fronteiras e a experimentar novos
comportamentos (Zinker, 2007).
Essa abordagem tem diversas influências, entre elas, o Humanismo, o
Existencialismo, a Fenomenologia, a Psicologia da Gestalt, a Teoria de Campo, a
Teoria Organísmica Holística e o Zen Budismo. Ginger e Ginger (1995) relembram
que uma delas é a fenomenologia, a qual busca compreender e não
necessariamente explicar o que é vivido, atenta-se para a vivência imediata, única,
tal como é percebida. Estimula a tomada de consciência corporal e do tempo vivido
e considera as particularidades de cada ser humano, entendendo que cada pessoa
tem sua percepção do mundo e do que a rodeia, atribuindo-lhe um sentido, diferente
para cada um. Merleau-Ponty (2006) fala que nossa relação com o mundo e com os
outros acontece por meio do corpo e que a noção fenomenológica é mediada pela
percepção, envolvendo a consciência pré-reflexiva, mostra que antes de toda
concepção filosófica ou científica e até mesmo antes do conhecimento, o homem é
ser-no-mundo.
Outra influência no olhar gestáltico é o existencialismo, o qual considera a
singularidade de cada existência, atentando-se a forma como o homem a
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experimenta, como vive, como a assume, de forma espontânea. Além disso,
considera-se também a responsabilidade de cada um na construção de sua
existência e o que cada pessoa faz com sua relativa liberdade.
Conforme May (1997 apud Silveira; Peixoto, 2012) há
liberdade e coragem para ultrapassar fronteiras e quebrar
antigos padrões em direção à novidade. Sem os atributos de
coragem, liberdade, espontaneidade e integração, a pessoa
encontra impedimentos ao uso de seus processos criativos, e
não consegue promover mudanças.
Nesse sentido a terapia pode levar a um processo de mudança na percepção,
na consciência, no comportamento. Zinker (2007) declara que a psicoterapia e a
criatividade se entrelaçam evocando transformação, metamorfose e mudança. No
processo de criar, a pessoa além de ilustrar e inspirar sua vida interior também
trabalha sua expressividade pessoal para fazer algo que se sustente por si. Além
disso, qualquer relacionamento entre duas pessoas pode se tornar uma criação
quando o contato entre elas é fluido e há transformação recíproca.
Zinker (2007) fala que a criatividade é estar disposto a
arriscar-se ao ridículo e ao fracasso para experienciar este dia
como uma novidade, como algo inédito. A pessoa que ousa
criar, romper limites, não apenas participa de um milagre como
também percebe que, em seu processo de ser, ela é um
milagre.
Os princípios da Gestalt-terapia trabalham com a ideia de que estamos
inseridos em um campo, e envolvidos em uma relação de intersubjetividade. Dessa
forma o meu mundo próprio poderá se organizar de diferentes formas, a partir de
pequenas mudanças que possam ocorrer. Assim, por mais que eu me mantenha
num lugar conhecido, com pessoas conhecidas, sempre algo novo poderá emergir
neste mundo do qual faço parte. E isso gera novos sentidos, novas configurações
(Silveira e Peixoto, 2012). Enfatiza a tomada de consciência da experiência atual,
do aqui e agora, incluindo as vivências anteriores e busca reabilitar a percepção
emocional e corporal, desenvolvendo um olhar unificador do ser humano, por
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integrar os aspectos sensoriais, afetivos, intelectuais, sociais e espirituais (Zinker,
2007).
Em psicoterapia procuramos a instigação de situações
inacabadas na situação atual, e, por meio da experimentação
atual com novas atitudes e novos materiais da experiência do
dia-a-dia concreto, visamos uma integração melhor (Perls,
Hefferline e Goodman, 1997).
A Awareness
Na Gestalt Terapia um dos conceitos fundamentais é promover ou
desenvolver a awareness, a qual pode ser traduzida como tomada de consciência
global, desenvolvendo assim, a capacidade de se perceber e perceber o ambiente
no momento presente, aguçando a sensibilidade ou percepção pessoal, corporal e
emocional, interior e ambiental (Ginger e Ginger, 1995). Segundo Perls, Hefferline e
Goodman (1997) a awareness caracteriza-se pelo contato, pelo processo contínuo
de transformação e crescimento na interação com o meio, pelo sentir, considerando
a sensação e percepção.
Para Yontef (1998) a awareness é apreensão, com todas as possibilidades de
nossos sentidos, é uma forma de experienciar o mundo dos fenômenos dentro e fora
de nós. Esta forma de captar se dá no presente, no aqui-agora. Mesmo quando
lembramos de algo do passado, o ato de lembrar se dá no presente. É o processo
de estar em contato vigilante com o evento de maior importância no campo
indivíduo/meio, com total suporte sensório-motor, emocional, cognitivo e energético.
Para que haja a awareness é necessário haver contato, embora possa existir
contato sem que haja awareness, em outras palavras o contato pode acontecer sem
existir transformação, pode se dar de forma distraída, desatenta ou despercebida. É
através do contato que a relação com o mundo pode ser nutritiva, pode ser
transformadora. Ele é o responsável pelas mudanças da pessoa e das experiências
que ela tem do mundo. Além disso, momentos de awareness e de expressão podem
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mobilizar sentimentos de presença e de inteireza, clareza da percepção e vibração
da experiência (Polster e Polster, 2001, p.102).
Contato é “achar e fazer” a solução vindoura: A
preocupação é sentida por um problema atual, e o excitamento
cresce em direção à solução vindoura, mas ainda desconhecida.
O assimilar da novidade se dá no momento atual à medida que
este se transforma no futuro. Seu resultado nunca é um mero
agregamento de situações inacabadas do organismo, mas uma
configuração que contém material novo do ambiente. É,
portanto, diferente do que poderia ser relembrado, assim como a
obra de um artista torna-se nova e impredizível para ele à
medida que manuseia o meio material (Perls, Hefferline e
Goodman, 1997, p. 48)
A awareness, segundo Perls, Hefferline e Goodman (1997) pode ser
entendida como um movimento de abertura para possibilidades, caracteriza-se pelo
contato, pelo sentir, pelo excitamento e pela formação de gestalten, as quais são
consideradas gestalten inacabadas ou situações inacabadas que pedem por um
fechamento, clamam por atenção e interfere na formação de qualquer gestalt nova.
A sensação e o movimento são atividades que emergem sempre e onde quer que o
organismo encontre situações novas, não são respostas mecânicas.
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Objetivo
A Gestalt Terapia trabalha com espontaneidade, criatividade, potencial
criativo, percepção, com o momento presente e estimula a awareness. Nesse
sentido o objetivo desse trabalho é analisar se a dança possui relação com a Gestalt
Terapia, podendo, assim, ser percebida como um meio para viabilizar ou estimular a
awareness, examinando se a dança pode ser percebida como possibilidade de
ampliação da percepção.
Metodologia
A metodologia deste trabalho visa articular a awareness à dança elaborando
assim, alguma compreensão acerca desse tema. Para isso, realizaram-se
entrevistas numa academia de dança, do interior do estado de São Paulo, com
quatro pessoas, sendo três alunos de dança ou dançantes e um professor.
A entrevista foi acompanhada por três questões abertas:
 O que te levou a dança?
 Como você se sente dançando?
 De que maneira a dança te afeta?
As perguntas foram elaboradas, a fim de propiciar uma abertura à maneira
como a pessoa se percebe, considerando seu percurso também com a dança, suas
sensações, percepções e desdobramentos possíveis. Na narrativa, a pessoa pôde
entrar em contato consigo mesma, colocando a experiência em fluxo por meio da
linguagem. Assim a pessoa pôde resgatar, em sua história, a compreensão do
vivido. As entrevistas foram analisadas à luz da compreensão fenomenológica.
Nesse sentido, a interpretação fenomenológica considera que um ponto de
vista é apenas uma percepção, uma perspectiva entre outras. E é como uma
perspectiva relativa e provisória que a fenomenologia se autocompreende. As
coisas, como são e o que são, não estão consumadas em sua conceituação, mas se
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revelam nos modos de lidar com elas, envolve uma trama de significados que os
homens vão tecendo. (Critelli, 1996)
Cada participante foi informado sobre o tema da pesquisa, assinou o Termo
de Consentimento, no início da conversa foi pedido autorização para que a
entrevista fosse gravada. Depois de colhidos as entrevistas, o material foi transcrito.
E posteriormente analisado sob o olhar fenomenológico.
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Apresentação dos Depoimentos
“Que aconteceria se, em vez de apenas construirmos nossa vida, tivéssemos a
loucura ou a sabedoria de dançá-la?” (Garaudy, 1980)
T. 53 anos, sexo feminino
O que te levou a dança?
Na realidade eu sempre gostei de dançar, minha mãe fala que desde
pequenininha, eu usava fraldas ainda e ficava na frente da televisão dançando,
olhando as pessoas dançando na televisão e tentando imitar...fui levando esse gosto
pela dança até a adolescência. Sempre quis fazer ballet, mas minha mãe não tinha
dinheiro para me colocar no ballet. Aos 15 anos eu comecei a namorar meu marido
e ele odeia dançar, detesta. E eu naquela empolgação de namorar, noivar e casar,
comecei a deixar meu gosto de lado e naquela época também não tinha dança de
salão...esqueci do meu hobby, da minha paixão. Aí depois que eu casei, que eu
tinha uma condição financeira melhor, nós dois trabalhávamos, não tínhamos filhos,
eu comecei a fazer jazz, que era uma dança que eu podia fazer sozinha e não
precisava que ele fosse comigo...me apaixonei! Aos 28 anos eu engravidei da minha
primeira filha, então a médica me orientou a cuidar da gravidez, da minha bebê e eu
parei de dançar. Quando ela nasceu, logo em seguida veio o segundo filho. E
novamente esqueci da minha paixão. Quando ela fez 18 anos ela entrou na
academia de dança como bolsista e insistiu para que eu fosse, mas eu tinha
vergonha, pensava que eu era velha para isso e minha filha disse que estava cheio
de mulheres da minha idade lá...eu vim porque ela me trouxe...a timidez era grande
demais, se eu fosse esperar ir sozinha sem alguém me puxando eu não viria mais,
eu acho que eu esqueceria mesmo o gosto pela dança...fiz algumas amizades
apesar da minha timidez. Minha filha passou na faculdade e acabou indo morar em
outra cidade e eu fiquei na escola de dança, fui me entrosando com a turma e fui
ficando, estou aqui faz seis anos. Falo que ela me tirou da dança porque eu
engravidei dela e tive que parar e ela me recolocou, 18 anos depois.
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Como você se sente quando está dançando?
Falo que a dança é um vício, um vício gostoso...comecei a fazer uma aula e
depois outra, outros dias, quando percebi já estava vindo a semana inteira,
querendo sempre mais. Eu amo dançar, eu me sinto muito bem, fico triste de pensar
que um dia meu corpo não vai aguentar mais e eu vou ter que parar, mas acho que
é o único horário para eu relaxar, não pensar em problemas, só rir e me divertir, eu
amor dançar!
De que forma a dança afeta a sua vida?
A dança mudou muito a minha vida, eu era bem tímida, muito tímida, nos
meus primeiros empregos e trabalhos. Aos 16 anos de idade eu era taxada como a
chata, eu não era chata, é que eu entrava assim e não falava com ninguém...nem
olhava do lado... eu morria de vergonha. E quando eu comecei a dançar foi a
mesma coisa, queria vir, mas tinha vergonha. Depois que eu vim, eu vinha uma vez
por semana e eu ia embora. Quando comecei a sair pra dançar e eu me escondia na
mesa lá do fundo, se os meninos viessem me tirar para dançar eu tremia de medo e
aos poucos eu fui me soltando, hoje eu nem me imagino sentando lá no fundo. Às
vezes, eu me olho e falo “o que eu estou fazendo aqui, tenho idade para ser mãe
dessa moçada”, mas mesmo assim não consigo sair de lá e eles não me veem como
mãe. Me sinto muito bem e acho que mudou muito essa questão do desembaraçar,
de perder a timidez, de entrar no meio da galera, de não querer mais me esconder,
de chegar e falar bom dia, boa tarde para pessoa que você nunca viu. Eu jamais, se
nunca vi não falava bom dia, eu pensava: se não conheço porque vou falar. Hoje eu
vejo a diferença de chegar e dar um sorriso mesmo ao passar na rua. Mudou
bastante o comportamento, a visão de pessoa, relacionamento, desinibição, mudou
tudo.
Análise Fenomenológica
T. na primeira questão mostra que desde muito cedo se sentia interessada
pela dança, porém por conta de algumas dificuldades financeiras e pelo seu
envolvimento com outras atividades acabou não priorizando isso em sua vida.
Quando teve oportunidade retomou essa atividade que tanto gosta, mas de tempos
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em tempos isso ficava em segundo plano. Sua escolha de ter filhos facilitou a
interrupção de seu projeto com a dança, mas depois de algum tempo sua filha
contribuiu para que esse reencontro acontecesse. Pode-se imaginar que seu desejo,
sua vontade e interesse pela dança, além da validação dada pela filha, a encorajou
a retomar a dança.
T. fala que se sente muito bem quando está dançando, parece ser um
momento único, em que se solta e permanece no aqui agora, sem pensar em suas
“pré”ocupações.
Em seu discurso, T. sinaliza seu modo de estar na vida cotidiana: inicialmente
tímida, sendo percebida muitas vezes como chata, com vergonha e dificuldade para
se expor e aceitar-se do jeito que era, sentindo-se embaraçada consigo mesma.
Nesse sentido ela coloca a dança como facilitadora para uma transformação interna.
Ao entrar em contato com a dança pôde se lançar mais, a ponto de não querer se
esconder, estando mais a vontade consigo e com os outros.
S. 35 anos, sexo feminino
O que te levou a dança?
Eu fiz muitos anos de ballet clássico, desde pequenininha minha mãe me
estimulou, fiz ballet, jazz, sapateado e depois veio aquela crise da adolescência que
eu quis parar, mas minha mãe me disse que não me deixaria parar que um dia eu
ainda iria agradecê-la. Com isso eu continuei, entrei na faculdade e sempre fui muito
ligada a dança, eu sempre gostei de ver, porque eu gosto de movimento, é uma
coisa que mexe com o humor, mexe com tudo, com o sentir-se livre, com o
movimentar-se, é um fato externo que vai diretamente no seu interno. Você faz
aquilo por prazer, ninguém dança por obrigação. Às vezes, você trabalha por
obrigação, faz muitas coisas no dia por obrigação, eu só vou dançar por prazer.
Acho que é essa coisa de fora que vai pra dentro e que modifica, onde eu me sinto
bem. Acho que quem dança é mais feliz, porque você não vai dançar porque tem
que dançar, eu vou e dou risadas, me divirto, faço uma atividade física, então é por
puro bem estar físico e emocional.
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Como você se sente quando está dançando?
Me sinto muito bem apesar das dificuldades e dos desafios dos passos, dos
movimentos, me sinto bem, feliz e completa...quando fiz faculdade eu sempre torcia
pra que tivesse algo com música, quando tocava uma música eu estava sempre
batendo ou fazendo passos de sapateado ou dançando. Qualquer coisa que eu tinha
que estudar eu fazia uma musiquinha. Sempre a música, o movimento pra mim
sempre fez parte do que fiz e do que faço.
De que forma a dança afeta a sua vida?
Acho que a dança afeta minha vida de forma muito positiva, hoje, por
exemplo, foi um dia super pesado, foi chato, eu estava de mal humor...na aula de
dança eu dou risadas, extravaso, me movimento, me tira daquela zona, faz me sentir
bem, dependendo do dia que eu tive penso que preciso dançar pra mudar isso, o dia
ainda pode mudar, mesmo estando no final do dia ele ainda pode melhorar. Às
vezes, dá uma preguiça de sair de casa, às vezes a aula é muito tarde, mas se você
vem no dia você fica mais completo, mais realizado, fica bem com você mesmo, pela
atividade física você está se movimentando, você tem um cansaço gostoso. Não é
aquela coisa de dor de academia... quando você vê você tá cansado, tá até suada e
nem sentiu esse cansaço, fica tranquilo, fica leve.
Análise Fenomenológica
S. fala que sua família, principalmente sua mãe, contribuiu para que ela
desenvolvesse uma relação mais íntima com a dança, pelos estímulos que teve
desde sua infância. Reconhece que a dança trabalha suas sensações, mexe com
seu humor, com sua liberdade, movimentar-se parece encantá-la. Relaciona a dança
ao prazer, a escolha, a liberdade e ao querer.
Quando dança parece ter uma sensação de plenitude, sentindo-se completa
ou talvez inteira. Movimentar-se na dança, oferece a possibilidade de trabalhar sua
liberdade, atribuindo sentidos diversos ao que foi vivido e ao que está sendo
escolhido e vivido naquele momento, dando-lhe a sensação de que o dia ainda pode
melhorar e de que a vida não está pronta ou findada a uma única possibilidade,
afirmando o vir-a-ser do existir,
sensações surgirem.
oferecendo-lhe certa leveza e abertura para as
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A.L. 33 anos, sexo masculino
O que te levou a dança?
Sou muito ligado a música desde pequeno. Eu tocava. Me mudei para o
interior onde tinha aquelas bandas da cidade e pra fazer parte da galera eu me enfiei
na banda... a música mexe comigo até hoje, escutar música é uma coisa que me
leva. Depois dessa banda eu fiz teatro, depois do teatro eu tive que dançar, lá você
tem que atuar e algumas vezes tinha que dançar. Depois do teatro eu fui trabalhar
em navio. No navio eu tinha que dar aula de dança, dançar axé, forró, ensinar as
pessoas a dançar porque era a minha função. Então eu comecei a dançar na época
da faculdade passinhos de axé... No teatro era profissional, eu tive que dançar e eu
aprendi e fiz o que teve que ser feito e no navio foi trabalho. Só que no navio eu
descobri que quando eu danço minha cabeça fica vazia, por mais que eu esteja
pensando um milhão de coisas, quando eu começo a dançar parece que o momento
é aquele, então eu tenho que dançar. E hoje eu adoro dançar...o que me levou a
dança foi essa coisa da música que me motiva, sempre tô escutando alguma coisa,
nunca fico em silêncio em casa, sempre to escutando música, me relaxa, me acalma
e dançar é algo que eu descobri depois de grande já. Parece que quando danço a
cabeça esvazia e não tenho mais problema, não tenho mais dor. Eu danço por
dançar, se eu sei eu danço, se eu não sei eu danço também. Eu acho que a
expressão da dança, você se permitir dançar é uma coisa leve, muito gostosa...eu
particularmente gosto muito de chegar num lugar com todo mundo dançando e me
sentir livre pra dançar também. Então o que me motivou foi essa questão musical
que trago desde pequeno, mas eu descobri que me esvazia a cabeça, eu fico sem
problemas, a aula de dança é uma delícia, é um desafio, é movimento ritmado.
Como você se sente quando está dançando?
Me sinto livre, sinto que os problemas acabam, uma sensação de liberdade,
de eu poder me expressar do jeito que eu quero, fazendo palhaçada, dançando
sério, é libertador...a gente fica tão duro, tão tenso, com tanta dor...que quando você
consegue relaxar vem para o alongamento da dança, aí você dança, pisa, dá risada,
então é um bem estar que traz que acho ótimo. Tira da rotina e isso é muito bom.
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De que forma a dança afeta a sua vida?
Afeta de forma bem positiva, hoje, por exemplo, meu dia foi atípico, tive que
fazer coisas que não costumo fazer e às vezes dá certo, às vezes dá errado...então
mil coisas acontecendo ao mesmo tempo, a cabeça fica cheia o dia inteiro...e
quando danço parece que dá uma...então foi uma hora que não pensei na mudança,
não pensei nos telefonemas que tenho que dar, que não pensei nas contas pra
pagar, nas preocupações, então é uma forma de liberdade...nem pensei nisso em
uma hora podia ser mais, mas infelizmente a cabeça não pára, você tem um monte
de responsabilidades e você tem que fazer, então é uma forma de limpar a cabeça e
mesmo depois de dançar parece que você deu uma relaxada. Penso que é uma
forma de via de escape, no teatro a gente tinha um negócio de jogar a energia e na
dança é a mesma coisa só que de uma forma mais tranquila, você se deixa e a
energia vai rodando e você troca energia com quem tá na sala. Isso vai te
renovando, vai mexendo com você de forma positiva, me sinto mais leve, acaba
sendo terapêutico, a gente conversa, dá risadas, fala sobre os problemas.
Análise Fenomenológica
A.L. percebe que a música contribuiu para aproximá-lo da dança, teve contato
com o teatro, em seu contexto de trabalho e por meio dos estudos acabou
acessando essa via de expressão, sente que quando dança sua cabeça permanece
no presente, fala que sua cabeça fica vazia nesses momentos. E desenvolveu essa
relação com a dança já na fase adulta.
A dança facilita sua expressão, oferece mais leveza e trabalha com sua
sensação de liberdade, com seu corpo, oferecendo-lhe a permissão de expressar-se
do jeito que ele quer, da forma como quiser, saindo do habitual, da rotina, deixando
de lado os “tem quês” ou os “deverias”, as obrigações. Permitindo-se liberar tensões,
movimentando-se e se deixando estar de outro modo, em que a leveza, o estado de
presença, a tranquilidade e o relaxamento aparecem de forma mais nítida. Sente
que renova suas energias e que a troca com as pessoas e com aquele ambiente
acaba sendo terapêutica em sua vida.
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F., 26 anos, sexo masculino
O que te levou a dança?
Quando eu estudava no ensino médio participei de um festival de dança, nós
ensaiávamos durante as aulas, assim foi meu primeiro contato com a dança. Só que
eu não fiz aula de dança de salão. Quando eu entrei na faculdade de educação
física, tinha aula de dança de salão, eu fiz, mas não foi nada aprofundado. Na dança
de salão eu entrei por acaso, meus pais que vieram procurar aula...soube que podia
entrar como bolsista, não pagando nada... entrei pra fazer várias aulas, faz nove
anos... Iniciei o curso de educação física, mas depois resolvi fazer administração...
Hoje tenho o DRT para dar aulas de dança...
Como você se sente quando está dançando?
Me sinto feliz, a dança eu sempre achei que me completa, é um momento em
que eu esqueço do mundo e tô ali, estou presente ali, sentindo a música. Quando eu
quero realmente dançar, não quero só conversar, quero sentir, a dança de salão é
isso, é uma conexão entre duas pessoas. Diferente da dança solta, fiz aula de dança
contemporânea no ano passado, é uma delícia você se sentir livre, mas a conexão e
a comunicação com outra pessoa é mais difícil e eu sempre falo que é uma
conversa que existe... é um diálogo entre dois corpos, um diálogo sem palavras, é o
corpo falando... Traz essa concentração pra dançar e pra sentir o momento... se
comunicar através do corpo. E isso traz uma paz, uma felicidade que não tem igual.
A dança hoje pra mim...faz muita diferença, faz falta pra mim.
De que forma a dança afeta a sua vida?
Afeta meus relacionamentos, muitas mulheres não entendem que a dança é
uma dança, que não é um flerte...então isso é uma coisa que me afeta muito. Já tive
relacionamentos em que não deu pra continuar por causa disso ou relacionamentos
em que eu me afastei da dança e depois desse eu percebi que a dança é mais que
isso pra mim, ainda mais com a minha profissão, eu não posso deixar isso me afetar.
Também já tive um relacionamento em que a pessoa foi super tranquila comigo, me
entendia super bem... Percebo que a dança está muito presente na minha vida, sei
que não é uma área fácil...
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Análise Fenomenológica
F. parece ter acessado a dança a partir das oportunidades que surgiram
quando era adolescente, pelo seu discurso, parece-me que foi levado, pelos outros e
por algumas situações, a dançar e a partir do seu contato com a dança acabou se
percebendo sensível a isso, ou talvez, se sentindo afetado pela dança, pelo
movimento, pela conexão e troca que existe com as pessoas e ambiente, estando
presente e concentrado, permitindo-se comunicar-se por meio da dança,
expressando-se por meio dela. Percebe que a dança ocupa um papel central em sua
vida a ponto de afetar seus relacionamentos amorosos, reconhece que dependendo
da relação que se estabelece pode se sentir compreendido e a vontade com seu
trabalho ou podado ou pode se sentir julgado ou incompreendido.
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Considerações Finais
“Eu acreditaria somente num Deus que soubesse dançar”. (Nietzsche, 2000)
No momento em que coletei as entrevistas, percebi, enquanto cada um falava
a respeito da sua relação com a dança, certo encantamento e carinho com este
tema, ao se revelarem. Pensei na importância desse encantamento, do interesse
genuíno, dessa espontaneidade que surgiu nas entrevistas e me percebi próxima de
cada um, podendo olhar para algo que de algum modo tocou, afetou e transformou
não só minha vida, mas a vida de outras pessoas, por meio da troca, do contato que
houve com a dança.
Baseado nos relatos das entrevistas pode-se afirmar que a dança, oferece a
possibilidade de estar ou de trabalhar o estado de presença, o aqui agora, dando
atenção às sensações, aos movimentos, a liberdade de se expressar, de se
experimentar, de transcender, de lidar com o prazer, com as escolhas, com o querer,
com a leveza, com o relaxamento, com a espontaneidade e o potencial criativo,
permitindo evocar transformações na vida de quem a pratica.
Lima e Neto (2011) afirmam que a dança vai além do movimento em si, pois
promove possibilidades de troca e contato com o mundo, interagindo, comunicando,
criando e transcendendo. F. declara isso ao falar que se percebe afetado pela
dança, pela conexão que sente que estabelece e pela troca que acontece com as
pessoas e com o ambiente.
Vianna (2005) reforça que dançar é um ato vital e prazeroso, na dança se é
presença. A.L. fala da dança como facilitadora de expressão fluida, percebe que a
leveza se faz presente e considera que a sensação de liberdade se evidencia. Ao
trabalhar com a espontaneidade, com o prazer, libera-se tensões, experimentandose de outro modo, onde o estado de presença se torna natural. Neves (2008)
também fala que nos tornamos mais conscientes de nós mesmos, por meio dos
movimentos do nosso corpo e dos estados internos que expressamos ao nos
movermos.
Saraiva – Kunz (2003 apud Marques et al., 2013) coloca que é na vivência da
dança, na experiência em si que as pessoas suspendem seus julgamentos, crenças,
reflexões e interpretações, se envolvendo assim de forma mais espontânea. T. na
26
entrevista exemplifica esse processo, ao ter consciência de que antes se percebia
muito tímida, talvez até, um tanto crítica consigo mesma e considera que a dança
facilitou sua transformação interna, a ponto de se experimentar mais a vontade
consigo e com os outros. Perls, Hefferline e Goodman (1997) salientam que a
awareness caracteriza-se pelo contato, pelo processo contínuo de transformação e
crescimento na interação com o meio. Nesse sentido a dança pode se tornar
terapêutica.
O objetivo da terapia, o objetivo do crescimento, é
perder cada vez mais sua “mente” e aproximar-se mais
dos seus sentidos. Entrar cada vez mais em contato com
o mundo, ao invés de estar apenas em contato com
fantasias, preconceitos, apreensões, etc. (Perls, 1977, p.
77).
Polster e Polster (2001) consideram que o contato é o responsável pelas
mudanças da pessoa e das experiências que ela tem do mundo. Momentos de
awareness e de expressão podem mobilizar sentimentos de presença, de inteireza,
e de vibração da experiência. S. expressou isso quando falou que na dança acessa
uma sensação de plenitude, sentindo-se completa ou inteira. Além disso, de alguma
maneira, as pessoas entrevistadas mostraram o quanto a dança pode promover ou
facilitar o processo de awareness em suas vidas.
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real de orientação fenomenológica. São Paulo: EDUC: Brasiliense, 1996. 142 p.
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http://www.psicologadaniellesp.com/

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