Aquisição de Nomes e Adjetivos por crianças brasileiras: uma

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Aquisição de Nomes e Adjetivos por crianças brasileiras: uma
NAME, M. C. . Aquisição de nomes e adjetivos por crianças brasileiras: uma abordagem
psicolingüística. Revista Estudos Lingüísticos, Campinas, v. XXXIV, p. 415-420, 2005.
Aquisição de Nomes e Adjetivos por crianças brasileiras: uma
abordagem psicolingüística
Maria Cristina Name
Departamento de Letras – ICHL – Universidade Federal de Juiz de Fora
Campus Universitário – Martelos 36036-330 – Juiz de Fora – MG
[email protected]
Abstract: In a psycholinguistic perspective, nouns and adjectives acquisition by
children acquiring the Brazilian Portuguese is studied. The hypothesis is that
children are sensitive to structural position of Nouns and Adjectives on the DP. A
pilot is presented and its results suggest that the child links pseudo-words to the
images or to image properties oriented by its structural position.
Keywords: Lexical acquisition; Nouns; Adjectives; Psycholinguistics.
Resumo: A aquisição de nomes e adjetivos por crianças adquirindo o PB é
investigada sob uma perspectiva psicolingüística. A hipótese é de que a criança é
sensível à posição estrutural de Nomes e Adjetivos no DP. O resultado de um
experimento-piloto é apresentado, no qual a criança mapeia pseudo-palavras
com imagem ou propriedade da imagem em função da posição estrutural desses
elementos.
Palavras-chave: Aquisição lexical; Nome; Adjetivo; Psicolingüística.
1. Introdução:
Este estudo trata da identificação de nomes e adjetivos por crianças brasileiras e se
insere em uma pesquisa que investiga o processo de aquisição lexical do ponto de vista da
criança processando o material lingüístico a que tem acesso. Assume-se que o
processamento de enunciados lingüísticos pela criança desencadeia o processo de aquisição
da linguagem, sendo este guiado por princípios disponibilizados por uma GU (Chomsky,
1981 e obras seguintes) e de acordo com as propriedades particulares da língua. Dessa
forma, busca-se conciliar uma abordagem psicolingüística do processo de aquisição da
linguagem com uma abordagem teórica de língua (cf. Corrêa, 2002; a sair).
A questão central nos estudos em aquisição lexical é de como, no fluxo da fala, a
criança identifica os diferentes itens. De acordo com o modelo de processamento
Bootstrapping Fonológico (Morgan & Demuth, 1996; Christophe et al., 1997), a análise
fonológica do sinal lingüístico pode permitir à criança iniciar a aquisição do léxico e da
sintaxe de sua língua. Tal modelo pressupõe habilidades precoces no tratamento dos
enunciados. Com efeito, resultados experimentais sugerem que a criança desde seus
primeiros dias de via é particularmente sensível a propriedades de sua língua. No que
concerne aos itens funcionais, por exemplo, uma série de experimentos aponta para uma
sensibilidade a seu padrão acústico já aos 3 dias de vida (Shi, Werker & Morgan, 1999), e
para uma sensibilidade às suas propriedades acústico-fonéticas aos 10,5 meses e à sua
posição estrutural aos 16 meses (Shady, 1996). No que diz respeito aos itens lexicais,
Shady investigou a sensibilidade de crianças de 10,5 meses a esses itens mas não obteve
resultado estatisticamente significativo (Shady, 1996). De fato, enquanto os itens funcionais
apresentam um padrão recorrente em diferentes línguas (pertencem a classes fechadas, são
de alta freqüência no enunciado, possuem padrão acústico-fonológico : ver Shi, Morgan &
Allopenna, 1998) que pode favorecer uma sensibilização e identificação precoces, os itens
lexicais não apresentam um padrão sonoro particular. Assim, parece ser de difícil
sustentação um modelo de aquisição lexical que leve em conta uma análise exclusivamente
fonológica dos enunciados.
2. Aquisição de Nomes e Adjetivos
Waxman (2004) considera que a criança tem de conjugar uma capacidade
lingüística para identificar novas palavras e distinguir diferentes formas gramaticais
(categorias) com uma habilidade conceptual para apreciar diferentes tipos de relações entre
objetos. A partir do reconhecimento de uma unidade lingüística relevante – palavra – e de
uma unidade conceptual relevante – entidade – a criança faria o mapeamento entre
unidades lingüística e conceptual. Mas como a criança reconhece os diferentes tipos de
unidades lingüísticas?
A identificação de nomes, no fluxo da fala, parece estar diretamente ligada à sua
inserção num sintagma nominal dominado pela Categoria Funcional D (Name, 2002; Name
& Corrêa, 2002). A apresentação de um objeto acompanhada de um DP parece facilitar a
categorização do objeto já aos 9 meses de idade, ao passo que a apresentação de objeto
acompanhada de estímulo não lingüístico, ou ainda sem nenhuma apresentação verbal não
leva à categorização (Balaban & Waxman, 1997). Há, ainda, evidências experimentais
sugerindo que a apresentação de objetos por nomeação ou com adjetivo guiaria a atenção
da criança para a identificação de categoria (nome) ou de propriedade (adjetivo) (Waxman,
1999; Waxman & Booth, 2001).
O conjunto de resultados apresentados aponta para o papel da estrutura subjacente
em que se inserem esses elementos e das marcas morfo-fonológicas presentes nos mesmos,
guiando sua identificação pela criança. Na próxima seção, serão caracterizados os
elementos das categorias Nome e Adjetivo no PB, no que concerne à posição estrutural e às
marcas fônicas.
3. Nomes e Adjetivos no PB
Ainda que seja possível a ordem inversa, o padrão de apresentação no PB é o nome
seguido do adjetivo (Det + N +Adj). Callou & Serra (2003) destacam, em análise
diacrônica, o uso cada vez mais freqüente deste padrão. Em relação à terminação, há, de
maneira geral no português, uma sobreposição de marcas fônicas de nomes e adjetivos.
Excetuando-se alguns casos como -oso/-a (gostoso/-a etc.), a terminação fônica de nomes é
a mesma de adjetivos (cf. carro bonito, casa branca, ponte grande).
Levando-se em conta o modo como se apresentam os elementos das categorias
Nome e Adjetivo no português, considera-se que a criança seja particularmente sensível à
posição que esses elementos ocupam no DP complexo. Para investigar tal hipótese,
elaborou-se um experimento cuja metodologia será apresentada a seguir.
4. O Paradigma da Tarefa de Seleção de Imagem (Picture Identification Task)
A tarefa de seleção de imagem tem sido usada em experimentos que investigam
vários tipos de habilidades de percepção e compreensão lingüísticas, tanto com crianças e
adultos normais, quanto com população que apresenta algum tipo de déficit. A medida
comum nesta tarefa é tomada com base no ato de o sujeito (adulto ou criança) apontar para
a imagem escolhida. Os experimentos podem ser realizados em casa, na escola ou em
laboratório. Todas as sessões são gravadas para análise posterior. O experimento dura em
torno de 15 minutos.
4.1 Descrição da técnica:
- Material:
- Pranchas organizadas em Power Point, com cinco imagens por prancha;
- Computador portátil;
- Gravador de áudio portátil;
- Livros interativos usados na familiarização.
- Procedimento:
A criança é apresentada a alguns livros interativos para que se estabeleça uma
relação lúdica entre ela e o experimentador. Quando a criança já está ambientada, o
experimentador propõe um jogo no computador: a criança vai ver algumas imagens na tela
e ao final de cada grupo de imagens vai responder uma pergunta. As três primeiras
pranchas são de familiarização, para que a criança entenda e se acostume com a tarefa. São
apresentadas 9 pranchas de teste à criança e 9 pranchas distratoras, alternadamente.
5. Experimento: Identificação de Nomes e Adjetivos a partir de sua posição estrutural
5.1 Introdução:
O experimento trata do uso, pela criança, de informação relativa à ordem padrão de
nomes e adjetivos na estrutura do português. A hipótese é de que, na ausência de outras
pistas, a criança explora essa informação ao se deparar com palavras desconhecidas,
identificando-as como nomes e adjetivos a partir de sua posição no sintagma: os primeiros
para palavras à esquerda no sintagma, precedidas de determinante; os segundos, na
fronteira direita do sintagma nominal.
Foram criadas nove imagens inventadas, nove pseudo-nomes e nove pseudoadjetivos (ver adiante, em Material). A partir deste material, foram elaboradas nove
pranchas em PowerPoint, cada uma com cinco quadros, apresentados seqüencialmente. No
quadro 1, apresenta-se uma imagem inventada acompanhada do estímulo sonoro: “Isso é
um mabo bipo.” No quadro 2, várias imagens iguais à primeira são apresentadas: “Veja
quantos mabos bipos!”. No quadro 3, apresenta-se ora uma imagem igual à primeira na sua
forma, mas diferindo na padronagem: “Isso não é bipo/mabo.”, ora uma imagem de forma
diferente mas com a mesma padronagem das imagens precedentes: “Isso não é um
mabo/bipo.” No quadro 5, as duas últimas imagens apresentadas são colocadas juntas e
pede-se à criança: “Me mostra o que é mabo/bipo.”
Duas condições experimentais foram criadas, variando-se a posição estrutural das
pseudo-palavras: Condição 1: Det N Adj (Um mabo (N) bipo (Adj)) ; Condição 2: Det Adj
N (Um mabo (Adj) bipo (N)).
A ordem de apresentação das pseudo-palavras varia, de modo que em metade das
apresentações o pseudo-nome seja seguido do pseudo-adjetivo e na outra metade ocorra o
inverso. Ou seja, na apresentação dos quadros 3 e 4, a pseudo-palavra que nomeia a
imagem é, na metade das vezes, a primeira palavra seguida do determinante, e na outra
metade das ocorrências é a segunda palavra (“Isso não é um...”). O mesmo ocorre na
identificação da propriedade. Nessas pranchas, apresenta-se como adjetivo ora a palavra
imediatamente seguinte ao determinante, ora a palavra mais à direita no sintagma. Cada
palavra é apresentada somente numa única prancha.
A previsão, de acordo com a hipótese levantada, é que a criança deverá identificar a
primeira pseudo-palavra apresentada com a categoria Nome e a segunda pseudo-palavra
com a categoria Adjetivo, a despeito de sua apresentação mapeando a imagem ou a
propriedade da imagem. O experimento encontra-se em fase piloto, tendo sido aplicado a
uma criança.
5.2 Método:
- Participantes:
O experimento-piloto foi realizado com uma criança brasileira do sexo feminino,
com idade de 3;6 anos. O teste contará com a participação de 24 crianças, de idade média
de 3;0 anos.
- Material:
- 9 imagens inanimadas, com características que fugissem a qualquer padrão conhecido
que pudesse ser nomeado (tanto na forma quanto na “padronagem”);
- 9 pseudo-nomes, criados para nomeação das imagens inventadas;
- 9 pseudo-adjetivos, criados para a identificação das “padronagens” das imagens
inventadas;
As palavras criadas eram todas dissílabas, paroxítonas e obedeceram ao padrão CVCV. Quanto à terminação, para cada grupo de palavras (pseudo-nomes e pseudoadjetivos) foram apresentadas 3 com final –o, 3 com final –a e 3 terminando em –e.
- 9 pranchas de PowerPoint, cada uma com 5 quadros apresentados seqüencialmente;
- 12 pranchas “distratoras”, com histórias curtas apresentando imagens correspondentes
a nomes conhecidos por crianças nessa idade (cf. aplicação do Inventário McArthur).
- Procedimento:
O experimento-piloto foi realizado na casa da criança, na presença de sua mãe. Dois
experimentadores participaram da sessão. Enquanto o Experimentador A preparava o
computador, o Experimentador B brincava com a criança, apresentando livros interativos.
Em seguida, o Experimentador B conduziu o teste, apresentando as pranchas à criança,
enquanto o Experimentador A anotava suas respostas. Todo o experimento foi gravado em
áudio e teve duração total de 15 minutos.
5.3 Resultados e discussão:
A criança respondeu oito das nove pranchas-teste, acertando três em quatro na
condição 1 (Det N Adj) e uma em quatro na condição 2 (Det Adj N). Na condição 1, a
criança mapeou a imagem ao pseudo-nome e sua propriedade ao pseudo-adjetivo, conforme
lhe havia sido apresentado, em três ocorrências num total de quatro. No entanto, na
condição 2, a criança relacionou a imagem à primeira palavra apresentada, i.e., ao pseudoadjetivo, e a propriedade à segunda palavra – pseudo-nome, ainda que o apresentador
houvesse apresentado diferentemente.
Nesse piloto, a criança parece ter sido guiada pela posição estrutural canônica
reservada a nomes e adjetivos no português, qual seja, Det N Adj, a despeito da
apresentação do primeiro elemento como adjetivo e do segundo elemento como nome.
6. Conclusão:
O resultado do experimento-piloto sugere que, na ausência de marcas morfofonológicas que levem à distinção entre nomes e adjetivos, a ordem canônica do PB parece
guiar a identificação de pseudo-palavras como pertencentes à Categoria Nome e à
Categoria Adjetivo.
O experimento será realizado com um maior número de crianças para que seja
verificado esse resultado. Prevê-se, igualmente, a realização do mesmo experimento com
um grupo de crianças menores, a fim de se avaliar se o padrão estrutural do sintagma
nominal complexo no PB já é reconhecido e levado em conta na identificação de novas
palavras em numa idade anterior a três anos. Será ainda investigado, futuramente, o papel
de marcas morfo-fonológicas no adjetivo para sua identificação.
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