Aspectos da filosofia educacional de John Wesley

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Aspectos da filosofia educacional de John Wesley
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300 anos do
nascimento de
John Wesley
Aspectos da filosofia
educacional de John Wesley
Aspects of the educational philosophy of John Wesley
Clory Trindade de Oliveira
Teólogo e doutor em História pela USP – SP
R e s u m o
No contexto dos 300 anos de nascimento de John Wesley, este artigo resgata aspectos da filosofia educacional do
fundador do Metodismo, lembrando que, desde suas origens, o movimento iniciado na Inglaterra tomou a religião e a
educação como forças indispensáveis e complementares. O autor lembra que as grandes ênfases na trajetória de Wesley
foram sempre a religião e o estudo disciplinado, como caminho prático para a vida. Analisa o contexto histórico no qual
se deu a formação educacional de Wesley, marcada por uma extensa e consistente atuação acadêmica, e o seu envolvimento
com a população trabalhadora, pobre e ignorante de seus dias, o que o levou a ser chamado de “teólogo do povo”.
Unitermos: filosofia da educação, história do metodismo, religião e educação.
Synopsis
Within the context of the 300 years of the birth of John Wesley, this article stresses aspects of the educational philosophy
of the founder of Methodism, remembering that since its origins, the movement started in England took religion and
education as indispensable and complementary forces. The author recalls that the greatest emphasis in the life of Wesley
were always religion and the disciplined study as a practical way of life. He analyzes the historical context in which the
education of Wesley took place, marked by a broad and consistent academic path, and his involvement with the working,
poor and ignorant people of those days, which made him known as the “theologian of the people”.
Terms: philosophy of education, history of Methodism, religion and education.
Resumen
Dentro del contexto de los 300 años de la John Wesley, este artículo rescata aspectos de la filosofía educativa del
fundador del Metodismo, recordando que desde sus orígenes, el movimiento iniciado en Inglaterra tomó la educación y
religión como fuerzas indispensables y complementarias. El autor recuerda que los grandes énfasis en la vida de Wesley
siempre fueron la religión y el estudio disciplinado, como camino práctico para la vida. Analiza el contexto histórico
dentro del cual se dio la formación educativa de Wesley, marcada por una extensa y consistente trayectoria académica,
y su trabajo con la población obrera, pobre e ignorante de sus días, lo que lo llevó a ser llamado el “teólogo del pueblo”.
Términos: filosofía de la educación, historia del metodismo, religión y educación.
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ohn Wesley é reconhecido como
um dos homens de mais vasta
cultura do século XVIII, na Inglaterra,
cultura eclética, que variou desde os
clássicos até os que constituíam, em
seus dias, as novidades em ensaios,
novelas, peças teatrais, tratados, história política, ciência, como ele refere
quando escreveu: “as últimas descobertas científicas revelam aos olhos
da fé a sabedoria de Deus na criação”1.
Em 1756, Wesley escreve um documento chamado “Um discurso para
os clérigos”, no qual analisa o preparo do clérigo, somando a cultura secular e a cultura religiosa. Diz ele:
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As grandes ênfases na
vida de Wesley foram
sempre a religião e o
estudo disciplinado
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“Embora se deseje mais do que se
espera uma modificação do plano de
educação moderada, um tratado sobre
o assunto, impresso na Inglaterra alguns anos atrás, alcançou sucesso. Apenas alguns têm ousado sair da estrada
comum e educar os seus filhos de maneira cristã, e alguns orientadores na
Universidade têm treinado os que estão sob os seus cuidados de modo digno dos cristãos primitivos.”3
John Wesley foi um estudante, no
sentido pleno da palavra, durante
toda a sua vida. Ele foi estudante na
universidade por muitos anos, e lá ele
permaneceu vinculado como preceptor até a época do seu casamento, em
1751, já então com 48 anos de idade.
Esse fundo cultural lhe fez reconhecer que para o desenvolvimento da
harmonia e segurança na sociedade
humana, a religião e a educação eram
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forças indispensáveis e complementares. Em outras palavras, as grandes
ênfases na vida de Wesley foram sempre a religião e o estudo disciplinado,
como caminho prático para a vida.
Escrevendo uma carta para a “Sociedade Pró-Fé e Cristianismo”, Wesley
diz:
“O ministro bem preparado precisa ter capacidade para raciocinar com
clareza, (...) com penetração, (...) uma
boa memória, (...) competente soma de
conhecimento. Depois, vêm as Escrituras – nas línguas originais, mais conhecimento da história, (...) das ciências,
(...) metafísica, (...) filosofia natural,
(...) história do pensamento cristão e
devoção, (...) conhecimento do mundo
contemporâneo. A este conhecimento
e cultura deve-se acrescentar: (...) senso comum e (...) a animação da graça
(...) e um sentido claro do chamado.”2
2
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John Wesley foi um
estudante, no sentido
pleno da palavra,
durante toda a sua vida
A partir de Wesley, vai se popularizar no Metodismo a prática de se
construir escolas junto de capelas.
Certa vez, ao perguntarem a Wesley
o que aconteceria ao Metodismo depois de sua morte, ele imediatamente respondeu que isso dependeria da
“instrução e da religião” dos filhos
das famílias metodistas.
Religião e cultura, educação e vida,
conhecimento e prática vão constituir
o binômio básico, dentro do qual encontraremos alguns dos pressupostos
fundamentais da filosofia de educação, em John Wesley.
Trabalhei com tempo restrito e
material resumido. Estou seguro de
que é possível e de grande significado aprofundar a pesquisa e produção
de documento, que revele com mais
riqueza o absorvente envolvimento
de John Wesley com tudo o que se
John Wesley. Compêndio de filosofia natural
natural, em Albert C. Outler; Theology in the Wesley na Spirit
Spirit, 1975, p. 3-4.
John Wesley. Obras, X, p. 480-500.
Idem, ibidem, p. 480-500.
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refere ao conhecimento, à razão, ao
estudo, à literatura, à cultura secular medieval e moderna, bem como à
literatura religiosa. Desconheço alguém que tenha lido e pesquisado
mais livros que John Wesley. Quando se diz que o Metodismo nasceu
na Universidade, reconheço que há
grande sentido na afirmação.
É claro que toda esta vasta cultura literária relaciona-se diretamente
com a pregação do Evangelho de Jesus Cristo, transformador e criador
de nova vida e nova sociedade.
O mundo ancestral próximo de
Wesley, bisavô, avô, pai, pai de sua
esposa e esposa, constitui uma tradição de estudiosos e de pessoas altamente preparadas; eles faziam parte
da absoluta minoria das pessoas letradas dos séculos XVII e XVIII; o importante nesse período eram os títulos de nobreza, as propriedades e o
dinheiro. A educação e a cultura eram
secundárias. Trabalho isso resumidamente na primeira parte deste artigo.
Com exceção do pai e da esposa,
os demais ancestrais pertenciam ao
grupo dos Dissidentes, que se negaram a assinar o Ato de Uniformidade,
de 1662, que os obrigava a ser subservientes ao Estado e ao Rei.
John Wesley soube aproveitar as
oportunidades que se abriram para estudos e envolvimento com o mundo
intelectual, da ciência e da religião. A
extraordinária criatividade de Wesley
estava exatamente na sua sensibilidade e capacidade para coletar as riquezas encontradas nos milhares de documentos e livros que leu. Essas
riquezas ajudaram-no a direcionar o
rumo religioso e cultural de sua vida.
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Faço uma abordagem resumida disso
na segunda parte deste artigo.
O centro do trabalho está em sete
critérios que selecionei entre muitos
outros, e que nos ajudam a compreender um pouco melhor o modo de
Wesley entender e praticar a obra
educativa. É bom lembrar ser realmente difícil separar em Wesley a
mensagem do ensino, a evangelização da educação. Elas se interpenetram e mutuamente se enriquecem
no ministério de John Wesley. Essa
dicotomia, mais ou menos radical,
pregação e educação, capela e escola que temos hoje, deve ser debitada
a nós, os metodistas pós John Wesley.
O Metodismo nasceu
na Universidade
Formação educacional e
os ancestrais de Wesley
A família de John Wesley buscou
sempre a melhor educação formal e informal possível. Bartolomeu, seu bisavô, pregador leigo da Igreja Dissidente,
estudou teologia e medicina na Universidade de Oxford. Com a restauração
da monarquia e a decretação do “Ato
de Conformidade” (1662)4 , que exigia
de cada clérigo o juramento de suprema obediência ao Rei, Bartolomeu foi
expulso de sua paróquia, por não se
submeter à subserviência Real.
John, filho de Bartolomeu e avô de
Wesley, estudou teologia em Oxford,
alcançando o grau de mestre em Artes. Como Dissidente, foi encarcerado em 1661 devido à lei das “Cinco
Milhas” 5 , vivendo depois errante,
pregando o Evangelho, sendo outras
vezes encarcerado. As privações e os
sofrimentos levaram-no à morte muito cedo, aos 42 anos de idade.
Wesley tinha
sensibilidade e
capacidade para
coletar as riquezas
encontradas nos
livros que leu
4
Henry Carter. The Metodist Heritage
Heritage, 1951, p. 13
Idem, ibidem, p. 53-55 (A lei das “Cinco Milhas” era dirigida contra os pregadores dissidentes, não-conformistas, proibindo
de se aproximarem de vila ou cidade, onde tivessem exercido o pastorado).
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Samuel, pai de John Wesley, nasceu em 1662, sendo educado num lar
Dissidente e Não-conformista. Estudou na Academia Dissidente Stoke
Newington, quando se desiludiu com
os Dissidentes, transferindo-se para
a Igreja Oficial. Ingressa no Exeter
College, Universidade de Oxford,
como aluno pobre, tornando-se pastor da Igreja Anglicana. A partir de
1696, foi o pároco de Epworth, onde
permaneceu até sua morte em 1735.
De acordo com Mateo Lelièvre6 ,
Samuel Wesley, “de inteligência mais
universal que profunda, produzia uma
grande variedade de publicações literárias, como folhetos políticos e religiosos, artigos para os periódicos,
poemas, comentários e trabalhos de
teologia (...)”7 .
Bartolomeu, John e Samuel, ancestrais paternos de Wesley constituíram famílias nas quais o amor aos
estudos, à educação e à cultura foi
notável exceção, num mundo de analfabetos. Raríssimas eram as escolas,
basicamente para o restrito círculo
da nobreza e pouquíssimos alunos
pobres.
Dr. Samuel Annesley, pai de Susanna
Wesley e sobrinho de Arthur, primeiro
Conde de Anglesea era, igualmente,
pessoa de elevada educação. Ele era
“um homem de caráter e educação (...),
foi educado no Queen’s College, na
Universidade de Oxford, (...) foi ordenado capelão no navio Globe de sua
Majestade (...) mais tarde, foi pastor
em Cliff, no condado de Kent. (...) Mais
tarde, foi expulso de sua paróquia, por
ser um Não-conformista”8 .
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Susanna, mãe de John Wesley, é reconhecida por muitos estudiosos como
“a mãe não apenas de Wesley mas, também, do Metodismo”9 . Susanna governou sua família e seu lar com a extraordinária força de sua personalidade.
Ela foi uma mulher que levou a sério o seu preparo intelectual, desde
muito cedo:
Susanna é reconhecida
por muitos estudiosos
como a mãe não
apenas de Wesley mas,
também, do Metodismo
“[Susanna] possuía natural inclinação para o estudo; ela sabia grego, latim e francês antes de ter vinte anos, e
achava-se saturada de teologia. (...) Ela
lia os padres primitivos e lutava com
as sutilezas da metafísica. (...) Com treze anos apenas, ela recusou toda a
matéria em discussão entre os Dissidentes e a Igreja, opinando contra a posição mantida por seu pai.”10
Raríssimas eram as
escolas, basicamente
para o restrito círculo
da nobreza
É exatamente neste período de
sua precoce juventude que Susanna
adere à Igreja Estabelecida, abandonando a orientação Dissidente assumida por seu pai e transmitida a ela.
Susanna rivalizava “em saber e piedade com as mais ilustres mulheres
da Reforma”11. Ela buscou desenvolver a mais rica e completa educação
na vida de seus filhos e filhas. Para
tanto, organizou uma pedagogia educacional simples, definida e pragmática, reveladora de seu caráter metódico. Estão presentes a disciplina, o
castigo, o perdão, o horário, o silêncio,
a vontade, a oração, o efetivo aprendizado, o cumprimento estrito das promessas, a paciência, a persuasão e o
amor. Ela soube dosar com sabedoria
todos esses valores.
6
Mateo Lelièvre. Juan Wesley
Wesley. Su vida e su obra, 1911
Idem, ibidem, p. 26.
8
Arnold Lunn. João Wesley
Wesley, 1929, p. 10
9
Mateo Lelièvre. Juan Wesley
Wesley, 1991, p. 28.
10
W. H. Fitchett. Wesley e seu século
século, 1916, p. 16-17
11
Mateo Leliève. Juan Wesley
Wesley, 1991, p. 29.
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Isso é uma modesta amostra da
riqueza da personalidade e da vida
de Susanna Wesley. Ela é representante de uma pequeníssima parcela de
mulheres do século XVIII.
“Mulheres como Susanna Wesley
exerceram poderosa influência nos
destinos das gerações, influência ainda maior, porque não dependia de direitos legais ou privilégios políticos.”1 2
Pode-se, hoje, questionar os princípios pedagógicos e mesmo éticos
de Susanna Wesley, muito embora,
vários desses princípios continuem
a ser exaltados pelos educadores e
psicoeducadores contemporâneos. O
ponto fundamental é o fato de que
Susanna tinha plena consciência da
importância de se ter uma metodologia educacional e aplicá-la consistentemente. Os possíveis defeitos pedagógicos foram supridos pela sua
extraordinária capacidade de amar
seus filhos.
Aqui, um breve esboço do contexto cultural, intelectual e educacional
que emoldura a vida de John Wesley.
Os ancestrais de Wesley, lado materno e paterno, valorizaram profundamente o seu preparo amplo no mundo da educação. Todos eles, incluindo
Susanna, foram pessoas cultas, de
notável saber. De outro lado, todos
eles foram pessoas pobres, que lutaram arduamente para assegurar a
sua sobrevivência.
Susanna tinha plena
consciência da
importância de se ter
uma metodologia
educacional
Formação educacional e
John Wesley
A formação educacional de Wesley
começou e se fundamentou no seu
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lar, sob a orientação e ministração de
Susanna, sua mãe. Os dez primeiros
anos de sua vida Wesley passou em
Epworth, trabalhando, estudando e
forjando sua personalidade. Esse período vai determinar, em boa medida, o modo de ser e viver de Wesley.
Em 1714, com dez anos e meio,
Wesley recebe uma bolsa de estudos
do Conde de Buckinghan para a escola de Charterhouse, grande e renomado estabelecimento de ensino governamental; era escola para nobres e
pessoas de dinheiro, pois era paga. Ali
Wesley viveu seis anos, onde se preparou para a faculdade.
Em 1720, com 17 anos, ingressou
na faculdade (Christ College), na Universidade de Oxford, bacharelandose em 1724; é eleito em 1725 lente no
Lincoln College; neste mesmo ano, ordena-se diácono. Em 1726 é nomeado professor de grego e presidente
de classes. Em 1727 recebe o grau de
mestre em Artes. É neste período que
Wesley desenvolve e amadurece sua
formação cultural. Nos anos de faculdade, ele estuda grego, latim, hebraico, árabe, lógica, metafísica, Bíblia,
teologia, ética, filosofia, oratória, poesia etc. Oxford vive “o crepúsculo de
uma de suas mais gloriosas épocas,
sob o famoso trio de reitores: John Fell,
Henry Aldrich e Francis Atterbury.
Embora Oxford vivesse em período
de depressão, havia um esplêndido
repositório de livros e de ciência,
onde Wesley pôde construir sua grande herança cultural”13.
Wesley aprendeu cedo a ler, e
continuou a ler e a estudar incessantemente, por toda sua longa e ocupada vida.
Arnold Lunn. João Wesley
Wesley, 1929, p. 12.
Albert C. Outler. John Wesley
Wesley, 1964, p. 6.
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“Seu gosto passou pela totalidade
do mundo da literatura, desde os clássicos, até o que era, em seus dias, o
de mais novo em ensaios, novelas,
peças teatrais, tratados (...) interessado, também, com história, política e
presentes mudanças sociais (...) e últimas descobertas científicas (...).”14
Sim, Wesley foi sempre um incansável leitor, durante toda a sua vida.
Lia e estudava enquanto cavalgava de
vila em vila, de cidade em cidade; lia,
estudava e escrevia diariamente e em
todos os momentos possíveis. É verdade que “lia mais extensivamente
que minuciosamente, mas é digno de
se saber quanto efetivamente recordou e fez uso proveitoso”15.
A partir de 1725, Wesley registrou
praticamente a quase totalidade das
leituras que fez, abrangendo mais de
1.400 diferentes autores em mais de
3.000 diferentes documentos. Segundo
uma pesquisa do teólogo e historiador
Albert C. Outler16, Wesley cita, entre
outros: Horácio, Virgílio, Ovídio, Cícero,
Juvenal, Aristófanes, Adriano, Homero,
Lucasso, Lucrécio, Pérsides, Píndaro,
Sêneca, Agostinho, Kempis; cita autores e a Patrística, os Místicos Medievais,
escritores seculares da Renascença e
autores da ciência Moderna.
Esse apanhado nos permite vislumbrar a extraordinária riqueza cultural absorvida por Wesley, durante
sua fase de escola, mas também no
correr de toda a sua vida.
Isso nos permite entender, também, o amor de Wesley ao estudo, à
educação, à formação cultural, na sua
diversidade, na sua complexidade,
Wesley foi sempre um
incansável leitor
Destaque especial deve
ser dado ao interesse
de Wesley pelas
crianças e pelos pobres
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mesmo na sua confrontação. É bom
recordar que, paralelo ao conhecimento secular, Wesley buscou o sólido
conhecimento e fundamento da cultura bíblica. Dedicou-se ao estudo da
Bíblia, nos seus dialetos originais, bem
como à pesquisa dos estudiosos da
Bíblia, particularmente os clássicos da
patrística e período Medieval.
Isso nos ajuda, ainda, a reconhecer o esforço de Wesley em compartilhar com os participantes do movimento metodista, especialmente
seus companheiros e colaboradores,
toda essa riqueza cultural, essa educação secular e bíblica.
A educação, sem dúvida alguma, é
pilar central na visão de Wesley de um
mundo novo. Richard M. Cameron17 diz
que não se pode falar no assunto ‘Educação’ sem reconhecer a importância
do Metodismo na caminhada da educação como um todo. Por exemplo, o
que hoje chamamos “educação de adulto”, cujo resultado foi o incentivo intelectual de milhares de pessoas que se
uniram ao movimento metodista. Essa
ênfase em vitalizar as faculdades mentais do povo comum favoreceu uma demanda ainda muito maior, mais tarde
corporificada na criação de escolas
públicas gratuitas.
Destaque especial deve ser dado
ao interesse de Wesley pelas crianças e pelos pobres. Desde o tempo
do Clube Santo, na Universidade de
Oxford, Wesley dedicou-se a organizar e, mesmo, construir escolas para
crianças pobres. Já em 1736, quando
missionário na Geórgia, organiza uma
escola para meninos e meninas e escreve um “Catecismo para crianças”.
14
Idem, ibidem, p. 3-4.
Idem, ibidem, p. 7-8.
16
Idem, ibidem, p. 6-8.
17
Richard M. Cameron. Methodism and Society in Historical Perspective
Perspective, 1964, p. 63-64.
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Em 1739, ele prepara um manual de
instrução para as crianças e pede aos
pregadores que expliquem a elas, em
suas visitas aos lares. A partir de 1748,
ele solicita aos seus pregadores que,
em cada sociedade onde houvesse,
pelo menos, dez crianças, se tivesse
classe semanal com elas. Em 1756, em
Dublin, Irlanda, Wesley se reunia duas
vezes por semana com um grupo de
mais de cem crianças, para educação
cristã. Em 1770 – dez anos antes que
Robert Raikes organizasse oficialmente a escola dominical –, Hannat
Ball, sob a orientação de Wesley, organizou, em High Wycornbe, uma escola dominical, que ela dirigiu por
mais de vinte anos.
De um modo geral, podemos assegurar que a vida longa de John
Wesley sempre esteve voltada para
a educação, como fundamento na
nova vida e na construção de um
mundo novo mais qualificado e melhor. Não é, pois, de se admirar que
John Wesley e o Metodismo, por onde
quer que passassem, valorizavam intensamente a educação e organizavam o maior número possível de escolas, pequenas ou grandes, para
crianças pobres, para filhos e filhas
dos pregadores, para os pais analfabetos dessas crianças pobres, para os
pregadores e assim por diante. A educação, sem dúvida alguma, é marca
distintiva e indissolúvel do movimento metodista. A capela e a escola, no
Metodismo, sempre andaram juntas.
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A vida e a obra de John
Wesley constituem
manifestação e
manifesto do amor de
Deus
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“Lembrando que Deus é amor, o ser
humano é feito a sua mesma semelhança. Ele é pleno de amor ao próximo:
amor universal, não confinado à seita
ou ao partido, nem restrito àqueles que
concordam com ele em opiniões, (...)
nem ama somente aos que o amam,
(...) amor que abarca vizinhos e estrangeiros, amigos e inimigos; (...) seu amor
a todas essas pessoas, como a toda
humanidade é, em si mesmo, generoso e desinteressado, não buscando vantagem para si mesmo, nem lucro, nem
louvor, nem mesmo o prazer de amar.
(...) ele sabe que ‘amor social’ é absolutamente e essencialmente diferente
do ‘amor-a-si-mesmo’ (...). E esse universal, desinteressado amor produz a
afeição correta. É abundante em bondade, ternura, sensibilidade, em humanidade, cortesia e afabilidade. (...) Isso
produz modéstia, condescendência,
prudência, (...) O mesmo amor é gerador de todas as retas ações.(...)”19
A essência da fé cristã é o amor;
Deus é amor; o mundo é o ato da cria-
19
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ção amorosa de Deus. Jesus Cristo resume toda a lei e os profetas no amor
a Deus e ao próximo, isto é, amor ao
criador e ao mundo criado. A vida e a
obra de John Wesley constituem manifestação e manifesto do amor de
Deus. Amor, amor a Deus, amor ao
próximo e seus correlatos são expressões e mensagens que se espalham por
toda a pregação, todo ensino e todos
escritos de Wesley e do Metodismo
através dos tempos. “A presença de
Deus no mundo é graça; sua natureza
é graça; a graça é o que Deus é, o que
ele sempre é: amor atuante”18 John
Wesley afirma o verdadeiro e genuíno
cristianismo, verdadeiro e genuíno
cristão:
Amor, a essência da
educação e da vida
18
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Viver a graça de Deus
Marquardt Klaiber.Viver
Deus, 1999, p. 81.
John Wesley. A Plain Account of Genuine Christianity
Christianity, conforme Albert C. Outler, p. 184-185.
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Entendemos aqui amor não como
teoria, filosofia especulativa, nem
mesmo maneira de apresentar-se no
mundo. Para Wesley, o amor de Deus,
que requer o amor a Deus e ao próximo é poder transformador, capaz de
curar e regenerar o mundo e a humanidade. Amor é ação, é praxis. Por
isso, Wesley sempre insistia na absoluta necessidade da prática das obras
de misericórdia; libertar o ser humano do erro, da ignorância e de todas
as formas de pecado constituía objetivo supremo da pregação e da educação. Ele inquiria:
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Wesley sempre insistia
na absoluta
necessidade da
prática das obras de
misericórdia
“Mostras o teu amor pelas tuas
obras? Se tens ocasião, (...) fazes de
fato o bem a todos os homens, vizinhos
ou forasteiros, amigos ou inimigos, bons
ou maus? Fazes a eles todo o bem que
possas fazer, suprindo-lhes as faltas, auxiliando-os no corpo e na alma, no
máximo de tuas forças?” 20
Um intenso amor a Deus e ao próximo 21 pode explicar o espírito de
amor e sacrifício que fez de Wesley o
modelo mais perfeito de cristão.
O amor suplicava no envolvimento pessoal do cristão; não era suficiente clamar o amor ou expressá-lo abstratamente. Wesley insistia que o amor
precisava ser plenamente experimentado e vivido. Ele ensinou aos
seus seguidores “que era muito melhor levar pessoalmente a ajuda aos
pobres do que mandá-la”22. “Mesmo
aquelas pessoas que nada tivessem
para dar podiam cumprir sua missão,
visitando e expressando pessoalmente palavras de afeto” 23.
O amor a Deus e ao
próximo sempre foi a
força propulsora da
mensagem e do ensino
de John Wesley
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Wesley e o Metodismo colocam
em posição de notável destaque a
participação ativa, dinâmica dos seus
seguidores, na consecução constante da prática do bem. Qualquer outra compreensão da fé cristã que não
seja a vida de amor, de serviço, do
envolvimento com os mais necessitados é descartada, como Pietismo e
Antinomianismo, negadores da própria mensagem cristã. Vezes sem conta, em seus escritos, Wesley enfatiza
o sentido da vida cristã, expressa em
amor e serviço.
As pessoas, na absoluta maioria,
pobres e ignorantes, alcançadas pela
mensagem e instrução Metodista, desde logo se sentiam desafiadas e mesmo compelidas a buscar as bênçãos
divinas, para serem gozadas aqui na
terra; isto é, eram levadas a buscar a
sua imediata libertação do estado de
vida sub-humana, jamais aceito como
inerente na sociedade. Muito logo, essas pessoas adquiriram maior compreensão do sentido de vida, maior
preparo e melhores condições para
subir nas escalas da vida social, atingindo a estabilidade numa classe média crescente. Essa gigantesca obra
constituía uma expressão concreta do
amor a Deus e ao próximo.
O amor a Deus e ao próximo sempre foi a força propulsora da mensagem e do ensino de John Wesley. Em
certa medida, Wesley colocou o amor
acima de tudo, até mesmo do conhecimento da verdade. É ele quem afirma:
“Porque havendo ainda amor, mesmo com muitas opiniões errôneas, ele
deve ser preferido à verdade despoja-
20
John Wesley. Sermões
Sermões, v. II, 1954, p. 261.
Mateo Lelièvre. Juan Wesley
Wesley. Su vida y su obra, smith y lamor, 1911, p. 563.
22
John Wesley. The Journal
Journal, v. IV, 1960, p. 422.
23
Idem, ibidem, v. III, p. 301.
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Povo, o alvo da educação
da de amor. Podemos morrer sem o
conhecimento de muitas coisas e sermos, ainda, levados ao seio de Abraão;
mas, se morrermos sem amor, do que
nos valerá o conhecimento?”2 4
Arnold Lunn25, em pesquisa realizada, escreve que Wesley pregou somente um sermão sobre o inferno,
enquanto que pregou mais do que
quarenta mil vezes sobre seu tema
favorito, o amor de Deus, livremente
oferecido à toda humanidade.
Wesley, na sua imagem mais conhecida de evangelista e organizador
do Metodismo, de forma sistemática
e metódica, aparece na história e a
todos nós como uma pessoa culta,
séria, severa e dominadora. Há bastante de verdade nessa fotografia,
mas ela não revela o aspecto mais
rico e significativo da personalidade
de Wesley: ele era uma pessoa com
um coração transbordante de amor;
ele amava as crianças, os pobres, os
prisioneiros, os enfermos, os idosos,
os pecadores. E, por isso, ele era igualmente amado.
O amor a Deus e ao próximo era o
método por excelência na vida e obra
de Wesley; somente esse amor era capaz de produzir essa personagem revolucionária, cuja vida e obra marcaram
o século XVIII e a história, desde então.
○
A teologia, a mensagem, o ensino e
a vida de John Wesley são totalmente
voltados para o povo, na sua absoluta
maioria, gente pobre. A mensagem e o
ensino de Wesley sempre foram veiculados de modo claro, simples, direto, de sorte que a população pudesse
entendê-los e assumi-los. A riqueza
cultural de Wesley jamais o impediu
de dar um rumo diferente às suas idéias, construindo uma mensagem e um
ensino simples, claro e relevante para
o povo do seu tempo. Wesley estava
consciente e inserido na cultura de sua
época, capaz de falar, ensinar e se fazer ouvido e entendido pela população
trabalhadora, pobre, ignorante de seus
dias. É nesse sentido que Outler o identifica como um “teólogo do povo”27.
O notável preparo intelectual e educacional de Wesley, em confronto direto com a realidade cultural do seu tempo, moldou o rumo a seguir e as grandes
ênfases do Metodismo. O beneficiário
primeiro e direto dessa riqueza do
Metodismo foi, principalmente, o povo
marginalizado, pobre e ignorante, com
quem partilhava a mensagem de nova
vida e libertação. O Metodismo tornou
disponível e ao alcance desse povo a
oferta da graça libertadora de Cristo, na
forma e na linguagem mais simples,
como refere o próprio Wesley: “escrevo como geralmente falo, isto é, para o
povo – ad populum: à massa humana,
aqueles que nem apreciam, nem compreendem a arte de falar”28. Wesley explica ainda melhor o seu compromisso
com o povo:
O Metodismo tornou
disponível e ao
alcance desse povo a
oferta da graça
libertadora de Cristo
“Ele era obedecido porque ele era
amado. Ele era amado porque ele era
absolutamente abnegado; e porque ele
era abnegado, poucos ressentiam sua
autocracia e menos ainda desafiavam
as suas corretas e notáveis decisões.”26
24
Idem, Sermões
Sermões, v. I, 1953, Prefácio, p. 25.
Arnold Lunn. John Wesley
Wesley, 1929, p. XVII (introdução).
26
Idem, p. XIII (introdução).
27
Albert C. Outler. Theology in the Wesleyan Spirit
Spirit, 1975, p. 3.
28
John Wesley. Sermões
Sermões, v. I, 1953, Prefácio, p. 21.
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“Ambiciono a verdade simples para
o povo simples: assim, de propósito deliberado, abstenho-me de todas as especulações delicadas e filosóficas, de todos os arrazoados embaraçantes e
intrincados. (...) Trabalho por evitar todas as palavras que não sejam fáceis
de entender. (...)”29
É esse compromisso com o povo
que leva Wesley a organizar as sociedades metodistas, com suas capelas
e escolas, a fim de ministrar a mensagem bíblica da salvação, tornando as
pessoas novas, livres do erro, da ignorância e do pecado. E, assim, ele
se envolve na dramaticidade da vida,
nas ruas, nas fábricas, nos presídios,
onde quer que ele se encontre com a
população. Tudo sempre a partir das
necessidades do povo e de sua capacidade de compreensão e assimilação.
O processo educativo da pregação
e do ensino desenvolvido por Wesley
jamais se circunscreveu aos ambientes fechados. A educação cristã, educação para a vida, aconteceu nas ruas,
nas praças, com as pregações e o ensino ao ar livre, bem como nos lares,
nas capelas, nas escolas; isso era endereçado às crianças, aos jovens, aos
adultos; isso ocorria nas vilas, nas cidades, nos caminhos, nas zonas rurais, em toda a parte. Muito mais do
que esperar a vinda do povo aos bancos, Wesley ia aonde o povo estava.
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gar ao fundo da questão. Samuel percebeu essa característica nas atitudes de
seu filho, ainda na sua adolescência.
Certa ocasião, Samuel diz à sua esposa,
Susanna: “Acho, querida, que nosso
Joãozinho não comeria o seu jantar se
não achasse uma razão para fazê-lo”30.
Wesley estudou os grandes filósofos gregos e, certamente muito cedo
alimentou, a sua inquietação racional
com a teoria da “inteligibilidade” nas
coisas, proposta por Aristóteles. No
seu Compêndio de filosofia natural,
que na primeira edição de 1777 já estava com cinco volumes, Wesley afirma a inteligibilidade dos próprios
mistérios cristãos, e que o crer era só
responsável em alcançar até a medida da verdade conscientemente atingida. Wesley escreve:
Ele se envolve na
dramaticidade da
vida, nas ruas, nas
fábricas, nos
presídios
“Nada é, pois, mais absurdo do que
as objeções dos não-crentes, contra a
inteligibilidade dos mistérios cristãos,
visto que o Cristianismo requer o nosso
assentimento, apenas ao que é simples
e inteligível, em todas as proposições.
Que todos tenham, primeiramente, uma
convicção completa da verdade de cada
proposição nos evangelhos, até onde ela
seja simples e inteligível, e então creiam
tanto quanto eles entendem.”31
Destaca-se, claramente, a importância que Wesley dá ao entendimento, como sendo a medida da responsabilidade humana. Projeta-se aqui a
razão como órgão fundamental do
ser humano.
Em uma carta escrita ao senhor
Rutherforth, Wesley argúi:
Entender para crer e viver
Desde muito cedo em sua vida,
Wesley revelou sua profunda necessidade de encontrar a explicação suficiente para os fatos; é a manifestação
do seu espírito lógico, ávido por che-
“O senhor continua: ‘É princípio fundamental na escola metodista que todos
29
Idem, ibidem, p. 21-22.
W. H. Fitchett. Wesley e seu século
século, v. I, 1927, p. 50 (conforme citado).
31
John Wesley. Compêndio de filosofia natural
natural, V. II, p. 447-449 (conforme citado em Burtner e Chiles – Coletânea da
Teologia de John Wesley
Wesley).
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os que entram para ela devem renunciar
a sua razão’. Está o senhor acordado?
A menos que o senhor esteja conversando dormindo, como pode o senhor dizer uma inverdade tão grosseira? Nós
temos o princípio fundamental de que o
renunciar à razão é renunciar à religião,
que a religião e a razão caminham de
mãos dadas, e que toda a religião sem
razão é falsa.”32
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O entendimento, a autoconsciência, portanto, das coisas, da vida, da
realidade, implicava em estudo sério,
determinado, orientado. O entendimento, que se consegue por meio da
pesquisa, do estudo, é algo tão essencial à própria vida a ponto de se constituir em um dos quatro grandes pilares do Cristianismo: “O Cristianismo
é construído sobre quatro grandes pilares: o poder, o entendimento, a bondade e a santidade de Deus”34.
Na sua mensagem e no seu ensino,
Wesley primou por levar às pessoas o
mais completo entendimento de tudo
o que se relacionasse com a vida de
cada um, bem como do que estava
acontecendo ao seu redor. O processo
educacional de Wesley jamais buscou
ser massificante. O mundo criado por
Deus é um mundo racional, sensível ao
entendimento. Entender e crer são aspectos importantes da mesma realidade. Nem sempre há coincidência entre
entender e crer; muitas vezes, é preciso saber esperar.
“A religião e a razão
caminham de mãos
dadas, toda religião
sem a razão é falsa”
Embora a ciência da lingüística
não tivesse atingido o nível elaborado dos nossos tempos, Wesley tinha
bastante consciência da complexidade da palavra e da necessidade de se
conhecer ao máximo os recursos disponíveis a fim de penetrar, o mais
próximo da sua substância, no seu
sentido real. No prefácio escrito por
Wesley às Notas explanatórias sobre
o novo testamento , em janeiro de
1754, ele diz:
“Podemos observar na linguagem
dos Escritos Sagrados a maior profundeza, bem como a maior facilidade (...)
e daí, o dizer de Lutero: ‘A teologia
nada mais é do que a gramática da
língua do Espírito Santo’. Para entendermos isso perfeitamente, devemos
observar a ênfase que existe em cada
palavra, os santos sentimentos ali expressos e o temperamento manifesto
pelos escritores.”33
Método, o caminho da
eficácia
Para Wesley, as palavras precisam
ser colocadas na sua dimensão histórica, para serem entendidas; afinal
de contas, elas têm diferentes “ênfases”, expressam graus de “sentimentos” e manifestam o “temperamento’”
do seu autor.
Para Wesley, as
palavras precisam ser
colocadas na sua
dimensão histórica,
para serem entendidas
James Richard Joy, em seu livro
O Despertamento Religioso de John
Wesley , intitula o II capítulo com a
frase “Tal mãe, tal filho”, começando a primeira linha com a seguinte
afirmação: “John Wesley era metodista desde o berço”35; e a ênfase que
corre todo esse capítulo está centrada, exatamente, na extraordinária
capacidade de vida metódica e organizada, cultivada por John Wesley,
durante a totalidade de sua existência, e que ele aprendeu primeiramen-
32
Cartas, v. V, p. 364.
Prefácio em Explanatory Notes Upon the New Testament
Testament, item 12, p. 9.
34
Obras, v. XI. Demonstração clara e concisa da inspiração das Sagradas Escrituras
Escrituras, p. 478-479.
35
James Richard Joy. O despertamento religioso de João Wesley
Wesley, 1963, p. 30.
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te com sua mãe e com sua vivência
no lar.
Susanna Annesley Wesley teve 19 filhos, dos quais sobreviveram nove.
Desde cedo, eles aprenderam a temer a
vara e chorar suavemente. Cada um dos
filhos, logo que pudesse falar, aprendia a oração do Pai Nosso; aprendia o
alfabeto de cor e a escrever as letras
maiúsculas e minúsculas, no dia do seu
quinto aniversário; apenas duas filhas
precisaram mais meio dia para vencer
o aprendizado. Depois, eles entravam
para a escola que funcionava no lar, sob
a direção da própria Suzana, e as crianças maiores ajudavam a ensinar as
menores; não era permitido qualquer
interrupção das 9h às 12h e das 14h às
17h de cada dia. Sob a liderança firme,
metódica, de Susanna, Wesley viveu no
seu lar até os onze anos, quando foi
para um estabelecimento de ensino do
governo. O uso organizado do tempo,
da distribuição de suas responsabilidades diárias, que Wesley aprendeu
com sua mãe, ele cultivou plenamente
no resto de sua vida.
Em 1727, quando Wesley, na Universidade de Oxford, concluía os seus estudos para o grau de mestre em Artes,
ele escreveu à Susanna, informando-a
de seu plano metódico de estudos, que
ele cumpria no uso programado de seu
tempo. Nessa carta36, ele diz que dedicava as segundas e terças-feiras aos
estudos gregos e latinos; as quartasfeiras aos estudos da lógica e da moral; as quintas-feiras aos estudos da língua hebraica e árabe; as sextas-feiras
aos estudos de metafísica e da filosofia natural; os sábados aos estudos da
retórica e da poesia; e os domingos aos
estudos da teologia. Reservava tempo,
ainda, para os estudos de matemática
36
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Cada um dos filhos,
logo que pudesse falar,
aprendia a oração do
Pai Nosso
Método, organização
foram fatores
essenciais na vida e
obra de Wesley
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e francês. Tinha tempo também para
sua vida de oração, visitas, leituras de
livros devocionais, prática de exercícios físicos diários. É bom lembrar que
Wesley levantava diariamente às quatro horas, e deitava ao redor das onze
horas da noite.
Esse espírito metódico, organizado
Wesley difundiu no “Clube Santo”, na
Universidade de Oxford, desde 1729 até
1735, período em que o epíteto de zombaria “metodista” lhe foi atribuído e aos
seus companheiros, pelos demais estudantes. Mais tarde, quando se desenvolveram as Sociedades Unidas, criadas
por Wesley, o nome que receberam foi
de “Metodistas”, exatamente pela prática regular e metódica de certos atos,
caracterizando o movimento que haveria de se difundir por todo o mundo.
Método, organização foram fatores
essenciais na vida e obra de Wesley.
Ele os entendia como sendo o caminho
da eficácia. Praticamente em tudo em
que Wesley se envolvia, ele imprimia
de modo indelével uma metodologia
organizada, sistemática. Ele requeria
isso dos seus auxiliares, dos membros
das sociedades, até mesmo das crianças que freqüentavam as sociedades
ou as escolas que Wesley organizou.
Mais do que em outras experiências, é no trato com as crianças que
se sobressaem a eficácia e os exageros, se não mesmo a inabilidade em
psicologia infantil, revelados por
Wesley. Diz ele:
“Há dois modos para escrever-se ou
falar-se às crianças: um consiste em descermos até elas, o outro em elevá-las até
nós. O Dr. Watts seguiu o primeiro modo,
escrevendo com admirável sucesso, falando-lhes como criança, e deixando-as
Obras, v. XII – Carta a Suzana
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como ele as encontrou. Os seguintes livros [uma coleção de livros para crianças editados por Wesley] foram escritos
seguindo o segundo modo; eles contêm
sentido forte e másculo, mas em linguagem tão fácil que mesmo as crianças
podem entendê-la; mas quando elas as
entendem, já não são mais crianças, sendo-o apenas na idade e na estatura.”37
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de cima. (...) que lugar delicioso; agora
tudo está como eu desejo.”40
Aqui está o centro do problema na
metodologia educacional de Wesley
para as crianças; ele as via como pequenos adultos, e não como crianças propriamente. Nas escolas, nos grupos de
crianças organizados nas sociedades,
Wesley desenvolveu uma prática metódica, no ensino às meninas e aos meninos e aos adultos, também. Se é verdade o rigor na metodologia usada, não é
menos verdade que todas essas exigências eram dosadas com um profundo
manto de simpatia e amor. O fato concreto é que com Wesley e o Metodismo
a população na Inglaterra, no século
XVIII, cresceu consideravelmente no conhecimento, na educação e na cultura.
A verdade reconhecida é a de que as
crianças aprendiam, os adultos aprendiam e as famílias metodistas subiram
rapidamente de classe social.
Wesley realmente acreditava na eficácia do trabalho organizado, metódico, sistemático com as crianças, como
oportunidade incomparável na formação de personalidade equilibrada, como
semente plantada, que haveria de produzir os frutos necessários, na época
própria. Foi constante na sua vida a inquietação e as providências, visando
à educação religiosa, moral, científica,
global das crianças. Em 1736, enquanto na Geórgia, em sua aventura missionária, trabalhando junto a uma escola
para meninas e meninos, que organizou, Wesley redigiu um “catecismo
para crianças”; por volta de 1740, nos
primórdios do movimento metodista,
na Inglaterra, ele preparou um manual
Nas escolas, nos
grupos de crianças
organizados nas
sociedades, Wesley
desenvolveu uma
prática metódica
A escola Kingswood, fundada por
Wesley em 1748, uma espécie de colégio-internato, onde as crianças e
adolescentes eram admitidos, incluía
um programa para uma educação
ampla. Ali, Wesley desenvolveu uma
disciplina rígida, espartana, de estudos e trabalhos. Não havia, porém,
qualquer período de recreação, pois
ele dizia: “Aquele que brinca quando
criança brinca quando for homem”38.
Wesley enfrentou muitos problemas
com essa e outras escolas, no esforço de implantar a sua metodologia
educacional. Em 1776, ele escreve:
“Fui a Kingswood; depois de dizer
tudo que tinha em mente dizer aos
mestres e empregados, falei às crianças de maneira ainda mais forte do
que nunca. Matarei ou curarei. Terei
uma ou outra coisa; terei uma escola
cristã ou nenhuma”39.
Alguns anos mais tarde, Wesley
volta novamente à sua escola de
Kingswood e relata a visita que lá fez:
“Aquele que brinca
quando criança
brinca quando for
homem”
“Achei a escola em excelente ordem.
É agora um dos lugares agradáveis da
Inglaterra. Achei tudo como desejava;
as regras são observadas e o comportamento das crianças revela uma disciplina inspirada pela sabedoria que vem lá
37
Poesias, v. VI, Prefácio à edição resumida dos meios para crianças
crianças, p. 369.
James Richard Joy. Citado em O departamento religioso de João Wesley
Wesley, p. 129.
39
Diário, v. V, p. 159.
40
John Wesley. Citado em Holland Metyeire, History of Methodism
Methodism, p. 333.
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de instruções para crianças. Em 1748,
na escola de Kingswood, cresce o trabalho com os pequenos, multiplicando-se as classes, nas diversas sociedades, bem como escolas, visando a sua
instrução. Se o material didático usado na época não lhe parecesse bom,
Wesley preparava pessoalmente gramáticas, manuais, edições novas e cuidadosamente revisados de autores
clássicos, conforme aconteceu na própria escola de Kingswood41. Em 1768,
durante a Conferência Anual das Sociedades, Wesley preparou cinco instruções, para serem observadas pelos
pregadores, que se espalhavam por
toda a Inglaterra, Irlanda e Escócia4 2:
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siderava “uma doutrina cheia de blasfêmia” 43. Wesley aceita a liberdade
como um dom intrínseco na natureza
humana, conservada em alguma medida, mesmo após o pecado. No sermão sobre “A Libertação Geral”, Wesley
afirma: “A imagem natural de Deus
consiste nestes elementos: o poder de
movimento próprio, o entendimento,
a vontade e a liberdade”44.
Esses quatro elementos têm um
ponto central em comum, que é a liberdade. É exatamente o “abuso da sua
liberdade”45 que levará o ser humano
à queda e ao fracasso. Mesmo a reconciliação do ser humano com Deus e
com seu semelhante supõe a sua liberdade, pois: “a sabedoria de Deus se
mostra na salvação do homem, sem
destruição da sua natureza, sem priválo da liberdade, que lhe foi dada”46. A
idéia de “castigo e recompensa”, aspecto saliente na teologia de Wesley, só
tem sentido na afirmação de que “toda
recompensa bem como todo castigo
pressupõe liberdade de ação, e sempre que uma criatura é incapaz de escolher, ela se torna incapaz de recompensa ou castigo”47.
A primeira Conferência Anual do
Movimento Metodista, acontecida em
1744, vai dar respostas a alguns problemas concretos, que estavam afetando
a vida do “povo chamado metodista”.
Essa Conferência institui, ela mesma,
uma prática altamente significativa e
salutar, na preservação e na dinamização da liberdade de idéias e de ação,
que se têm tornado um verdadeiro
símbolo dentro do Metodismo, tantas
Wesley aceita a
liberdade como um
dom intrínseco na
natureza humana
“ 1. Seja do agrado ou não, devem passar uma hora semanal com as crianças;
2. Conversar com as crianças, sempre
que as encontrassem;
3. Orar pelas crianças encarecidamente;
4. Instruir com diligência aos pais, e
exortar a todos, veementemente, em
suas casas;
5. Pregar, especificamente, sobre a
educação das crianças.”
Consciência,
o limite da liberdade
O melhor amigo de Wesley, Jorge
Whitefield, liderara um movimento
religioso que se torna um dos motivos de grande sofrimento para Wesley
e uma oportunidade para um de seus
mais persistentes conflitos religiosos,
chamado a Controvérsia Calvinista.
Wesley sempre se opôs à idéia
predestinista da salvação, que ele con41
Mateo Lelièvre. Juan Wesley
Wesley. Su vida y su obra, 1911, p. 303.
José A. Piquinela. Una fiesta sin precedentes
precedentes, 1980, p. 02.
43
Diário, v. VII, no Sermão A livre graça
graça, p. 376-383.
44
Idem, v. VI, p. 242-244.
45
Idem, p. 271-272.
46
Idem, p. 326.
47
Obras, v. X, p. 361-363.
48
John Wesley. Sermões
Sermões, v. II, p. 226; Jornal, VII, p. 389.
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vezes relembrado no dito de Wesley:
“Penso, e deixo os outros pensarem”48.
Uma das primeiras resoluções,
definidas nessa Conferência foi:
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No estudo do relacionamento do
movimento metodista, das sociedades
metodistas com a Igreja Anglicana, levantado na Conferência de 1744, ficou
decidido, com aprovação de Wesley,
que “se devia obedecer aos bispos
anglicanos, em todas as coisas que fossem indiferentes, submetendo-se aos
cânones eclesiásticos, dentro dos limites aprovados pela consciência”53.
O grande problema que perseguiu
Wesley a vida toda foi exatamente a
conciliação, nem sempre fácil, de conseguir, entre a quase rigidez de seus
métodos de educação e trabalho e a
eficiente organização desenvolvida no
Movimento Metodista. Organização
que produziu uma notável infra-estrutura, com os desafios liberais e democráticos, resultantes de suas amplas
convicções da liberdade humana, da
autoconsciência individual, do direito de participação e debate sobre
qualquer assunto. Tudo isso para se
chegar às últimas conseqüências, na
compreensão da verdade das coisas
e da vida. No entanto, é inegável que
Wesley conseguiu atingir um extraordinário índice de relacionamento
dialético entre essas características
dominantes na sua vida e na sua filosofia de educação. Mais que isso,
Wesley imprimiu, na sua mensagem e
no seu ensino, o significado superior
da liberdade de consciência, como um
valor a ser cultivado. Ele mesmo se
submetia à correção por qualquer
erro que viesse a cometer:
“Penso, e deixo os
outros pensarem”
“É desejo que todas as coisas sejam
consideradas na presença imediata de
Deus; que nos reunamos com bons propósitos e como pequenos que têm de
aprender tudo; que todo assunto seja examinado a fundo; que toda pessoa diga livremente o que sente, e que toda questão
proposta seja discutida amplamente”49.
Humildade, pesquisa, liberdade de
expressão e discussão ampla são características que se sobressaem na resolução acima. É ainda nessa Conferência
que Wesley vai enfatizar a importância
da consciência, da autoconsciência
como o limite da liberdade e responsabilidade humanas. Ao ser feita na Conferência a pergunta sobre: até que ponto deveria cada um submeter-se ao
julgamento dos demais, Wesley respondeu, com a aprovação dos participantes:
“Nas causas de caráter especulativo
ninguém é obrigado a submeter-se, senão até onde suas convicções lhe permitam; mas, em assuntos práticos, devemos submeter-nos ao juízo dos
demais até onde seja possível, sem violentar nossa consciência.”50
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Wesley conseguiu
atingir um
extraordinário índice
de relacionamento
dialético
O próprio pecado, para Wesley, só
pode ser entendido como algo referido à consciência humana: “O pecado
propriamente dito é uma transgressão
voluntária de uma lei conhecida”51. Ou
ainda: “Estritamente falando-se, só é
pecado a transgressão consciente de
uma lei de Deus”52.
“Mas, alguns podem dizer que tenha
eu próprio errado o caminho, embora
tomando o encargo de o ensinar aos
outros. (...) Asseguro, porém, que onde
49
Diário, v. III, p. 144.
Jorge Smith. History of Wesley and Methodism
Methodism, v. I, 1859, p. 211.
51
Obras, v. XI, p. 396.
52
Cartas, v. V, p. 322.
53
Obras, v. VIII, p. 280.
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quer que eu tenha errado, minha mente
está aberta para a convicção em contrário. Desejo sinceramente ser melhor
ensinado. Digo a Deus e ao homem:
aquilo que eu não sei, tu mo ensinas.”5 4
54
55
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à capela que havia lá, liam livros selecionados para os prisioneiros, e de seus
próprios recursos, juntamente com contribuições trimestrais de outros, eles
construíram um fundo, para a compra
de livros, remédios e outras coisas, que
suprissem as necessidades dos prisioneiros, libertando alguns que estavam
presos devido a pequenas dívidas55.
Esse espírito intensamente prático
Wesley vai expressar vigorosamente
no movimento metodista. Seus seguidores precisavam não somente ser
boas criaturas, mas também fazer
todo o bem possível.
Num sermão sobre “A imperfeição do conhecimento humano”, escreve Wesley:
Práxis e frutos,
a dinâmica da educação
É inegável o fato de que Wesley foi
sempre um homem prático, que entendia o valor de qualquer coisa ou verdade, na medida em que isso produzisse algum resultado significativo.
Para Wesley, a verdade ou qualquer
fato precisavam ter o seu sentido, a sua
razão de ser, a sua função; enfim, precisavam ter a sua devida aplicação e
produzir os necessários frutos. O ensino de algum princípio implicava na sua
aplicação, e isso redundaria em resultados. Essa capacidade de aplicação e
de obtenção de resultados é que determinará a importância do ensino, e
a sua efetiva aplicação e os resultados
alcançados é que identificarão a realidade do tema em questão.
Em 1729, foi organizado o “Clube
Santo” por Charles Wesley e alguns
companheiros, na Universidade de
Oxford; poucos meses depois, John
Wesley volta a Oxford e assume a liderança do Clube. Era característico do
programa o exame diário das ações durante o dia e dos planos para o dia
seguinte. Em síntese, o plano de ação
do Clube Santo era simples; eles distribuíam as tarefas para pequenos grupos; alguns conversariam com jovens
da Universidade, visando a ajudá-los;
outros instruíam e auxiliavam famílias
pobres; outros ainda faziam o trabalho
numa escola especial para crianças; alguns mais iam ao presídio da cidade e
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Esse espírito
intensamente prático
Wesley vai expressar
vigorosamente no
movimento metodista
“O desejo de conhecimento é princípio universal do ser humano, gravado na
sua natureza mais íntima. (...) O atual
conhecimento do ser humano (...) é suficiente para avisar-nos e preservar-nos
da maioria dos males (...) e para provernos de tudo o que nos é necessário.”56
Essa é a tese pragmática de Wesley
no que se refere ao conhecimento; ele
é importante na proporção em que
nos preserva, nos resguarda e nos
supre.
Na segunda Conferência de Diretores de Colégios da Igreja Metodista,
realizada no Chile em 1952, foi feita
uma afirmação, que corresponde ao
juramento e à ação de Wesley no que
se refere ao processo educacional:
“Reconhecendo que as pessoas não
podem participar na vida social, que as
rodeia, não podem abrir a Bíblia para
buscar a verdade e, por fim, não podem
John Wesley. Sermões
Sermões, v. I (Prefácio), p. 24.
James Richard Joy. Op. cit., p. 23-24.
Diário, v. VI, p. 337-338.
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se salvar, se não são educadas. O
Metodismo tratou de abrir as mentes
das pessoas, (...) Desde o começo, a
apreciação dos conhecimentos formou uma parte intrínseca da filosofia metodista.”57
É preciso “abrir a mente” das pessoas com os conhecimentos e a educação, afim de que elas possam participar da vida social, buscar a verdade
e encontrar a sua reconciliação. Daí a
importância de se selecionar e buscar
o que é fundamental, separando das
bagatelas e coisas secundárias. Escreve Wesley:
É preciso “abrir a
mente” das pessoas
com os conhecimentos
e a educação
“Se tivéssemos pela frente muitos
séculos de vida, poderíamos muito bem
dedicar algum tempo ao estudo de bagatelas curiosas; mas sendo tão efêmera
esta existência, seria malbaratar o tempo, empregando uma parte considerável dele em coisas que não trarão proveito imediato e seguro.”58
É essencial na pregação e no ensino de Wesley a valorização do prático sobre o teórico. Não que Wesley menosprezasse a teoria, a formulação de
preceitos, a sistematização de princípios; porém o mais importante é ser
a teologia uma reflexão sobre a prática da fé cristã, sobre a ética cristã.
Na verdade, o Cristianismo é o povo
praticando a fé cristã. Assim, reconhece-se a supremacia da prática
sobre o escolasticismo, sobre o intelectualismo, sobre as especulações e
sobre as teorias. Nesse sentido, Wesley
distingue entre “opiniões” e “doutrinas essenciais”. As doutrinas essenciais estão relacionadas à realidade
da prática da fé, na sua expressão
concreta, no dia-a-dia da vida. As dou57
58
O Cristianismo é o povo
praticando a fé cristã
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trinas essenciais são aquelas que interferem, não apenas com a crença
de alguém, mas com a sua conduta,
o seu comportamento, o seu modo
de ser e viver, quer em relação a Deus
como ao próximo e a si mesmo. As
doutrinas essenciais supõem confiança, segurança, firmeza, convicção.
Elas revelam, de imediato, pela prática, os seus significativos resultados.
As opiniões, enquanto opiniões, são
meros ‘pontos de vista’, suposições,
quando muito, possibilidades. Assim,
Wesley e o Metodismo reforçam a
prática da fé, do bem, das boas obras
como critério para a avaliação de sua
própria identidade e, também, como
instrumento de sua validação.
Deve-se começar com a “teoria da
fé” ou com a “prática da fé”? Vemos que
Wesley valorizou a teologia da cultura, na medida em que nela encontrou
os elementos essenciais para desenvolver sua mensagem e seu ensino. É a
partir da realidade concreta da vida do
povo que Wesley encontrou os desafios, cujas respostas ele buscava na Bíblia e na vasta formação cultural que
havia construído. A teorização posterior, a construção da teologia nada
mais era que a organização na forma
racional dos elementos da vivência da
fé cristã e da vida humana.
Na caminhada de Wesley, na organização do movimento metodista, ele
foi reformulando suas tradições, na
medida em que a experiência da prática assim exigia. Wesley aprendera
que pregar ao ar livre era profanação
da Palavra de Deus, até que mostrou
ser uma graça divina. Wesley aprendera que somente o clérigo consagrado podia pregar a mensagem, até que
os leigos provaram na prática que isso
era abençoado por Deus.
Jane Hahne. El Missionero y La Escuela Confessional, 1952, citado em Objetivos de las escuelas metodistas
metodistas, p. 49.
Obras, v. XII, p. 9.
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É claro que Wesley buscava encontrar, na Bíblia e no testemunho e conselho de Susanna e amigos leais, argumentos que lhe ajudassem a tomar essas
decisões. É inquestionável, no entanto,
que o espírito prático de Wesley constituía a força decisiva para as mudanças que foram acontecendo no seu ministério da pregação e do ensino.
A prática da educação de crianças e de adultos, incluindo o preparo dos pregadores, visava sempre a
preparar as pessoas para a transformação de suas vidas para melhor se
qualificar para a sua sobrevivência e
para subir na escalada social. E assim
aconteceu. A mensagem e o ensino
endereçados para a grande maioria
das pessoas pobres, analfabetas e de
vida moral enfraquecida produziu em
um século a formação de uma estável comunidade de classe média, nos
metodistas da Inglaterra e, também,
em várias partes do mundo.
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O espírito prático de
Wesley constituía a
força decisiva para as
mudanças que foram
acontecendo no seu
ministério
Educação contínua,
a solução
A educação formal, nos dias de
Wesley, era realmente um privilégio,
concedido a um grupo muito pequeno, entre os de família nobre e os de
família rica. Excepcionalmente, alguém
de família pobre – como era o caso dos
Wesley –, mediante bolsa de estudo
ou trabalho, usufruía da oportunidade de ir à escola. A grande maioria do
povo era gente pobre e ignorante.
O movimento metodista vai contribuir de maneira decisiva para diminuir, em muito, a ignorância dessa
gente. Isso foi feito por meio das muitas escolas que se criaram a partir
de John Wesley mas, também, de
modo impressionante, pela educação
59
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A grande maioria do
povo era gente pobre
e ignorante
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de adultos, por meio de processos os
mas variados, dentro do que poderíamos chamar “educação não-formal”.
Múltiplos foram os estímulos intelectuais usados por Wesley na consecução desse objetivo, partilhados com
milhares de pessoas, que se uniram,
ou não, ao movimento metodista.
Como o próprio Wesley afirmava:
“Os metodistas poderão ser pobres,
mas não há necessidade de que eles
sejam ignorantes” 59.
É essa visão educacional que levará Wesley a desenvolver uma imensa
atividade libertária, com publicações de
toda a espécie, a fim de colocar esses
recursos ao alcance do povo pobre e
dos seus colaboradores. Wesley publicou mais de duzentas obras, escritas
por ele ou compendiadas, incluindo biografias, livros, obras místicas, histórias,
sermões, obras didáticas de todo o tipo.
Assim ele produziu folhetos, livretos,
revistas, opúsculos, livros e coleções.
Quando Wesley “foi levado à sepultura por seis pessoas pobres, nada deixou senão uma boa biblioteca, uma
bem gasta sobrepeliz, uma reputação
muito vilipendiada, e a Igreja Metodista” 60. É assim que o escritor Fitchett
vê o fim terreno de Wesley. Morreu pobre, como era seu desejo, mas legou
ao mundo aquilo que fora essencial
no desempenho da sua extraordinária obra educacional e evangélica: o
acervo da sua notável biblioteca.
Podemos acompanhar com segurança o caminho de um pobre ignorante que fosse alcançado pela mensagem metodista. Ele começava com
a leitura da Bíblia, se soubesse ler;
caso contrário, tinha de aprender a ler,
e a Bíblia era o seu livro-texto; depois
vinham os sermões de Wesley, os hinos de Charles e, então, os tratados
John O. Gross. La Iclesia Cristiana y La Educacion Superior, in: Objetivos de las escuelas metodistas
metodistas, op. cit., p. 81.
W. H. Fitchett. Wesley e seu século
século, v. I, 1927, p. 05.
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sobre os mais diversos assuntos; depois mais, ele se confrontaria com a
“Biblioteca Cristã”, organizada por
Wesley, e que devia fazer parte de
cada sociedade, contendo uma seleção de livros, visando a um aprimoramento intelectual sistematizado. Essa
tremenda pressão sobre as faculdades
mentais do povo comum colaborou
decisivamente na demanda, mais tarde parcialmente e formalmente satisfeita, por escolas públicas gratuitas,
que se espalharam pela Inglaterra.
Wesley sempre demonstrou uma
preocupação acentuada com o preparo intelectual dos seus ajudantes leigos,
a quem pedia para estudarem continuamente, seguindo um plano elaborado
por ele. O próprio Wesley, sempre que
tinha oportunidade, aproveitava as ocasiões para estudar juntamente com algumas pessoas, a fim de estimulá-las.
Certa ocasião em 1747, ele escreve:
“Durante esta semana, estudei em
companhia de alguns jovens um compêndio de Retórica e outro de Ética. Eu
não vejo porque um homem de inteligência mediana não possa aprender
em seis meses uma sólida filosofia,
mais do que se aprende em Oxford em
quatro anos e, em algumas vezes, em
sete anos de estudos.”61
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A educação, para Wesley, jamais foi
entendida como um instrumento apenas para a preparação secular de alguém, ou visando à conquista de uma
profissão, para usufruir bens materiais
e crescer na escala social da vida. A
educação era um instrumento divino
para o humano, do cristão. Estudar é
libertar-se da ignorância e do erro, bem
como crescer na graça e no conhecimento de Deus e do mundo, criação
de Deus, e de tudo o que nele há. Essa
compreensão do lugar da educação na
economia de Deus é que nos ajuda a
entender melhor o intenso amor de
Wesley pela educação, especialmente
a educação continuada. Educação é
um processo dinâmico; é a descoberta e conquista das riquezas de Deus.
Educação é um
processo dinâmico; é
a descoberta e
conquista das
riquezas de Deus
Conclusão
Podemos afirmar que John Wesley
foi um notável pregador e, igualmente,
um extraordinário professor. Ele não
buscava alcançar apenas o coração, o
sentimento, as emoções da pessoa; ele
não buscava massificar o evangelho,
na vida de seus seguidores; ele não buscava o superficialismo da fé, da vida
interior. Na verdade, Wesley buscava
alcançar a compreensão mais profunda possível da fé cristã, de tal sorte que
o crente assumisse conscientemente
a plenitude do desafio da vida nova,
de amor a Deus e amor ao próximo.
Wesley entendia Deus como um ser de
amor e inteligência. É verdade que o
pecado havia destruído a imagem do
amor e da sabedoria de Deus, no ser
humano. O próprio Wesley afirmava:
O ser humano
nasceu para crescer,
e crescer sempre
“Não há perfeição em grau, como
se diz; nenhuma há que não admita
crescimento. Quanto mais alto tenha
subido o homem, por mais elevado
62
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que seja o grau de sua perfeição, ele
ainda tem necessidade de crescer em
graça e avançar diariamente no conhecimento e no amor de Deus.”62
O fundamento, em Wesley, da educação continuada, seja secular, seja
bíblica, está na sua convicção teológica de que o ser humano nasceu
para crescer, e crescer sempre. É ele
quem afirma:
61
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Diário, v. III, p. 284.
Sermões, v.. II, p. 286.
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“Além da semelhança com o seu
criador, o homem foi dotado de entendimento – capacidade de apreender todas as coisas, que se lhe
antolham, e de fazer julgamento a
respeito dos mesmos.”63 (...) “A imagem natural de Deus consiste nestes
elementos: o poder de movimento
próprio, o entendimento, a vontade e
a liberdade.”64
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trói o caminho da reconciliação com
Ele. O ponto de partida é a graça preveniente. Segue-se a graça justificante
e a graça santificadora. O ser humano vitaliza a sua semelhança e imagem de Deus. Em Cristo, a dignidade
humana é refeita. Coração e razão trabalham na sua plenitude. Wesley sabe
que a pregação e a educação, a mensagem e o ensino são a base para a
edificação da nova vida, nascida em
Cristo. É essa convicção teológica que
leva Wesley a insistir na necessidade da
educação. Ele é um pregador que educa, um educador que prega. E isso ele
requer dos seus companheiros de trabalho e de todos os seus seguidores.
É tão forte a presença da educação no movimento metodista que, ao
espalhar-se pelo mundo, valorizou e
valoriza a libertação do ser humano
de toda a ignorância. Hoje, no Brasil,
o povo metodista batalha pelo seu
crescimento cultural e educacional; a
força numérica educacional metodista é aproximada à força numérica, econômica e organizacional das congregações metodistas.
Mas Wesley continua: o pecado
corrompe a totalidade do ser humano; e da raiz do pecado cresce a descrença, o orgulho, a vaidade, a ambição, a cobiça, a ira, o ódio, a malícia,
a vingança, a inveja, o crime. Isto é:
“O ser humano está num profundo
sono; os seus sentidos espirituais não
estão acordados; eles não discernem
o bem do mal. Os olhos do seu entendimento estão fechados (...) ele está
numa ignorância grosseira e estúpida
de tudo aquilo que deve conhecer.”6 5
Então a graça, o livre amor de
Deus, a misericórdia de Deus recons63
John Wesley. Sermões
Sermões: a libertação geral, conforme citado em Burtner e Chiles: Coletânea, p. 110.
Idem, p. 111.
65
John Wesley. Sermões
Sermões, v. II, p. 374.
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