Composição, estrutura e fenologia da chuva de sementes
Transcrição
Composição, estrutura e fenologia da chuva de sementes
Composição, estrutura e fenologia da chuva de sementes zoocóricas em duas condições de restauração na Mata Atlântica da Serra do Paranapiacaba Danielle C T L Ramosa*, Andrezza Bellottoa, Wesley R Silvaa a Laboratório de Interações Vertebrados-Plantas, Departamento de Biologia Animal, Instituto de Biologia, UNICAMP, Rua Monteiro Lobato, 255 São Paulo, Brasil. [email protected] * Autor para a correspondência: +55 19 34782460. [email protected] Palavras chave: zoocoria, dispersão de sementes, Ribeirão Grande. Título abreviado: Chuva de sementes ABSTRACT This project aim was to compare the composition, structure and temporal dynamics of the zoochorous seed rain among sites under natural regeneration (capoeira) and induced restoration, in Fazenda Intermontes, managed by the Companhia de Cimento Ribeirão Grande (CCRG), near the municipality of Ribeirão Grande (SP), southeast Brazil. Propagules deposited in traps were monthly collected between July 2007 and June 2008. Seeds were quantified, identified and classified according to their site origin in each area (arrived from capoeira, planted or other area). Seed density and richness in planted area was bigger than in capoeira, but its diversity and evenness were smaller. Seed species composition and abundance were dissimilar between areas as well as seasonal behavior of the seed rain. Two species fluxes were noticed: from outside to study area (colonizers) and from planted area to capoeira. We conclude that: 1) frugivorous are catalyzing the restoration processes; 2) there is mobility of fauna between areas; 3) the planted area around capoeira has a positively 1 influence on its restoration; 4) tree planting and natural regeneration (capoeira) may complement each other on the restoration of degraded atlantic rain forests. RESUMO Este projeto visou comparar a composição, estrutura e dinâmica temporal da chuva de sementes dispersas por vertebrados frugívoros entre áreas em processo de regeneração natural (capoeira) e de restauração induzida por plantio de alta diversidade de espécies nativas, na Fazenda Intermontes, pertencente à Companhia de Cimento Ribeirão Grande (CCRG). Propágulos depositados em coletores sistematicamente instalados foram retirados mensalmente entre julho de 2007 e junho de 2008. As sementes foram contadas, identificadas e classificadas quanto à sua origem em cada área (provindas do plantio, da capoeira ou de outros ambientes). A densidade de sementes e riqueza no plantio foi maior do que na capoeira, mas os índices de diversidade e equidade foram menores. Os ambientes se mostraram dissimilares quanto à composição e quanto às abundâncias das espécies de sementes e diferentes quanto ao comportamento sazonal da chuva. Foram encontrados dois fluxos principais de espécies zoocóricas: de fora da área de estudo para dentro (colonizadoras) e do plantio para a capoeira. Concluiu-se que: 1) frugívoros estão catalisando os processos de restauração; 2) há mobilidade da fauna entre as áreas (inclusive a externa ao trabalho); 3) o plantio ao redor da capoeira influencia positivamente a recuperação desta; 4) plantios e regeneração natural (formação de capoeiras) podem ser métodos complementares na restauração de áreas degradadas de Mata Atlântica. 2 INTRODUÇÃO A Mata Atlântica é um expressivo exemplo de degradação pelas atividades humanas, particularmente o desmatamento para agricultura ou formação de pasto (Amelung & Diehl, 1992) e está reduzida a menos de 8% de sua área original (Turner, 1996). A dispersão de sementes é um processo chave na recuperação de ambientes florestais em áreas degradadas porque o banco de sementes e outras fontes de regeneração desses locais são normalmente ausentes devido ao cultivo agrícola, desmatamento ou incêndios (Nepstad et al., 1990). No entanto, poucas sementes são dispersas para áreas degradadas, até mesmo quando há uma matriz próxima, o que se torna o principal obstáculo para o crescimento de uma nova floresta (Nepstad et al.,1991; Holl,1999). Isso ocorre porque tipicamente há pouco incentivo à visita de frugívoros a áreas perturbadas, já que a abundância de frutos em tais áreas é normalmente baixa (da Silva et al., 1996). Além disso, frugívoros ficam mais expostos à predação em áreas abertas (Janzen et al., 1976; Wegner & Merrian, 1979; Janzen, 1990) e podem evitar habitats não-familiares (Duncan & Chapman, 2002). Plantios florestais oferecem uma grande contribuição para a restauração e a reabilitação de ecossistemas degradados, quebrando tais barreiras que dificultam a regeneração natural da vegetação nativa (Silva Junior et al., 1995; Parrotta et al., 1997). De acordo com Daniel & Jankauskis (1989), o entendimento dos processos de regeneração natural de florestas é importante para o sucesso do seu manejo, o qual necessita de informações básicas em qualquer nível de investigação. Nesse sentido, a avaliação e monitoramento dos projetos de restauração que vêm sendo implantados devem ser feitos cuidadosamente, visando fornecer subsídios e aprimorar cada vez mais os modelos de implantação de florestas com alta diversidade de espécies nativas (Reis & Kageyama, 2003). 3 OBJETIVOS Este projeto visou comparar a composição, estrutura e dinâmica temporal da chuva de sementes dispersas por vertebrados frugívoros entre áreas em processo de regeneração natural (capoeira) e de restauração induzida por plantio de alta diversidade de espécies nativas, na Fazenda Intermontes, pertencente à Companhia de Cimento Ribeirão Grande (CCRG). MATERIAL E MÉTODOS A área de estudo corresponde a 27 ha da Fazenda Intermontes (Ribeirão Grande, SP, Brasil), local este objeto de prática de restauração florestal, onde se realizou entre os anos de 2001-2002 o plantio total de mudas de espécies nativas, por meio de metodologia desenvolvida pelo Laboratório de Ecologia e Restauração Florestal (LERF - ESALQ/USP), usando conceitos de grupos de “preenchimento” e grupos de “diversidade”. Entre os locais de plantio, há manchas de capoeira, áreas de difícil acesso onde não foi possível a intervenção. Para avaliação da chuva de sementes zoocóricas foram instalados 100 coletores de sementes de 1 m x 1 m, feitos com hastes de ferro e tela de voal, posicionados a aproximadamente 60 cm do solo (Figura 1), formando um grid onde os coletores ficam eqüidistantes em 50 m. Propágulos depositados nos coletores foram retirados mensalmente entre julho de 2007 e junho de 2008. As sementes consideradas dispersas foram contadas, identificadas e classificadas quanto à sua origem em cada área (provindas do plantio, da capoeira ou de outros ambientes). 4 Figura 1 – Coletor de chuva de sementes com área de 1m² instalado em região de plantio. Dos 100 coletores instalados, 59 estavam no plantio, 29 na capoeira, 10 em uma área de fronteira entre plantio e capoeira e 2 em área de fronteira entre plantio e mata ciliar (APP). Para cada espécie de planta representada nos coletores foi calculada a abundância e a densidade média com erro padrão da chuva de sementes nas áreas amostradas. Descritores ecológicos como a riqueza (S=número de espécies na amostra), o índice de diversidade de Shannon-Wiener (H’) e o índice de equidade de Pielou (J) (BROWER & ZAR, 1984), foram empregados na comparação entre as comunidades da capoeira e do plantio. A comparação da composição florística entre os diferentes pontos de amostragem e entre os ambientes foi feita pela análise de índices de similaridade, de forma qualitativa (índice de Jaccard) e quantitativa (índice de Morisita-Horn), conforme ZAR (1984). 5 RESULTADOS E DISCUSSÃO Foi registrado um total de 34711 sementes zoocóricas dispersas, classificadas em 21 famílias e 59 morfoespécies. As famílias mais abundantes foram Melastomataceae (21398 sementes), Solanaceae (7123 sementes) e Myrsinaceae (3035 sementes). As duas primeiras também foram as mais ricas, com 7 e 8 espécies, respectivamente. Dentre as sementes encontradas, cerca de 74% pertencem a 3 espécies: Melastomataceae 2 (12808 sementes), Osseae sp.1(6782 sementes) e Solanum granuloso-leprosum Dunal (6027 sementes) (Figura 2). A densidade de sementes e riqueza no plantio foi maior do que na capoeira, mas os índices de diversidade e equidade foram menores (Tabela 1). Nos ambientes de plantio e capoeira foram encontradas 57 espécies. Destas, 19 foram exclusivas do plantio e 6 da capoeira, resultando em 32 espécies comuns. Os ambientes se mostraram dissimilares quanto à composição de espécies (Cj = 0,56) e quanto às abundâncias das espécies de sementes (Cmh = 0,24) e diferentes quanto ao comportamento sazonal da chuva (Figura 3). 6 Tabela 1 – Área total de coletores (m²), densidade de sementes com erro padrão (m-²), riqueza (S), diversidade (H’) e equidade (J) dos ambientes de capoeira, de plantio, de plantio e APP (P/APP) e de plantio e capoeira (P/C) e da área total. Capoeira Área amostral (m²) Densidade de sementes ± erro padrão (m-²) Riqueza de espécies (S) 29 Plantio 59 P/APP P/C 2 Área total 10 100 327.07 ± 117.6 401.95 ± 145.65 550.50 ± 326.50 40.80 ± 11.42 347.11 ± 92.76 38 51 19 9 59 Índice de diversidade de Shannon-Wiener (H’) 1.935 1.663 0.823 2.405 1.830 Equidade de Pielou (J) 0.528 0.423 0.375 0.817 0.449 Figura 2 – Curvas de dominância-diversidade das oito espécies mais abundantes na capoeira, no plantio e na área total. 7 Figura 3 – Densidade de sementes.m-2 para os ambientes de capoeira, de plantio, de plantio e APP e de plantio e capoeira e para a área total referente ao período de coleta de material (julho de 2007 a junho de 2008). O mês de setembro de 2007 foi o de maior concentração de sementes (139,44 sementes.m-2). A maior densidade de sementes nesse mês ocorreu também apenas no plantio (222,66 sementes.m-2) (Figura 3). Foram encontrados dois fluxos principais de espécies zoocóricas: de fora da área de estudo para dentro (colonizadoras) e do plantio para a capoeira (Figura 4). 8 Proporção de espécies Figura 4 – Proporção de espécies originadas no plantio, na capoeira e na área externa ao trabalho para os ambientes de capoeira e plantio. CONCLUSÕES Apesar da riqueza de espécies arbóreas introduzidas no plantio (aprox. 100 spp.), a grande maioria das sementes depositadas nos coletores pertencem a somente três espécies, sendo duas arbustos ornitocóricos de aparecimento espontâneo tanto no plantio quanto na capoeira (Melastomataceae spp.) e a outra uma arvoreta dispersa por aves e morcegos (Solanum). Isto indica mobilidade da fauna entre as áreas, tanto para trazer sementes de espécies não-plantadas para o plantio, como para levar sementes de espécies do plantio para a capoeira. Por outro lado, é preocupante verificar que muitas espécies zoocóricas utilizadas no plantio não estão representadas nos coletores, principalmente aquelas com sementes maiores que 5 mm, o que talvez explique os menores índices de diversidade e equidade no plantio, juntamente com uma possível preferência dos dispersores por sementes pequenas. Enquanto o pico de sementes no plantio ocorreu na transição entre as estações seca e chuvosa, na capoeira ocorreu no fim da estação chuvosa, mostrando uma aparente disponibilidade de frutos aos 9 dispersores ao longo de todo o ano. Conseqüentemente, plantios e regeneração natural (formação de capoeiras) podem ser métodos complementares na restauração de áreas degradadas de Mata Atlântica, reduzindo os custos de ações restauradoras. AGRADECIMENTOS À Fapesp, pelo auxílio financeiro (processo nº 2008/03278-1). À CCRG, pelo apoio logístico, e a seus funcionários que ajudaram nos trabalhos de campo. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Amelung T. & Diehl M. 1992. Deforestation in tropical rain forests: Economic causes and impact on development. Tübingen: J.C.B. Mohr Brower JE & Zar JH. 1984. Field & laboratory methods for general ecology. 2 ed. Boston: W.C. Brown Publishers, 226 p. da Silva J.M.C., Uhl C. & Murray G. 1996. Plant succession, landscape management, and the ecology of frugivorous birds in abandoned pastures. Conservation Biology, 10: 491-503 Daniel O. & Jankauskis J. 1989.Avaliação de metodologia para o estudo do estoque de sementes do solo. Série IPEF Piracicaba, 41-42: 18-26 Holl K. D. 1999. Factors limiting tropical rain forest regeneration in abandoned pasture: seed rain, seed germination, microclimate and soil. Biotropica 31 (2): 229-242 Janzen DH, Miller GA, HackforTH, Jones J, Pond CM, HoopeR K, & Janos DP. 1976. Two Costa Rican bat-generated seed shadows of Andira inermis (Leguminosae). Ecology, 57(5): 1068-1075 10 Janzen D.H. 1990. An Abandoned Field is not a Tree Fall Gap. Vida Silvestre Neotropical, 2(2): 64– 67 Nepstad, D.C., Uhl C. & Serrão E.A.S. 1990. Surmounting barriers to forest regeneration in abandoned, highly degraded pastures: a case study from Paragominas, Pará, Brazil. In: Anderson, A.B. (Ed.) Alternatives to Deforestation: Steps Toward Sustainable Utilization of Amazon Forests. New York: Columbia University Press, p. 215-229 Nepstad, D.C., Uhl C. & Serrão E.A.S. 1991. Recuperation of a degraded Amazonian landscape: Forest recovery and agriculture restoration. Ambio, 20(6):248-255 Parrotta J.A., Turnbull W.J. & Jones N. 1997. Catalysing native forest regeneration on degraded tropical lands. Forest Ecology and Management, 99: 1–7 Reis A. & Kageyama P. Y. 2003. Restauração de áreas degradadas utilizando interações interespecíficas. In: Kageyama P.Y., Oliveira R.E., Moraes L.F.D., Engel V.L. & Gandara F.B. (Org.) Restauração Ecológica de Ecossistemas Naturais. Botucatu: FEPAF, p.77-90 Silva Junior M.C., Scarano F.R. & Souza Cardel F. 1995. Regeneration of an Atlantic forest formation in the understory of a Eucalyptus grandis plantation in Southeastern Brazil. Journal of Tropical Ecology, 2: 147-152 Turner I. M. 1996. Species loss in fragments of tropical rain forests: a review of the evidence. Journal of Applied Ecology, 33: 200-209 Wegner J. F. & Merriam G. 1979. Movements of birds and small mammals between a wood and adjoining farmland habitats. Journal of Applied Ecology, 16: 349-357 Zar J.H. 1984. Biostatistical analysis. Ed. Pretice Hall, New Jersey 11