Schumpeter e as raízes históricas do imperialismo
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Schumpeter e as raízes históricas do imperialismo
Schumpeter e as raízes históricas do imperialismo1 Ligia Maria Osorio Silvai Milena Fernandes de Oliveiraii Resumo Elaborada no imediato pós Primeira Guerra Mundial, a teoria do imperialismo de Joseph Schumpeter pretende ser uma alternativa à teoria econômica do imperialismo, do século XIX fosse resultado de mudanças ocorridas no capitalismo, inaugurando sua fase monopolista, Schumpeter explica o imperialismo pela presença de elementos atávicos e práticas feudais ainda atuantes no Estado Moderno. Adepto da teoria econômica liberal, Schumpeter levou em consideração certos aspectos do argutas observações de Schumpeter sobre as práticas burguesas do século XIX, uma referência obrigatória nesse campo de estudos. Palavras chaves: imperialismo, capitalismo, absolutismo, nacionalismo, militarismo. : B 10; F 02. Introdução Reconhecido pelas suas contribuições originais à análise econômica, Joseph Schumpeter (1883-1950) é lembrado, sobretudo, pela relação que estabeleceu entre crescimento econômico e inovação i Departamento de Política e História Econômica do Instituto de Economia da Unicamp. Livre Docente em História Econômica. Correios eletrônicos: losorioeco@ yahoo.com.br ou [email protected]. ii Departamento de Política e História Econômica do Instituto de Economia da Unicamp. Professora Doutora. Correio eletrônico: [email protected]. REVISTA Soc. Bras. Economia Política, São Paulo, nº 31, p. 65-96, fevereiro 2012 .65 tecnológica. Mas é também autor de dois estudos sociológicos escritos classes sociais num meio etnicamente homogêneo”2 –, aos quais atribuía um lugar de destaque na sua vasta obra.3 Existe consenso entre os sociológicos, esses artigos não devem ser compreendidos à parte da sua teoria econômica do capitalismo (VON BECKERATH, 1997, pp.15-28; TAYLOR, 1997, pp.525-55). No primeiro desses ensaios, “Sociologia dos imperialismos”, publicado em 1919, Schumpeter expôs, pela primeira vez de modo consistente, a sua teoria do imperialismo. Dentre os aspectos que mais chamam a atenção nesse artigo, está o seu conceito de imperialismo que, lastreado numa visão evolutiva do processo histórico, assentase sobre a lenta e incompleta dissolução do feudalismo. Incompleta porque alguns de seus elementos, dentre os quais se encontram os impulsos imperialistas, sobrevivem no interior da sociedade moderna e do capitalismo. Lenta porque, devido à sobrevivência de tais elementos, a formação do capitalismo se dilui no tempo, até que suas forças consigam superar os traços primitivos que subsistem em seu interior. Outra peculiaridade notável da teoria do imperialismo é o fato de negar qualquer nexo causal ou estrutural entre imperialismo e capitalismo enquanto sistema econômico. Apesar de ser adepto da “interpretação econômica da história”, que considerava a maior contribuição de Marx à teoria da história, essa negação causal se esclarece quando se compreende que seu objetivo principal era o de fornecer uma explicação alternativa à teoria econômica do imperialismo formulada pelos marxistas dos começos do século XX. Nesses autores, o imperialismo estava associado às transformações estruturais que teriam alterado a natureza do capitalismo, que passa de O Capital de Marx, essa escola de pensamento não apenas levou às últimas consequências a lei da tendência à queda da taxa de lucro, mas também relacionou seus efeitos aos acontecimentos políticos e econômicos do período que passou a ser designado de imperialista. Um dos expoentes dessa escola de pensamento foi Rudolph Hilferding.4 Para Schumpeter, o próprio Marx não dera muito destaque 66. REVISTA Soc. Bras. Economia Política, São Paulo, nº 31, p. 65-96, fevereiro 2012 à “tendência às restrições monopolísticas da produção” e às suas conseqüências, pois “era um economista competente demais para como Hilferding, fundamentaram sua tese em tal argumento, o que Schumpeter considerava “uma fonte de complicações imperialistas” e, “como subproduto, uma teoria de um fenômeno que, em si mesmo, não é necessariamente imperialismo – o protecionismo moderno” (SCHUMPETER, 1961c, p.66).5 Para o entendimento do capitalismo dos começos do século XX, Hilferding ofereceu uma contribuição central à História Econômica: formulou com clareza uma explicação coerente para as mudanças que se operavam no funcionamento do sistema capitalista a partir da generalização da industrialização na Europa e sua extensão aos Estados Unidos e Japão. Deu especial destaque ao novo papel desempenhado pelo protecionismo e suas relações com a expansão das conquistas territoriais na busca de novos mercados consumidores. Quando o capitalismo estava nos seus primórdios, as tarifas alfandegárias tiveram o objetivo de proteger as indústrias nascentes da competição com a indústria estrangeira, mas, segundo Hilferding, com a generalização da industrialização e o acirramento da competição na época da Segunda Revolução Industrial, as tarifas passaram a ser objeto da política dos cartéis para manter elevados os preços internos. O aumento dos preços no interior de uma nação tendia a diminuir a demanda de mercadorias,6 gerando efeitos negativos sobre a escala de produção. Para Hilferding, esse fato foi compensado de duas maneiras: pela ampliação do poder do cartel, mediante a destruição das empresas mais débeis, e pela exportação, inclusive a preços inferiores aos do mercado mundial (1985, p.290). Daí as políticas expansionistas nacionais que levaram o nacionalismo e a competição entre os Estados No âmbito da teoria marxista, Hilferding foi o primeiro a explicar como a expansão da industrialização multiplicou as sociedades por ações e generalizou a intervenção dos bancos na indústria. Isso passagem do domínio do capital do investidor privado para os bancos de investimentos dando origem ao , um de seus conceitos centrais (HILFERDING, 1985, p.219; ARRIGHI, 1996, pp.166-7). REVISTA Soc. Bras. Economia Política, São Paulo, nº 31, p. 65-96, fevereiro 2012 .67 Determinado sobretudo a desmentir as conclusões de Hilferding e de outros marxistas, segundo os quais, o imperialismo era uma consequência inevitável das mudanças estruturais por que passava o capitalismo, Schumpeter baseia sua teoria imperialista em uma análise histórica que buscava as raízes do fenômeno na Antiguidade. Detémse particularmente na passagem do feudalismo para o capitalismo para concluir que a continuidade do comportamento dos agentes históricos é a base para o entendimento do imperialismo, e não, as mudanças ocorridas se encontravam as forças produtivas e a civilização no capitalismo era incompatível com um fenômeno tão primevo como o imperialismo. Segundo o autor, este somente podia ser explicado pela sobrevivência de disposições agressivas, engendradas no feudalismo e transferidas para o plano estatal durante o processo de consolidação das monarquias absolutistas. A força da tese está na sugestão da sobrevivência de elementos oriundos do Antigo Regime na estrutura social da sociedade capitalista, ideia retomada posteriormente por Arno Mayer. Em razão sua teoria do imperialismo reside na sua permanente contradição com a evidência histórica, que, por vezes, é vítima do combate ideológico que travou com a corrente marxista. Economia de Mercado e Imperialismo A análise de situações concretas nas quais houve ação imperialista ao longo de diversas épocas históricas levou Schumpeter a três conclusões. Em primeiro lugar, o imperialismo seria uma inclinação irracional e puramente instintiva à guerra e à conquista. A grande maioria das guerras ocorridas na história não teria interesse concreto Em segundo lugar, essa pulsão belicosa não derivaria apenas de uma pulsão instintiva: explicar-se-ia também pelas necessidades sociais geradas por uma determinada situação histórica. É preciso constatar que as estruturas mentais e sociais formadas no passado remoto sobrevivem muito tempo depois do desaparecimento da função que 68. REVISTA Soc. Bras. Economia Política, São Paulo, nº 31, p. 65-96, fevereiro 2012 lhes dava sentido. Em terceiro lugar, a análise deve levar em conta os elementos secundários que facilitam a persistência dessas inclinações e dessas estruturas: os interesses das classes dominantes que estimulam suscetíveis de lucrarem (social ou economicamente) com as guerras. Esses dois tipos de interesses são, em geral, dissimulados por trás da fraseologia política e das motivações psicológicas. Por outro lado, o capitalismo só começou a modelar a sociedade a partir da segunda metade do século XVIII. Foi preciso a Revolução Industrial para ver a massa de trabalhadores e de empresários se destacar do modo de vida tradicional encarnado no campesinato, nas corporações e na aristocracia. Uma série de transformações econômicas criou as condições para que a produção de mercadorias se tornasse a função central de uma nova indústria (a indústria fabril), que produzia para um mercado de consumidores anônimos guiada pelo princípio do máximo lucro. A nova forma de produção – economia de mercado de iniciativa privada - produziu um novo espectro de classes e categorias sociais. Além do trabalhador de indústria, submetido à concorrência e obrigado vivia de capital aplicado, a do intelectual burocrata, além do empresário inovador. Houve uma ruptura com a ordem antiga, ao mesmo tempo racionalismo e no espírito democrático. O racionalismo colocou em cheque verdades estabelecidas, seja a respeito da estrutura social, do Estado ou do poderio da classe dirigente. Como consequência dessa evolução, os elementos instintivos da cultura harmonia com a nova organização social. Assim como as formas da antiga organização econômica só poderiam se perpetuar na medida em que fossem readaptadas e reinterpretadas, as pulsões instintivas só poderiam sobreviver às condições que as engendraram se elas pudessem adquirir, em consonância com a mudança do contexto, funções novas. Segundo Schumpeter, no mundo dominado pelos valores capitalistas, aquilo que antigamente era energia combatente transformouse em dedicação ao trabalho. Nesse contexto, as guerras de conquista REVISTA Soc. Bras. Economia Política, São Paulo, nº 31, p. 65-96, fevereiro 2012 .69 e de rapina, ou qualquer política externa ligeiramente aventureira só podiam ser entendidas como grave perturbação da vida quotidiana. Parecia-lhe evidente que as sociedades do seu tempo não queriam fazer a guerra, fato atestado pela existência de um número cada vez maior nas suas declarações públicas, diziam-se sempre contrários à guerra impossível assumir publicamente a defesa das guerras de conquista. defensiva. O imperialismo, que no passado podia aparecer sem disfarce, que tornava cada vez mais difícil a adoção de uma política imperialista. Por outro lado, a classe operária, classe que apresentava um como a Liga das Nações, a Corte de Haia etc. Finalmente, no país mais capitalista do mundo, os Estados Unidos, onde não existiam sobrevivências feudais, a política imperialista não vicejava. Assim, em princípio, uma sociedade capitalista não oferecia um terreno favorável ao desenvolvimento de tendências imperialistas. Mas, argumenta o autor, não se deve inferir disso que nenhum interesse na expansão imperialista exista na sociedade capitalista. Schumpeter acreditava que as únicas classes com algum interesse na política imperialista eram os proprietários de terras e os empresários das indústrias de armamentos, grupos poderosos, porém restritos. As outras classes da sociedade capitalista eram grandemente prejudicadas pelas guerras que causavam danos à economia e aos bens dos cidadãos comuns. Essas conclusões decorriam de uma questão de princípio: onde quer que dominasse o livre-comércio, nenhuma classe social teria interesse na expansão militar. Nas circunstâncias do livre-comércio, colônias não eram necessárias para fornecer matérias primas a bom preço para as metrópoles porque todos os produtos estariam disponíveis no comércio as taxas de lucro fossem mais elevadas, em um movimento totalmente 70. REVISTA Soc. Bras. Economia Política, São Paulo, nº 31, p. 65-96, fevereiro 2012 Schumpeter argumenta que o desenvolvimento do expediente protecionista (seja para restringir mercados, seja para manter preços) não era necessário. Se os empresários apoiavam o protecionismo era porque cada um esperava obter vantagens individuais nesse tipo de política e porque a superstição popular rezava que os produtos estrangeiros chegariam ao mercado interno a preços reduzidos em razão da mão de obra ser mais barata nos outros países. ao protecionismo, pareciam-lhe falsas. De fato, a política protecionista os interesses em cena. Hobson e Hilferding não estavam errados em chamar a atenção para as vantagens auferidas pelos industriais com os preços de monopólio (SCHUMPETER, 1961, p.103). A aliança entre as – a prática do dumping, de preços de monopólio, formulação e adoção de políticas protecionistas, a ameaça de guerra, etc. No entanto, tal política servia somente na aparência à economia capitalista, e os únicos a obterem reais vantagens com a política protecionista eram os proprietários de terras e os comerciantes de armas. Estes grupos tinham interesse numa política agressiva em relação a países estrangeiros e na realização de guerras, inclusive guerras de conquista de tipo imperialista, bem como, na conquista de colônias para obterem matérias primas e alimentos. Também usavam o imperialismo como estratégia diversionista para diminuir as tensões internas. O fato de haverem aqueles que tentavam que aquela fosse fruto de uma determinada etapa do capitalismo, como preconizavam “certas interpretações econômicas” da história. Operários e empresários, ao contrário, nada tinham a ganhar com as políticas dos monopólios. Essas classes capitalistas, procuravam frear a atitude agressiva e belicosa do Estado dominado pelos interesses monopolistas7. Às vezes, os políticos da era capitalista tratavam o assunto de modo demagógico, mas, para Schumpeter, mesmo isso era prova de que os elementos e as forças que se opunham à política dos monopólios não exprimiam uma forma de anticapitalismo ou os sobressaltos de uma ordem econômica moribunda, pronta para ceder seu lugar a uma nova forma da evolução capitalista. Ao contrário, REVISTA Soc. Bras. Economia Política, São Paulo, nº 31, p. 65-96, fevereiro 2012 .71 correspondia à racionalidade essencialmente capitalista. Se essas forças representassem, frente aos cartéis, o mesmo que as indústrias artesanais representaram face à indústria fabril, então teríamos uma realidade diferente. Mas não era o que ocorria e a política dos monopólios não derivava de uma lei imanente da evolução capitalista. irredutível entre capitalismo e imperialismo porque a dinâmica do sistema capitalista baseava-se na livre concorrência e nos princípios da racionalidade sobre a irracionalidade; seria um contrassenso que preconizasse a guerra8. O imperialismo não era, portanto, uma etapa do capitalismo, mas um fenômeno encontrado em todos os momentos históricos, independentemente da organização econômica vigente, já que era “a disposição, sem objetivo, da parte de um Estado de se expandir ilimitadamente pela força” (SCHUMPETER, 1961b, p.26). No entanto, o imperialismo, assim como não emanava de condições puramente objetivas, também não se reduzia a um fenômeno puramente ideológico, como uma leitura desatenta poderia concluir: A explicação está, ao invés disso, nas necessidades vitais de situações que levaram povos e classes a serem guerreiros – para evitar sua extinção – e no fato de que disposições psicológicas e estruturas sociais formadas, em tendem a se manter e a continuar em efeito muito depois de terem perdido seu sentido de preservadoras da vida (...). O imperialismo tem, portanto, um . Enquadra-se num grande grupo de características que sobrevivem de eras remotas, e que desempenham um papel importante em toda situação social concreta (SCHUMPETER, 1961b, p.86). Visto em perspectiva histórica, o imperialismo era também uma forma de dominação e persistiria na medida em que pudesse se adaptar a diferentes estruturas sociais de diferentes contextos históricos, não podendo ser reduzido à necessidade ou ao instinto. Esse é um dos aspectos do problema e explica, em parte, por que motivo o imperialismo pode existir no interior do capitalismo e até mesmo ser confundido com ele. Contudo, para compreender agressiva, que caracteriza o imperialismo schumpeteriano de forma geral. 72. REVISTA Soc. Bras. Economia Política, São Paulo, nº 31, p. 65-96, fevereiro 2012 A hierarquia social das sociedades industrializadas não se formou a partir de uma substância única, nem emanou apenas das leis que regem o capitalismo; ela justapôs e, numa certa medida, combinou a “substância” social de duas épocas diferentes, obedecendo simultaneamente e, às vezes, contraditoriamente, às leis de dois sistemas de organização social. “substância” feudal sobre a vida, a ideologia e a política das nações modernas contemporâneas a Schumpeter. A burguesia tinha condições de impor seus interesses se desejasse, mas, raramente, tomava as rédeas do governo diretamente nas mãos. Enquanto classe, tinha uma posição dos intelectuais, elementos desenraizados, personagens ideologicamente vacilantes e emocionalmente instáveis. Em contraste, os elementos que emanavam do passado feudal se caracterizavam pela solidez e pela segurança. A burguesia, particularmente sensível à qualidade carismática desses atributos, estava inclinada a se aliar com aqueles elementos em detrimento de seus próprios interesses. Existia aí uma dicotomia inerente ao espírito burguês que explicava, pelo menos parcialmente, as fraquezas da burguesia nos domínios da política, da cultura e do estilo de vida. Aí se encontrava a chave do desprezo que lhe devotavam igualmente a extrema direita e a esquerda. Em conclusão, o modo de vida implantado pelo sistema capitalista sociedades industrializadas das primeiras décadas do século XX deviam ser atribuídas à sobrevivência de elementos pré-capitalistas naquela sociedade. Por isso mesmo, no entendimento de Schumpeter, estariam em vias de desaparecer. Suas manifestações já estavam diminuindo. O imperialismo era um elemento que provinha das condições vivas do passado e não do presente, ou, “em, termos de interpretação econômica da História, que (provinha) antes das relações de produção predominantes no passado do que das que hoje existem”9 (SCHUMPETER, 1961b, p.86). Nesse sentido, o imperialismo representa a continuidade em relação ao passado que, durante o processo de consolidação do capitalismo, será, REVISTA Soc. Bras. Economia Política, São Paulo, nº 31, p. 65-96, fevereiro 2012 .73 necessariamente, rompida. Por outro lado, é essa continuidade com o passado explica sua presença neste modo de produção. Perpetuado pela autocracia real, o imperialismo atingiu seu apogeu antes que todas as conseqüências superá-lo. Para compreender o imperialismo em sua plenitude, Schumpeter o remete às suas raízes históricas, mais precisamente, ao século XVIII, no contexto da consolidação das monarquias absolutas. Imperialismo e monarquias absolutistas Enquanto a expansão colonial foi um fato capital da economia mundial da Época Moderna, o absolutismo marcou similarmente a vida política, sem contudo extravasar os limites das sociedades européias. Foi uma resposta, no plano político, à crise do feudalismo. O Estado que veio a se formar tinha características únicas, sendo objeto de debate entre muitos analistas. Há, entretanto, alguma discordância em torno da questão da natureza do Estado da época moderna. Para alguns, o feudal, condizente com a predominância do feudalismo e a nobreza como classe dominante. Para outros, o Estado absolutista centralizado, sem ser ainda um Estado burguês, correspondia, no plano político, à dominância do capital mercantil no plano econômico. Era um Estado de transição, feudais. Enquanto a estrutura estamental, fundada nos privilégios jurídicos oriundos do feudalismo em processo de desintegração, mantinha-se intocada, os interesses da classe burguesa já marcavam presença em certas das duas posições relativas à natureza do Estado Absolutista. Os marxistas ingleses HOBSBAWM (1954, p.33) e ANDERSON (1984, p.13), entre predominam os aspectos capitalistas. Existe ainda uma terceira tese sobre a natureza do Estado absolutista. ELIAS (1985, p.155 e 1993, p.145), autor cuja interpretação histórica se aproxima em muitos aspectos da de Schumpeter, em uma análise complexa sobre a época do absolutismo monárquico, aponta 74. REVISTA Soc. Bras. Economia Política, São Paulo, nº 31, p. 65-96, fevereiro 2012 para um equilíbrio de poderes. A classe dos burgueses abastados, sendo consciente do valor que representava para a sociedade, opunha uma forte resistência às reivindicações de dominação da nobreza, mas, ao mesmo tempo, era incapaz de expulsá-la e se apropriar do poder. De as camadas burguesas ascendentes, mas fraca demais, principalmente do ponto de vista econômico, para sozinha ocupar o poder. O fator decisivo para que a situação evoluísse para esse quadro era o fato de que a nobreza perdera as funções administrativas e judiciárias que exercera outrora e que, para desempenhar essas funções em nome do rei, surgira uma espécie de camada superior da burguesia. Consolidavam-se assim novas hierarquias sociais. Ambos os grupos dependiam do rei: a pressão das ricas camadas burguesas; e os grupos burgueses precisavam do rei para protegê-los das ameaças e da arrogância de uma nobreza tradicionalista. Existia assim, um equilíbrio de tensões que concedia aos dois grupos direitos quase iguais e impedia qualquer um deles de derrotar o outro; oferecia-se ao rei legítimo, aparentemente equidistante, Na verdade, Elias elabora o conceito de “mecanismo régio” para explicar todo tipo de governo autocrático: quando um forte poder central se acopla a uma sociedade com alto nível de diferenciação, e na qual há uma sensível ambivalência nos interesses dos grupos funcionais mais importantes, os centros de gravidade dos grupos dominantes se dividem igualmente entre eles, tornando impossível qualquer tipo de compromisso, combate ou vitória decisiva (1993, p.148). O autocrata – seja ele indivíduo ou grupo – assenta seu poder sobre a tensão entre os grupos de importância variável que se anulam reciprocamente como adversários ou parceiros interdependentes. Assim como Schumpeter, Elias faz uma análise sociológica e histórica ao mesmo tempo, dando aos seus conceitos um alcance bem mais amplo que historiadores como MOUSNIER (1957, pp.104-135), que retomaram a noção de “estado de equilíbrio” para caracterizar as monarquias absolutistas10. A interpretação de Schumpeter sobre a natureza do Estado Absolutista, apesar de original, tem concordâncias e discordâncias com todas as correntes citadas. No campo das concordâncias está o fato de REVISTA Soc. Bras. Economia Política, São Paulo, nº 31, p. 65-96, fevereiro 2012 .75 considerar o Estado absolutista um Estado feudal, assim como o faz a corrente marxista representada por Perry Anderson e Eric Hobsbawm. capitalismo nascente, a classe dominante continuava sendo a nobreza graças à permanência da estrutura agrária herdada: de seus mecanismos automáticos, e em parte das tendências políticas que engendrou – abolição da escravatura, libertação do solo dos compromissos feudais, e assim por diante – mas inicialmente não alterou as linhas básicas da estrutura social do campo (SCHUMPETER, 1961, p.117). A continuidade entre capitalismo e feudalismo baseava-se na permanência da nobreza como classe política central durante o Antigo Regime, consequência do alto grau de coesão ideológica que apresentava e que a capacitava para intervir na economia. No campo da política tarifária, por exemplo, a defesa bem sucedida que a nobreza fazia do protecionismo serviu, em primeiro lugar, para que conservasse seu modo de vida ostentatório. Amparada pelo aparelho estatal, a nobreza impedia a burguesia de desenvolver uma mentalidade própria, desvinculada da mentalidade do prestígio feudal, ou uma política própria, baseada no mérito e não no privilégio. No campo das discordâncias estava a questão colonial. Schumpeter divergia da interpretação que concedia às colônias um papel primordial no fortalecimento do Estado absolutista e da burguesia nascente. Embora também visse uma correlação entre as conquistas e a acumulação de poder dos monarcas, diferencia o impulso imperialista de colonialismo. O fenômeno da formação do Estado absolutista seria um fenômeno resultante de forças internas que se chocavam e de um vetor externo que era a projeção da violência em razão da necessidade da nobreza extravasar sua agressividade, mas não um fenômeno alimentado pelo desejo de criar colônias ou pela busca de riquezas: Na verdade, o rei demonstrava indiferença pelos empreendimentos comerciais e coloniais, parecendo preferir pequenas ações militares, destituídas de proveito, ali mesmo na Europa, desde que parecessem fáceis e prometessem sucesso. (...) É tempo que se reduzam às suas verdadeiras 76. REVISTA Soc. Bras. Economia Política, São Paulo, nº 31, p. 65-96, fevereiro 2012 proporções a participação que o mercantilismo teve nas empresas da época (SCHUMPETER, 1961b, p.81). O imperialismo, segundo Schumpeter, teria se consolidado como política do Antigo Regime, quando o Estado absolutista direcionou a belicosidade, antes difundida no interior da sociedade, para o exterior, o que pressupõe que o Estado soberano seja o detentor do monopólio da força. Para tanto, foi necessário retirar da nobreza sua autonomia guerreira, conservando-a, porém, como camada superior e dirigente das forças armadas. Manteve-se assim parte das suas prerrogativas e se redirecionaram seus impulsos expansionistas para fora do território presidido pelo monarca absolutista: “Para evitar a guerra civil, eram necessárias guerras externas” (SCHUMPETER, 1961b, p.80). Guerra e Apesar de contemporâneo das políticas imperialistas do Antigo Regime, o colonialismo distinguia-se delas por não ser uma política de Estado mas, ao contrário, ser fruto de empreendimentos individuais isolados. Schumpeter considerava um exagero atribuir ao mercantilismo a responsabilidade pelos empreendimentos militares da época, como por exemplo as expedições coloniais, já que os lucros proporcionados conquistas. O comércio era incipiente, assim como a mentalidade que o animava, porque ainda não havia uma industrialização consolidada: “a indústria era antes serva do Estado do que sua mentora”. O imperialismo praticado pelo Estado autocrático era uma reinvenção da nobreza, que continuava a ser a classe dominante e mantinha o seu ethos: “a beligerância e a política guerreira do Estado autocrático explicam-se pelas necessidades de sua estrutura social, das disposições herdadas pela classe dominante e não pelas vantagens imediatas obtidas com a conquista” (SCHUMPETER, 1961b, pp.80-82). Em outros termos, opunha-se ao conceito de “acumulação primitiva”, formulado por MARX (1977). Para Marx, na trajetória lógico-histórica do capital, a “acumulação primitiva” – a “acumulação prévia” de Adam Smith – era uma acumulação que não resultava do modo de produção capitalista, mas era seu ponto de partida. Os mecanismos extra-econômicos foram importantes nessa fase de constituição do sistema capitalista (1977, pp.667-724). Na interpretação marxista, a REVISTA Soc. Bras. Economia Política, São Paulo, nº 31, p. 65-96, fevereiro 2012 .77 conquista de colônias era um dos aspectos da política mercantilista praticada pelos Estados Absolutistas, tendo como objetivo último o fortalecimento do Estado, mas também, as burguesias mercantis metropolitanas (NOVAIS, 1986, pp.57-116). Desse modo, os interesses econômicos estavam subordinados aos objetivos políticos. Nesse mesmo sentido, Arrighi distingue a lógica territorialista de acumulação (a obtenção de territórios, de súditos e de riquezas incrementa a acumulação de capital) da lógica capitalista de acumulação (o processo de acumulação de capital incrementa o poder do Estado)11. Já Hecksher, no seu livro clássico sobre a economia da Época Moderna, defende que o Estado era, ao mesmo tempo, sujeito e objeto do mercantilismo (HECKSHER, 1943). Todos esses autores concordam em que a política colonial fomentada pela vontade de poder dos monarcas e da nobreza teve como resultado o fortalecimento da Em contraposição às teses marxistas e às explicações que ressaltam o interesse econômico das monarquias absolutistas na subjugação de novos territórios, Schumpeter redimensionava o papel do mercantilismo mercantis no impulso imperialista era muito menor do que aquele atribuído até então pelos historiadores. O imperialismo das monarquias absolutistas não fora impulsionado pela economia mercantil da época dimensão econômica do colonialismo e sublinhando no imperialismo da Época Moderna mais o impulso do que a conquista - e, na sua origem, mais a estrutura social do que as motivações individuais isoladas -, do capitalismo não pelo interesse na conquista e exploração das colônias, mas pela belicosidade de uma classe particular. Para Arno Mayer, que não poupa elogios ao insight criativo de Schumpeter, a originalidade da tese está sobretudo no fato de insistir em que, até 1914, as sociedades civis dos países europeus estavam longe de ser industrial-capitalistas ou burguesas: Como Schumpeter viu com tanta clareza, os reis, exceto na França, continuaram a ser, por ordem divina, as “peças centrais” dos sistemas de 78. REVISTA Soc. Bras. Economia Política, São Paulo, nº 31, p. 65-96, fevereiro 2012 autoridade da Europa. Sua posição era feudal em ambos “os sentidos, histórico e sociológico”, em grande parte porque “o material humano da sociedade feudal” continuava a “ocupar os cargos do Estado, comandar o exército e elaborar as políticas”. Embora os processos capitalistas, nacionais e internacionais, gerassem parcelas cada vez maiores das receitas do governo – para o “Estado coletor de impostos” -, o elemento feudal se mantinha como classe dirigente que se conduzia “segundo moldes pré-capitalistas”. Embora as classes superiores entrincheiradas cuidassem dos “interesses burgueses” e se aproveitassem das “possibilidades econômicas oferecidas pelo capitalismo”, tinham o cuidado de “se distanciar da burguesia”. Esse arranjo não era um “atavismo [...] mas uma simbiose ativa entre dois estratos sociais”, onde as antigas elites mantinham sua dinheiro e pagasse impostos. Segundo a avaliação de Schumpeter, mesmo na Inglaterra “o elemento aristocrático continuou a ser o chefe da casa período do capitalismo intacto e vital”. (MAYER, 1987, p.21). Mayer reforça ainda mais a fraqueza relativa da burguesia frente à do capitalismo provocou efeitos nocivos, “a contração setorial prolongada lembrou brutalmente à burguesia nascente que ela, em grande medida, era o componente mais fraco daquilo que Schumpeter chamou de a ‘simbiose ativa entre os dois estratos sociais’” (MAYER, 1987, pp.41-42). A simbiose ativa12, expressão usada por Schumpeter para entender as relações entre burguesia e nobreza, é mais notada, usualmente, a partir do aburguesamento da nobreza, pois é claro que, se os elementos feudais da sociedade civil e política e os magnatas fundiários perpetuaram seu adaptar e se renovar. Mayer concorda com Schumpeter que a burguesia não produziu seu próprio estrato político e que a nobreza era seu arquétipo. Para Arno Mayer, a mercantilização da terra não quebrou a homogeneidade classista dos proprietários de terras13. Ao ser preservada a base material, na qual se assentava tal classe, foi também preservado o seu ethos, o que, por sua vez, impediu a constituição de um ethos burguês propriamente dito. O que se escondia por trás do “sempiterno processo de ascensão da burguesia” era a incapacidade congênita dos grandes negociantes e REVISTA Soc. Bras. Economia Política, São Paulo, nº 31, p. 65-96, fevereiro 2012 .79 Como observou Schumpeter, embora a burguesia gerasse indivíduos que obtinham sucesso na liderança política ao ingressarem numa classe política de origem não-burguesa, não produziu seu próprio estrato político bem-sucedido.14 Especialmente no período entre guerras, alguns resultados trágicos parecem ilustrar convincentemente essa “subserviência” ideológica dos elementos burgueses à ideologia aristocrática. Na Áustria e na Hungria, a classe dos empresários e banqueiros (isto é, “os capitalistas”) era composta majoritariamente por judeus e estrangeiros (no caso particular da Hungria, por alemães e austríacos). Embora seja até mais compreensível que esses burgueses sentissem a necessidade de adotar os códigos sociais da aristocracia - queriam ser aceitos num ambiente mais ou menos hostil e queriam, também, alcançar os mesmos privilégios que a aristocracia - essa busca pela aceitação foi em alguns coniventes com o antissemitismo da aristocracia (MAYER, 1987, p.119 e ARENDT, 1989). Imperialismo e Nacionalismo Ainda resta explicar como a política imperialista, típica das sociedades pré-capitalistas, foi posta em exercício em plena era industrial a contrapelo da “tendência natural” das classes “industriais”15, cujos interesses e ideologia eram contrários ao imperialismo e à guerra. Como tais classes foram levadas às práticas imperialistas agressivas do último quartel do século XIX? A resposta parece estar no desenvolvimento do nacionalismo. A análise do debate em torno do nacionalismo constitui uma oportunidade para Schumpeter se distinguir dos demais teóricos, tanto em relação às suas ideias, quanto, mais particularmente, quanto à sua visão da História. Foi na época do absolutismo que a Coroa forjou e prestigiou o Ao mesmo tempo, produziu um modo de pensar que, apesar de 80. REVISTA Soc. Bras. Economia Política, São Paulo, nº 31, p. 65-96, fevereiro 2012 essencialmente não capitalista, foi incorporado pela burguesia. Diz Schumpeter: explica sua fraqueza na política, na cultura e na vida em geral, atrai para ela o desprezo da Esquerda e da Direita, e mostra o acerto de nosso diagnóstico – que encontra seu melhor exemplo em dois fenômenos muito próximos do nosso tema: o nacionalismo e o militarismo atuais (SCHUMPETER, 1961b, p.120). adaptação de uma prática feudal orientada para os interesses burgueses, o que consistiu na colocação, a serviço do Estado, da disposição guerreira do cavaleiro medieval. A não compreensão da verdadeira raiz do nacionalismo levou a que os conservadores censurassem os burgueses pela sua falta de nacionalismo, e os socialistas rejeitassem o nacionalismo por ser sinônimo de ideologia burguesa. Do ponto de vista de Schumpeter, as duas posições são efetivamente correntes hostis ao nacionalismo tanto na burguesia, quanto nas classes médias. Na sociedade capitalista, não é a grande burguesia o suporte preferencial do nacionalismo, mas a intelligentsia, cuja ideologia não se vincula a interesses de classe estáveis, mas varia ao azar da conjuntura. Por outro lado, a submissão da burguesia ao econômica que este exerceu e exerce sobre ela, tendem a infundir o nacionalismo no espírito burguês de diversas maneiras. Essa tendência se expressa particularmente no interior dos grupos burgueses ligados à exportação monopolista. A relação entre o militarismo e a burguesia também não é sem ambiguidades. Em primeiro lugar, é preciso dizer que não basta uma considerá-la uma nação militarista. Somente quando os círculos dirigentes do exército estão em condições de exercer o poder político é que se pode empregar o termo militarismo. O militarismo se mede REVISTA Soc. Bras. Economia Política, São Paulo, nº 31, p. 65-96, fevereiro 2012 .81 públicos em relação aos chefes militares, como por exemplo, na sociedade japonesa do início do século XX. Nesse caso também, a burguesia, se fosse seguir o modo de vida disso, para Schumpeter, era o caso da Inglaterra (com sua recusa de militares no Parlamento, etc.). No Continente, a situação era diferente: as tropas faziam parte da paisagem. A burguesia que não teve, em lugar nenhum, o poder de abolir o exército, resolveu torná-lo útil aos seus propósitos. Novamente, é sua antiga submissão ao poder monárquico e o papel atribuído aos intelectuais que explicam sua atração pelo militarismo. Encontramos uma dicotomia de atitudes e interesses em todas as dimensões do mundo moderno burguês, o que explica porque o “nacionalismo e o militarismo, embora não sendo criaturas do capitalismo suas melhores energias” (SCHUMPETER, 1961b, p.122). Logo, para Schumpeter, notava-se, claramente, a coexistência de duas eras históricas diferentes nas sociedades do início do século XX. Tal era a base social do imperialismo contemporâneo. O imperialismo moderno, tanto quanto o nacionalismo e o militarismo, era uma herança da época absolutista. Nele sobrevivem, não sem transposições, elementos moderno constitui o ponto de chegada de forças pré-capitalistas que o Estado absolutista reorganizou, em parte, graças ao capitalismo nascente. Fica absolutamente claro que o imperialismo não poderia jamais nascer da lógica interna do capitalismo. O mesmo pode ser dito da exportação monopolista, herdeira direta da política da monarquia absolutista e dos hábitos comerciais de um meio fundamentalmente pré-capitalista. Para Schumpeter, o afã imperialista das últimas décadas do século XIX e primeiras do XX tinha por base elementos de estruturas ultrapassadas que se perpetuavam em razão do poder político de classes tradicionais. Se o imperialismo ainda ocupava espaço no mundo moderno (pós Primeira Guerra Mundial) era porque a herança do passado 82. REVISTA Soc. Bras. Economia Política, São Paulo, nº 31, p. 65-96, fevereiro 2012 compreendia um aparelho militar “dotado de atitudes e disposições agressivas”, e porque uma classe social orientada à agressão continuava a ser politicamente dominante. Essa classe, cujos interesses estavam ligados à guerra, aliou-se a grupos burgueses que também tinham interesses nas guerras, perpetuando os instintos guerreiros assim como a ideia de dominação pela força, de supremacia viril e de glória militar, que teriam desaparecido há muito tempo se não fosse por isso. Tal aliança repousava sobre condições sociais que podiam até se explicar, em última análise, pelas relações de produção, mas não se tratava de relações de produção próprias ao capitalismo. Esse diagnóstico sugere a Schumpeter um prognóstico: por mais que os elementos pré-capitalistas, inseridos na sociedade europeia do pós-guerra, demonstrem forte aptidão à sobrevida, a evolução do mundo moderno tenderá a aniquilá-los a longo prazo (SCHUMPETER, 1961b, p.124) 16. Assim como Schumpeter, Elias considera que as relações entre os Estados das sociedades industriais tiveram sua origem no Estado absolutista e introduz algumas percepções a respeito das relações entre a burguesia e o nacionalismo, que ajudam a nuançar a interpretação. A guerra entre Estados naquele período era uma extensão das guerras entre famílias que terminaram por selecionar a dinastia a que pertencia o monarca absolutista. O comportamento pessoal e o comportamento político Tudo muda com a ascensão das classes médias europeias à direção do Estado. Num certo sentido, eles [os Estados] adotaram simplesmente o código dos príncipes, o código maquiavélico da política de poder. A continuidade é inconfundível. Entretanto, ao tornar-se um código de classe média, o código original, era um código de conduta primordialmente talhado sob medida para um príncipe em suas relações com outros príncipes. Agora, tornava-se um código para ser primordialmente aplicado à conduta dos negócios de uma nação-Estado em suas relações com outras nações-Estados. O desenvolvimento envolveu mudança, assim como continuidade (ELIAS, 1997, p.137). Para o autor, o antigo código maquiavélico foi transformado, no século XIX, em um sistema de crenças nacionalistas: operou-se a substituição “das ligações emocionais com príncipes viventes para os REVISTA Soc. Bras. Economia Política, São Paulo, nº 31, p. 65-96, fevereiro 2012 .83 símbolos impessoais de uma consagrada coletividade” (Idem). O que, na era absolutista, era uma política pessoal de governantes portadores de uma tradição guerreira, passou a constituir uma política de Estado que fundamentava o recrutamento no serviço militar obrigatório. No contexto anterior não havia contradição entre a moralidade privada e moralidade pública, porque o código das relações interestatais era um prolongamento do código pelo qual se pautavam os príncipes na vida privada. O que fora outrora o princípio de uma estratégia prática e, poderse-ia dizer, razoavelmente realista para a conduta dos príncipes nos negócios entre Estados mudou seu tom emocional quando se converteu numa Os aspectos realistas do código guerreiro tradicional [...] fundiram-se com a mística de um credo nacionalista em que milhares puderam acreditar como algo absoluto, sem fazer perguntas. (ELIAS, 1997, p.140) ideologia de origem não-burguesa, Elias defendeu a transformação ideológica da própria burguesia. Portadora de ideais universalistas no momento em que lutava contra a nobreza e o absolutismo, abandonaos em favor de ideologias nacionais, assim que começa a dominar o aparelho de Estado. Nesse contexto, o código guerreiro adquiriu as características de uma moralidade paroquial, nacionalista, nãoigualitária, em substituição da moralidade universal, igualitária e humanista do momento de ascensão da burguesia (ELIAS, 1997, p.151). Imperialismo e livre comércio Para explicar as práticas imperialistas das potências europeias na virada do oitocentos para o novecentos, Schumpeter partiu da análise do Estado absolutista e das políticas imperialistas do Antigo Regime, caracterizadas pelo direcionamento do afã guerreiro da classe feudal, ainda dominante, para as conquistas coloniais. A permanência desse afã guerreiro se explica pela “simbiose ativa” entre a burguesia e a nobreza. A burguesia, pela sua fraqueza ideológica e cultural, abandonava as práticas concorrenciais e livre-cambistas do capitalismo, adotando o 84. REVISTA Soc. Bras. Economia Política, São Paulo, nº 31, p. 65-96, fevereiro 2012 ethos da nobreza feudal. Na visão de Schumpeter, era isso que explicava o imperialismo e não uma necessidade do capitalismo de se expandir para além dos limites dados pelo comércio internacional. a política do Império Britânico na época analisada. Sua abordagem para o caso é, no mínimo, surpreendente. O autor considera que o mais vasto império colonial do século XIX teria se constituído por uma série de acasos “engraçados e aleatórios”, na contramão dos interesses anti-imperialistas da metrópole e da política dos seus dirigentes. Cita, como exceção à regra, alguns irresponsáveis, como Chamberlain, que amargou uma derrota eleitoral por ter levado o imperialismo a sério. Pode-se pensar, seguindo PASSERON (1984, p.4)17, que essas páginas, com o objetivo de escandalizar seus conterrâneos austríacos logo após a derrota de 1918. O imperialismo é visto como uma “anedota histórica” na qual “o título de imperatriz da Índia era uma brincadeira”, a guerra contra os Zulus, uma “iniciativa local”, e a conquista do Egito ocorrera à revelia de Gladstone 18. Segundo Schumpeter, Disraeli introduziu o imperialismo como slogan político, discursando no Palácio de Cristal em 1872 (já em campanha para as eleições de 1874). A partir daí, o bordão foi encampado pelos intelectuais de Oxford e Cambridge e pelos “observadores de desviar a atenção dos problemas quotidianos internos, apelando ao sentimento nacional. Ignorando deliberadamente os casos gritantes de interferência colonialista da Grã-Bretanha no restante do mundo,19 Schumpeter tomava ao pé da letra a “tradição política” inglesa de defesa do direito de autodeterminação dos povos. Para ele, a vaga imperialista não exprimia as tendências mais profundas da evolução da sociedade britânica; constituía interesses estavam ameaçados. Na verdade, Schumpeter precisa desacreditar a política imperialista da Grã-Bretanha no século XIX, retomando, à sua maneira, os argumentos dos “Little Englanders”, porque sua tese sobre o imperialismo se baseava fundamentalmente na noção de que o capitalismo e o laissez-faire prescindiam do imperialismo para funcionar. REVISTA Soc. Bras. Economia Política, São Paulo, nº 31, p. 65-96, fevereiro 2012 .85 É verdade que os adeptos de uma Inglaterra sem colônias – daí seu radicais, às vezes descrevendo as colônias como uma “pedra em torno do pescoço dos ingleses”. Mas, segundo Galbraith, existem poucas evidências ou o Gabinete do Primeiro Ministro. Isto porque nem seus mais ardorosos defensores, como Richard Cobden, expoente da “Escola de Manchester”, tinham ideias consistentes sobre o Império. Para Galbraith, o mito da “Pequena Inglaterra” nasceu da preocupação com o Império num sentido estritamente político, isto é, relacionava-se às despesas que a manutenção do império formal implicava. As relações privilegiadas de comércio e de investimento que a Inglaterra estabelecia com resto do mundo – aquilo que se convencionou chamar de império informal – era unanimemente defendido. A doutrina dos “Little Englanders” se desenvolveu ao mesmo tempo em que o Império se expandiu principalmente na Ásia. O aparente paradoxo, segundo Galbraith, praticamente desaparece quando se percebe que a maioria dos críticos da política colonial excluía a Índia da equação (GALBRAITH, 1961, p.35) A incompatibilidade entre livre comércio e imperialismo foi sobretudo questionada no clássico artigo de Gallagher e Robinson, que sustentaram que a época considerada de predomínio do livre comércio foi também a época de maior expansão do Império. É interessante observar que a análise que fazem do imperialismo tem alguns pontos em comum com a problemática schumpeteriana. Em primeiro lugar, porque ressaltam a existência de uma continuidade entre o imperialismo porque também têm o objetivo de “corrigir” a teoria econômica do imperialismo (marxista). Mas as similitudes terminam aí, pois um dos objetivos centrais do artigo é justamente argumentar que, no auge da política do livre-comércio, a Inglaterra teve uma política externa imperialista. Os autores argumentam que, em plena era do laissez-faire – de 1841 a 1871 -, a Grã Bretanha ocupou ou anexou extensas regiões localizadas em distintos recantos do globo, contradizendo a tese de que, nessa época, houve “indiferença” das autoridades do Império no que se refere à obtenção de colônias (GALLAGHER e ROBINSON, 1953, p.1). 86. REVISTA Soc. Bras. Economia Política, São Paulo, nº 31, p. 65-96, fevereiro 2012 Para esses autores, a política em relação à Índia também reforça o desmentido à tese de que a Grã Bretanha deixou de se interessar pela dominação (formal ou informal) de territórios na era do livre comércio. Nessa região, a expansão imperialista começou bem antes de 1880 e não esperou o início da fase da política imperialista dos cartéis e monopólios. O governo britânico usou todos os métodos de controle político direto: difundia as mercadorias britânicas para vantagem da inglesas; construía estradas de ferro a preços elevados e com garantias de juros etc. No período supostamente de domínio do laissez-faire, a Índia, ao invés de ser evacuada, foi transformada em uma típica colônia mercantilista, sendo obrigada a pagar taxas sobre produtos como o ópio e o sal (GALLAGHER & ROBINSON, 1953, p.2). O caso da Índia consistia em uma exceção reconhecida na época (como assinala Galbraith), ideia que foi retomada pelos autores que sublinharam a distinção entre o novo e o velho imperialismo (HOBSBAWM, 1986, p.137-138). Outra originalidade de Gallagher e Robinson está no fato de compreenderem o imperialismo tanto em função de objetivos econômicos como estratégicos. Somente quando as condições de organização política de certas regiões não fossem favoráveis para a integração comercial ou estratégica, a ocupação formal se fazia presente. A força só era utilizada como último recurso, o que distinguia o imperialismo de livre comércio britânico – o que Schumpeter consideraria uma “contradição em termos” – do imperialismo mercantilista. Contudo, a alternância entre o uso da força e dos instrumentos de livre comércio não segue uma ordem cronológica. As técnicas mercantilistas foram utilizadas em parte do Império formal, especialmente na Índia, em meados da era vitoriana, ao mesmo tempo em que técnicas de livre-comércio estavam sendo empregadas na América Latina. O imperialismo inglês formaria, portanto, um todo do qual faziam parte tanto o império formal quanto o informal, não sendo possível uma correspondência entre fases do imperialismo e fases de crescimento econômico na metrópole. Para os propósitos desse artigo, o que merece destaque é o fato de que, mesmo partindo de pontos de vista semelhantes – a continuidade do REVISTA Soc. Bras. Economia Política, São Paulo, nº 31, p. 65-96, fevereiro 2012 .87 imperialismo britânico entre o século XVIII e o XIX, e a discordância com a caracterização estritamente econômica do imperialismo –, Gallagher e Robinson chegaram a conclusões opostas às de Schumpeter: o imperialismo caracterizou a política externa britânica do século XVIII ao XX, em plena era do laissez-faire. Considerações Finais Com o passar do tempo, mesmo mantendo suas objeções à “doutrina marxista”, Schumpeter reavaliou sua opinião sobre alguns aspectos da teoria do imperialismo. No verbete “capitalism” que escreveu para a Enciclopédia Britânica em 1946 (1960, p.804), discutindo a conexão entre capitalismo e imperialismo, reconheceu a importância de três aspectos da teoria marxista sobre o imperialismo. Em primeiro lugar, a teoria marxista foi a primeira a elaborar, a partir de um esquema em segundo lugar, alguns dos fatos mais importantes dessa época, quaisquer que fossem os erros fatuais e teóricos nela contidos, seu ponto de partida era inquestionável: a problemática da integração industrial e das escalas de produção. Embora cartéis e trustes existissem antes desse período, o papel do chamado big business aumentou tanto que passou a constituir uma das características econômicas mais marcantes dessa era do capitalismo. Apesar disso, Schumpeter continuava a avaliar de modo diferente as consequências das mudanças que caracterizaram a Segunda Revolução Industrial. Era uma premissa do seu modo de ver considerar o capitalismo como o produto mais bem acabado da racionalidade econômica. Não acreditava que o surgimento dos monopólios e do big business menos ainda na existência de um soi disant Por isso não podia concordar com as críticas que os marxistas e outros economistas faziam ao capitalismo monopolista. Para ele, o capitalismo do big business era superior ao chamado capitalismo concorrencial, até porque a competição não desaparecera; ela comandava as inovações 88. REVISTA Soc. Bras. Economia Política, São Paulo, nº 31, p. 65-96, fevereiro 2012 responsáveis pelas vantagens quantitativas e qualitativas que vieram com as novidades no que se refere a tecnologias, mercados, fontes de suprimento, métodos de organização industrial e novos produtos. Para Schumpeter, a “destruição criativa” era melhor administrada no capitalismo do big business do que no capitalismo da competição tradicional (O’DONNELL, 1997, pp.63-64). Essa visão positiva do capitalismo leva Schumpeter a explicar as práticas imperialistas pela sobrevivência de políticas absolutistas e a negar sua existência na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos, onde o capitalismo se encontrava mais avançado20. Enquanto liberal, Schumpeter via o desenvolvimento econômico somente a partir da no processo de acumulação capitalista. Tal uso seria incidental quando presente na política externa das grandes potências. Mas, por outro lado, Schumpeter foi um crítico do comportamento da burguesia enquanto classe, ao mesmo tempo em que grande admirador do “empreendedor capitalista” introdutor de inovações no sistema econômico. Schumpeter destacou o panegírico da burguesia contido no Manifesto Comunista de Marx & Engels, ressaltando o aspecto criativo da classe dos capitalistas (business class), uma novidade em relação à visão de Adam Smith e de John Stuart Mill. (SCHUMPETER, 1949, p.210). As críticas que produziu sobre o comportamento da burguesia foram retomadas por autores que, sem se preocuparem com suas conclusões sobre o imperialismo, seguiram a senda aberta pela expressão “simbiose ativa”. Arno Mayer considerou que essa expressão “proporciona(va) um arcabouço excepcionalmente útil” para o entendimento das sociedades europeias da “belle époque”. (Schumpeter) Foi além de Marx no esclarecimento da interpenetração dos interesses agrários e burgueses e das elites; além de de dominação; e além de Veblen na delimitação do aparelho de Estado como um centro aglutinador e operacional vital para a classe ociosa refratária (MAYER, 1987, p.136). REVISTA Soc. Bras. Economia Política, São Paulo, nº 31, p. 65-96, fevereiro 2012 .89 O caráter da visão retrospectiva schumpeteriana, necessária para compreender as crenças e os ideais da classe média europeia entre os séculos XVIII e XX, lançou uma luz original sobre a época do absolutismo, rica em sugestões analíticas. Já a sua noção de “simbiose ativa” entre a burguesia e as classes do Antigo Regime ajudou a tornar mais claro o comportamento político da burguesia européia. A história política dos séculos XIX e XX forneceu numerosos exemplos disso. Por vezes, a classe que substituiu a nobreza como esteio do Estado moderno assumiu uma postura assustadoramente retrógrada, o que reforça a posição de Schumpeter. Como nota Passeron, as análises de Schumpeter propõem uma teoria das formações sociais como compósitos históricos, ao apontar para a coexistência, em uma mesma sociedade, de aparelhos e de relações de produção de diferentes épocas. Essa análise ultrapassa tanto a concepção evolucionista da “sobrevivência” de elementos do passado, como a concepção positivista da justaposição de partes que não guardam relação entre si. Entretanto, para Schumpeter existe uma contradição entre o nacionalismo, combustível do imperialismo, e a ideologia “espontânea” etc.), que emana de sua prática individualista. Na sua visão, os burgueses capitalistas não podiam ser nacionalistas porque esta ideologia era, por Abstract Written in the aftermath of the First World War, Joseph Schumpeter’s theory of imperialism presents itself as an alternative to the economic theory of imperialism, especially the Marxist view. Schumpeter does not consider the imperialism of the last quarter of the nineteenth century as a result of structural changes in the capitalist mode of production, instead he views it as a result of atavistic elements combined with feudal reminiscent still at work in the Modern State. As a classic liberal economist, Schumpeter considers certain and technological innovation, separating them from violent practices and 90. REVISTA Soc. Bras. Economia Política, São Paulo, nº 31, p. 65-96, fevereiro 2012 interference in foreign markets, viewed as incidental. But Schumpeter was also a shrewd observer and critic of bourgeois behavior and his ideas remain : imperialism, Modern State, Absolutism, Militarism, Nationalism Referências ANSERSON, Perry. (1984). Linhagens do Estado Absolutista. Trad. Telma Costa. Porto: Afrontamento. ARENDT, Hannah. (1989). Origens do totalitarismo. 5ªEd.Trad. Roberto Raposo. São Paulo: Cia das Letras. ARRIGHI, Giovanni. (1996). O Longo Século XX. Trad. Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Contraponto/São Paulo: UNESP. ELIAS, Norbert. (1985). La Société de Cour. Trad. Pierre Kaminitzer e Jeanne Etoré. Paris: Flammarion. ______________. (1993). O Processo Civilizador. Vol. II. Trad. Ruy Jungmann. Rio de Janeiro: Zahar. ______________ (1997). Os Alemães. 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Uma versão mais elaborada foi publicada em 1927, incorporando dessa vez a experiência da guerra, com o título “Liderança e Formação de Classes”. 4 Em 1905, em Viena, Schumpeter freqüentou, junto com Rudolph Hilferding (1877-1941) e Otto Bauer (1881-1938), um seminário sobre Marx dirigido por Böhm-Bawerk, (MCCRAW, 2009, p.45). No ensaio de 1919, Schumpeter não cita os livros ou artigos que comenta. A obra principal de HILFERDING (1985), O Capital Financeiro, foi publicada na Áustria e na Alemanha em 1910. 5 Paul SWEEZY, em introdução à edição brasileira de Imperialismo e classes sociais Schumpeter mudou de posição no que se refere ao conceito de imperialismo: “Há [...]indícios claros de que Schumpeter mudou de opinião, embora seja impossível precisar até que ponto. [...] Na verdade, a teoria do imperialismo contida no ensaio de 1919 é bem menos monolítica REVISTA Soc. Bras. Economia Política, São Paulo, nº 31, p. 65-96, fevereiro 2012 .93 do que presumiram os seus críticos. Um leitor cuidadoso poderá encontrar facilmente várias teorias do imperialismo [...]”. (SCHUMPETER, 1961b, pp.14-16). 6 O pioneiro nos estudos do imperialismo, John Hobson, acreditava que a principal razão econômica do imperialismo era a desigualdade na distribuição da renda que levava parte da população ao subconsumo, enquanto outra parte acumulava riquezas excessivas, para as quais buscavam novas inversões lucrativas (HOBSON, 1981, pp.86-104; para um resumo ver SILVA, 2003). 7 imperialismo lhe trazia benefícios e criticava os marxistas ortodoxos e vulgares por aceitarem essa tese, em determinada medida. Não é possível estabelecer se, ao escrever este ensaio, já conhecia a obra de Lênin, (1916). Nessa obra, Lênin (1974) refere-se à aristocracia operária. 8 É interessante notar o contraste com Werner SOMBART (1946) a propósito da relação entre guerra e capitalismo. Para este, a guerra e o luxo, estão na origem do capitalismo, pois expandem mercados. Para Schumpeter, por se assentarem em motivos irracionais, guerra e luxo não poderiam estar na origem do capitalismo. Sua teoria do imperialismo está fundamentada nessa incompatibilidade entre a racionalidade capitalista e a irracionalidade contida nos motivos imperialistas. Logo, a transição para o capitalismo se estende no tempo até que todas as práticas irracionais, a guerra, por exemplo, sejam superadas. 9 Na tradução francesa a referência à teoria marxista da história é explícita (SCHUMPETER, 1984, p.110). 10 O primeiro a elaborar sobre um Estado de equilíbrio foi F. Engels: “Entretanto, por exceção há períodos em que as classes em luta se equilibram de tal modo que o poder do Estado, como mediador aparente, adquire certa independência momentânea em face das classes. Nesta situação, achava-se a monarquia absoluta dos séculos XVII e XVIII, que controlava a balança entre a nobreza e os cidadãos; de igual maneira, o bonapartismo do primeiro império francês, e principalmente do segundo, que jogava com os proletários contra a burguesia e com esta contra aqueles.” (ENGELS, 1963, p.137). 11 A propósito desse assunto, Arrighi critica a tese de Schumpeter sobre o imperialismo quando sem propósitos claros, inclinações puramente instintivas, insensatas e irracionais para a guerra e a conquista”. Diz Arrighi, “Com o devido respeito a Schumpeter, uma lógica estritamente territorialista de poder, moderna, não é mais nem menos racional do que uma lógica de poder estritamente capitalista. Trata-se, antes, de uma lógica diferente, na qual o controle do território e da população é, em si mesmo, o objetivo das atividades de gestão do Estado e da guerra, e não um simples meio na busca do lucro pecuniária” (ARRIGHI, 1996, PP.33 e 35). As citações de Schumpeter em Arrighi são da edição de 1955, pp.64-65. 12 Embora a idéia esteja presente em Imperialismo..., a expressão simbiose ativa só aparece em Capitalismo, Socialismo e Democracia (1961c, p.171) 13 precisou ser regulado nos primórdios do capitalismo (POLANYI, 1980, p.81). 14 Mayer cita também Gabriel Tarde, para quem a “propensão para macaquear o seu superior” 15 Designação que, em Schumpeter, indica burguesia industrial e proletariado. 94. REVISTA Soc. Bras. Economia Política, São Paulo, nº 31, p. 65-96, fevereiro 2012 16 Note-se que os porta-vozes intelectuais da burguesia também profetizaram a mesma coisa. militar na relação entre Estados. (ELIAS, 1997, p.136). 17 Autor de uma alentada introdução da tradução francesa da obra de Schumpeter. 18 O mesmo viés encontra-se na análise sobre os Estados Unidos, que teria se abstido de anexar completamente o México e o Canadá, apesar das oportunidades e do interesse evidentes (Schumpeter, 1984, pp.51-53). 19 China (1839-1842) e a declaração Balfour (1917) sobre a Palestina. 20 incluí-la na discussão. REVISTA Soc. Bras. Economia Política, São Paulo, nº 31, p. 65-96, fevereiro 2012 .95